Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes: Homenagem 100 anos

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LER É IMPORTANTE, MAS VER COM OS PRÓPRIOS OLHOS REALIDADES QUE NÃO CONHECEMOS É MUITO MAIS RICO.

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Paulo Cunha *

UMA VIDA QUE PREENCHE

O Monsenhor Joaquim Fernandes é uma personalidade incontornável de Vila Nova de Famalicão. O seu centésimo aniversário é uma justa bênção de Deus à comunidade que serviu e a quem se entregou de corpo e alma. Muito mais do que a sua longevidade é a marca cívica e religiosa que imprimiu ao longo destes anos no nosso concelho que faz do Monsenhor Joaquim Fernandes uma personalidade estimada, admirada e respeitada por cidadãos e instituições. O exercício do sacerdócio foi uma constante de toda a vida adulta do monsenhor não se confinando ao interior das igrejas. A sua participação e intervenção cívica foi intensa e sempre norteada por um absoluto respeito consigo próprio e com Deus. Foi, pois, acima de tudo, um percurso de verdade aquele que o Monsenhor Joaquim Fernandes trilhou ao longo de um século de vida.

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Vila Nova de Famalicão e os famalicenses estão-lhe, por isso, gratos. O legado material que nos deixou, como a Creche-Mãe, o Centro Pastoral e a nova Igreja Matriz reflete o contributo mais visível da sua entrega e determinação à comunidade. Mas é sobretudo a dimensão imaterial do seu exemplo, de abnegação e de entrega, que fixa na nossa comunidade uma herança perene que espero que sirva de farol para muitas gerações de famalicenses. Tenho a felicidade de ter o Monsenhor como amigo e o seu exemplo funciona para mim como as agulhas de uma bússola: orientam. A forma como aos 100 anos ainda participa diariamente e ativamente na vida social, cívica e pastoral da nossa comunidade, mais do que motivo de admiração é uma lição de vida. Nunca lhe ouvi um queixume de natureza individual.

As suas preocupações sempre foram com os outros. Entregou-se a Deus e ao próximo e com isso deu um contributo relevantíssimo e completamente desinteressado à nossa comunidade. O Monsenhor Joaquim Fernandes é um daqueles poucos que da lei da morte se vai libertando. Será por isso para sempre estimado em Vila Nova de Famalicão. Há vidas assim: preenchidas e que preenchem. Obrigado Monsenhor! * Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão

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Esboço biográfico de Monsenhor Joaquim Fernandes por Artur Sá da Costa

A MINHA TERRA É VILA NOVA DE FAMALICÃO Monsenhor Joaquim Fernandes nasceu em 6 de setembro de 1916, em Mouquim, uma das 49 freguesias de Vila Nova de Famalicão. Seus pais, António Fernandes e Adelina Ferreira, eram caseiros, na quinta da Castanheira, que passaram a cultivar, seguindo uma tradição familiar, após o casamento. Com dois anos, acompanhou os pais, na deambulação em busca de melhores terras (alheias), e condições de sobrevivência da família, e passou a residir em Jesufrei, na quinta do Jácome. A peregrinação não termina aqui. Já Monsenhor tinha 18 anos e dera entrada, na charrete de Manuel Jácome, no Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga, e a faina agrícola dos pais transferira-se para a quinta de Manuel Gonçalves (casado com uma sobrinha do Comendador Costa e Sá), no Louro. Monsenhor confessa que muitas pessoas que o conhecem como famalicense desconhecem a sua freguesia natal. E esclarece: “A freguesia de nascimento não é uma questão importante”. Diz mais: “O importante é que tenha nascido no território de Vila Nova de Famalicão”, para enfatizar: “A minha terra é Vila Nova de Famalicão” (Joaquim Fernandes – Memórias do Senhor Arcipreste”, Artur Sá da Costa e Luís Paulo Rodrigues, 2013). A verdade é esta: “O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez se lança um olhar inteligente sobre si mesmo” (Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar). Monsenhor viveu a adolescência em Jesufrei – “a freguesia onde me conheci”- até entrar, em 1934, no Seminário. Para lá chegar, foi obrigado, porque nesta freguesia não

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existia escola, a frequentar a do Altinho, em Arnoso Santa Maria, para onde se deslocava a pé, aí concluindo a 3ª classe. Com 15 anos, matricula-se na escola Costa e Sá, em Armental, no Louro, concluindo a Primária. Aqui já tinha, por companhia, nas caminhadas matinais, o professor Marinho Pinto, que convenceu os pais a matriculá-lo na escola. Entretanto, trabalhava, tal como os 6 irmãos, na lavoura, ajudando os pais, no amanho das terras.

O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez se lança um olhar inteligente sobre si mesmo. Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar

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NUNCA TIVE QUALQUER DÚVIDA DA MINHA VOCAÇÃO

Com 18 anos, entrou no Seminário de Nossa Senhora da Conceição, em Braga. Ele próprio confessa: “A verdade é que eu mantive sempre o desejo de ir para o Seminário (…) fiz-me sacerdote católico, por uma vocação que foi germinando dentro de mim desde a infância (…) e nunca tive qualquer dúvida da minha vocação”. Os 10 anos que passou no Seminário deram-lhe os conhecimentos teóricos em teologia e filosofia, que o vão alimentar espiritualmente, e municiar, no campo intelectual, vida fora. Porém, fortalecem-lhe a vontade e incutem-lhe disciplina, moldando-lhe a personalidade e o carácter de um pároco austero, rigoroso e determinado. Em 8 de julho de 1945, após a conclusão do curso de Filosofia e Teologia, no Seminário Conciliar de Braga foi ordenado sacerdote. Celebrou missa nova, em 12 de julho de 1945, na igreja paroquial do Louro, onde ao tempo residia com a família. Em 6 de janeiro de 1946, por nomeação de Dom António Bento Martins Júnior, toma posse como coadjutor, com plenos poderes paroquiais, de Monsenhor Torres Carneiro, pároco e arcipreste da paróquia de Santo Adrião, Vila Nova de Famalicão. Em 1950 é nomeado Vice – Arcipreste, por doença de Manuel de Azevedo Oliveira, e em 1955, após a morte de Monsenhor Torres Carneiro, pároco de Santo Adrião, ascendendo, em 1958, ao cargo de Arcipreste. Em 1967, Dom Francisco Maria da Silva, Arcebispo Primaz de Braga, nomeia-o Vigário Episcopal de Famalicão, Barcelos, Esposende,

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Póvoa de Varzim e Vila de Conde, e, em 1972, Cónego do Cabido da Sé de Braga. A Santa Sé atribui-lhe, em 1997, o título de Monsenhor. Em 1998, com 82 anos de idade e 52 de atividade pastoral, resigna e vai viver para a terra natal, na Casa de Montalvão, em Mouquim. Foi o sacerdote que mais tempo esteve à frente do arciprestado de Vila Nova de Famalicão e da paróquia de Santo Adrião, ou como prefere dizer: “Fui o padre que mais me aguentei em Famalicão”, e o que mais influenciou o desenvolvimento espiritual e material da paróquia, inscrevendo as marcas mais profundas de transformação e progresso no seu território. Deu uma nova centralidade à paróquia de Santo Adrião, com a construção, na zona norte da cidade, junto à câmara municipal, da nova Igreja Matriz, do Centro Pastoral e Cívico, da Residência Paroquial e da Creche Mãe, inauguradas em 1993, às quais agregou o Museu de Arte Sacra, que abriu portas em 1997, restaurando para o efeito a Capela da Lapa. Antes disso, logo nos primeiros anos do seu magistério, remodelou e reabilitou a Velha Igreja Matriz, instalou a Creche Mãe num edifício condigno, estendendo-a, mais tarde a Mões. Obviamente, que a mudança também se operou no domínio espiritual, expressa, no relançamento da Semana Santa, na Pastoral, por via da Ação Católica e das Juventudes (JOC, LOC, JIC e LIC), e na renovação do catecismo nacional.

Influenciou o desenvolvimento espiritual e material da paróquia, inscrevendo as marcas mais profundas de transformação e progresso no seu território. 10 Homenagem


Altar principal da nova Igreja Matriz, inaugurada em 1993.

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PREFIRO SER UM PADRE NO ALTO MINHO A SER UM PADRE SUBMISSO EM FAMALICÃO

Na manhã de 6 de Janeiro de 1946, o pároco Joaquim Fernandes entra na Vila de Famalicão, pedalando uma bicicleta, e vai diretamente para a Igreja Matriz, conforme o combinado no Paço, com D. António Bento Martins Júnior, celebrar a missa das 7 da manhã. Reconhece: “Foi para mim uma data muito importante na minha vida, pois marca o começo da minha ligação pastoral ao meu arciprestado de Vila Nova de Famalicão, à minha terra, que iria durar toda a minha vida” (idem). O curioso, senão mesmo intrigante, é que

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o padre Joaquim Fernandes esteve nomeado, antes de o ser para a paróquia de Santo Adrião, para três outras paróquias. Quis o destino, ou o Altíssimo, dirá Monsenhor, que vingasse a quarta nomeação, e desta forma, se cumprisse o mais profundo desejo da sua vida. Acresce a tudo isto, que o estudante/seminarista (já amadurecido) cultivou, durante os seus estudos, relações de amizade e de confiança, com os seus superiores e com o pároco do Louro, Júlio de Araújo Passos, as quais lhe vão ser úteis e determinantes, na sua longa carreira sacerdotal. À época, no país e em V.N. de Famalicão, viviam-se tempos de espectativa e esperança, que o fim da II Guerra Mundial e a derrota do nazi-fascismo legitimamente anunciavam. Salazar tentava a sobrevivência, enquanto a Oposição Democrática exigia o seu afastamento, e a restauração da Democracia. Para descongestionar o ambiente político e ganhar tempo, o ditador anuncia eleições livres, que, no entanto, vai condicionar e controlar, ficando tudo como dantes. Na câmara de V.N. de Famalicão estava, há menos de um ano, Álvaro Marques, nomeado pelo governo, o rosto e o representante da fação dos ‘Oliveiras’. A luta dentro da União Nacional Concelhia – o partido único que sustentava o Salazarismo – estava ao rubro, com os homens dos ‘Alves’, de Requião a dominar a Vereação, e os de José de Oliveira, de Cruz (S. Tiago), com a presidência da câmara bloqueada e, consequentemente, sem condições políticas, para levar por diante um plano de melhoramentos materiais para o concelho, há muito anunciado, e sucessivamente protelado.

O Mons. Joaquim Fernandes esteve nomeado, antes de o ser para a paróquia de Santo Adrião, para três outras paróquias.

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A paróquia também atravessava momentos difíceis, agravados pela doença de Monsenhor Torres Carneiro. No ar andavam maus presságios, não pelos conflitos do tempo da I República, já ultrapassados, mas porque tinham sido afastados, por imposição municipal, da paróquia de Santo Adrião, os dois últimos párocos nomeados pela Diocese. Um deles – o padre Bernardo Pinto – foi mesmo acusado de um crime público, e transferido para outra diocese – para o Alto Minho – em troca da desistência, por parte do poder municipal, do processo. E tudo, aparentemente, por causa do cemitério municipal, sito no distante lugar do Moço Morto, que Álvaro Marques geria com mão de ferro. O horário para o enterramento dos mortos, fixado pela câmara, era aquele e ponto final. O autoritarismo desconhece a tolerância e é avesso em aceitar alterações, mesmo que excecionais, à ordem estabelecida. Monsenhor percebeu logo que era preciso acabar com aquele foco de tensão e conflito, e acertou um acordo com Álvaro Marques: “O cemitério encerraria todos os dias à hora marcada, encerrando mais tarde sempre que houvesse funerais e mediante solicitação prévia da paróquia”. Não fez caminho. À primeira contrariedade caiu, e tudo porque Monsenhor Joaquim Fernandes aceitou receber do ministro de Salazar, Trigo de Negreiros, por intermédio do presidente de junta de V.N. Famalicão, Carlos Carreira, um cheque para as obras de beneficiação da Velha Matriz. Acontece que, tanto o presidente de junta, como o empresário Dias Costa, que acolhera o ministro em sua casa, pertenciam a “uma sensibilidade política diferente”, ou seja, à fação dos ‘Alves’. O choque entre as duas personalidades – fortes e destemidas – foi frontal e provocou danos irreparáveis. Álvaro Marques, não só rasgou o contrato com a paróquia, como proibiu os bombeiros de transportar os defuntos para o cemitério municipal do Moço Morto, agravando as já difíceis condições de acesso e de transporte. Monsenhor confessa: “Foi um momento de grande tenção entre a paróquia e o município – talvez o único e o mais agitado em todo o meu tempo como pároco e arcipreste, ao longo de meio século” (idem). O contra ataque de Monsenhor (inevitável) foi um golpe de perícia e coragem – em pleno funeral, após a missa de corpo presente, paramentado, sai do altar, dirige-se aos bombeiros, e arranca com a viatura da corporação em direção à Matriz, onde o povo agitado e estupefacto o aguardava, e ele próprio transporta o caixão para o cemitério - que vergou Álvaro Marques, obrigando-o a reescrever o

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A missão do sacerdote é levar o evangelho à rua, pois a palavra de Deus não é coisa de se ter na sacristia, mas de se levar às pessoas.

acordo e a perceber que a coexistência pacífica entre ambos era inevitável. À parte o perfil das personalidades, o que aqui está em causa, em última instância, são duas conceções diferentes e antagónicas das relações entre o poder espiritual e o temporal: a aceitação ou não da separação da Igreja do Estado. Ainda se escutavam ressonâncias das interferências republicanas na igreja, e os que tanto as contestaram eram os primeiros a perpetrálas. Para Monsenhor Joaquim Fernandes, Álvaro Marques: “Era pouco reflexivo, sobretudo quando pensava que a igreja tinha que ser uma extensão da câmara municipal. Naturalmente, não era nem poderia ser” (idem). Foi preciso um sacerdote católico lembrar ao presidente da câmara, que o laicismo era um princípio basilar e essencial, um património civilizacional dos estados modernos e democráticos. Duas frases bastam para mostrar o calor da discussão, e evidenciar a natureza do conflito: “ou o senhor se põe do nosso lado ou não fica como pároco de Vila Nova de Famalicão”, ao que Monsenhor contrapõe: “quero dizer-lhe que prefiro ser pároco no Alto Minho do que ficar em Famalicão sujeito à política”. Adivinha-se que ambos alimentavam dentro de si a ideia, em campos completamente distintos, de uma missão, com planos concretos e ambiciosos, e com energia e vontade para os concretizar. Porém, tudo os separava: os valores e princípios que perfilhavam, a visão do mundo, o pensamento e as estratégias de ação. Álvaro Marques nunca compreendeu o secularismo, ao contrário de Joaquim Fernandes que o aplicou de forma sensata e inteligente. Afirma: “A política e a Igreja devem agir cada uma no seu campo mas sempre dentro do princípio que todos trabalhamos para que haja progresso e bem-estar para as pessoas” (Agarrar o Passado, Notícias de Famalicão, 28.03.03). Este é um dos pontos fortes do apostolado de Monsenhor: defender a separação da igreja do estado e pugnar pela sua autonomia, sem abdicar da sua presença na sociedade, de que é parte integrante. O equilíbrio entre esta fronteira, nem sempre visível, vive-se em permanente tensão e exige vigilância. Esta foi seguramente uma das suas maiores virtudes, que marcam decisivamente o seu meio século de apostolado. Exigiu autonomia para a igreja, mas não se fechou na sacristia. Como afirma: “A missão do sacerdote é levar o evangelho à rua, pois a palavra de Deus não é coisa de se ter na sacristia, mas de se levar às pessoas” (idem).

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Todos são iguais, vestindo a mesma bata e comendo à mesma mesa.

O lema “a Igreja é de todos”, adotado por Monsenhor Joaquim Fernandes no seu apostolado, não é um mero slogan, desprovido de sentido ou de significado. Bem ao contrário, serviu de mote na sua pregação e de guia para a ação. E praticou-o, com todos e em quaisquer circunstâncias. Com cristãos e agnósticos, apoiantes do Estado Novo, e os da Oposição Democrática, com a elite empresarial, na sacristia, após a missa dos domingos, ou nos bairros operários de Mões, nas ruas da cidade e freguesias, com quem se cruzava ou se lhe dirigia. Esta é a ideia que dele guardamos, sempre presente, no meio das pessoas e dos acontecimentos. Mais importante, não esqueceu os que mais necessitavam, os injustiçados da vida, derrotados pela pobreza e socialmente marginalizados. É este sentido de justiça e de solidariedade que o levam, logo nos primeiros tempos, após ter chegado à paróquia, a percecionar e de imediato combater a divisão económica e social, mais do que geográfica, instalada dentro da paróquia, fazendo de Mões um autêntico gueto. Como ele conta: “Até no toque do sino havia diferença. Se o defunto era de Mões tinha direito a menos badaladas e tocava-se menos”. Uma das primeiras medidas foi por termo a esta situação escandalosa e obscena. Ele explica: “Uma das primeiras ordens que dei ao sacristão, que era o senhor Alfredo, foi acabar com essa desigualdade (…) e disse-lhe que na igreja somos todos irmãos e com os mesmos direitos” (idem).

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A IGREJA É DE TODOS

São as mesmas preocupações e fundamentos, até porque a situação se arrastou ao longo do tempo, em virtude da inoperância e da indiferença do poder político, que o impulsionaram a criar em 1972, uma extensão da Creche Mãe em Mões, com vista a: “Eliminar ou atenuar as clivagens sociais que se verificavam na paróquia de Santo Adrião” (idem). Nos tempos que correm, sentimos isto como um anacronismo. Porém, durante o Estado Novo, executar aquela política era caminhar em contramão, sendo difícil enfrentar estas situações e ultrapassar as resistências.

“Mas não desisti de pregar em favor da igualdade de todos perante Deus e perante a sociedade” O episódio que Monsenhor relata nas “Memórias do Senhor Arcipreste”, ocorrido na cerimónia de inauguração da Creche Mãe, em Mões, na presença do ministro de Marcelo Caetano, Rebelo de Sousa, não deixa dúvidas sobre os seus sentimentos de justiça, solidariedade e igualdade, evidenciando, simultaneamente, a faceta do homem corajoso, portador de um pensamento crítico e independente, alheio às ideologias e aos regimes: “Todos são iguais, vestindo a mesma bata e comendo à mesma mesa”.

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A criação do Património dos Pobres de Vila Nova de Famalicão como uma instituição social destinada a resolver problemas de habitação das famílias mais carenciadas é uma das obras sociais de que me orgulho bastante.

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PATRIMÓNIO DOS POBRES

O Monsenhor soube sempre rodear-se de uma boa equipa na construção da sua obra social. Na foto com o ex-pároco de Lemenhe e Mouquim, Domingos Simões de Abreu.

No plano social, a obra de Monsenhor Joaquim Fernandes tem dois marcos essenciais: o impulso de renovação e de dinamização da Creche Mãe e a criação do “Património dos Pobres”. E arranca, logo nos primeiros anos, após a nomeação de pároco de Santo Adrião, nos difíceis e duros anos do pós-guerra mundial, com o flagelo da fome e da pobreza a atingir as famílias. Ao tempo, a Creche Mãe era uma casa de madeira, fria e insalubre, instalada do outro lado do ex. Colégio Camilo Castelo Branco, perto da câmara, orientada por um grupo de senhoras, entre as quais, Ermelinda Areias e Maria Amélia Fernandes Santos Carvalho. Por essa altura, Álvaro Marques queria o local para o Governo construir o posto dos Serviços Médico Sociais das Caixas de Previdência, o que veio a acontecer. Para resolver o problema aquelas duas senhoras pediram ajuda ao Senhor Arcipreste Joaquim Fernandes. É desta forma, que a Creche Mãe se instala na Rua Conselheiro Santos Viegas, numa casa comprada para o efeito.

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Mais tarde, Monsenhor Joaquim Fernandes pediu apoio à Congregação das Irmãs Reparadoras de Fátima, que aceitou o repto, vindo para Famalicão. O “Património dos Pobres”, que se legalizou como associação, assume, em cooperação com a Conferência de S. Vicente de Paulo, a construção de casas para famílias pobres, da Vila (lugar do Poço) e nas freguesias (Gavião, Antas, Calendário, Avidos). Nos dois casos, Monsenhor vai à procura de bons exemplos e de boas práticas existentes fora de portas, aliás, perfilhando uma linha constante norteadora da sua ação. A obra do padre Américo, da Casa dos Gaiatos, em Penafiel, era na altura uma referência material e moral de solidariedade no país. Monsenhor trouxe-o à igreja Matriz para os paroquianos escutarem o seu testemunho, que frutificou em cerca de duas dezenas de casas para famílias pobres, que ainda hoje sobrevivem e testemunham a prática de bem-fazer e o sentido de justiça e de solidariedade que imprimia ao seu apostolado. As casas são fruto da generosidade e do trabalho voluntário de muitos cidadãos, que ofereceram terrenos, projetos de arquitetura, engenharia e donativos. O passo seguinte, muitos anos depois, foi criar a extensão da Creche Mãe, em Mões. Foi em 1972, tendo em vista “eliminar ou atenuar as clivagens sociais que se verificavam na paróquia de Santo Adrião. Porque nenhuma criança de Mões vinha para a Creche Mãe da Vila. E depois, nenhuma criança da Vila ia para Mões. Foi uma das minhas grandes preocupações” (idem). A explicação para esta ação encontra-se nos próprios princípios da doutrina social da igreja católica, mas tem, na sua génese, um imperativo de justiça social, que Monsenhor explica com clareza: “Havia muita pobreza em Portugal. Eu lembro-me de situações em que os filhos, apesar de serem grandes, ainda dormiam com os pais, por falta de alternativas. Em Mões, por exemplo, era uma miséria. Foram estes casos que motivaram a minha ação social no arciprestado de Vila Nova de Famalicão, em particular na Vila e nos arredores” (idem).

SOU UM ‘BAIRRISTA´ POR MOUQUIM E FAMALICÃO, DA MESMA FORMA QUE SOU ‘PATRIOTA’ POR PORTUGAL Em mais de meio século à frente da Igreja famalicense, Monsenhor cultivou um envolvimento intenso com a comunidade. Foi, desde 1983, administrador da Fundação Cupertino de Miranda, e seu Vicepresidente a partir de 2003, em representação do Bispo da Diocese, D. Eurico Nogueira e D. Jorge Ortiga, tendo assumido, em nome desta instituição, a presidência da assembleia geral da SOLOURO;

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Monsenhor Joaquim Fernandes acompanhado com Paulo Cunha, Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e Artur Sá da Costa.

pertenceu, entre 1955 e 1969, à Mesa Regedora, da Santa Casa da Misericórdia de V.N. Famalicão; integrou a Comissão promotora do novo Hospital S. João de Deus, sendo provedor Amadeu Mesquita, onde foi capelão; presidiu entre 1982 e 2009, à assembleia geral da CEVE, Cooperativa Elétrica do Vale D’Este, já depois de ter sido Vice – Presidente e Membro do Concelho Fiscal, desde 1969. Em todos estes cargos manteve grande discrição, pouco se sabendo das posições que defendeu e do que realizou. Em todo o caso, é seguro que o ‘bairrismo’ norteou-o sempre. Dois exemplos evidenciam-no. Na Fundação Cupertino de Miranda opôs-se à transferência da sede da Fundação para o Porto, contestando os que na sombra manobraram, contrariando o próprio fundador da Instituição. E quando todos, nos anos 80, queriam liquidar as cooperativas elétricas, entregando o monopólio da distribuição à EDP, bateu-se com êxito pela continuidade da CEVE, preservando da morte a cooperativa mais antiga do mundo! Nos primeiros anos da sua carreira sacerdotal foi assistente da Mocidade Portuguesa e da Ação Católica. Foi professor de religião e moral, educação cívica e moral, entre 1946 e 1956, no Externato Camilo Castelo Branco. Adquiriu em 1955, para o arciprestado, conjuntamente, com os padres António Carvalho Guimarães e Augusto Veloso, o Jornal “Notícias de Famalicão”, tornando-o órgão oficial da Igreja: “O nosso objetivo era criar um órgão de informação politicamente independente que transmitisse a doutrina da igreja,

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servindo o arciprestado e a nossa terra” (idem). Fundou o “Património dos Pobres”, a associação que lhe serviu de alavanca, para dinamizar uma importante obra social em benefício dos mais desfavorecidos, construindo habitações para os pobres em várias freguesias. Após a resignação foi nomeado capelão dos Bombeiros Voluntários Famalicenses. Do seu ‘cantinho’ de Mouquim mantém-se ativo a interventivo. Escreve para os jornais, dá entrevistas e junta a sua energia aos paroquianos de Mouquim, congregando forças para melhorar a Igreja Paroquial, construir o Centro Pastoral, e o Museu Cívico e Cultural de Mouquim. Nos textos escritos, em tom memorialista, evidencia algumas preocupações, em

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A todos os jovens sacerdotes recém-chegados ao nosso arciprestado para que sejam do seu tempo entusiastas e usem os meios de comunicação mais modernos e sofisticados que houver para dar a conhecer ao Homem a total mensagem de Cristo sempre em união e sintonia com os colegas e o sentir da Igreja local. particular, sobre a degradação do património histórico-cultural, e o encerramento do “Notícias de Famalicão”, que relançou em 1955, não deixando de fazer um apelo “a todos os jovens sacerdotes recém-chegados ao nosso arciprestado para que sejam do seu tempo entusiastas e usem os meios de comunicação mais modernos e sofisticados que houver para dar a conhecer ao Homem a total mensagem de Cristo sempre em união e sintonia com os colegas e o sentir da Igreja local” (Agarrar o Passado, Notícias de Famalicão, 20.06.03). Monsenhor Joaquim Fernandes foi distinguido com várias homenagens, por parte do Município de Vila Nova de Famalicão, pela freguesia de Mouquim e por várias instituições, entre as quais, os ‘Amigos de Famalicão’. Em 1970 celebrou as Bodas de Prata Sacerdotais, Bodas de Ouro em 1995 e Bodas de Diamante em 2005; já depois da sua resignação em 1998, o município de V.N. de Famalicão e a paróquia de Mouquim juntaram-se, no ano de 2000, para o homenagear, erguendo-lhe um busto em Mouquim, junto ao Centro Pastoral; em 2006 recebeu a medalha de Ouro, pelos 50 anos de admissão, da Santa Casa de Misericórdia de V.N. de Famalicão. O Município atribuiu-lhe em 1970, a Medalha de Ouro de Reconhecimento, na câmara de Manuel João Dias Costa, e em 1995, na câmara de Agostinho Fernandes, a Medalha de Primeiro Cidadão Honorário de V.N. de Famalicão.

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NO QUE FIZERES PENSA NO FIM PARA QUE O FAÇAS

Bem avisado andou Monsenhor Joaquim Fernandes em pensar antes de fazer. Se outros o tivessem feito, muitas críticas se poupariam e não poucos erros e danos se teriam evitado. Quando iniciou o seu plano de melhoramentos dos equipamentos eclesiásticos e sociais da paróquia de Santo Adrião, remodelando a Velha Matriz, lançou um modelo de planeamento e ação, que vai usar, reiteradamente, ao longo do seu apostolado, assente na generosidade e na dádiva dos paroquianos, em trabalho voluntário e em donativos, excluindo o dinheiro público. E sustentado em grupos de trabalho adequados ao respetivo projeto. Para as obras da Igreja Matriz obteve o apoio de todos, ricos e pobres, crentes e agnósticos. O apelo aos empresários, engenheiros e construtores civis, e aos paroquianos foi um sucesso. O Eng.º Pinheiro Braga fez o projeto e incumbiu-se do acompanhamento das obras, deixando claro, desde logo, que fazia todo o seu trabalho gratuitamente. É aqui que se inicia uma relação de trabalho e de amizade com Pinheiro Braga, que vai durar para sempre, tendo como pontos altos a construção de casas para pobres, fomentadas por Monsenhor, quando o conhecido antifascista faz gratuitamente os projetos e, depois da revolução de Abril, com a transferência da Capela de S. Vicente, da EN 14 para o Bairro de S. Vicente, com apoio entusiástico do Presidente da Comissão Administrativa da Câmara. De Braga, veio o Cónego Aguiar Barreiros, especialista em Arte Sacra, vistoriar o projeto, que aprovou com algumas restrições: não mexer no Altar das Santas Chagas, nem no teto da Igreja Central (duas joias de Arte Sacra portuguesa). Até Álvaro Marques contribuiu com madeiras, que o incêndio de 1952, nos Paços do Concelho poupou. Foram esculpidas pelos operários da “Boa Reguladora”, e colocadas nos altares e guarda ventos. Um apoio importante de António Augusto Carvalho. A residência paroquial conseguiu-a com uma doação, e a casa onde instalou a Creche Mãe foi adquirida com donativos. O modelo estava testado e aprovado. A ideia que se tem do Cónego Joaquim Fernandes, é de um Homem enérgico, determinado e persistente. Sem dúvida. Porém, dentro do seu espírito borbulha uma visão e um pensamento estratégico, que não se confinam à esfera eclesiástica, estendendo-se ao espaço público da cidadania.

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Todos os líderes precisam de ter uma boa equipa de adjuntos para poderem fazer coisas. Sem a colaboração de uma equipa ninguém faz nada bem feito por muito tempo.

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Era necessário pensar numa Nova Igreja Matriz para inserir numa nova urbanização.

Este é por ventura um dos traços mais originais e cativantes da sua personalidade multifacetada, que foi determinante na concretização dos seus sonhos. O pároco e o cidadão convivem harmoniosamente. Ainda andava a restaurar a Velha Matriz e já avisava Álvaro Marques de que “Era necessário pensar numa Nova Igreja Matriz para inserir numa nova urbanização” (idem). E quando o presidente, munido do anteplano de urbanização de Miguel de Resende, lhe aponta a Praça 9 de Abril para a sua localização, a rejeição foi célere e incisiva: “Quero-o junto à câmara, como os outros a quiseram”. Com a resposta, não só desarmou Álvaro Marques, como evidenciou, desde logo, uma visão estratégica no desenvolvimento da cidade, que não cabia no plano de urbanização, que o presidente se afadigava em aprovar. Como não se encaixou em todos os programas dos presidentes que lhe sucederam na roda da política municipal. E se assim sonhou e pensou, jamais abandonou a ideia. Encomendou o projeto ao arquiteto José Marinho, e em 1966 apresentou-o à câmara de Benjamim Salgado, fazendo-o acompanhar de um anteplano de urbanização de toda a zona [Quinta da Cruz Velha] e anexos (Estrela do Minho, 15.12.1966). Em final de mandato, Benjamim Salgado, para lavar as mãos, voltou a reunir com a Comissão Executiva, passando-lhes a informação de que o anteprojeto já tinha sido enviado para a Direção Distrital de Urbanismo, com o parecer favorável do Arqtº Losa (Notícias de Famalicão, 20.09.1968).

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E deita mão do modelo de ação, que já dera bons frutos, criando uma Comissão Executiva, apelando como sempre ao trabalho voluntário e aos donativos dos paroquianos. A verdade é que o projeto deparouse com muitas resistências e objeções, vindas sobretudo do poder político municipal, cronicamente permeável aos apetites insaciáveis da construção civil. Assim, em 1971, na câmara de Manuel João Dias Costa “Foi apresentado ao município a área estritamente necessária para a implantação da Nova Matriz e seus anexos: igreja paroquial, com um amplo salão, residência paroquial e ainda o Centro Paroquial” (Notícias de Famalicão, 19.12.1971). Era o primeiro desaire, mas a batalha seria longa. Também era o projeto mais ambicioso. Teve que aguardar pelo regime democrático para ser concretizado. Não como foi pensado, mas amputado, em nome dos deuses do dinheiro e das ganâncias financeiras. Apesar de tudo, um grande Centro Cívico e Religioso, consagrado à ‘Ressureição’, espelhada nas cores e na luz do maior vitral do país, a ‘capela sistina’, de João Aquino. A grande mágoa, à qual muitos se associam, é que se perdeu a oportunidade de se construir “Um espaço público que simbolizasse a grandeza de Vila Nova de Famalicão, numa união entre o corpo (município) e o espírito (igreja) como base do progresso da nossa terra” (idem). Também aqui Monsenhor não se coibiu de criticar aqueles que se renderam. Em particular, o seu amigo Agostinho Fernandes, dando provas de isenção, de coragem e independência, que o caraterizam.

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Um espaço público que simbolizasse a grandeza de Vila Nova de Famalicão, numa união entre o corpo (município) e o espírito (igreja) como base do progresso da nossa terra. Como se vê o combate de ideias e por projetos no espaço público, não se ficam pelo tempo de Álvaro Marques. Atravessam todo o seu apostolado e extravasam o território municipal. A atestá-lo está o conhecido choque, que Monsenhor teve com o todo-poderoso Salazarista Santos da Cunha, a propósito do relançamento da Semana Santa, que o então presidente da câmara de Braga tentou travar. A história vem contada nas “Memórias do Senhor Arcipreste”, e o que dela releva, além da coragem, argúcia e capacidade argumentativa, é a estratégia montada para alcançar com êxito o objetivo. Santos da Cunha “meteu a viola no saco” e regressou a Braga, dando por perdido o tempo que o trouxe a Famalicão. Monsenhor não poupa o seu colega, o padre Benjamim Salgado, discordando frontalmente da opção que fez ao assumir o governo da câmara municipal de V.N. de Famalicão. Reconhece que o padre Benjamim Salgado “Era uma homem culto e muito capaz. Mas os problemas de uma câmara municipal não se resolvem só com livros”. E, contundentemente, afirma: “O presidente Benjamim Salgado não teve cuidado na gestão do espaço público e talvez não tenha medido as consequências. E não conseguiu livrar-se da acusação de que beneficiou a Fundação Cupertino de Miranda para mais tarde ter sido contemplado com o lugar de diretor cultural”. Uma questão se pode levantar, parafraseando Monsenhor Joaquim Fernandes: terá o padre autarca Benjamim Salgado pensado “no fim para que o faças”? Em Vila Nova de Famalicão não pensou seguramente. Não acautelou a sua identidade e o seu futuro, e desprezou a sua história. O que não é pouco para um professor de história! No meio desta polémica, que dividiu a população de Vila Nova de Famalicão, que só a mordaça da censura e o poder financeiro de Cupertino abafaram, esteve o diretor do ‘Noticias de Famalicão’, o padre António Guimarães, porta-voz do arciprestado, que Benjamim acusou de traição, por ele expressar publicamente a discordância na entrega do coração do Campo da Feira à Fundação Cupertino de Miranda e ao Banco Português do Atlântico, hoje BCP. Uma vez mais, a argúcia e firmeza de Monsenhor expressaram-se com vigor, quando Benjamim Salgado lhe exigiu a ‘cabeça’ do diretor do

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Sempre procurei trabalhar em estreita colaboração com as instituições famalicenses. Sempre entendi que, juntos, poderíamos ser mais: igreja, município, intelectuais, empresários, toda a sociedade civil.

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‘Notícias de Famalicão’. Benjamim nem sequer teve tempo para subir as escadas da residência paroquial. Recebeu a resposta no limiar da ombreira da porta. “Quem traiu não foi o colega. Tu agiste como político”. Às ameaças de que conhecia as escadas do Paço, recebeu de troca “Também conheço a escadaria do Governo Civil”. Deve reconhecer-se, também aqui, que não se assiste somente a uma querela de opiniões ou a uma controvérsia sobre uma questão concreta, relevante, é certo, para a comunidade, que ainda hoje sofremos e pagamos. Em boa verdade, estamos perante duas mundividências distintas, onde reentra o laicismo e o respeito pela autonomia e independência do poder espiritual e temporal. No caso, o que é estranho e mesmo paradoxal é o padre/presidente, despido das vestes sacerdotais, querer vergar o poder religioso aos interesses pessoais, travestidos abusivamente de interesses municipais. Tudo visto, o que separa estes homens/párocos/ cidadãos é uma ética de valores e de comportamentos. Que uns respeitam e outros oportunisticamente ignoram. A mesma que fez aproximar Monsenhor do Bispo do Porto, Dom António Ferreira Gomes, e o afasta do Cardeal Cerejeira. E que leva Benjamim Salgado a tornar-se um doutrinador militante do Salazarismo.

TENHO A SABEDORIA DA VIDA Se a vida de Monsenhor Joaquim Fernandes não cabe num século, a obra que concretizou e o exemplo de dignidade, trabalho e dedicação ao outro, que lega às gerações futuras, perdurarão, por tempos imemoriais, inscritos a letras de ouro, nos corações de todos os famalicenses, e na memória coletiva de V.N. de Famalicão: a terra que lhe calhou em sorte nascer e a que adotou para viver e transformar. Monsenhor afirma: ”Não sendo um homem da Universidade reconheço que tenho a sabedoria da vida”. Começou cedo a aprendizagem – e soube mantê-la ao longo da vida – antes mesmo de frequentar a escola, dentro da família humilde de caseiros a trabalhar a terra alheia, de forma precária, em troca de uma parte da produção, sempre incerta. Viveu esta violência, e sofreu a injustiça dos colegas e amigos de escola, que ficaram pelo caminho, impedidos de prosseguirem os estudos, dada a inexistência de escola pública. De todo impossível esquecer esta experiência, e não a ver refletida no pensamento e na ação que produziu no seu apostolado. Se começou cedo a sentir as contradições e as injustiças na sociedade, pela porta do mundo entraram-lhe as tragédias do século XX, nomeadamente, as duas Grandes Guerras Mundiais e a Guerra Civil de Espanha, designadamente as duas últimas, que acompanhou no seminário, não podendo deixar de ter influenciado a sua formação e a visão do mundo. Será porém o embate com a realidade famalicense, que amalgamou no início do seu

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apostolado, que mais o terá marcado e maior contributo prestou à sua formação e na solidificação das suas convicções: um clima político crispado, com lutas e cisões intestinas, dentro da União Nacional Concelhia, uma sociedade civil, ela também dividida, com reflexos diretos nas instituições culturais e sociais e na própria igreja. E com uma população privada do essencial, vencida pela doença e pobreza, sob o estigma da discriminação social e das desigualdades sociais. E, se no seu percurso pastoral aprendeu com a experiência própria, não deixou de ir conhecer a realidade de outros continentes, viajando para conhecer de perto o que criavam as sociedades mais desenvolvidas. “Não me limitei a ser um provinciano. Nunca fui um padre doméstico” afirma. Nesta encruzilhada, com o céu carregado de angústias e de pesadelos, a opção de um pároco, a fervilhar de ideias e de projetos, e animado por um ideal de servir o próximo, e, em particular os mais desfavorecidos, estava traçada. No essencial, tratava-se de retirar a igreja da letargia e da passividade em que se encontrava. E cuidar da tentação de a pôr ao serviço de grupos e de a retirar da influência de interesses alheios. No fundo, sem perder a âncora dos princípios e dos valores, imprimir um sentido pragmático à ação da igreja, que estas palavras sábias expressam: “Em primeiro lugar está o homem. Quando ele é servido, conquistámo-lo”. E envolver todos, quaisquer que seja o seu estatuto, classe social ou cor política.

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Muita gente se celebriza não por ter visto a luz num determinado lugar, mas por ter vivido naquele onde permaneceu ou se formou e se celebrizou. O que importa não são as listas de celebridades, mas a relação delas com o lugar. José Mattoso, A Escrita da História, 1988

Eis mais uma vez o pensamento a traçar o caminho de ação: “Sempre procurei trabalhar em estreita colaboração com as instituições famalicenses. Sempre entendi que, juntos, poderíamos ser mais: igreja, município, intelectuais, empresários, toda a sociedade civil”. Dirá mais: ”Nunca pretendi ser político. Mas acompanhei o que se passava”. Faltará à verdade quem o negar. Haverá, contudo, que acrescentar: Monsenhor foi um príncipe da política e da diplomacia, não pela ação direta – da qual sempre fugiu, ao contrário de outros – mas pela influência que exerceu de forma discreta na classe política, e, curiosamente através do pensamento, e, designadamente, pelas ideias que defendeu para a construção da cidade, as quais influenciaram várias gerações de políticos. Ao colocar-se acima dos grupos e das fações, mostrou ser um homem de causas, que ultrapassam os ciclos e as carreiras políticas, inscrevendo o seu nome na linhagem dos que sonham e antecipam o futuro. E acrescente-se, fê-lo sempre respeitando o princípio do secularismo. Dir-se-á, um século de vida ofereceu-lhe a dádiva da sabedoria, da compreensão e da tolerância, fazendo-o esquecer os sonhos, e pôr em parênteses as objeções críticas. Nada mais errado e injusto. Monsenhor mantém o que sempre afirmou e defendeu. Somos forçados a reconhecer: só um espírito sério e coerente é capaz desta coragem e lucidez. Nunca em tempo algum necessitamos tanto de Homens que combatem toda a vida, dando tudo o que possuem pelo Outro, ajudando-o a libertar-se das grilhetas da pobreza, da doença e das desigualdades sociais, dando a cada um e a todos condições de liberdade para a conquista da autodeterminação e da realização pessoal. Se esta é a questão essencial da existência humana, então Monsenhor percorreu o caminho certo, que as suas palavras sintetizam: “A minha luta de sempre como sacerdote foi edificar espaços de instrução e de solidariedade”. Monsenhor é um famalicense de gema, nasceu numa das freguesias do concelho. Por opção nasceu em Vila Nova de Famalicão: “A minha terra é Vila Nova de Famalicão”. Nasceu duas vezes! Como observa José Mattoso: “Muita gente se celebriza não por ter visto a luz num determinado lugar, mas por ter vivido naquele onde permaneceu ou se formou e se celebrizou. O que importa não são as listas de celebridades, mas a relação delas com o lugar” (A Escrita da História, 1988). Monsenhor Joaquim Fernandes faz o pleno. Celebrizou-se pela devoção à Terra onde nasceu, e entrou nos anais da sua história pela relação próxima e profunda de vida e trabalho que com ela estabeleceu. Nasceu, Viveu e Amou Vila Nova de Famalicão: a de Nascimento e do Coração! Artur Sá da Costa, Investigador

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36 Homenagem


Rua Adriano Pinto Basto, anos 50 37 Cรณnego Monsenhor Joaquim Fernandes


D. Jorge Ortiga *

SERVO DA CAUSA COMUM

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Há pessoas que marcam a história de uma localidade. Para isso não importa a quantidade de anos que aí viveram mas o espírito e o sentido de responsabilidade com que estes foram vividos. Mas quando aliamos as duas coisas – número de anos e o compromisso com o bem comum – esta circunstância torna-se ainda mais evidente. Famalicão nunca seria o que é sem a longa e activa presença do Mons. Joaquim Fernandes. Famalicense genuíno, encontrou na vocação sacerdotal um sentido de doação e de entrega à sociedade pelo facto de ser Igreja. Quando decide enveredar pela vida sacerdotal já conhecia a vida do trabalho. Os seus estudos no Seminário abriram-lhe um sentido das realidades humanas que nunca teria experimentado se tivesse entrado no Seminário logo após os estudos elementares. Iniciou um percurso marcado por diversas interpelações da vida, às quais os estudos deram luz para um alegre viver para a causa comum: na Igreja como sacerdote e na sociedade civil como cidadão responsável. Nele, estas duas vertentes convergiam na alegria de ser padre para todos, fossem as pessoas cristãs ou simples famalicenses.


Identificou-se com os problemas da época e foi delineando projectos de solidariedade, sempre com a intenção sincera de estar do lado dos mais débeis e frágeis.

Esta vocação amadurecida, não muito frequente na época, fez da sua vida sacerdotal um alegre contributo para uma Igreja fiel aos projectos divinos. Quem conhece a sua vida não deixa de reconhecer uma certa antecipação dos tempos. Por um lado, uma vontade intrépida de ser Igreja procurando responder aos diversos desafios que, internamente, lhe eram colocados. Por outro, o compromisso sereno de não se constituir em ilha à procura dos privilégios que as circunstâncias temporais ainda permitiram. Mergulhado na sociedade, identificou-se com os problemas da época e foi delineando projectos de solidariedade, sempre com a intenção sincera de estar do lado dos mais débeis e frágeis. A história de Famalicão mostra claramente como foi possível conciliar a missão sacerdotal com a responsabilidade cívica num tempo de desigualdades e carências sociais. Daí que, olhando em retrospectiva, encontro-me com 100 anos de sacerdócio no genuíno significado desta palavra. Não era só apenas ao altar ou ao culto que se entregava. As causas humanitárias contaram sempre com a sua intervenção. Não ouso elencar estas intervenções. Famalicão deveria descortiná-las para reconhecer

o quanto lhe deve por causa da sua entrega à causa pública a partir do testemunho alegre de ser padre da Igreja Católica. Se fez obras de índole paroquial, do culto e de respostas sociais. Viver 100 anos é digno de todo o reconhecimento a Deus e de verdadeira amizade a quem celebra este aniversário. Mais interessante do que celebrar esta efeméride é verificar que foram anos plenos de vida e de entrega. Desejamos que se fortaleça ainda mais esta sua vontade de construir uma Igreja renovada: aquela que não caminha à margem da sociedade civil mas dá resposta aos problemas com o seu contributo específico; aquela procura uma sadia laicidade, que nada tem a ver com um laicismo que muitos pretendem impor-nos sem respeitar a liberdade humana. Estes 100 anos mostram que ser cristão – sacerdote ou leigo – só acontece mergulhando na sociedade como semente a gerar frutos de justiça, igualdade e fraternidade. Que Famalicão saiba continuar a memória deste famalicense que quis ser padre para melhor servir o concelho. * Arcebispo Primaz de Braga

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GRATIDÃO E JUSTIÇA A UM FILHO DA TERRA Almeida Pinto *

Uma das principais ruas da cidade, Avenida Humberto Delgado, anos 50.

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Em Julho de 1995, a Associação Amigos de Famalicão teve a honra e o privilégio de celebrar os cinquenta anos de sacerdócio do Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes. Fê-lo com a pompa e a circunstância devida a um Famalicense ilustre. Os Famalicenses e as duas forças vivas, em uníssono, associaram-se a essa homenagem de alma e coração, muito tendo contribuído para a grande projecção desse evento. Eram as bodas de ouro do seu sacerdócio que estavam a ser comemoradas. Um evento de gratidão e de justiça a um filho da terra, a um cidadão exemplar, a um sacerdote todo dado à sua causa, à sua Ordem, todo dado a uma comunidade. Cinquenta anos de sacerdócio é uma data histórica digna de ser celebrada. Contudo, outra data histórica surgiu na vida do Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes. Os seus cem anos de vida. A Associação Amigos de Famalicão tomou a iniciativa de levar por diante a comemoração dos cem anos de vida do Monsenhor Cónego Joaquim


Fernandes. Foi um ponto de honra fazê-lo com a mesma legitimidade e obrigatoriedade como o fez no passado. E, do mesmo modo, como há 21 anos, teve da parte de todas as forças vivas de Vila Nova de Famalicão, não esquecendo a Igreja, a maior das anuências e a mais ampla colaboração. Em nome da Associação Amigos de Famalicão, e no meu próprio, deixo aqui palavras de imensa gratidão à Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, na pessoa do seu Presidente, Dr. Paulo Cunha, que desde a primeira hora foi dum entusiasmo e dum apoio dignos de serem realçados. Do mesmo modo, quero também destacar todas as associações ou colectividades onde o Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes participou activamente e que de imediato deram o seu “agreement” e total disponibilidade para participarem em tão justa comemoração. Vila Nova de Famalicão, os Famalicenses e os seus legítimos representantes mais uma vez mostraram bem alto quanto são gratos àqueles que por actos, por acções, por obras fazem história. Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes é um Famalicense que ficará para sempre na história de Vila Nova de Famalicão. Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes, ao longo dos tempos, construiu uma obra espiritual profunda de amor ao próximo, de disponibilidade sem limites, duma entrega permanente à Comunidade Famalicense, num autêntico espírito de sacerdócio. Porém, o Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes construiu também uma obra material de grande relevo e importância para conforto e bem-estar dos fiéis da sua Igreja e que muito veio engrandecer o património de Vila Nova de Famalicão. Vila Nova de Famalicão muito justamente comemora os cem anos de vida dum seu Filho ilustre. Os Famalicenses manifestam nesta data festiva de 6 de setembro de 2016, mais uma vez, a sua gratidão, o seu obrigado a Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes. Prestam a sua homenagem ao seu húmus de sacerdócio exercido sempre de cara aberta, com um sorriso nos lábios, com palavras sóbrias, amáveis e amigas, espírito conciliador e magnânimo e onde o seu “rebanho” foi olhado sempre com carinho. Prestam a sua homenagem ao Cidadão duma personalidade forte, de antes quebrar que torcer, dinamizador

e empreendedor, onde a palavra impossível não faz parte do seu vocabulário. Prestam a sua homenagem ao Famalicense amante da sua e nossa Terra que ao longo de toda a sua vida muito contribuiu, com todo o seu saber, para o engrandecimento, para o crescimento, para o bom nome e prestígio de Vila Nova de Famalicão e bem-estar dos seus Cidadãos. Este evento ficará para sempre na memória colectiva de Vila Nova de Famalicão, ficará para sempre na memória de todos quantos contribuíram e participaram nesta comemoração e na memória de Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes, nosso homenageado. É um acto de justiça e gratidão a quem neste mundo muito contribuiu para que este mesmo mundo seja cada vez melhor. 10 junho, 2016 * Presidente da Associação Amigos de Famalicão

Prestam a sua homenagem ao Cidadão duma personalidade forte, de antes quebrar que torcer, dinamizador e empreendedor, onde a palavra impossível não faz parte do seu vocabulário.

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Muito obrigado, Monsenhor. Todo o Clero sente-se agradecido pelo amor, trabalho e preocupação que o Monsenhor sempre nos manifesta. Pelo bom uso da sabedoria e experiência de vida que nos sabe transmitir.

UM PEREGRINO...

Armindo Paulo da Silva Freitas *

Falar do Monsenhor Joaquim Fernandes. Dar um testemunho… Não é fácil! Não, por que seja difícil… Sim, por que o Testemunho fala pela sua vida. Em quinze anos de convivência, aprendi do Monsenhor Fernandes a saber usar a sabedoria, a humildade, a paciência, a prudência na decisão. Aprendi a saber usar a crítica como meio de crescimento e de apreciação do essencial para a vida. Mas, sobretudo, aprendi a ser decisivo. Quantas inquietações, quantos problemas um padre novo tem pela frente e quantas são as conversas e quantas as opiniões… Aprender a «não fazer acepção de pessoas» não é fácil. Fácil seria enveredar pelo caminho mais cómodo e nos dá maiores seguranças. Fazer-se pobre com os pobres, simples entre os simples que Deus nos confia. Em todos os confrontos e jogos que a vida nos possa proporcionar e provocar; buscar a Verdade como Caminho e Vida; manifestar a Misericórdia de Deus… Sentir a Igreja e ser igreja… Ser elo de União e de Comunhão entre todos os membros do Clero do nosso Arciprestado.

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Como arcipreste do nosso querido Arciprestado de Vila Nova de Famalicão, quero manifestar ao Monsenhor Joaquim Fernandes: GRATIDÃO. Muito obrigado, Monsenhor. Todo o Clero sente-se agradecido pelo amor, trabalho e preocupação que o Monsenhor sempre nos manifesta. Pelo bom uso da sabedoria e experiência de vida que nos sabe transmitir. Pelo bom acolhimento e pela presença amiga. Muitos Parabém… Muitas Felicidades… Em Cristo… * Arcipreste de Vila Nova de Famalicão


O HOMEM QUE VIVE “À” COLHER

Nuno Castro *

Ao celebrarmos o centenário do nascimento do amigo Monsenhor Joaquim Fernandes urge não só manifestar a Deus a gratidão por tão nobre acontecimento, mas salientar a excelência do viver deste homem, chamado a legar um pouco mais de sabedoria ao mundo. Não pretendendo definir o amigo, prefiro viver como amigo que é mais importante do que descrever o que um amigo é. Reconheço que é justo o mundo agradecer tamanho acontecimento, bem como, salientar um percurso inapagável de humanização e de esperança. Mas para entender isto precisamos de uma sabedoria, essencialmente de uma sabedoria espiritual, que nos permita compreender e explicar. Com ele fico a entender que os amigos insistem que a amizade é feita de futuro. Testemunham que há sempre caminho. O encontro quase diário que posso privar com ele ajuda a interpretar o mundo que me circunda, no desenvolvimento da capacidade de escuta, na compreensão de uma santidade para todos, na necessidade de responder a todo o chamamento, na vivência do serviço por amor e na necessidade de crescer para fazer bem o bem. Nisso se vê que

Dia de Feira Semanal, Vila Nova de Famalicão, anos 50.

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é um homem que vive a acolher. A abertura para o acolhimento de todos , independentemente da sua situação, ensina uma verdadeira sabedoria de viver em igreja. Sempre presente, leva a concluir que a sua vida é mistério de visitação. Homem sensato, consciente dos seus limites, mas dedicado à unidade e ao consenso, permite que, semanalmente nos encontremos para um bom almoço . Assim, de um homem que vive a acolher passamos a um homem que também vive à colher. Sentar-se à mesa, onde ninguém preside e se faz de uma mesa quadrada uma mesa redonda, ensina o modo como se colocar no mundo. Tocado pelo grande sentido de honestidade que é próprio de quem quer viver serenamente e de bem consigo mesmo, consegue exemplificar pela forma dedicada e com confiança que ele consegue dar aos jovens. Com tamanho testemunho, concluo como pároco, que «para servir assim é preciso valer humanamente».

Inauguração da Creche Mãe em Mões, 1972. Monsenhor Joaquim Fernandes acompanhado pelo Ministro Rebelo de Sousa, o Arcebispo de Braga Dom Francisco Maria Martins e o Presidente da Câmara Manuel João Dias Costa. .

Não pretendendo definir o amigo, prefiro viver como amigo que é mais importante do que descrever o que um amigo é.

* Pároco da Freguesia de Mouquim

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Carlos Alberto Costa Fernandes *

Celebrar os cem anos de vida de alguém é sempre motivo de grande satisfação, mas celebrar o centenário da vida de um amigo é algo absolutamente maravilhoso.

EXEMPLO DE ENTREGA E GENEROSIDADE

Celebrar os cem anos de vida de alguém é sempre motivo de grande satisfação, mas celebrar o centenário da vida de um amigo é algo absolutamente maravilhoso. Refiro-me ao Monsenhor Joaquim Fernandes, uma grande personalidade de Mouquim e de Vila Nova de Famalicão. Padre e homem cativante e completo, o Monsenhor Joaquim Fernandes é exemplo de entrega e generosidade. Amigo de ricos e pobres, a quem sempre estendeu a mão e de quem sempre esteve e continua próximo, procurando o seu bem-estar. Padre e homem ímpar, cuja obra vai muito além da sua missão pastoral. Para mim e para todos os famalicenses, uma referência, estou certo. Sou seu paroquiano e posso testemunhar a forma intensa e desinteressada como vive a sua vocação. Agora que faz a sua vida em Mouquim, numa pequena quinta no lugar de Montalvão, desejo-lhe que continue a ter uma vida ativa e vibrante, como sempre teve. Porque a sua presença entre nós é uma dádiva de Deus. * Presidente da União de Freguesias de Lemenhe, Mouquim e Jesufrei

46 Homenagem


Antigos Paรงos do Concelho, 1951.

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FIGURA ICÓNICA DE VILA NOVA DE FAMALICÃO

Pedro Álvares Ribeiro *

Edifício da Fundação Cupertino de Miranda, anos 60. (fotografia arquivo da FCM)

Um Homem que indubitavelmente deixa a sua marca em Vila Nova de Famalicão. Conhecido por todos como o “Senhor Arcipreste” – cargo que ocupou no arciprestado famalicense durante várias décadas – soube, como poucos, atravessar o tempo deixando uma imagem de pastor tolerante, amigo e atento, marcando gerações, quer pela sua forma de estar na religião e na sociedade, quer como exemplo de cidadão. É uma pessoa, por todos, muito acarinhada. Sempre defendeu que “A Igreja é para todos” e é com esta máxima que ao longo de mais de meio século à frente da Igreja famalicense espalhou a palavra de Deus; motivou os jovens e demais paroquianos; esteve atento aos mais necessitados, procurando ajudá-los; trilhou caminhos, nem sempre fáceis, procurando a concretização dos objetivos a que se propôs. Com o envolvimento da comunidade, dotou a paróquia de Vila Nova de Famalicão de uma nova Igreja Matriz, de Centro Pastoral e Cívico, de Residência Paroquial, entre os projetos e equipamentos. Esteve ligado a várias organizações, onde se inclui a Fundação Cupertino de Miranda (FCM).

48 Homenagem


O Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes foi eleito seu Administrador, em representação do Prelado da Diocese de Braga (membro nato do Conselho de Administração da FCM), em 1983, sucedendo no lugar o Pe. Manuel Faria, que tinha falecido nesse mesmo ano. Em 2003 foi eleito Vice-Presidente do Conselho de Administração da FCM, cargo que ocupou até 2009, quando, a seu pedido, cessou funções nos Órgãos Sociais da Fundação Cupertino de Miranda. Sucedeu-lhe no cargo, em Representação do Prelado da Diocese de Braga, o Professor Doutor João Duque, Presidente do Centro Regional de Braga da Universidade Católica Portuguesa, o qual se mantém, atualmente, em exercício de funções. O Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes pertenceu, também, ao Conselho Executivo da Fundação Cupertino de Miranda. A Fundação Cupertino de Miranda, criada por Arthur Cupertino de Miranda e sua Esposa – de quem Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes era, também, amigo pessoal – é uma fundação privada de interesse geral, que prossegue, sem finalidade lucrativa, objetivos de natureza cultural e social. Possui museu, biblioteca, auditório, livraria e outros espaços expositivos. Em 2009 criou a Cappella Musical Cupertino de Miranda. Possui um acervo artístico com cerca de 3.000 obras de arte, a maioria pertencente ao Surrealismo Português; e um acervo bibliográfico com cerca de 40.000 volumes, onde se incluem importantes núcleos documentais de Mário Cesariny e Cruzeiro Seixas. Na sua atividade cultural a FCM realiza regularmente exposições temporárias e permanentes no museu, promove a itinerância da sua Coleção de Obras de Arte; realiza os Encontros Mário Cesariny, Carmina, Ciclos de Música e Poesia, Festival Internacional de Polifonia Portuguesa; concertos regulares com a Cappella Musical Cupertino de Miranda; ações do Serviço Educativo; entre outras atividades, todas de livre e gratuito acesso. A nível social, apoia diversas organizações sem fins lucrativos e, em casos muito pontuais, cidadãos carenciados e com elevadas carências económicas. Apoiou, juntamente com o Estado Português a construção da Creche D. Elzira Cupertino de Miranda, Louro (VN Famalicão) e a construção da Comunidade Terapêutica do Projeto Homem, na Falperra (Braga).

Soube, como poucos, atravessar o tempo deixando uma imagem de pastor tolerante, amigo e atento, marcando gerações, quer pela sua forma de estar na religião e na sociedade, quer como exemplo de cidadão.

Ao longo dos 26 anos de exercício de funções na Fundação Cupertino de Miranda, o Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes sempre pautou a sua atuação com integridade, independência, zelo e ponderação. Sempre muito atento às causas sociais e defesa dos mais desfavorecidos, manifestou o seu apoio a alguns dos projetos apoiados pela FCM, como é o caso da construção da Comunidade Terapêutica do Projecto Homem (Falperra, Braga), Creche D. Elzira Cupertino de Miranda (Louro, VN Famalicão), CrecheMãe e Patronato da Sagrada Família (VN Famalicão), entre outros. A área da solidariedade social – uma das vertentes da atuação da Fundação Cupertino de Miranda – era a área que o Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes mais acarinhava e defendia. Mas, também a área cultural sempre mereceu a especial atenção do Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes, sendo um dos frequentadores dos seus eventos. Sobre a sua passagem pela FCM refere-se o Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes no Livro dos 50 Anos da Fundação Cupertino de Miranda (19632013): «Em representação do meu Bispo servi com ele ( Arthur Cupertino de Miranda) a Fundação – com que

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50 Homenagem


Rua Adriano Pinto Basto e Praça D. Maria II, anos 50.

alegria e proveito captava as palavras de abertura das reuniões dos Administradores – o seu saber acolher – o ponto da situação económica da Casa… mas sempre ligado a explicações concretas e profundas no evoluir a nível nacional e internacional – fazíamos dos nossos encontros sempre mais ricos, unidos e sempre com vontade de fazer mais e melhor.» Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes é uma das figuras icónicas que marcou a segunda metade do século XX em Vila Nova de Famalicão. A sua vivência e dedicação ao próximo é um exemplo para todos nós. Muitos Parabéns pelo seu 100.º Aniversário, Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes! 2016 é o ano das celebrações do Centenário do Nascimento de três importantes padres famalicenses, que se afirmaram em vários setores da sociedade e não apenas no âmbito religioso: Pe. Benjamim Salgado (1916-1978), Pe. Manuel Faria (1916-1983) e Pe. Joaquim Fernandes (1916-). Todos eles estiveram ligados à Fundação Cupertino de Miranda, enquanto seus Administradores: Pe. Benjamim Salgado entre 1967 e 1968, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão; Cónego Manuel Faria entre 1967 e 1983, em representação do Prelado da Diocese de Braga – nomeado pelo Arcebispo, D. Eurico Dias Nogueira; e Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes, que assumiu a representação do Prelado da Diocese de Braga, nomeado pelos Arcebispos, D. Eurico Dias Nogueira e D. Jorge Ortiga, entre 1983 e 2009. É com grato prazer que a Fundação Cupertino de Miranda se associa às comemorações do nascimento destes três padres, ilustres famalicenses, que à maneira de cada um deles, deixaram o seu cunho na história de Vila Nova de Famalicão, em geral, e na da Fundação Cupertino de Miranda, em particular. * Presidente do Conselho de Administração da Fundação Cupertino de Miranda

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DEDICAÇÃO E DISTINÇÃO

Luís Machado Macedo *

O Monsenhor Joaquim Fernandes já era uma figura pública e conhecida do meu círculo familiar e social, mesmo antes de o conhecer pessoalmente nos órgãos sociais da CEVE. Lembro-me que era referido como uma pessoa distintiva, quer como padre quer como cidadão, com qualidades fora do habitual. Em 1979, ano em que integrei pela 1ª vez a Direcção da CEVE, passei a encontrar o Cónego Joaquim Fernandes com regularidade nos encontros entre os órgãos sociais da CEVE, e a habituar-me a apreciar a sua sabedoria, sempre associada à sua peculiar postura, perspicácia e assertividade. Nessa altura, Monsenhor Joaquim Fernandes já fazia parte do Conselho Fiscal da CEVE desde 1969, tendo posteriormente assumido funções de Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral, e a partir de 1982 de Presidente da Mesa da Assembleia Geral até ao ano 2009, ano em que perfez 40 anos ininterruptos de dedicação nobre à causa da CEVE. Mesmo tendo deixado de integrar os órgãos sociais, esteve sempre presente em todos os

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Influenciou todos aqueles com quem conviveu, pelas atitudes, pelo pensamento, pelo notável exemplo de sabedoria, trabalho e perseverança, e pela sua militância nas causas sociais.

momentos relevantes nomeadamente nas Assembleias Gerais, dando sempre contributos muito construtivos, especialmente em momentos críticos em que se tomaram decisões importantes para a vida da empresa. Reconheço o inestimável contributo que prestou ao desenvolvimento da Cooperativa, especialmente nos seus períodos mais difíceis. É uma personalidade marcante, que influenciou todos aqueles com quem conviveu, pelas atitudes, pelo pensamento, pelo notável exemplo de sabedoria, trabalho e perseverança, e pela sua militância nas causas sociais. Felicito o Monsenhor Joaquim Fernandes pela sua vida, pela sua obra, e pela sua força de fazer muito, sempre muito e em prol da comunidade. * Presidente do Conselho de Administração da CEVE

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Vinte e oito de Julho de 2016 é uma data importante para a cidade de Vila Nova de Famalicão. É uma honra na qualidade de Provedor homenagear o Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes da Silva pelo seu 100.º aniversário. Querido amigo Monsenhor Cónego Joaquim Fernandes: Feliz aniversário! Saiba que lhe reconheço grande valor pelo enriquecimento extraordinário que a sua vida trouxe ao concelho de Vila Nova de Famalicão e todos lhe somos gratos por tudo o que fez e faz por nós famalicenses. O Monsenhor Joaquim Fernandes é merecedor de todo o nosso respeito pela coragem com que sempre enfrentou as adversidades e o modo como se mostrou sempre pronto a ajudar o próximo. Admitido como irmão da Santa Casa em 25 de Janeiro de 1955 teve desde essa data um papel interventivo de generosidade, dedicação e misericórdia. Foi vogal da mesa regedora de 1961 a 1969 e membro do conselho consultivo a partir de 2003. A história da Santa Casa da Misericórdia de Vila Nova de Famalicão é o exemplo vivo dessa

Rui Maia *

Praça 9 de Abril, Anos 50, com o início da rua Barão da Trovisqueira em destaque, onde se localiza a Santa Casa da Misericórdia.

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CORAGEM NAS ADVERSIDADES

Monsenhor Joaquim Fernandes na inauguração da Creche Mãe em Mões, 1972.

Parabéns pelos cem anos de sabedoria e experiência de vida altruísta.

coragem e disponibilidade para estar sempre presente e com o seu carinho e sabedoria dar o enorme contributo aos desígnios e objetivos a que se propõe esta nobre instituição da qual o senhor é parte integrante. Parabéns pelos cem anos de sabedoria e experiência de vida altruísta. * Santa Casa da Misericórdia de Vila Nova de Famalicão

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Francisco Carreira *

Avenida 25 de Abril, 1951.

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O “HOMEM” QUE VÊ HOMEM!

Sempre diligente e solícito, o Mons. Joaquim Fernandes percebeu desde o início do seu trabalho pastoral que a Igreja tem de estar onde estão as pessoas e consequentemente perceber quais as suas necessidades e inquietações. Vila Nova de Famalicão sempre teve tradição industrial. Tentando dar resposta às crianças que ficavam sem apoio quando as mães iam trabalhar o Sr. Cónego Joaquim Fernandes assim que assumiu a paróquia, movido pela dimensão social que sempre o caracterizou, tentou suprir essa necessidade. Já existia na cidade uma instituição com esse objectivo. Aproveitando uma estrutura já existente conseguiu imprimir-lhe um novo rumo, uma nova dinâmica. Estávamos no ano 1957. Deslocou-se várias vezes a Fátima para tentar mover a Congregação das Irmãs Reparadoras de Fátima a assumirem a Creche Mãe. Sonhou e concretizou o seu sonho. A 2 de Fevereiro de 1958 as Irmãs Reparadoras de Fátima assumiam a dinamização da Creche Mãe. Nessa altura as famílias eram muito pobres por isso, foi inexcedível a arranjar benfeitores escolhendo as pessoas certas para estar ao seu lado na Direcção da Instituição. Também foi objecto da sua preocupação a população de Mões e em parceria com a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão em 1972 criou uma estrutura que permitiu dar resposta às carências daquela zona da cidade. Atrever-me-ia a dizer que durante 45 anos o Sr. Cónego Joaquim Fernandes foi a alma e o cérebro da Creche Mãe. A sua visão social, alicerçada na Doutrina Social da Igreja, fez desta instituição uma referência na Cidade e no Município. Estamos imensamente gratos pela sua iniciativa empreendedora, pela sua atitude vigilante e pela sua visão humanizadora em favor dos mais necessitados.

Monsenhor Joaquim Fernandes com o Ministro Rebelo de Sousa, o Arcebispo de Braga Dom Francisco Maria Martins, o Presidente da Câmara Manuel João Dias Costa e o Governador Civil de Braga António Santos da Cunha.

Estamos imensamente gratos pela sua iniciativa empreendedora, pela sua atitude vigilante e pela sua visão humanizadora em favor dos mais necessitados.

* Presidente da Creche Mãe e pároco de Santo Adrião

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Construção do novo edifício dos Paços do Concelho, finais dos anos 50


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diretor Paulo Cunha edição José Agostinho e Isaura Costa biografia Artur Sá da Costa design Cristina Lamego fotografia António Freitas e Arquivo Municipal impressão Empresa Diário do Minho Lda. tiragem 500 exemplares Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão ©2016


www.vilanovadefamalicao.org





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