Ecomuseu Informação N.º 40 – Julho | Agosto | Setembro 2006

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ecomuseu informação

Boletim trimestral do Ecomuseu Municipal do Seixal

n.º 40 . 2006

JULHO . AGOSTO . SETEMBRO

Qualificação e desenvolvimento do Ecomuseu: Serviços Centrais no Núcleo da Mundet Assinalado com uma impressão especial, o 40.º boletim trimestral Ecomuseu Informação – destinado à difusão regular das actividades e de conteúdos produzidos no contexto da acção museal e de gestão de património cultural promovidos pela Câmara Municipal, através do EMS (Divisão de Património Histórico e Natural) – completa agora um ciclo de 10 anos de comunicação. Neste ciclo, destacamos, por um lado, o papel dos autores e colaboradores – que viabilizaram a produção ininterrupta do Ecomuseu Informação, a partir das actividades museológicas de programação, investigação, documentação, conservação, interpretação e difusão – e, por outro lado, a diversidade de leitores e o alargamento do campo de divulgação do nosso património cultural.

índice 3 // exposições

11.12.13 // Conhecer

17.18.19 //

4.5.6.7 // Programa

O espólio arqueológico

PATRIMÓNIO CULTURAL

de Iniciativas dE Serviço

da Rua 1.º de Dezembro

DO CONCELHO DO SEIXAL

Educativo

(Seixal): metais, moedas e

Escolas primárias que marcaram

8 // agenda

vidros

o tempo e o espaço (2) As escolas do Plano

9.10 // TEMA DE REFLEXÃO

dos Centenários

Qualificação e desenvolvimento

14.15.16 //

do EMS

Memórias e Quotidianos

[III] Preparar o novo programa,

A herança da construção naval:

20 //

com novo modelo de gestão,

famílias e estaleiros nos

Núcleos e serviços

para 2007-2012

concelhos do Seixal e da Moita

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02 ECOMUSEU INFORMAÇÃO . n.º 40 JUL.AGO.SET. 2006 Nos últimos 10 anos de vida do Ecomuseu, a difusão deste boletim, evoluindo no seu formato impresso, a que se juntou, desde 2002, a versão divulgada através do nosso site, compensou até certo ponto um sério conjunto de carências comunicacionais com os públicos e utilizadores dos nossos serviços e ajudou a rentabilizar recursos e a aprofundar parcerias. A reflexão crítica sobre esses 10 anos, a partir de 1996, em que se iniciou a publicação do Ecomuseu Informação, faz parte do actual processo de avaliação necessário à reperspectivação das prioridades de qualificação e desenvolvimento do EMS, passando pela análise de interesses das comunidades e pela identificação de recursos. Significativamente, a esse período de tempo reportam vários factos, tanto no plano institucional, como no terreno de experimentação museológica, que consideramos de grande importância: a municipalização da Mundet, por aquisição pela CMS; a afirmação do processo de patrimonialização do sítio industrial e a reutilização de alguns espaços com fins culturais; a constituição de uma equipa técnica em que assentou a activação do Serviço de Inventário e Estudo de Património Industrial do EMS; a aprovação do Programa de Qualificação e de Desenvolvimento do Ecomuseu, em que se inclui a instalação de Serviços Centrais na Mundet e a criação de um percurso de interpretação principalmente dedicado à valorização do património industrial da cortiça.

"Mais próximo de constituir o pólo museológico central no desenvolvimento global do Ecomuseu, o Núcleo da Mundet do EMS transmite a memória da antiga fábrica, do núcleo urbano antigo do Seixal e das comunidades industriais, exibe e interpreta o património industrial e promove e valoriza o universo da cortiça na actualidade." Em 18 de Maio de 2006 – com um simbolismo associado ao Dia Internacional dos Museus e ao 24.º aniversário do museu municipal – foram abertos e apresentados ao público os Serviços Centrais do EMS, instalados no Núcleo da Mundet, recuperando e reutilizando o edifício dos Escritórios “novos”, ex-Casa da Infância, da antiga firma Mundet & C.ª Lda. Foi também inaugurada, no Edifício das Caldeiras de Cozer Cortiça, a exposição A cortiça na fábrica: a preparação, primeira parte do percurso expositivo em programação intitulado Quem diz cortiça diz Mundet, quem diz Mundet diz cortiça. Mais próximo de constituir o pólo museológico central no desenvolvimento global do Ecomuseu, o Núcleo da Mundet do EMS transmite a memória da antiga fábrica, do núcleo urbano antigo do Seixal e das comunidades industriais, exibe e interpreta o património industrial e promove e valoriza o universo da cortiça na actualidade. Pelo carácter histórico e patrimonial do sítio industrial e dada a sua relevância social e identitária nas comunidades locais, o projecto de musealização da Mundet, um dos eixos estruturantes de qualificação e de desenvolvimento do Ecomuseu Municipal, assume um papel primordial num processo abrangente e integrado de valorização do património cultural, incluindo o paisagístico e para um plano de qualificação urbana e ambiental no Concelho e na região. [Graça Filipe]

www.cm-seixal.pt/ecomuseu

Ficha Técnica Foto Capa:

Serviços Centrais do Ecomuseu no Núcleo da Mundet © EMS/CDI, António Silva, 2006.

Edição

Direcção

Grafismo e Revisão

Impressão

Câmara Municipal do Seixal/Ecomuseu Municipal do Seixal

Graça Filipe

Sector de Apoio Gráfico e Edições da C.M.S.

Grafema, Sociedade Gráfica, SA

Créditos Fotográficos

Tiragem

6000 exemplares

Distribuição gratuita Assinaturas a pedido junto do EMS

Informação/Agenda

EMS/CDI, António Silva, Carla Costa, João Martins, Carlos Carrasco desenhos Mafalda Nobre, Era-Arqueologia/EMS

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Textos/Investigação

Graça Filipe, Jorge Raposo, Elisabete Curtinhal, Carlos Carrasco Ana Apolinário, Cláudia Silveira e Graça Filipe

ISSN

0873-6197 Depósito Legal

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TEMA DE REFLEXÃO «A consolidação do trabalho de museu nas várias vertentes funcionais (...) deve centrar-se, por um lado, nos públicos (...) e, por outro lado, no conhecimento e na comunicação sobre os acervos (...)»

Núcleo Urbano Antigo do Seixal e recinto municipal da Mundet com Núcleo do EMS onde estão instalados os Serviços Centrais © CMS – António Silva, 2005.

TEMA DE REFLEXÃO

Qualificação e desenvolvimento do EMS [III] Preparar o novo programa, com novo modelo de gestão, para 2007-2012 Sequenciando os dois textos anteriores publicados como Tema de Reflexão sob o título comum Qualificação e desenvolvimento do EMS (nos boletins n.º 37 e n.º 39, respectivamente subintitulados (I) Princípios da política museológica face à Lei-Quadro dos Museus e [II] Principais domínios de avaliação e de actualização programática) pretendemos aqui partilhar com os nossos leitores algumas notas que perspectivam as prioridades de trabalho do EMS e os projectos que nos parecem dever ser privilegiados nos próximos anos, com base na avaliação dos dois principais eixos de reprogramação museológica estabelecidos há mais de cinco anos (um eixo reportado à qualificação dos núcleos museológicos existentes e à musealização da Mundet, outro eixo destinado à constituição de um circuito museológico industrial). À nossa proposta de definição de prioridades para o EMS correspondem os três principais domínios de planificação e de programação, no terreno museal, anteriormente identificados e considerados indissociáveis entre si: o do acervo (e das colecções móveis), o das comunidades de interacção e dos públicos e o do pessoal e recursos humanos. As especificidades do EMS (nomeadamente a sua ancoragem social e de estreita relação com diversas comunidades), emanadas da sua missão e susceptíveis de uma contínua adequação ao território de referência, devem ser incentivadas, não obstante e sempre que possível através de uma aplicação dinâmica e inovadora dos princípios consagrados na Lei-Quadro dos museus portugueses (Lei nº 47/2004, de 19 de Agosto). Esta é a via que preconizamos para responder aos requisitos de enquadramento legal e de transição do EMS enquanto museu integrado na RPM. Pretendemos continuar a assumir uma perspectiva renovadora e de experimentação museológica, contrariando, nos nossos campos de acção, tendências globalizadoras que a nosso ver constituem um factor de empobrecimento da diversidade de realidades museais, não deixando porém de considerar algumas vezes desinseridos do contexto real certos clichés supostamente de “nova museologia”, em geral correspondendo a ideias actualmente vulgarizadas num vasto espectro de museus, sob diferentes tipos de tutela e independentemente da sua base social de apoio. Tal como já foi referido nos textos anteriores, é importante que se estabeleça uma correspondência clara entre os programas aprovados e a aplicação dos respectivos modelos de gestão de património cultural imóvel (e património integrado), enquanto espaços, sítios e acervos vivenciáveis e/ou fruíveis, potenciadores da transmissão de memórias e da construção de uma memória social. Congregando as vontades das comunidades e/ou dos cidadãos, o

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10 ECOMUSEU INFORMAÇÃO . n.º 40 JUL.AGO.SET. 2006 Tema de reflexão poder das tutelas e os pareceres dos técnicos, deverá decidir-se, com fundamento em critérios de avaliação e valoração do património cultural (o «ADN do território e das comunidades», como escreveu Hugues de Varine [2002] – Les racines du futur, pp. 37-38), quais os sítios e acervos que devem integrar estruturas museológicas e quais os que se limitarão a outros usos e formas de valorização, nomeadamente no âmbito de projectos de rentabilização económica e de desenvolvimento turístico. A partir do muito trabalho realizado e dos projectos em curso, pensamos que a organização da acção patrimonial e museológica tendo por referência o território do concelho do Seixal deverá ser estruturada em dois vectores principais: - Um vector correspondente à implementação da Carta do Património – incluindo não só as respectivas metas e fases de intervenção (nomeadamente para as medidas de salvaguarda), mas também a criação, atribuições e constituição de um órgão de participação cívica e de supervisão científica e técnica – e - Outro vector correspondente à qualificação e desenvolvimento dos pólos ou unidades museológicos sob tutela ou gestão com parceria municipal, abarcando os actuais núcleos e extensões do Ecomuseu, mas redefinindo-os enquanto constituintes integrados num sistema museológico, com uma programação e um funcionamento adequados a um plano de recursos e de acção para os próximos cinco anos aproximadamente (2007-2012). Fazendo também evoluir a experiência presente, deverá desenhar-se uma unidade orgânica comum, estruturada num modelo aberto aos recursos exteriores, quer do ponto de vista da organização e gestão abrangentes dos serviços e projectos municipais (de Património e Museus), quer do ponto de vista da participação comunitária, das parcerias (por exemplo, com Universidades e Laboratórios de Investigação, entre outras entidades) e da desejável implementação de projectos de voluntariado. A consolidação do trabalho de museu nas várias vertentes funcionais (por que se distribuem os recursos e em que, no essencial, se baseia a matriz de funcionamento da actual Divisão de Património Histórico e Natural/Ecomuseu Municipal), deve centrar-se, por um lado, nos públicos e nos saberes a eles associados e, por outro lado, no conhecimento e na comunicação sobre os acervos, tendo em vista reforçar e expandir a difusão museal, nas vertentes de interpretação e de exposição, assim como ampliar o acesso às colecções e aos acervos museais, diversificando simultaneamente os tipos de utilizadores, os suportes e os meios comunicacionais. O sistema museológico deverá reconfigurar-se de acordo com a nova programação das unidades museológicas, prevendo a articulação destas com o maior número possível de recursos patrimoniais abrangidos na Carta do Património. Tal articulação, não obstante a previsível complexidade nas várias fases de programação e uma acentuada exigência de rigor nos critérios de gestão, sem dúvida potenciará um valor acrescentado ao património. As medidas que preconizamos têm sido ponderadas na elaboração da proposta técnica de Regulamento do EMS que brevemente será sujeito à apreciação e deliberação da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal do Seixal, sublinhando-se o propósito de que um tão importante instrumento regulador do funcionamento e da qualidade dos serviços não condicione negativamente a sua evolução e desenvolvimento futuros. Na perspectiva da RPM, de acordo com a transição para o enquadramento previsto na Lei-Quadro dos Museus Portugueses, a definição de objectivos associados a boas práticas, à qualidade enquanto serviço público e ao desenvolvimento e renovação do projecto museológico municipal tendo por referência o território concelhio do Seixal são também vistos como um possível contributo para o objectivo global consagrado no Despacho Normativo n.º 3/2006 (de 25 de Janeiro, regulador da credenciação de museus portugueses) de reforçar a qualidade da salvaguarda e da fruição do património cultural na sua diversidade e riqueza. [Graça Filipe]

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* Legenda no fim do artigo (Desenho de Mafalda Nobre, Era-Arquelogia/EMS)

CONHECER

CONHECER «Como objecto de adorno apenas foi identificada uma fivela em cobre, com a forma de rectângulo de cantos arredondados (...)»

O espólio arqueológico da Rua 1.º de Dezembro (Seixal): metais, moedas e vidros Os leitores regulares deste Boletim recordarão, eventualmente, algum dos textos aqui publicados sobre os trabalhos arqueológicos realizados no local onde se ergueu a ermida de N.ª Sr.ª da Conceição, no Seixal, bem como os que trataram os estudos subsequentes. Com acompanhamento e apoio do Serviço de Arqueologia do Ecomuseu Municipal, os referidos trabalhos ocorreram em 1999, sob responsabilidade da arqueóloga Mulize Ferreira, da empresa ERA-Arqueologia, contratada pela Autarquia para esse efeito. Daí resultou a identificação de vestígios estruturais da ermida e de algumas outras construções de cariz residencial, bem como de 18 sepulturas que conservavam os restos de mais de duzentos homens, mulheres e crianças, sepultados neste espaço entre os séculos XVII e XIX. Uma síntese dos trabalhos de 1999 pode ser lida no Ecomuseu Informação de Abril/Maio/Junho de 2000, enquanto que o referido espólio ósseo deu origem a outro texto no n.º 32 deste mesmo periódico, de Julho/Agosto/Setembro de 2004, após estudo antropológico também adjudicado a uma equipa externa, mais concretamente do Departamento de Antropologia da Universidade de Coimbra e da empresa Bioanthropos, coordenada pela antropóloga Eugénia Cunha. Contudo, aqui como na maioria das intervenções desta natureza, o potencial científico do sítio justificava que ao trabalho de campo e à análise antropológica e paleodemográfica fosse dada continuidade com a investigação sistemática do restante espólio exumado, de modo a permitir uma mais correcta integração cronológico-cultural. Com esse objectivo e com o co-financiamento da Rede Portuguesa de Museus, voltaram a ser assegurados os serviços da ERA-Arqueologia, agora sob a responsabilidade das arqueólogas Marina Pinto e Iola Filipe, desencadeando-se um programa faseado que incidiu sequencialmente sobre as cerâmicas, os artefactos metálicos, os numismas e os objectos em vidro. Para conclusão deste programa e elaboração de uma síntese final, que se prevê venha a ser divulgada no contexto do plano editorial do Ecomuseu, restam agora apenas os artefactos em osso e outros pequenos conjuntos. A metodologia de abordagem das cerâmicas e uma apresentação muito sintética das formas, tipos de fabrico e técnicas decorativas identificadas em faianças, porcelanas, azulejos e noutras cerâmicas vidradas e não vidradas foi também divulgada muito recentemente no Ecomuseu Informação (n.º 38, de Janeiro/Fevereiro/Março de 2006). Chega agora a vez de tratar os outros conjuntos de materiais já estudados, tendo de novo por base os relatórios de progresso que entretanto têm vindo a ser produzidos pela ERA-Arqueologia. Começando pelos metais, constatou-se imediatamente que a sua descrição

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12 ECOMUSEU INFORMAÇÃO . n.º 39 ABR.MAI.JUN. 2006 CONHECER e classificação estava prejudicada pelo mau estado de conservação de boa parte dos exemplares, envoltos em grandes massas de produtos de corrosão. Ainda assim, foi possível efectuar uma primeira triagem de grupos funcionais para posterior abordagem individualizada, nomeadamente alfinetes, botões, colchetes, pregos, tachas e objectos de adorno, diversos ou indeterminados. Estes materiais surgem, na sua maioria, em unidades estratigráficas datadas de meados do séc. XVIII a meados do séc. XIX (70 %, 61 %, 75 %, 51 % e 76 %, respectivamente, para os cinco primeiros grupos), nalguns casos com um número razoável de ocorrências mais recentes, em contextos dos anos 1940. Botão em cobre, com 22 mm de diâmetro e elemento de preensão do tipo alpha, datável da segunda metade do séc. XVIII à primeira do séc. XIX. Rua 1.º de Dezembro, UE 304, Achado 357, Desenho de Mafalda Nobre, ERA-Arqueologia/EMS.

O grupo dos botões foi o que permitiu avançar mais na descrição, classificação e análise comparativa, justificando a individualização de dez grupos formais (alguns com subgrupos e variantes), atendendo a descritores como o elemento de preensão, o diâmetro, a decoração, a matéria-prima utilizada ou a cronologia de fabrico. São 104 exemplares, de diâmetros oscilando entre os 9 e os 28 mm, na sua esmagadora maioria em cobre, com raras ocorrências em ferro e em osso. Formalmente, cerca de metade (49 %) integra-se no Grupo I, correspondente a formas circulares e planas, de diâmetro entre os 12 e os 19,5 mm, com pé em argola, apresentando decoração e anverso forrado com tecido ou não. Já quanto aos alfinetes em cobre, foi possível classificar 63 exemplares em três grupos, em função do comprimento e do diâmetro da haste, constatando-se que em quase três quartos (71 %) estas dimensões osciAlfinete em cobre com lam entre 25-35 mm e 1-1,5 mm, respectivamente. As cabeças são esféricas, de 2 a 2,5 mm de diâmetro. cabeça esférica e comRegiste-se ainda que foram contabilizados 434 outros primento total de cerca de 58 mm. Os dados de campo pequenos fragmentos, não classificáveis pela sua apontam para que tenha reduzida dimensão ou estado de conservação. Um terceiro conjunto estudado foi o dos 28 colchetes uma cronologia posterior a 1833. Rua 1.º de Dezembro, em cobre, subdivididos em três grupos, segundo o UE 106, Achado 1095, comprimento total do macho e da fêmea: 57% integram-se no grupo I, de comprimento igual ou superior Desenho de Mafalda Nobre, ERA-Arqueologia/EMS. a 18,5 mm no macho e 16 mm na fêmea; 29% no grupo II, de comprimento entre 12 e 17 mm no macho e menor que 13 mm na fêmea; 14% no grupo III, de comprimento igual ou inferior a 12 mm no macho. Por vezes, ainda apresentam vestígios do tecido com que foram forrados. Como objecto de adorno apenas foi identificada uma fivela em cobre, com a forma de rectângulo de cantos arredondados e uma estrutura central de apoio a três fusilhões. Tem dimensões máximas de 51 x 32,5 mm e também apresenta vestígios de forro com tecido no aro. Um conjunto muito significativo, em termos quantitativos, é o dos pregos em ferro (há apenas duas excepções, onde o material utilizado foi o cobre), onde se contabilizaram 449 fragmentos de difícil classificação, dada a reduzida dimensão e estado de conservação. No entanto, para além destes, 164 exemplares permitiram a individualização segundo seis grupos formais, o mais representativo dos quais (49 %) corresponde a pregos com cabeça de diâmetro entre 10 e 20 mm e haste com espessura entre 0,5 e 15 mm. O facto desta estar quase sempre incompleta e muito concrecionada impede outras considerações. As tachas em cobre têm o mesmo tipo de limitações, embora tenha ainda sido possível estabelecer três grupos formais entre os 49 exemplares estudados. O que está melhor representado (84 %) integra tachas de cabeça aplanada e circular, de diâmetro igual ou inferior a 10 mm, e haste de secção quadrangular e comprimento até 15 mm. Registaram-se ainda 19 objectos diversos (lâminas de faca, dedais, elos de corrente, etc.), maioritariamente em cobre mas com alguns exemplares em ferro, e, por fim, algumas centenas de fragmentos informes (518 em ferro e 94 em cobre).

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CONHECER

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No que respeita aos numismas, o estudo realizado pela ERA-Arqueologia incidiu sobre 15 moedas, seis das quais consideradas ilegíveis atendendo ao presente estado de conservação (infelizmente, incluem-se aqui os dois únicos exemplares associados aos depósitos de enchimento das sepulturas). Cinco das restantes resultam da utilização do espaço em pleno século XX, correspondendo a escudos ou centavos de 1917 a 1987, enquanto que três outras datam de finais do séc. XIX (5 réis de 1882 e dez réis de 1884, ambas cunhadas no reinado de D. Luís I, e 20 réis de 1891, quando reinava D. Carlos I). Há apenas um caso mais antigo, que vem corroborar o faseamento cronológico atribuído à estratigrafia detectada no terreno, pois trata-se de uma moeda de três reais de D. João III (1521-1557). Prego em ferro, com haste de secção aproximadamente quadrangular e cerca de 190 mm de comprimento total. Os dados de campo apontam para que tenha uma cronologia entre o séc. XVI e a primeira metade do séc. XVIII. Rua 1.º de Dezembro, UE 192, Achado 141, Desenho de Mafalda Nobre, ERA-Arqueologia/EMS.

Anverso e reverso de três reais de D. João III (1521-1557), com leitura algo dificultada pelo mau estado de conservação. Rua 1.º de Dezembro, UE 108, Achado 34, Desenho de Mafalda Nobre, ERA-Arqueologia/EMS.

Frasco de fundo quadrangular, completo, com cerca de 60 x 22 mm, em vidro transparente de cor esverdeada. Poderá ter servido de tinteiro ou para uso cosmético ou farmacêutico, em período indeterminado entre os séculos XVII e XX. Rua 1.º de Dezembro, UE 10, Peça H, Desenho de Mafalda Nobre, ERA-Arqueologia/EMS.

Por último, o estudo do espólio vítreo também foi condicionado pela sua relativa escassez e pela pequena dimensão da maioria dos fragmentos, que dificultou a atribuição formal. Ainda assim, identificaram-se 318 fragmentos de vidraça e de bordos, panças ou fundos de garrafas, taças e copos, frascos ou, ainda, de tampas, aplicações decorativas, etc., que viriam a ser tratados essencialmente do ponto de vista de algumas das suas características físicas (cor, opacidade e decoração). Nesse âmbito, verificou-se o predomínio das variedades transparentes incolores ou esverdeadas (dos tons claros da vidraça ao verde-garrafa mais escuro), com decorações em alto e baixorelevo, representando motivos geométricos ou, raramente, vegetalistas. Os espécimes mais interessantes de todos estes conjuntos foram registados em fotografia e desenho, ajustando-se a cronologia que a partir deles pode ser inferida à proposta de interpretação crono-estratigráfica resultante dos dados de campo. [Jorge Raposo]

* Ilustração de página 10: Fivela em cobre, com aro em forma de rectângulo de cantos arredondados e estrutura central de suporte a três fusilhões (apenas dois preservados). Dimensões máximas de 51 x 32,5 x 0,5 mm. Apresenta vestígios de tecido no anverso, sobre o aro. Rua 1.º de Dezembro, UE 312, Achado 275, Desenho de Mafalda Nobre, ERA-Arqueologia/EMS.

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José Francisco Lopes trabalhando no seu estaleiro no Gaio do Rosário, Moita. © EMS/CDI – João Martins, 1998.

14 ECOMUSEU INFORMAÇÃO . n.º 40 JUL.AGO.SET. 2006 MEMÓRIAS E QUOTIDIANOS

Memórias e Quotidianos «(…) existiu uma forte tradição da técnica de construção naval que era transmitida, (...) em geral, de pais para filhos.»

A herança da construção naval: famílias e estaleiros nos concelhos do Seixal e da Moita Na margem Sul do estuário do Tejo existiram inúmeros estaleiros de construção naval em madeira que desenvolveram, sobretudo a partir do início do século XX, uma actividade relevante na construção mas principalmente na reparação de embarcações tradicionais do rio Tejo, destinadas à pesca e ao tráfego local. As embarcações dos tipos das fragatas e dos varinos de maior tonelagem terão sido, segundo informações da recolha oral, essencialmente construídas no distrito de Aveiro de onde eram oriundos muitos carpinteiros de machado e calafates que trabalharam e/ou foram proprietários de estaleiros no estuário do Tejo. Não obstante a forte presença e a significativa capacidade empreendedora por parte destes trabalhadores, maioritariamente oriundos de Pardilhó, no concelho de Estarreja, existiram vários mestres construtores navais oriundos das localidades ribeirinhas do estuário do Tejo que instalaram os seus estaleiros na região, tornando-se referências nesta área de actividade, quer pelo volume de trabalho, quer pelo “estilo” e qualidade das suas embarcações. A partir de uma análise dos estaleiros de construção naval da região, podemos verificar uma forte tendência para a constituição de empreendimentos familiares envolvendo uma parte significativa dos homens da família, visto a construção naval ter sido e continuar a ser esmagadoramente uma actividade masculina. «(…) eu não optei, o meu pai é que quis que eu fosse carpinteiro de machado que a minha família, a maioria, era tudo carpinteiros de machado. O meu tio Gil, o meu tio Cipriano, o meu tio António, era tudo carpinteiros de machado. Até os meus primos, do Alfredo “Paulos” [Alfredo dos Reis Silveira], era tudo carpinteiros de machado por isso é que eu tive que optar por carpinteiro de machado» Arnaldo Cunha – Carpinteiro naval. Natural do Seixal, entrevistado em 1988 com 70 anos de idade. Ao abordarmos alguns exemplos de famílias, proprietárias de estaleiros de construção naval no estuário do Tejo, veremos como existiu uma forte tradição da técnica de construção naval que era transmitida, de geração para geração, através de familiares, em geral, de pais para filhos. Importa referir que os casos que apresentamos no presente artigo não esgotam obviamente todas as famílias que se dedicaram a esta actividade sendo que a sua selecção deriva do facto de sobre elas possuirmos um maior volume de informações, quer documentais, quer provenientes da recolha oral. Deste modo, no que se refere ao concelho do Seixal faremos referência às famílias Anjos, Reis Silveira, Policarpo Alves Ferreira, Venâncio e Valente, e no que se refere ao concelho da Moita, às famílias Lopes e Costa. José dos Anjos instalou o seu estaleiro na vila do Seixal ainda no século XIX, tendo

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MEMÓRIAS E QUOTIDIANOS

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o seu filho, José dos Anjos Júnior, dado continuidade à sua actividade no século seguinte. Os testemunhos de diversos interlocutores dão-nos conta das suas qualidades de construtor naval reveladas sobretudo ao nível do desenho de embarcações. Foi considerado por muitos profissionais da área como um artista e ainda como um dos melhores mestres naturais do Seixal. A sua actividade foi continuada pelo seu filho Mário dos Anjos. Outro mestre oriundo do Seixal, reconhecido pelo seu trabalho, foi Alfredo dos Reis Silveira, conhecido como Alfredo “Paulos”, nascido a 6 de Janeiro de 1871. O seu estaleiro, na vila do Seixal, foi possivelmente um dos mais produtivos do concelho, ao nível da construção de embarcações. Apesar de ser construtor naval de profissão, Alfredo dos Reis Silveira é por muitos lembrado pelos cargos políticos que ocupou e pela defesa dos ideais republicanos. Faleceu no dia 8 de Novembro de 1935 deixando onze filhos, alguns dos quais também se dedicaram à actividade da construção naval, destacando-se Manuel Silveira, carpinteiro naval, conhecido como o “Pêssego” e que substituiu o pai como responsável pelo estaleiro. No início do século XX assistiu-se à instalação de uma quantidade significativa de estaleiros no Seixal, destacando-se o ano de 1904, durante o qual foram apresentados à Câmara Municipal do Seixal requerimentos por parte de vários construtores, entre os quais José Policarpo Alves Ferreira, natural do Seixal, que viria a instalar-se nos terrenos em frente à fábrica corticeira Mundet. Terá sido provavelmente esta proximidade que fez com que a partir da década de 30, altura em que a Mundet constituiu a sua própria frota de embarcações, fosse este o estaleiro, entretanto sob o comando de António Policarpo Alves Ferreira, o responsável pela respectiva manutenção.

Alfredo dos Reis Silveira e sua família. Cedência de José Paulo Silveira Gonçalves.

«(…) somos naturais do Seixal aí há quatro gerações, talvez, já o meu avô também era, José Policarpo também era cá do Seixal. O estaleiro, não tenho bem a certeza, não sei se começou pelo meu avô se começou pelo meu bisavô, tenho a impressão que foi pelo meu bisavô» Carlos Policarpo Alves Ferreira – Filho de António Policarpo Alves Ferreira. Natural do Seixal. Entrevistado em 2004, com 67 anos de idade. A partir da década de 30, intensificou-se a instalação de estaleiros noutras freguesias do concelho, nomeadamente, em Amora, entre os quais destacamos o estaleiro de Álvaro Lopes Venâncio, natural de Pardilhó. Desde cedo envolveu na actividade os seus três filhos: Joaquim, Sidónio e Maria Luísa Venâncio, esta última dedicada à gestão administrativa. Ao longo de mais de setenta anos de actividade, o estaleiro inicial transformou-se, expandiu-se noutras instalações e evoluiu como Venamar. Recentemente, com a constituição da empresa Tagus Yacht Center por parte dos netos do fundador, assistimos ao envolvimento da terceira geração da família Venâncio na actividade da reparação naval. [v. Ecomuseu Informação nº27, de 2003, pp.12-13]. Na década de 50, estabeleceram-se no concelho vários estaleiros vindos de Mutela, forçados a cessar a sua actividade naquele local devido à construção da estrada de Cacilhas ao Alfeite no âmbito da instalação da Lisnave. Foi o caso de Joaquim Maria da Silva Valente, natural de Pardilhó, que se instalou no Talaminho, dando origem a um negócio de família que se manteve durante três gerações sob

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16 ECOMUSEU INFORMAÇÃO . n.º 40 JUL.AGO.SET. 2006 MEMÓRIAS E QUOTIDIANOS a responsabilidade do seu filho Dionísio da Silva Valente e, posteriormente, do seu neto: Jorge Dionísio Matos Valente. No que se refere ao concelho da Moita, referiremos dois estaleiros que desempenharam um papel crucial no processo de recuperação e manutenção de embarcações tradicionais despoletado na década de 80, sobretudo pelo facto de, no contexto do estuário do Tejo, se terem mantido a funcionar até mais tarde e totalmente vocacionados para a construção naval em madeira. Francisco Lopes, natural do Rosário, fundou o estaleiro do Gaio no final da década de 20. Para além das suas capacidades como carpinteiro naval, notabilizou-se pelas suas pinturas tradicionais, aliás, é a ele que se atribuiu (juntamente com Manuel Fernandes Reimão, conhecido como o “Canário”) o desenvolvimento da pintura tradicional de embarcações característica da margem Sul do estuário do Tejo. Transmitiu os seus conhecimentos ao seu filho José Francisco Lopes, também natural do Rosário, onde nasceu no dia 3 de Agosto de 1920 tendo iniciado a aprendizagem do ofício de carpinteiro de machado aos 13 anos de idade. Herdou do pai o gosto pela pintura tradicional de embarcações e, anos mais tarde, ficou responsável pelo estaleiro que se distinguiu por uma intensa actividade, sobretudo na área da reparação, mas também na construção de pequenas embarcações. No entanto, pode-se considerar que a pintura contribuiu para uma maior notoriedade do estaleiro e do próprio mestre José Lopes, dada a sua criatividade e o desenvolvimento e aperfeiçoamento que operou nesta área. José Francisco Lopes foi o responsável pela recuperação de algumas embarcações tradicionais adquiridas por autarquias do estuário do Tejo, tendo sido também o autor das pinturas decorativas das mesmas. Actualmente, o estaleiro já não se encontra em actividade, não tendo José Lopes um sucessor que assegure o seu funcionamento. «(…) o meu pai além da construção, além de carpinteiro também fazia o mesmo, também pintava, foi com ele que eu comecei, eu e também tinha um irmão meu (…) quando tinha à volta de uns trinta e poucos anos fui eu que tive que me agarrar a isto a sério porque já tinha conhecimentos suficientes para comandar aqui trinta e tal operários que trabalharam (…) eu é que era o responsável por tudo, embora isto funcionasse em nome dele ainda mas eu é que era o responsável já por tudo aquilo (…)». José Francisco Lopes – Carpinteiro naval e pintor. Natural do Rosário (Moita). Entrevistado em 2004, com 83 anos de idade.

Jaime Ferreira da Costa (à esquerda) e o seu filho Jaime Manuel Costa (à direita) no estaleiro em Sarilhos Pequenos. ©EMS/CDI, João Martins, 1997.

Finalmente, referimos o estaleiro fundado por Jaime Ferreira da Costa, em Sarilhos Pequenos, na década de 50. Descendente de uma família proprietária de um estaleiro de construção naval em Pardilhó, encontrou num dos seus filhos o sucessor que, apesar de muitas vicissitudes, garante a continuidade da sua actividade. Trata-se de Jaime Manuel Carromeu Costa, nascido na Moita no dia 23 de Junho de 1953, tendo começado a sua aprendizagem no estaleiro do pai aos 11 anos de idade. É actualmente o responsável pelo estaleiro a funcionar naquele local, o único na margem Sul do estuário do Tejo que subsiste principalmente vocacionado para a construção naval em madeira. Assegura, desse modo, a manutenção da maioria das embarcações tradicionais do Tejo, entre as quais, as das autarquias do Estuário. Da sua equipa de trabalhadores, faz parte o neto do fundador, Ricardo Costa, possivelmente antevendo a continuidade da tradição familiar. [Elisabete Curtinhal]

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PATRIMÓNIO CULTURAL DO CONCELHO DO SEIXAL «(...) as escolas construídas no âmbito do Plano dos Centenários permanecem como uma imagem reconhecível de uma época (...)»

Cata-vento da Escola Básica do 1.º Ciclo de Corroios, um dos elementos decorativos das escolas de modelo regional. ©EMS/CDI, Carlos Carrasco, 2004

PATRIMÓNIO CULTURAL DO cONCELHO DO SEIXAL

Escolas primárias que marcaram o tempo e o espaço (2) As escolas do Plano dos Centenários No Ecomuseu Informação n.º 34, fizemos uma primeira abordagem às escolas primárias do Concelho, tendo prometido voltar a falar das escolas do Plano dos Centenários. Como então dissemos, esta denominação resultou de um aproveitamento da comemoração dos centenários da Fundação de Portugal e da Restauração da Independência, em 1939-40, pois as escolas não constavam do plano de obras públicas dessas comemorações e a designação oficial só apareceu adoptada pela primeira vez no ano de 1941. Na chamada Era do Engrandecimento (década de 30 do século XX), com a dinamização do plano de obras públicas pelo ministro Duarte Pacheco, havia a intenção de construir escolas primárias em série, com projectos regionais de Raul Lino e de Rogério de Azevedo, datados de 1935. A frequência do ensino primário pouco excederia um terço das crianças em idade escolar. O ministro da Instrução Pública, António C. Pacheco, em 1936, propunha--se “dirigir a ofensiva do Estado Novo pela educação nacional”, em que o ensino primário deveria ter a função de “um ideal prático e cristão de ensinar bem a ler, escrever e contar e de exercer as virtudes morais e um vivo amor a Portugal”. Mas só em 1941 foram apresentados os critérios de formulação do plano da rede escolar, o Plano dos Centenários, “um notável serviço que o Estado Novo levará a cabo, apesar dos sacrifícios que irá exigir”. O Plano, que também definia as Bases Pedagógicas, fixava o número, a localização e a tipologia das escolas a construir, sendo intenção iniciar rapidamente os trabalhos para as primeiras duzentas. Foram dadas instruções para a abertura do respectivo concurso público, mas a passagem à fase de execução foi lenta, para o que a II Guerra Mundial também contribuiria, fazendo rarear os materiais de construção, as ferramentas e os combustíveis necessários ao fornecimento dos materiais, e agravando os custos. Enquanto se acertavam pormenores das localizações, foi proposta a revisão dos projectos arquitectónicos de 1935, simplificando-os, adaptando-os melhor às exigências funcionais e reduzindo custos, sem se abandonar o princípio dos projectos regionalizados e a imagem identitária com que se pretendia que fossem reconhecidos. Na área da Direcção dos Edifícios de Lisboa foram aprovados projectos do Arq. Eduardo Moreira dos Santos para três edifícios- tipo, incluindo o Estremadura, modelo das primeiras escolas do Seixal. Em 1942 foi editado o Mapa Definitivo das Obras de Escolas Primárias: Plano dos Centenários, em 1943 começou a funcionar a Delegação para as Obras de Construção de Escolas Primárias (DOCEP), e só em 1944-45 se deu início à I

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18 ECOMUSEU INFORMAÇÃO . n.º 40 JUL.AGO.SET. 2006 PATRIMÓNIO CULTURAL DO CONCELHO DO SEIXAL Fase do Plano dos Centenários. Às câmaras pertencia comparticipar, com a possibilidade de aproveitamento de auxílios locais, com 50% do custo das obras, valor entretanto adiantado pelo Estado. Para o concelho do Seixal, nos 10 anos que o Plano levaria a executar, estavam previstos 10 edifícios escolares, com um total de 19 salas, mas só na IV fase do Plano se encontra incluída a primeira escola do Concelho (actual Jardim de Infância n.º 1), um edifício escolar de uma sala mista em Fernão Ferro, “povoação constituída por casais dispersos”. A aprovação da sua construção foi dada em 1947 e a inauguração ocorreu em 1951.

Portal da Escola de Fernão Ferro ©EMS/CDI, Carlos Carrasco, 2004

Também em 1947 foi aprovada a construção da escola de Corroios, que viria a ser adiada a favor da escola da Torre da Marinha (actual E.B. 1.º Ciclo), inicialmente não indicada como sendo das mais urgentes. Mas, em Novembro de 1948, através de uma carta, dois habitantes do “pequenino lugar, muito infeliz” por falta de uma escola “ampla e apropriada”, deram a conhecer ao presidente do Conselho de Ministros as condições em que as crianças do lugar frequentavam a escola – 15 carteiras duplas para 60 alunos – e logo em Janeiro de 1949, a Câmara solicitava a construção do edifício de duas salas da Torre da Marinha (concluído em 1955), por troca com o de Corroios, adiado até 1961.

A terceira escola foi a de Amora (actual E.B. 1.º Ciclo de Amora), incluída na VI Fase, com projecto aprovado em 1956 e concluído em 1958, com 3 salas para alunos do sexo masculino. No final dos anos 50 e na década de 60 do século XX, o Seixal registou um grande crescimento demográfico e surgiram projectos de urbanização, associados ao desenvolvimento industrial, nomeadamente à instalação da Siderurgia Nacional, e à construção da ponte sobre o Tejo. Em 1958, o empreiteiro responsável pela construção da escola de Amora solicitava a prorrogação do prazo “pelo facto de não ter conseguido operários suficientes, especializados em acabamentos (serviço de limpos), em virtude do grande incremento que as obras têm tomado nesta região”. Revelava-se necessário construir mais escolas do que as inicialmente previstas e aumentar o número de salas, incluindo a ampliação dos edifícios das escolas de Amora e Torre da Marinha. Um ofício da DOCEP, de Dezembro de 1960, informava que apenas estavam concluídos 3 edifícios escolares (6 salas), e que o atraso se devia “a mais não terem sido considerados na programação anual de obras”. Acrescentava que a extensão do Plano dos Centenários previa a construção de 14 edifícios, com um total de 37 salas, incluindo-se no programa em curso as escolas de Corroios (4 salas), Arrentela (4), Vale de Milhaços (1), Correr d’Água (2), Seixal (6), Paio Pires (8) e Casal do Marco (4). No despacho a esta informação, o Ministério das Obras Públicas respondia “Acelere-se no que dependa da diligência do MOP.” Em 1961, o Governo comprometia-se a executar “no menor prazo possível” uma nova rede de construções escolares, em substituição “da parte ainda por executar do Plano dos Centenários”. A prossecução deste objectivo obrigava a uma economia de meios que sacrificava aspectos da arquitectura dos edifícios. O edifício da escola de Corroios (actual EB 1.º Ciclo) ainda é do tipo Estremadura, mas os que se construíram posteriormente já se integram num dos dois projec-

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tos tipo aprovados em 1961, como os novos modelos: o Tipo Urbano e o Tipo Rural. O primeiro destinava-se às vilas ou às localidades com um certo desenvolvimento económico, o segundo serviria as localidades rurais e pouco evoluídas. Estes modelos, em estudo desde 1955, eram da responsabilidade do Arq. Fernando Peres. Mantendo a simetria da fachada, ritmada pelos 3 janelões por sala (de preferência voltada a nascente ou a sul), perdem algumas das características tradicionalistas que marcavam o chamado “estilo português suave”: são reduzidos ou eliminados os elementos considerados dispensáveis, deixando os portais de terminar em arco de volta inteira e de ser rematados pelo escudo com as armas nacionais em alto-relevo, e passando o telhado, de beirado sobre cornija, a ter duas águas em vez de quatro. Normalizaram-se os elementos construtivos, com uniformização das suas dimensões; adelgaçaram-se as paredes, reduziu-se a qualidade dos materiais cerâmicos, substituiu-se a madeira de cedro por pinho e acabamentos de cantaria por remates em cimento. Os elementos de betão começaram a ganhar lugar. Tudo isto contribuiria para encontrar mais facilmente os materiais em questão, requeria mão-de-obra menos especializada, encurtava o prazo de execução das obras e baixava os custos.

Fachada principal da Escola Básica 1.º Ciclo de Amora, modelo Estremadura © EMS/CDI, Carlos Carrasco, 2004

No interior mantinham-se os espaços das salas de aula, um vestíbulo de onde se podia desenvolver uma escada de acesso ao 1.º andar, um recreio coberto com alpendre, compartimentos sanitários e uma pequena arrecadação, garantindo-se a separação dos alunos por sexo (excepção nas escolas de uma só sala).

As escolas de Arrentela (EB 1.º Ciclo), com 4 salas, e Paio Pires (EB 1.º Ciclo), com 8 salas, de 1963-64, já se enquadram no modelo Urbano. A escola de Vale de Milhaços, que servia a população do bairro da fábrica da Sociedade Africana da Pólvora, com uma única sala, concluída em 1962, era modelo Rural.

Escola Básica do 1.º Ciclo de Arrentela, tipo Urbano. ©EMS/CDI, Carlos Carrasco, 2004

A actual EB 1.º Ciclo/ /JI do Bairro Novo do Seixal encerrou o ciclo de construção das escolas do Plano dos Centenários no concelho. Como já dissemos, só foi terminada em 1970, com 8 salas, quando já se iniciava um novo plano de construções, com localização alterada, por “dificuldades de vulto na obtenção do lote aprovado”.

Mesmo já tendo sofrido várias intervenções, as escolas construídas no âmbito do Plano dos Centenários permanecem como uma imagem reconhecível de uma época em que, mesmo com os preconceitos e dúvidas suscitadas por alguma elite dirigente, o ensino primário passou a abranger quase toda a população em idade escolar. [Carlos Carrasco]

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