Ecomuseu Informação N.º 30 – Janeiro | Fevereiro | Março 2004

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Ecomuseu Informação I S S N : 0 8 7 3 - 6 1 9 7 • Depósito Legal: 106175/96 • Tiragem: 6000 exemplares

Boletim trimestral do Ecomuseu Municipal do Seixal

o património material e imaterial,

Índice

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3.4.5.

8.9.

12.13.14.15.

Programa de Iniciativas do Serviço Educativo

Conhecer O acervo documental doado pela Cooperativa Agrícola de Almada e Seixal 10.11.. Memórias e Quotidianos Trabalhar no Tejo: memória das profissões do rio

Património Cultural do Concelho O Núcleo Urbano Antigo do Seixal

6.7.

Tema de Reflexão Para uma política de exposição do EMS

16.17.

Notícias 18.19.

Agenda

FEV.

.

. 2004

JAN.

Nesta primeira edição trimestral de 2004 do seu boletim informativo, o Ecomuseu Municipal do Seixal vem desejar a todos os seus leitores e aos Amigos do Ecomuseu as maiores felicidades para o novo ano, fazendo votos para que se criem ou se consolidem as motivações de cada um, pelas mais diversas formas, para apoiar ou sustentar os projectos e as acções dirigidos à salvaguarda e valorização das memórias colectivas e do património cultural, nomeadamente reportado ao concelho do Seixal. Sendo este um dos principais objectivos do EMS, contamos contribuir para um futuro solidário, em que os valores e os bens culturais proporcionem bem-estar e confiança às comunidades a que dedicamos o nosso trabalho. Iniciando-se um novo ciclo de actividades, e face às condicionantes do desenvolvimento de projectos e da acção autárquica, em que se contextualiza o património concelhio e o trabalho museológico do EMS, relevamos o papel das comunidades e, particularmente, dos Amigos do museu, sem os quais não se poderão ultrapassar as dificuldades e constrangimentos do período que atravessamos. Destacamos também o lugar e a importância que continuaremos a atribuir efectivamente às parcerias estabelecidas e a fomentar, tanto no plano da investigação, conservação e documentação do património local e das colecções

MAR.

recurso de desenvolvimento


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incorporadas, tanto no plano da difusão e da educação patrimonial. Assim, também o nosso estatuto de museu da Rede Portuguesa de Museus, para além de um significado abrangente, na perspectiva da construção de um plano museológico de incidência nacional, deverá servir para consolidar a estrutura territorial e funcional e para qualificar o EMS. Continuaremos a trabalhar neste sentido, desde logo através da execução das acções contempladas pelo Programa de Apoio de 2003 da Rede Portuguesa de Museus, de que damos notícia e brevemente são elencadas na página 16. Face aos recursos existentes, as prioridades [...]o lugar e a importância que municipais deverão reflectir os critérios decorrentes quer do trabalho científico, quer continuaremos a atribuir efectidos principais interesses das comunidades vamente às parcerias [...] tanto locais e dos públicos e utilizadores do no plano da investigação, conEcomuseu. servação e documentação do Entre as temáticas e campos de acção a pripatrimónio local e das colecvilegiar pela Câmara Municipal do Seixal em ções incorporadas, tanto no 2004, incluem-se o património arqueológico, plano da difusão e da educação o património flúvio-marítimo e o património patrimonial. Assim, também o industrial. Serão contemplados sítios, conjunnosso estatuto de museu da tos e recursos de especial relevância históriRede Portuguesa de Museus [...] ca e cultural e de reconhecido potencial deverá servir para consolidar a museológico, tais como o Moinho de Maré de estrutura territorial e funcional Corroios, a antiga fábrica corticeira Mundet e para qualificar o EMS. (Seixal), a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, a Quinta da Trindade, a Necrópole Medieval-Moderna da Quinta de S. Pedro e as embarcações tradicionais do Tejo. Consciente dos problemas estruturais, a equipa técnica do EMS procurará aprofundar conhecimentos, métodos e linhas de programação museológica, na tentativa de explorar recursos que possibilitem o presente retomar e a concretização futura de projectos considerados primordiais para um desenvolvimento sustentável do território concelhio e da sua comunidade urbana. Nas páginas dedicadas ao Programa de Iniciativas de Serviço Educativo, os leitores encontrarão, com uma apresentação um pouco diferente, destinada a facilitar a consulta e os procedimentos de utilização dos respectivos serviços, uma oferta relativamente diversificada, apesar de ser baseada em recursos expositivos de limitada renovação.A política de exposição do EMS é aliás matéria de reflexão, na respectiva rubrica, ainda que o tema implique um debate continuado e uma constante actualização de propostas técnicas, face às orientações da tutela do museu. Nas habituais rubricas deste boletim, o património cultural imaterial é objecto de divulgação, sobre Trabalhar no Tejo: memória das profissões do rio, o qual esperamos possa ser um tema de incidência da comunicação do EMS com os públicos a partir do segundo semestre de 2004, em que se espera finalmente abrir a exposição do Núcleo Naval, em Arrentela. E, para além de darmos a conhecer o acervo documental doado pela Cooperativa Agrícola de Almada e Seixal, O 30º Ecomuseu Informação aborda ainda, numa perspectiva histórica e patrimonial, O Núcleo Urbano Antigo do Seixal, prometendo-se desde já outros futuros textos relativos ao património cultural dos centros históricos do nosso Concelho. [Graça Filipe]

Ficha Técnica Ecomuseu Informação nº30 Foto Capa

Embarcações acostadas ao cais da Vila do Seixal (1ª metade séc. XX). Foto cedida por Carlos Policarpo

Fátima Veríssimo; Fernanda Ferreira; Elisabete Curtinhal; João Paulo Santos

Impressão

Graça Filipe; Fátima Veríssimo; Fernanda Ferreira; Elisabete Curtinhal; João Paulo Santos

Grafismo e Revisão

Tiragem

Sector de Apoio Gráfico e Edições

6000 exemplares

Créditos Fotográficos

0873-6197

Informação/Agenda

EMS/CDI; Rosa Reis; Ana Isabel Apolinário; João Martins

Depósito Legal

Edição

Direcção

Câmara Municipal do Seixal-Ecomuseu Municipal do Seixal

Graça Filipe

www.cm-seixal.pt/ecomuseu

Textos/Investigação

Carla Costa; Graça Filipe;

SIG-Sociedade Industrial Gráfica

ISSN

106175/96


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Para uma política de exposição do EMS

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Tema de Reflexão

No Tema de Reflexão do anterior boletim (nº 29) anunciámos que retomaríamos as questões ligadas à definição de uma política de exposição do Ecomuseu Municipal do Seixal, considerada a importância da comunicação no museu e sublinhando as nossas preocupações numa área para a qual preconizamos a atribuição de reforçados recursos municipais. A definição de uma política de exposição do EMS deverá basear-se: > no aproveitamento integrado do património imóvel gerido (que compõe a estrutura territorial do museu) e dos espaços/paisagem envolventes; > na valorização das colecções e acervo incorporado, relacionando-os com os demais recursos museológicos e museográficos; > numa política de investigação e em planos/projectos de investigações interdisciplinares; > no conhecimento acompanhado dos públicos, sua fidelização e diagnóstico de públicos potenciais; > no pleno aproveitamento e na formação da equipa profissional do museu, complementando-a com recursos exteriores em condições de sustentabilidade, em várias áreas funcionais. Para além do plano de exposições, o trabalho de comunicação e de educação do Ecomuseu deverá evoluir em sintonia com o aprofundamento de um projecto cultural municipal, incluindo a vertente do património e, particularmente, da programação museológica do EMS, na fase iniciada em 2001 (com a aprovação, pela CMS, do Programa de Qualificação e de Desenvolvimento do EMS). Uma política de exposição adequada ao já complexo sistema de recursos e serviços que denominamos por Ecomuseu Municipal do Seixal pressupõe a necessidade de elaboração e de concretização sistemática de projectos e obras de preservação ou de recuperação de património imóvel e de sítios e de qualificação arquitectónica e museográfica de cada um dos núcleos e extensões constituintes do EMS, que estruturam o seu amplo espectro ou perfil temático. Quanto às bases programáticas indispensáveis a uma política de exposição do EMS e que devem ser asseguradas a montante desta, consideramos que: - em primeiro lugar, o processo de programação do museu deverá poder estabilizar-se, no que toca à estrutura territorial do museu (de terNúcleo da Mundet (Caldeiras de Cozer) Com os homens do aço - jornada ritório, polinucleado), com memórica no Alto Forno da Siderurgia nacional © EMS/CDI - Rosa Reis, 2003 indissociáveis repercussões no seu campo temático alargado; - em segundo lugar, será pertinente ponderar a missão do museu, questão eminentemente ligada à estrutura territorial e ao campo temático, mas sempre perspectivada face às comunidades de referência e aos públicos-alvo do museu; - em terceiro lugar, deverá ser avaliado e actualizado o estatuto de enquadramento orgânico na tutela e inerentes atribuições, questão estreitamente ligada às duas questões anteriores e com importante projecção no quadro de pessoal, organização funcional e modelo de gestão do museu. Entre os principais objectivos gerais duma política de exposição do EMS, elencamos: - potenciar e proporcionar a fruição, por parte da comunidade local, do acervo museológico e do conhecimento científico produzido pelo museu sobre aquele; - contribuir para a ligação dos habitantes ao território e para processos de inclusão social, através da interpretação do território, da identificação e valorização dos seus recursos, nomeadamente o património cultural, material e imaterial, e o património natural; - constituir, fidelizar e potencialmente alargar os públicos/utilizadores dos serviços do museu, com base na interpretação das realidades locais e do aproveitamento muse-


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ológico do património cultural material e imaterial; - promover a mediação entre os públicos e o trabalho museal, aproximando aqueles dos sujeitos deste trabalho, familiarizando-os com a multiplicidade de técnicas e a transversalidade das vertentes e funções museais na exposição/comunicação – investigação, conservação, documentação, interpretação, difusão; - criar suportes de desenvolvimento de uma política de educação patrimonial; - estimular a cidadania e contribuir para aprofundar as exigências e necessidades culturais, quer na perspectiva de consumo, quer na perspectiva da criação; - materializar resultados e desenvolver parcerias e outras formas de participação nas actividades de interpretação do território e de valorização do património. Essa política deverá privilegiar a produção e dar lugar a um plano de exposições próprias e de apresentações centradas no acervo municipal e no património concelhio, tendo lugar nos vários núcleos e extensões do EMS, à medida que se desenvolva e aprofunde a programação museológica e se concretizem, sistematicamente, obras de preservação e de qualificação. Do plano de produção do EMS, consideramos que devem fazer parte, de forma integrada, mas com dinâmicas de trabalho adequadas: - Exposições evolutivas de carácter dito permanente, articulando a exibição de acervo incorporado com a interpretação dos sítios e da paisagem, contextualizando-os no território, cada uma desenvolvendo com especificidade, baseada em conteúdos científicos, um percurso e um projecto expositivo: - na Mundet (Seixal), na Quinta da Trindade, no Moinho de Maré de Corroios, na Olaria Romana da Quinta do Rouxinol e na Fábrica de Pólvora de Vale de Milhaços. - Desde que reunidas as condições mínimas de sustentação de tais projectos, incluirseiam neste nível de planificação os Lagares de Azeite do Pinhalzinho e da Cooperativa Agrícola de Almda e Seixal, bem como um núcleo de interpretação do Alto Forno da Siderurgia Nacional e um núcleo de interpretação das Secas de Bacalhau da Ponta dos Corvos. - Exposições de longa duração, no Núcleo Naval, em Arrentela, em moldes que articulem o aproveitamento museológico daquele espaço, do acervo móvel e do património imaterial, com as embarcações tradicionais do Tejo que o EMS também incorpora e gere. - Apresentações de renovação temporária (de curta e média duração): - em espaços dos núcleos museológicos da Mundet e do Moinho de Maré de Corroios e na Quinta de S. Pedro; - em espaços municipais ou em sítios de relevância cultural e patrimonial com projectos de valorização a que o EMS esteja associado. Asseguradas as bases de concretização de um plano de exposições a curto e médio prazo, o EMS estará em condições de reavaliar a sua política de exposição, na pers-pectiva de possíveis dinâmicas de interacção e de articulação que venham a ser proporcionadas no quadro da Rede Portuguesa de Museus, nomeadamente Núcleo da Mundet (Caldeiras Babcok), durante exposição Água, fogo, ar, cortiça © EMS/CDI - Rosa Reis, 2003 tendo em vista a reformulação da priorização de recursos destinados aos intercâmbios e às itinerâncias, tanto regionais e nacionais, como até internacionais. As exposições itinerantes serão um prolongamento da comunicação do EMS com outros públicos e poderão ser apresentadas em espaços de carácter muito diferente do museal – dentro e fora do Concelho – ou serem adequadas a outros museus, devendo, em caso de ser produzidas pelo EMS ou em parceria com este, aproveitar, sempre que possível, recursos das exposições temporárias e de longa duração. [Graça Filipe]

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O acervo documental doado pela Cooperativa

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Conhecer

Agrícola de Almada e Seixal O fundo documental da Cooperativa Agrícola de Almada e Seixal (CAAS CRL) referente ao período do antigo Grémio de Lavoura, foi doado ao Ecomuseu Municipal do Seixal no decurso de 1998, no âmbito do Protocolo de Cooperação estabelecido em 1997 entre aquela instituição e a Câmara Municipal do Seixal, no contexto do qual o Ecomuseu também realizou o trabalho de inventário de património, tendo por objectivo a preservação e a reabilitação do Lagar de Azeite do Fogueteiro.Ao levantamento e inventário do referido lagar, seguiu-se a recolha do espólio documental doado ao Ecomuseu. A par da sua pertinência para a investigação das actividades relacionadas com a olivicultura e as actividades agrícolas em geral na região, a sua incorporação relaciona-se com o projecto de musealização de dois lagares de azeite no território municipal. Juntamente com o Lagar de Azeite da Quinta do Pinhalzinho, o Lagar de Azeite do Fogueteiro foi inscrito no programa-base do Circuito Museológico Industrial, como eixo estruturante do Programa de Qualificação e de Desenvolvimento do Ecomuseu aprovado em 2001 pela Câmara Municipal do Seixal. A documentação existente neste fundo tem um carácter heterogéneo e foi produzida entre a década de 40 (os documentos mais antigos que podemos encontrar neste fundo documental datam de 1943) e a década de 70 do século passado, em que a instituição funcionava ainda sob o nome de Grémio da Lavoura de Almada e Seixal. Para além da documentação produzida internamente, o fundo documental integra também diversas publicações de carácter técnico e científico, relacionadas com a olivicultura e com a actividade agro-florestal em geral, por exemplo os Boletins da Junta Nacional do Azeite ou da Junta Nacional das Frutas. No quadro da economia agrícola do País, vários sectores, entre os quais a olivicultura e a vitivinicultura, estavam organizados corporativamente através dos Grémios, que os procuravam impulsionar sob coordenação do Estado. A este competia regular cotas de produção e preços de mercado, deixando àquelas organizações um controlo muito incipiente dos circuitos de produção e de comercialização. Esta política corporativista enquadrada na ideologia do Estado Novo condicionava a liberdade de associação e concentrava a tomada de decisões em órgãos corporativos, não contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento sectorial e regional. O Grémio da Lavoura de Almada e Seixal organizou-se no início dos anos 40 do século XX, tendo como mentor o Conde de Arcos, D. José Manuel de Noronha e Menezes de Alarcão. A Direcção do Grémio, presidida pelo Dr. Joaquim Filipe Rosado Fernandes (substituídos poucos meses depois por Álvaro António da Costa Piano), tomou posse no dia 20 de Fevereiro de 1943, tendo a sua sede em Cacilhas. Nos primeiros anos de actividade, o grémio da Lavoura dedicava-se fundamentalmente à comercialização, em armazéns arrendados, de matérias-primas (sementes, produtos químicos) e de combustíveis destinados aos associados.A instituição funcionava igualmente como intermediária entre os agremiados cerealíferos e vitivinicultores e as respectivas corporações – Federação Nacional dos Produtores de Trigo e Junta Nacional do Vinho – facilitando, assim, o escoamento dos produtos agrícolas das quintas abrangidas.Além disso, denotou-se alguma preocupação por parte do Grémio em facilitar o escoamento dos produtos agrícolas/hortícolas dos pequenos e médios agricultores para os mercados abastecedores de Lisboa. Entre os inícios dos anos 50 e de 70 do século XX, o Grémio da Lavoura de Almada e Seixal projecta-se de forma significativa na economia agrícola dos dois concelhos, respondendo às necessidades dos seus associados.A aquisição de máquinas agrícolas destinadas a serem alugadas aos associados, o aluguer e construção de espaços para venda de instrumentos de trabalho e matérias-primas para a agricultura demonstram a dinâmica da actividade desenvolvida, em grande medida devida ao papel de Francisco Cargaleiro, presidente do Grémio no período referido, ao longo de mais de duas décadas. Aquela actividade culminou com a construção de um edifício, num terreno que o Grémio possuía junto à Estrada Nacional nº10, no Fogueteiro, freguesia de Amora, constituído por diversos espaços funcionais, dos quais se destacam o lagar de azeite, o armazém de venda ao público, o parque de máquinas e alfaias agrícolas. O proces-


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so de obra apresentado à Câmara Municipal do Seixal, aprovado em reunião ordinária em 7/2/1957, integra um conjunto de desenhos de alçados e plantas de organização funcional do lagar de azeite e um projecto de implantação de equipamentos destinados à produção de azeite, este último da responsabilidade da empresa “Fundições do Rossio de Abrantes “. Adstrito a este processo, foi apresentado, em Fevereiro de 1958, o requerimento para a aprovação de um projecto de construção de um pequeno posto de recepção de leite que funcionou nas instalações do Fogueteiro. A inauguração daquela edificação, em 23 de Maio de 1958 e integrada no aniversário do 28 de Maio, foi amplamente noticiada na imprensa, da qual destacamos alguns excertos: “Mais de 300 produtores foram beneficiados em 1957 pela entrada ao serviço do lagar que funciona na Casa da Lavoura, onde se moeram cerca de 150 toneladas de azeitona” (O Setubalense de 28/7/1958).

Alçado Principal do conjunto principal de edifícios da CAAS, Fogueteiro

Da documentação produzida pelo Grémio e que faz parte deste fundo documental, constam documentos, quer de natureza administrativa quer de natureza financeira, comercial, social ou técnica, correspondentes às diferentes áreas de gestão da instituição. De natureza administrativa poderemos, por exemplo, destacar os livros de Actas de Reuniões da Direcção do Grémio da Lavoura de Almada e Seixal, o primeiro dos quais tem Termo de Abertura de 20 de Fevereiro de 1943. Nele constam as actas da Direcção, desde a 1ª acta da Direcção com a mesma data do Termo de Abertura, até à acta n.º 81 de 3 de Outubro de 1944. A leitura das primeiras actas da Direcção fornece-nos inúmeras informações sobre os primeiros tempos de funcionamento do Grémio, as suas instalações (sede e armazéns), a direcção nomeada ou o pessoal contratado. O estudo destes documentos é uma mais-valia para o conhecimento da instituição, sua organização interna e actividades desenvolvidas, incluindo obras nas instalações. Entre os documentos de natureza administrativa do fundo contam-se relatórios e contas de outros Grémios do país, livros de registo e dossiês de correspondência com diversas entidades oficiais, tais como Instituto dos Cereais, Junta Nacional do Vinho, Federação dos Grémios da Lavoura da Estremadura, Ministério da Economia e livros de Actas do Conselho Geral, o primeiro dos quais com Termo de Abertura de 23 de Março de 1944. Estas reuniões do Conselho Geral versam principalmente sobre a aprovação e orçamentos suplementares e dos relatórios e contas do Grémio, introdução de alterações a disposições estatutárias e eleição de cargos. De natureza financeira, podemos destacar os livros de Caixa, Diários, Balancetes e de Razão que nos fornecem informações sobre as contas do Grémio, os credores e os devedores, os depósitos efectuados nos bancos, os serviços de exploração e as despesas gerais, como, por exemplo, o gasto com o “pessoal contratado”, “despesas de comunicações” ou “despesas de higiene e saúde”. Existem ainda: documentos de natureza comercial, relacionados com os clientes e fornecedores; documentos de natureza social, relacionados com a gestão de pessoal ou dos associados, como os livros de ponto das décadas de 40 e 50 do século XX, onde cada empregado do Grémio assinava o seu nome todos os dias ou o livro de registo de associados de 1943 a 1975, no qual se registavam o nome de todos os associados e a data da sua inscrição; documentos de natureza técnica, dos quais salientamos os relativos aos projectos de construção e ampliação das diversas instalações do Grémio, nomeadamente das instalações no Fogueteiro, cujo projecto de construção, incluindo o lagar de azeite, data de 1957, como foi referido. A utilização deste fundo documental, a disponibilizar através do Centro de Documentação e Informação do EMS, constitui uma fonte de aprofundamento do estudo e interpretação do património industrial do Concelho. [Fátima Veríssimo e Fernanda Ferreira]

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Trabalhar no Tejo:

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Memórias e Quotidianos

memória das profissões do rio A localização geográfica da margem sul do estuário do Tejo constituiu um factor decisivo para a fixação e desenvolvimento de população na região. Nas margens do rio e/ou dos seus esteiros, as comunidades ribeirinhas souberam rentabilizar os recursos flúvio-marítimos existentes, desenvolvendo actividades económicas que assumiram ainda até meados do século passado grande expressão local como a pesca, a construção naval em madeira e o tráfego fluvial. No concelho do Seixal, na actualidade, os testemunhos destas actividades e das profissões que lhes estão associadas estão presentes em diversos aspectos distintivos da identidade local como, por exemplo, o brasão do município, a toponímia dos núcleos urbanos antigos e respectivas artes decorativas, as instituições e, obviamente, as memórias colectivas enquanto construções dinâmicas baseadas nas vivências e representações da comunidade local. O trabalho, entendido como um valor e como a principal modalidade de aprendizagem da vida em sociedade é também um elemento estruturante de identidades grupais que podem constituir-se em torno de empresas, profissões ou ofícios. No que se refere às profissões ligadas ao trabalho no Tejo, que assumiram no Seixal extrema importância, a par de outras de natureza fabril, destacamos os pescadores, os carpinteiros de machado, os calafates e os marítimos, isto é, os arrais, os camaradas e os moços das embarcações. Da história destas profissões fazem parte homens que gerações após gerações transmitiram o seu saber-fazer fundado na experiência, preferencialmente aos seus Pescador António Quintino, reconstituindo, em modelo à escala, o aparelho descendentes, tendo existido no Seixal famílias inteiras de um bote da tartaranha, na oficina do Núcleo Naval do Ecomuseu. dedicadas a qualquer uma destas actividades. De referir, © EMS/CDI - João Martins, 1998 entre outras, para a construção naval, as famílias Reis Silveira, Anjos, Alves Ferreira, Policarpo,Venâncio e Valente e, para a pesca, as famílias Partidário, Quintino, Saúde, Faneca, Ribeiro e Pardal. Na sequência do abandono da faina da pesca, um número razoável de pescadores do Concelho dedicou-se ao tráfego fluvial ingressando na Corporação dos Pilotos da Barra de Lisboa.A este nível referimos, entre outras, as famílias Partidário, Brandão, Parreira e Paínço. No que se refere à construção naval, a influência e o peso da herança familiar manifestavam-se ainda através de constrangimentos relacionados com a aprendizagem de um determinado ofício: “Eu fui para o estaleiro do meu tio aprender a carpinteiro mas a minha ambição era ser calafate, gostava de ser calafate e até ia de pequeno, ia meter estopa nos barcos velhos, assim a reinar, a brincar, gostava daquilo. Comecei a aprender carpinteiro porque naquele tempo havia assim: o filho de carpinteiro ia para carpinteiro e o filho de calafate ia para calafate. E então o meu tio disse: é pá, não pode ser, os calafates não querem, o teu pai é carpinteiro. Mas nisto aparece um rapaz que era filho de um calafate e que queria ser carpinteiro e então fez-se a troca”. Francisco Valente da Fonseca - Calafate (1988). Antes do desenvolvimento industrial do Concelho ter atraído para as fábricas uma parte significativa da mão-de-obra local, a maioria dos habitantes trabalhava no Tejo ou nas suas margens enfrentando más condições de trabalho e falta de assistência médica e de recursos económicos em períodos de inactividade. Neste contexto, assumiam uma importância vital os mecanismos de solidariedade fortemente enraizados, quer entre os pescadores quer entre os operários da construção naval: “(...) tirava-se aquelas tais subscrições, chamava-se, não é? Havia um camarada ou dois, juntavam-se: “é pá, vamos tirar uma subscrição para aquele camarada que aquele está doente, coitado, já está à rasca há uma data de tempo” e depois iam os amigos:“é tanto para o fulano e tal”, a pessoa dava cinco tostões, dez tostões e depois ele apontava num papel o nome da pessoa que deu tanto (...) entregavam ao doente ou à família conforme, entregavam o dinheirito e pronto, era as-


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sim as ajudas que havia para aqueles coitados”. Francisco Valente da Fonseca – Calafate (1988). A Associação da Classe Piscatória da Vila do Seixal, fundada em 1 de Novembro de 1896, assentava em princípios de solidariedade e procurava dar resposta às necessidades dos pescadores face às situações de doença, de aposentação e de crises financeiras: “A gente a única Caixa que tínhamos éramos nós próprios é que tirávamos um quinhão e meio para a Associação para quando se estava em terra às vezes dez dias, doze, quinze dias com vendavais, é claro, havia fome e então bastava só arranjar sete pescadores e fazer um requerimento e entregar ao tesoureiro, ao presidente e então vinha logo ordem para dar vinte escudos a cada homem que era para entregar às mulheres para comer (...).Antigamente para se reformar um pescador era pela Associação (...). Chegava a estar aí às vezes, reformados, aos dez e doze (...). Ganhava um velho quarenta escudos por mês e para se reformar um estava à espera que morresse outro”. António Cândido Quintino – Pescador (1988). O sistema do quinhão que a tripulação de cada embarcação de pesca dava à Associação no final de cada faina destinava-se ainda à realização das festas de São Pedro, patrono dos pescadores e santo padroeiro do Seixal: “Os pescadores é que faziam as festas, as festas eram organizadas e pagas pelos pescadores. Então era assim: quando faltava quinze ou vinte dias para o São Pedro, ficava um homem de cada embarcação em terra que era para organizar as festas, até chamava-se os festeiros”. António Cândido Quintino – Pescador (1988).

Estaleiro de construção naval no Seixal, junto à Mundet (1ª metade do séc. XX). Foto cedida ao EMS por Carlos Policarpo

Para além da participação nas festas da vila, quer os pescadores quer as outras classes trabalhadoras a que fizemos referência participavam activamente na vida socio-cultural seixalense, com destaque para as colectividades desportivas e recreativas, e na vida política sobretudo através dos órgãos de administração local. O declínio da actividade piscatória e a perda de importância do tráfego fluvial resultante do desenvolvimento das vias de comunicação rodoviárias e ferroviárias e da construção das travessias sobre o Tejo levaram, naturalmente, ao abandono das embarcações de madeira e à decadência da construção naval em madeira. O fim de todas estas actividades representou para as comunidades ribeirinhas uma interrupção na transmissão dos seus saberes e práticas, constituintes de uma herança cultural que actualmente se procura salvaguardar e divulgar. É nesse sentido que se desenvolve a actividade do Ecomuseu Municipal do Seixal através da preservação e reutilização, para fins de recreio, de três embarcações tradicionais, das iniciativas relacionadas com a construção naval desenvolvidas na oficina artesanal de modelos de barcos no Núcleo Naval (em Arrentela) e, por fim, através da recolha e divulgação dos testemunhos materiais e imateriais de todos aqueles que, outrora, trabalharam e viveram em função do rio Tejo. [Elisabete Curtinhal]

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O Núcleo Urbano Antigo do Seixal Não se conhecem, em rigor, as origens da povoação do Seixal. Se os achados arqueológicos realizados na Quinta da Trindade apontam para uma ocupação da zona que remontará ao Período Paleolítico, já o espólio exumado até ao momento no perímetro urbano apenas recua ao período Moderno. Mas a análise do tecido urbano dá-nos também algumas indicações importantes. Em termos de malha urbana, podem identificar-se, em traços gerais, três grandes fases de desenvolvimento do Seixal. A parte mais antiga, que não obedece a qualquer plano, estende-se do edifício da Santa Casa da Misericórdia do Seixal até à zona da Praça da República. Nesta parte do povoado, a malha urbana é orgânica, ou seja, o aglomerado desenvolveu-se de forma espontânea, obedecendo, essencialmente, à necessidade de resposta ao crescimento demográfico. O traçado das ruas era determinado pelas construções que iam surgindo, ou por caminhos imemoriais.

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Património Cultural do Concelho

Seixal: Praça dos Mártires da Liberdade, no inicío do séc. XX. Postal ilustrado, EMS.2001.21

Esta estrutura urbana ainda denota fortes influências medievais, nomeadamente árabes e hebraicas. Herança dos tempos conturbados que sucederam à desagregação do Império Romano do Ocidente, esta malha urbana era condicionada pelas necessidades defensivas. E porque a transição nunca é rápida, nem mesmo contínua, a concepção de uma malha urbana labiríntica, que torna mais fácil a defesa de um aglomerado populacional contra potenciais invasores, permanecerá muito para além do ressurgimento dos ideais clássicos sobre a cidade, a partir da segunda metade do séc. XV. E, no caso do Seixal, a protecção contra o frio vento Norte, que traz consigo a humidade proveniente da grande massa de água do esteiro, por pouca que fosse, não seria de desprezar. Claro que não poderemos sequer pensar que os imóveis existentes nesta zona mais antiga remontam à Idade Média, ou mesmo ao séc. XVI. A despeito de conservar a morfologia urbana, os edifícios foram sendo reconstruídos, alterados, ampliados ou mesmo substituídos e até mesmo eliminados. Fontes documentais informam-nos que o Terramoto de 1 de Novembro de 1755 causou importantes estragos nas povoações da Margem Sul do Estuário do Tejo. Muitos imóveis ficaram irrecuperáveis e outros terão sofrido profundas alterações durante a recuperação ou reconstrução. Nesta zona mais antiga, destacamos alguns imóveis. Pela sua forte presença, a Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Conceição, com uma traça que indicia ser a sua construção posterior ao Terramoto de 1755; o orago foi herdado da antiga Ermida, localizada no sítio do actual nº. 2 da Rua 1º. de Dezembro.Ainda na zona do Largo da Igreja, temos os Paços do Concelho, edifício público que conheceu muitas funções, entre elas a de prisão. Do Coreto da Sociedade Filarmónica Democrática Timbre Seixalense, que se localizava no mesmo Largo, só resta a saudade. No Largo Joaquim Santos Boga,


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podemos ver um chafariz, construído na sequência da instalação da rede pública de distribuição de águas, na década de 50 do séc.XX.A despeito da inegável importância das instituições, as Sedes da Santa Casa da Misericórdia do Seixal, da Sociedade F. D. Timbre Seixalense e da Cooperativa Operária de Consumo 31 de Janeiro de 1911 são de construção recente ou apresentam a traça demasiado adulterada. Podemos identificar uma nova e importante fase de desenvolvimento da localidade do Seixal na área que se estende da Praça da República até ao actual Largo dos Restauradores. A malha urbana apresenta uma estrutura tendente para a ortogonalidade, reflexo do pensamento urbanístico que, recuperando a concepção da civitas romana, irá determinar o traçado da cidade, do Renascimento até às primeiras décadas do séc. XX. Esta área já denota a preocupação de planeamento urbano, apesar de uma observação cuidada permitir constatar que ainda estamos perante uma ortogonalidade imperfeita. O cunho da espontaneidade ainda se vislumbra na ligeira curvatura das ruas que se estendem de Poente para Nascente, acompanhando o contorno da arriba. Claro que a tendência urbanística nacional era ditada por Lisboa e as restantes povoações, nomeadamente as limítrofes da capital, esforçavam-se por segui-la, dentro das suas maiores ou menores possibilidades. Em 1908, Alberto Pimentel, na sua obra Extremadura Portuguesa, cita Júlio César Machado, que escreveu sobre o Seixal: “(…) aquellas ruellas de uma regularidade ambiciosa (…)”.

Seixal: Praça da República, antiga Praça dos Restauradores, no inicío do séc. XX. Postal ilustrado, EMS.2001.22

Temos ainda presentes alguns aspectos muito característicos, como seja o escalonamento das ruas. Primeiro, a artéria principal, a Rua Direita, existente em todas as povoações do país mas que, invariavelmente, não faz jus ao nome… Esta distinção cabe, naturalmente, à Rua Paiva Coelho.Aqui se encontram os edifícios de concepção e construção mais elaborada.A residência, a localização de uma actividade ou mesmo a simples propriedade de um imóvel na Rua Paiva Coelho era um símbolo de estatuto social. Podemos observar que as construções se vão apresentando, regra geral, mais modestas à medida que nos aproximamos da Rua Cândido dos Reis, a Rua de Trás, destinada aos moradores das classes mais humildes, em termos sociais e, principalmente, económicos. Contemplando a magnífica vista da Baía, poderíamos estranhar que a via marginal não tenha sido eleita para as habitações e estabelecimentos mais importantes. Dois factores explicam, em nossa opinião, que a referida artéria tenha sido preterida. Primeiro, as questões estéticas e paisagísticas perdiam claramente, à época, para a questão do estatuto social. Segundo, a intensa faina fluvial obrigava a que os imóveis com ela relacionados – armazéns de aprestos, oficinas de todos os tipos, estabelecimentos de pasto e bebidas, etecetera - se localizassem tão próximos quanto possível do rio. Sempre era uma forma de evitar que redes de pesca, cabos, barris, cestos de pescado e outros acessórios susceptíveis de conspurcar a Rua Principal se confinassem à margem ribeirinha…

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Notável era o facto de todos os antigos pontos de abastecimento público de água, anteriores à instalação da rede de distribuição na década de 50 do séc. XX, se terem localizado na Rua Cândido dos Reis ou no seu eixo – os Poços das Torneiras, da Barroca, da Rata ou das Ratas, todos na citada artéria, e ainda o Marco Fontanário da Praça Luís de Camões e o Poço do Coelho, no actual Largo dos Restauradores.A situação nada tem de estranho, se nos lembrarmos que as pessoas moradoras ou estabelecidas na Rua Paiva Coelho não iam buscar água, tarefa confiada aos seus criados ou empregados. No entanto, existe uma outra zona, que apesar de se situar no eixo da Rua Cândido dos Reis, apresenta uma arquitectura e equipamento urbano – que conhecemos por antigos postais, fotografias e pela memória da população – mais cuidados, ou seja, a actual Praça Luís de Camões. Esta situação pode ser melhor compreendida se nos lembrarmos que a maior parte do actual Largo dos Restauradores foi conquistado ao rio em anos recentes e, dessa sorte, a parte final (Nascente) da Rua Paiva Coelho passava a ser a marginal e a Praça Luís de Camões a zona mais resguardada. Nesta Praça existiu um Marco Fontanário, no local onde hoje se pode admirar um chafariz, construído na década de 50 do séc. XX, e um coreto, infelizmente desaparecido, que pertenceu à Sociedade Filarmónica União Seixalense.

Núcleo Urbano Antigo do Seixal (visto do Alto de D.Ana, Mundet), © EMS/CDI - Rosa Reis, 2000

A nível de edifícios, citamos a Escola Primária Conde de Ferreira, imóvel que mantém parcialmente a sua função original, sendo a parte restante ocupada pelas instalações da Junta de Freguesia do Seixal; a Escola Primária para o Sexo Feminino, imóvel construído em 1912, doado à Câmara Municipal para fins escolares e que hoje só mantém a função habitacional de antigos professores e funcionários do estabelecimento de ensino; e a Sede da Associação Náutica do Seixal, a antiga Casa dos Pescadores, anteriormente designada como Associação da Classe Piscatória da Villa do Seixal, numa época em que as classes profissionais mais humildes pugnavam pelo reconhecimento da sua importância social; a sede da Sociedade Filarmónica União Seixalense, fundada em 1871; as antigas instalações da Assistência Nacional aos Tuberculosos, memória de tempos particularmente difíceis para a saúde pública; e o Marco Fontanário do Largo dos Restauradores, resultante da adaptação do que existia no local. No Jardim, a Praça dos Mártires da Liberdade, pode ser admirada a árvore plantada durante a primeira Festa das Árvores celebrada em Portugal, corria o ano de 1907, iniciativa de António Augusto Louro. Continuando para Nascente, encontramos o actual Largo dos Restauradores. Toda a área de estacionamento foi conseguida há poucas décadas, através de aterros. Na banda de construções que alberga vários serviços públicos, existiram anteriormente fábricas. Na margem do rio, laboraram estaleiros navais. No final do séc. XIX e alvorada do séc. XX, a então Vila do Seixal via-se cercada de estabelecimentos industriais: a Sul, a corticeira Mundet e estaleiros; a Nascente, um conjunto de pequenas fábricas e mais estaleiros. A Sudeste, depois da pequena zona industrial localizava-se o


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cemitério, nos terrenos hoje ocupados pelo Mercado. A instalação da Fábrica Mundet & Cª. Lda., que conheceu uma rápida expansão e consequente necessidade de sucessivos recrutamentos de mão-de-obra, agravou um problema que certamente já se vinha fazendo sentir: a Vila não tinha por onde crescer, devido às duas zonas industriais que a cercavam. Se não havia já lugar para os descendentes dos moradores, quanto mais para imigrantes provenientes de outras regiões, atraídos pela oferta de emprego. Mas o território a Sul da povoação era ocupado por quintas, pertencentes a famílias cujo estatuto numa época em que estava mais associado à posse de terra do que propriamente à capacidade financeira, a especulação fundiária associada a urbanizações ainda não tinha expressão muito significativa. A solução acabou por se traduzir na urbanização da área que hoje conhecemos como Bairro Novo. Apesar do nome, já conta cerca de um século. Mas este foi, sob várias perspectivas, um bairro realmente novo, quer pela população quer pela concepção. Apesar do traçado da Avenida Vasco da Gama (EN 378-1) se apresentar como uma linha quebrada, não temos dúvida que as ruas são realmente rectas e a malha urbana ortogonal. Esta zona urbana denota ter sido resultado de um plano. É de salientar que, à data da urbanização, existia uma descontinuidade na área habitacional da então Vila do Seixal. Essa situação tornou-se menos notória com a supracitada alteração de uso dos imóveis do Largo dos Restauradores. Apesar de só contribuir para a vivência diurna do espaço, o carácter terciário (serviços) da ocupação dos imóveis do Largo dos Restauradores faz indubitavelmente melhor a ligação entre zonas habitacionais, quando comparado com a anterior actividade do sector secundário (indústria). Planta e limites do Núcleo Urbano Antigo Curiosamente, a reduzida vivência nocturna desta do Seixal área de transição poderá estar relacionada com o facto de o Marco Fontanário do Largo dos Restauradores ter sido, até ao momento, mais poupado à vandalização que tanto tem afectado os três chafarizes (Largo Joaquim Santos Boga; Praça Luís de Camões e Largo da Mundet). Examinando as fachadas dos edifícios do Bairro Novo, podemos identificar o crescimento, em termos gerais, de Norte para Sul. Claro que existem excepções, resultantes da ocupação temporal descontínua do espaço, mas também da substituição ou alteração de imóveis. Podemos observar muitas construções com traços característicos do período de transição para a Arquitectura Moderna. Das imediações do Largo da Mundet até à parte final do Bairro, podemos ver as tendências arquitectónicas dominantes nas décadas de 50 e 60 do séc. XX, particularmente notórias ao nível dos materiais e técnicas de revestimento das fachadas. Também não podemos esquecer que, embora sem nunca ter atingido a presença económica e social da Mundet, a Fábrica Corticeira Wicander começara entretanto a laborar, dilatando a necessidade de mão-de-obra. De entre os imóveis existentes, destacamos a moradia localizada no topo Nordeste do Bairro, junto à Avenida Vasco da Gama, pertencente a membros da conhecida Família Silva (da empresa A. Silva & Silva); o actual Centro de Saúde, que foi a Caixa de Previdência do Pessoal da Mundet, projectada pelo Arqtº. Conceição e Silva; e o chafariz do Largo da Mundet, construído nos anos 50 do séc. XX e que substituiu o antigo chafariz existente no mesmo largo. Existem ainda duas moradias, sitas junto da via de acesso ao actual Cemitério do Seixal, que integraram o conjunto de imóveis da Fábrica Wicander e que apresentam uma traça arquitectónica de alguma influência do Norte da Europa, patente na zona de refeições com a parede exterior exibindo um grande vão totalmente envidraçado. [João Paulo Santos]

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