3.º Volume
Associativas
MEMÓRIAS DA NOSSA
MEMÓRIA
3.º Volume
Fernando Fitas
Histórias Associativas Memórias da Nossa Memória
Histórias
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Histรณrias Associativas
Memรณrias da Nossa Memรณria Os Clubes Federados
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Índice O indispensável reconhecimento
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Nota de abertura
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Amora Futebol Clube
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Seixal Futebol Clube
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Paio Pires Futebol Clube
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Atlético Clube de Arrentela
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Breves notas bibliográficas
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Histórias associativas
O indispensável reconhecimento Obra de profundo significado para a numerosa comunidade associativa do concelho do Seixal, com a qual se procura obter uma melhor aferição acerca dos valores, interesses e objetivos que presidiram à fundação das coletividades locais, este terceiro volume de Histórias Associativas visa, tal como os anteriores, registar memórias e vivências de pessoas ligadas às agremiações deste respeitado município da Margem Sul. Nele se incluem fragmentos, emoções e afetos, contados na primeira pessoa do singular, por alguns daqueles que dedicaram parte significativa das suas vidas à nobre causa associativa, dando-lhe o melhor do seu esforço, saber e inteligência e que, por isso mesmo, são credores do nosso respeito e admiração. Testemunhas reais de um passado que enaltece e dignifica este progressivo concelho da Outra Banda, prontamente se predispuseram a confiar-nos as suas vivências, o mesmo é dizer, a relatar as memórias de uma valiosa memória coletiva, que por via da congénita modéstia que desde tempos ancestrais define esta gente, corria o sério
risco de passar à margem da verdadeira história deste espaço territorial, essa que tem como protagonistas os homens e mulheres anónimos, sem que nela figurassem com o relevo que lhe é devido. É esse contributo que se reproduz aqui, soletrado com coração e alma, tão convictamente despido de preconceitos ou vaidades pessoais, tão comovidamente sincero que, por vezes, a voz se lhes embarga, forçando a uma pausa na conversa. Uma autenticidade que, felizmente, nos surpreende, envolve, sensibiliza, emociona e alegra. Uma contribuição consubstanciada ainda na total confiança com que depositaram nas nossas mãos uma apreciável quantidade de fotografias, de grande valor estimativo. Por tudo isso, justo se afigura lavrar o nosso sincero reconhecimento a todos quantos figuram neste volume, afinal os seus grandes mentores, cuja valiosa colaboração não apenas possibilitou a concretização desta terceira fase do projeto, mas acima de tudo permitiu que se coligisse e salvaguardasse o conjunto de histórias que nele se inserem.
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Histórias associativas
Nota de abertura O presente volume de Histórias Associativas, reunindo um significativo conjunto de memórias, histórias e testemunhos de homens e mulheres ligados às coletividades do concelho, constitui a finalização do projeto iniciado em 1997, com a recolha de depoimentos de destacados associados das diversas coletividades existentes na área do município, em especial daquelas cuja fundação é menos recente. Trata-se de uma compilação, tão abrangente quanto possível, de memórias, episódios e vivências, relatadas por quem as viveu ou delas teve conhecimento através de amigos ou familiares e que, na perspetiva da autarquia, nos remetem para um tempo que importa reter, para que melhor possamos aferir o grau de dificuldades que caracterizavam o dia a dia do movimento associativo, razão bastante para que se reunissem em livro, colocando-as, assim, à disposição de toda a comunidade. Não é, no entanto, um trabalho histórico no sentido etimológico do termo, o que se prossegue agora; mais ajustado será considerá-lo um subsídio para um melhor conhecimento da evolução social do município do Seixal, tanto mais que a mera divulgação do vasto material recolhido ao longo de vários anos de trabalho visa, a um tempo, reconhecer o papel determinante que o movimento associativo desempenhou e continua a desempenhar no quadro da elevação cultural e desportiva da população e, a outro, prestar pública homenagem a quantos, de modo desinteressado, deram às respetivas agremiações o melhor do seu esforço e saber.
Além disso, a publicação de tal espólio, a par de se assumir como uma iniciativa tendente a salvaguardar uma parte significativa da história do concelho, pretendeu ainda sublimar a riqueza humana das gentes do Seixal e o precioso legado que as suas coletividades encerram. São, pois, relatos ou, se se preferir, retratos de gente simples, que nos transportam a uma época marcada por privações de vária ordem, mormente as de natureza financeira, situação que diariamente obrigava quantos nelas desempenhavam funções diretivas a inventar novas fórmulas de as suprir, contando, nesse esforço, com a habitual e generalizada participação da massa associativa. Um quadro que, ressaltando dos depoimentos contidos nos volumes anteriores, nos quais se procurou traçar o modo de vida das agremiações, se estende agora aos clubes federados que têm na prática do futebol a sua principal atividade desportiva. São eles o Amora Futebol Clube, o Seixal Futebol Clube, o Paio Pires Futebol Clube e o Atlético Clube de Arrentela. Clubes fundados pelo povo e que, ao serviço da elevação desportiva desse mesmo povo, se entregaram de coração e alma, ao longo dos tempos, e, desse modo, contribuíram decisivamente para a formação da identidade vincadamente solidária que caracteriza o concelho do Seixal e na qual não apenas se alicerçou o presente, mas também se projeta o futuro. Finalmente, importa salientar que ante o espaço temporal que mediou a recolha dos testemunhos e a edição deste volume, parte
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significativa dos que nos relataram os episódios que figuram neste trabalho já não se encontram fisicamente entre nós. Da mesma forma que algumas das referências a cargos, funções ou atividades poderão estar ultrapassadas, situação que a nosso ver não afeta todavia o objetivo essencial da sua realização: a preservação de um património coletivo do concelho, o mesmo é dizer: parte da memória de um tempo relatada
por quem de uma maneira ou outra a protagonizou. Neste contexto, afigurou-se-nos adequado manter o texto no seu registo inicial, respeitando os relatos dos depoentes e facultando, desse modo, a quantos o venham a ler a possibilidade de efetuarem um regresso a um passado que não deve, nem pode, ser ignorado.
Nota sobre o acordo ortográfico Compreendendo e respeitando as determinações impostas às entidades públicas, no que concerne à adoção das normas estabelecidas pelo denominado novo acordo ortográfico, o autor, enquanto membro da Sociedade Portuguesa de Autores, reitera a sua concordância com a decisão tomada sobre a matéria pela instituição representativa dos autores portugueses.
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Amora Futebol Clube Uma ideia da juventude
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Amora Futebol Clube
De múltiplas vontades se fundou, para que mostrar pudesse seus encantos, logo que despontassem os alvores primeiros do mês de maio, mês de celebração e festa do trabalho, num tempo em que os ventos da liberdade ainda não haviam sido acorrentados. Por isso e ainda, um dia propício ao desfraldar dos ideais que animavam as gentes e as almas que no lugar nasceram ou viviam. Amora se chamava esse lugar, Amora se chamou também o novo grémio. Corria, precise-se, o ano de 1921. E não se sabe ao certo como nasceu tão generosa ideia, mas sabe-se, isso sim, que nos jovens de então cavou suas raízes. Um tempo em que, para além dos namoricos, poucos eram os motivos suscetíveis de captar a atenção da mocidade que então vivia no pequeno aglomerado de Amora, uma localidade cuja população, maioritariamente operária, por mor da existência das diversas fábricas ali sediadas, com particular saliência para a cortiça, se repartia ainda pela agricultura e pela atividade marítima. Enquanto as raparigas se ocupavam nos afazeres domésticos, no caso das famílias com menores recursos, ou se dedicavam aos bordados, no das famílias mais abastadas, os rapazes entretinham-se a jogar à bola num campo improvisado no Cabo da Marinha, uma língua de terra que se desprendia do chamado rio Judeu, sempre que as águas demandavam os encantos da foz. Era um espaço junto aos estaleiros Venâncio, na Avenida Marginal, que os moços utilizavam para mostrar as suas habilidades futebolísticas. Quando a maré não o permitia, juntavam-se à conversa, nas tabernas, que, por esse tempo, se assumiam como um dos escassos lugares de convívio, onde, entre um copo de três ou uma cerveja, debatiam os problemas que mais os preocupavam. Assim corriam os dias, marcados ainda pelas convulsões sociais que caracterizaram este período da nossa história contemporânea, até que alguém sugeriu a criação de um clube, em ordem a conferir ao
grupo alguma organização e, com ela, a obtenção de melhores condições, sem as quais difícil se tornava elevar a qualidade da prática desportiva da sua eleição.
Amélio Batista Cunha «O Amora era o ai-jesus dos habitantes de Amora» Amélio Batista Cunha, 93 anos, era um dos jovens dessa época que por influência direta de seu tio se envolveu de coração e alma no aparecimento do clube, agremiação a que se manteve ligado por largo período de tempo e no decurso do qual desempenhou, entre outras, a tarefa de cobrador. Memória viva de um passado que importa preservar, para que, através dele, se ache a verdadeira argamassa com que se construíram as alamedas que ao presente nos conduziram. Este ancião, cuja capacidade de memorização, alicerçada na permanente atenção que dedicava aos acontecimentos que, de uma forma ou de outra, mobilizaram os seus conterrâneos, confere-lhe o estatuto de testemunha indispensável sempre que se aborda a vida das mais antigas coletividades de Amora. Mais do que uma referência dessas instituições, por via da sua provecta idade, Amélio Batista Cunha é, sobretudo, um verdadeiro compêndio de história sobre as agremiações da sua terra, que nos informa com invulgar rigor os mais importantes passos que a história de cada uma registou, designadamente o Amora Futebol Clube. «Tudo nasceu da vontade da malta que nessa altura se entretinha a dar pontapés numa bola de trapos, aproveitando para o efeito uma nesga de terreno existente no Cabo da Marinha, onde improvisaram um campo de jogos. Essa vontade foi ganhando tal número de adeptos entre os participantes nos
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Uma das primeiras equipas do Amora Futebol Clube, ostentando o emblema desenhado na taberna do avô de Amélio Cunha, por Adelino Cacilheiro.
desafios que ali se realizavam que, prontamente, a ideia começou a ser ventilada, um pouco por todas as esquinas e casas comerciais da aldeia», começa por dizer Amélio Cunha, como quem passa em revista o livro de registos de uma vivência quase secular. «Tinha eu 13 anos, quando comecei a ouvir falar algumas pessoas, que nessa altura frequentavam a taverna de meu avô, José Cunha, na fundação de um clube que juntasse a rapaziada da terra que gostava de futebol, intenção que logo extravasou o âmbito dos operários corticeiros e fragateiros, à época a clientela da casa, e se espalhou tanto aos trabalhadores da seca do bacalhau como à generalidade da população de Amora», recorda Amélio Batista Cunha.
Rótulo de garrafa de cerveja inspira emblema do clube Amadurecida a ideia e conquistados novos adep-
tos, havia, pois, que aproveitar a onda de entusiasmo que se gerara em torno da projetada constituição de um clube que representasse as cores da localidade e as suas gentes. «Decidiu-se, então, aproveitar o tradicional piquenique que, anualmente, se realizava na Quinta da Infanta para se promover um peditório junto de quantos nele decidiram tomar parte. Esse peditório, tal como a ação de captação de eventuais sócios ali efetuada, tinham como objetivo angariar fundos tendentes à formação do clube. É claro, toda aquela gente aderiu, embora nem todos, depois, tenham pago a quantia que na ocasião disseram pretender que fosse a sua comparticipação», refere num encolher de ombros demonstrativo do sentimento de desalento que ao tempo os assaltou. «Mesmo assim, lá se conseguiu formar o clube, que teve a primeira sede numa casa cedida, a título gracioso, por Manuel Carvalho, no Largo Machado dos Santos. Só mais tarde passou para a Rua das Amoreiras. No princípio, as camisolas da equipa,
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Amora Futebol Clube
Equipa do Amora Futebol Clube, nos anos 30, então constituída por Zé da Teresa, Alexandre, Augusto «Piolho», Ilídio Festa, Chico da Teresa e Rufino, de pé, da esquerda para a direita. Agachados e pela mesma ordem: Jorge Ferreira, David «Medideira» (filho do proprietário da referida quinta e a quem se deve a doação do terreno para a construção do campo), Raimundo Sobral, João Negro e Pataias.
compradas com dinheiro angariado em peditórios, eram às riscas pretas e encarnadas; mas como o pessoal não gostava delas, porque pareciam tecido de forrar caixões, decidiu-se substitui-las», relembra Amélio Batista Cunha, mais adiantando ter sido a coletividade fundada sem que houvesse sido ainda definido o respetivo emblema. «O emblema só foi escolhido depois de constituído o clube. Um certo dia, estávamos na taverna de meu avô e, numa das prateleiras, encontravam-se umas garrafas de cerveja Pilsener, cujo rótulo apresentava um símbolo a partir do qual Adelino Cacilheiro imediatamente começou a esboçar o desenho. Lembro-me, aliás, que, na altura, se gerou uma discussão motivada pela palavra «futebol», porque uns diziam que se devia escrever «foot-ball», enquanto outros defendiam que deveria escrever-se «futebol», até que se chegou a um acordo e se ultrapassou o impasse suscitado por tal dúvida, optando-se por escrever a palavra em português».
Campo da Medideira erguido à força de braços «Convirá ainda sublinhar que embora a maior parte dos habitantes se dissessem sócios, o certo é que, praticamente, ninguém pagava quotas. As coisas só começariam a organizar-se, minimamente, um ano após a fundação. Antes disso, funcionava tudo muito à deriva, razão por que nos reuníamos à luz de velas colocadas no chão, em volta das quais nos sentávamos, pois não dispúnhamos nem de mesa de reunião nem de cadeiras. E até os atletas jogavam descalços», conta Amélio Cunha. «Nessa época, os jogos de maior nomeada eram os que disputávamos com o Seixal, Cova da Piedade, o Almada e os grupos do Barreiro, concelho onde havia talvez cinco clubes de futebol. Era um problema o campo se situar na baixa-mar; daí que quando a maré enchia, trazia consigo enormes quantidades
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de lodo, situação que nos obrigava, volta não volta, a retirá-lo em padiolas e carros de mão, trabalho que exigia ainda mais empenho sempre que se aproximava um desafio de maior vulto. Uma canseira dos diabos! O que nos valia era a grande vontade com que todos nos entregávamos a essa tarefa», salienta. «Anos depois, transferiu-se para a Medideira, porque os filhos do Zé, proprietário daquela quinta, começaram a integrar a equipa e este resolveu ceder um bocado de terreno para que nele se arranjasse um campo de bola. Aí, as coisas melhoraram significativamente, pois já não havia necessidade de estarmos permanentemente a refazer o campo». Tudo feito à força de pulso pela rapaziada, já que a vontade de singrar era muita, as ajudas não abundavam e o tempo escasseava; e a maior parte deles trabalhava até tarde e o único dia que tinham livre era o domingo. «O volume de movimentação de terras que tínhamos de efetuar obrigava-nos, por vezes, a pedir emprestada uma camioneta, porque, de outro modo,
tornava-se difícil aplanar tudo aquilo. Mas como, nesse tempo, o Amora era o ai-jesus da terra, não havia dificuldade em conseguir tal empréstimo», realça.
Primeiro troféu levou sumiço Sobrinho de João Batista Cunha, primeiro presidente da direção do Amora Futebol Clube, Amélio Cunha diz ainda ter começado a exercer as funções de cobrador da coletividade aos 14 anos, sendo que, ao tempo, o valor da quota se cifrava em vinte centavos. «Era o cabo dos trabalhos para receber os dois tostões da quota, sobretudo porque, nesse tempo, os salários eram muito baixos e a maior parte das pessoas via-se e desejava-se para arranjar que comer. Uma pobreza que ninguém imagina», sublinha. Anos volvidos, chegaria a assumir funções diretivas, mas a circunstância de haver fixado residência
O «team» amorense na época de 1922-1923, ou seja, o ano imediato ao da sua fundação. De pé, da esquerda para a direita: Álvaro Santos, Fernando, Miquita, João Cunha (tio de Amélio Cunha e primeiro presidente da direção do clube) e Rui. Ao meio: António Maneta, o miúdo José Maneta, que na circunstância representa o jogador Malcato, e Custódio Cabaça. Sentados: Tomás da Chamoca, António Luís e Carlitos
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no Fogueteiro, num tempo em que quase não havia transportes públicos, levou-o a afastar-se dos afazeres diretamente relacionados com o clube. Ainda assim, mantém viva memória de vários acontecimentos que marcaram a atividade da agremiação nos anos subsequentes ao seu afastamento. Um deles resultou da deslocação da equipa a Lisboa, para defrontar um clube que na altura gozava de muita fama, mas cujo nome não consegue precisar. «Foi uma coisa que deu brado. Mobilizou-se o povo todo para ir acompanhar o Amora, pois não era qualquer equipa que ia jogar com esse clube. E lá foi o povo todo assistir ao jogo. Como não havia transportes, o trajeto entre Amora e Cacilhas foi efetuado a pé, o mesmo sucedendo no regresso. Mas porque havíamos logrado ganhar o troféu em disputa, ninguém sentiu o esforço da caminhada. Aliás, esse troféu esteve exposto, durante algum tempo, na vitrina de uma taverna situada junto ao coreto. Um feito que orgulhou os amorenses e despertou a curiosidade de muitas pessoas do Seixal e Arrentela, que ali se deslocaram para o ver, porque não acreditavam que fosse possível o Amora ter ganho a tão forte equipa», conta, sem esconder o orgulho com que relata tal conquista, sentimento, de resto, prontamente esbatido pela mágoa que ressalta das suas palavras, quando refere: «pena é que o troféu, em bronze, tenha sido alvo da cobiça de gente sem escrúpulos, que tratou de lhe dar sumiço. Com ele desapareceu também o testemunho-relíquia de uma página brilhante da história do clube».
Famílias políticas determinam substituição das cores do clube Já se relatou que a ideia de proceder à formação de um clube nasceu do entusiasmo e da generosidade da juventude, nessa altura constituída, na sua esmagadora maioria, por operários corticeiros e
fragateiros. Então como hoje, uma classe economicamente bastante desfavorecida. Do que ainda não se deu conta foi das razões que levaram os seus promotores a substituir o vermelho e o preto das camisolas iniciais, cores, aliás, muito caras a todas as organizações ideológico-políticas que nessa época lideravam os movimentos sociais e políticos, pelo azul e branco, as tradicionais cores da monarquia. Uma situação que não deixará, certamente, de surpreender, já que se tratava de um lugar onde predominava o operariado, geralmente afeto aos ideais republicanos, mas que Amélio Batista Cunha se encarrega de esclarecer quando revela: «Nesse tempo, a população de Amora caracterizava-se pela existência de duas grandes correntes políticas antagónicas: os Republicanos e os Monárquicos, estes também apelidados de “talassas”. A primeira corrente constituía-se pela gente de menores posses e a segunda pelos mais afortunados, afinal os que mais possibilidades tinham de ajudar o clube. Desta última, destacava-se a família Carvalho, por via do apoio que dispensava ao Amora. Assim, quando se colocou a questão de substituir o equipamento, quatro fatores houve que nos levaram a preferir o azul e branco, em detrimento das cores que antes envergávamos. O primeiro, porque se tratava das cores da aludida família; o segundo, porque eram bonitas; o terceiro, porque era a cor da ganga que vestia os operários, afinal de contas, a maior parte da população de Amora, dos associados e jogadores da equipa; e o quarto, porque era a cor do Belenenses, clube que, ao tempo, tinha muitos simpatizantes na terra. Estas foram as razões que determinaram tal escolha», sublinha Amélio Cunha. «Interessante será verificar que a primeira linha do Amora Futebol Clube, nessa altura constituída por Américo Vicente (guarda-redes), João Cunha e Tomás Alves, António Soares e António Aires, meu tio Carlos Cunha, Tomás Amora, Guedes, Miquita, Rui Almeida e Guilherme Piloto, era totalmente formada por rapaziada que trabalhava nas fábricas que
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existiam nesta terra. E a primeira bola de cauchu (um luxo!) foi adquirida no mandato de meu tio, com um empréstimo feito por Manuel Carvalho, mas que nunca lhe chegou a ser pago. Até aí, a bola com que se jogava era feita de trapos e bexiga de porco», remata Amélio Batista Cunha.
João de Almeida «Barbitas»
Ficavam-me larguíssimas. Para além disso, como já estavam demasiado gastas, tive de ser eu a consertá-las. Mas o pior de tudo é que as travessas, pregadas nas solas, me magoavam bastante os pés. Muitas vezes aconteceu que, quando as deslaçava, tinha a sola dos pés em carne viva. E sem ganhar um tostão! O mesmo se passava com os outros», conta, como se pretendesse estabelecer uma relação comparativa entre as condições oferecidas no seu tempo aos futebolistas e aquelas que atualmente estes desfrutam.
«Antes de ser escolhido pelo Amora, jogava descalço para poupar as alpercatas» Manifestando uma timidez ou, se se quiser, uma economia de palavras que contrasta com o depoimento prestado pelo seu consócio Amélio Batista Cunha, João de Almeida, vulgo «Barbitas», 81 anos, que nos tempos da sua mocidade envergou a camisola do popular clube amorense, lá vai dizendo que o gosto pela prática do futebol lhe nasceu por alturas da adolescência, devido à circunstância de a direção haver decidido colocar, todas as tardes de quarta-feira, uma bola à disposição da rapaziada, para que esta mostrasse os seus atributos. Essa iniciativa, com a qual todos rejubilaram, posto que lhes oferecia a possibilidade de jogarem com uma bola de cauchu, ao invés das costumeiras bolas de trapos, que marcavam as suas jogatanas diárias, visava captar para as duas equipas que, à época, representavam a coletividade aqueles que maior aptidão revelavam para a prática da modalidade. «Jogávamos descalços, porque as nossas posses eram poucas e tínhamos de poupar as alpercatas. Calcei as primeiras botas quando integrei a primeira linha. Herdei-as de um jogador mais velho.
João Almeida, conhecido entre as gentes de Amora por «Barbitas», o da esquerda, posando para a objetiva fotográfica na companhia do seu antigo colega de equipa António Amadeu.
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«Primeiro clube em que joguei chamava-se União Amorense» Mau grado tudo isso, considera nunca ter regateado esforços na defesa do emblema que trazia ao peito. Sempre que entrava em campo, fazia-o de coração e alma, além do mais porque representar o clube da terra constituía uma honra para qualquer rapaz da sua geração. «Enverguei a camisola do Amora Futebol Clube até 1942, ano em que o médico entendeu que eu não estaria em condições para continuar a jogar, passando então a fazer parte do conselho técnico. Mas até esse dia, quase sempre integrei o primeiro “team”. Poucas vezes alinhei nas reservas. Daí em diante, como não podia dar o meu contributo à equipa, passei a ocupar-me do arranjo do campo e respetivas marcações, assim como dos equipamentos, isto além de integrar o conselho técnico».
No entanto, a equipa onde se iniciou, em 1937, dava pelo nome de União Amorense, uma agremiação então sediada na denominada Amora de Cima, a qual, por via da rivalidade que a opunha à sua congénere, acolhia os jovens que, por este ou aquele motivo, não caíam nas graças dos diretores do grémio situado na zona baixa da localidade. «Nele joguei apenas uma temporada. E tudo porque o diretor do Amora Futebol Clube entendeu, esse ano, não me inscrever. O mesmo sucedendo, aliás, a uma série de rapazes da minha idade. Ora, como o vício da bola falava mais alto, afinal era o único divertimento que ao tempo possuíamos, imediatamente decidimos ir jogar pelo União Amorense. Mas, porque se tratava de um clube de rua, enquanto o Amora Futebol Clube se assumia já como o grande clube da terra, logo que regressei do serviço militar deixei de jogar por esse clube e passei a representar o Amora», refere João de Almeida.
Na foto, João Almeida, «Barbitas», à esquerda do guarda-redes Idalécio, na última época em que envergou a camisola do clube da sua terra. À direita do guardião está Augusto «Piolho». Reconhecem-se ainda, na fila de cima, Valançoel, Osvaldo, David «Medideira», Panira. Na fila de baixo (agachados), encontram-se Velhote, Miguel, Pacheco, Amadeu e Fernandinho.
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Rifar uma cabeça de porco para pagar as deslocações da equipa Uma vivência associativa que lhe permitiu não apenas reter um punhado de histórias exemplificativas do espírito clubista que então animava as gentes da terra, mas também as privações que caracterizaram essa época. Uma experiência que deixou profundas marcas em quantos a viveram. «Nesse tempo, para irmos jogar ao Montijo ou a Setúbal, tínhamos de rifar uma cabeça de porco, porque de outro modo não havia dinheiro para as passagens. Vendíamos cada rifa a dez tostões (1$00). O problema é que nem sempre o clube tinha dinheiro para comprar a cabeça de porco. Uma dor de cabeça permanente», diz João de Almeida, «inquietação que não se dissipou com o correr do tempo, porque anos depois, quando Jaime Rasteiro
me convidou para dirigir os juniores, essa continuava a ser a minha principal aflição, o que me obrigava a ir todos as noites tocar “zingarelho” na sala do loto para dessa forma angariar o dinheiro das passagens da equipa. Enfim, uma vida de luta que não se limitou à parte meramente desportiva, mas que se alargou ainda a vários melhoramentos no campo. Um deles, feito com a ajuda de seis rapazes da minha criação, foi a construção das primeiras bancadas. Uma obra que nos impediu de gozar qualquer domingo ou feriado enquanto não ficou concluída. Uma empreitada em que nos envolvemos com uma determinação tal que até as nossas próprias mulheres mobilizámos. Não para que elas fizessem trabalhos pesados, mas sempre iam ajudando naquilo que podiam e sobretudo tratavam do comer, evitando com isso que viéssemos almoçar a casa, com as consequentes perdas de tempo», refere.
Arrumadas as chuteiras por imperativos que ultrapassaram a sua vontade, aceitou o convite de Jaime Rasteiro para dirigir os juniores, tarefa à qual se entregou de coração e alma, tal como sucedera com a construção das primeiras bancadas que o campo possuiu. No caso, trata-se da representação júnior amorense, na época de 1957-1958, antes da realização de um jogo na Medideira. Nela se observa ainda parte da bancada de que foi um dos obreiros.
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Naturalmente satisfeito com os feitos protagonizados pelo clube em tempos mais recentes, João de Almeida, popularmente conhecido por «Barbitas», não deixa, todavia, de referir que, de todos eles, os que maior contentamento lhe trouxeram foram os que a sua equipa conseguiu na época em que os atletas jogavam por amor à camisola. «Não se ganhava um tostão e, quando se ganhava, o valor nunca ultrapassaria os 20$00 por semana. Além disso, batiam-se de igual para igual com os fortes conjuntos que o Barreirense, a CUF e o Vitória de Setúbal nesse tempo apresentavam», lembra.
Um tempo em que o único socorro era uma «farmácia» com água-oxigenada e mercúrio para limpar as feridas «Depois disso, as conquistas alcançadas pelas equipas do Amora Futebol Clube tiveram como principal incentivo o amor ao dinheiro e não o amor à ca-
misola, razão pela qual o sentimento que senti com tais conquistas é completamente diferente daquele que no meu tempo me invadia. Um tempo em que, para além de jogarmos, ainda vendíamos os bilhetes das partidas disputadas em casa». Mesmo assim, reconhece que a estada do Amora na 1.ª Divisão do futebol nacional contribuiu para a divulgação do nome da terra e com ela o reavivar do espírito bairrista que sempre animou os seus naturais, em especial os que, como ele, dedicaram parte significativa das suas vidas à causa associativa. «Uma vida inteira dedicada ao Amora», sublinha. «Certa ocasião, já depois de estar afastado da equipa, o clube ia jogar ao Montijo, mas à hora da partida um dos elementos não compareceu, situação que deixou muito aflito o diretor Joaquim Vindima. Perante tal situação, e por não ser hipótese a equipa jogar só com 10 elementos, ocorreu-lhe socorrer-se de mim. Como nunca consegui dizer não ao clube da minha terra, lá fui eu substitui-lo. Nesse dia, o meu comer foi somente um cachucho».
Equipa do Amora, onde se pode ver a velha «farmácia». Neste registo, João de Almeida, «Barbitas», é o terceiro a contar da esquerda, na fila de cima.
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Trabalhador da extinta fábrica Mundet, João de Almeida, «Barbitas», relembra ainda que a evolução registada ao longo deste período de tempo não apenas alterou a fisionomia da localidade como, acima de tudo, alterou as condições de vida das pessoas. «Para que se possa ter uma ideia da transformação que houve, direi que, quando fui para a tropa, ganhava oito mil réis/diários (8$00), salário que não me permitia usufruir de uma boa qualidade de vida, tal como a generalidade dos habitantes da terra. Hoje, os tempos são outros. Felizmente», assinala João de Almeida, «de tal ordem que até as equipas já têm médico e massagista, coisa impensável nos anos 1940, época em que a única coisa que possuíamos era uma pequena «farmácia», contendo uma embalagem de água-oxigenada e outra de mercurocromo, para limparmos as feridas. Nada mais», recorda o antigo atleta e dirigente amorense
Fernando Rocha «O Amora sempre se assumiu como o embaixador da terra» Nascido em Lisboa, mas considerando-se natural de Amora, por força de aqui se encontrar desde o quarto dia de vida, Fernando Rocha, 60 anos, é outro dos habitantes da localidade que, desde os tempos de criança, se encontram ligados ao popular clube amorense. Animado pelo fervor clubista que então envolvia os moradores da terra, muito cedo se interessou pela vida da agremiação, a tal ponto que as suas primeiras recordações remontam aos finais dos anos 1940, altura em que a sede social funcionava numas ve-
Nos primeiros tempos de utilização do campo da Medideira, o vasto e irregular tapete de erva que povoava o recinto de jogo era outra das dificuldades que os atletas tinham de defrontar. Tal como na foto anterior, João Almeida encontra-se posicionado na fila de cima.
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lhas e exíguas instalações situadas na Praça 5 de Outubro, ou seja, muito antes de começar a vestir a camisola da coletividade, o que só aconteceria na década seguinte. Um fervor clubista acentuado, quer pela sua condição de jogador, quer, posteriormente, pelas diferentes funções diretivas que, ao longo dos anos, tem desempenhado. O complexo desportivo, esse, já se encontrava implantado na Quinta da Medideira, mas apresentava condições muito rudimentares. «Nada que se assemelhe àquilo que é hoje. O campo era de terra batida e os balneários mais não eram que umas barracas, sem nenhum outro tipo de conforto que não fosse o de evitar que nos vestíssemos e despíssemos à frente de toda a gente. Além disso, não dispunham de água. Se, no final dos jogos, quiséssemos tomar duche, tínhamos de pegar em baldes e retirá-la de um poço que ali existia. Água fria, claro! Pois nem caldeira havia! Banho de água quente era um luxo que não estava ao nosso alcance. Bem gostaríamos...», diz Fernando Rocha, com um sorriso revelador do quão difícil foi esse tempo que lhe foi dado viver. «Reporto-me, claro está, a um período em que a população total da freguesia, na qual se incluía Corroios, não ultrapassava os três mil habitantes, embora fosse já uma das localidades mais populosas do concelho», apresta-se a esclarecer.
gastadas e endurecidas pelo uso, quase não se suportavam nos pés. Só em 1958 é que calcei o primeiro par de chuteiras novas. Até aí, tinha de me contentar com as que os mais velhos deixavam de utilizar». Apesar disso, guarda gratas recordações desses seus tempos de juventude e das múltiplas alegrias que o clube lhe proporcionou.
«Vencer equipa do Vitória de Setúbal foi a maior alegria da minha juventude»
Ao longo da sua carreira desportiva, Fernando Rocha apenas uma época não representou o clube da sua terra. Tal sucedeu na temporada em que integrou o plantel do Seixal Futebol Clube, quando este disputou o Campeonato Nacional da 1.ª Divisão
Atleta pertencente às primeiras equipas jovens do Amora Futebol Clube, Fernando Rocha refere ainda que devido aos constrangimentos financeiros por que o clube passava, resultantes do reduzido número de associados e do baixo valor da quota, os equipamentos utilizados pelos escalões de formação provinham das dispensas deixadas pela equipa principal. «O mesmo sucedia com as botas, que, de tão des-
«A mais remota de todas as alegrias ocorreu no tempo em que ainda jogava nos juniores e resultou da conquista do Campeonato Distrital da 1.ª Divisão. Um feito nunca antes conseguido e que, por essa razão, foi vivamente festejado. Mas, como jogador, o momento em que mais exultei vivi-o quando vencemos a nossa congénere do Vitória de Setúbal, coisa
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Uma das várias formações amorenses de que Fernando Rocha fez parte. No caso, encontra-se ao centro, na fila de cima.
inédita até essa altura. E diga-se que o Vitória possuía uma senhora equipa, na qual pontificava o guarda-redes Mourinho, entre outros atletas de grande valia», recorda com indisfarçável agrado. Como sénior, integrou aquela que, para muitos, designadamente os associados mais antigos, fora, até então, a geração de ouro do Amora Futebol Clube, por mor de se haver sagrado, nas épocas 1960-1961 e 1961-1962, campeã distrital, anos em que disputou igualmente a fase final do torneio de acesso à 2.ª Divisão Nacional, um objetivo que, em qualquer das vezes, não logrou alcançar por força da diferença entre golos marcados e sofridos.
Promoção à 1.ª Divisão Nacional, um feito ímpar na história do clube A partir daí, a terra começou a desenvolver-se urbanisticamente, processo que permitiu à popular coletividade alcançar outra capacidade desportiva e, com ela, a ascensão ao Campeonato Nacional da 3.ª
Divisão. Um processo que, no início dos anos oitenta, a levou a conquistar o cetro da 2.ª Divisão Nacional e a correspondente promoção à divisão principal do nosso futebol, na qual se manteve três épocas consecutivas. «Essa foi outra alegria que jamais esquecerei», realça. «Um momento ímpar na vida do clube, festejado efusivamente pelos amorenses, fruto do aturado trabalho levado a cabo pela direção presidida por Dorives Pereira e prosseguido nos anos subsequentes pelos irmãos Fernando e Manuel Paixão», lembra. Embaixador primeiro da freguesia de Amora desde 1921, ano em que formalmente ocorreu a sua constituição, Fernando Rocha defende ainda que uma das traves mestras que suportaram o aparecimento do clube e a simpatia com que os moradores da terra o acolheram foi ter-se assumido como o grande representante desportivo quer da juventude, quer de toda a população local. «De outro modo, não se compreenderia que as pessoas vibrassem como, nesse tempo, vibravam,
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com as vitórias e sentissem, tão profundamente, as derrotas. Aliás, creio bem que a circunstância de, ao tempo, não haver mais nenhuma instituição de carácter desportivo na freguesia é elucidativa do ambiente que a envolvia, porque nela se sentiam representados e nela se reviam», observa o ex-atleta e dirigente amorense. Um tempo em que os habitantes da localidade não se limitavam a seguir a atividade do Amora Futebol Clube, antes a viviam intensamente, porque ele desempenhava um papel aglutinador de quantos viviam na referida freguesia.
Clube nascido da imaginação popular «Em termos recreativos e culturais, as atenções concentravam-se na Sociedade; todavia, no que concernia ao desporto, tudo girava em volta do clube, uma coletividade nascida da imaginação do povo e
que este logo transformou numa das suas mais importantes bandeiras. Uma comunhão afirmativa de valores e de vontades que, ao longo de décadas, uniu os diferentes estratos sociais da população, comunhão essa que, de certo modo, ainda prevalece em determinados aspetos da sua postura quotidiana», sustenta Fernando Rocha. Embora sempre recorresse à «prata da casa» para formar as suas equipas, algumas vezes houve em que o grémio amorense se viu forçado a acolher nas suas fileiras um ou outro atleta estranho à terra, para preencher este ou aquele lugar. Foi o caso de Idalécio, um guarda-redes que, nos anos 1940, deixara o Vitória de Setúbal para ingressar no Amora, onde permaneceu um punhado de anos. «Só por volta dos anos 1960 se abriram as portas aos atletas que não eram de Amora», refere. «Até aí, a quase totalidade do plantel assentava na rapaziada que aqui nascera ou vivia», adianta. «Outro fator que, a meu ver, contribuiu para o for-
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A primeira vez que uma equipa de futebol do Benfica se deslocou à freguesia de Amora, para realizar um jogo de carácter particular, constituiu outro dos grandes acontecimentos festivos registados nesse tempo. O evento visou homenagear o então treinador da equipa local, Alexandre Trindade, homem que, antes de assumir as funções de técnico dos amorenses, desempenhara, entre outras funções, a de treinador da equipa de ciclismo dos encarnados. As fotos mostram-nos um dos momentos dessa homenagem e uma fase da partida que opôs as formações principais dos dois clubes.
talecimento desse espírito clubista que então se vivia resultou da assiduidade com que as pessoas, ao tempo, frequentavam a sede. A isso não seria, provavelmente, estranha a circunstância de ali se encontrar uma das primeiras telefonias que houve na localidade. Uma novidade para a época, cujos encantos atraíam a generalidade das pessoas, encantos ainda mais acentuados pelo reduzido poder de compra da população, que tornava a aquisição de tal aparelho inacessível à generalidade das bolsas. Daí que as pessoas, todas as noites, fossem à sede do clube ouvir os programas que a telefonia transmitia. Aos domingos, então, os relatos dos jogos de futebol do Benfica e do Sporting enchiam a casa. Era um regalo ver tanta gente! Como o espaço, então, ficava exíguo, a população repartia-se pelo Amora e pela Sociedade Operária Amorense, nomeadamente
quando o clube jogava fora», relata com tal vivacidade que dir-se-ia estar ainda a viver esses distantes momentos. Sem dar tempo a que essa grata lembrança tente embargar-lhe a voz e lhe embarace as palavras, cuja fluência do discurso tem mantido uma firmeza inalterável ao longo do seu depoimento, tentando, assim, ocultar os inquestionáveis sentimentos de afetividade que sente pelo seu clube, Fernando Rocha como que respira fundo e avança: «Com o aparecimento da televisão, o fenómeno repetiu-se. E quando transmitia os jogos da Seleção Nacional, não havia ninguém que desviasse os olhos do aparelho. Felizmente que, nesse época, a gradual melhoria das condições de vida possibilitou, ainda que a prestações, a aquisição de televisores por parte de diversas famílias. Esta circunstância determinou a troca das precárias condições da sede pelo
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conforto do lar, prejudicando irremediavelmente o saudável convívio existente», reconhece. Com certeza que nem só de alegrias a sua memória nos dá conta: no seu alforge de lembranças, também há alguns acontecimentos que angustiaram a massa associativa. Um deles refere-se à iminência de descida à 2.ª Divisão Distrital, caso não lograsse vencer o Imparcial de Alcochete, clube que, nessa temporada, procurava igualmente salvar-se da despromoção. Todavia, graças ao empenho e à determinação da rapaziada, tal descida não se verificou. O denodo demonstrado, nessa ocasião, resultante da já mencionada comunhão de vontades e valores, contagiaria, a seu ver, o grupo de atletas que constituiriam a equipa do ano imediato. Com tanto vigor que logo se sagrou campeã distrital, ascendendo, por isso, ao nacional da 3.ª Divisão. «Tratava-se de um conjunto muito coeso, reforçado pela ascensão à primeira categoria de uma série
de talentosos jovens provenientes dos juniores e dos quais faziam parte Ramiro, Vasco, Ciríaco, Fernando, vulgo «Caramelo», Sidónio da Fonseca, Benjamim, Joaquim Raimundo, Joaquim e Sebastião Pinheiro, Hélder, eu e «Genita», quero dizer, Eugénio Simões, irmão do internacional do Benfica com o mesmo apelido, também ele natural de Amora. E outros, cujos nomes agora não me vêm à memória. Tudo gente aqui nascida», salienta Fernando Rocha. Homem de trato afável, cultivador de amizades e gerador de simpatias várias, atributos a que se associa a capacidade de se emocionar, este devotado atleta e dirigente amorense não deixa, contudo, de recordar outros jogadores de grande valia que passaram por este clube e que não sendo naturais da localidade dignamente defenderam o seu emblema. E de tal ordem o fizeram que rapidamente começaram a ser cobiçados pelos chamados grandes do nosso futebol. Assim aconteceu com Benedito, Her-
A equipa do Amora Futebol Clube em 1959-1960, na qual, para além de José Henrique, popularizado pela alcunha de «Zé Gato», mais tarde guarda-redes do Benfica e da Seleção Nacional, se encontra Fernando Rocha, o penúltimo da mesma fila.
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mes, Zézinho, José Carlos, Fernandes (pai de Paulo Futre) e José Henrique, também conhecido por «Zé Gato». Este último não seria apenas o titular da baliza do Benfica, durante um largo período de tempo, como seria também o guarda-redes da Seleção Nacional uma caterva de anos. «É certo que alguns deles auferiam uma pequena verba por representarem o clube, creio que a título de compensação pelos incómodos que as deslocações para os treinos lhes provocavam. Mas o pessoal da terra, esse, apenas ganhava os prémios de jogo, ao tempo, cerca de vinte a trinta escudos». Retratos de um tempo em que os associados pagavam uma quota mensal de dois escudos e cinquenta centavos e os atletas antes de vestirem a camisola eram obrigatoriamente inscritos como sócios, embora estivessem dispensados do respetivo pagamento. De igual modo, as deslocações para os jogos faziam-se de bote, no caso do Barreiro, ou de canoa,
quando o prélio se realizava no Montijo ou em Alcochete, situação que forçava ao embarque muitas horas antes, não só por mor da distância, mas também por via da maré, porquanto só com a preia-mar a travessia se podia efetuar. O mesmo se passava quanto ao regresso, bastas vezes efetuado a desoras, tanto por ausência de maré propícia, como por falta de vento. Fragmentos de uma vivência que a voragem dos anos dissipou, mas que importa reter, para que melhor se possa conhecer a identidade concelhia, sustentada no forte espírito comunitário que emana do importante legado depositado nas mãos das atuais gerações pelos anteriores associados, desportistas e dirigentes que passaram pelas várias agremiações desta terra.
A promoção do futebol feminino também foi outra das traves mestras da atividade desportiva desenvolvida por este popular clube nos anos 1960. Entre os seus sócios há quem afirme que terá sido, porventura, um dos primeiros clubes a nível nacional a iniciar esta atividade. Como que confirmando essa tese, aqui se reproduz o registo da primeira equipa feminina que, em 1963, envergou a camisola do popular clube de Amora, então treinada por Magnaldo Malta, também ex-atleta do clube desde o escalão júnior. Curioso será referir que as funções de roupeiro e de massagista da equipa estavam confiadas a sua esposa, Maria da Piedade Rodrigues.
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A formação da categoria júnior que em 1948-1949 se sagrou vencedora da Taça Palhinhas. Magnaldo Malta é o segundo da fila de baixo, a contar da esquerda, uma das primeiras equipas que representaram o grémio amorense neste escalão.
Muitos outros acontecimentos povoam ainda a memória dos habitantes de Amora. Entre eles, destaca-se a conquista do Campeonato Distrital da 1.ª Divisão, na época de 1953-1954, a primeira vez que o Amora Futebol Clube se sagrou campeão distrital. Constituíam essa equipa: Aguinaldo, Amadeu, Raúl, Cachopo, «Tica», «Carnô «Tremuras» Tiago, Alberto Soares, Magnaldo Malta, Mário Henriques, Pinhola, Sebastião Pinheiro, José Francisco e Raúl «Marinha». Era seu treinador Rudolfo Faroleiro e o massagista, José Júlio Ramalhete.
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A palestra dada por Otto Glória na sede social do clube em 1960, ano em que o conceituado treinador brasileiro, que mais tarde assumiria o comando técnico do Benfica e da Seleção Nacional, se encontrava desempregado, é outro dos eventos que permanecem na memória de quem a ele assistiu. Na foto, reconhece-se ainda Cosme Narciso Lopes, ao tempo presidente da Câmara Municipal do Seixal.
Cerimónia de entrega do estandarte oficial da agremiação, em 2 de maio de 1963, no âmbito das comemorações do 42.º aniversário da instituição.
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Época de 1968-1969, temporada em que o Amora Futebol Clube participava, pela primeira vez no seu historial, num campeonato nacional.
Outro evento houve que calou fundo nas gentes da localidade: António Simões, nas comemorações do 52.º aniversário do clube. A sua presença assumiu ainda maior significado porque o conhecido «magriço», nascido na localidade, ofereceu a camisola da Seleção Nacional ao clube no qual iniciou a sua carreira.
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Herdeiro legítimo do património afetivo deixado pelo Sport Lisboa, Grupo Desportivo Camões e Seixal Sport Clube, grupos populares que, no primeiro quartel do século XX, utilizavam os velhos campos da Quinta da Trindade e que, com o desaparecimento dos referidos recintos, acabaram também por se extinguir, ante a ausência de local para continuarem a sua atividade, o Seixal Futebol Clube é uma agremiação cujas origens nos remetem, inapelavelmente, para o imaginário dos habitantes desta antiga vila piscatória, situada na margem esquerda do Tejo. Assim, atento o espírito bairrista que, à época, caracterizava os seus naturais, difícil se tornava aceitar a ideia de que, no outro lado do rio Judeu, entenda-se Amora, houvesse um clube de futebol e a sede do concelho há vários anos não possuísse igualmente uma agremiação desportiva capaz de congregar os genuínos sentimentos que animavam a generalidade da população local. É neste quadro de insatisfação, ao tempo considerada por muitos como uma intolerável ofensa à dignidade da própria terra, que um grupo de seixalenses, constituído por José Martins Reimão, António Jorge Evangelista Júnior, José Pinto Ramos, Leopoldino de Oliveira Cavaquinha e António José Robim, decide tomar em mãos a tarefa de proceder à fundação de um clube que se assumisse como o intérprete dos anseios, valores e interesses desportivos das gentes da terra. E se bem o pensou, melhor o fez, já que se tratava duma intenção que extravasava largamente o mero âmbito das conjeturas e se afirmava um objetivo não apenas credível mas, acima de tudo, desejado por quantos nela viviam.
Tal projeto, acolhido com entusiasmo quer pelos dirigentes dos extintos grupos populares e seus atletas, quer pela totalidade dos moradores, rapidamente ganhou forma, traduzindo-se, a 6 de fevereiro de 1925, na criação do Seixal Futebol Clube, grémio que logo concitou a adesão de jovens e adultos. Certamente que ao longo do processo de constituição da agremiação obstáculos houve que reclamaram engenho e arte aos promotores da ideia para levarem avante os seus propósitos. Desde logo, os que se prendiam com as deficientes condições de vida que marcaram esse período da nossa história. Mas o que era isso ante a vaga de fundo que em seu redor se gerou?! Obviamente que pouco. Pois se até os mais desfavorecidos se revelavam os principais entusiastas da boa nova, como não levar até ao fim esse desígnio? Cruzar os braços, mal se deparassem as primeiras dificuldades, isso sim, seria defraudar as expectativas de quantos se haviam mobilizado e, mais do que tudo, uma afronta à sua capacidade de entrega a tal causa e um atentado ao orgulho dos seixalenses. Neste ambiente de verdadeira exaltação associativa, nasceu o Seixal Futebol Clube, fervor que tem sabido manter ao longo da sua existência, concitando, por isso, a espontânea simpatia de quantos, naturais ou não, vivem na localidade e o entendem como instituição que, devido à diversidade de modalidades que sempre acolheu, muito tem concorrido para prestigiar o fenómeno desportivo e o concelho.
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Manuel Silveira «Pêssego» Uma vida dedicada ao clube da sua terra Figura carismática do Seixal Futebol Clube, agremiação pela qual começou a jogar logo aos dezassete anos, para aos dezanove assumir as funções de capitão de equipa, cargo que apenas deixaria de exercer aos vinte e oito, altura em que decidiu retirar-se da atividade desportiva, Manuel Silveira, 82 anos, conhecido entre os seus pares pelo cognome de «Pêssego», é um dos exemplos do carinho que os jovens desse tempo nutriam pela popular coletividade. Iniciando a sua carreira no então denominado quarto «team», já que, à época, não havia os chamados escalões de formação, a dedicação que evidenciou na defesa das cores do clube cedo o catapultou para a primeira categoria, na
qual se manteve cerca de uma década, o mesmo é dizer, até ao momento em que contraiu matrimónio, não obstante os convites recebidos da totalidade dos clubes então existentes em Lisboa, para que passasse a representá-los. Homem modesto, modéstia que, de resto, ressalta das palavras que escolhe para relatar cada um dos episódios que essa vivência desportiva e associativa lhe proporcionou, Manuel Silveira revela-se, em cada gesto, em cada frase, uma figura algo embaraçada com a circunstância de se ver a rememorar episódios de um tempo que a voragem dos dias se tem encarregado de apagar. Um comportamento que perpassa todo o seu depoimento, procurando assim ocultar a sua vivência associativa e o contributo humano de que ela se reveste para este repositório de histórias e memórias contadas por aqueles que às coletividades entregaram parte significativa do seu saber, talento e criatividade. Gente que, com a sua participação, expressa
A primeira de todas as formações do Seixal Futebol Clube, logo após a fundação da agremiação, em 1925.
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das mais diferentes formas, ajudou a erguer o valioso património coletivo e humano que esta agremiação atualmente possui.
Mãe recusa convites de clubes de Lisboa Filho do proprietário de um antigo estaleiro naval, Manuel Silveira esclarece que a circunstância de poucos conterrâneos o conhecerem pelo nome próprio resulta, a um tempo, da expressão utilizada por seu pai ao anunciar a amigos e clientes o nascimento do rebento, quando dizia já ter um «pêssegozinho» lá em casa, e, a outro, de o futebol se haver encarregado de popularizar e perpetuar essa alcunha, tornando-a num verdadeiro apelido entre as gentes da terra. «Mal passei para a primeira linha do Seixal Futebol Clube, os dirigentes do Chelas convi-
daram-me para jogar por ele. Atrás desse, veio o União Lisboa. Seguiram-se o Sporting, através do internacional e capitão de equipa Rui de Araújo, o Benfica, por intermédio do presidente da direção, Manuel da Conceição Afonso, considerado, nessa altura, o presidente operário do clube da águia, e do secretário, Eduardo da Fonseca. O Belenenses enviou-me o convite por um sujeito que era cliente do nosso estaleiro. O Atlético Clube de Portugal, agremiação resultante da fusão do União Lisboa e do Carcavelinhos, também me queria lá, mas a resposta que a minha mãe deu a todos quantos vieram bater-me à porta foi a de que “tinham vindo enganados”». Embora em sua casa todos fossem simpatizantes do Benfica, instituição da qual é sócio há 58 anos, quando se colocou a hipótese de abandonar a coletividade da terra para alinhar
A equipa do Seixal Futebol Clube vencedora do Campeonato da Estremadura. Nela se vê Manuel Silveira «Pêssego», na fila de baixo, com o esférico entre as mãos.
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pelos encarnados, a resposta que os responsáveis obtiveram por parte da sua progenitora foi perentória: «para dar e apanhar pontapés não precisa de sair daqui para lado nenhum. Está cá muito bem», conta, ao mesmo tempo que solta uma sonora gargalhada. «Não havia volta a dar. Viesse lá quem viesse e fosse para quem fosse, o veredicto era o mesmo». Um sentimento que não tinha contemplações sempre que se levantava a eventualidade de um filho da terra «desertar», a não ser que para isso obtivesse a respetiva autorização paternal, a quem, nesse tempo, cumpria decidir sobre o futuro dos seus descendentes enquanto estes não completassem 21 anos, idade com que alcançava legalmente a maioridade. Ora, como tais propostas surgiram antes de perfazer 21 anos, o poder de decisão coube a quem o tutelava, que de imediato afastou os «aliciadores» dos seus intentos. «Essa foi a principal razão por que não me transferi para o Benfica, à semelhança do que sucedeu com Albano Pereira, quando se transferiu para o Sporting», confessa, para logo adiantar que isso lhe permitiu continuar a acompanhar, a par e passo, a vida do clube da sua devoção. Embora só haja preenchido a proposta de sócio quando deixou de praticar futebol, por via dos estatutos da coletividade impedirem então aos atletas a condição de associados, para que assim lhes estivesse vedado o acesso à sede e a convivência com a massa associativa, isso não lhe provocou nenhum tipo de desmotivação, antes lhe acentuou o interesse pelo dia a dia da agremiação. «Assim, mal reuni as condições para me tornar sócio, não hesitei, situação que me permite atualmente ser o número 19», sublinha. Eleito presidente da Comissão de Fundos, constituída para angariar os 100 000$00 necessários à instalação da iluminação do Campo do
Bravo, Manuel Silveira «Pêssego» reafirma que tal projeto constituiu uma grande benfeitoria para a coletividade. «A grande dificuldade da obra surgiu quando se apurou que o custo final se cifrava num valor muito superior àquele que nos havia sido pedido que angariássemos, porque esse foi inteiramente alcançado. Perante isso, quem teve de assumir o montante em falta foi José Tavares da Silva, pessoa a quem o Seixal Futebol Clube muito deve e que, ao tempo, desempenhava o cargo de presidente da direção», recorda. Em todo o caso, tratou-se de um melhoramento que veio dotar a agremiação de outras condições para a prática desportiva e de outro grau de competitividade, posto que permitiu a realização de treinos noturnos e, por consequência, melhor apronto tático e físico da equipa.
Chefe da secção de futebol nos tempos áureos do clube A prová-lo está o facto de nos anos imediatos ter subido do regional à 1.ª Divisão do Campeonato Nacional, um feito inigualável no historial do clube, conseguido na penúltima jornada, frente ao Luso do Barreiro. «Tratou-se de um período de grande fulgor, durante o qual desempenhei as funções de chefe da secção de futebol da coletividade», adianta o conhecido seixalense. Um tempo de grandes alegrias oferecidas à massa associativa por uma equipa constituída por rapazes da terra e outros que nela não tendo nascido muito acarinhados eram pelas gentes da antiga vila. Neste seu relato de vivências e memórias avivadas pelo curso da conversa, Manuel Silveira refere igualmente a sua participação numa equipa de ténis de mesa, modalidade muito
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A equipa vencedora do Campeonato Nacional da 3.ª Divisão e que, dois anos mais tarde, levou o clube a disputar o Campeonato Nacional da 1.ª Divisão, numa altura em que Manuel Silveira «Pêssego» desempenhava as funções de chefe da secção de futebol do Seixal Futebol Clube. Tratava-se de uma formação constituída predominantemente pela chamada «prata da casa», de que são exemplo o artilheiro Manuel Cambalacho e o guarda-redes Alfredo Barroqueiro. Este último, apesar de nascido em Vila Franca, adotou a localidade como sua, razão pela qual nela constituiu família e fixou residência até ao momento em que decidiu emigrar para Inglaterra. Regressado a Portugal, fixar-se-ia outra vez no Seixal, até ao dia em que o coração não teve forças bastantes para segurar mais uma vez o esférico, entenda-se, a vida. Reconhece-se ainda Augusto Tavares da Silva, à época presidente da direção, que, ao longo desses três anos, acompanhou o «team» ao escalão maior do futebol português.
popular na época, e a rivalidade que opunha o Seixal Futebol Clube ao seu congénere de Paio Pires, coletividade que, em sua opinião, possuía uma excelente formação. «O Seixal sempre rivalizou com os principais clubes do concelho: com o Amora, no futebol; com o Paio Pires, no ténis de mesa, e esta mais complicada porque a Aldeia dispunha de melhores praticantes que nós». Reportando-se ainda ao entusiasmo que o clube provocava nas gentes da localidade, Manuel Silveira «Pêssego» salienta que o arrebatamento era tal que nem o prior escapava, encontrando-se sempre entre os principais apoiantes, quer o jogo se disputasse em casa, quer fora. Elemento da equipa vencedora do Campeo-
nato da Estremadura, uma das provas mais importantes realizadas ao tempo, Manuel Silveira «Pêssego» destaca do palmarés do clube as duas taças correspondentes aos títulos de Campeão Nacional da 3.ª Divisão, a primeira edição da Taça Ribeiro dos Reis e a Taça Disciplina. «Uma época em que o Seixal dava cartas. E com uma equipa que apenas ganhava os prémios de jogo, distribuídos da seguinte forma: presença por treino, 10$00; participação no jogo, 150$00; vitória fora, 250$00; empate fora, 200$00; vitória em casa, 200$00; e empate em casa, 150$00. Estes foram os valores que ganharam os atletas da equipa que ascendeu à 1.ª divisão. Nada mais». Diz, sublinhando com um sorriso essa recordação dos tempos em que de-
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A par do futebol, o ténis de mesa foi uma modalidade que, em tempos idos, também obteve alguma projeção no seio da popular agremiação seixalense.
tinha a responsabilidade pelos destinos da referida secção e pelo ambiente de camaradagem que nela se vivia. «Outros tempos, outra vida...», conclui.
José Tavares da Silva Obreiro da eletrificação do Campo do Bravo Sócio de um dos mais importantes grupos empresariais da região e uma das mais emblemáticas empresas da antiga vila do Seixal, responsável pela ocupação de largas centenas de habitantes da referida localidade, José Tavares da Silva, 85 anos, é um nome regularmente apontado pelos restantes consócios sempre que
se passam em revista alguns trechos da vida do Seixal Futebol Clube, coletividade pela qual se sentiu seduzido desde os tempos da meninice. Homem que, no dizer dos seus conterrâneos, sempre se afirmou interessado no progresso da localidade e nas diferentes formas de elevação dos seus habitantes, entre as quais se contam as coletividades e às quais deu muito do seu tempo, capacidade empreendedora e algum dinheiro, com particular destaque para o clube de futebol, no qual assumiu algumas vezes a presidência da direção, são atributos bastantes para o colocarem entre as figuras locais que maior simpatia e respeito desfrutam junto da comunidade. Por todas estas razões, o seu depoimento afigura-se uma peça essencial do acervo memorial da popular agremiação desportiva, quer pelo retrato da vida do clube em determinada época, quer pelo conjunto de acontecimentos em que esteve envolvido, muitos deles escapando mesmo à história oficial da coletividade, porque vi-
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vidos unicamente por si, logo não partilhados pelos restantes companheiros de direção. Pessoa de trato fácil, capaz de se emocionar quando solicitado a recuperar vivências e episódios que a distância dos anos remetera para um remoto canto da sua memória, onde preserva os pertences que ao legado das afetividades se referem, José Tavares da Silva manifesta-se surpreendido pelo exercício que lhe é pedido, eventualmente porque acreditasse tratar-se de uma matéria que pouco interessaria a quem a não viveu. Na perspetiva do referido empresário, a sua ligação ao Seixal Futebol Clube remonta aos anos da infância, altura em que o ambiente de fervor em torno do clube assumia tamanha dimensão que não deixava ninguém indiferente, fosse velho ou novo.
Transferência de Albano valeu vinte contos ao Seixal «De tal ordem, que eu próprio me recordo de andar a empurrar vagões de terra, quando tiveram lugar as obras de construção do Campo do Bravo. Ainda era garoto», assinala, para acrescentar que se tratou de uma tarefa que mobilizou toda a comunidade local. «Tudo se fazia por amor à camisola e à dignificação do nome da localidade, sendo, por isso, normal que a sua equipa representativa fosse integralmente constituída por filhos da localidade. Uns mais dotados que outros, mas todos eles unidos num mesmo objetivo: a elevação do nome do Seixal e das suas gentes», sublinha. «Esse princípio manteve-se, aliás, ao longo de vários anos e com assinalável sucesso, tanto pe-
Apesar de se tratar do elemento mais franzino de quantos formavam a primeira equipa de juniores do Seixal Futebol Clube, constituída em 1938, Albano Pereira logo começou a exibir os seus atributos para a prática da modalidade. Para além de Albano Narciso Pereira (na extremidade direita da fila de baixo,) essa equipa integrava ainda Carlos Batista, Álvaro Manetas, António Rosa, Generoso Narciso, Jaime Costa e engenheiro Roberto (fila de cima); António Pinho, Cosme Pedro e José Marques (fila do meio); Manuel Pereira, Armando Fernandes, Filipe Narciso e José Farto (na fila de baixo).
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Uma transferência que suscitou bastante controvérsia entre os associados, obrigando mesmo à realização de uma assembleia geral tendente a tomar uma decisão final sobre o assunto, ficando então estabelecido que a cedência do jogador poder-se-ia efetuar desde que o Sporting pagasse uma verba, presume, de vinte contos.
«Parte dos custos da luz tive de ser eu a pagar»
Albano Pereira envergando a camisola da Seleção Nacional, já depois de integrar os famosos cinco violinos do Sporting, uma transferência que, na altura, gerou forte polémica, devido à circunstância de muitos associados não concordarem com a venda do passe de um dos melhores atletas do clube.
los êxitos que deu ao clube, como por haver permitido o despontar de jovens de grande talento, tais como o Albano Pereira, que depois integraria os famosos cinco violinos do Sporting, seu primo e muitos outros, cujos nomes a memória já não me deixa registar».
Membro da mesa de assembleia geral em diversos mandatos, é eleito presidente da direção do grémio seixalense em 1958, ano em que imediatamente se lançou na concretização de um velho sonho que os associados do clube acalentavam: a eletrificação do campo, projeto que, de resto, lhe exigiu um esforço pessoal muito significativo, mormente em termos financeiros, já que teve de arcar com parte dos custos, porque, quando a obra foi concluída, o dinheiro existente nos cofres da coletividade era manifestamente insuficiente para tamanha despesa. «Apesar disso, tal benfeitoria, orçada em cerca de 180 contos, uma fortuna para o tempo, constituiu uma grande alegria para todos os seixalenses, já que se tratava do primeiro campo de futebol da região a ter luz elétrica, coisa de que nem o Vitória de Setúbal e o Barreirense se poderiam orgulhar», afirma com notória satisfação. Afastado das lides associativas por recomendação médica, para evitar que o coração lhe pregue alguma partida, José Tavares da Silva faz ainda questão de sublinhar que isso não significa que tenha deixado de se interessar pela vida do clube e de contribuir financeiramente sempre que para tal é solicitado, «mas porque a saúde não se compadece com certas emoções, embora continue a pagar as quotas e a dispor de um camarote no campo, há mais de três anos que
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não vou assistir a um jogo», afirma, resignado. Considerado por muitos consócios um verdadeiro mecenas do Seixal Futebol Clube, o respeitado empresário prefere antes assumir-se como um associado que ao longo dos tempos se limitou a apoiar a instituição na medida das suas possibilidades. Nada mais que isso. Reportando-se aos feitos desportivos alcançados pelo clube da sua terra, o ex-dirigente não hesita em afirmar que, de todos eles, o que adquiriu maior projeção foi a passagem pela 1.ª Divisão. «Essa foi a grande coroa de glória, mas tal só se conseguiu devido à existência da eletrificação do campo, permitindo que a equipa pudesse treinar à noite, uma vez que durante o dia não o podia fazer, já que os seus elementos trabalhavam. Tal conquista ocorreu no mandato presidido por meu irmão Augusto, poucos anos depois de eu haver cessado essas funções, num perí-
odo em que laboravam aqui diversas unidades industriais, empresas que, de uma forma ou de outra, também ajudavam o Seixal, a agremiação mais representativa da vila. No dia em que teve lugar, em Leiria, o jogo de acesso à 1.ª Divisão, a vila do Seixal ficou deserta. Toda a gente foi apoiar o «team». No regresso, então aquilo é que foi festa. Até as duas filarmónicas se associaram aos festejos», relembra com agrado.
Ligação afetiva ao Seixal está assegurada pelo sobrinho Histórias contadas na primeira pessoa que nos remetem para um tempo em que as condições de vida da população se caracterizavam pela falta de satisfação de um vasto conjunto de necessidades básicas, entre elas o abastecimento domiciliário de água ou a escassez de transpor-
Instantâneo de uma partida disputada no Campo do Bravo, antes do recinto ter sido beneficiado com a instalação de energia elétrica, obra que forçou José Tavares da Silva a despender da sua bolsa uma avultada quantia.
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tes públicos, entre muitas outras privações que vedavam à juventude de então o acesso a outros motivos de diversão para além do futebol. «Não se pense, todavia, que o futebol é a única modalidade desportiva que o clube pratica», adverte José Tavares da Silva. «Igual destaque assume o hóquei em patins, cuja origem remonta aos tempos do extinto Grupo Desportivo da Mundet, e o basquetebol, valências que também têm contribuído para divulgar o nome da localidade. Só que, tanto uma como outra, não fizeram parte das primeiras modalidades que o Seixal praticou. Essas foram o futebol e o ténis de mesa», informa. Para o referido empresário, a afetividade que a sua família nutre pelo clube resulta de um sentimento muito profundo que atravessa várias gerações e que não se esgota nos mais idosos. «O testemunho dessa ligação ao Seixal Futebol Clube está assegurada por intermédio de meu sobrinho José Augusto, que nele tem desempenhado vários cargos, designadamente ao nível do conselho fiscal», salienta em jeito de ponto final.
César Joaquim Um barbeiro do Seixal que ao clube da sua terra emprestou a arte de outros ofícios Corticeiro de profissão, atividade laboral em que, durante largas décadas, se ocupava a generalidade dos habitantes da pequena vila do Seixal, ocupação que teve de abandonar por motivos de saúde para se dedicar ao ofício de
barbeiro, César Joaquim é um dos muitos jovens que desde os tempos de adolescência se sentiram tocados pelo ambiente que então envolvia o Seixal Futebol Clube. Um entusiasmo que cedo o levaria a ocupar as funções de vogal da direção, lugar no qual permaneceu apenas um mandato, porque entendia que a sua participação na vida da instituição poderia revestir-se de maior utilidade no desempenho de outras funções que não as que lhe estavam confiadas. Assim, como se considerava mais dotado para as atividades lúdico-culturais do que para a atividade desportiva, logo que empossados os novos corpos gerentes, decidiu integrar, conjuntamente com Carlos Cabrita, a comissão da biblioteca da coletividade, com o intuito de promover a sua reorganização e pôr cobro a alguns desmandos que nela ocorriam, motivados sobretudo pela irreverência de alguns jovens estudantes que a frequentavam.
Reorganizador da biblioteca «Tratou-se, antes de tudo, de conferir àquele espaço a dignidade que o mesmo necessariamente reclamava, retirando-lhe o aspeto de mera sala de fumo, uma coisa nada consentânea com a função que lhe fora destinada, além de colocar um ponto final na desarrumação em que se encontrava», assinala César Joaquim. «Complementando essas medidas, comprou-se um elevado número de novos livros, situação que muito concorreu para que esta passasse a funcionar muito bem. Para nosso agrado e maior satisfação dos seus utilizadores». Ainda que não saiba precisar com que idade começou a frequentar a sede da agremiação, o referido adepto sabe, contudo, que quando aos 15 anos começou a namorar, já há muito lhe conhecia todos os recantos, uma confidên-
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Um aspeto da construção do pavilhão gimnodesportivo do Seixal Futebol Clube, obra iniciada pela geração de César Joaquim e concluída por uma comissão presidida por António Augusto Palaio, que integrava ainda Aurilindo Santos, filho do conhecido adepto seixalense. Uma infraestrutura desportiva que muito valorizou o património do clube.
cia prontamente confirmada pela esposa que acrescenta: «quem o queria ver era ir à sede. Estava sempre lá metido. E levava a coisa tão a peito que quando nasceram os filhos, quase os não via, porque quando chegava a casa já as crianças estavam a dormir.» Filho de um operário da construção civil, ao qual se deve, aliás, a existência dos primeiros balneários do clube, César Joaquim não esconde a felicidade que denota ao relembrar os episódios que reputa mais significativos da sua vivência associativa, uma satisfação que se reflete em cada frase, em cada gesto e se estende à esposa e ao filho que assistem à conversa. Talvez devido a essa influência paterna haja decidido meter ombros à construção quer das primitivas bancadas do Campo do Bravo, quer do antigo rinque de basquete. No entanto, não satisfeito com a realização das referidas benfeitorias, anos mais tarde integraria ainda a
comissão responsável pela construção do atual pavilhão gimnodesportivo do clube, projeto de grande envergadura e cuja conclusão seria assegurada depois por um grupo de rapazes da geração seguinte, entre os quais se contavam Aurilindo Santos, seu filho, e António Augusto Palaio.
Descobridor de vários talentos tanto no futebol como no basquete Embora haja jogado basquetebol na mesma equipa que integrava Ítalo Carolino, Eugénio Carvalho, Américo «Sapateiro» e Sintra, além de haver pertencido a várias equipas de ténis de mesa que representaram o clube, não se presumia dotado de atributos especiais para o exercício de nenhuma modalidade em particular, pelo que prontamente decidiu ocupar-se da missão de observar os torneios populares de futebol,
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que à época se organizavam na vila, com o fito de «pescar» os miúdos que mais atributos evidenciavam para a prática futebolística. O mesmo se dirá do basquetebol. Afinal, uma observação que rendeu à instituição vários atletas. Dir-se-ia que, sem o saber, o seu trabalho visava vislumbrar talentos, tarefa, em tudo, idêntica à que os designados olheiros dos grandes clubes hoje desempenham. «Dos vários rapazes pescados para o Seixal Futebol Clube, contam-se, entre outros, Hélder Pinho, Fernando Sado, Alfredo Barroqueiro e Manuel Cambalacho. Estes dois chegaram a integrar o plantel que representou o clube na 1.ª Divisão», refere. «O último dos quais provinha, aliás, de uma família com tradições na bola, porque seu tio Osvaldo Cambalacho não só jogou no Seixal como, ainda, no Elvas e no Futebol Clube do Porto, clube ao serviço do qual se sagrou campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal, na época de 1956-1957. Quando dei-
xou de jogar, treinou, entre outras equipas, a do Boavista. E a última que orientou foi a do Seixal, onde, de resto, iniciou a sua atividade desportiva». Diz, e ao dizê-lo, os olhos adquirem um súbito brilho, como se estivessem a rever tudo quanto acabara de contar. «Para além dele, Octávio Cambalacho, outro dos tios desse rapaz, embora nunca tenha representado o Seixal Futebol Clube, jogou no Vitória de Setúbal, chegando mesmo à Seleção Nacional num jogo contra a Itália, disputado em 27 de abril de 1927. Nesse encontro, a equipa das quinas perdeu por 2-1, sendo o tento português marcado por este seixalense que, por via de ter alinhado nessa partida, se tornou no primeiro jogador natural desta terra a assumir o estatuto de internacional». Entusiasta da secção de basquetebol e responsável pela promoção de alguns torneios levados a efeito na localidade, num tempo em que a modalidade não lograva ter a projeção que
Terminada a carreira futebolística, Osvaldo Cambalacho abraçou o cargo de treinador, tendo orientado diversas equipas, a última das quais foi a do Seixal Futebol Clube, agremiação onde iniciou a sua atividade desportiva. Na foto: Osvaldo Cambalacho acompanhado dos seus atletas que constituíram a equipa do Seixal Futebol Clube que nas épocas de 1933 a 1936 se sagrou campeã do Núcleo do Seixal e vencedora da Taça Mundet.
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Um homem de iniciativa
Octávio Cambalacho, apesar de não ter representado o clube da sua terra, jogou pelo Vitória de Setúbal, clube ao serviço do qual se destacou sendo, por isso, chamado a integrar a Seleção Nacional numa partida contra a Itália. Tal participação torná-lo-ia, em 1927, no primeiro atleta natural do Seixal a gozar o título de internacional.
hoje conhece, César Joaquim faz questão de relembrar os quatro irmãos Costa Bandeira, respetivamente João, Eugénio, José e Carlos, jogadores do Seixal Futebol Clube, que despontaram nesses torneios, para além de muitos outros, entre eles William Landeiroto, atleta da primeira equipa de basquete do Seixal. «Tratava-se de uma modalidade com grande tradição na terra, que teve como figuras proeminentes António Crato, António Mendes, Augusto Pimentel, Egas Godinho e Mário Fernandes», realça, enquanto se apresta para atalhar: «E, nessa altura, os cartazes anunciadores dos jogos eram todos escritos à mão pelos rapazes mais novos. O meu filho chegou ainda a fazer alguns. Só anos mais tarde, com a instalação da Tipografia Popular, passaram a ter outra apresentação».
Homem de iniciativa, que não se contentava com o simples pagamento atempado da respetiva quotização, César Joaquim empenhava-se ainda na atividade diária da popular coletividade, quer por via do seu envolvimento em elencos diretivos, quer pela sua participação em inúmeras comissões de fundos, criadas para os mais diversos fins. Nuns casos tendentes à realização de obras de melhoramento das instalações desportivas, noutros, visando a angariação de verbas que permitissem a atribuição de prémios de jogo aos atletas, especialmente quando o resultado se afigurava determinante para os objetivos classificativos da agremiação. «Ora como, nesse tempo, os jogadores não ganhavam ordenado, a atribuição dos referidos prémios de jogos visava estimular a sua aplicação dentro das quatro linhas e, desse modo, conseguirem a vitória», sustenta. «Mas porque, nessa altura, as pessoas tinham poucas posses, pois tratava-se de uma vila operária, onde os salários eram muito baixos, para conseguirmos arranjar esse dinheiro tínhamos de usar a imaginação. É assim que surge a ideia de realizarmos, para além dos habituais bailaricos, também uns sorteios de eletrodomésticos, objetos que não faziam ainda parte dos haveres de muitas famílias, tais como frigoríficos, fogões, telefonias... e que, por essa razão, motivavam o pessoal a comprar as rifas», esclarece César Joaquim. «Claro que essas iniciativas davam trabalho a quem as organizava, mas também renderam bom dinheiro ao clube, permitindo ainda aos contemplados pela sorte passarem a dispor de alguns utensílios domésticos que, de outra forma, tão depressa não lhes seria possível adquirir», assegura. «Era esta a vida do Seixal Futebol Clube até
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aos anos 1960, período em que a ele estive ligado. Uma vida de trabalho, trabalho e mais trabalho, que não distinguia novos ou velhos e ao qual todos se entregavam de alma e coração. No fundo, todas essas canseiras acabavam por constituir a única diversão que, à época, estava ao nosso alcance», conclui César Joaquim, para quem a realidade atual da sua terra natal é completamente distinta daquela que lhe foi dado conhecer ao longo da sua existência.
Alfredo Frescata «O clube espelhava o modo de vida dos habitantes da localidade» Natural do Seixal e sócio da popular agremiação desportiva desde 1933, Alfredo Frescata, 79 anos, é outro associado que, mal completou a
idade exigida nos estatutos, formalizou a sua adesão ao Seixal Futebol Clube, coletividade que, à semelhança dos moços da sua geração, há muito se habituara a frequentar. A oficialização dessa relação afetiva tornou-se assim possível no dia em que Armando Balinho, então diretor do clube, lhe perguntou se já tinha idade para se tornar sócio e se não pretendia preencher uma ficha de inscrição. Esta ligação coloca-o entre os associados mais antigos da coletividade. Testemunha de muitos acontecimentos ocorridos ao longo de tão dilatado período de tempo, Alfredo Frescata, embora se não esqueça do contentamento que o invadiu quando viu o clube sagrar-se vencedor das finais dos Campeonatos Nacionais da 3.ª e da 2.ª Divisão, elege a subida à 1.ª Divisão como aquele que mais profundamente marcou as gentes da localidade e maior alegria espalhou entre a massa associativa. «Uma euforia como nunca se havia visto por estas bandas», enfatiza. «E a coisa não era para menos, pois, tratando-se de um acontecimento
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desportivo único, devia ser festivamente celebrado».
Quota de vinte e cinco tostões pesava no orçamento familiar Tesoureiro do grémio seixalense nos anos cinquenta, Alfredo Frescata lembra ainda que, e por absurdo que possa parecer, a vila do Seixal tinha mais mocidade nesse tempo do que tem hoje, situação que lhe imprimia um cunho tão vincadamente bairrista que dificilmente seria ultrapassável noutras localidades da região, fenómeno que atribuía ao Seixal Futebol Clube o papel de embaixador de tão elevado sentimento. «Nessa altura, a vida do clube espelhava, no fundo, o modo de vida das pessoas, com todas as dificuldades inerentes à época, mas expressava igualmente a comunhão de valores que animava os habitantes da localidade, razão pela qual qualquer que fosse o triunfo que ele alcançasse constituía sempre motivo de júbilo. Aliás, para que se possa aferir, com rigor, o poder de compra que então a população detinha, direi que ainda antes de me associar, a quota era de vinte e cinco tostões (2$50), verba que obrigava muitas pessoas a demitir-se por via de não conseguirem suportar tal quantia, situação que levou José Martins Reimão, um dos fundadores do Seixal, a propor numa assembleia geral realizada para apreciar a onda de demissões que assolava a coletividade, que o valor da mesma baixasse para quinze tostões (1$50). Uma medida que surtiu efeito, evitando mais desistências e provocando a adesão daqueles que entretanto haviam saído», salienta. «Ainda assim, não era com uma quota mensal de quinze tostões (1$50), valor que pagava quando entrei para sócio, que o clube podia viver desafogadamente. Por isso, todas as melhorias que se faziam resultavam sempre do trabalho
voluntário da massa associativa. Não fora esse espírito de militância, dificilmente sobreviveria. Felizmente que nesse tempo todos pugnávamos pelo mesmo objetivo», sublinha Alfredo Frescata, como que estabelecendo um paralelo entre esse período e os dias de hoje. Estamos a falar de um tempo em que a ida a Amora, situada na margem oposta do rio Judeu, se efetuava em pequenas lanchas, devido à escassez de transportes públicos e à reduzida disponibilidade financeira das gentes de então. «Sempre que o Seixal Futebol Clube lá ia jogar, saíam daqui umas trinta, quarenta lanchas carregadas de pessoal para apoiar a equipa. E mais gente não ia porque não havia lanchas que a levasse. Todos pretendiam acompanhar o clube», salienta, num misto de saudade e alegria. Uma, por recordar episódios que julgava definitivamente arrumados numa esquecida gaveta da sua memória; outra, por constatar que essa vivência associativa lhe permitiu adquirir outro grau de conhecimento da vida nas diferentes vertentes em que esta se expressa.
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Paio Pires Futebol Clube O clube da rapaziada da aldeia
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Corria o ano de 1925 e os habitantes de Aldeia de Paio Pires, em especial a juventude acreditou ser, finalmente, possível realizar o sonho que há muito acalentava. Tal era o de formar um clube desportivo que, à semelhança dos dois já existentes no concelho, também ele disputasse as provas oficiais que ao tempo constituíam o calendário da Associação de Futebol de Lisboa, entidade desportiva à qual o distrito de Setúbal então pertencia. Essa coletividade, sediada na Rua Aristides Costa e denominada Portugal Futebol Clube Aldeense, resultava da seleção dos dois ou três grupos populares que, ao tempo, representavam a aldeia nos torneios amadores promovidos nos lugares vizinhos, e visava assim congregar os esforços e talentos dispersos pelos referidos grupos, elevando a sua capacidade a outro patamar competitivo. Vencida a primeira etapa do projeto com o natural agrado de quantos nele se envolveram, importava agora levar a efeito a segunda fase, consubstanciada na inscrição da novel agremiação na estrutura que liderava o futebol da região, processo que enfrentou algumas dificuldades, devido à circunstância de a mesma ter sido recusada por mor de já se encontrar filiado na aludida associação um clube com o nome de Portugal, contratempo com o qual, de todo, não contavam. Ante esta contrariedade, que muitas dores de cabeça trouxe aos entusiastas da ideia, a rapaziada da aldeia não desistiu de levar por diante os seus intentos, razão pela qual é convocada uma assembleia geral tendente a estudar a melhor forma de ultrapassar a vicissitude que se lhes deparava, no decurso da qual é tomada a decisão de alterar a designação inicial para Paio Pires Futebol Clube, removendo, desse modo, o impedimento que subitamente se colocara no seu caminho.
É, pois, neste quadro, que a 6 de junho desse mesmo ano se constitui oficialmente o grémio paiopirense, coletividade que assumindo o papel de embaixador desportivo da aldeia, logo colheu a simpatia dos seus habitantes e dos proprietários das várias quintas agrícolas ali existentes. Sabe-se ainda que por causa dos reduzidos meios de que a agremiação dispunha, afiguraram-se difíceis os seus primeiros tempos, situação que obrigava os próprios atletas a pagar da sua algibeira todo o material desportivo que utilizavam e as respetivas deslocações, sempre que os prélios se disputavam fora da aldeia. Mesmo assim, os briosos rapazes de Paio Pires deram boa conta de si nas diversas provas em que participaram, sagrando-se, em 1935, vencedores do Troféu Assistência Nacional aos Tuberculosos e do primeiro torneio de ténis de mesa, organizado com os clubes do concelho, este último realizado em 1946, ano em que uma comissão constituída por um grupo de associados resolveu – com êxito – meter mãos à fundação de uma biblioteca.
Bento José Rodrigues Memórias de um obreiro da refundação do Paio Pires Testemunha privilegiada do modo de vida das gentes da aldeia e da sua popular agremiação desportiva, Bento José Rodrigues, 89 anos, é um dos poucos associados ainda vivos que nesses distantes anos da juventude se entregaram de coração e alma à fundação do Paio Pires Futebol Clube. Protagonista de inúmeras histórias que escapam à história oficial da popular agremiação, e
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que por isso mesmo o tornam numa referência incontornável da instituição e uma das figuras mais respeitadas entre a massa associativa do grémio paiopirense, este ancião, hoje obrigado a permanecer em casa por motivos de saúde, não esconde, no entanto, o profundo sentimento de afeto que nutre pelo clube da sua terra. Embora o Bilhete de Identidade lhe atribua menos um ano do que a idade que efetivamente possui, em consequência de os pais haverem indicado ao tabelião uma data de nascimento próxima do dia em que efetuaram o respetivo registo, cumprindo o prazo legalmente estabelecido para o efeito, Bento Rodrigues, carinhosamente tratado pelos demais consócios por «tio Bento», diz que a sua ligação ao Paio Pires Futebol Clube remonta aos primórdios da fundação da coletividade. «Andava aí pelos meus quinze anos quando tudo começou, mas como a rapaziada que me-
tera mãos à obra não conseguia levar a coisa por diante, ao fim de três anos concluiu que seria melhor desistir da ideia, razão pela qual o clube ficou alguns anos inativo», começa por afirmar Bento Rodrigues.
A refundação do clube deveu-se ao entusiasmo de um grupo de rapazes É então que um conjunto de rapazes da aldeia, insatisfeitos com a ideia de ver morrer o clube sem que nada fizesse para o salvar, decidiu chamar a si a tarefa de o reativar, promovendo para o efeito um peditório entre os habitantes da localidade. «Éramos aí uns vinte, entre os quais Manuel Padeiro e Guilherme Martins. Este, por saber ler e escrever e possuir mais capacidade de argumentação que qualquer um de nós, foi en-
Considerado pelos associados da agremiação um documento de grande significado histórico, a foto apresenta-nos a primeira de todas as equipas existentes no historial do popular clube da aldeia. Este instantâneo foi obtido no primitivo Campo do Vale da Abelha, ou seja, antes de a agremiação atravessar a crise que a levou a estar inativa até 1933, ano em que teve lugar a sua refundação e a consequente transferência do recinto de jogos para a Quinta da Ribeira.
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carregue de tratar junto da câmara e restantes entidades oficiais de toda a papelada necessária à reabertura do clube. Essa subscrição, feita de porta em porta, durou uma semana, no final da qual se apurou uma verba de quatrocentos e tal escudos, valor que para a época era já uma quantia apreciável e nos permitia dar início ao respetivo processo de revitalização». Discutido o destino a dar ao dinheiro proveniente da referida coleta, prontamente concluíram que não havendo bola nem fardamento para formar a equipa, o projeto a que se haviam proposto corria o risco de não se concretizar, caso não tratassem de suprir tais faltas. Um cenário que para além de constituir um descrédito para os seus mentores, muito contribuiria para denegrir a imagem da aldeia aos olhos dos habitantes das localidades vizinhas. Ante essa eventualidade, logo deliberaram que a importância em causa seria utilizada na aquisição do referido material desportivo, cabendo tal missão a Guilherme Martins, Júlio Rendeiro, vulgo «Peru», e Bento Rodrigues. «O que nos movia não era o interesse pessoal, mas sim o intuito de dar nome à terra, uma vez que do clube apenas podíamos esperar trabalho, nada mais. Todavia, porque o que estava em causa era o prestígio da aldeia e de quantos nela viviam, não descansámos enquanto não levámos a bom porto o nosso objetivo, o de que à semelhança das localidades aqui em volta, Paio Pires também tivesse um clube de bola», salienta Bento Rodrigues. «Seria uma enorme vergonha para toda a aldeia se o não conseguíssemos».
Comprados os primeiros equipamentos, prontamente apareceram os jogadores, a sede, o campo e os sócios Não foram, no entanto, fáceis esses primeiros tempos da agremiação, posto que, a par de não dispor de qualquer recinto para a prática desportiva, também não possuía sede, problemas que o querer e a determinação das gentes que à época habitavam a aldeia, em especial daqueles que se entregaram à refundação do clube, lograram ultrapassar. Se bem o pensaram, melhor o fizeram, e um certo dia decidiram rumar até Lisboa para adquirir o referido fardamento, levando cada qual uma saca de papel emprestada por Manuel Padeiro para transportarem o material. «Regressámos ao Seixal no barco que fazia a última carreira e vergados ao peso das sacas e ao adiantado da hora, não nos sentimos com coragem bastante para enfrentar a caminhada até à aldeia, razão pela qual pedimos a Manuel da Quinta, proprietário, ao tempo, de uma carroça que efetuava fretes, que nos fizesse o serviço, já que não havia camionetas e as forças eram poucas para nos atrevermos a carregar tudo aquilo até Paio Pires. Chegados à aldeia deparou-se-nos a dificuldade de encontrar um local onde guardar o material que havíamos comprado, para que o mesmo pudesse ser visto por toda a gente. Foi então que nos surgiu a ideia de solicitar a José do Moinho que nos deixasse expor o equipamento no seu quiosque, situado junto à Sociedade. Surpreendido com a quantidade de artigos que trazíamos nas sacas, o homem prontamente acedeu ao pedido, dando logo instruções ao empregado para que tratasse de estender umas cordas dentro do referido quiosque e pendurasse os equipamentos.
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Alguns talões comprovativos dos títulos de participação na campanha de empréstimo público levada a efeito junto dos habitantes da aldeia com o objetivo de captação de fundos para a aquisição do primeiro fardamento da equipa.
Ao verem os equipamentos, as bolas e as botas, os gaiatos desataram a correr aldeia acima, fazendo tal alarido que não tardou nada a que uma multidão se juntasse em volta do quiosque. Daí à formação da equipa, foi um piscar de olhos», sublinha Bento Rodrigues, com evidente alegria. Adquiridos os equipamentos e constituído o «team», imediatamente se colocou a premência de encontrar um espaço onde os entusiastas do clube pudessem reunir e guardar todo o material que haviam comprado, tarefa que, de acordo com Bento Rodrigues, rapidamente foi ultrapassada, devido ao entusiasmo que tomou conta das gentes da aldeia. «Mal se levantou a questão da sede, alvitrei que se falasse com José Silvério, dono de uma adega situada nas proximidades do coreto, no sentido de que este nos cedesse a casinha que lhe servia de anexo para nela instalarmos o clube. Não me recordo já se no-la emprestou ou
se no-la arrendou, mas o certo é que poucos dias depois da chegada dos equipamentos já o clube lá funcionava», refere o sócio número um do Paio Pires Futebol Clube. Ora, se a razão primeira do aparecimento de um clube de futebol é a prática desta modalidade desportiva, a falta do respetivo recinto poderia inviabilizar todos os esforços tendentes à sua afirmação, razão bastante para que os mentores do reaparecimento do grémio paiopirense cuidassem de arranjar um espaço que lhes permitisse transformá-lo em campo de jogos, dando assim continuidade ao projeto a que se haviam proposto. Observados os locais onde pudessem levar a efeito esse objetivo, optaram por um terreno pertencente a Joaquim da Marinha, localizado na área hoje afeta à Siderurgia Nacional, posto que os outros onde tencionavam fazê-lo se encontravam arrendados para cultivo e os custos resultantes da destruição das searas que neles cresciam se afigurava incomportável para os cofres da jovem agremiação. «Por mor disso, tomámos de renda o pedaço de terra de Joaquim da Marinha, mas porque também neste se encontrava uma sementeira de abóboras, tivemos de lhe pagar uma verba que, creio, foi de 80$00. E, assim, reanimámos o Paio Pires. Com muita determinação, muita força de vontade e muito trabalho, uma vez que a casa da sede se encontrava em muito mau estado e fomos nós quem tratou de a reparar. De igual forma, a feitura do campo da bola também foi tarefa que nos coube realizar. Tudo à força de braços, que nesse tempo não havia máquinas para alisar o terreno. Era bom, era...», relembra Bento Rodrigues.
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Uma vida feita de casa às costas Fruto do bom desempenho inicial, em consequência do qual se registou uma verdadeira onda de adesões, outra dificuldade começou entretanto a despontar. Tal era a do exíguo espaço da sede não conseguir acolher todos quantos se haviam tornado sócios. Dir-se-ia que ainda não se encontravam refeitos das canseiras em que se haviam metido e já estavam a braços com um problema que não tinham perspetivado tão cedo e cuja resolução oferecia, ao tempo, certa dificuldade, já que nessa altura as casas não abundavam em Paio Pires. «Tratava-se de uma situação que começava a provocar-nos algumas dores de cabeça, por causa dos mal-entendidos que frequentemente se geravam entre os que a frequentavam», diz o carismático associado. «Estávamos nisto, quando certo dia alguém me veio dizer que havia na aldeia uma casa que poderíamos alugar. Situava-se ela uns metros abaixo da atual sede e, tal como a primeira, também esta necessitava de várias reparações, mas porque nos oferecia outras comodidades, mudámo-nos para ali. Anos volvidos, quando vagou outra casa que se nos figurava dispor de melhores condições, logo estabelecemos contacto com o proprietário para no-la arrendar, já que aquele em que estávamos, apesar de melhor que o primeiro, ainda não correspondia inteiramente às nossas necessidades. Tomámo-la, então, por 150$00 mensais. Além disso, possuía um grande pátio nas traseiras, o que nos possibilitava a realização de bailes e festas e, com eles, um maior grau de satisfação entre os associados e uma nova fonte de captação de receitas». No entanto, com o correr dos tempos, come-
çaram a notar que a circunstância do proprietário nunca ter levado a efeito qualquer tipo de obras de conservação do imóvel estava a gerar, não só o aparecimento de fendas, como colocava em risco de desabamento o telhado, devido à iminência de derrocada do vigamento que o sustinha. Ante este cenário, e considerando que o senhorio se recusava a realizar tais reparações, outra alternativa não restou à coletividade que não fosse a de ela assumir o encargo dessas benfeitorias, mas sustentada na condição de que enquanto a agremiação ali permanecesse o valor da renda nunca seria aumentado. «Ficou aquilo tudo em 200 contos. Um dinheirão para a época, já que não se tratou apenas de reparar as fendas, mas ainda de substituir todo o vigamento e o telhado», realça Bento Rodrigues. «Mas por absurdo que possa parecer, eis qual não é nosso espanto, quando, certo dia, o dono da casa deita às malvas o acordo que fizera e pretende que a renda seja aumentada, intenção que imediatamente refutámos. Não satisfeito com isso, decide meter o Paio Pires em tribunal, alegando falta de pagamento, o que não era verdade, já que como ele se havia recusado a receber o valor que ficara acordado, o clube começou a deposita-lo à sua ordem na Caixa. Por outro lado, constatando que a generalidade da rapaziada não sabia ler, resolvemos solicitar ao pai do Dr. Carlos Ribeiro, pessoa muito respeitada na aldeia, que representasse o Paio Pires em tribunal, porque sabendo ler e escrever, melhor que nós saberia defender os interesses da terra que habitava e do seu clube. Apesar de nos ter referido que se tratava de uma missão na qual não se sentia muito à-vontade, desempenhou-a excelentemente, visto que no final do julgamento o juiz não se limitou apenas a dar razão ao Paio Pires, conside-
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rando válido o acordo feito verbalmente, como ainda por cima passou um valente sermão ao dono da casa pela falta de palavra que este revelou», conta Bento Rodrigues.
No Vale da Abelha começou ao Vale da Abelha voltaria Uma vida feita de constantes atribulações, já que ao longo de um determinado período da sua história andou sempre de casa às costas, odisseia que terminou apenas no dia em que entrou para o prédio que hoje ocupa, em consequência da escola primária que ali funcionava ter mudado para outro edifício, não sem que antes tenha ainda passado pelo imóvel camarário onde presentemente se situa o centro de dia da associação de reformados da localidade. Não se pense, contudo, que no concernente às instalações desportivas o quadro é significativamente diferente daquele que se observou relativamente às sedes da agremiação, já que também nesse capítulo várias foram as mudanças em que se viu metida, desde os primórdios da sua fundação até à atualidade. Segundo Bento Rodrigues, o primeiro campo utilizado pelo clube, quando este nasceu, o popular grémio chamava-se então Portugal Futebol Clube Aldeense, localizava-se no Vale da Abelha, espaço que seria, aliás, posteriormente arrendado para o cultivo agrícola, devido à prolongada inatividade em que a coletividade permaneceu. «Esse foi o motivo pelo qual tivemos de arrendar uma parcela de terreno de Joaquim da Marinha, situada na Quinta da Ribeira, quando decidimos reativá-lo», diz Bento Rodrigues. «Só muitos anos depois, já nos anos 1960, ali voltaríamos a instalar o parque de jogos, recinto que igualmente havíamos tomado de renda aos respetivos proprietários, uma gente de Lisboa, cujo
nome não me lembro, e que, por via de uma doação que fizeram ao clube, passou a integrar o seu património». Memórias de um obreiro da refundação do Paio Pires Futebol Clube, relatadas na primeira pessoa do singular, claramente reveladoras do quão difícil foram os dias da popular coletividade, mas também do entusiasmo que animava as gentes da aldeia, em especial da sua população mais jovem. Histórias e episódios que provavelmente a história oficial da agremiação não terá registado, porém suficientemente capazes de nos traçarem o preciso retrato do legado humano de quem as protagonizou – sem regatear esforços.
Episódios, vivências e memórias de quatro ex-dirigentes do clube da aldeia José Jorge Loureiro, Guilherme Lino, Luciano Costa e Joaquim Neves são, entre muitos outros habitantes de Paio Pires, quatro associados do Paio Pires Futebol Clube cuja vida se confunde, a cada passo, com a da própria coletividade. Os primeiros, devido à constante participação nos corpos gerentes da agremiação, os segundos, por haverem integrado, até que as forças o permitiram, as suas formações desportivas. Uns e outros confiando o melhor do seu saber e trabalho na dignificação do nome da aldeia e do seu representativo clube. Quatro homens que em plena adolescência se apaixonaram pela vida coletiva. E a tal ponto o fizeram que difícil se torna dissociá-los dos acontecimentos que maior relevância assumem na história do referido clube. Gente que ainda hoje vive, intensamente, as vicissitudes por que, às vezes, passa a agremiação. Todos eles detentores de um fervor e de uma
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vivência clubística que de modo algum poderia ser ignorada, porque reveladora da verdadeira dimensão humanista que sempre rodeou a vida do grémio paiopirense, mormente nos momentos de maior aflição por que tem passado em diferentes períodos da sua história. Razões de monta para que sejam considerados entre os demais associados como aqueles que melhor conhecimento têm da vida do Paio Pires Futebol Clube, tão longa é a sua ligação ao clube, tantos e tão diversos são os episódios que a sua memória regista, mas que, por via da modéstia que define os seus protagonistas, não figuram nos registos oficiais da coletividade. É a recuperação dessas memórias pessoais e das histórias que elas encerram, fruto, aliás, da atenção que sempre dispensaram ao clube da sua terra e da sua alma, que aqui se reproduzem em letra de forma, por uma questão de elementar justiça e de reposição da verdade, das quais resulta, aliás, uma perceção mais correta da realidade social de Aldeia de Paio Pires em tempo idos e do seu clube de futebol.
Doação do parque do Vale da Abelha demorou vinte anos a ser legalizada Iniciando o seu desfiar de lembranças acerca da agremiação que ao longo de vários mandatos foi chamado a presidir, Luciano Costa, 67 anos, recorda que o atual complexo desportivo do clube, situado no Vale da Abelha, integrava a antiga quinta com o mesmo nome, na qual se produziam produtos hortícolas destinados aos mercados então existentes quer no concelho, quer fora dele. «Em dada altura, essa quinta foi comprada por umas pessoas da Costa de Caparica, para efetuarem uma urbanização, projeto imobiliário que, ao tempo, se afigurava de grande dimensão, por via de transformar completamente
aquela extensa faixa de terreno. Corria o ano de 1962. Perante isso, foi entendimento do presidente da câmara, à época, que a aprovação da respetiva alteração do uso do solo carecia de algumas contrapartidas sociais para a população da aldeia, entre elas a doação de uma parcela de terreno para usufruto dos habitantes, razão pela qual os promotores do aludido loteamento decidiram oferecer a área onde se encontra o campo de jogos do Paio Pires Futebol Clube, assim como vários lotes, alguns dos quais optámos por vender, para satisfazermos o pagamento de dívidas que o clube registava. Quem realizou a terraplanagem do local, a instâncias de António das Dores Grilo, nessa época presidente do Paio Pires, foi uma das empresas que trabalhavam na construção da Siderurgia Nacional, trabalho que, aliás, se orçava em 110 contos e nunca chegou a ser pago, devido aos enormes constrangimentos financeiros por que o clube passava. Igual falta de pagamento se verificou quanto ao imposto de SISA, no valor de 100 contos, situação que, por mor de uma lei então existente, segundo a qual quem não tivesse procedido, em devido tempo, à sua liquidação, ficava impedido de celebrar a respetiva escritura por um período de vinte anos, nos impossibilitou de legalizar a titularidade da propriedade», adianta. «Por esse motivo e porque o doador havia entretanto falecido, só vinte e tal anos depois de a doação ter ocorrido é que, oficialmente, dela pôde tomar posse. Mas, para que a escritura se fizesse, muito contribuiu a honestidade da viúva que, honrando a palavra do finado marido, confirmou que o terreno havia sido doado por este ao Paio Pires. Não fora a senhora uma pessoa de bem e nunca aquele espaço teria vindo à posse do clube», sublinha. Diretor da agremiação logo aos 16 anos, o co-
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nhecido paiopirense, sócio de uma conceituada empresa de obras públicas e terraplanagens, refere ainda que por essa altura o campo da bola se situava na Quinta da Ribeira, demasiado longe da sede social, então localizada na Rua Aristides da Costa, o que obrigava a que fossem os próprios diretores a carregarem com os equipamentos às costas, além de procederem às marcações do respetivo recinto de jogos e de encherem o depósito de água para o banho dos jogadores, retirando-a a pulso do poço ali existente. Enquanto isso, José Jorge Loureiro, também ele membro dos corpos gerentes em diversos mandatos, atalha que a resolução do caso apenas se verificou alguns anos após o 25 de Abril, quando se deslocou à Repartição de Finanças do Seixal para tratar do respetivo registo, uma vez que a Conservatória Predial já havia efetuado a alteração do estatuto de prédio rústico para prédio urbano. «Tanto os registos como a escritura ficaram em meu poder, até ao momento em que cessei funções diretivas, dia em que entreguei os documentos a Estêvão Homem. Mas, como ele já faleceu, não sei agora quem os guardou», diz.
Quase todos os atletas iam tomar banho a casa Embora não haja nascido em Aldeia de Paio Pires, Joaquim Neves adotou-a como sua aos 20 anos, idade com que integrou a equipa de futebol, na qual, de resto, se manteve cerca de 9 temporadas, findas as quais participou em diversos elencos diretivos. «A circunstância de ao longo de tantos anos defender as cores do Paio Pires Futebol Clube, deve-se, exclusivamente, à simpatia que por ele sentia, posto que as condições de que desfrutávamos eram muito precárias. Chegavam a tal
ponto que, quer nos jogos, quer nos treinos, nos víamos obrigados a tomar duche de água fria, uma realidade que se tornava ainda mais dolorosa no pico do inverno, devido ao facto de a água se encontrar gelada», realça. «De todos os elementos da equipa, o único que resistia a tamanha provação era Florindo Costa, os restantes mal acabavam os treinos vinham equipados aldeia acima, tomar banho a casa. Não havia ossos que aguentassem tamanha frialdade», salienta. «Não obstante tudo isso», diz ainda Joaquim Neves, «aquele campo constituía um talismã para o clube porque sempre que ali jogava nunca perdia». Na opinião de Luciano Costa, convirá, aliás, recordar que a Siderurgia Nacional pagou então ao Paio Pires uma compensação financeira de 50 000$00 para que este dali saísse, uma vez que aquele espaço lhe estava arrendado, verba que seria, de resto, utilizada na construção do parque desportivo do Vale da Abelha. Natural da localidade, Guilherme Lino, também ele ex-dirigente da coletividade num sem número de mandatos, relembra que desde miúdo se habituou a frequentar a sede do clube, apesar das constantes ordens de Bento Rodrigues para que fosse para a rua. «Da mesma forma que me metia na rua, metia também os outros da minha idade, porque não queria que estivéssemos a ver os mais velhos a jogar às cartas, jogos que, em seu entender e de acordo com os padrões educacionais da época, não deveriam ser presenciados por gaiatos», refere. Neste seu discorrer sobre os tempos da infância, Guilherme Lino sublinha que «mau grado esse aparente sentimento de rejeição, que interpretávamos como uma injusta manifestação de antipatia, justo é reconhecer que Bento Rodrigues foi um dos mais dedicados associados do clube.
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Teófilo Gomes Romão, Estêvão Homem e Guilherme da Cruz Martins, três dirigentes do Paio Pires Futebol Clube que não regatearam esforços para elevar o nome da instituição desportiva da sua terra e cujo empenho e dedicação continuam a ser lembrados pelos seus conterrâneos e consócios
O mesmo se afirmará de Estêvão Homem, Teófilo Romão e José Augusto Gomes, uns autênticos moiros de trabalho a par de incansáveis dirigentes desta casa». Sem deixar de referir igualmente Manuel Pedro Cortegaça, Guilherme da Cruz Martins, Manuel Gonçalves, Frederico Loureiro e tantos outros cujos nomes de momento não lhe ocorrem, Guilherme Lino faz, no entanto, questão de realçar que «todos eles eram filhos da terra». Experiência diferente teve José Jorge Loureiro, já que somente aos catorze anos entrou pela primeira vez na sede do clube, devido a uma proibição imposta pelo pai.
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A projetada tentativa de assalto à Sociedade Musical 5 de Outubro «Não era que me faltasse vontade de o fazer», diz, «mas por força da rivalidade que nesse tempo se observava entre a Sociedade Musical 5 de Outubro, da qual meu pai fora um fervoroso entusiasta, e o Paio Pires, só quando ingressei como aprendiz no Arsenal do Alfeite pude dar livre curso a esse antigo desejo». Suscitada a memória desse «conflito», por força da intervenção do seu consócio e amigo Luciano Costa, relata que «durante vários anos a disputa entre as duas populares agremiações foi de tal forma acesa que uma noite chegou mesmo a ser formado um grupo que se propunha ir tomar de assalto a Sociedade Musical 5 de Outubro para nela hastear a bandeira do Paio Pires Futebol Clube. Isso aconteceu num período em que a 5 de Outubro não possuía direção. E o assalto só não se consumou graças ao bom senso e à firme oposição revelados por José João Loureiro, um rapaz que mais tarde viria a ser dirigente do Paio Pires. Caso contrário, teríamos procedido à respetiva ocupação. Uma aventura instigada pelos velhos, que quase nos levava a perder o sentido das coisas», confessa. Enfim, histórias que o tempo se encarregou de esbater, mas que nos permitem ajuizar, com rigor, o fervor clubista que caracterizava a massa associativa do popular clube de futebol, em dado momento da sua história Um sentimento que, colocado nos seus devidos limites, ainda hoje se constata entre os associados mais antigos do clube, como é o caso destes quatro interlocutores. Testemunhas de uma vivência associativa que quase nos remete para os domínios da pura ficção, tão genuína é a realidade retratada e tão ricas as experiências relatadas, que fácil se tor-
na às vezes misturarem-se as intervenções por outras áreas da participação cívica. É disso exemplo José Jorge Loureiro, que a dada altura da sua vida acumulou as funções de presidente da direção do Paio Pires Futebol Clube com as de presidente da Junta de Freguesia de Aldeia de Paio Pires, órgão do Poder Local, no qual permaneceu 14 anos. «Foi num dos mandatos em que estive na junta que se celebrou com a câmara o protocolo de cedência gratuita da atual sede social do clube, por um período de 70 anos», diz.
Uma praça de touros em pleno parque desportivo, uma originalidade do clube Invulgar é ainda a circunstância de se tratar do único clube de futebol da região que no interior do seu complexo desportivo possui uma praça de touros, uma originalidade que muito surpreende quem ali se desloca pela primeira vez. «A ideia de instalar uma praça de touros nos terrenos anexos ao campo da bola», adianta Luciano Costa, «deveu-se a José Maria Pereira Guimarães e Idalino de Carvalho, ainda que não tivesse sido essa a sua intenção inicial, porquanto esta se limitava à realização de umas garraiadas num improvisado redondel, feito com uns quantos barrotes. Tratou-se de uma iniciativa cuja origem radica no entusiasmo que Idalino de Carvalho, criador de gado bravo, sempre manifestou pela lide de toiros e pelo ambiente que envolve esse tipo de espetáculo. Um entusiasmo que o levou a promover, conjuntamente com José Guimarães, umas paródias com novilhos para divertir a rapaziada. Assim, atento o entusiasmo que a diversão provocava na população da aldeia, prontamente concluímos que ali poderia estar uma excelente
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fonte de receita para o clube, aproveitando para o efeito a própria geografia do terreno. Daí à tomada de decisão de proceder à construção da praça em alvenaria foi um pequeno passo, já que os associados asseguravam a mão de obra e a maior parte dos tijolos poderiam ser obtidos junto de uma cerâmica que se havia instalado em Brejos de Azeitão (precisamente nas atuais instalações da AERSET), caso nos fosse autorizado o aproveitamento do material que enviava para refugo, diligência que seria confiada a José Guimarães, vulgo “Zé da Pala”, que a desempenhou a contento».
Inauguração já ocorreu depois da Revolução de Abril «Reunidos estes dois elementos absolutamente necessários à concretização do projeto, havia agora que sensibilizar outras entidades, em ordem a obter o seu concurso para a aquisição do cimento. É então que decidimos abordar João Costa, ao tempo investido interinamente nas funções de presidente da câmara, para que a edilidade se associasse à obra. Feliz a hora em que eu e Estêvão Homem falámos com ele, porque logo obtivemos a garantia de cem contos para continuarmos os trabalhos, valor que adicionado aos empréstimos feitos pelos associados nos permitiu concluir o empreendimento. Mesmo assim, a construção da referida praça prolongou-se por quatro anos, situação que originou que a sua inauguração ocorresse já depois da Revolução de Abril. Além disso, muitos sócios nunca chegaram a ser reembolsados dos respetivos empréstimos, uns porque decidiram doar essa importância ao clube e outros porque o valor da receita obtida com a realização da primeira tourada – apesar de muito boa – não chegou para saldar o valor total dos empréstimos.
Aliás, será interessante referir», conta Luciano Costa, «que o cartel dessa corrida tinha como cabeças de cartaz os cavaleiros tauromáquicos Luís Miguel da Veiga e José João Zoio, este último, ao tempo, militante do CDS, o qual, segundo me confidenciou na altura o homem que fizera as bandarilhas, tencionava iniciar a lide do primeiro touro desfraldando na arena uma bandeira daquele partido. Para evitar que levasse por diante os seus intentos, dado que se tratava de um partido de direita que colhia a antipatia generalizada do público que assistia ao evento, tive de me impor perante ele. Caso contrário, ter-se-ia armado uma batalha campal de consequências imprevisíveis», sustenta. A exploração desse espaço lúdico só deixou de fazer sentido quando os espetáculos que ali tinham lugar começaram a dar prejuízo, o que se afigurava contraproducente em relação aos objetivos da agremiação.
Temperamento quezilento de Bejinha provocava bastantes barafundas A respeito de batalhas campais, Joaquim Neves relembra que por mor da malandrice que o seu antigo companheiro de equipa Rogério Bejinha colocava em cada jogo, algumas vezes se viram em apuros, especialmente quando se deslocavam a Sarilhos e a Alcochete. «O seu temperamento sarrafeiro, nos jogos em casa, fazia com que os adversários, nos jogos fora, tratassem os demais elementos da equipa, com notória rudeza», diz. «Uma ocasião, em Sarilhos», atira Luciano Costa, «até eu, que já não jogava à bola, apanhei um cabaz de porrada por causa dele, enquanto noutra altura, em Sesimbra, isto já nos anos 1960, teve de ir a GNR de Paio Pires tirar-nos do campo. Neste caso, porque a equipa local necessitava impreterivelmente de ganhar aquele
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A equipa do grémio paiopirense que na época de 1959-1960 conquistou o Campeonato Distrital da 2.ª Divisão, num tempo em que a agremiação era liderada por José da Costa (o primeiro da fila de cima, a contar da esquerda). A referida formação integrava ainda, pela mesma ordem: Jorge Borronha, Joaquim Neves, Carvalho, Adelino, Luís Vasques (treinador), Henrique Lino, Francisco Sousa, Florindo Costa, Hélio e José António Gomes (diretor desportivo). Na fila de baixo: João José, Alexandre, Fortunato, Quirino, Alegria, Alberto Borronha, Rogério Bejinha e Rocha.
jogo e não conseguiu mais do que um empate. Aquilo era um ambiente medonho», enfatiza o ex-dirigente, ao tempo vice-presidente desportivo do Paio Pires Futebol Clube. «A coisa foi de tal ordem que mal terminou a partida, tive de me esconder dentro da camioneta para não ser sovado outra vez». Encerrado este ciclo de peripécias em torno das barafundas geradas por Rogério Bejinha e pelas contingências do futebol, logo José Jorge Loureiro relembra que, à época, o centro da aldeia situava-se no largo fronteiro à Sociedade, local onde bastas vezes se discutiam os assuntos do clube.
Professor Carlos Ribeiro, o primeiro médico do clube «Nessas discussões, assumiam papel preponderante várias figuras da aldeia, entre elas Manuel Gonzalez, vulgo Manuel «Padeiro», sogro do Dr. Perdigão, um dos fundadores do Paio Pires Futebol Clube, então, sócio n.º 2 da agremiação e a quem recorríamos sempre que os cofres do clube se viam em apertos. Nelas também intervinha o professor Carlos Ribeiro, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, clínico que durante muitos anos desempenhou as funções de presidente da assembleia geral da coletividade e a quem esta muitas vezes recorreu para obter empréstimos. A ele se deve, igualmente, a fundação do conselho geral, órgão que entretanto foi extinto, e ao qual tam-
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Entusiasta do Paio Pires Futebol Clube, o professor Carlos Ribeiro, para além de ter sido o primeiro médico da agremiação, tomou ainda parte em diversos órgãos sociais da coletividade, designadamente no extinto conselho geral. É nessa qualidade de figura ilustre que participou na cerimónia de aposição das faixas de campeões aos elementos da equipa de futebol que se sagrou vencedora de um dos campeonatos distritais e entrega do troféu ao capitão de equipa. Os dois instantâneos fotográficos documentam esse acontecimento, sendo que num dos casos assiste ao momento de entrega da taça e no outro procede ele mesmo à colocação da respetiva faixa a Estêvão Homem, então presidente da direção do clube.
A primeira equipa de juniores do Paio Pires Futebol Clube, formada em 1949, sob a égide de José Augusto Rodrigues Gomes. Na fila de cima: José Jorge Borronha, José João «Carré», Romeu, Florindo Costa, Manuel Mendes e Luciano Costa. Na fila de baixo: Joaquim Cardoso Silva, Jacinto Cardoso Garcia, Jorge Lima, Vítor Manuel e Guilherme Almeida Cigarro.
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Na foto, em grande plano, Luciano Costa, de braços cruzados, exercendo as funções de massagista e delegado a uma partida de juniores, disputada pelo seu clube. À sua frente, de cigarro ao canto da boca, está Albano Pereira, então treinador do grémio paiopirense e, ao lado deste, Juvenal Silvestre que anos depois se dedicaria à arbitragem, fazendo carreira na 1.ª Divisão Nacional
bém o clube recorreu diversas vezes para obter empréstimos». Aliás, salienta Joaquim Neves, «o entusiasmo que evidenciava pelo clube levou-o a tornar-se no primeiro médico do Paio Pires, mal acabou o curso. Era ele quem examinava os atletas, para ver se estavam ou não aptos para a prática desportiva, logo que surgiu essa norma, do mesmo modo que lhes prestava assistência». «Isso, em 1956-1957, tinha eu 18 anos», dispara Luciano Costa, «e ocorreu quando a agremiação disputou o seu primeiro campeonato distrital de juniores. Nessa altura, para além de jogador, eu acumulava ainda as funções de massagista da equipa e de diretor da secção
juvenil, liderada por Manuel Pedro Gomes Cortegaça, sócio que, ao longo dos tempos, seria chamado a desempenhar diversos cargos diretivos. A presidência da direção estava, nessa época, confiada a José Augusto Gomes». Neste reviver de histórias, peripécias e episódios passados na popular instituição desportiva de Paio Pires, Luciano Costa desvenda ainda que algumas vezes teve de se passar por pai de alguns dos gaiatos, assinando em seu nome a respetiva autorização paternal, sem a qual não poderiam ser inscritos em competições oficiais.
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Ir de motorizada a Samora Correia buscar e levar um jogador «Interessante será também relembrar», atira José Jorge Loureiro, «que, nesse tempo, jogava no Paio Pires um rapaz de Samora Correia, cujo passe fora adquirido ao pai por 3 000$00, uma verba considerável para a época. A aquisição do passe desse garoto, de apelido Simões e detentor de um talento que o distinguia dos restantes companheiros, obrigava-me a ir todos os domingos buscá-lo e levá-lo àquela localidade. O problema é que a deslocação era feita de motorizada. Uma estopada de se lhe tirar o chapéu, somente atenuada pela quantidade de golos que marcava. Um talento que, de resto, o levaria a representar vários clubes, nomeadamente o Belenenses, o Gil Vicente e o Lusitano de Évora». Como que instigado pelas histórias relatadas pelos seus conterrâneos, Guilherme Lino não resiste à tentação de contar que, por via das habilidades que os diretores da coletividade volta não volta se viam forçados a cometer, em ordem a evitar que um ou outro atleta mais preponderante cumprisse o respetivo castigo imposto pela associação, uma ocasião esteve um ano suspenso de exercer o cargo diretivo para que fora eleito. O mesmo sucedendo a Luciano Costa. «Reportamo-nos a um período em que os recursos eram diminutos e as dificuldades muitas. E de toda a ordem», sublinha, «o que, naturalmente, nos aguçava o engenho, sempre que surgia alguma situação inesperada».
disputámos a zona sul da 3.ª Divisão Nacional, à qual pertenciam os clubes do Algarve, inúmeras vezes levámos cheques sem previsão para liquidar o almoço da equipa, na perspetiva de que as receitas angariadas no clandestino jogo do loto e do movimento do bar registado nesse fim semana suprissem a despesa. Quando tal não se verificava, lá entrávamos nós com a diferença, para que no momento em que fosse apresentado houvesse saldo». «O mesmo se passava com os pagamentos à Beira Rio, entidade a quem alugávamos a camioneta para transportar a equipa», anota Guilherme Lino. «Só que, neste caso, nos sentíamos um pouco mais descansados, porque gozávamos dos favores de um funcionário de escritório da referida empresa, o qual retinha o cheque o tempo necessário para obtermos a respetiva quantia. Apenas o metia ao banco quando lhe dávamos luz verde. O que parecendo que não, nesse tempo, era uma preciosa ajuda. Tempos em que os jogadores tinham de comer o que houvesse, como sucedeu uma vez em que fomos jogar a Lagos, e a única coisa que pudemos comer foram febras com pão e vinho tinto, pois o proprietário do restaurante con-
Passar cheques sem dinheiro na conta à espera das receitas do bar «Para que se veja o grau de apertos em que nos víamos permanentemente envolvidos», acrescenta José Jorge Loureiro, «direi que, quando
Fase de uma partida realizada no Campo do Vale da Abelha, depois de ali se ter instalado definitivamente, entre o Paio Pires e o Atlético Clube de Arrentela. Neste registo fotográfico reconhecem-se, em primeiro plano, o guarda-redes Carlos Tavares e José João «Carré» (Paio Pires) e Chico do Talho e José Silva (Arrentela).
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tactado para preparar a refeição da comitiva se esquecera de tal compromisso. Mesmo assim, ganhámos o jogo», salienta Guilherme Lino. A propósito de vitórias desportivas, Joaquim Neves recupera uma obtida no antigo campo da Quinta da Ribeira que lhe dá particular satisfação. «Tratou-se da derrota de 7-2 infligida ao Casa Pia, número que assume maior significado porque o referido grémio possuía um ótimo con-
A formação do Paio Pires que na temporada 1964-1965 se sagrou campeã distrital da 1.ª Divisão, conquistando, então, o direito a disputar a «poll» de acesso à 3.ª Divisão Nacional, objetivo que na ocasião não logrou todavia atingir. Constituíam a referida equipa António Oliveira «Biau», Joaquim Neves, Orlando (treinador), Chapa e Jorge Borronha – na fila de cima. Campos, Barreirense, Alberto Borronha, Simões e Bejinha – na fila de baixo.
junto, que contava por vitórias todas as partidas anteriormente disputadas, em razão das quais se sagrou campeão de Lisboa. Tal palmarés não impediu que fosse copiosamente derrotado pelo Paio Pires Futebol Clube. Foi caso para dizer que os gansos invencíveis saíram daqui depenados», sublinha. «E das equipas concelhias, aquela contra a qual sempre sentiu mais dificuldades em vencer era a do Arrentela, todos os outros, com maior ou menor esforço, acabavam por baquear. Com o Arrentela é que era o cabo dos trabalhos», reconhece Joaquim Neves.
Recordações de uma época em que todos os habitantes desta zona do concelho se conheciam, tanto mais que a generalidade da população laborava nas fábricas de cortiça da Mundet ou da Wicander e o futebol acabava por se constituir no grande motivo de conversa entre o operariado local. «À segunda-feira, as discussões eram de criar bicho, a pretexto da vitória deste e da derrota do outro. Uma rivalidade que resultava do fervor que as pessoas colocavam na defesa do bom nome da localidade em que cada um vivia», sustentam os quatro carismáticos associados do popular clube de Aldeia de Paio Pires, agremiação que em dado período da sua história goza do estatuto de ser a equipa que há mais anos consecutivos permanecia na 3.ª Divisão do futebol nacional.
Golpe de sorte salvou o clube de um desaire financeiro num sorteio de rifas Tão duradoura permanência apenas foi possível devido ao empenho de todos os diretores que passaram pela referida coletividade naquele período de tempo, pois que, para além de lhes caber a responsabilidade de cuidarem das questões logísticas necessárias ao bom desempenho desportivo da equipa, se viam ainda a braços com a permanente invenção de fórmulas para obterem o dinheiro que tais exigências colocavam. «Esse exercício mental instigava-nos frequentemente a recorrer à realização de sorteios», lembra Luciano Costa. «A propósito disto ou daquilo, imediatamente se faziam rifas, cuja venda também era feita por nós». «Nas manhãs de domingo», sublinha Guilherme Lino, «então era um corrupio. Andava-se de porta em porta. Ora, porque a maior parte dos
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sorteios duravam 20 ou 25 semanas, importava que quem neles jogava pagasse a tempo e horas a parte que lhe cabia. Tal iniciativa constituiu, durante muitos anos, a principal fonte de receita do clube». A grandiosidade desses sorteios chegou mesmo a incluir automóveis, um atrevimento felizmente compensado com a circunstância de, num dos casos, o número premiado não ter ser sido adquirido por ninguém e, noutro, porque o felizardo não quis a viatura, preferiu antes uma verba. Um negócio conduzido por Luciano Costa e Fernando Bizarro que valeu à agremiação um resultado positivo de aproximadamente 400 contos. «Uma vez houve, no entanto», refere ainda Luciano Costa, «que parte significativa dos números não foram vendidos, situação que nos levantou tremendas dores de cabeça, já que o dinheiro conseguido não nos permitia satisfazer os prémios divulgados. Valeu-nos, na ocasião, a sorte de os três primeiros prémios corresponderem aos números que ficaram à casa. Se isso não tem acontecido, lá teria eu de puxar os cordões à bolsa e pagar os prémios da minha algibeira, porquanto era eu o responsável pela iniciativa». Não seria, contudo, a primeira vez que um diri-
O plantel que em 1969-1970 logrou levar o Paio Pires Futebol Clube, pela segunda vez no seu historial, a disputar o Campeonato Nacional da 3.ª Divisão, prova na qual se manteve largas temporadas.
gente da coletividade se via forçado a assumir as responsabilidades pelas faltas que esta cometia, suprindo da sua algibeira as dívidas que ela contraíra. Aliás, segundo realçam, tratava-se de uma situação recorrente na instituição e com a qual todos os elementos dos corpos gerentes há muito se habituaram a conviver.
José Maria Guimarães, «Zé da Pala» Desportista e músico criador da praça de touros Elemento da antiga equipa de ténis de mesa que representou o Paio Pires Futebol Clube, José Maria Guimarães, vulgo «Zé da Pala», nasceu na aldeia há 76 anos. Sócio e atleta da popular agremiação também na modalidade de futebol, atividade que conciliava com a de músico da Sociedade Musical 5 de Outubro, este genuíno aldeão afirma ter-se dedicado de coração e alma às coletividades locais exclusivamente por razões de afeto, tal como os rapazes da sua geração. «Nesse tempo, a única coisa que nos motivava a ingressar nas coletividades era o apego à terra e à dignificação do seu nome, sentimento que nos era legado pelos mais velhos. Não havia outro tipo de interesse, que não o que resultava dessa satisfação, já que ninguém ganhava um tostão. No caso do Paio Pires, até o depósito da água, éramos nós quem o enchia, para que depois dos jogos pudéssemos tomar banho». Pertencente a uma geração de atletas que por mor da escassez de meios que afetavam o clube se deslocava a pé para os respetivos jogos,
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A foto apresenta-nos uma das várias formações do popular clube da aldeia que José Maria Guimarães integrou. Para além de si (o primeiro da esquerda, na fila de baixo), encontram-se ainda Aristides Romão, João Pires, António Sousa e Silva e Ernesto Piedade, estando na fila de cima e pela mesma ordem: Paulo Batista, Teófilo Romão, Anselmo Oliveira, Jacinto Cruz, Augusto Tavares e Manuel de Sousa.
designadamente quando estes tinham lugar em Amora, Arrentela ou Seixal, José Maria Guimarães sublinha, no entanto, que por serem novos e estarem habituados a efetuar diariamente esse trajeto, tais caminhadas não provocavam mossa.
Irmãs aborreciam-no quando ouviam criticá-lo «O que mais me aborrecia eram os constantes apelos de minhas irmãs para que deixasse a bola. Uma reação que se acentuava sempre que ouviam alguém criticar-me por em determinado dia ter jogado mal. Elas não gostavam de ouvir dizer mal de mim, o que é natural. Por isso me instigavam a largar o futebol. Mas como podia eu deixar de fazer uma coisa de que tanto gostava? Quando se convenceram que não levavam a sua avante, desistiram», diz.
Interveniente ou observador de um extenso rol de acontecimentos, tantos que alguns já se lhe varreram de memória por força da erosão dos anos, José Maria Guimarães salienta que nessa época a população da aldeia constituía uma família, pelo que essas deslocações acabavam por se transformar num momento de convívio entre os jogadores e seus apoiantes. Operário corticeiro na extinta fábrica Mundet, o antigo atleta e ex-dirigente paiopirense recupera, ainda, neste seu depoimento, os tempos em que praticava ténis de mesa, integrando uma equipa que muitas alegrias deu às gentes da localidade, quando refere que esta era a modalidade que lhe tomava mais tempo.
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A equipa que em representação do grémio de Paio Pires se sagrou vencedora do 1.º Campeonato Concelhio de Ténis de Mesa, ao tempo constituída (da esquerda para a direita) por: José Maria Guimarães, José Jorge Figueiredo, Paulo Batista, José Augusto Gomes – que anos passados seria eleito presidente da direção por um dilatado período de tempo – e Gil Bordonhos.
Vitória no Campeonato Concelhio de Ténis de Mesa provocou festa rija na aldeia Inquirido acerca do método utilizado para conciliar a prática das duas modalidades, José Maria Guimarães revela: «Ora, como nessa altura o campo não tinha luz elétrica, os treinos apenas se realizavam no verão. No inverno, praticamente, não havia treinos, razão pela qual o futebol ficava para o fim de semana. Os restantes dias, quer eu, quer os outros rapazes que constituíam a equipa de ténis de mesa, mal saíamos da fábrica, ocupávamos o nosso tempo à volta da mesa de pingue-pongue». O capitão da equipa que se sagrou vencedora
do 1.º Campeonato Concelhio de Ténis de Mesa, prova que reuniu ainda as suas congéneres do Amora Futebol Clube, Independente Torrense, Atlético Clube de Arrentela e Seixal Futebol Clube, relata ainda: «A final, disputada em Arrentela, opôs-nos ao Seixal, clube cujo “team” entrou muito bem na partida, colocando rapidamente o marcador nos 4-1, ou seja, a um ponto da vitória. Contudo, quando todos pensavam que a nossa derrota era irreversível, encetámos uma tal recuperação que nos levaria a vencer o troféu por 5-4. Um feito comemorado com tamanho entusiasmo que às tantas da noite ainda andávamos em ombros pelas ruas da aldeia», conta José Maria Guimarães. Cansado dos baixos salários que a fábrica
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pagava aos seus trabalhadores, 22 anos depois de nela haver entrado, decide abandonar a cortiça para se dedicar à construção civil, trabalhando por sua conta, uma opção que acabaria por se revelar muito útil à agremiação, posto que a experiência entretanto adquirida no domínio da alvenaria acabaria por ser aproveitada na construção do complexo do Vale da Abelha. «Para além disso», realça, «porque a maior parte dos trabalhos que me apareceram se A primitiva cerca que deu origem à construção da praça de touros, uma localizavam em Setúbal, logo tratei de arre- originalidade do Paio Pires Futebol Clube, levada a efeito por dirigentes associados da coletividade com o intuito de captar receitas para desengimentar alguns rapazes daquela cidade para avolver as atividades desportivas. jogarem no Paio Pires. Nos dias de treino, ia buscá-los às oficinas da Movauto e no fim le- paródias aconteciam levou ao aparecimento de vava-os ao Casal do Marco para tomarem a um vasto leque de aficionados aqui na aldeia», conta. camioneta para casa». «Quando decidimos cessar a exploração desse Criador da praça de touros tipo de entretenimento, a direção do Paio Pires Futebol Clube entendeu que a circunstância de o Detentor de uma capacidade empreendedora local lhe pertencer e a existência de um elevado muito apreciada entre os restantes consócios, número de simpatizantes de espetáculos tauripor mor das suas iniciativas geralmente se re- nos poderiam constituir uma boa fonte de receita vestirem de alguma utilidade para os interesses para os cofres da coletividade. Tal entendimento do clube, a que se associava um temperamento levou-a a aprovar a constituição de uma comisque o instigava a imaginar novas formas de en- são tendente a transformar o referido redondel tretenimento para os seus conterrâneos e, por numa praça de touros. Dessa comissão faziam essa via, novas fontes de receita para a agremia- parte, entre outros, Luciano Costa, Estêvão Hoção, muitas são as obras a que o seu nome se mem, Manuel Tavares, José Carriço e eu próprio. encontra associado. A ideia da criação da praça Foi uma obra que colheu a adesão generalizade touros, cuja paternidade dividiu com Idalino da dos habitantes da terra. Poucos se negaram Carvalho, foi uma delas. a ajudar à concretização desse projeto. Aos fins «A coisa começou em 1942, com a colocação de semana, todos iam para lá trabalhar, gratuicircular de uns troncos de madeira no sopé da tamente. Isto sem contar com os empréstimos barreira ali existente, em ordem a aproveitarmos financeiros que concediam para a compra dos a configuração do terreno para nele realizarmos materiais. umas garraiadas. Tratava-se, no fundo, de uma A conclusão dos trabalhos durou um poder de estrutura artesanal concebida com o intuito de anos, mas conseguiu-se levar a bom termo sem promovermos, por nossa conta e risco, entenda- ficarmos a dever um tostão, fosse a quem fosse. se minha e de Idalino Carvalho, espetáculos de Outros tempos, outras vontades», conclui José diversão, se é que o termo espetáculo se poderá Maria Guimarães. aplicar. Ainda assim, a frequência com que tais
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José Maurício Santos Sócio e dirigente do Paio Pires Testemunha atenta do dia a dia da popular coletividade da aldeia é, igualmente, José Maurício Santos, que à semelhança dos demais consócios também ocupou vários cargos diretivos naquela instituição desportiva. Desde sempre ligado ao clube da sua terra, por força do clima de simpatia que este gerava entre os habitantes da localidade e os naturais laços de afetividade que em seu redor se estabeleciam, difícil se afigurava que quem nela, à época, vivia não se sentisse tocado por esse ambiente. Este associado do Paio Pires Futebol Clube recorda todos os acontecimentos relatados pelos seus pares, mormente os que se prenderam com a receção das parcelas de terreno onde atualmente se situa o parque desportivo do Vale da Abelha, adiantando, porém, que na sequência desse processo, na altura liderado por Manuel Custódio Bonaparte Figueira, várias pessoas seriam distinguidas pela coletividade. «Tais distinções, ocorridas em assembleia geral, contemplaram os urbanizadores da mencionada quinta, Manuel Vilan Cordon e José Rodrigues Paramês (sócios beneméritos), o vereador da câmara Guilherme Gonçalves Pereira (sócio honorário) e o próprio Manuel Bonaparte (sócio de mérito)».
do pelo clube e que muito entusiasmou as gentes da localidade. Para este ex-dirigente, que durante algum tempo desempenhou igualmente as funções de correspondente do jornal Record, «a iniciativa incluiu um desfile pela atual Av. General Humberto Delgado e Rua Aristides da Costa, terminando com uma exibição no quintal anexo às instalações onde, ao tempo, funcionava a sede social da agremiação. Mas porque o local não estava preparado para tais realizações, tivemos de levar a cabo um conjunto de obras que incluíram o derrube de um muro e o alisamento do terreno. Um trabalho que valeu a pena, já que o espetáculo colheu o agrado de toda a população e permitiu aos cofres do clube arrecadar uma boa receita, cujo montante não posso precisar, ainda que nesse ano desempenhasse as funções de tesoureiro. Sei, isso sim, que os bilhetes de ingresso esgotaram, tal como as mesas. E os diretores que estavam de serviço ao bufete não davam vazão a tantos pedidos de comes e bebes. A enchente foi tão grande que o espaço se tornou demasiado pequeno para todos quantos pretendiam assistir ao espetáculo, razão pela qual a dado momento nos vimos forçados a vedar a entrada a quem se encontrava ainda na
Marcha da Madragoa exibe-se na aldeia Do seu vasto espólio de recordações, José Maurício Santos, 55 anos, recupera ainda uma deslocação efetuada pela Marcha da Madragoa a Paio Pires, no verão de 1966, evento organiza-
A intensa atividade desportiva que ao tempo caracterizava Paio Pires e o dinamismo que este seu habitante evidenciava levaram os responsáveis do jornal Record a convidá-lo para seu correspondente na localidade, funções que desempenhou durante vários anos.
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rua. E muitos eram, pois tratava-se da primeira vez que uma marcha de Lisboa vinha atuar a Paio Pires».
Colóquio com Otto Glória, outro grande evento Nem só desse tipo de festas se construiu, todavia, a dimensão eminentemente popular do grémio de Paio Pires, outros acontecimentos marcaram igualmente a atuação da aludida coletividade nos anos 1960. Entre eles, registam-se a realização de colóquios e debates, os quais, pela dimensão dos seus intervenientes, se constituem autênticos marcos na história do clube. «Num deles, promovido em 1960, participou Otto Glória, mais tarde também selecionador da equipa nacional que obteve o 3.º lugar no Campeonato do Mundo de Inglaterra. Na organização da sua deslocação esteve Luís Vasques, antigo
jogador do Barreirense e, ao tempo, treinador-jogador da nossa equipa. Um colóquio sobre desporto que despertou grande interesse entre os associados, atletas e restante população, uma vez que o conceituado técnico era então o mais prestigiado técnico de futebol a trabalhar em Portugal, ingredientes bastantes para que a sala ficasse repleta», conta José Maurício Santos. Tratou-se, no fundo, de transportar para o clube da bola alguns momentos de reflexão sobre o desporto português, resultante da perspetiva cultural adquirida durante o tirocínio associativo feito na Sociedade Musical 5 de Outubro, num período em que esta desenvolveu uma intensa atividade nesse domínio, traduzida na realização de vários colóquios que contaram com a presença de importante figuras do meio literário e musical da época, designadamente João de Freitas Branco e Vitorino Nemésio, entre outros. É ainda nesse quadro de diversificação das ati-
O aparecimento do futebol feminino no concelho ocorreu também em Paio Pires, apadrinhado pelo clube local.
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vidades lúdico-desportivas promovidas pelo referido clube que, com a concordância dos seus colegas de direção, toma em 1973 a decisão de avançar para a formação de uma equipa de futebol feminino, na qual acabaria por desempenhar as funções de treinador. «E por incrível que possa parecer, os jogos das raparigas tinham sempre muito mais assistência do que as partidas disputadas pelo 1.º “team”», sublinha José Maurício Santos, salientando ainda que a adesão foi tal que chegou mesmo a haver duas formações completas.
Mentor dos jogos juvenis da Aldeia Sócio do Paio Pires Futebol Clube desde os 15 anos, idade em que arranjou o seu primeiro emprego, participou em vários elencos diretivos, mormente em 1963, 1966 e 1973. Além disso, integrou, em 1972, a Comissão de Obras criada com o objetivo de proceder à eletrificação do campo de futebol. De igual modo, tomou parte na organização dos 1.os e 2.os Jogos Juvenis do Seixal, realizados em 1970 e 1971, os quais incluíram diversas modalidades, nomeadamente xadrez, atletismo, andebol, futebol de sete, ténis de mesa e natação, movimentando várias centenas de miúdos durante a época de verão. «Insatisfeito com a decisão de pôr fim a tão interessante iniciativa, três anos mais tarde, em reunião de direção do Paio Pires Futebol Clube, decidi propor que tomássemos em mãos a organização de um evento semelhante. Desta forma, nasceram em 1974 os 1.os e únicos Jogos Juvenis levados a cabo na aldeia, os quais contaram com a participação de equipas de todo o concelho, em diferentes modalidades», relembra José Maurício Santos, com indisfarçável saudade. Embora despejados de grande rigor cronoló-
José Maurício Santos tomando parte na cerimónia de atribuição das faixas de campeões a um dos atletas da equipa paiopirense que se sagrou vencedora do Campeonato Distrital.
gico e, quiçá, linguístico por força da reduzida formação académica de quem os faz, estes são, no fundo, fragmentos de uma vivência associativa que muito contribuiu para a formação de uma identidade local e cultural próprias. Mas, para além disso, a riqueza de todos estes testemunhos reflete-se ainda na forma como nos conseguem proporcionar um conhecimento mais profundo acerca do modus vivendi dos seus protagonistas e as motivações que os impeliam a participar na vida das coletividades. Para além disso, este conjunto de histórias e memórias, em torno da principal agremiação desportiva de Aldeia de Paio Pires, concorre, de
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modo inequívoco, para uma análise precisa sobre a evolução qualitativa operada desde então no tecido social da localidade.
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Revelando algum desencanto pela ausência de outras formas de ocupação dos momentos de ócio que não apenas a prática do tradicional jogo do pau ou, em alternativa, o chinquilho, assim que os jovens do antigo lugar de Arrentela tomaram conhecimento da existência de grupos de futebol nas localidades vizinhas, logo decidiram também formar o seu. Tratava-se de um fenómeno que atravessava a sociedade da época e colhia a entusiástica adesão da juventude, ansiosa, aliás, por novas propostas de entretenimento, e ao qual, de resto, a população do concelho não ficou imune. É, pois, nesse ambiente de descoberta que certo dia, após a realização de uma partida entre as seleções de Portugal e Espanha, que um grupo de jovens, entre eles José Evangelista, Belmiro Simões e José Gomes de Oliveira, se avista com alguns conterrâneos mais velhos, nomeadamente Mário Ramalhete, Francisco Neves, João Rego e José Matos Figueiredo, e lhes dá conta do projeto de constituírem um grupo de futebol, ideia que prontamente colheu a sua adesão. Chegados à localidade, prontamente deram conta à restante rapaziada, quanto ao apoio manifestado pelos vizinhos relativamente à intenção de concretizarem o sonho que os movia. A notícia correu célere e de imediato tiveram lugar as primeiras diligências conducentes a realizar esse objetivo. Não seria, no entanto, fácil levar a bom porto tal intento, já que, mau grado o entusiasmo que os animava, os recursos disponíveis eram, contudo, muito reduzidos, por via da indústria corticeira e dos lanifícios, nas quais se ocupavam a generalidade dos habitantes da terra, pagarem míseros salários, situação agravada ainda pelos baixos rendimentos que os pequenos fazendeiros e assalariados rurais obtinham. Para completar o quadro, dir-se-á que em idêntica aflição se encontravam os pequenos comerciantes e os poucos artífices.
Mesmo assim, a persistência e a determinação acabaram por falar mais alto, devido ao enorme espírito de coesão que animava todos quantos viam nessa iniciativa uma forma de valorizar a povoação, fortalecendo os elos de convivência entre os que nela viviam. Fruto dessa concertada conjugação de esforços, vontades e saberes, nasce a 4 de outubro de 1925 o Arrentela Foot-ball Club, evento festivamente assinalado com a inauguração do velho campo de jogos, situado na Quinta da Boa-Hora. Ainda sem sede própria, mas como muita vontade de afirmar as suas capacidades e a sua utilidade em matéria de divulgação do nome da localidade, o novel clube cedo seria acolhido nas instalações da Sociedade Filarmónica, que lhe cedeu uma sala, em sinal de reconhecimento pela doação da receita proveniente de um torneio de futebol que este organizara em Almada. No entanto, algum tempo depois, um desentendimento provocado pela eventual falta de decoro que um ou outro jovem atleta evidenciava quando utilizava aquele espaço para se equipar, não atendendo à habitual presença de mulheres nas instalações da mencionada Sociedade, levou a direção desta agremiação a pôr termo a essa cedência. Um conflito que dividiu as gentes de Arrentela, ultrapassado por força da ação do tempo e pelo bom senso dos dirigentes das duas coletividades. Com a inauguração da sua primeira sede, em 1929, no Largo da Tendeirinha, atual Largo da Liberdade, criadas estavam, pois, as condições para o desenvolvimento da sua atividade desportiva, posto que esta não se limitava à prática do futebol e se afirmava também no ciclismo, em consequência das conquistas alcançadas por Joaquim Condeixa, vulgo «Azeitona», e, mais tarde ainda, com a abertura a outras modalidades, entre as quais a natação – na qual se destacaram João Costa, Ernesto e Aurélio San-
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tos, entre outros –, a esgrima, a patinagem e o atletismo. Coincidentemente, a expressão dessa vocação eclética ocorre na altura em que os seus dirigentes decidem inscrever o clube como filial do Carcavelinhos, grémio muito popular na época e do qual resultaria, anos depois, o Atlético Clube de Portugal, do qual, aliás, continua a ser a filial n.º 1, situação que motivaria a substituição da sua denominação inicial para a atual designação de Atlético Clube de Arrentela. Na época de 1942-1943 ingressa, por mérito próprio, na Divisão de Honra de Setúbal, competindo com os grandes clubes de então, designadamente a CUF, o Barreirense e o Vitória de Setúbal, e na temporada seguinte, após haver
logrado vencer o Aldegalense Sport Clube de Montijo, conquista o direito de disputar o Campeonato Nacional da 2.ª Divisão. Mais do que um clube de bairro, o popular grémio de Arrentela é, acima de tudo, uma instituição que desde os primórdios da sua fundação elegeu como objetivo primeiro da sua existência a dignificação da referida localidade ribeirinha, razão pela qual algumas vezes se viu forçada a suportar os amargos de boca resultantes de certas jogadas de bastidores, ou melhor, certas safadezas, que determinadas estruturas ligadas à organização do futebol nesta região lhe fizeram. Enfim, contas de um rosário antigo, todavia insuficientes para arrefecerem a paixão clubística
Os primeiros dirigentes do Atlético Clube de Arrentela logo após a sua fundação, em 1925, então sob a designação de Arrentela Foot-ball Clube.
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dos arrentelenses; antes lhes dando mais força para prosseguirem a sua caminhada, o mesmo é dizer, continuarem a prestigiar os valores que estiveram na génese do seu aparecimento e os superiores interesses da juventude local. Uma história de dignidade, alicerçada nos inúmeros contributos avulsamente prestados pelos seus associados e dirigentes, e que por via da natureza dispersa que os caracteriza, devido à modéstia de quem os protagonizou, não figuram na história oficial do clube. São algumas dessas contribuições individuais, sustentadas no relato de episódios de quem os viveu ou deles contou conhecimento por via familiar, que ora se procura recuperar, para que o pó dos anos não soterre definitivamente essas relevantes memórias do movimento associativo popular, o mesmo é dizer, do nosso património coletivo.
Pedro Lourenço Retratos de uma entrega vivida a tempo inteiro Fiel depositário de muitas vivências e memórias, devido à circunstância de a sua vida se confundir frequentemente com a do próprio clube, ante a dedicação que ao longo dos anos se habituou a dispensar-lhe, Pedro Lourenço, 67 anos, é um dos jovens desse tempo que logo se deixou tomar pelo fervor clubista que envolvia as gentes do reduzido núcleo habitacional de Arrentela, formado pelo casario que constitui a atual zona histórica. Tudo o resto eram quintas de cultivo agrícola, pomares e vinhas. Uma época marcada pela falta de atrações que motivassem a juventude, já que as suas formas
de entretenimento se limitavam ao jogo da malha e ao chinquilho, ocupações que se afiguravam insuficientes para os desejos dos jovens de então, porquanto quase não requeriam nenhum tipo de exercício físico. Assim, mal começaram a ocorrer as primeiras manifestações futebolísticas nas localidades vizinhas, logo os rapazes de Arrentela elegeram a prática desta modalidade como aquela que melhor satisfazia aos seus desejos, prontamente formando grupos para jogarem com uma bola de trapos e mais tarde com o denominado cauchu, ou seja, a bola de couro. Essa onda de entusiasmo que varria a juventude rapidamente instigou os mais perspicazes a lançar a ideia da formação de um clube, intenção que imediatamente colheu a adesão não apenas dos mais novos, mas também de alguns adultos que, detentores de maior experiência e de outra noção de responsabilidade, possibilitaram a concretização de tal projeto associativo. De acordo com Pedro Lourenço, «o empenho dos mais velhos foi determinante na fundação do clube, mas porque as posses eram poucas, devido aos baixos ordenados que as fábricas pagavam, o Atlético Clube de Arrentela, tal como as pessoas que aqui moravam, sempre viveu com grandes dificuldades. Aliás, segundo afirmavam os dinamizadores dos grupos que mais tarde estiveram na fundação do clube, a penúria era tanta e a falta de espaço onde pudessem jogar era tal, por via dos terrenos se encontrarem cultivados, que tinham de se deslocar para a Quinta do Conde, nas Paivas, ou para o Casal do Marco, sempre que pretendiam realizar algum jogo. E com a agravante de terem de carregar com as balizas às costas».
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O ciclismo e a natação traziam a Arrentela os ídolos desse tempo Essa terá sido, a seu ver, outra das razões que os levaram a juntar-se para constituir o então denominado Arrentela Foot-ball Club, em resultado do qual seria então possível a obtenção de um local onde construíram o antigo Campo de Jogos da Boa-Hora, recinto cuja data de inauguração coincidiu com a da fundação oficial da agremiação. «Para além disso, o grau de instrução, nesse tempo, era muito baixo, pelo que direções houve em que tanto o presidente como o tesoureiro não sabiam ler nem escrever, situação que aumentava o quadro de dificuldades que se fazia sentir. As coisas só começaram a melhorar», diz Pedro Lourenço, «quando Augusto Gama Reis, ex-diretor do Carcavelinhos, veio ocupar o cargo de tesoureiro da Mundet, estabelecendo residência em Arrentela.
Tratando-se de um homem com larga experiência associativa e outro grau de instrução, imediatamente cuidou de fundar uma biblioteca, na qual, aliás, ensinava todos quantos estivessem interessados em aprender a ler e escrever, ao mesmo tempo que deu início à realização de conferências e dinamizou a prática de várias modalidades, nomeadamente ciclismo, boxe, atletismo, bilhar, ténis de mesa, ginástica e natação». Nesta revisitação de um passado que aos poucos se vai esfumando, quer pela transformação da paisagem, quer pelo desaparecimento físico dos habitantes que nessa época constituíam o lugar, Pedro Lourenço dispara: «ainda me lembro bem de ver os grandes ciclistas desse tempo participarem nas corridas realizadas na marginal. O mesmo direi das provas de natação que tinham lugar no rio Judeu, nas quais competiam os mais destacados nadadores da época, como Batista Pereira».
Pedro Lourenço (o segundo da esquerda) posando para a objetiva com os restantes companheiros da equipa que no início dos anos 1950 representou o Arrentela no Campeonato Concelhio de Ténis de Mesa.
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A foto regista os momentos que precedem a partida de uma das muitas corridas ciclísticas organizadas pelo popular clube de Arrentela na avenida marginal e nas quais participaram grandes nomes do ciclismo nacional dessa época.
O corte de relações com a Sociedade Outro acontecimento que não escapa à memória de Pedro Lourenço prende-se com o corte de relações entre a Sociedade Filarmónica e o Arrentela, diferendo que motivou, à época, acesa controvérsia entre a pequena comunidade local. Na opinião de Pedro Lourenço, «a história aconteceu porque o campo não tinha ainda balneários e a direção do clube pediu à sua congénere da Sociedade que deixasse os rapazes utilizarem uma sala para se equiparem. Aceite o pedido, foi lá colocada uma selha para que, depois dos jogos, se lavassem e vestissem. Sucede, contudo, que a páginas tantas a rapaziada já nem a porta fechava e alguns até se punham nus à janela, quase mostrando as vergonhas com que Deus os deitou ao mundo. Claro está que tal conduta desagradou profundamente aos dirigentes da coletividade, pelo que tomaram a decisão de proibi-los de continuar a
utilizar as suas instalações como balneário. A medida, como é natural, não caiu bem junto da direção do Arrentela, que a entendeu como uma afronta, daí resultando a rotura entre as duas instituições. Isto, segundo me contava meu pai, posto que esse conflito ocorreu antes do meu nascimento. De igual modo contava que, por essa altura, integrava simultaneamente a equipa de futebol e a banda filarmónica, ambivalência que, de resto, não agradava a meu avô – fervoroso adepto da Sociedade – que via nessa ligação ao clube um caminho desviante ao talento musical do filho. O estalar da zanga veio acentuar ainda mais a pressão para que este largasse a bola. Constatando, porém, que o mesmo fazia ouvidos moucos às suas solicitações, resolveu castigá-lo, castigo que se traduziu na decisão de não lhe comprar um par de sapatos, forçando-o a continuar descalço. Por via dessa represália, não restava a meu pai outra alternativa senão a de ir com a namorada (mais tarde, minha mãe)
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aos bailes, enfiando nos pés umas chuteiras de futebol. Só quando, algum tempo antes de casar, optou por abandonar o futebol é que logrou, finalmente, calçar o seu primeiro par de sapatos», sublinha Pedro Lourenço. «Apesar de muitos associados de uma serem igualmente sócios da outra, esse corte de relações manteve-se vários anos. Já eu era criança quando fizeram as pazes e colocaram uma pedra sobre as divergências, situação que muito concorreu para fortalecer o espírito bairrista que então se vivia, reforçando o sentimento de união entre quantos aqui viviam», salienta.
Uma casa do desporto e de cultura popular Habituado desde tenra idade a frequentar a casa onde o Atlético Clube de Arrentela funcionava, Pedro Lourenço refere que desde os 3 anos se familiarizou com a vida do clube por mor do grupo cénico precisar de um gaiato para entrar na peça que estava a preparar para levar à cena. «Para além da vertente desportiva, o Arrentela desenvolvia também, nessa altura, uma intensa atividade cultural, com particular destaque para o teatro de amadores, o qual funcionava como um dos polos de atração da massa associativa. Essa experiência não apenas despertou em mim o gosto pelo teatro, levando-me a participar em várias outras peças, como acima de tudo me motivou a acompanhar a par e passo a vida do clube. De tal ordem, que ainda hoje é aqui que passo os meus dias», afirma. Tão perene ligação ao Atlético Clube de Arrentela faz de si uma testemunha privilegiada dos acontecimentos que ao longo de tão dilatado período de tempo maior repercussão obtiveram na história da popular coletividade. «De todos eles, o que mais me marcou foi a construção da primeira sede própria que o
clube possuiu, uma obra erguida pelos sócios, num terreno junto ao jardim, depois de obtida a respetiva autorização do proprietário. Um projeto que mobilizou todas as pessoas da terra», adianta. «Enquanto uns davam a mão de obra, outros tratavam de arranjar o dinheiro para os materiais, organizando-se em comissões de fundos, com o objetivo de promoverem sorteios de rifas, bailes e festas. Tudo para captar as receitas necessárias à conclusão dos trabalhos. Por outro lado, o momento de maior tristeza foi quando o clube sofreu a suspensão de participar durante três anos nas competições desportivas, em consequência de uma escaramuça havida depois de um jogo com o Amora, já fora do campo, em plena azinhaga que dava acesso à estrada do Cavadas, e durante a qual o delegado da Associação de Futebol de Setúbal foi atingido com uma pedra na cabeça. Neste caso», alerta Pedro Lourenço, «importará sublinhar que tal atitude resultou da revolta que se apossou de alguns associados quando souberam que a associação havia castigado três atletas do Arrentela, impedindo-os de tomar parte nesse desafio, sem que na partida anterior se tivesse registado qualquer situação de indisciplina, nem qualquer deles houvesse sido expulso. Tratava-se de uma escandalosa manobra tecida nos bastidores da referida associação, com o deliberado intuito de prejudicar o clube, provocando a indignação geral e contra a qual vários associados decidiram manifestar-se, porquanto que já no ano anterior havido sucedido a mesma tramoia», realça Pedro Lourenço.
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Coletividade eminentemente popular, fundada por gente humilde que vivia dos baixos ordenados pagos pelas fábricas então existentes na zona, o Atlético Clube de Arrentela refletia a precária situação social dos seus associados, já que os recursos de que dispunha eram poucos. Por essa razão os jovens que integravam algumas das suas equipas juvenis se viam obrigadas a praticar futebol de pé descalço, como é o caso desta em 1949.
Construção do novo parque desportivo deve-se à câmara e a vários sócios e dirigentes do clube Se em tempos a atividade teatral se constituíra num dos fatores dinamizadores da sede da instituição, o aparecimento das emissões de televisão não lhe ficou atrás devido, precisamente, à circunstância de um dos poucos aparelhos então existentes em Arrentela se localizar na agremiação. «Nesse tempo», lembra Pedro Lourenço, «as pessoas não tinham capacidades económicas para comprar um televisor, razão pela qual todos iam ver televisão ao clube, em especial os programas de maior popularidade, pagando cada um cinco tostões pela entrada, receita que
revertia para o pagamento das prestações do aparelho». A desativação do antigo campo da Boa-Hora e a construção do atual parque desportivo, ocorrida no final dos anos 1980, é outra das mais recentes benfeitorias alcançadas pelo Atlético Clube de Arrentela que mais fundo bateram no peito deste dedicado associado. «A inauguração do novo complexo, em substituição do velho campo de jogos, constituiu um dia inolvidável para todos os sócios do Arrentela, não apenas por corresponder à realização de um antigo sonho, mas também porque dotou o clube de outras infraestruturas, mais consentâneas com as necessidades dos tempos que correm. Naturalmente que esta aquisição se deve à forma como a câmara prossegue a sua
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política de apoio às coletividades, no âmbito da qual se inseriram as condições que colocou ao loteador do local onde se situava o referido campo para viabilizar a respetiva urbanização. Mas é, igualmente, verdade que para o sucesso da obra que aqui se levou a efeito vários dirigentes e associados deram o seu contributo. Por tudo isso, aquele acontecimento assume-se como um marco histórico na vida do clube», sublinha Pedro Lourenço. «Em minha opinião, as condições de que o clube hoje desfruta são, incomparavelmente, superiores àquelas que possuía nos primórdios da sua atividade. Nesse tempo, embora a água para o banho tivesse de ser retirada, a pulso, de um poço que existia nas proximidades, tê-la já era um luxo, quanto mais imaginar que chegaria um dia em que, para além de não ser necessário retirá-la do poço, esta ainda por cima sairia da torneira já quente!...», enfatiza Pedro Lourenço, em jeito de remate.
lhe é lançado, pressente-se uma profunda alegria interior, quer pela vivacidade que coloca nas palavras, quer pela fluência do relato, provavelmente por entender que se trata de uma das poucas oportunidades que até hoje lhe foram dadas de poder revelar a quem não viveu esse tempo as memórias que dele lhe ficaram imunes à corrosão dos anos, como, aliás, sucede quando o objeto resguardado toca o domínio dos afetos, como é, notoriamente, o caso. Mais do que um exercício de memória, o seu testemunho é um festivo repositório de recordações que os anos não varreram do sossegado recanto onde as depositou. Por isso, intactas permanecem e sem mácula no-las confia, para que melhor saibamos aferir o quão importantes se afiguravam para as gentes de Arrentela os feitos conseguidos pelo seu clube de futebol. Atual sócio número um do popular grémio, José Guilherme Silva faz questão de sublinhar que à época da fundação da agremiação, então denominada Arrentela Foot-ball Club, quem detinha esse número era Francisco Neves, sendo Mário Ramalhete o presidente da direção.
José Guilherme Silva
Sonho juvenil fez nascer o Arrentela
O homem que se entregou ao clube
«A intenção de criar um clube nasceu de um grupo de rapazes que se entretinha a jogar à Vergado ao peso de uma vida marcada pelos bola debaixo das árvores situadas junto à Fáincontáveis constrangimentos e privações que brica de Lanifícios. Roídos pela insatisfação de fustigaram a sua geração, mas denotando uma em todas as localidades vizinhas haver um clube sólida memória na qual preserva um enorme de futebol e em Arrentela não, decidiram meter braçado de lembranças acerca do passado do mãos à sua formação. A reunião onde tomaram seu clube, José Guilherme Silva, 86 anos, como a decisão de avançar para a sua constituição que rejuvenesce quando desafiado a empreen- teve lugar numa carpintaria situada no n.º 35 da der uma viagem – ainda que breve – sobre as re- Rua da Cruzinha. cordações que guarda dessa envolvente vivência Depois disso, chegou mesmo a haver contacassociativa. tos com a direção do Independente Torrense, Na prontidão com que responde ao repto que coletividade então já constituída, no sentido de
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«Team» de honra do Arrentela Foot-ball Clube, ou seja, a primeira equipa que representou as cores da agremiação logo após a fundação da instituição, em 1925.
se estabelecer um protocolo de cooperação entre as duas agremiações, visando a utilização do campo de jogos. Contudo, porque o objetivo deles não era o de estabelecer uma colaboração entre os dois clubes, mas sim o de que o Arrentela passasse a chamar-se Independente, não houve acordo. O primeiro jogo que o clube disputou foi contra o Vitória do Barreiro. Nesse encontro, perdeu por 5-1, mas, volvidos dois meses, já logrou ganhar por 3-1. Essa primeira linha, formada apenas por rapazes de Arrentela, era constituída por: José de Campos (guarda-redes); Leonardo Ramalhete (“back” direito); José Bicho (“back” esquerdo); Joaquim Barreto (“half back” direito
e capitão da linha); Júlio Gomes, o “Fica”, (“half back” centro); Domingos Milheiro (“half back” esquerdo); Manuel Antunes (ponta direita); João Gonçalves (meia direita); Francisco Casaleiro (avançado centro), sendo que a meia esquerda e a ponta esquerda eram ocupadas pelos irmãos Jaime e Júlio Rodrigues», narra como se estivesse a efetuar uma transmissão radiofónica. Expressando a sua mágoa pelo facto de o clube ter saído da primitiva sede para se instalar nos sobrados de um café, José Guilherme Silva afirma que «com tal decisão, o convívio entre os associados esmoreceu, pois enquanto na outra, construída propositadamente para o albergar, o espaço permitia a realização frequente de fes-
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Vista parcial da área destinada aos espetadores no antigo campo da Boa-Hora, situado numa faixa de terreno situada entre as atuais avenidas Carlos Oliveira e 1 de novembro.
tas, naquela para onde se mudou, nunca tal foi possível. Uma pena, porque se tratava de umas instalações que satisfaziam as necessidades da massa associativa, em matéria de convivência, já que até dispunha de dois bufetes, um para os homens, outro para as senhoras». De acordo ainda com o carismático associado, a permanência do Arrentela nas referidas instalações verificou-se algum tempo depois da inauguração do velho campo de jogos, evento que contrariamente ao que seria de supor não contou com a participação da sua própria equipa. «Foram o Amora, o Seixal e duas outras formações, uma das quais de Lisboa, que vieram inaugurar o campo», diz. «Por razões que já não retenho, a equipa do Arrentela não tomou parte na cerimónia». Embora se tratasse de uma grande benfeitoria, o aludido recinto nunca dispôs de luz elétrica, situação que obrigava os seus atletas a realizarem os treinos pelo sol-posto. «Nessa altura», refere José Guilherme Silva,
Vista exterior da sede social do clube, situada na avenida marginal, antes da construção do atual complexo desportivo, para onde foi transferida logo que concluídos os trabalhos de criação do referido parque.
«saíamos das fábricas às cinco da tarde e o espaço que mediava até ao anoitecer era aproveitado para os treinos, os quais se limitavam a uns pontapés na bola. Só com a chegada de Gama Reis é que passaram a ter uma componente técnicotática, não surpreendendo assim que tenha sido nessa altura que o clube tenha feito maior figura».
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A recusa do cargo de presidente e a aceitação das funções de cobrador Houve, no entanto, um período em que a agremiação viveu momentos difíceis, por via de uma profunda crise diretiva, chegando mesmo a ser equacionada a sua extinção e a consequente entrega das chaves ao presidente da câmara, posto que ninguém se disponibilizava para o dirigir. «Nessa ocasião, o encerramento esteve iminente, mas devido à minha determinação e à de outros consócios conseguimos impedir que tal se consumasse, mantendo a porta do clube aberta até ao aparecimento de uma direção, o que veio a suceder com entrada em funções de um elenco presidido por Júlio Antunes, um homem que apesar de analfabeto soube endireitar o barco, colocando-o no rumo certo. A governação que imprimiu revelou-se tão eficiente que no final do seu mandato ainda deixou nos cofres do clube dinheiro para que aqueles que lhe sucederam pudessem levar a efeito o seu trabalho», sublinha José Guilherme Silva. Pessoa simples, desprovida de outros objetivos que ultrapassassem o mero intuito de contribuir para dignificar o clube da sua terra, José Guilherme Silva confessa que o sentimento de afeto que desde miúdo nutre pelo Atlético Clube de Arrentela instigou os seus consócios a elegê-lo, em determinada altura, para presidente da agremiação, funções que recusaria por considerar que não possuía vocação para o cargo. Não obstante isso, o seu apego à instituição levá-lo-ia, porém, a desempenhar durante largos anos a tarefa de cobrador do clube, trabalho que realizou com o todo o empenho e eficácia. «Uma missão algo delicada, que exigia muita paciência, devido à circunstância da generalidade dos sócios serem pessoas de fracos recursos económicos, que viviam dos baixos ordenados que as fábricas lhes pagavam, em resultado dos
Cartão de sócio de José Guilherme Silva, datado de 23 de dezembro de 1939, período em que a agremiação ainda se denominava Arrentela Foot-ball Clube. Então, já este conhecido adepto figurava entre os vinte primeiros associados da instituição.
quais todos os tostões que despendessem se refletiam no orçamento familiar. Assim, mesmo tratando-se da cobrança de uma verba de vinte e cinco tostões (2$50), era usual deslocar-me três e quatro vezes à casa do mesmo associado para conseguir receber o valor da quota», relembra. «Para que melhor possamos ajuizar o quão difícil era a vida nessa altura, direi que, excluindo os donos das grandes quintas, ninguém tinha telefonia, razão pela qual logo que o clube adquiriu uma, todas as noites a sede se enchia de sócios para ouvirem os programas que ela transmitia. O mesmo aconteceu com a chegada da televisão. Só quando as pessoas começaram a ter posses para comprarem um televisor é que passaram a ficar em casa», anota José Guilherme Silva.
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Alguns elementos da equipa de ciclismo do grémio arrentelense, na qual pontificava Joaquim Condeixa, «Azeiteiro», no caso o que se encontra à direita da foto.
Entusiasmo pelo ciclismo e natação aliviavam as provações do dia a dia Desse período, retém igualmente a intensa atividade desportiva que caracterizava a popular agremiação arrentelense, com particular realce para o ciclismo, uma modalidade que despertava grande entusiasmo entre as gentes da terra, em consequência dos feitos de alcançados por Joaquim Condeixa. «Um grande ciclista, esse Joaquim Condeixa, também conhecido pela alcunha de “Azeiteiro”, por mor de seu pai andar com uma carroça vendendo azeite de porta em porta. Corredor de grande valia, pois em todas as provas que tomou parte não perdeu uma única. Infelizmente, teve uma carreia curta devido a um mal que lhe
apareceu na garganta e que o levou à morte», refere com pesar. «A natação foi outra modalidade desportiva que, em dada altura, colheu enorme simpatia junto da juventude arrentelense, fenómeno motivado pela circunstância de Guilherme Patrony, um nadador natural da localidade, integrar a equipa do Sport Algés e Dafundo. A ele se deve, de resto, a participação dos grandes nadadores dessa época em provas realizadas no rio Judeu. Isto no tempo em que as suas águas eram limpas e generosas e nele abundavam as ostras e as lambujinhas com que muitos lares se sustentavam», relembra José Guilherme Silva.
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«Um tempo em que os mais afoitos efetuavam, a nado, a travessia, entre as duas margens, enquanto outros, como eu, se ficavam, pela zona do canal, espaço constituído por uma língua de areia, considerado mais seguro, devido à pouca profundidade do leito nesse local», diz, colocando nas palavras um misto de nostalgia e resignação. Fragmentos de uma vivência que a voragem dos anos dissipou, mas que importa reter, para melhor se conhecer a identidade concelhia, sustentada no humanismo que emana do importante legado que nos foi confiado pelas anteriores gerações de desportistas e dirigentes que passaram pelas agremiações desportivas desta terra.
Guilherme Patrony, nadador natural de Arrentela que atingiu grande projeção na sua época, representando então o Sport Algés e Dafundo, instituição que, ao tempo, gozava de elevado prestígio ao nível da modalidade, e ao qual se deve, de resto, a participação dos mais importantes nomes da natação desse tempo em provas realizadas pela coletividade arrentelense, no estuário do rio Judeu.
Natural da localidade, José Henrique, vulgo «Zé Gato», guarda-redes do Sport Lisboa e Benfica e da Seleção Nacional, também defendeu as balizas do clube da sua terra antes de representar os encarnados.
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Folha de rosto da ata do restabelecimento das relações entre a Sociedade Filarmónica União Arrentelense e o Atlético Clube de Arrentela.
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Breves notas biogrรกficas
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Amora Futebol Clube Amélio Batista Cunha
Natural de Amora. Possuidor de uma memória prodigiosa, várias vezes tem sido solicitado a relatar aspetos que se prendem com a evolução das coletividades mais antigas da localidade, entre elas o Amora Futebol Clube, cuja história conhece como poucos. Para esse acervo memorial muito contribuiu a circunstância das reuniões tendentes à formação do clube se terem efetuado na taverna que seu avô, ao tempo, possuía no referido lugar, e da forte influência que tanto este como seu tio sobre ele exerceram. Antigo músico da banda, fundador da Estudantina Amorense – primeiro agrupamento de cordas existente no concelho – e cobrador do Amora Futebol Clube nos anos imediatos à sua fundação, integrou ainda os corpos gerentes da Sociedade Filarmónica Operária Amorense em vários mandatos. Este ancião, justamente considerado uma memória viva da própria localidade e do seu clube desportivo mais representativo, devido à lucidez que evidencia, goza de elevada estima junto da massa associativa do aludido grémio e dos seus dirigentes que há largos anos lhe concederam o título de sócio honorário. Personalidade muito conceituada entre as gentes de Amora, pelo entusiasmo que sempre colocou na promoção e valorização da sua terra natal, quer se tratasse da prática desportiva, quer no domínio da divulgação cultural, foi ainda agraciado pela Câmara Municipal do Seixal com a medalha de mérito cultural.
Futebol Clube, emblema que defendeu ao longo de várias temporadas, deixando apenas de envergar a camisola do popular clube no dia em que o médico considerou que não reunia aptidões para continuar a praticar a modalidade da sua eleição. A partir de então, passou a integrar o conselho técnico do clube, no âmbito do qual assumiu a tarefa de zelar pelo bom estado do campo, introduzindo-lhe vários melhoramentos, além de proceder às respetivas marcações antes dos jogos e de cuidar dos equipamentos. É no quadro dessas funções que, coadjuvado por outros companheiros, leva a efeito a construção das primeiras bancadas que o recinto possuiu. A par disso, fez ainda parte dos órgãos sociais do clube em diversos mandatos.
Fernando Rocha
Natural de Lisboa. Reside em Amora desde o quarto dia de vida, situação que o leva a considerar-se um verdadeiro filho da terra, razão pela qual sempre esteve ligado às suas agremiações, em particular ao Amora Futebol Clube, instituição à qual doou o seu talento futebolístico e ao serviço da qual nunca regateou esforços. Atleta do clube desde o escalão júnior, integrou ainda a primeira linha da prestigiada coletividade amorense durante várias temporadas, período em que ostentou a braçadeira de capitão de equipa. Na época de 1963-1964, fez parte do plantel do Seixal Futebol Clube que disputou o Campeonato Nacional da 1.ª Divisão, no final da qual regressaria ao Amora Futebol Clube. Arrumadas as chuteiras, o amor às cores do clube passou a expressar-se na sua participaJoão de Almeida, «Barbitas» ção nos corpos sociais da instituição, sentimenNasceu em Amora. Iniciou a sua atividade to que o instiga frequentemente a desempenhar desportiva como atleta do extinto União Amo- vários cargos diretivos, como o de presidente da rense, grupo do qual transitou para o Amora mesa da assembleia geral.
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O amor às coletividades da sua terra levou-o ainda a assumir funções diretivas na Sociedade Filarmónica Operária Amorense, instituição na qual desempenhou o cargo de presidente da direção no ano de 1974.
Seixal Futebol Clube Manuel Silveira, «Pêssego»
Nasceu no Seixal. Figura muito conhecida entre os consócios do grémio seixalense, por via da sua prolongada ligação à coletividade, esta velha glória do clube iniciou a sua atividade desportiva aos 17 anos, idade com que começou a representar a popular agremiação da sua terra. O empenho que colocava na defesa da camisola que vestia levá-lo-ia, dois anos mais tarde, a desempenhar as funções de capitão de equipa, estatuto que manteve até ao dia em que abandonou a competição. A partir de então, o seu entusiasmo pelo clube instigou-o a integrar a comissão de angariação de fundos para a eletrificação do Campo do Bravo e quando esta concluiu a sua tarefa, passou a chefiar a secção de futebol, no período em que Seixal ascendeu à 1.ª Divisão do Campeonato Nacional.
José Tavares da Silva
Natural do Seixal. Associado que goza de particular estima junto da massa associativa do Seixal Futebol Clube, quer pelos cargos diretivos que desempenhou, quer por ter sido ele a avançar com a iniciativa da eletrificação do Campo do Bravo, obra que o obrigaria a retirar da sua algibeira uma avultada quantia para a época, este conhecido empresário local desde criança se habituou a colaborar com a mais importante instituição desportiva da sua terra.
Impossibilitado, a conselho médico, de assistir aos jogos da agremiação a que desde sempre se encontra afetivamente ligado, para evitar que o coração o atraiçoe, continua no entanto a pagar religiosamente o camarote que possui no referido estádio e a contribuir monetariamente sempre que para isso é solicitado, tanto a título pessoal, como por intermédio do patrocínio concedido pelas suas empresas às equipas representativas do clube nas diferentes modalidades por ele praticadas.
César Joaquim
Nasceu no Seixal. Não se achando dotado para o exercício da prática desportiva, este seixalense cedo se revelou no entanto um entusiasta da elevação da sua terra e do seu clube desportivo, circunstância que o levou a optar por um trabalho de âmbito eminentemente formativo em detrimento das tarefas diretivas, logo que cessou as funções de vogal da direção, nas quais permaneceu um mandato. Homem respeitado entre os seus pares, devido ao labor que ao longo de vários anos desenvolveu em prol da coletividade, com particular destaque na reorganização da biblioteca do clube e na divulgação das iniciativas que este promovia, a ele se deve ainda a organização e promoção de vários torneios de basquetebol ao tempo levados a efeito nesta antiga vila piscatória. Para além disso, desempenhou ainda as funções de descobridor de talentos entre os garotos da terra que participavam nos diversos torneios de futebol que frequentemente ali tinham lugar e nos quais lograria captar vários atletas da célebre equipa que anos mais tarde protagonizou o maior feito desportivo do Seixal Futebol Clube: a subida ao escalão maior do futebol português. Foram igualmente de sua responsabilidade a realização dos grandes sorteios de eletrodomésticos que a instituição desenvolveu nos anos
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1950, com o intuito de captar receitas tendentes a atribuir prémios de jogo aos elementos da formação, em ordem a estimular o seu empenho na conquista de tal objetivo.
Alfredo Frescata
os aspetos patrimoniais do clube, estando sempre na primeira fila dos que se ocupavam com as obras de que a agremiação carecia, fossem elas na sede ou no campo de jogos. Elemento preponderante na vida do Paio Pires Futebol Clube devido ao papel que assumiu na (re)fundação da coletividade e à paixão que nutria pela instituição, integrou um sem número de vezes os corpos gerentes da agremiação até ao dia em que a doença o começou a minar e o forçou a retirar-se.
Natural do Seixal. À semelhança dos anteriores consócios, este adepto do Seixal Futebol Clube desde miúdo acompanha a vida daquela prestigiada instituição desportiva, razão pela qual as suas memórias em torno da agremiação incidem predominantemente nas dificuldades e privações com que os habitantes à época vivam Luciano Costa e das suas repercussões ao nível do dia a dia da Natural de Paio Pires. Tido como um dos diinstituição. rigentes históricos do popular clube da aldeia, tal é o número de vezes por que passou pelos corpos gerentes e pela presidência da instituição, este ex-atleta, diretor e massagista da priPaio Pires Futebol Clube meira equipa de juniores formada há 52 anos no seio do clube desportivo de Paio Pires é um Bento Rodrigues dos exemplos do quanto pode o amor clubista, Natural de Paio Pires. Figura cimeira do Paio sempre que se trata de pugnar pela elevação do Pires Futebol Clube, não só por se tratar do só- nome da localidade. cio número um da agremiação, mas também Pessoa muito conceituada junto da massa aspor ser considerado entre os demais associa- sociativa, por via do testemunho de dedicação dos como o obreiro da (re)fundação do clube em que sempre evidenciou pela agremiação desprol do qual nunca regateou esforços, este ca- portiva da sua terra, a circunstância de a sua atirismático habitante da aldeia é o exemplo claro vidade profissional lhe conferir algum desafogo do empenho com que as gentes da povoação se instigou-o a dispensar bastas vezes alguns sigentregavam à instituição. nificativos apoios à instituição, quer em termos A sua condição de analfabeto levou-o sempre individuais, quer no que se refere ao convencia declinar a presidência da coletividade, car- mento dos demais sócios da empresa que geria go que entendia dever ser desempenhado por quanto ao patrocínio das equipas representatiquem tivesse estudos, ou seja, a quarta classe, vas do grémio paiopirense. princípio que manteve ao longo das várias décaJosé Jorge Loureiro das em que esteve ligado ao clube. Nasceu em Paio Pires. Operário reformado Sem deixar de acompanhar com natural interesse todas as matérias da competência do pre- do Arsenal do Alfeite e ex-presidente da Junta sidente da instituição, a sua intervenção fazia- de Freguesia de Aldeia de Paio Pires em mais -se, no entanto, sentir, com maior saliência nas do que um mandato, este associado do popular questões que se relacionavam diretamente com clube, figura respeitada entre os habitantes da
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aldeia, desempenhou ao longo dos tempos vários cargos diretivos na agremiação. A ele se atribuem as diligências conducentes à legalização e consequente tomada de posse dos terrenos onde se situa o atual parque desportivo do Vale da Abelha.
Joaquim Neves
Natural de Vendas Novas. Foi atleta do clube durante cerca de uma dezena de temporadas, durante as quais deu à instituição desportiva da sua terra adotiva o melhor do seu talento e saber. Elemento de várias equipas que em representação do clube conquistaram vários títulos distritais, quando colocou um ponto final na sua atividade desportiva foi diversas vezes chamado a integrar os corpos gerentes da coletividade.
e ténis de mesa (as que maior projeção conferiram à principal agremiação desportiva da localidade), foi ainda filarmónico da «Mimosa». Repartindo os seus momentos de ócio entre o exercício da música na banda da Sociedade Musical 5 de Outubro e a prática desportiva, sobrou-lhe ainda imaginação para conceber a ideia de instalar, em parceria com Idalino de Carvalho, uma cerca para diversões taurinas nos terrenos adjacentes ao recinto de jogos, projeto que, anos volvidos, se tornaria no embrião da praça de touros existente no referido local. Para além disso, integrou os corpos gerentes da instituição em diversos mandatos, tal como, aliás, sucedia com a generalidade dos rapazes da aldeia que, nesse tempo, defenderam as cores do clube.
Guilherme Lino
Nasceu em Paio Pires. Embora nunca tenha praticado nenhuma atividade de carácter desportivo, não obstante a circunstância de seu pai ter sido um dos atletas que formaram a primeira equipa do Paio Pires Futebol Clube logo no período subsequente à (re)fundação da agremiação, desde muito novo se sentiu motivado a participar na vida da instituição, motivação resultante do exemplo paterno e do ambiente clubista que animava as gentes da localidade. Por essa razão, inúmeros são os cargos diretivos que a massa associativa da agremiação lhe confiou, situação que o coloca entre os associados mais conhecidos do popular clube, devido à frequente presença nos órgãos sociais da agremiação.
José Maurício Santos
Nasceu em Paio Pires. Pessoa atenta e interessada no fenómeno associativo de raiz popular, desde muito cedo se sentiu motivado a participar na vida das coletividades da sua terra, razão pela qual este ex-filarmónico se sentia motivado a integrar regularmente os corpos gerentes das agremiações da localidade cuja existência é anterior a abril de 1974, em especial no que se reporta ao Paio Pires Futebol Clube. Evidenciando uma formação mais abrangente por via da sua passagem pelos órgãos sociais da Sociedade Musical 5 de Outubro, rapidamente se atreveu com os restantes colegas de direção a implementar no «clube da bola» um conjunto de atividades de âmbito cultural e formativo até então irrealizáveis na agremiação, designadamente a promoção de colóquios. José Maria Guimarães, «Zé da Pala» Para além disso, aventura-se na criação de Natural de Paio Pires. Operário corticeiro na uma equipa de futebol feminino da qual não só é extinta fábrica Mundet, profissão que abando- diretor, mas também treinador. nou para se dedicar à construção civil, este anO seu dinamismo instiga os promotores dos os tigo atleta do clube nas modalidades de futebol 1. Jogos Juvenis do Seixal a convidá-lo para
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a organização de tal evento. No entanto, porque a iniciativa não tem continuidade nos anos imediatos, decide implementá-la na aldeia, o que consegue com natural agrado das gentes da terra, devido à enorme adesão que a mesma registou, quer no que concerne ao número de praticantes, quer pela diversidade de modalidades contempladas, quer ainda pela significativa representação de clubes que a mesma registou.
Cobrador da coletividade durante largo período de tempo, vários foram os momentos em que, no decurso de algumas crises diretivas vividas pela agremiação, chamou a si a responsabilidade pelo funcionamento da sede até que fosse encontrado um novo elenco diretivo, evitando, desse modo, que o grémio fechasse portas com o consequente agravamento da situação económica e social do clube devido à interrupção do convívio entre os associados.
Atlético Clube de Arrentela Pedro Lourenço
Natural de Arrentela. Figura muito conhecida entre as gentes de Arrentela por via da sua incansável dedicação às duas coletividades mais antigas da localidade, em especial ao popular clube de futebol, este carismático associado do grémio arrentelense integrou a equipa de ténis de mesa que na década de 1950 participou em vários torneiros amadores disputados a nível concelhio. Considerado uma referência da instituição, já esqueceu o número de vezes que ao longo da sua vida integrou os corpos sociais da agremiação.
José Guilherme Silva
Natural de Arrentela. Sócio número um da mais antiga instituição desportiva da sua terra, à data em que nos confidenciou as suas memórias, este arrentelense constituiu uma referência para a restante massa associativa da agremiação, quer por via da sua participação na vida do Atlético Clube de Arrentela, quer pelo desprendimento que sempre evidenciou em matéria de cargos diretivos, o qual o motivou, em determinada época, a recusar a presidência da direção do clube.
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Ficha técnica Título: Histórias Associativas – Memórias da Nossa Memória Autor: Fernando Fitas Coordenação de edição: Departamento de Cultura Conceção gráfica, tratamento de imagens e revisão: Divisão de Comunicação e Imagem Cedência de imagens: Arquivos do Amora Futebol Clube, Seixal Futebol Clube, Paio Pires Futebol Clube, Atlético Clube de Arrentela e particulares Impressão e acabamentos: Espírito de Papel 1.ª edição: Outubro de 2019 Tiragem: 750 exemplares Depósito legal:
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