2008
˙n.º 46˙JANEIRO.FEVEREIRO.MARÇO Boletim trimestral do Ecomuseu Municipal do Seixal
ecomuseu informação
Oficina de colagem de papel da Mundet & C.ª Lda., década de 1960 © EMS/CDI-Júlio Pereira Dinis
Programa de Iniciativas de Serviço Educativo: participe nas actividades deste trimestre Consulte as páginas 6, 7 E 8 e inscreva-se através da ficha em anexo, preenchendo-a e enviando-a ao EMS ou consulte a página de Serviço Educativo em www.cm-seixal.pt/ecomuseu e inscreva-se pela Internet
VISITE O NÚCLEO DA MUNDET DO EMS Em 2008, continuaremos a contar com os nossos Amigos e Doadores na preservação do património natural e cultural, contribuindo para a valorização da
Nova EXPOSIÇÃO temporária
Cortiça ao milímetro A partir de 23 de Fevereiro
diversidade cultural e para o diálogo entre culturas.
˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙n.º 46˙JAN.FEV.MAR
2008
ÍNDICE 2
9˙10˙11
15˙16˙17
EDITORIAL
EM FOCO
Digitalização e inventário de património: preparando um novo ciclo de comunicação e divulgação do Ecomuseu
CARTA DO PATRIMÓNIO DO CONCELHO DO SEIXAL
3˙4˙5
Sistema de informação do EMS e preservação do património cultural e museológico: Projecto Inventário museológico e digitalização de colecções fotográficas e divulgação de acervo (móvel e imóvel) no âmbito do POC
exposições
. Graça Filipe
20
6˙7˙8
12˙13˙14
Núcleos e serviços do EMS
Programa de Iniciativas dE Serviço Educativo
Conhecer
. Graça Filipe
O sítio industrial da Mundet (Seixal) . Fátima Afonso 18˙19
agenda
Colorindo o estuário do Tejo: a pintura das embarcações tradicionais como património cultural . Elisabete Curtinhal
EDITORIAL Digitalização e inventário de património: preparando um novo ciclo de comunicação e divulgação do Ecomuseu A diversidade - respeitante a conteúdos e programação, a participantes e a destinatários - assim como a quantidade de iniciativas e de actividades do EMS calendarizadas neste primeiro trimestre de 2008 são expressão de uma planificação anual exigente e de compromisso com os nossos utilizadores, públicos e parceiros, no quadro da nossa missão. Realçamos uma vertente de trabalho que já em 2007 foi marcante no EMS, conectada com a preparação de um novo ciclo de programação da comunicação, quer expositiva, quer de divulgação baseada na Internet e nos recursos informáticos. Trata-se do inventário e digitalização de património imóvel e móvel, a que associamos o património imaterial. Esta vertente contará em 2008 com os recursos humanos e a dotação financeira atribuídos pela CMS, estando englobada no sistema de informação do EMS. Na área da comunicação, apresentar-se-á no Núcleo da Mundet a exposição temporária Cortiça ao milímetro, a abrir ao público a 23 de Fevereiro de 2008, iniciando-se simultaneamente um ciclo de iniciativas de Serviço Educativo dirigidas, como habitualmente, a diversificados públicos-alvo, a que pretendemos vir a juntar actividades com parceiros do mundo industrial corticeiro. Embora não dispondo ainda de dados para anunciar a data da sua abertura ao público, cabe referir a finalização da empreitada de qualificação interior e de arranjos exteriores do Moinho de Maré de Corroios, obra em que foi necessário incluir também uma significativa intervenção de reforço estrutural e conservação do imóvel. Além do novo projecto expositivo de longa duração para este núcleo do EMS, incluem-se em 2008 outros trabalhos necessários à sua valorização, nomeadamente destinados a assegurar o funcionamento do sistema
de moagem tradicional, pela utilização da energia das marés. A par deste foco essencial das nossas actividades, regozijamo-nos pelo desenvolvimento das parcerias encetadas no contexto do projecto Moinhos de Maré do Ocidente Europeu (financiado pela Comissão Europeia em 2004 e 2005). A ininterrupta itinerância da exposição com a mesma temática, desde Outubro de 2005 e já garantida até final de 2008, aí está como um interessante exemplo da rentabilização de recursos e da sustentabilidade de projectos ligando instituições e contextos culturais diversos, nacionais e estrangeiros, com um interesse patrimonial comum. Ao EMS, incumbe contribuir para a valorização do património natural e cultural do Concelho, desenvolvendo para tal a interacção com as comunidades e procurando consolidar e alargar o seu universo de públicos e utilizadores. A missão do EMS passa por interpretar e facilitar a compreensão da sociedade, do território e do meio, numa perspectiva holística e universal, aplicando as ferramentas museológicas e de gestão patrimonial. A investigação, a preservação e a comunicação do património, material e imaterial, particularmente do que é seu acervo, são portanto as funções que o Ecomuseu precisa desenvolver e que se apontam nos objectivos do seu funcionamento quotidiano. A cooperação promovida através do EMS e a sua participação em projectos com parceiros nacionais e estrangeiros, sem dúvida faz parte da missão que todos os museus têm, de explorar e compreender o mundo contemporâneo, contribuindo para o diálogo entre culturas e para a valorização da diversidade cultural.
Graça Filipe
˙
2008
JAN.FEV.MAR n.º 46
EXPOSIÇÕES
˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙
Para mais informações sobre Exposições e Notícias, consulte o site www.cm-seixal/ecomuseu
Núcleo da MUNDET do EMS
Edifício das Caldeiras Babcock & Wilcox © EMS/CDI, António Silva, 2006
Exposição temporária Edifício das Caldeiras Babcock & Wilcox A partir de 23 de Fevereiro
Cortiça ao milímetro Com base no acervo incorporado e estudado pelo Ecomuseu Municipal, proveniente da Mundet (Seixal), contando com a imprescindível participação de antigos trabalhadores da fábrica, apresenta-se uma das suas especialidades de referência, cujo prestígio ainda se reflecte na indústria corticeira actual – o papel de cortiça da Mundet (1915-1988). O papel de cortiça para filtros de cigarros justificou a instalação da oficina de produção da especialidade na fábrica corticeira Mundet (Seixal), em 1915. As vendas de papel de cortiça começaram nesse mesmo ano, sendo o primeiro destinatário a L. Mundet & Son, Inc. (de Nova Iorque). Posteriormente, os mercados alargaram-se a clientes de vários continentes e países, incluindo Portugal. Permanecendo na mesma zona da fábrica desde a
Exposição de longa duração
Quem diz cortiça diz Mundet, quem diz Mundet diz cortiça Edifício das Caldeiras Babcock & Wilcox – A produção de vapor para a fábrica São conservados e apresentados os equipamentos ligados à produção da energia tér-
sua origem até ao encerramento, a oficina do papel laborou até1988, e com ela muitas centenas de trabalhadores, na sua maioria mulheres, geração após geração, diversificando-se a aplicação das folhas de cortiça com espessura de fracção milimétrica, mas sem que sofressem grandes modificações o processo de produção e a maquinaria utilizada.
mica, fundamental quer para o cozimento da cortiça, quer para operações subsequentes da sua transformação, no espaço onde se produzia e a partir do qual era distribuído todo o vapor que alimentava as caldeiras e estufas da fábrica (e ainda equipamentos de apoio aos trabalhadores, como as estufas dos Refeitórios).
˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙n.º 46˙JAN.FEV.MAR
2008
Secção da prancha de cortiça da Mundet (Seixal), c. 1930. Fundo Documental Mundet/EMS
Exposição de longa duração
Quem diz cortiça diz Mundet, quem diz Mundet diz cortiça Edifício das Caldeiras de Cozer Cortiça – A cortiça na fábrica: a preparação Fazendo parte da antiga secção de prancha da Mundet, o espaço e os equipamentos agora
interpretados e museografados constituíam uma das oficinas equipadas e destinadas a cozer cortiça – outrora as Caldeiras dos Moços. A partir do património industrial actualmente ali conservado, são dados a conhecer os principais procedimentos de preparação industrial da cortiça, enquanto matéria-prima.
Núcleo NAVAL do EMS
© EMS/CDI
Exposição temporária de curta duração, sobre património marítimo do estuário do Tejo Oficina do Núcleo Naval
Vento Bota Fora Vento Bota Fora era uma expressão usada pelos marítimos do estuário do Tejo para de-
signar o vento que facilitava a saída das embarcações à vela para fora da baía do Seixal. Apropriamo-nos da mesma para, no âmbito desta mostra fotográfica, patente na Oficina do Núcleo Naval entre Outubro de 2007 e Março de 2008, fazer referência à actividade das embarcações do Ecomuseu que, partindo do Cais do Seixal, navegam no estuário do Tejo.
˙
2008
JAN.FEV.MAR n.º 46
˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙
Enxó, acervo do EMS. © EMS/CDI, António Silva, 2003
Exposição de longa duração
Barcos, memórias do Tejo Apresentando uma série de modelos construídos ao longo de vários anos pelo EMS – através dos seus artífices e da incorporação de participações de marítimos que trabalharam no Estuário – ilustram-se as principais tipologias de embarcações tradicionais, de cabotagem e de pesca.
Os recursos audiovisuais e multimédia dão a conhecer o património cultural do estuário do Tejo e procuram sensibilizar para a sua salvaguarda, convidando o visitante a percorrer outros lugares e a contactar directamente com eventos e testemunhos que fazem parte da cultura fluvial e marítima desta região, em particular das suas comunidades ribeirinhas.
EM CIRCULAÇÃO PELA EUROPA
Exposição itinerante
MOINHOS DE MARÉ DO OCIDENTE EUROPEU
tigiada Salle Capitulaire de la Cour Mably, onde será complementada com informações relativas aos Moinhos de Bacalan, outrora edificados nesta cidade francesa.
Encontrando-se em circulação há mais de dois anos, a exposição itinerante Moinhos de Maré do Ocidente Europeu, produzida pelo Ecomuseu Municipal do Seixal no âmbito de um projecto apoiado pelo Programa Cultura 2000 da Comissão Europeia, tem a agenda de 2008 praticamente preenchida. Durante o primeiro trimestre, poderá ser visitada, entre meados de Janeiro e 15 de Março, no município andaluz de Ayamonte (Espanha), assinalando a abertura ao público do emblemático Moinho de Maré del Pintao, que beneficiou de um processo de recuperação. Entre 23 de Fevereiro e 7 de Março, será apresentada em Bordéus (França), na pres-
Litografia da Fábrica de Moagem Bacalan © Biblioteca Municipal de Bordéus
Mais informações disponíveis sobre a exposição e o projecto que a enquadra no site www.moinhosdemare-europa.org.
2008
˙
JAN.FEV.MAR n.º 46
˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙
EM FOCO
Sistema de informação do EMS e preservação do património cultural e museológico: Projecto Inventário museológico e digitalização de colecções fotográficas e divulgação de acervo (móvel e imóvel) no âmbito do POC A gestão da informação toma um lugar primordial no funcionamento e na actividade do Ecomuseu Municipal do Seixal, reportando-se à sua missão e constituindo parte integrante do seu modelo de gestão integrada, enquanto sistema museal. O sistema de informação do EMS vem sendo programado e construído não só para integrar progressivamente o património cultural que os serviços investigam, inventariam e documentam, conservam, comunicam e divulgam, incorporado ou não como património museológico, mas também para processar toda a informação-recurso para o seu funcionamento interno e a informação-produto, para utilização tanto interna como externa, promovendo a interacção com os públicos e utilizadores e a qualificação do serviço público que lhes é proporcionado. O primeiro inventário geral do acervo móvel do EMS em suporte digital foi implementado a partir de 1991 tendo por base uma aplicação sobre software Filemaker Pro, que se revelou de grande importância no processo de documentação de algumas das principais colecções museológicas incorporadas. Percorrida cerca de uma década dessa experiência, o crescente volume de informação gerada nos processos de incorporação, documentação, investigação, conservação e comunicação do EMS exigiu porém uma forma de gestão que integrasse colec-
ções e acervos diversificados, com capacidade de interrelacionamento de bases de dados adaptadas a colecções e a documentação diferentes, servindo vários serviços museológicos e áreas funcionais, agilizando a intercomunicabilidade, garantindo níveis de segurança adequados e também acesso fácil e ambiente amigável para o utilizador. Mediante uma sistemática pesquisa e consulta de mercado, no sentido de identificar ferramentas de suporte e gestão digital da informação estruturalmente mais potentes do que a então utilizada, através das quais pretendíamos desenvolver uma gestão integrada de acervo móvel e de património imóvel e imaterial, foi adquirido o software da Mobydoc, que então nos pareceu mais adequado. A partir de 2002 e feito um prévio estudo de adaptação às estruturas das bases de dados anteriormente existentes, o EMS implementou as bases de dados Micromusée – para o inventário geral de acervo móvel e o inventário de arquivo fotográfico – e Mobytext – para o Centro de Documentação e Informação. Para a concepção e o desenvolvimento de um sistema integrado e de metodologias adaptadas ao funcionamento do EMS e às necessidades de gestão de acervo museológico, em conexão com a preservação de património cultural imóvel, foi constituído um Grupo de Trabalho (GT), transversal a vários serviços museológicos e coordenado pela direcção técnica do Ecomuseu. No quadro
10 ˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙n.º 46˙JAN.FEV.MAR
2008
EM FOCO Sistema de informação do EMS e preservação do património cultural e museológico
Moinho de Maré de Corroios © EMS/CDI, Nelson Cruz, 1991
respondendo ao incremento das novas tecnologias da informação e comunicação, como respeitando as normativas nacionais e internacionais. Neste quadro de diagnóstico e de definição de prioridades, em 2005 a Câmara apresentou ao Programa Operacional da Cultura (POC) – Medida 2.2. Utilização das Novas Tecnologias da Informação para Acesso à Cultura – Acção 1. Inventário e Digitalização do Património Cultural Móvel e Imóvel e sua Divulgação – o Projecto de Inventário Museológico e Digitalização de Colecções Fotográficas e Divulgação de Acervo (Móvel e Imóvel) do EMS, com um investimento total de cerca de 265 mil euros.
As principais componentes deste projecto consistiram em:
deste GT foram definidas as funções dos administradores do sistema, assim como os cinco ‘departamentos’ de gestão de informação reportada ao acervo incorporado e/ou inventariado (de Conservação e Inventário Geral; de Arqueologia; de Património Industrial; de Património Náutico e Centro de Documentação e Informação). O GT produziu um primeiro Manual de Ajuda ao Utilizador, para a Base de Dados Micromusée, incluindo uma série de Tabelas de referência (em conexão com os campos controlados das bases de dados). Este Manual, essencial à normalização de procedimentos e de linguagem do sistema, foi distribuído internamente em Março de 2007, como recurso para todos os técnicos activos no sistema de informação, que utilizam permanentemente uma dúzia de postos de trabalho em rede. Conhecemos as crescentes exigências técnicas e a complexidade dos processos de trabalho para uma informação integrada, quer em função do crescimento exponencial da informação a controlar no EMS, face à multiplicação dos seus fundos, à extensão do património cultural sobre que incidem as funções museológicas activadas pela sua dinâmica de funcionamento, quer em função do alargamento dos interesses e necessidades internas e externas e da interacção com comunidades e parceiros com os quais o EMS desenvolve vários dos seus projectos. É neste contexto que têm sido definidos objectivos e prioridades de formação e de especialização das práticas profissionais, em simultâneo com as exigências de qualidade de serviço público garantindo acessibilidade à informação para utilizadores especializados e não especializados, não só cor-
- Digitalização de três importantes conjuntos de património documental fotográfico reportado ao património cultural imóvel e móvel do concelho do Seixal e ao acervo do Ecomuseu Municipal do Seixal. Dois desses conjuntos constituem parte do acervo do Ecomuseu Municipal do Seixal (EMS). O primeiro conjunto de acervo fotográfico inventariado e digitalizado é constituído por 356 negativos p&b de vidro produzidos aproximadamente no primeiro quartel do século XX, resultando da incorporação no acervo do EMS do espólio documental da antiga fábrica do Seixal da empresa corticeira Mundet & C.ª Lda., que se estabeleceu em Portugal, precisamente com a instalação da sua primeira unidade fabril no Seixal, em 1905, a qual se manteve em actividade até 1988. O segundo conjunto do acervo fotográfico do EMS que foi inventariado e digitalizado é constituído por cerca de 34 500 negativos de película e diapositivos, cor e p&b, constituindo um repositório único de parte significativa da actividade e da história do Ecomuseu e, simultaneamente, uma fonte essencial para desenvolver investigação sobre a história e o património local, material e imaterial, nomeadamente no que se refere ao período contemporâneo. O terceiro conjunto de acervo fotográfico inventariado e digitalizado, constituído por 1084 espécimes fotográficos, sendo propriedade do Centro de Arqueologia de Almada, é proveniente do processo de investigação da Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, sítio arqueológico classificado de Monumento Nacional e que faz parte da estrutura territorial do EMS, no qual também foi incorporado todo o espólio arqueológico ali exumado; - Instalação de software actualizado para a gestão integrada das bases de dados e da informação de inventários móvel e imóvel, de património imaterial e de fundos documentais – software Photo, Archi e MUM sistema de gestão multibases); - Instalação de software OpacWeb destinado à di-
2008
˙
JAN.FEV.MAR n.º 46
˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙ 11
Projecto Inventário museológico e digitalização de colecções fotográficas e divulgação de acervo (móvel e imóvel) no âmbito do POC
vulgação do acervo/colecções museológicas em linha, através do site do EMS; - Aquisição de serviços de um técnico superior para trabalho de inventário e alimentação de bases de dados do sistema integrado do EMS; - Acções de divulgação das colecções e património cultural no quadro de acção do EMS; - Produção de um multimédia de divulgação do EMS e em particular do património digitalizado e documentado. Este CD-Rom apresenta o projecto e as instituições envolvidas, sintetizando 25 anos de funcionamento do EMS e apresentando, a par da sua estrutura territorial, uma parte dos recursos digitalizados, que posteriormente serão amplamente divulgados através do site do Ecomuseu; - Aquisição de equipamento informático, constituído por um servidor, dois computadores pessoais e respectivos monitores e uma impressora laser a cores; este equipamento reforçou naturalmente os recursos anteriormente existentes no Ecomuseu.
Realização de um Seminário de divulgação do projecto - que teve lugar a 23 de Novembro de 2007, no Auditório Municipal da Câmara Municipal do Seixal (Fórum Cultural, no Seixal). Em coerência com os princípios que nortearam a concepção e a execução deste projecto e com os propósitos de máxima capitalização possível dos recursos envolvidos, a este seminário foi conferido um âmbito de contextualização dos aspectos metodológicos e das formas de aproveitamento dos inventários e de programas de digitalização de património cultural, tanto na perspectiva da investigação como da sua divulgação e do acesso público à informação centrada, quer no património móvel, quer imóvel e também no património imaterial. Com uma ampla e diversificada participação de mais de uma centena de técnicos e profissionais de museus, as comunicações dos convidados centraram-se em dois temas norteadores: – Inventários e programas de digitalização de património – metodologias, meios e utilizadores; – Sistemas de informação e preservação de património cultural e museológico. Os oradores, Silvestre Lacerda – Director da Direcção-Geral de Arquivos (DGARQ); Paulo Costa – Director dos Serviços de Inventário do Instituto de Museus e da Conservação (IMC); Rita Aragão e Catarina Oliveira – da Divisão de Inventário, Documentação e Arquivo do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR); Luís Pavão, além da equipa do Ecomuseu (Jorge Raposo, Ana Machado e a subscritora deste texto), deram conta de preocupações, reflexões e experi-
Olaria Romana, Quinta do Rouxinol © EMS/CDI – CAA, 1994
ências com aspectos comuns a uma considerável diversidade de instituições que têm por missão a preservação e a valorização de patrimónios. Este universo de gestão da informação e da documentação, actualmente integrado ou associado às ciências da informação, requer às tutelas e entidades detentoras do património um considerável investimento económico. Também exige uma constante actualização técnica por parte dos profissionais que nele trabalham. Mas as perspectivas de rentabilização e de alargamento do espectro de utilizadores são enormes. As actuais tecnologias de informação e de comunicação e o desenvolvimento da informática são potenciais motores de agilização dos programas de inventário e digitalização de património e da implementação de sistemas de informação, nomeadamente nos museus. São também fundamentais as normas internacionais existentes sobre sistemas e intercâmbio de informação – ao cabo de um notável percurso, recorde-se, desde que Paul Otlet, pioneiro nestas matérias, escreveu o seu Tratado de Documentação (publicado em 1934) ou a partir da fundação, em 1950, na sede do ICOM, o seu comité especializado em documentação, o CIDOC. Actualmente, e para além de uma necessária regulamentação nacional no que concerne nomeadamente os inventários de património, torna-se imprescindível uma crescente articulação em rede e em parceria entre entidades e museus, tendo em vista rentabilizar recursos e tecnologias e melhorar a acessibilidade dos cidadãos ao património cultural. Graça Filipe
12 ˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙n.º 46˙JAN.FEV.MAR
2008
CONHECER Pormenores da pintura da proa do bote-de-fragata Baía do Seixal por Diogo Gomes
© EMS/CDI, João Martins, 2007
A investigação sobre os contextos de surgimento e desenvolvimento da pintura das embarcações tradicionais do estuário do Tejo, assim como o estudo sobre as técnicas e as matérias-primas utilizadas nesta actividade, encontram-se pouco desenvolvidos. O trabalho de terreno realizado pelo EMS, desde a década de 1980, no âmbito da recuperação e preservação das três embarcações tradicionais que actualmente integram o seu acervo, constitui a base da perspectiva essencialmente etnográfica com que abordamos esta temática. Para além da observação directa e do registo fotográfico, a recolha de testemunhos orais de carpinteiros, marítimos e pintores-decoradores tem-se mostrado essencial para o conhecimento desta expressão cultural inscrita nas memórias, vivências e saberes das comunidades ribeirinhas.
Colorindo o estuário do Tejo: a pintura das embarcações tradicionais como património cultural De acordo com diversos testemunhos orais, a iniciativa de pintar decorativamente as embarcações de madeira, à vela, como as que ainda navegam no estuário do Tejo, remonta ao início do século XX. Alguns autores defendem que a pintura do estuário do Tejo sofreu influências daquela que se pratica na Ria de Aveiro, da qual os moliceiros são o exemplo mais notório. Apesar de se tratar de uma hipótese que não foi suficientemente confirmada, existem alguns factores que parecem sustentá-la: por um lado, o facto de diversas embarcações, sobretudo as de maior porte, que navegaram no estuário do Tejo terem sido construídas no distrito de Aveiro, por outro lado, o facto de uma parte significativa dos mestres construtores que estabeleceram estaleiros no estuário do Tejo assim como dos carpinteiros e calafates que aqui trabalharam serem igualmente oriundos daquela região do Norte do país. Numa perspectiva etnográfica, o que nos parece mais importante considerar
é o facto de uma parte significativa dos antigos marítimos e trabalhadores da construção naval das localidades ribeirinhas do Tejo negarem esta influência e defenderem que a pintura decorativa das embarcações do Estuário foi uma criação de dois construtores navais, naturais do concelho da Moita – Francisco Lopes e Manuel Fernandes Reimão (conhecido como o Canário) – tendo sido posteriormente desenvolvida pelos seus descendentes e por outros aprendizes fora dos respectivos grupos familiares. A este nível, na memória colectiva destacam-se os nomes de Zé da Lota, de Sarilhos Pequenos, e do “ti” Augusto, de Alcochete. O desenvolvimento da pintura decorativa das embarcações do estuário do Tejo acompanha naturalmente a história das mesmas. Quando, nas décadas de 1960 e 70 se assistiu ao declínio do tráfego fluvial e à consequente destruição de um número significativo de embarcações,
2008
˙
JAN.FEV.MAR n.º 46
˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙ 13
Colorindo o estuário do Tejo: a pintura das embarcações tradicionais como património cultural
a actividade da pintura ressentiu-se profundamente. Foi apenas na década de 1980, com os primeiros projectos de recuperação e reutilização das embarcações tradicionais como embarcações de recreio que a pintura decorativa ganhou uma nova expressão. Actualmente, as embarcações continuam a ser decoradas de acordo com o que é geralmente descrito como a forma tradicional, essencialmente caracterizada por uma combinação contrastante mas harmoniosa das cores primárias: o azul, o vermelho e o amarelo. Adicionalmente, usam-se frequentemente algumas cores secundárias como o verde e ainda as neutras: o preto e o branco, para dar contraste e realce às pinturas. Alguns autores definem esta pintura como naïf, dada a vibração cromática, a adaptação do desenho à superfície e a inspiração em temas da vida quotidiana. De um modo geral, as áreas mais decoradas de uma embarcação do estuário do Tejo são a proa, o capelo, os barbados, a bussarda, a antepara e os barrotes. A proa e a antepara são as áreas onde os pintores criam mais livremente os seus desenhos decorativos que, geralmente, retratam expressões culturais locais ou regionais como o folclore, a tauromaquia ou as crenças religiosas. Nas restantes áreas que referimos, os principais elementos decorativos são as flores e as formas geométricas compostas de forma simples e repetitiva, não diferindo significativamente de embarcação para embarcação. O nome e o número de registo são igualmente pintados, de forma cuidada, dando às letras e aos algarismos uma forma arredondada e tridimensional. Existe outro aspecto em que a pintura cumpre uma função informativa, nomeadamente a pintura do calcês que identifica o proprietário da embarcação. À semelhança do que sucedia no passado, cada proprietário possui um código de cores que é conhecido pela generalidade dos marítimos do Tejo. Por exemplo, os calcês dos barcos geridos pelo Ecomuseu Municipal do Seixal estão pintados de azul e amarelo que correspondem às cores da bandeira do município. No que se refere à temática da pintura de embarcações que, no Ecomuseu, continuará a ser abordada no âmbito do projecto de investigação sobre a cultura e o património marítimos reportados ao estuário do Tejo, as pinturas decorativas realizadas nas embarcações que o Ecomuseu integra na sua estrutura como património navegante constituem o seu acervo mais significativo. Os botes-de-fragata Gaivotas e Baía do Seixal e o varino Amoroso são, desde o
Pintura do bote-de-fragata Baía do Seixal, por Diogo Gomes © EMS/CDI, João Martins, 2007
início dos respectivos processos de recuperação, decorados por alguns dos mais significativos pintores do estuário do Tejo. Trata-se naturalmente de um acervo em constante mutação na sequência da conservação dinâmica destas embarcações que, nos últimos 25 anos, têm sido reparadas em diferentes estaleiros e pintadas decorativamente por diferentes pintores que, mesmo repetindo os motivos decorativos, os alteram de acordo com a sua inspiração e capacidade técnica. Este trabalho tem tido reflexos em diferentes áreas de actividade do museu, tais como o registo fotográfico, a recolha de testemunhos orais e ainda a incorporação de objectos no acervo do museu. Entre estes, destacamos os modelos de embarcações doados ao museu que incorporam o saber-fazer dos mestres pintores. São disso exemplo os modelos do bote-de-fragata Ulisses e do varino Mundet, ambos construídos por José Martins, antigo marítimo, cujos trabalhos eram pintados por Henrique Rodrigues. Deste pintor, igualmente um antigo marítimo que mais tarde se dedicou à pintura de embarcações, existe ainda no acervo do Ecomuseu a miniatura de uma antepara. Do restante acervo relacionado com esta temática, referimos ainda alguns trabalhos do mestre construtor naval e pintor José Francisco Lopes e do pintor João Reimão, filhos dos carpinteiros a quem se atribui a criação da pintura tradicional do estuário do Tejo. Trata-se, sobretudo, de pinturas sobre madeira (havendo um número reduzido em papel), representando essencialmente motivos florais e as embarcações do Ecomuseu. Uma destas pinturas foi usada como imagem de um cartaz comemorativo do Dia Internacional dos Museus no ano de 1993.
14 ˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙n.º 46˙JAN.FEV.MAR
CONHECER
2008
Colorindo o estuário do Tejo: a pintura das embarcações tradicionais como património cultural
Pintor Diogo Gomes no stande do EMS no Klassieke Schepen © EMS/CDI, João Martins 2007
Em resultado do trabalho de terreno que o Ecomuseu tem desenvolvido no âmbito da conservação das suas embarcações tradicionais, tem sido possível colaborar com os profissionais das várias áreas de trabalho implicadas na manutenção naval, em eventos de divulgação da cultura marítima do estuário do Tejo. Relativamente à pintura, existem duas experiências que pretendemos destacar: em 1993, a convite do Ecomuseu, o pintor Henrique Rodrigues esteve em Plaisir, em França, a demonstrar o seu trabalho e a realizar workshops de pintura para crianças, sobretudo filhos de emigrantes portugueses naquele país. Recentemente, o pintor Diogo Gomes participou no Klassieke Schepen, uma feira de embarcações clássicas em Enkhuizen, na Holanda. Entre 9 e 11 de Novembro de 2007, o Ecomuseu participou naquele evento com o objectivo de divulgar a pintura tradicional de embarcações do Tejo assim como a actividade do Ecomuseu relacionada com a cultura e o
de embarcações realizado em Maio passado por ocasião do 25.º aniversário do Ecomuseu, a participação dos técnicos do Ecomuseu e do pintor no evento contou com o apoio da empresa.
património flúvio-marítimos. Dando continuidade a uma parceria estabelecida há vários anos entre a Câmara Municipal do Seixal e a empresa Hempel, cujo apoio se tem manifestado no fornecimento de materiais para a Oficina do Núcleo Naval, para as embarcações do Ecomuseu e em eventos como o encontro
cultura marítima europeia com a exibição do audiovisual Barcos, memórias do Tejo, produzido para a exposição com o mesmo nome, actualmente patente ao público no Núcleo Naval do Ecomuseu, em Arrentela.
Durante os três dias deste evento, considerado único na Europa por abarcar simultaneamente as temáticas da construção, da gestão, da manutenção e da preservação das embarcações clássicas, no stande do Ecomuseu os visitantes puderam conhecer a pintura de embarcações tradicionais do Tejo através dos conteúdos disponibilizados em painéis informativos e através da observação do trabalho de pintura executado, no local, pelo pintor Diogo Gomes. Para além disso, o Ecomuseu participou em duas iniciativas realizadas no âmbito deste evento: numas jornadas com a apresentação da comunicação “Colouring Tagus estuary: traditional boats’ painting as cultural heritage” e num ciclo de filmes sobre a
Elisabete Curtinhal
2008
˙
JAN.FEV.MAR n.º 46
˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙ 15
Oficina de escolha de rolha da Mundet (Seixal), c. 1950 Fundo Documental Mundet/EMS
CARTA DO PATRIMÓNIO DO CONCELHO DO SEIXAL
Os vários edifícios e oficinas, as máquinas, os equipamentos e outros espólios associados, os fundos documentais, os processos e circuitos de produção no âmbito da preparação e da transformação da cortiça, as técnicas e os saberes-fazer que lhe estão associados, bem como as memórias das vivências que lhe emprestam uma dimensão sociocultural e a própria paisagem onde os testemunhos se contextualizam, são alguns dos aspectos que concorrem para o valor excepcional atribuído a este sítio industrial, cujo interesse e valor histórico, técnico-científico, económico, social, patrimonial e simbólico legitimam a sua inclusão na Carta do Património do Concelho do Seixal.
O sítio industrial da Mundet (Seixal) A actividade industrial do sítio teve origem ainda no séc. XIX quando, em 1860, a empresa H. Pradel & C.ª instalou uma fábrica de produtos químicos na Quinta da Bela Vista, a sul da antiga vila do Seixal. Mais tarde, as instalações e os respectivos equipamentos da fábrica foram vendidos a Henri Borguet, que ali instalou uma unidade industrial para produção de sabão (1867-1904). Dada a exploração industrial do sítio, ao longo das últimas quatro décadas do séc. XIX, por empresas, gerentes e mestres de nacionalidade francesa, a propriedade passou a adoptar a designação: Quinta dos Franceses. Em 1905, a firma de origem catalã, então sedeada nos Estados Unidos da América, L. Mundet & Sons – de que a Mundet & C.ª, Lda. (1922-1988) foi sucessora em Portugal – adquiriu uma parcela de terreno desmembrada da Quinta dos Franceses, ocupando uma área inicial de cerca de 20 000 m2. Mais tarde, no início dos anos 30, foram adquiridas propriedades vizinhas para proceder ao alargamento das suas oficinas, de modo a melhorar o rendimento da sua produção. Foram ainda adquiridos pela empresa o barracão de João António Balançuela (armador) e o edifício do Grémio Recreativo Seixalense, de que era proprietário José dos Anjos Júnior (com estaleiro de construção de
barcos na praia, em frente da fábrica), junto à antiga Estrada Nacional Seixal-Arrentela. Em 1937, na fase de maior expansão da fábrica, a firma adquiriu uma parte considerável da Quinta dos Franceses (70 000 m2 de área) a Georgina Rosa d’Oliveira, que lhe permitiu expandir a área fabril e criar uma zona destinada aos serviços sociais e a instalações desportivas. No ano seguinte a empresa adquiriu uma parcela da Quinta do Bravo, ocupada, a partir de 1955, pelo edifício da Caixa de Previdência do Pessoal da Firma Mundet. Uma parte desta última propriedade foi cedida pela empresa para a construção do campo de jogos do Seixal Futebol Clube – o Campo do Bravo. A antiga Quinta da Estalagem foi adquirida em 1945, sendo seu proprietário Bernardino José Leite d’Almeida (antigo conservador do Registo Predial da Comarca do Seixal). Propriedade que incluía o Alto de D. Ana, ponto elevado de onde se desfruta uma magnífica panorâmica sobre o rio Tejo e sobre as áreas ribeirinhas de Amora, Corroios, Lisboa, Almada e Barreiro, actualmente integrado no coberto vegetal habitualmente designado por Mata da Mundet. Com esta última aquisição, o sítio
16 ˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙n.º 46˙JAN.FEV.MAR
2008
CARTA DO PATRIMÓNIO DO CONCELHO DO SEIXAL O sítio industrial da Mundet (Seixal)
atingiu os cerca de 14 hectares de área fabril, hoje propriedade municipal. Entre os diferentes espaços oficinais e de apoio da antiga fábrica corticeira Mundet, merecem-nos destaque as caldeiras produtoras de vapor Babcock & Wilcox e as caldeiras de cozer cortiça, bem como as oficinas de produção de papel de cortiça, de rolhas de champanhe e respectivas estufas, de rebaixar, de marcação e de escolha de rolha. As inovações tecnológicas e as melhorias introduzidas nos circuitos produtivos de preparação e transformação da cortiça ao longo da actividade industrial da Mundet condicionaram – através de sucessivas modificações e ampliações das instalações – a morfologia arquitectónica dos edifícios fabris, produzindo uma certa sedimentação patente, não só nos diferentes imóveis, mas também nos espaços oficinais (entre outros aspectos, na disposição de máquinas e equipamentos, bem como nos sistemas de transporte de energia, de pó de cortiça ou ainda de produtos, aparas e refugos) que os integram e caracterizam. Outro tipo de instalações e equipamentos (a creche, a casa de infância, os refeitórios, a caixa de previdência e a sede do grupo desportivo) são igualmente significativos, dada a sua associação à promoção de medidas de bem-estar, de apoio e de lazer que a Mundet proporcionou aos seus trabalhadores e familiares, estendendo a sua acção, em alguns casos, à restante população do Concelho. A progressiva construção, modificação e ampliação das instalações industriais da Mundet, a construção de acessos e de vias de transporte para matérias-primas, produtos acabados e trabalhadores, foram factores de desenvolvimento económico, social, cultural e ambiental que ajudaram a moldar o tecido urbano da antiga vila do Seixal, contribuindo para o desenvolvimento do território concelhio e tornando-se marcante, quer na paisagem, quer no quotidiano da comunidade onde se inseriu. Assumem especial relevância os fundos documentais da Mundet (incorporados no EMS) integrando, entre outros, dados relacionados com a sua actividade económica, informações sobre a história da empresa reportadas às mais diversas áreas – administrativa, jurídica, sociocultural (mão-de-obra, condições de trabalho, evolução salarial, movimentos sociais), comercial (mercados, produtos fabricados), bem como informações de âmbito financeiro e técnico (instalações fabris, processos de fabrico, tecnologias utilizadas) – permitindo, por um lado, conhecer os momentos de expansão e de crise da empresa e, por outro lado, possibilitando o desenvolvimento da investigação no âmbito da história local e regional, contribuindo ainda para o estudo da industrialização (e da desindustrialização) em Portugal.
Instalações da Fábrica Mundet (Seixal) – vista aérea. © EMS/CDI, António Silva, 2005
A Mundet, enquanto sítio industrial, manteve ao longo do seu período de actividade uma importância económica e sociocultural que não lhe adveio apenas dos seus edifícios e equipamentos tecnológicos, entre outros aspectos, mas, sobretudo, por via da grande concentração de mão-de-obra de milhares de trabalhadores que percorreram, laboraram e viveram os diferentes espaços fabris. Estes trabalhadores participaram activamente no desenvolvimento de saberes-fazer necessários ao trabalho da cortiça, tornando-se elementos dinâmicos de construção e transmissão de memórias sociais reportadas à indústria corticeira, que constituem uma importante vertente patrimonial – a do património imaterial – que importa, por isso, preservar. As várias medidas de salvaguarda preconizadas na Carta do Património do Concelho do Seixal passam, principalmente, pela protecção e valorização do sítio e da respectiva envolvente paisagística, e pelo desenvolvimento de programas de valorização que incluam a manutenção de estruturas in situ e ainda pela sua musealização no âmbito do Ecomuseu Municipal do Seixal (possivelmente em associação a outros projectos privados ou públicos), sendo-lhe reconhecido um elevado potencial de reutilização. Atendendo ao relevante interesse a nível científico, social, industrial e técnico (de acordo com a Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, n.º 3 do art. 2.º) dos testemunhos materiais e imateriais em presença, bem como ao valor histórico e económico do sítio que espelha a evolução da indústria corticeira num dado período – aspectos cuja importância e significado, em nosso entender, extravasam o âmbito local e regional – a Mundet inscreve-se, segundo o disposto na Lei de Bases do Património Cultural, no nosso património cultural. Fátima Afonso
˙
2008
JAN.FEV.MAR n.º 46
˙ECOMUSEU INFORMAÇÃO˙ 17
CARTA DO PATRIMÓNIO DO CONCELHO DO SEIXAL O sítio industrial da Mundet (Seixal)
INVENTÁRIO DE PATRIMÓNIO CULTURAL IMÓVEL REFERÊNCIA DE SÍTIO: CPS.00031 DESIGNAÇÃO: Fábrica de Cortiça Mundet & C.ª, Ld.ª (Seixal) Localização administrativa: Seixal (Quinta dos Franceses) Localização geográfica: SIG – ortofotomapa n.º 442.243, Coordenadas: X = -84469,900; Y = -113630,900 m. Categoria de sítio: Arquitectura industrial. Tipo de sítio: Fábrica Cronologia: Idade Contemporânea; séc. XX: 1905-1988. Medidas de protecção: 1999 – Elaboração do pedido de classificação do sítio pelo EMS/CMS. Foi entregue, a 7 de Maio, a proposta de classificação de património cultural do imóvel da antiga fábrica de cortiça à Direcção Regional de Lisboa do Instituto Português de Património Arquitectónico/Divisão de Salvaguarda (processo em curso). 1996 – Municipalização das instalações da Mundet. 1995 – Deliberação da Câmara Municipal do Seixal, de 11 de Janeiro de 1995, e da Assembleia Municipal, de 23 de Fevereiro de 1995, considerando o sítio como Imóvel de Interesse Concelhio. 1991 – Inserção parcial do sítio na zona de protecção do Núcleo Urbano Antigo do Seixal – Regulamento de Protecção aos Núcleos Urbanos Antigos do Concelho do Seixal publicado no Edital da Câmara Municipal do Seixal, N.º 91, de 3 de Julho de 1991. Descrição sumária: A fachada principal, que nasceu com as instalações iniciais da fábrica, confina com a estrada ribeirinha. A partir desta, a Mundet foi progressivamente alargando a sua área de implantação, ocupando parcialmente a Quinta dos Franceses numa vasta extensão de terreno com edifícios fabris, oficinas de apoio e instalações sociais. Entre o conjunto de edifícios que constituíram esta antiga unidade corticeira destacamos, pela sua qualidade arquitectónica, o imóvel das caldeiras geradoras de vapor construído no início da década de 50 de Novecentos; o imóvel inaugurado em 1943 com a função de Casa de Infância (mais tarde adaptado a escritórios da empresa) e o imóvel da oficina de rebaixar, construído em 1943. Merecem ainda destaque alguns elementos estruturais de edifícios como sejam as colunas de betão de suporte de pisos superiores ou coberturas, existentes nas oficinas de produção de rolhas de champanhe e de papel, e as colunas de betão que sobreviveram ao incêndio que, no início dos anos 80 do séc. XX, devastou um conjunto de oficinas e armazéns de expedição situado junto ao limite Sul das instalações fabris. Salientam-se ainda as estruturas em madeira da cobertura das oficinas do papel e da escolha de rolha, e a estrutura de cobertura em shed na oficina de champanhe. Marcam ainda referência as caldeiras geradoras de vapor Babcock & Wilcox (1923 e 1925), as caldeiras de cozedura de cortiça, as prensas manuais e as prensas hidráulicas para fardos de cortiça, as máquinas de laminar papel de cortiça, as máquinas do fabrico de papel de cigarros (bobinar, colar, entre outras), os contadores de folhas de papel de cortiça, as máquinas de rebaixar, bolear e lixar, a forja e outros equipamentos de serralharia, as estufas e as autoclaves a vapor, as brocas, os tanques de lavagem e o secador mecânico, as máquinas semi-automáticas de escolha de rolha e disco, as prensas de corte de palmilhas e de prensagem de quadros, o calibrador e o contador de rolhas. Síntese de intervenções: 1997 – Os edifícios das Caldeiras Babcock & Wilcox sofreram as primeiras obras de conservação e adaptação a espaço expositivo, da responsabilidade do Ecomuseu Municipal. 1997/2004 – O Ecomuseu Municipal do Seixal promoveu o levantamento descritivo, oral e fotográfico das
instalações fabris com vista ao inventário do sítio industrial. Instalação no edifício dos Escritórios Novos (imóvel 84, antiga Casa de Infância), do Serviço de Inventário e Estudo de Património Industrial e de uma extensão das Reservas do Ecomuseu Municipal. 1998 – Os edifícios dos refeitórios (imóvel 14) sofreram obras de conservação e adaptação a espaço expositivo. Actualmente o seu uso e manutenção encontram-se sob a responsabilidade da Divisão de Actividades Culturais. 2000 – O edifício da antiga Creche sofreu obras de beneficiação, tendo sido reutilizado como Escola de 2.ª Oportunidade (utilizado, desde 2004, como centro de recursos e formação da CMS), e sede da Confederação Portuguesa das Pequenas e Médias Empresas. No âmbito das obras efectuadas, foi demolido o edifício do estendal de roupas. Nesse mesmo ano, as Caldeiras de Cozer sofreram as primeiras obras de conservação e adaptação a espaço expositivo, da responsabilidade do Ecomuseu Municipal. 2001 – Os edifícios dos antigos Laboratórios (imóvel 75) e armazém de expedição (imóvel 56) foram objecto de obras para futura instalação de serviços do EMS (obras temporariamente suspensas). O sítio industrial foi inscrito no programa-base do Circuito Museológico Industrial do Seixal, como eixo estruturante do Programa de Qualificação e de Desenvolvimento do Ecomuseu, aprovado no referido ano pela Câmara Municipal do Seixal. 2003/2004 – Foi elaborado o levantamento topográfico dos edifícios das Caldeiras Babcock, Caldeiras de Cozer, Casa de Infância, Oficinas de Rebaixar e Champanhe Aglomerado, e bloco de WC e balneários. 2005 – Por deliberação da Assembleia Municipal, procedeu-se à demolição do edifício da Casa do Cais em situação de ruína. No mesmo ano, em consequência de remodelação viária efectuada junto ao edifício, foi demolido o imóvel das cocheiras, localizado numa área exterior ao perímetro fabril. 2006 – Após obras de recuperação e conservação do edifício, os serviços centrais do EMS instalaram-se no imóvel 84. 2006/2008 – Levantamento topográfico e arquitectónico das instalações da fábrica corticeira Mundet, no âmbito dos projectos candidatados ao PAQM da RPM em 2005. Tipo de uso: Cultural. O sítio integra a estrutura museal territorialmente descentralizada do Ecomuseu Municipal do Seixal, acolhendo, desde 2006, os serviços centrais do museu. Bibliografia principal: CIRCUITO museológico industrial: Mundet (Seixal) (2003). [Seixal: Câmara Municipal , Ecomuseu Municipal ]. CRUZ, Maria Alfreda (1973) – A margem sul do estuário do Tejo: factores e formas de organização do espaço. Lisboa: edição da autora. FERREIRA, Maria José (1989) – Inventário do património do Seixal. [S.l.:s.n.]. Acessível no Centro de Documentação e Informação do Ecomuseu Municipal do Seixal. FILIPE, Graça (2000) – O Ecomuseu Municipal do Seixal no movimento renovador da museologia contemporânea em Portugal (1979-1999). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre em Museologia e Património. FILIPE, Graça (1992) – “Breve abordagem à história da indústria da cortiça no concelho do Seixal”. Al-Madan. Almada: Centro de Arqueologia. IIª Série, 1: 63-68. “PATRIMÓNIO a proteger” (2002). Ecomuseu Informação. Seixal: Câmara Municipal, Ecomuseu Municipal. 25: 6-10. PATRIMÓNIO metropolitano: inventário geo-referenciado do património da Área Metropolitana de Lisboa (2002). Lisboa: Junta Metropolitana de Lisboa. 1 CD-ROM. SEIXAL. Câmara Municipal. Ecomuseu (2002) - Água, fogo, ar, cortiça : [catálogo da] exposição temática sobre a Mundet. Seixal: Câmara Municipal. Inventariante: Fátima Afonso Data de inventariação: Dezembro de 2003 Data de actualização: Setembro de 2007