Ecomuseu Informação N.º 34 – Janeiro | Fevereiro | Março 2005

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ecomuseu informação BOLETIM TRIMESTRAL DO ECOMUSEU MUNICIPAL DO SEIXAL

nº 34 . 2005

JANEIRO . FEVEREIRO . MARÇO

“Os museus, pontes entre culturas”, um lema para 2005 Aproveitando chegar junto dos seus leitores e, particularmente, dos Amigos e Doadores do Ecomuseu, no início de um novo ano, o Ecomuseu Informação expressa, a todos, votos de esperança para que 2005 se viva com mais paz, podendo os museus e o património continuar a proporcionar o encontro de culturas e uma maior solidariedade entre os povos, no presente e no futuro. Os nossos votos estendem-se à comunidade de utilizadores e de visitantes do Ecomuseu Municipal do Seixal e à população do Concelho, com quem sempre contamos para a salvaguarda do património cultural e para a transmissão da memória colectiva. Assinala-se, a propósito, que “Os museus, pontes entre culturas” é o lema perspectivado pelo ICOM para 2005, devendo, entre outras vertentes de acção, inspirar as comemorações da Jornada Internacional dos Museus (18 de Maio). ÍNDICE 3.

8.9.10.11.12.

16.17.

EXPOSIÇÕES

DEBATE ESPECIAL

MEMÓRIAS E QUOTIDIANOS

4.5.6.

Museologia e museografia dos

Resineiros, uma profissão

PROGRAMA DE INICIATIVAS

territórios

em declínio

DO SERVIÇO EDUCATIVO

13.14.15.

18.19.

7.

CONHECER

PATRIMÓNIO CULTURAL DO

AGENDA

Um tear mecânico

CONCELHO

de excêntricos ou de Bradford

Escolas primárias que marcaram o tempo e o espaço


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02 ECOMUSEU INFORMAÇÃO . nº 34 . ABR.MAI.JUN. 2005 Um tal lema sugere claramente uma diversidade de interpretações, inspirando, segundo circunstâncias e particularidades específicas, a relação de cada experiência e de cada projecto com um território e a sua comunidade ou com os públicos-alvo mais visados de acordo com os respectivos programas e objectivos definidos. Ultrapassando o âmbito local, regional e nacional, as causas do conhecimento, do respeito dos povos e do estreitamento de laços entre culturas, respeitando e preservando as diversidades, a uma escala irreversivelmente global, torna os museus organizações e instituições sem dúvida privilegiadas para todos os militantes do património, do ambiente, da paz e da solidariedade, num vasto espectro de assumidas diferenças, sejam filosóficas ou de opções práticas. Cremos que uma tal visão do presente e do futuro dos museus se aplica no caso do Seixal, consideradas as várias perspectivas de actividade do Ecomuseu Municipal, desde uma série de parcerias, activas, ao processo de programação museológica, desde a investigação à divulgação, que, por constantes opções da tutela, envolvem parceiros, comunidade e equipa técnica. Destas perspectivas de actividade do Ecomuseu é exemplo, entre outros casos que deverão ter continuidade ao longo do ano, o projecto denominado “Moinhos de Maré no Ocidente Europeu: valorização do património cultural e natural enquanto recurso de desenvolvimento”, apoiado pelo Programa Cultura 2000 da Comissão Europeia (2004-2005). Não podemos deixar de destacar, em termos editoriais, neste primeiro número de 2005 do boletim trimestral do EMS, a publicação especial de um texto da autoria de Hugues de Varine. Conhecendo, desde longa data, o nosso percurso, desafia-nos à reflexão e à resposta prática, analisando alguns tópicos da maior pertinência sobre museus tradicionais e nova museologia. Desafio que, colocado aos os museólogos, achamos poder abarcar todos os que se sintam empenhados e potencialmente influentes ou decisores da renovação museológica, independentemente do quadro administrativo ou de gestão dos projectos, mais ou menos inseridos num território, envolvendo variados tipos de públicos ou relacionados com uma população. No que diz respeito ao universo museológico, refira-se a realização recente, em Seul (República Coreana) a 20.ª Conferência Geral, subordinada ao tema “Museus e Património Imaterial” e a 21.ª Assembleia Geral do Conselho Internacional de Museus, organismo actualmente integrado por 20 000 museus e profissionais. Por essa ocasião foi aprovada uma revisão do respectivo Código Deontológico, norma mínima universal dos museus. No próximo triénio, o Conselho Executivo do ICOM será presidido por Alissandra Cummins, directora do Barbados Museum and Historical Society (Caraíbas), a primeira mulher a ser eleita para o desempenho de tal função no ICOM, desde a sua fundação (em 1946). Conta-se que o ICOM desenvolva novas formas de afirmação dum profissionalismo que favoreça tanto o reforço do papel social dos museus, quanto a renovação das suas práticas em prol de uma crescente cooperação com as comunidades, quer as de proveniência do seu acervo, quer as que os museus devem servir em primeira instância, nos seus territórios. [Graça Filipe) WWW.CM-SEIXAL.PT/ECOMUSEU

FICHA TÉCNICA FOTO CAPA

Parque Infantil da Creche da Mundet & Cª Lda (Seixal). Colecção do EMS

EDIÇÃO

DIRECÇÃO

GRAFISMO E REVISÃO

IMPRESSÃO

Câmara Municipal do Seixal-Ecomuseu Municipal do Seixal

Graça Filipe

Sector de Apoio Gráfico e Edições

Grafema-Sociedade Gráfica, SA

TEXTOS/INVESTIGAÇÃO

Graça Filipe, Fátima Veríssimo, Fátima Sabino, Carlos Carrasco COLABORAÇÃO ESPECIAL

Hugues de Varino INFORMAÇÃO/AGENDA

Graça Filipe e Carla Costa

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS

TIRAGEM

EMS/CDI, António Silva, Rosa Reis, Carlos Carrasco, Carla Costa, Nelson Cruz, Luis Azevedo

6000 exemplares ISSN

0873-6197 DEPÓSITO LEGAL

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EM DEBATE - ESPECIAL «(...) uma reflexão de um agente do desenvolvimento. Aos (...) museólogos cabe trazer o seu ponto de vista, aceitando tomar o território como ponto de partida da sua reflexão.»

Museologia e museografia dos territórios de Hugues de Varine contributo para o encontro do Seixal, de 30 de Abril de 2004, sobre as perspectivas dos ecomuseus

Uma das características da “nova museologia” consiste em colocar o território em primeiro plano, no desenvolvimento da sua acção: vincula-se à comunidade, definida sobretudo pelo respectivo território; este é o quadro natural do processo museológico (no que se diferencia do museu clássico que se enquadra num edifício); faz do território um “objecto”, que se propõe identificar, conhecer, estudar, apresentar. Refiram-se alguns exemplos: o ecomuseu de Creusot-Montceau, o da Haute Beauce, no Quèbec, o do Fier Monde, em Montréal, também no Québec. Existem também museus de território mais clássicos na sua abordagem, mas que se referem explicitamente a um determinado espaço, tais como muitos museus de região, parques naturais, de localidade. Sendo o Ecomuseu do Seixal claramente definido pelo seu território, o concelho de Seixal, num processo simultaneamente tradicional (municipal) e inovador (comunitário), é interessante aproveitar a ocasião deste encontro para reflectir sobre a noção de território em museologia, assim como em museografia. Comecemos por lembrar algumas noções como base de partida do nosso raciocínio. Em museologia tradicional, no sentido em que por exemplo a maioria dos membros do Icom entendem o museu, este compõe-se de três elementos principais: uma colecção, um edifício, um público. As suas funções são igualmente três: a aquisição, a conservação, a apresentação. É uma instituição cuja finalidade é participar numa acção cultural global, segundo uma programação mais ou menos formalizada por profissionais que compõem a equipa científica do museu. Este toma lugar no movimento de ideias denominado “de democratização cultural”, através da acessibilidade do seu acervo proporcionada aos “públicos”, que se pretende conquistar e fidelizar. O território é então considerado como parte do projecto cultural do museu,

Colóquio no Seixal © EMS/CDI – Rosa Reis, 2004.

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cuja missão delimita: recolher, conservar, expor, dar a conhecer aos seus públicos elementos representativos do território. Contudo o museu deixa de lado um grande número de elementos do património (monumentais ou imateriais) que não pode incorporar ou representar: como o Museu de Bretagne, em Rennes, ou o Museu de Haute Alsace, em França. Do ponto de vista das técnicas museográficas clássicas, criar ou gerir um museu consiste em tratar um espaço limitado (essencialmente o edifício em que o museu está instalado), mas que se tentará progressivamente alargar, segundo uma cenografia inspirada no trabalho dos profissionais da decoração, do teatro e da comunicação, com as técnicas de exposição, assim como da conservação preventiva e curativa, da organização de reservas, do inventário, da catalogação. O museu distingue as exposições permanentes das exposições temporárias. A instituição, que deve expor cada vez mais objectos, segundo uma técnica cada vez mais sofisticada, mediante um aparelho tecnológico dispendioso e contando com intervenientes exteriores (nomeadamente cenógrafos), passa naturalmente por recorrentes problemas financeiros e necessita de recursos extra-orçamentais. A museografia do território aproxima-se então da técnica dos “centros de interpretação” inspirada no Canadá ou nos Estados Unidos, mas que coloca o acento no objecto autêntico e nos resultados da investigação histórica, arqueológica, etnográfica, de história natural, etc. Foi o caso dos primeiros ecomuseus franceses, que na realidade eram “maisons de parc” ou museus de ar livre.

Esta museologia e esta museografia aplicam-se dificilmente a um território complexo, sob todas as suas formas. Resultam sobretudo em museus adaptados à economia do turismo cultural, muito mais do que a um desenvolvimento endógeno integrado e participativo. Precisamos traduzir os princípios e as práticas dos museus tradicionais? É preciso inovar radicalmente ? O que é preciso manter? O que é preciso abandonar? Estamos então no cerne das questões da nova museologia. São estas questões que temos de colocar a nós próprios, porque se torna claro que as regras da museologia tradicional não se podem adaptar. Retomemos portanto os termos acima mencionados para lhes dar um conteúdo mais aceitável. Na nova museologia, os três elementos constituintes do museu são o património, o território e a comunidade: um património global, público ou privado, natural ou cultural, morto ou vivo; não só um território total, mas também todos os territórios secundários que o compõem, como partes retalhadas ou partes sobrepostas; enfimm uma população inteira, formando uma comunidade sobre o território, agrupando nela própria uma infinidade de comunidades mais pequenas. Um museu deste tipo é de facto um mosaico de componentes vivas que se articulam e interagem entre si. Este museu não é uma instituição terminada, é um processo em curso (só se tornará uma instituição quando o processo atingir o seu termo). Considerando a componente "território", durante o processo é necessário resolver problemas que a museologia tradicional não conhece, tais como, por exemplo: - Como determinar e delimitar o território pertinente, em relação aos usos comunitários, à história, aos limites administrativos? Esse território pode ter uma geometria variável, para ter em conta a evolução da comunidade e dos outros parâmetros do desenvolvimento: o social, o económico? - Como se pode inserir o património e o museu (no sentido em que aqui o entendemos) na cabeça e no discurso dos políticos? Na Europa, as regiões de Piemonte (Itália) e Aragão (Espanha), utilizando a sua autonomia legislativa, adoptaram respectivamente uma lei dos ecomuseus e uma lei dos


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parques culturais, que são uma versão espanhola do ecomuseu. - Como cartografar culturalmente este território, isto é, como musealizar o território por forma a colocar em evidência as suas características culturais e naturais ? Não se trata apenas de aplicar a actual prática clássica da sessão de leitura da paisagem, demasiado pontual, ou do centro de interpretação, demasiado condensado; trata-se de fazer do território, de forma permanente e na cabeça dos seus habitantes, um actor vivo na sua vida quotidiana, cujas componentes se podem, consciente e inconscientemente, desocultar. - Por outro lado, em tais condições, como evitar esterilizar esse território sobreprotegendo-o, expondo-o, sacralizando-o? O território e o seu património devem continuar a viver, isto é, a evoluir, permitindo que se destruam certos elementos, à medida que se criam outros. - Como resolver o problema do direito de propriedade privada e, duma maneira geral, das diferentes normas que se aplicam a qualquer território e que não têm em consideração o seu uso patrimonial comunitário? Confrontamo-nos com questões de princípio (direito de transmissão), de mobilidade (circulação), de responsabilidade (riscos). - Como abrir o território ao exterior (aos outros territórios, começando pelos mais próximos), para que aquele não se feche sobre si mesmo e para o enriquecer através de contactos e de confrontações? A tal abertura também correspondem contactos com outras culturas vivas e outros patrimónios. Seja qual for a resposta de princípio que se dê a cada uma destas questões, devemos encarar a invenção de uma museologia particular para cada território. Não há um modelo nesta matéria. Para o novo museógrafo, os problemas são infinitamente mais complexos que entre os seus colegas tradicionais e as soluções são ainda menos codificáveis. Apontemos alguns exemplos: - Muitos museus de território são denominados “polinucleados”, por considerarem necessário distribuir núcleos, ou unidades museais, em diversos pontos significativos do território. Mas coloca-se então a questão da sede do museu: a experiência do Creusot mostra bem o efeito perverso da escolha de um monumento importante para este efeito e da identificação do museu com esse monumento... - Que funções se devem dar a cada antena, como factor de ordenamento do território: o conhecimento do território e um ponto de apoio ao inventário participativo permanente do território? A estruturação do tecido cultural do território ao lado das outras instituições? A protecção de espaços considerados essenciais para a vida futura do território? Uma fonte de animação e de actividades, incluindo as económicas, turísticas ou de produção? - Como articular estes núcleos, os itinerários de observação, os centros ou pontos de interpretação num conjunto coerente, como tomar também em consideração a globalidade do território, havendo a tendência para se apresentar alguns elementos desse território considerados “interessantes”, em detrimento da paisagem, dos subconjuntos menos assinaláveis? - As exposições, apesar de continuarem a ser o principal instrumento de comunicação do museu de território, deverão ser permanentes, semipermanentes e evolutivas como defendia G.H.Rivière, ou devemos contentar-nos com exposições temporárias, e neste caso com que duração e de que amplitude? - Podemos considerar exposições alguns acontecimentos e manifestações “ao vivo”, que permitem fazer viver elementos do património, ora colocando-os em cena, ora fazendo com que um artesão execute um objecto perante o público? A produção de farinhas no moinho de Corroios, um desfile de escola de samba, um serão à volta do tema da memória viva do território, são uma “exposição”? - Quais são a autoridade, a responsabilidade, os respectivos papéis desempenhados pelos diferentes actores: técnicos do museu, habitantes proprietários do património e detentores da memória popular, investigadores? É


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pertinente constituir sistematicamente uma colecção permanente ou devemos confiar nos habitantes do território como “conservadores” individuais e colectivos do património do território? Enfrentámos o problema em Creusot-Montceau nos anos 70, sem termos podido encontrar um método eficaz e convincente. - Os habitantes do território são iguais na sua relação com o museu e nas suas actividades? Sem dúvida alguns desempenham mais o papel de actores, outros de visitantes. Devemos dar-lhes prioridade sobre os turistas? Os portadores de memória ou de saber-fazer, os detentores de colecções de objectos ou de imagens são actores privilegiados, “conservadores” do seu próprio património? - Como praticar a “mediação” entre o território e aqueles que o frequentam: crianças, adultos, pessoas idosas, visitantes exteriores? Quem deve praticar essa mediação: profissionais, habitantes, “anciãos”, auxiliares audiovisuais? Os mediadores têm uma palavra a dizer na gestão e na vida quotidiana do museu? - A museografia do território deve ser pobre ou rica? Não se corre o risco de o processo ser destruído por necessidades de financiamento cada vez mais decisivos? Deve ser dada mais importância à forma do que ao fundamento, mais importância ao contentor do que ao conteúdo? - Podemos falar de militantes, ou benévolos, ou simplesmente de actores conscientes e motivados? Que relação interpessoal estabelecer e manter entre os técnicos profissionais e os habitantes?

Para cada uma destas questões não há uma resposta única. Não podemos ser doutrinários. Precisamos de colocar as questões e encontrar as respostas adequadas, em função do terreno e da complexidade dos contextos, dos jogos dos actores e sobretudo em função dos objectivos que cada um definir. Porque é sempre necessário colocarmos a primeira questão, a dos objectivos. Queremos fazer um museu para nosso próprio prazer, por mentalidade de coleccionador, por gosto pelas nossas origens pessoais, por interesse científico? Chamo a isso egoísmo. Ou será o objectivo cultural, patrimonial? Para reforçar a identidade de uma comunidade ou de um território? Para criar um instrumento moderno de educação popular ou um meio auxiliar da escola sobre o tema do património? É legítimo, mas é limitadamente intelectual e corre o risco de não interessar a grande maioria da população. Enfim, queremos levar toda a comunidade a participar no desenvolvimento do território, com e pelo seu património, portanto no seu próprio desenvolvimento? É evidente que a minha opinião só pode ir neste último sentido, porque o museu é antes de mais um instrumento – suplementar e complementar – para acompanhar e alimentar as dinâmicas do desenvolvimento do território. O museu é testemunho da implicação da comunidade, que se empenha pelo seu património num movimento colectivo. Enquanto museu de território, é o único dispositivo que permite mobilizar globalmente o património do território como recurso, de federar à sua volta os respectivos proprietários, de sensibilizar a população, de trabalhar eficazmente com a escola e as estruturas de educação popular. É ainda necessário fazer com que todos partilhem esse objectivo: essa é uma das razões de ser do que os brasileiros designam por educação patrimonial. Na Europa, estamos muito longe deste conceito: para nós o património é frequentemente e antes de mais considerado um produto de atracção turística. Os procedimentos de classificação e de protecção distinguem o património “importante” do “pequeno património”, deixando de lado tudo o que não é antigo ou representativo de valores culturais bem identificados. A UNESCO,


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criando o seu procedimento de classificação do património cultural da humanidade, reforçou ainda mais essa segregação. As políticas de classificação têm também outro inconveniente: não só o que não está classificado não é importante, como ainda se faz crer que a protecção do património é um efeito dos poderes públicos, o que desmobiliza a comunidade. Em países como a Índia, receia-se hoje quanto ao futuro das culturas (e portanto dos patrimónios) que não são reconhecidas como pertencentes às culturas dominantes e portanto não beneficiam da atenção e dos meios oficiais. Só a comunidade, com todos os seus membros, pode – e deve – assumir a responsabilidade quotidiana e duradoura da protecção do património, no seu território, da sua transformação ao longo dos anos, da sua transmissão de geração em geração. E o instrumento desta responsabilidade é o museu, sob condição de que ele seja realmente a emanação da comunidade. Para terminar, tratemos uma questão colocada muitas vezes: qual o futuro do museu de território? A resposta é a mesma para o museu e para o desenvolvimento do território: deve ser duradouro. O que significa que a fase de inovação activa que tentei problematizar anteriormente e que toma a forma de um processo repartido no tempo, pode terminar, mas o museu, ainda que progressivamente institucionalizado, deve permanecer como um instrumento de gestão do recurso patrimonial para o desenvolvimento. Creio contudo que se devem colocar várias condições, ligadas à evolução do território, da comunidade e do próprio património. Não se trata com efeito de fazer do museu de território um museu clássico, com a sua colecção, os seus edifícios e os seus públicos mais ou menos cativados. Tentemos esboçar alguns dos princípios desta “durabilidade” do museu de território: - Nunca considerar a colecção permanente, propriedade do museu, que não deixará de se constituir progressivamente através de doações e de aquisições de salvaguarda ou de conservação preventiva, como o coração e a razão de ser do museu; isso será o pior que pode acontecer e os bens devem realmente permanecer propriedade da comunidade, o que implica o uso possível de certos elementos fora do quadro museal. Já observámos as consequências desse fenómeno no Creusot-Montceau ou em Fourmies, literalmente asfixiados pelas suas colecções, tendo consequentemente que renunciar progressivamente a tomar em conta a globalidade do património. - Conservar o envolvimento dinâmico e oficial do museu e dos seus responsáveis nos programas de desenvolvimento do território, a fim de não o deixar fechar-se sobre si mesmo e unicamente sobre as funções museais tradicionais; este envolvimento deve ser reconhecido desde o nível da concepção até ao da acção pedagógica e da promoção das acções de desenvolvimento. Podemos mesmo referir aqui certos casos de uma liderança do museu de território, como se constata em Santa Cruz (Rio de Janeiro). - Manter as pontes de ligação entre a população (a comunidade) e o museu, para que ambos evoluam e “vivam” juntos; a influência dos investigadores ou a dos promotores turísticos não devem alienar o património do território aos olhos da comunidade. - Assegurar a renovação, de geração em geração e no seio do próprio território, dos principais actores locais do património, proprietários, técnicos, gestores, mediadores, de modo a não depender de concursos exteriores massivos (em termos de pessoal, por exemplo) que tanto poderiam tornar o museu não-viável, como fazê-lo depender de poderes extra-comunitários.

Tudo o que precede é uma reflexão de um agente do desenvolvimento. Aos primeiros a quem toca esta reflexão, os museólogos, cabe trazer o seu ponto de vista, aceitando tomar o território como ponto de partida da sua reflexão. Creio – e espero – que por esse meio encontrem um pretexto para renovar a teoria da sua prática.


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CONHECER « [o tecelão] deslocava com um manípulo a correia do volante livre para o fixo, colocando a maquinaria em funcionamento, o qual desenvolve um trabalho mecânico sincronizado (...)»

U m t e a r m e c â n i c o d e e x c ê n t r i c o s o u d e Bradford Da fábrica ao museu O tear mecânico de excêntricos, conhecido por tear de Bradford, foi comercializado pela empresa Harker, Sumner, S.A., sediada em Portugal desde 1896. Segundo o inventário de máquinas da Companhia de Lanifícios de Arrentela (CLA), estaria instalado na secção de tecelagem um conjunto de teares com características semelhantes ao que o EMS incorpora e que, progressivamente, teriam deixado de funcionar devido a sucessivas renovações tecnológicas. Sabe-se, contudo, que o tear inventariado pela CLA com o nº 118 consta do Livro de Registo de Peças de 1963 a 1966, tendo fabricado tecidos até 1963. Segundo o inventário de máquinas de 1973 da mesma fábrica enviado à Caixa-Geral de Depósitos, a secção de tecelagem integrava 118 teares mecânicos, mais recentes do que aqueles que “com autorização da Direcção Geral dos Serviços Industriais foram inutilizados e vendidos para sucata, em virtude de se ter provado que vão ser substituídos por teares novos que se encontram comprados à firma S. LENTZ”. Na sequência desta renovação na CLA, a Câmara Municipal do Seixal (CMS) solicitou em 1982 a sua colaboração, no sentido de oferecer máquinas, documentos escritos e iconográficos que testemunhassem a actividade da Fábrica de Lanifícios de Arrentela. Assim, foram então doados ao Museu Municipal vários objectos, entre os quais o tear mecânico de excêntricos, sem o motor acoplado, e documentos iconográficos, alguns dos quais integrados na anterior exposição permanente do Ecomuseu, denominada O Território, o Homem, a História. Relativamente ao tear mecânico foi acordado, em meados dos anos 1980, entre a CMS e a Escola Secundária do Seixal (actualmente designada por Dr. José Afonso), recuperar e colocar em funcionamento o tear mecânico. Esta intervenção, a cargo de uma equipa de professores de Mecânica daquela escola, que decorreu com limitações por ausência de pesquisa e documentação sobre teares da mesma tipologia, acabou por se limitar ao fabrico de uma peça designada de levante de liços, tendo o tear reintegrado a exposição do Núcleo Sede, na Torre da Marinha, a partir de 1992, em bom estado de conservação mas precariamente estudado. Entre 1999 e 2004, reiniciou-se uma segunda fase de intervenção no tear, acompanhada da pesquisa e interpretação técnica e funcional por parte das equipas técnicas dos Serviços de Inventário do Património Industrial e de Conservação, com a participação do tecelão José Mendes Raposo, em 1999, e pelo afinador de teares António Brás, a partir daquele ano.

Tear de Bradford colocado em funcionamento por António Brás © EMS/CDI - Rosa Reis, 2004

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A parceria que se estabeleceu entre o EMS e o António Brás permitiu um conhecimento técnico-funcional mais aprofundado do tear, a reconstituição do seu funcionamento e a exibição na exposição Arrentela X Património, inserida nas Festas Populares de Arrentela de 2004, onde foi possível o encontro de saberes, de gestos de trabalho e de memórias dos operários da CLA, cruzados com o interesse da comunidade local. O tear, que actualmente conhecemos melhor, está adaptado para trabalhar apenas com uma lançadeira e com dois quadros de liços, dispondo de mecanismos para incorporar mais dois quadros, não sendo ainda possível trabalhar automaticamente por não se ter acoplado um motor.

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© EMS/CDI - Maria João Cunha, 2000/2001

1. Órgão da teia 2. Órgão de enrolamento do tecido 3. Levantes dos liços 4. Batente 5. Descanso da lançadeira 6. Volantes fixo e livre 7. Manípulo para deslocação da correia entre os volantes fixo e livre

Tecnologia do tear Desconhece-se se o tear incorporado pelo EMS apresentaria as características de proveniência ou se foi tecnologicamente adaptado aos tecidos fabricados pela CLA pois, originalmente, o tear de Bradford poderia trabalhar com um máximo de quatro quadros de liços e incorporar um caixote de revólveres, que lhe permitia utilizar um conjunto de lançadeiras. Os principais componentes operadores do tear de Bradford são o órgão da teia, os quadros de liços ou perchadas, o batente e os órgãos de enrolamento do tecido. As operações básicas de produção de tecido – a formação


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da cala, a inserção da trama e o batimento do pente – e o desenrolamento da teia e enrolamento do tecido no órgão são executadas pelo movimento recebido dos veios que atravessam o tear no sentido longitudinal – o veio central, o veio inferior e os veios do excêntrico, este último responsável pelo movimento alternado ascendente e descendente dos liços. A dimensão do pente e a velocidade de rotação dos veios relacionam-se directamente com o tipo de tecido fabricado pelo tear. Embora nos falte saber com exactidão o tipo de tecidos fabricados pelo tear de Bradford, a sua largura não poderia exceder um metro, devido ao comprimento do pente. Segundo informação oral, este tear estava adaptado para efectuar telas simples, em ponto de tafetá, podendo fabricar tecidos mais finos ou grosseiros, com uma ou várias cores, dependendo do número de fios introduzidos e da substituição da trama na lançadeira. Assim, este tear podia fabricar, por exemplo, cachecóis em xadrez ou escocês. Do ponto de vista do fornecimento de energia, o tear mecânico de Bradford testemunha as alterações energéticas ocorridas na fábrica. Inicialmente, a energia a vapor era produzida por caldeiras e transformada em energia mecânica por uma máquina a vapor que alimentava as várias secções da fábrica. Essa energia mecânica chegava às máquinas instaladas na oficina de tecelagem através de um veio central que percorria o respectivo espaço, no sentido longitudinal. Os teares, dispostos paralelamente, eram accionados por correias de transmissão que estabeleciam a ligação entre os volantes dos teares e os do veio central. Mais tarde, provavelmente no final da década de 50 do século XX, foram acoplados motores aos teares mais antigos que permaneciam em actividade. O trabalho do tecelão ou da tecedeira O trabalho de tecelagem era antecedido pela preparação da teia e da trama. A montagem da teia era feita num cavalete e transportado até ao tear, que recebe o órgão da teia, cabendo à remetedeira passar os fios através dos olhais das malhas e das puas do pente de acordo com o desenho pretendido, correspondente ao debuxo. A preparação da trama consiste na bobinagem da canela que vai ser enfiada no fuso da lançadeira. No caso do tear de Bradford, que só dispõe de uma lançadeira, o tecelão substituía manualmente a canela, no caso de terminar o fio ou quando se pretendia fabricar tecidos com mais de uma cor. Finalizadas as operações de preparação da teia e da trama, o tecelão executava uma tira de tecido de acordo com o debuxo, a qual era verificada pelo debuxador. No caso de não se registarem defeitos de fabrico, o tecelão prosseguia o seu trabalho. Colocava-se, então, em frente ao tear e deslocava com um manípulo a correia do volante livre para o fixo, colocando a maquinaria em funcionamento, o qual desenvolve um trabalho mecânico sincronizado de modo a que ocorram as operações de formação da cala, inserção da trama e o movimento do batente. Assim, quando o batente avança em direcção ao tecelão, os quadros dos liços trocam de posição, ou seja, um sobe e o outro desce e quando o batente recua forma-se a cala, permitindo a passagem da lançadeira, cruzando a teia com a trama, ou seja, dando origem ao tecido que se pretende fabricar. Simultaneamente, o órgão da teia vai desenrolando lentamente a teia e, do lado oposto do tear, um dos órgãos de enrolamento puxa o tecido e enrola-o definitivamente no segundo rolo. O tecelão, que geralmente controlava dois teares dispostos paralelamente, tinha que estar muito atento ao trabalho efectuado pelos teares pois, no caso de se prever uma eventual quebra do fio, o tear deveria parar imediatamente. Neste caso é necessário fazer o nó de tecedeira com as pontas de fio quebrado na posição correcta do enfiamento. O tear está novamente pronto para reiniciar o trabalho. Finalizada a peça de tecido destinada ao tear e ao tecelão, o rolo de tecido era encaminhado para a secção de acabamento para prosseguir as restantes operações finais. [Fátima Veríssimo]


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MEMÓRIAS E QUOTIDIANOS « Os dias passados no pinhal traduzem-se em cansativas jornadas de trabalho, havendo necessidade de calcorrear quilómetros, subindo e descendo caminhos íngremes, abrindo carreiros por entre os matos (…)»

Resineiros: uma profissão em declínio Aos resineiros, profissionais responsáveis pela exploração da resina nos pinhais, compete-lhes a colheita daquela matéria-prima para posterior transformação industrial, no respeito estrito por um conjunto de normas que assegurem o crescimento regular do pinheiro e a qualidade da madeira. Na aplicação desse conjunto de princípios, Inácio Suordem - actualmente empreiteiro resineiro do Pinhal da Apostiça com sessenta anos, mas resineiro desde muito jovem e cujos testemunhos, por nós registados em Julho de 2004, serviram de base a este artigo -, socorrendo-se da sua longa experiência na actividade resineira detecta, nas últimas décadas, alguns comportamentos que comprometem a obtenção dos objectivos atrás enunciados. Segundo orientações das autoridades florestais, os resineiros exercem a sua actividade entre os meses de Março e Novembro. Um limite temporal que na actualidade deixou de ser seguido com rigor, embora esse incumprimento seja prejudicial ao pinheiro. “No dia 1 de Dezembro, antigamente, os fiscais dos Serviços Florestais chegavam, quem tinha tirado [a resina] tinha, quem não tinha tirado já não deixavam tirar. Agora não, acaba à mesma por princípios de Dezembro (…) mas não se cumpre (…), o que é muito prejudicial à árvore.” Todos os anos, no início da época de resinagem, os resineiros preparam os pinheiros para uma nova campanha de extracção da resina. Munidos de instrumentos apropriados retiram a carrasca (casca) do tronco com uma desencarrascadeira, aplicam aí as bicas (laminas de escorrência da resina) e a pasta sulfúrica a fim de favorecer a exsudação da seiva ao mesmo tempo que colocam os púcaros, onde se vai acumulando a resina que irá sendo recolhida ao longo dos oito meses de resinagem. Ao efectuarem as novas incisões, ao lado das anteriores, devem respeitar os limites estipulados para a sua altura e a sua largura assim como o perímetro do tronco definido como mínimo para a primeira incisão, o qual o pinheiro leva cerca de trinta anos a atingir. “[Para] começar a sangrar um pinheiro (…) [ele tinha de ter], à altura do peito, [o] perímetro de oitenta centímetros. (…) Dava grandes multas, isso, antigamente. Era a grossura, era a altura das incisões. (…) Cada incisão, cada ferida em cada ano, só ia até 45 cm. Se tivesse mais, arrancavam a “bica” e pregavam uma multa no resineiro. Era oito e nove [centímetros ] de largura. Agora fazem: doze, treze, sete, oito [centímetros de incisão]. [Se] não era respeitado, os fiscais dos Serviços Florestais vinham, viam e arrancavam a incisão. Naquele ano acabava [a resinagem do dito pinheiro].” A aplicação de sanções tinha como pressuposto a responsabilidade dos profissionais da resinagem na manutenção da floresta e a formação que lhes era ministrada. Uma formação que se iniciava nos pinhais, junto de outros resineiros mais velhos, com-

Reprodução da carta de resineiro de Inácio Suordem

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plementada com uma curta aprendizagem promovida pela Junta Nacional dos Produtos Resinosos, que emitia uma cédula profissional, conhecida como carta de resineiro. Exigência que, hoje em dia, foi abandonada. “ Eu tenho a carta de empreiteiro e de resineiro e quem era só resineiro tinha que ter carta de resineiro. Se não fosse, e lá fossem os fiscais e não tivesse carta de resineiro, era expulso imediatamente de lá do pinhal.” Os dias passados no pinhal traduzem-se em cansativas jornadas de trabalho, dada a necessidade de calcorrear quilómetros, quantas vezes subindo ou descendo caminhos íngremes, abrindo carreiros por entre os matos, transportando aos ombros uma lata de resina, que chega a pesar 35 kg. Nos últimos anos, nalguns pinhais, foi possível aligeirar esse esforço com a introdução de carrinhos de mão para o transporte daquela lata. O dia de O resineiro procede à recolha de resina no pinhal. trabalho foi reduzido para as oito © EMS/CDI - Carlos Carrasco, 2004. horas diárias pondo termo às longas jornadas iniciadas antes do nascer do Sol e terminando já depois do sol-posto. As mulheres têm à sua disposição meios tecnológicos para aligeirar as suas tarefas domésticas. “ (…) a minha mãe – que Deus tem - saía dali quatro da manhã para o pinhal, com a bilhazita de água às costas. A gente suava um bocadito, chegava lá às vezes já não havia água. Aquilo era uma sede incrível. À noite, era sempre duas horas de caminho a pé, porque o pinhal era muito grande. Fazia uma sopazita, lá dava à gente e ia lavar a roupa. Ia lavar ao rio, um curso de água que lá passa, e depois ia-se deitar à uma da manhã, às quatro [horas], tumba, toca [a levantar] outra vez.” Os resineiros estão enquadrados pelas fábricas de transformação de resina por intermédio dos fiscais ou dos fornecedores de resina às unidades fabris, sob cuja alçada directa trabalham. Em qualquer um destes modelos de gestão do negócio da resina são esses intermediários que dialogam com eles, os contratam e lhes pagam os salários. A grande diferença entre ambos os modelos reside na transferência dos encargos financeiros que acarreta a exploração da resina nos pinhais (fornecimento de utensílios de resinagem e custos salariais) da empresa resineira para os fornecedores, resultando desta autonomização de negócios a necessidade de assumir riscos financeiros e de gerir as relações com os resineiros e com o mundo rural, os proprietários, na exacta medida em que as fábricas dele se afastam. [Desta forma, os industriais] “resolvem o problema do pessoal, resolvem o problema dos encargos, resolvem o problema dos proprietários do pinhal. Eles livraram-se dessas coisas todas.” No entanto os fornecedores - tal como os fiscais - têm de negociar com a fábrica um preço para o quilo da resina e a percentagem de impurezas (carrasca, caruma e água) que a acompanham e que são descontadas ao montante global entregue na fábrica. Na Socer da Amora, quando aquelas percentagens eram consideradas excessivas impunha-se um acerto de posições e para isso promoviam-se encontros com os responsáveis da empresa. “ Às vezes para discutir os preços, [outras] para discutir as impurezas. A malta zangava-se e depois chamávamos à atenção e depois reuníamo-nos. (…) Às vezes, era cá com o encarregado da fábrica e, às vezes, era mesmo com a direcção, com o Dr. Leitão e depois passou para o Dr. Vítor Lagoa, que ainda é actualmente. A decadência que atinge actualmente a indústria resineira, pois “todas as fábricas que estão a queimar resina, queimam menos do que queimava a Socer aqui [a da Amora], há já vinte anos”, põe em risco a continuidade da existência dos profissionais do sector: resineiros, fiscais e fornecedores. No concelho do Seixal, essa crise traduziu-se na cessação de transformação de resinas, em 1992, pela Socer - unidade industrial a que dedicámos um artigo no Ecomuseu Informação de Julho/Agosto/Setembro, 1999. [Fátima Sabino)


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PATRIMÓNIO CULTURAL DO CONCELHO “Estas foram escolas que, em três épocas diferentes, marcaram a paisagem, dando o seu contributo para o progresso do Seixal”.

Escolas primárias que marcaram o tempo e o espaço Identificáveis ao primeiro olhar, pela sua arquitectura característica, são ainda visíveis no concelho do Seixal as escolas primárias do chamado Plano dos Centenários, aquele que terá sido o modelo de construção escolar mais divulgado no País, e ao qual dedicaremos em breve novo artigo. A sua designação resultou de um aproveitamento a posteriori das comemorações do duplo centenário da Fundação e da Restauração da Independência (1939-40). No mapa de obras de 1942, que fixava o número, localização e tipo de escolas do ensino primário a construir num período de 10 anos, previam-se 10 escolas para o concelho do Seixal. Entre os critérios invocados para justificar a construção das escolas encontram-se o mau estado das instalações existentes, o elevado número de crianças em frequência escolar e a falta de salas de aula para fazer a separação dos alunos por sexo. O alargamento e a melhoria da rede escolar procurava responder à necessidade de elevar a instrução mínima da população. Até então muitas escolas funcionavam em condições precárias, em espaços que não eram construídos de raiz para esse efeito. No território do Seixal o exemplo mais relevante de um edifício adaptado a espaço escolar, pelas suas características arquitectónicas, que permanecem imutáveis há quase um século, e porque no seu interior ainda se encontra mobiliário escolar utilizado durante cerca de 50 anos, é a chamada Escola Paiva Coelho, um edifício com fachada principal para a Pr. Luís de Camões, n.º 30, no Seixal. Construído em 1888, reconstruído e ampliado por projectos de 1907 e 1912, ganhou então o aspecto que ainda hoje ostenta e que nem as obras de adaptação a escola vieram alterar. Inserido no Núcleo Urbano Antigo do Seixal, o edifício destaca-se pelo seu maior volume e pelos elementos arquitectónicos. Composto por 4 pisos com uma planta em L, daí resulta um pequeno pátio do lado da Rua Paiva Coelho, onde o prédio ganha mais altura, terminando por um mirante na parte mais adiantada do edifício, sobre um piso que apresenta um curioso conjunto de janelas com arcos ogivais. Com vários elementos em cantaria, o prédio é praticamente todo revestido a azulejo. Por testamento de Gertrudes Paiva Coelho, falecida em 1921, a sua propriedade foi legada em testamento à CMS, com o objectivo de aí ser instalada uma escola de ensino primário eleEdifício da Escola Paiva Coelho (Seixal). mentar do sexo feminino. As obras de adaptação © EMS/CDI, Carlos Carrasco, 2004.

Escola Básica do 1º Ciclo do Seixal (Escola Conde de Ferreira) © EMS/CDI, Carlos Carrasco, 2004.

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iniciaram-se em 1932, tendo-se procedido ao seu apetrechamento com verbas também deixadas para esse fim. A inauguração ocorreu em Janeiro de 1933. A escola funcionaria nos 4 pisos (uma classe por piso), em salas voltadas para sul, enquanto o restante espaço se destinava à residência das professoras. Esta escola funcionou até à inauguração da Escola Básica do 1º Ciclo do Bairro Novo (Seixal), no início da década de 1970. A excepção às escolas improvisadas seria a Escola Conde de Ferreira, ainda em funcionamento (Escola Básica do 1º Ciclo do Seixal), construída no início do último quartel do século XIX no centro do antigo núcleo urbano, correspondendo ao primeiro projecto-tipo de escolas primárias no nosso país. Esta foi uma das 120 escolas para ambos os sexos construídas nas “cabeças de concelho”, com o legado de 144 mil réis deixado para o efeito pelo conde, falecido em 24 de Março de 1866, data inscrita sobre a porta principal do edifício. Encimando a fachada principal, encontra-se o campanário, elemento constante deste modelo de escola, que obedece às condições expressas pelo doador e reguladas por portaria publicada em 20 de Julho de 1866, que se pronunciava sobre a concepção, dimensões e localização do edifício, estipulando a existência obrigatória de uma parte residencial para o professor. De planta rectangular, ocupa um quarteirão, tendo um pequeno pátio de recreio que circunda quase todo o edifício. Quanto ao novo plano de construções escolares, a ausência de resposta da Câmara Municipal a um inquérito do organismo tutelar, de 1943, atrasou a inclusão do Concelho na rede dos edifícios escolares que então se espalhavam pelo País, embora a um ritmo mais lento do que tinha sido planeado. O primeiro edifício escolar dos Centenários a ser construído em território do Concelho foi o de “1 sala mista no núcleo de Fernão Ferro”, com plano aprovado em 1949 e concluído em 1951. As novas escolas obedeciam a um modelo arquitectónico que apresenta uma simetria cuidada da fachada e a aplicação de múltiplos elementos de cantaria. A disposição das salas de aula é privilegiada para que haja uma boa iluminação através de 3 janelões. O peso ideológico do nacionalismo está marcado nos escudos com as armas nacionais que encimam a entrada principal, após a qual se seguia uma zona de vestíbulo que comunicava com a(s) sala(s) de aula e dava acesso ao espaço do alpendre, com vãos recortados em arco na fachada posterior. No telhado, a chaminé com um cata-vento desenhado conferia o tom “tradicionalista”. Pretendia-se criar uma imagem uniforme que fosse reconhecida em todo o País, produzindo um forte impacto social e político. Já antes se projectara a construção de um conjunto de modelos de cunho regional. Esses projectos datavam de 1935, da autoria de Raul Lino e Rogério de Azevedo, mas em 1941 um despacho do ministro Duarte Pacheco afirmava a conveniência de os rever, adaptando-os às exigências funcionais das escolas e aos preços entretanto agravados que tornavam incompatíveis os orçamentos. O modelo regional da Estremadura ainda está representado na escola de Fernão Ferro e nas escolas n.º 1 da Torre da Marinha (1954), da Amora (1958) e de Corroios (1961). Com o tempo houve ajustes nos projectos, nos materiais e nas técnicas das construções, no sentido de uma simplificação e normalização dos elementos construtivos. Em 1960, o atraso que se verificava no cumprimento do programa fez com que o Ministério das Obras Públicas quisesse acelerar o ritmo das construções. As escolas que começaram a ser posteriormente edificadas já o foram ao abrigo de uma actualização do Plano dos Centenários (1961) e corresponderam ao projecto do Arq. Fernando Peres, que simplificou para 2 o número de modelos de escola: Tipo Urbano e Tipo Rural. No princípio dessa década, com o crescimento da população, no território do Seixal inauguraram-se 4 escolas – Corroios (1961), Vale de Milhaços (1962), Arrentela (1963) e Paio Pires (1964) – e ampliou-se o número de salas de outras já existentes (Amora e Torre da Marinha). Das escolas do Concelho construídas ao abrigo deste Plano, a última foi a do Bairro Novo (Seixal), que devia ter avançado em 1959 mas, por problemas de disponibilidade do terreno, só foi concluída em 1970, quando já vigorava um novo programa de construções escolares. Estas foram escolas que, em três épocas diferentes, marcaram a paisagem, dando o seu contributo para o progresso do Seixal. [Carlos Carrasco)


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CÂMARA MUNICIPAL DO SEIXAL ecomuseu municipal do seixal museu da rede portuguesa de museus

NÚCLEO SEDE

NÚCLEO DA MUNDET

Praceta Francisco Adolfo Coelho

Largo 1º de Maio, Seixal

Torre da Marinha, 2840-409 Seixal T.: 21 227 62 90 Fax: 21 227 63 40 e-mail: ecomuseu@cm-seixal.pt

(em breve será anunciada a data de transferên cia destes serviços para o Núcleo da Mundet)

exposições temporárias

EDIFÍCIO DAS CALDEIRAS BABCOCK

Circuito Museológico Industrial: entre documentar o passado e proteger o futuro EDIFÍCIO DAS CALDEIRAS DE COZER

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO

Produzir pólvora em Vale de Milhaços

Horários de consulta: 3as, 4as e 5as feiras, das 10h às 17h

Horários de Inverno (Outubro - Maio):

e-mail: ecomuseu.cdi@cm-seixal.pt

De 3ª a 6ª feira, das 9h às 12h e das 14h às 17h

SERVIÇO EDUCATIVO

Sábados e domingos, das 14h às 17h

Horários de atendimento telefónico:

Horários de Verão (Junho - Setembro):

2as e 3as feiras, das 9h às 12.30h e das 14h às 17h

De 3ª a 6ª feira, das 9h às 12h e das 14h às 17h

e-mail: ecomuseu.se@cm-seixal.pt

Sábados e domingos, das 14.30h às 18.30h Encerramento:

NÚCLEO NAVAL

2as feiras, feriados nacionais e municipais

Av. da República - Arrentela SERVIÇO DE ESTUDO E INVENTÁRIO exposição de longa duração

DE PATRIMÓNIO INDUSTRIAL

Barcos, memórias do Tejo

edifício dos Escritórios/antiga Casa da Infância

(data a anunciar)

(em breve será anunciada a data de instalação

OFICINA DE CONSTRUÇÃO ARTESANAL

de outros serviços centrais no Núcleo da

DE MODELOS DE BARCOS DO TEJO

Mundet, transferidos da Torre da Marinha)

Horários de Inverno (Outubro - Maio):

NÚCLEO DO MOINHO DE MARÉ DE CORROIOS

De 3ª a 6ª feira, das 9h às 12h e das 14h às 17h Sábados e domingos, das 14h às 17h Horários de Verão (Junho - Setembro): De 3ª a 6ª feira, das 9h às 12h e das 14h às 17h

Devido a obras de conservação e de requalifi-

Sábados e domingos, das 14.30h às 18.30h

cação do imóvel e da envolvente, este núcleo

Encerramento:

encontra-se encerrado ao público

2as feiras, feriados nacionais e municipais

NÚCLEO DE OLARIA ROMANA DA QUINTA DO ROUXINOL

EMBARCAÇÕES TRADICIONAIS DO TEJO Cais principal de apoio: Seixal

Quinta do Rouxinol, Corroios Sítio Classificado como Monumento Nacional

VARINO AMOROSO E BOTES-DE-FRAGATA

FORNOS DE CERÂMICA ROMANOS (SÉCS. II-V)

GAIVOTAS E BAÍA DO SEIXAL

Acesso condicionado

Realização de passeios no Tejo, entre Abril e Outubro

EXTENSÃO DO ECOMUSEU NA FÁBRICA DE PÓLVORA DE VALE DE MILHAÇOS

de cada ano Informações sobre programação de actividades: Serviço Educativo

Vale de Milhaços, Corroios BOTE-DE-FRAGATA GAIVOTAS em estaleiro

Sítio em vias de classificação Acesso condicionado

NÚCLEO DA QUINTA DA TRINDADE

EXTENSÃO DO ECOMUSEU NA QUINTA DE S. PEDRO

Azinheira, Seixal

Quinta de S. Pedro, Corroios Imóvel Classificado de Interesse Público

CAMPO ARQUEOLÓGICO: NECRÓPOLE

Reservas, Serviço de Arqueologia

Actividades para públicos escolar e adulto

e Serviço de Conservação e Inventário Geral

mediante marcação prévia junto do Serviço

Acesso condicionado

Educativo

MEDIEVAL-MODERNA (SÉCS. XIII-XVII)


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