VI Domingo do Tempo Pascal Caríssimos Irmãos e Irmãs: A Liturgia da Palavra deste VI Domingo de Páscoa sublinha, sobremaneira, o tema do amor; definindo-o como realidade divina: “Deus é amor.” (1Jo 4,8). O amor é quem sustém a relação entre Deus e o homem; entre o homem e Deus. “Deus nos amou e nos enviou seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados”. (1Jo 4,10). “Se alguém me ama... O Pai o amará e viremos a ele”. (Jo 14,23) “Permanecei no meu amor”. (Jo 15,9) Na Segunda Leitura e no Evangelho, o amor é, por outro lado, contemplado como relação entre cristãos: “Este é o meu mandamento, que vos amei uns aos outros”. (Jo 15,12) Da relação de amor a Deus e de amor entre os irmãos decorre a salvação e a santidade. Por isso, São João (1Jo 3,14) diz: “quem não ama permanece na morte” , isto é, está o homem privado da salvação e da santidade. Mas, “aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus”, isto é, vive em comunhão com Deus e O possui. No amor se encerra toda a essência da vida divina no seio da Trindade Santa. Essa vida divina é, pois, oferecida ao homem.Tal realida-
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de é a chave de compreensão de todo o sistema cósmico da criação, da redenção e da restauração universal. De fato, Deus deu existência a toda a criatura como expansão de seu amor; redimiu o homem porque o amava e tudo será reconduzido ao triunfo do amor. A luz, portanto, que ilumina todo o Ser Trinitário e a vida cristã dos homens é o amor. Essa luz é o Espírito Santo, o Amor Incriado. Ele é o vínculo que une o Pai ao Filho. Na linguagem mística de São Bernardo, o Espírito Santo é o beijo do Pai no Filho. Ele é o ser unificante do homem com Deus e dos os membros do Corpo Místico. Entretanto, caros irmãos, a palavra amor em nossas línguas modernas tem muitas conotações. Indica variados sentimentos e atitudes. Hoje, é uma palavra desgastada e vulgarizada pelo mau uso e por tantas significações, o que não acontecia, por exemplo, com a cultura helênica clássica que tinha várias palavras para designar amor, por isso, mais precisos ao se expressarem. A Igreja ao anunciar o Evangelho – pensemos sobretudo em São Paulo – enfrentou o desafio de falar de Deus e da salvação que operou por seu Filho com grande dificuldade e, por conseguinte, com muita responsabilidade e criatividade, pois era imprescindível discursar sobre o amor; uma necessidade vital. 2
Os gregos tinham quatro vocábulos para expressar a realidade do amor. A primeira delas era “Porneia”. É o amor que suga e se deixa sugar pelo outro. Trata-se do amor do recém-nascido que se alimenta do peito materno. Se o ser humano não ultrapassa tal etapa, na vida adulta é um desastre. Para os que não superaram esse momento da vida, amar significa sempre extorquir algo de quem supostamente se ama; ou então, o prazer de se deixar “abusar” pelo outro. A segunda expressão, mais conhecida por todos nós, eles o denominavam de “Eros”. É o amor que está intimamente ligado ao prazer sexual, importante para a preservação da espécie. Neste caso, quando perfeitamente realizado, é uma troca de sadias compensações e vínculo de compromisso conjugal. Quando mal vivido, produz possessão e, consequentemente, escravidão e sofrimento. A terceira palavra era “Filia”. É o amor entre amigos, que dispensa a participação da carne. Superada a necessidade do corpo do outro, a satisfação legítima e valiosa acontece nos relacionamentos de troca de conhecimento, de cumplicidade na busca do bem comum, na doação de si para, se necessário, dar a vida pelo amigo. É de sua natureza que, ambas as partes, sejam fiéis no projeto recíproco desse gênero de amor.
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O quarto vocábulo para expressar amor era “Ágape” . É um amor superior, livre de todo egoísmo, de inveja, de ciúmes, de possessão e de outros vícios. É o amor da “loucura”, pois nada se espera da pessoa amada. O bem realizado é sempre gratuito. O sentimento é transformado em dedicação e ternura, isento de cobrança e reconhecimento. Foi essa palavra “Ágape” que os cristãos utilizaram para explicar a realidade divina. Deus é ágape. É a saída contínua de si mesmo para o encontro do outro. Saída de si mesmo para servir o outro. Saída de si mesmo para salvar o outro. Saída de si mesmo para gerar vida em plenitude no amado. Essa foi, pois, a dinâmica de Deus-amor: O Pai envia seu Filho ao mundo não para condená-lo, mas para salvá-lo. Deus, que é amor, respeita nossa liberdade; somos livres para corresponder a seu amor; nada nos exige. Ele é, pois, ágape. Porém, é importante sublinhar: o mandamento novo do Cristo é “amai-vos uns aos outros”. Fomos criados para amar. Não há em parte alguma da doutrina do Senhor: “sejais amados”. Abrir os olhos para essa realidade, nos liberta de todo autismo provocado pelo pecado original. Quem não ama, jamais saberá que é amado. Os santos foram aqueles que amaram muito e, por isso, tiveram sempre consciência de 4
que foram amados, até pelos inimigos, pois amar o inimigo – mandamento do Senhor – mesmo em seu desprezo e maldade os fazia livres de si mesmos e dos outros. O benefício em amar o inimigo é, justamente, experimentar um rosto peculiar do amor, que Jesus experimentou e assumiu amando-nos: imolação, sacrifício, cruz, mistério pascal. O amor de Deus – ágape infinito – só é possível quando o humano livre, consciente e definitivamente desposa o Divino. Esse matrimônio nós o contraímos pelo Batismo. Somos Templo de Deus, portanto, capazes de amar como o Senhor nos pede. Na Oitava de Páscoa cantamos um Hino que revela uma realidade importante para todos nós que optamos pelo discipulado do Cristo, cuja opção supõe o querer e o aprender a amar: “Em Cristo a vida eterna se fez realidade em nós. Vivendo a Lei de seu amor, antecipamos a ressurreição.” É da natureza e da missão de todo batizado antecipar a ressurreição enquanto peregrino nesta terra, ou seja, estando todo inteiro nesta vida, não olvidar nem deixar de sinalizar que a vida eterna já é realidade em nós; já somos cidadãos da Jerusalém gloriosa. Assim seja!
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