Processo Nº 176.01.2006.008069-9
Texto integral da Sentença Proc.nº 1452/06. 2ª Vara da Comarca de Embu das Artes. VISTOS. Trata-se de AÇÃO POPULAR proposta por MARIA ISABEL HODINIK em face de CÃMARA MUNICIPAL DE EMBU, PREFEITURA MUNICIPAL DE EMBU e SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DE EMBU. Posteriormente a CDHU foi incluída no polo passivo da ação (fls.37). Alega a autora, em apertada síntese, que os réus vem praticando atos atentatórios à preservação de Área de Preservação Ambiental (APA) denominada “Mata do Santa Tereza”. A referia APA foi definida como tal pela lei municipal 1248/89 e foi ratificada pela Lei Orgânica do Município em 1990. Posteriormente, na lei municipal de nº 1589/95 houve a redução do território da APA a qual foi extinta por meio de ato legislativo posterior, mas declarada novamente como tal pela lei 1804/99 agora com a permissão, que antes não existia, de construção de unidades habitacionais o que ensejou a assinatura de protocolo de intenções entre a Prefeitura Municipal e a CDHU. Requer a autora a procedência da ação e a condenação dos réus a obrigação de não fazer consistente na inviabilização de construção de unidades habitacionais no local. A inicial veio instruída com os documentos necessários, inclusive cópias das leis municipais. A liminar foi concedida para impedir a Prefeitura Municipal de realizar qualquer ato que atentasse contra o meio ambiente na área (fls.35/36). Foram juntadas aos autos cópias da ação de desapropriação do local movida pela CDHU contra Roque Valente (fls.45 ss.). Os requeridos foram devidamente citados e ofertaram contestações (fls.617 ss. e fls.950 ss.) alegando, em síntese, que a área a ser ocupada pelos conjuntos habitacionais não invadirá a APA do Santa Tereza. Réplica às fls.992 ss. O feito foi saneado e determinou-se a realização de pericia (fls.1022/1023). O perito nomeado exigiu a juntada de documentos imprescindíveis para a realização da pericia (fls.1043/1044). No curso da ação foi informado pela autora da ação que a Prefeitura Municipal estaria cortando árvores no local (fls.1046/1048) e determinou-se a suspensão das obras com urgência (fls.1050). Houve, ainda, determinação de pericia no local pelo DEPRN para constatação dos danos causados pela Prefeitura ante a nova informação de que a Prefeitura não estaria acatando a ordem judicial, no que foi informado que o corte foi solicitado a CETESB a qual teria informado que as árvores em questão estariam em local fora da APA ou APP. Este juízo determinou, como compensação, o plantio de 32 mudas de araucária augustifólia, após a supressão de 16 exemplares desta espécie. O Ministério Público requereu a realização da prova pericial ante a necessidade de se estabelecer quais as áreas na Mata do Santa Tereza que seriam passiveis de receber conjuntos habitacion ais construídos pela CDHU. Contudo, novamente houve paralisação do andamento do processo ante a informação de invasão da área por participantes de movimentos populares para moradia, sendo deferida a ordem de desocupação liminarmente (fls.1258). Desde então as partes e outros entres passaram a peticionar de forma insistente nos autos, cobrando uma rápida solução do litígio. Determinou-se, assim, mais uma vez, a realização de pericia, agora com urgência (fls.1271/1276). A autora informou que a Prefeitura Municipal estaria dando apoio ao movimento invasor, quando, então, determinou-se a instauração de inquérito policial (fls.1279/1283). Seguiram-se inúmeras petições juntadas aos autos dos mais variados seguimentos, quase todos estranhos à lide. O perito nomeado informou sobre a inviabilidade da realização da pericia, ante a constatada ocupação da área por inúmeros invasores. Manifestou-se o Ministério Público, por fim, pela procedência da prese nte ação e pelo julgamento antecipado da lide (fls.1387 ss.). Foi juntada nova petição por parte da CDHU informando sobre o crescente número de invasores na área (fls.1401 ss.). É o relatório. DECIDO. O feito comporta o julgamento no estado em que se encontra, nos termos do art.330, inciso I do Código de Processo Civil, prescindindo, inclusive, da prova pericial. De fato, impossível a realização da prova pericial ante a existência de invasão da área por grande número de pessoas, fato que foi devidamente constatado e documentado pelo senhor perito. Contudo, a questão é mais simples e comporta análise sem a necessidade da realização da prova pericial. Pretende a autora, com a presente ação popular ambiental, não a desconformidade das leis municipais com a legislação estadual ou federal vigentes, mas a imposição de obrigação de não fazer aos réus, a fim de impedi-los de realizar atos que viabilizam a construção de unidades habitacionais no loca l. A questão, portanto, comporta análise independentemente da prova pericial. Ademais, como bem salientou a ilustre representante do “parquet”, houve de fato descaso dos requeridos quanto à efetiva realização da prova pericial, a qual já poderia ter se realizado desde os idos do ano de 2009 e o feito já poderia ter sido
sentenciado desde então. Houve por parte do perito nomeado, que foi sempre o mesmo, a exigência de juntada de documentos por parte dos requeridos, principalmente por parte da CDHU, os quais nunca foram juntados. Justificou-se que a exigência era absurda e que importaria em grave ônus aos cofres públicos o que, na verdade, não se compreende, pois o perito não pretendia a juntada de plano de execução de obras, mas tão somente a juntada de plantas ou documentos que demonstrassem o que, efetivamente, se pretendia implantar na área e se as referidas construções importariam ou não em dano ao meio ambiente. Portanto, os requeridos quedaram-s e inertes. Na verdade, o que se percebe, é que reiteradamente a Prefeitura Municipal deu causa a interrupção do curso natural da ação causando uma indesejável demora no deslinde do feito. De fato, a Prefeitura Municipal causou inúmeros contratempos e tumulto processual. Jamais atendeu aos reclamos do perito judicial. Começou a proceder a construção e cortes de árvores na área em clara desobediência a ordem judicial, o que ensejou a suspensão do feito. Comprometeuse a compensação ambiental que jamais comprovou nos autos. Não pagou os honorários periciais em 2009, embora o senhor perito tenha procedido a pericia de urgência, jamais comprovou o plantio das 32 araucárias, como foi determinado por este juízo; resolveu querer apresentar um “filme” com a demonstração do projeto a ser implantado na área sem mesmo que o processo tivesse sido julgado e tivesse sido, de alguma forma, autorizada qualquer construção no local. Quando este juízo determinou a juntada de documentos aos autos ao invés da exibição do filma (que teria que ser juntado aos autos de qualquer forma, por ser prova documental), jamais atendeu a determinação judicial. Por fim, após a referida invasão da área, houve uma inegável pressão para que este juízo desse fim ao litigio. É preciso ressaltar, contudo, que a presente decisão é prolatada de forma soberana, comedida e imparcial, sem se deixar esta magistrada levar pelas pressões exteriores que foram exercidas sobre este juízo. Retomando a questão posta, como bem salientou a douta representante do Ministério Público em seu brilhante parecer, por definição legal a APA é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem estar das populações humanas e tem como objetivo básico proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupaà �ão e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais (art.15 da lei 9985/00). Em assim sendo, a ocupação humana é possível em certo grau. Parece absolutamente evidente que não comporta, por sua própria definição legal, a construção de grandes aglomerados humanos como unidades habitacionais populares ou condomínios fechados de qualquer natureza quer verticais ou horizontais. Isso porque a construção de inúmeras moradias, sejam quais forem, importam em evidente dano ambiental irreversível. A construção importaria em terraplenagem, vedada pela lei municipal 1804/99, levantamento de alicerces, ruídos sonoros, construção ou ampliação de estação de esgoto e de utilização de rede de água. Ademais, a implantação de moradias importaria também em uma extensão das vias públicas, do comércio, do transito e dos serviços, com inegável abalo e dano irreparável ao meio ambiente. Imaginase a poluição e o consequente dano irreversível que se ria causado a mata ali existente. Ou seja, denota-se a absoluta impossibilidade de se proceder a qualquer tipo de construção humana, pelo menos de um grande número de moradias, no local. A CDHU, por sua vez, não esclarece bem sequer como pretende viabilizar a construção de áreas de lazer e parque público no local, visto que a lei municipal, como já salientado, veda a realização de terraplenagem. Resumindo, a própria lei municipal inviabiliza a construção no local, já que proíbe a execução de terraplenagem, exercício de atividades provocadoras de erosão de terras ou assoreamento, atividades causadoras de degradação ambiental que ameace extinguir espécies de fauna e flora. Basta analisar os documentos trazidos aos autos para se verificar que a Mata do Santa Tereza é área bastante extensa composta de vegetação nativa, consistente em mata atlântica, totalmente preservada em sua composição primária. Veja-se que o meio ambiente é patrimônio que tra nscende a propriedade pública ou particular. Trata-se de patrimônio da própria Humanidade e, como tal, deve ser preservado a todo custo. Sobrepõe-se a conservação do meio ambiente a quaisquer interesses particulares, visto que o meio ambiente não é bem pertencente de um único ser humano, mas bem pertencente a toda a coletividade. Em assim sendo, há de ser acolhida a pretensão da autora vedando-se a construção de moradias no local. Por fim, resta a questão da invasão de área pelo tal “movimento popular”. Primeiro há de se ponderar que se trata de movimento espúrio, ilegal e totalmente estranho aos autos. Se por um lado é legitimo o anseio por moradia própria, assim como são legítimos outros anseios da população humana, a forma como se deu a consecução deste anseio se mostra
ilícita, criminosa e ilegal. De fato, sob a desculpa de lutar pelo direito de moradia ou da reforma agrária, tais movimentos violam os princípios constitucionais e legais, invadem propriedades públicas ou particulares, no mais das vezes produtivas, causam graves danos ao patrimônio alheio e desobedecem leis municipais, estaduais e federais, a própria Constituição Federal e as ordens judiciais. Trata-se, na verdade, de verdadeira atividade de guerrilha, na qual se pretende a coação dos poderes constituídos a ceder aos desejos dos envolvidos ao arrepio da lei, da ordem e do Estado Democrático de Direito. Pretende-se, mediante a força física, a coação, a ameaça velada de morte, a violência desmedida, a imposição da vontade de certos grupos de pessoas que representam certos interesses escusos e velados e que raramente atendem os interesses dos verdadeiramente necessitados. De qualquer forma, não cabe a este juízo julgar a natureza de tal movimento. Já foi determinada a desocupação da área por tratar-se de Área de Proteção Ambiental, visando-se a preservação do meio ambiente e também a propriedade alheia, já que a áre a pertence à CDHU. Lamentavelmente tais “movimentos” ocorrem com uma certa frequência endêmica, normalmente nos anos em que serão realizadas eleições, mais frequentemente em anos de eleições municipais. São movimentos muitas vezes fomentados e apoiados por políticos ou homens públicos não muito éticos ou honestos e que visam tão somente ao locupletamento pessoal e a propaganda eleitoral. Muitas vezes os componentes de tais movimentos, pessoas simples, pouco letradas e miseráveis, são enganados por tais indivíduos com promessas fáceis como um lote de terra e a tão sonhada casa própria, tão somente para depois se verem enganados por estes mesmos indivíduos, muitas vezes após perderem todas as suas economias. Resta-lhes, então, tentar socorrer-se do Poder Judiciário para tentar mitigar seus prejuízos morais e materiais. É bom salientar, ainda, que tais reivindicações feitas por estes “movimentos” devem ser dirigidas ao Poder Executivo e ao P oder Legislativo e não ao Poder Judiciário. Está inserido dentro do poder discricionário do Poder Executivo o cadastro de famílias para moradia própria e não ao Poder Judiciário. Portanto, as súplicas dirigidas a este juízo pelo “movimento” e pelo Conselho Tutelar e outros entes públicos não podem ser atendidos simplesmente por falta de amparo legal. Ademais, o tal movimento já atingiu o seu objetivo. Já alcançou a necessária notoriedade da mídia e dos órgãos públicos, sendo desnecessária a sua continuidade. Como já dito, não cabe a este juízo permitir ou não o cadastro de famílias que pretendem a obtenção de moradia. Espera-se, destarte, que haja uma desocupação pacifica, visto que o “movimento” tão somente causou prejuízos ao município de Embu das Artes, ao erário público e ao meio ambiente. De qualquer forma e, considerando, que a autora representou pela prisão dos envolvidos e que houve desobediência reiterada a ordem judicial , que existe o grave risco de dano ambiental severo e irreparável e que há indícios de que a Prefeitura Municipal tem dado apoio logístico e material ao movimento, o que importa, dentre outros, em crime de responsabilidade, os fatos deverão ser levados ao conhecimento da autoridade policial em inquérito já instaurado para tanto. Será, ainda, aplicada multa diária ao líder ou lideres do movimento pelo descumprimento da ordem judicial. Aliás, em seu parecer final requer a douta representante do Ministério Público justamente a tomada de providencias ante a inegável inércia da Prefeitura Municipal, da CDHU, da Policia Militar para o cumprimento da ordem de desocupação e reintegração de posse. Por derradeiro, na esteira do que impõe o art.5º da lei municipal nº 1804/99 (art.26), a Prefeitura Municipal poderá exigir dos infratores a reparação de danos causados ao meio ambiente, além de imposição de multa a que ficam sujeitos até o valor de 30.000 UFIR. Destarte, caberá a Prefeitura Municipal proceder à retirada dos ocupantes da área mediante imposição de multa sob pena de sofrer ela imposição de multa, conforme requereu a digna representante do “parquet”, sem prejuízo da responsabilização do Prefeito Municipal por improbidade administrativa. DIANTE DO EXPOSTO, julgo PROCEDENTE a presente ação para determinar de forma definitiva aos requeridos a suspensão de atos que importem no suporte à concessão de autorização para a execução da obra de edificação de unidades habitacionais no local, qual seja a APA da “Mata do Santa Tereza” e julgo definitiva a liminar concedida, ressalvada a possibilidade de construção de parque público com mínimo impacto ao meio ambiente, submetido o projeto a aprovação prévia pelos órgãos ambientais. Declaro nulos os atos praticados pela Câmara Municipal de Embu das Artes, Prefeitura Municipal de Embu das Artes e Secretaria do Meio Ambiente de Embu das Artes que extraiam da APA da Mata do Santa Tereza a proteção ambiental conferida pela Constituição Federal e Estadual, pela Lei Orgânica Municipal e pela Lei Municipal 1.248/89. Julgo definitiva a ordem de desocupação da área e determino sua imediata desocupação sob pena de imposição de multa diária ao líder ou lideres do movimento, individualmente, no valor de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais) até o limite de 500 milhões de reais. Determino que a Prefeitura Municipal, no prazo de 30 dias, imponha multa ao movimento invasor pela ocupação sob pena de imposição de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) até o limite de 500 milhões, sem prejuízo da responsabilização do Prefeito Municipal por improbidade administrativa. Determino a extração de cópias dos documentos e petições juntadas a partir de fls.1306, bem como da petição desentranhada e grampeada na contra capa dos autos e seu envio a autoridade policial, Delegacia Seccional de T aboão da Serra, para instruírem o inquérito policial já instaurado e para as providencias pertinentes, ante a prática de inúmeros crimes por parte do movimento de invasores, inclusive ameaças contra a autora, esta magistrada e a promotora de justiça. Determino a extração de cópias conforme requerido pela douta representante do Ministério Público e seu envio as autoridades por ela declinadas às fls.1397/1398. Condeno os requeridos ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 20% sobre o valor da causa. P.R.I. Embu das Artes, 2 de maio de 2012. BARBARA C.H.CARDOSO DE ALMEIDA. Juíza de Direito.