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A vida de cada um de nós comporta certo número, de “ocasiões perdidas”, uma expressão que todos nós conhecemos, como este encontro entre Jesus e este jovem rico do evangelho. Ah, mas o jovem rico do evangelho não tinha nada de reprovável! De fato, “estava em dia” – e tinha consciência disto – mesmo com o menor dos mandamentos que ele respeitava desde sua tenra idade. Jesus não poderia exigir nada mais deste jovem e só teria motivo de alegrarse com ele se não tivesse sido feita uma pergunta formulada pelo próprio jovem: “Que farei para herdar a vida eterna?” Uma pergunta que certamente está para além do auto compadecimento que o jovem rico poderia ostentar e que trairia nele um desejo ainda mais profundo de que não fora ainda
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aplaudido, louvado e exaltado suficientemente em suas boas obras. Jesus não pode exigir mais deste jovem, é verdade, mas o amor não pode contentar-se com o que é simplesmente devido, com o estrito dever. Ora, o evangelista Marcos faz notar que o olhar de Jesus, que se deteve sobre este jovem, improvisadamente começou a brilhar: “Fitando-o, Jesus o amou”, disse o evangelista. O amor sempre tem algo mais a propor porque jamais poderá ser completado. Jesus arrisca, portanto, uma palavra de amor, dizendo ao jovem: “Uma só coisa te falta: vai vende o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me”. “Segue-me”: somente o amor ansiaria por ligar alguém a si mesmo para sempre desta maneira, o amor
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de Jesus. Semelhante proposta teria sido muito gratificante para este jovem, se não fosse colocada uma condição particular: a de desfazer de todas as das riquezas para seguir Jesus pobre. Além disso, trata-se de uma condição que não é negociável: em outra ocasião Jesus dirá que ninguém pode servir a dois senhores contemporaneamente (Mt 6,24) Somente um pobre, e quem dividiu seus bens com os pobres, é capaz de acolher a oferta de Jesus e de segui-lo. Ora, este jovem possuía grandes riquezas e o olhar de amor de Jesus, doce e insistente, não causou nenhum efeito. Para ele era impossível realizar isso. O evangelho comenta que “foi embora pesaroso”. Mas ele não tinha desejado seguir Jesus? E eis que, quando lhe é oferta a ocasião, se viu
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quase constrangido, triste consigo mesmo, por ter que deixar escapar esta ocasião e rejeitá-la. E também Jesus fica triste, desiludido em seu amor, depois de ter constato mais uma vez até que ponto as riquezas podem marginalizar Deus. Contudo, Jesus não se desespera. É uma ocasião perdida, é verdade, mas não é a última. Com Jesus uma ocasião nunca é a última. Esta é a história de todos nós: na maior parte do tempo nossa história com Deus é tecida por uma longa série de ocasiões perdidas. Mas Deus não se desespera. Aquilo que é improvável para o homem, para não dizer impossível – que um camelo passe pelo buraco de uma agulha – é sempre possível para Deus. O homem parece ser feito de modo tal de ter antes de tudo necessidade de deixar passar a
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ocasião, de perder a primeira oportunidade divina, antes de deixar-se finalmente como que ser fisgado por ela e por este Deus divinamente paciente. O que quer que sejamos e o que quer que seja a qualidade da nossa experiência espiritual, nos faltará sempre algo mais para seguir Jesus de forma mais próxima. Ou melhor: algo demais nos atrapalhará sempre, mantendo-nos longe da intimidade do seu amor. Algo que ignoramos quase sempre, mas que o seu amor engenhosamente nos revela um pouco de cada vez, na hora certa, e nos ensina a desapegar-se com uma doçura infinita que só graça pode instilar no nosso coração. AMÉM.