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A vista da multidão que o havia precedido lá na outra margem do lago, Jesus comoveu-se e compadeceu-se de todas aquelas pessoas, diz o Evangelho, por que eram como ovelhas sem pastor. Jesus está tomado de compaixão, o seu coração está comovido. Eis o motivo pelo qual um dia no céu ele deixou o Pai e veio habitar entre nós para partilhar a nossa existência; eis a única razão de ser deste percurso de misericórdia, inaugurado no seio da Virgem Maria e concluído pela cruz e pela ressurreição. Eis o único motivo, absolutamente irracional, daquela que para Deus não foi uma aventura qualquer: o amor, um amor tocado, mexido, profundamente enternecido diante das nossas misérias. Doravante toda a vida de Jesus, incluindo a sua morte, será apenas o sinal mais concreto possível deste amor, a sua prova mais tangível. Como um dia afirmará São Paulo: “Ele me amou e se entregou por mim”. Os dois episódios subseqüentes no Evangelho de hoje ilustra isso, cada um a seu modo. Em primeiro lugar, existe o amor de Jesus pelos próprios discí-
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pulos, amor pleno de delicadeza. Os discípulos retornam de suas primeiras missões trazendo a Jesus as notícias dos primeiros sucessos obtidos, dos primeiros milagres realizados. Estão confiantes, alegres e cansados. As multidões os procuram. O vai e vem é tal que não há tempo nem para comer. Então Jesus os convida a ir a um lugar calmo e solitário, que só ele conhece, ali poderão estar tranqüilos e repousar junto dele. Fugir do turbilhão da agitação, repousar junto a Jesus, dedicar tempo a ele e a si mesmo, para partilhar da intimidade do Filho de Deus, se torna em certos momentos tão importante e urgente quanto o esplendor de uma missão cumprida com sucesso. Jesus estava com eles no centro de suas ações missionárias, quando com alegria e destemor anunciavam o seu nome. Jesus está ainda com eles, e ainda mais quando toma-os consigo para um momento de intimidade. Isso os discípulos não puderam escolher. É Jesus que os enviou em missão e, de novo, é Jesus que agora os conduz ao repouso na outra margem do
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lago. É sempre ele que controla o jogo, é ele que nos escolhe, cada dia, escolhe aquilo que há de melhor para nós. Como é importante deixar que escolha, deixar-se escolher por ele. Na outra margem do lago, uma surpresa espera os discípulos e Jesus. A multidão adivinhou as intenções de Jesus. A multidão chegou primeiro na outra margem e está lá esperando, antes que a barca ancorasse. O que importa, ainda uma vez mais, é que prevalece a misericórdia do coração de Jesus. À vista desta multidão Jesus não hesita um instante. Estas pessoas anseiam por um mestre que os ensine, por um pastor que os conduza. E Jesus veio exatamente para isso. O seu coração de novo é revirado. Nestes momentos, mais do que nunca, Jesus é ele mesmo, ou seja, misericordioso, compassivo. Isto é verdade ainda hoje, como foi há vinte séculos, para cada um de nós: também nós, somos ovelhas a procura de um pastor, discípulos que esperam com impaciência um mestre. Para isto ele veio habitar em nosso meio, por isso segue nossos passos des-
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de a nossa concepção, segue todos os acontecimentos das nossas vidas, frequentemente tão confusos para nós. E quanto mais estamos machucados pela vida, quanto mais confusos estamos, tanto mais o coração de Jesus se comove por nós e nos segue incessantemente, sem que saibamos, ao longo de todos os caminhos que aventuramos. Não para vigiar-nos ou para surpreender-nos em fragrante, e nem mesmo para reprovar-nos e tão pouco para condenarnos, mas para convidar-nos incessantemente a repousar com ele, na outra margem: “Vinde a mim, vós todos que estais cansados e alquebrados, e eu vos darei alívio”. AMÉM.