Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil de Pernambuco - Fepetipe CARTA DO FEPETIPE AOS PARLAMENTARES DE PERNAMBUCO Recife, 31 de julho de 2015. AOS/À EXCELENTÍSSIMOS/A SENHORES/A PARLAMENTARES DO ESTADO DE PERNAMBUCO
O Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil de Pernambuco - Fepetipe , integrado por entidades governamentais e não governamentais que atuam no segmento, vem, por meio da presente, na qualidade de instância que realiza o controle social nessa área do Estado de Pernambuco, manifestar-se com extrema preocupação diante da iminente possibilidade de entrada em pauta da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, após designação, no início de julho do corrente, de Relator Subtituto – Deputado Esperidião Amim (PP/SC) – e aprovação da admissibilidade por Parecer do Deputado Maluf (PP/SP), em novembro de 2014, da PEC 18/2011 - de autoria do Deputado Dilceu Sperofico (PP/PR); da PEC 35/2011 - de autoria do Deputado Onofre Agostini (DEM/SC); e da PEC 274/2013 - de autoria do Deputado Edinho Bez (PMDB/SC), bem como expor alguns importantes argumentos que sustentam nosso pleito de que Vossas Excelências, na qualidade de representantes legitimamente eleitos/as por Pernambuco, VOTEM CONTRA A PROPOSTA DE REDUÇÃO DA IDADE MÍNIMA CONSTITUCIONAL PARA O TRABALHO, quando tais matérias forem submetidos à Plenária. Inicialmente, devemos registrar que se trata de um assunto que envolve uma realidade sócio-histórica de extrema complexidade e que merece a maior atenção possível por parte de Vossas Excelências no exercício da missão conferida a vós pelo povo pernambucano para esta legislatura. Atividade de tal envergadura não deve ser exercida sob o calor da emoção ou de forma irrefletida, haja vista a grande repercussão que a edição de um dispositivo normativo dessa natureza exerce perante a sociedade e, em especial, alguns indivíduos que a ela pertencem. Confiantes de que Vossas Excelências possuem tal consciência é que expomos a seguir argumentos que sustentam o pleito que ora lhes dirigimos. O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 é fruto de Emendas Populares, construídas a partir de ampla mobilização da sociedade brasileira, durante o processo constituinte de 1987, envolvendo os próprios sujeitos aos quais se destinam, representados pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e outros. Os mesmos expressam um avanço civilizatório e um compromisso assumido pelo Estado Brasileiro perante a comunidade internacional como signatário da Convenção Sobre os Direitos da Criança (aprovada pela ONU em 1989), bem como o anseio da sociedade brasileira de deixar para trás na história a chamada Doutrina da Situação Irregular, expressa pelo Código de Menores de 1979. Sendo assim, em 1990, tais dispositivos foram regulamentados pela legislação especial à qual se referem, qual seja a Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Tais dispositivos legais, no contexto da nova Doutrina da Proteção Integral, afirmam, sobretudo, a igualdade de todos/as crianças e adolescentes
Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil de Pernambuco - Fepetipe brasileiros/as, independentemente de qualquer condição sócio-econômica, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, deficiência, etc. O Brasil os/as reconhece como sujeitos de direitos e responsabilidades que possuem uma condição peculiar de sujeito em desenvolvimento e, dessa forma, merecedores/as de proteção especial, com prioridade absoluta, contra qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão! E, ainda mais, enquanto dever da garantia da aludida proteção integral, a Constituinte encarregou a família, a sociedade e o Estado – não ficando isentos dessa responsabilidade nenhum de nós adultos! A Constituição Federal de 1998, a partir da Emenda Constitucional n.º 20/98, em consonância com a Convenção n.º 138 da OIT (aprovada pelo Decreto Presidencial 4.134/2002), estabeleceu em seu Art. 7º, inc. XXXIII, a proibição “de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos” e, da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 60). Como reflexo da histórica omissão em relação ao cumprimento desses deveres, apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ter acabado de completar 25 anos desde sua promulgação, neste ano, ainda é muito desconhecido de grande parte da sociedade, razão pela qual sua plena implementação, à luz da própria Constituição Federal de 1988, ainda se encontra muito distante. Mesmo assim, muitos/as daqueles/as que desconhecem a Lei 8.069/1990 ou seu próprio sentido insistem em propagar perante a sociedade ideias errôneas a seu respeito, que costumam ter sua repercussão ampliada através dos meios de comunicação. O que queremos chamar a atenção, nesse momento, é que a atividade legislativa não se deve pautar por esse mesmo senso comum, tão difundido perante a sociedade. Afinal, com base no senso comum e opinião da maioria da população, a humanidade já se defrontou com o Holocausto e outras barbaridades que envergonham seguidas gerações!!! Ora, muito se diz que adolescentes que “é melhor uma criança ou adolescente estar trabalhando do que roubando”, dentre outras afirmações correlatas... Porém, conforme expôs Ari Cipola (2001, p. 24) 1: Os estudos apontados pela OIT indicam ainda que essas crianças, que ingressam aos dez anos no trabalho, ao chegarem à idade adulta conseguem um salário equivalente a apenas 20% daquele que recebem os jovens que passam a trabalhar com 18 anos e que, em média, possuem sete anos de escolaridade. [grifos nossos]
Verificamos, portanto, o extremo prejuízo a que a vida dessas crianças e adolescentes é submetida, constituindo-se em um fator agravante da pobreza e desigualdade que persistem historicamente no país, de gerações em gerações! Como esse mesmo autor destaca, existe uma relação direta entre o ingresso precoce no trabalho e o atraso ou a evasão escolar e entre
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CIPOLA, Ari. O trabalho infantil. São Paulo: Publifolha, 2001.
Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil de Pernambuco - Fepetipe esses e a diminuição das perspectivas futuras de aferição de um salário digno para o seu sustento e de sua família. (CIPOLA, 2001, p. 81) Por reconhecer os esforços adotados, nos últimos anos, com vistas ao enfrentamento ao trabalho infantil, que redundaram em significativa redução dos índices, o Brasil foi escolhido pela OIT para sediar, em outubro de 2013, a III Conferência Global sobre o Trabalho Infantil. Esse encontro estabeleceu metas importantes para a erradicação do trabalho infantil, sendo as piores formas até o ano de 2016 e todas as formas até 2020. Sendo assim, o que queremos demonstrar é o enorme retrocesso histórico que a aprovação da PEC 18/2011 ou de suas correlatas (que visam a redução da idade mínima constitucional para o trabalho) trariam ao Brasil, que tem o Estatuto da Criança e do Adolescente como uma legislação reconhecida internacionalmente como progressista e adequada ao tratar dos direitos desse segmento. Ainda mais se considerarmos que, neste ano, essa legislação completou 25 anos desde sua promulgação, o que, em termos históricos, ainda não expressa de forma significativa as mudanças almejadas pela sociedade brasileira com a sua edição, principalmente, por ser tão pouco conhecido, conforme já expusemos. Basta observar através dos dados oficiais existentes que, apesar de significativos avanços em termos de escolarização, grande parte de crianças, adolescentes e jovens apresentam baixíssimo nível de escolaridade formal e, portanto, revelam a grande omissão que nós, enquanto família, sociedade ou Estado, tivemos com a garantia de direito tão fundamental, que é a educação. O que esperar enquanto sociedade se não conseguimos garantir o nível básico de cidadania às nossas crianças e adolescentes e esses/as continuam a crescer sem mal saber escrever seus nomes? Como poderemos responsabilizar unilateralmente a eles/as próprios/as e suas famílias, em tamanha condição de vulnerabilidade e risco social, esquecendo-nos do dever da sociedade e do Estado para com os/as mesmos/as? O que ocorre é que, muitas vezes, sob o manto o discurso de proteção, incorremos em um tratamento discriminatório em relação a crianças e adolescentes oriundos/as das classes populares, em consonância com a antiga Doutrina da Situação Irregular, que já deveria ter sido superada com a aprovação do novo marco legal (CF 88, ECA), que adota a Doutrina da Proteção Integral. Ou seja, considero para o que seja melhor para o “filho do pobre” diferente do que considero para o “meu filho”. Onde está a condição de igualdade? Se eu quero que meu filho termine seus estudos (Ensino Fundamental e Ensino Médio), ingresse na Universidade, tenha um bom salário, um bom futuro, por que esse projeto de vida também não pode ser traçado para todas/os crianças e adolescentes? Segundo Ari Cipola (2001, pp. 30-31), o Unicef, através de seus estudos, apontou quatro principais determinantes para o trabalho infantil:
A pobreza, que leva as famílias a ofertarem a mão-de-obra dos filhos muito cedo;
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A ineficiência do sistema educacional do Brasil, que torna a escola desinteressante para os alunos e promove elevadas taxas de repetência e evasão;
O sistema de valores e tradições de nossa sociedade, marcado pela chamada “ética do trabalho”;
O desejo de muitas crianças de trabalharem desde cedo.
Esse mesmo autor apontou que a Região Nordeste concentra metade dos 600 mil trabalhadores da zona rural e que, nas áreas urbanas do país, ainda segundo a PNAD, a presença de crianças ocorre em maior número em lixões (100 mil), atividades ilícitas como o tráfico de drogas (73 mil) e o comércio de rua (50 mil). Há, ainda, 5 mil engraxates e 3 mil distribuidores de jornais e revistas. (CIPOLA, 2001, pp. 26-27) Precisamos continuar a avançar no enfrentamento das causas que geram a situação de desproteção social de crianças, adolescentes e suas famílias, garantindo a esses/as condições de igualdade no acesso aos direitos preconizados constitucionalmente, através de políticas públicas eficazes, com maior investimento orçamentário, em respeito ao princípio constitucional da prioridade absoluta! Cremos, portanto, que fica demonstrado, por diversas razões, que o caminho a perseguirmos enquanto sociedade é diametralmente oposto ao que vem sendo proposto pelos projetos que visam à redução da idade mínima constitucional para o trabalho, garantindo-se a todas/os crianças e adolescentes brasileiras/os as condições necessárias para o seu pleno desenvolvimento enquanto pessoa, formando-se cidadãos conscientes da responsabilidade de seus atos e tendo garantidas as condições para que enquanto futuros jovens e adultos também possam educar seus filhos dentro dos mais elevados padrões éticos, construindo uma nação próspera perante as futuras gerações! Esse é o tamanho da responsabilidade que a sociedade pernambucana delegou a Vossas Excelências, no exercício dessa legislatura, a fim de que não haja qualquer retrocesso histórico no caminho que vem sendo percorrido, mas sim maior celeridade da implementação do que preconizam o Art. 227, CF 88, bem como a Lei 8.069/1990 (ECA), garantindo-se recursos públicos, com prioridade absoluta (Art. 4º, parágrafo único, alínea d, ECA)! Cordialmente,
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