A Toponímia Céltica e os vestígios de cultura material da Proto-História de Portugal José Manuel de Amaral Branco Freire* Revista de Guimarães, Volume Especial, I, Guimarães, 1999, pp. 265-275
1) A problemática peninsular na utilização devida das letras /P/ e /Q/ entre as línguas célticas arcaicas: o celtibérico e o lusitano-galaico. 2) A generalização dos topónimos de raiz céltica desde o período Hallstatt A. 3) A mesclagem de elementos centro-europeus e d’outros orientalizantes/préclássicos da Cultura Material das Idades do Ferro. 4) Resumo temático.
1) A problemática peninsular na utilização devida das letras /P/ e /Q/ entre as línguas célticas arcaicas : o celtibérico e o lusitano-galaico. O surgimento de diversos elementos de influência centro-europeia no território nacional, sobretudo no que concerne as etnicidades históricas, reportam-se ao período Post-Hallstatt A, ou seja na sequência própria da Cultura dos Campos de Urnas. Os indícios mais antigos são essencialmente encontrados na expansão das línguas célticas de outrora. Principalmente daquelas ligadas às migrações exo-territoriais que trouxeram a presença do britónico (celta em /P/) para as diversas regiões ulteriormente assinaladas. Não esquecendo evidentemente a ainda insolúvel questão das reminiscências vestigiais do gaélico (celta em /Q/) e do próprio britónico na formação devida dos dois componentes dialectais derivados de uma subfamília céltica na Peninsula, i.e. o celtibérico e o lusitano-galaico.
* Mestrado: Pré-história e Arqueologia – Universidade de Letras de Lisboa; 1999. D.E.A. ETUDES CELTIQUES – Universidade de Rennes 2; 1998.
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Datas 1.200 b.c. 1.000 b.c. 800 b.c. 600 b.c. 500 b.c. 400 b.c. 250 b.c. 120 b.c.
Quadro I: Períodos Cronológicos Proto-Históricos Períodos Subdivisões Bronze Final Hallstatt A Bronze Final Hallstatt B Ferro I/Hallstatt Antigo Hallstatt C Ferro I/Hallstatt Recente Hallstatt D Ferro I/La Tène Antigo La Tène I Ferro II/La Tène Antigo La Tène I Ferro II/La Tène Médio I La Tène I Ferro II/La Tène Final La Tène III
A distinção formal entre a matriz indo-europeia e a língua celta comum, é notória na plena ausência da letra /P/ nesta última. Existe no entanto a possivel evidência de uma passagem evolutiva de um fonema em /P(h)/, i.e. um /P/ fonéticamente muito leve unido a um /(h)/ mudo, nas formas mais arcaicas das línguas célticas (Walter, 1994), estando aqui incluidos os dialectos mais antigos peninsulares. Assim, enquanto por exemplo, o latim e o germânico utilizarão a seu tempo e respectivamente, a letra /P/ e /F/, correspondentes; o léxico celta mais antigo não terá usufruido, em tempo histórico, de qualquer outro elemento homónimo. A prova disso mesmo encontra-se expressa na configuração própria da palavra Pai. O latim utiliza a forma Pater, o germânico, na derivação inglesa, Father, enquanto que o irlandês antigo: Athir.O celta em /Q/ teria então sido formado a partir da existência de um /Kw/ indo-europeu original (Walter, 1994). A presença de elementos célticos dos mais arcaizantes na formação do Galaico-Português, e isto embora plenamente ligados à latinização própria da língua, situa que mesmo os dialectos mais enraizados e estáveis, particularmente aqueles falados até meados do século IV A.D. (Machado, 1993), se encontravam maioritáriamente unidos ao léxico celta em /P/ (britónico) e, menos ao celta em /Q/ (goidélico), língua essencialmente mais evoluida a nível histórico, sendo actualmente conhecida pelo termo gaélico. A problemática da presença do /P/, sendo algo constante nos aspectos vestigiais das línguas luso-galaicas, revela no entanto essa possibilidade de evolução provável desde os arcaísmos mais longínquos até às ulteriores misturas itálicas e germânicas. Existe assim a hipótese que nas formas antigas dos dialectos celtas peninsulares, a utilização desse fonema em /P(h)/ tenha originado, posteriormente, não só uma acomodação ulterior à expansão devida do /Q/ goidélico, assim como uma fácil e evidente readaptação posterior, desde a época proto-histórica até às formas de dominação imperiais, entre a forma contemporânea do /P/ britónico assim como do seu componente latino homónimo.
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Algo de similar encontra-se reportado na antiga língua gaulesa (britónico), onde a afectação correspondente às duas formas línguisticas distintas, surge na existência mista de palavras formadas nas duas letras. São o caso exemplar do teónimo Sequana, deusa do rio Sena, onde o arcaísmo indoeuropeu em /Kw/ se manteve; e esse outro nome de povo que deu origem à forma moderna da capital francesa: Paris, derivada da nomenclatura Parisii, elemento em /P/ que, óbviamente cambiou a forma mais antiga de Quarisii(Walter, 1994). Quadro II: A família linguística céltica CELTA COMUM Lusitano-Galaico Celtibérico Lepontico Gaulês Goidélico Britónico SO Galês Cambriano Irlandês Erse Bretão Córnico Manx 2) A generalização dos topónimos de raíz céltica desde o período Hallstatt A. A toponímia é uma das fontes de maior riqueza e igual controvérsia do panorama das idades do ferro peninsulares. Diferentemente inserida na composição das regiões proto-históricas, a celtização dos nomes dos Castri/Oppida e de diversos outros elementos paisagísticos (antroponímicos, etnonímicos, etc.), revela de forma notória e insistente a força e a evidência plena das expansões de variegados povos do foro centroeuropeu. Se bem que não de forma claramente numérica, constata-se no entanto uma algo ampla dominação de carácter regional, quer por intermédio dos famosos pactos de guerra e de união inter-populi, quer pela utilização do uso de outras artes nas inúmeras querelas insolúvelmente resolvidas a nível da manu militari. Se dividirmos o território em apenas três amplas regiões artificiais, facto desde muito cedo idealizado por diversos Autores Antigos, encontramos as fronteiras imagéticamente presentes face a importantes cursos fluviais: o Sul, desde a orla Atlântica até ao Tagus; o Centro, desta última posição até ao Rio Douro e, finalmente, a região Norte situada entre Douro-e-Minho, e não só. Nesta opção literalmente metodológica, ressalta de imediato que as regiões com maior amplitude de topónimos, asseguradamente ou de evidente probabilidade, de origem céltica, se encontram essencialmente nos territórios do Centro e do Norte de Portugal, ou seja nas landes da Lusitânia e da Callaecia (Branco Freire, 1998). As terras do Sul foram desde muito cedo (final do Hallstatt B) os lugares de maior e mais insistente influência orientalizante e pré-clássica. Existem ainda assim provas evidentes de mesclagem centro-europeia, em particular na composição própria da
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onomástica céltica nos mais variegados sítios do Alentejo e Algarve (Branco Freire, 1998). Desses arqueo-nomes do Sul do território poderemos destacar, e de maneira puramente aleatória, as formas seguintes : Armona (ilha de); Arandis; Arcóbriga; Ardila; Brita/s; Budens; Caetobriga / Setobriga; Cantippo; Catraleucus; Evion; Évora <Ebora; Equabonna; Jurumenha<Jurumegna; Lacobriga; Lemos; Miróbriga; Terena e Uxonoba. Quadro III: Grupos Culturais da Expansão REGIÕES EURO-ASIÁTICAS 1. Alemanha, Áustria, Suíça, França, Bélgica, Ilhas Britânicas 2. Holanda, Itália (Norte), ex-Checoslováquia, Hungria, Roménia, exJugoslávia, Anatólia (Gálatas) 3. Espanha (NO), Portugal (Centro-Norte) Penetrando nas regiões transtaganas da antiga Lusitânia, onde a diversidade dos nomes de lugar ultrapassa em muito a simples utilização da terminologia sufixativa em -briga, «fortificação»; desde o usufruto das mais variadas formas derivadas das línguas celtibéricas, pré-clássicas e, posteriormente latinas. A simples existência dessas nomenclaturas mescladas, prova per si, a passagem e a fixação de diversos povos nas terras que obviaram dominar, referindo dados seguros e cronológicamente posicionados no que concerne o estatuto de etnicidade e de identidade desses mesmos povos exo-territoriais. É a razão pela qual o estudo e a divisão própria das quantidades nominativas, segundo as provincias, pode ser utilizado como factor justificativo base, do estabelecimento efectivo de povos/tribos e dos seus meios sócio-económicos; o que é igualmente comprovado através do estudo das prospecções arqueológicas e de outros meios comparativos diversos. É assim que, é evidente que a presença regular de um agrupamento ou tribo indiferenciado, demonstra que a partir da Idade do Bronze, o território começa a ser ocupado de maneira cada vez mais consistente. Dessa velha Lusitânia resultam diversos topónimos, onde as étnias dominantes souberam aliar os recursos locais às inovações importadas: Ammaia/Aramenha; Armamar; Arábriga>Alenquer; Aritium Vetus>Abrantes; Arouca; Aveiro; Belas; Bodua/Budua; Bretão; Bretolvão/Bretolvom; Caeliobriga; Caliabriga; Cadaval; Cambra (Vale de); Cantanhede; Catujal; Carnaxide/Carnachede; Carnide; Conimbriga; Coruche; Civitas Aravorum<Aravi> Marialva; Eburobrittium; Freixo de Numão/Numan; Lamecum>Lamego; Langobriga/Lancobriga; Londobris (ilha de); Meidobriga; Mora; Moron; Montobriga; Penamacor; Penedune; Peniche;
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Pedrogão<Pendráganum; Promuntorium Artabrum<Artabri; Pragança; Segóbriga; Talábriga; Turgallium e Uxbonna (?). O último conjunto onomástico revela uma presença constante de formas originadas nas línguas célticas, quer provindas das mais arcaicas quer de outras já claramente latenianas. A geografia dos lugares compreende as provincias de Entre-Douro-e-Minho, de Trás-os-Montes e dos territórios abrangentes da Galiza portuguesa. Nestas regiões algo indómitas, a celticidade dos nomes, antigos ou contemporâneos, delimita localmente a expansão presencial das pressões demográficas anacrónicas doutros tempos. É assim que a complexa alquimia do crescimento das comunidades surge bem conservada no eixo diacrónicotemporal. O resultado de estudos diversos revela algumas provas evidentes do fenómeno próprio do crescimento do poder pré-estatal e proto-urbano, na confluência exacta das regiões dos castri e dos oppida. A presença de um crescimento económico cada vez mais forte e, no entanto algo instável também, plenamente acompanhado de algumas pequenas e eternas guerras, quase institucionalizadas, quer entre antigos aliados ou novos inimigos, demonstra ipso facto que à parte alguma efemeridade dos habitats, a presença humana é constante e dominadora do território de maneira algo preponderante. Quadro IV: Grupos Prefixativos Célticos Tradicionais C M N P S T
A
B
Ard-
Bret/BritBrig-
AbrAvAndArg-
Cad-
Mag-
Nemet -
Pen(n) Seg-
U
Tam- Ux-
CalMinCamb MogCant- MorCarnCatCor-
Terá sido seguramente em situações e condições óbviamente díficeis e anárquicas, que diferentes etnias se irão estabelecer e impor sobre as mais diversas regiões. No que concerne os elementos celtas ou celticizados, os quais se expandirão desde o período hallstáttico pleno e que, manterão um contacto assaz constante com povos indígenas indo-europeus e outros do centro europeu e atlântico, esses construiram desde inicio as bases próprias de uma forte relação territorial. Relação essa óbviamente marcada de igual modo na longa duração, induzida essencialmente através de um
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comerciar exo-peninsular vivo e persistente. O que facilitará a aculturação céltica de alguns elementos indígenas, doando-lhe uma nova origem e direcção continuada, desde os rapports proto-célticos até à nova era da dominação romana. A latere das necessidades demográficas, guerreiras e sobretudo, à fortiori, económicas, essas etnias aumentarão o número dos seus efectivos populacionais ao longo da sua instalação progressiva nas diversa regiões. O carácter próprio dos movimentos de expansão demográfica, encontra-se por certo plenamente ligado a esse eixo diacrónico, existente desde a poderosa difusão megalítica, sobretudo cronológicamente centrada entre os anos 3.000 e 2.000 antes de Cristo, de onde as confluências foram numéricamente superiores em alguns e diversos lugares da Europa antiga e da sua costa atlântica. No entanto, essas outras “invasões“ de povos célticos e de outros indoeuropeus, que alcançaram o território peninsular e aì se fixaram, não obstante as dificuldades ligadas à partilha da terra, revelam que desde esse período obscuro do seu surgimento até ao dealbar próprio da era romana, a sua atitude foi de algum modo consentânea com uma ideia inicial de estabelecimento efectivo e da apropriação plena de um território e habitação fixos. Será através de um processo algo complexo de misturas étnicas, similar a esse outro do Sul da Gália, que os romanos irão encontrar populações assaz anacrónicas. Estando no entanto alguns já coalisados, como foi o caso de elementos ibéricos, célticos e outros, de onde essa paleodelimitação territorial foi utilizada para desenhar as fronteiras territoriais, tanto de ontem como de hoje.
A -abr -aval
Quadro V: Grupos Sufixativos Célticos Tradicionais B C D G M R -brit-cor -drag -gal -megna -rand -briga -bonna
X -xide/chede
-drog -dun
Será igualmente através da análise filológica dos topónimos surgidos desde a Idade do Ferro I que se conjugam elementos diversos, através dos quais se podem obviar as evidentes presenças de movimentos de tribos/povos célticos na região norte do país. Dentre outros e, por enquanto, numa forma algo incompleta, surgem os seguintes nomes de lugar da antiga região da Gallaecia: Abobriga; Andrães; Araduca; Arga<Argae; Aobriga; Ave; Avobriga; Braga; Brigantia; Caladunum; Calle; Cambra<Calambriga; Cávado; Coeliobriga; Douro; Dragani; Larauco; Longóbriga; Minho<Migno; Miranda do
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Douro; Mogadouro; Naebis>Neiva; Nemetobriga; Vandoma; Vianna do Castelo e Volobriga.
Tâmega;
Tuntobriga;
3) A mesclagem de elementos centro-europeus e de outros orientalizantes / pré-clássicos da Cultura Material das idades do Ferro. No que concerne os diversos cambiantes que dizem respeito à Cultura Material desde a Idade do Bronze Final, e isto plenamente enraízado num amplo fenómeno de intercâmbio atlântico, centro-europeu e protoorientalizante, a inserçâo própria da metalurgia do ferro trará, se bem que algo lentamente, evidentes mudanças a nível das estruturas socio-económicas e consequentes movimentos e alargamentos demográficos das populações. Assim, a generalização localizada do mais variegado tipo de estabelecimentos (quintas, lugares, castri, oppida, etc.), serão a génese e a razão próprias de uma nova tipologia de importações artefactuais, derivadas então de um modelo hallstáttico de origem centro-europeia. Modelo esse que, ao unir-se às mais diversas influências, autóctones e alienígenas, irá compor um padrão algo anárquico e característico, e isto tendo em conta os diferentes cambiantes regionais, litorais ou interiores do território. A presença de elementos mistos e puramente hallstátticos, reconhece-se nos mais diversos artefactos encontrados nos mais originais sítios arqueológicos, mesmo naqueles de evidente modelo orientalizante. Assim, desde a cerâmica manual/torno e à estatuária, assim como aos excelentes exemplares de ourivesaria ulteriormente castreja (torques, colares, arrecadas, etc.), e a todo o tipo de armamento funcional e sacralizado (espadas e adagas de antenas, escudos, etc.), não esquecendo qualquer género de artefacto onde a arte da torêutica se impõe de forma magistral, a presença algo constante da utilização do modelo hallstáttico e post-hallstáttico, revela quer a importância da tipologia utilizada a nível comercial, quer a mais que evidente presença de etnias plenamente ligadas ou diversamente aculturadas a esse mesmo modelo centro-europeu. Portugal apresenta assim, um panorama muito próprio e particular no contexto das expansões célticas das idades do ferro europeias. A sua caracterização original, fruto dessa mistura de modelos (hallstátticos> <proto-orientalizantes>orientalizantes>post-hallstátticos> <préclássicos>clássicos), não oculta de modo algum a óbvia existência dessas etnicidades de carácter centro-europeu, as quais impondo-se ou unindo-se às populações autóctenes, contribuiram sobremaneira para abrilhantar o complexo mosaico regional desses tempos distantes e conturbados.
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Quadro VI: Modelos hallstátticos/latenianos/centro-europeus Espadas de Antenas - séculos V - IV a.C.- ferro e prata Punhais de Antenas - séculos V - IV a.C.- ferro Adagas de Antenas - séculos IV - II a.C. - ferro Espada tipo “La Tène“ - séculos IV - III a.C. - ferro Elmos de tipo Montefortino e Lanhoso - século I a.C. - bronze Pontas e lâminas de lança - séculos V - IV a.C. - ferro Fíbulas e fívelas - Idade do Ferro II - bronze e ferro Torques - Idade do Ferro II - ouro e prata Arrecadas, anéis e joalharia (misto) - Idades do Ferro I e II - ouro e prata Cerâmica diversa estampilhada - Idade do Ferro II Estatuária guerreira (misto?) - Idade do Ferro II Elementos decorativos: triscelos, concêntricos, duplos SS, geométricos, entrelaços, fitomórficos, etc. 4) Resumo Temático A questão é evidentemente problemática, pois que nem arqueólogos nem filólogos estão de acordo no que diz respeito ao quadro cronológico possível da presença celta, quer a nível línguistico quer nos achados de cultura material. Reportando as datações dos vestígios materiais de cultura, é díficil anteceder a existência de elementos célticos anteriores aos séculos VIII-VII a.C. ou mesmo V-IV a.C., denotando uma precisão temporal algo anárquica e díficil de consentir com certos modelos de expansão línguistica. No que concerne o surgimente próprio desse falares postindoeuropeização inicial, os línguistas consideram possivel uma antecedência provável de alguns séculos, considerando que uma tal amplitude geográfica de dialectos na Hispânia pré-romana, implica um estabelecimento consentâneo nos eixos sincrónicos e diacrónicos. Assim, teriam por certo chegado à Península, elementos célticos, entre meados do período Hallstatt A e do Hallstatt B. Razão pela qual seriam necessários vastos números de cambiantes linguisticos e de movimentações consequentes, para se alcançar uma tal amplitude de elementos filológicos celtas na área indoeuropeia peninsular. A própria amplitude regional, motivadora per si da formação de evidentes dialectos locais, constata-se no facto da diferenciação própria entre o celtibérico e o lusitano-galaico. Mantendo este último o uso do /P/ inicial, enquanto esse outro se desvincula marcadamente dessa forma, perdendo inclusivamente todo o vestigio de presença intervocálica (Untermann, 1987). Denota-se assim que, as idiossincrasias e diferenciações de origem fonética e alfabética, que se mantiveram num e noutro caso com a utilização quer do
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alfabeto ibérico quer latino, concluem a existênca óbvia de influências díspares e diversas. Influências essas que, ou origináriamente ou à posteriori, serão a razão base das suas diversidades ulteriores. De referir que os três textos existentes em língua lusitano-galaica, definição standartizada, utilizam na sua concepção a grafia latina, denotando assim um grau próprio de desceltização crescente desde meados do século III a.C. Em conjunto com a imensa mesclagem idealizada nos componentes de cultura material, a celtização peninsular e regional, apresenta assim um carácter algo original e complexo, onde qualquer demanda de pureza hallstáttica ou lateniana se revela de pronto infrutífera. Estando ainda por resolver este complicado diálogo entre filólogos e arqueólogos, uma só ideia se consegue no entanto adquirir perante esta complexa problemática: a de que e, efectivamente, existiram em período préhistórico recente, elementos dessas culturas centro-europeias que, e à falta de melhor definição, podemos apelar de célticos no âmbito peninsular. A pesquisa filológica demonstra assim que, na área indoeuropeia estão consagrados inúmeros elementos gramaticais e lexicais de cariz céltico (Untermann, 1987). Documenta ainda que a diferenciação entre a língua celtibérica oriental e a lusitano-galaica ocidental, se deve à menor evolução reportada a esta última, a qual, conservando o arcaísmo em /P/, denota uma inicial e evidentemente mais fraca relação indoeuropeia extra-peninsular. A evolução do celtibérico possui maior conformidade com as formas mais recentes de mutação lexical das línguas célticas. É o caso do processo existente no irlandês moderno, uma língua gaélica em /Q/. De destacar também que, desde o seu desabrochar original até à sua primeira documentação efectiva em era clássica, o celta comum e as suas derivações posteriores, houveram já percorrido um percurso evolutivo desconhecido, possivelmente superior a 1.200 anos, i.e. entre o final da Idade do Bronze Plena e os meados da Idade do Ferro II. Questionam-se de igual modo os meios utilizados nessa expansão assim como o seu cálculo numérico. Teriam chegado por mar das costas da Bretanha Antiga? Ou ousaram atravessar os Pirinéus por entre povos diversos e belicosos? A pergunta é marcadamente académica e, a sua resposta possível encontrar-se-á por certo algures no meio desta elaborada imagética. Independentemente também, o seu número efectivo e preciso é algo retirado da quadratura do círculo. O que importa assinalar é o seu óbvio diferenciamento face às populações autóctones de outrora. A sua evidente mesclagem, quer genética quer cultural, e, ulteriormente, a sua vontade e decisão de fixação nesses territórios longínquos do berço natal indoeuropeu. A sua presença peninsular veio doar às diversas regiões onde se integraram, e não só, uma manifestamente maior riqueza etno-cultural. Adição essa que, estando intimamente unida à complexa mesclagem
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populacional existente desde os recuados tempos pré-históricos, é claro motivo de mais-valia neste canto oeste da região mais ocidental do velho continente.
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