Edição da Câmara Municipal do Seixal
8 Séculos da Língua Portuguesa
Autor do desenho: Gonçalo Mota, aluno do 9.º ano, turma D, da Escola
Editorial Os alunos das seis escolas que desenvolveram o Jornal Interescolar do ano letivo 2014/2015 – projeto do Plano Educativo Municipal – trazem a estas páginas a celebração de 8 séculos da Língua Portuguesa. Língua de oito povos, falada por mais de duzentos milhões de pessoas, é a língua de Camões, Fernando Pessoa, Eça de Queirós e Gil Vicente, mas também de Jorge Amado, Pepetela, Luandino Vieira, Mia Couto e muitos outros autores que escrevem ou escreveram em português. Língua da Europa, de África, das Américas e do Oriente, a língua portuguesa não serve apenas como meio de comunicação. Representa
a História do nosso povo, os seus costumes e valores e é também História dos povos que através dela se expressam: é expansão, diversidade, união e epopeia, mas também expressão de luta, emoção, notícia, romance, filosofia e provérbio. A «última flor do Lácio» que nasceu «inculta e bela» é hoje Nobel da Literatura pela pena de José Saramago, património de toda a humanidade porque é poesia no fado, dança e festa no samba e cante simples, profundo
e humano do povo alentejano. Aos alunos e professores que abraçaram este projeto, que valoriza
Secundária João de Barros. Professor: José António Vaz
a escola pública, gostaríamos de manifestar o nosso apreço pela sua homenagem e amor à Língua Portuguesa. A Câmara Municipal do Seixal prosseguirá o caminho de Abril, por um ensino mais igualitário, ao serviço das populações e do País.
Joaquim Santos
Presidente da Câmara Municipal do Seixal
2 Clube de Jornalismo da Escola Básica Dr. António Augusto Louro, com a colaboração de Marie Martins e Maria Sebastião, ilustração
Jornal Interescolar l MAI 2015
de Ianis Oliveira
A minha história Olá! Eu sou a Língua Portuguesa e vou contar a história da minha vida. Tenho já oito séculos de velas para soprar!... Nasci, tal como os meus irmãos, o Espanhol, o Francês, o Romeno e o Italiano, da união de dois seres maravilhosos, o Grego (o meu pai) e o Latim (a minha mãe). A minha mãe, sobretudo, tinha muitos amigos que, para mim, também eram tios. Influenciaram-me todos, passando-me
ensinamentos e moldando a língua que sou hoje. Do meu tio Árabe herdei, por exemplo, o conforto e o lado doce da vida! Mas foi durante o reinado de D. Dinis que me emancipei. Não só passei a ser eu a língua vigente em todos os documentos oficiais, como fui cultivada, adulada por jograis e trovadores nas belas cantigas de amigo, de amor e de escárnio e maldizer. Muito devo ao nosso querido D. Dinis que «fez tudo quanto quis»! Até a primeira
universidade portuguesa!... Sempre vivi em Portugal, mas, a partir do século XV, comecei a viajar pelo mundo fora e, pouco a pouco, fui fixando residência nos diferentes continentes. Em África, na América do Sul e também na Ásia. Aí exprimo-me com o olhar, o sabor e a melodia locais. Mas trago-os também, desde então, para o pequeno cantinho que me viu nascer. Sou senhora de muitos sotaques e de muitas
formas de ver, abraçada por várias aventuras e amizades que já guardo há mais de 500 anos. Assim nasceram os meus crioulos!... Fui-me alterando muito com o tempo, passando por muitas fases e lugares, enriquecendo-me ano após ano, viagem após viagem, descoberta após descoberta, abrindo porta atrás de porta... E hoje em dia, eu sou muitas. «Vivem em nós inúmeros»! Vivo e recrio-me intensamente nas vozes dos jovens, calma
ou emocionalmente no «saber de experiências feito» dos menos jovens, artisticamente nas vozes dos poetas e romancistas que não param de me reinventar em versos cheios de alma e histórias «abensonhadas», pelos quatro cantos do mundo. Tenho muita sorte em ter muitos aduladores que me provocam em múltiplas formas de dizer, entendendo-me como a língua mais expressiva do mundo. A que diz o Amor, o Fado e a Saudade!...
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Escola Secundária de Amora
Entrevista a Maria José Maya, presidente da direção da 8 Séculos da Língua Portuguesa – Associação
Os jovens são fundamentais nestas comemorações Em que zonas do mundo tem sido mais projetada a comemoração? As Comemorações dos 8 Séculos da Língua Portuguesa iniciaram-se em 2014, a 5 de maio, Dia da Língua e da Cultura na CPLP, e terminam em 2015, a 10 de junho, numa homenagem à literatura em Língua Portuguesa. Realizam-se em rede, envolvendo todos os países de Língua Portuguesa e diásporas. Diria que Portugal, Cabo Verde e Brasil são as zonas do mundo onde as comemorações têm encontrado mais eco, não obstante a Escola Portuguesa Rui Cinatti em Díli, em Timor-Leste, já as ter assinalado através de um vídeo muito interessante realizado pelos alunos. Das comemorações já levadas a efeito, qual, na sua opinião, teve maior significado? Todas elas são muito importantes, mas poderemos salientar a edição da medalha comemorativa dos 8 Séculos da Língua Portuguesa, que decorreu de um concurso público internacional organizado pela INCM – Imprensa Nacional-Casa da Moeda, que a editou, e o lançamento do selo comemorativo dos 8 Séculos da Língua Portuguesa, editado pelos CTT – Correios de Portugal e emitido em todos os países de Língua Portuguesa, que é o primeiro selo comum a todos esses países. Destacamos também a ação da Universidade da Amazónia que dedicou todo um semestre a uma reflexão sobre a Língua Portuguesa, as tertúlias poéticas dedicadas aos países de Língua Portuguesa na Casa Fernando Pessoa.
Nas iniciativas em que esteve presente, como classifica a adesão dos jovens? Os jovens são fundamentais nestas comemorações.Têm-se mostrado muito interessados e curiosos sobre o potencial cultural, político e económico da Língua Portuguesa. Em Almada, por exemplo, estiveram presentes numa palestra intitulada A Língua Portuguesa no Mundo, no Teatro Joaquim Benite, cerca de 400 alunos. No Seixal, na Escola Secundária de Amora, foram organizadas as Jornadas Pessoanas, em que se assinalaram as Comemorações dos 8 Séculos da Língua Portuguesa. Como já referimos, a Escola Portuguesa Rui Cinatti em Díli, em Timor-Leste, assinalou as comemorações com um vídeo muito interessante realizado pelos alunos e um grupo de alunos, liderados pela professora Bebel Pantaleão, também o fez no Rio de Janeiro. Escolas de Almada, em Portugal, e da Cidade Velha, em Cabo Verde, iniciaram um projeto intitulado Mundos em Diálogo, inserido no Ciclo de Conferências A Língua em Viagem – Celebrar 8 Séculos da Língua Portuguesa e 400 Anos da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, projeto este que tem como entidades parceiras a Câmara Municipal de Almada, a 8 Séculos da Língua Portuguesa – Associação, o CFAECA – Centro de Formação de Associação de Escolas do Concelho de Almada, a Escola Secundária Fernão Mendes Pinto e a Sphaera Mundi. Esta curiosidade é tanto maior que saudamos a realização do Jornal
Interescolar do concelho de Seixal dedicado aos «Oito Séculos da Língua Portuguesa» que irá envolver um conjunto considerável de escolas e promoverá decerto uma reflexão muito viva e interessada, por parte dos alunos, sobre a nossa língua, língua esta que, parafraseando Fernando Pessoa, «é o som presente d’esse mar futuro». Qual a sua função na associação? Sou presidente da associação, que é uma instituição da sociedade civil, sem fins lucrativos, cuja missão, em sentido lato, se centra na promoção e divulgação da Língua Portuguesa. Nestas funções cabe-me representá-la e coordenar o trabalho da equipa das Comemorações dos 8 Séculos da Língua Portuguesa, contactando diversas instituições nacionais e estrangeiras para que as comemorações se realizem em parceria, em rede e nas diversas geografias que queiram celebrar a nossa língua. A Língua Portuguesa tem um vasto potencial económico, social e cultural, é a sexta língua mais falada no mundo, de acordo com o Relatório das Línguas para o Futuro (2013) do British Council, devendo nós pugnar para que se torne língua de trabalho nas instâncias internacionais, concretizando, deste modo, um dos objetivos desta associação. Cabe-nos a todos nós contribuir para a divulgação e promoção da Língua Portuguesa, desde já falando-a e escrevendo-a o mais corretamente possível, o que só conseguiremos lendo os nossos maiores autores.
Comemorações dos 8 Séculos da Língua Portuguesa Em rede, em parceria, em todas as geografias
As Comemorações dos 8 Séculos da Língua Portuguesa são uma iniciativa da 8 Séculos de Língua Portuguesa – Associação, uma associação cultural sem fins lucrativos e desenvolvem-se de forma muito abrangente e a vários níveis com os países de língua oficial portuguesa. Propiciam a mobilização de saberes diversos e abordagens transversais, na senda da realização de um conjunto de eventos em torno da Língua Portuguesa, nas mais diversas áreas de saber e atuação, em todas as geografias, envolvendo os países de língua oficial portuguesa, as respetivas diásporas, o que ganha expressão através de projetos de que é exemplo o Jornal Interescolar, elaborado por seis escolas do concelho do Seixal, com a colaboração inestimável dos professores e do Departamento de Educação e Juventude da Câmara Municipal do Seixal. A 8 Séculos de Língua Portuguesa – Associação propõe-se ser sobretudo um motor de sinergias para as mais amplas celebrações, a par das instituições reconhecidas a nível nacional e/ou internacional que visam a promoção e a dignificação da Língua Portuguesa, privilegiando as parcerias neste âmbito. Nesta perspetiva, lançamos também um desafio aos alunos e professores das escolas do concelho do Seixal para qualquer iniciativa que pretendam ter no âmbito das comemorações dos 8 Séculos da Língua Portuguesa.
Maria José Maya, presidente da direção da 8 Séculos da Língua Portuguesa – Associação info@8seculoslinguaportuguesa.com
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Escola Secundária Alfredo dos Reis Silveira
Entrevista a Domingos Abrantes, ex-preso político
O valor das palavras «saudade» e «liberdade» as A entrevista com Domingos Abrantes tem o objetivo de conhecer o valor das palavr liberdade «saudade» e «liberdade» a partir da sua experiência pessoal, porque privado de até ao 25 de Abril de 1974 sentiu, naturalmente, saudade. «Como podem reparar sou uma pessoa com muita idade e isso significa que vivi períodos diferentes da nossa história. Vivi metade da minha vida num regime fascista e outra após a Revolução de 25 de Abril de 1974. De algum modo, a questão da liberdade e o problema da saudade têm significado na frase: “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”, o que se conquistou [a liberdade] e aquilo que se perdeu e que não há saudade. Não sou especialista da língua, o que vos vou dizer sobre as palavras é em resultado da minha vivência. Sou ex-preso político e é como tal que falo, a minha visão é a visão daquilo que eu sou. A linguagem é inseparável da realidade social. Não são as palavras que criam realidade, é a realidade que cria a palavra e lhe dá significado. A palavra surge por vontade, por
necessidade, e a partir do momento em que existe a sociedade dá-lhe um valor, é coisa social. Nos jornais, antes do 25 de Abril, podiam ler notícias que confirmam essa realidade, os ricos
A linguagem é inseparável da realidade social. Não são as palavras que criam realidade, é a realidade que cria a palavra e lhe dá significado
faleciam, os pobres morriam. A saudade, esse sentimento tão português… há coisas de que eu tenho saudade e outras que não. Não tenho saudade da época do fascismo, dos espancamentos, da miséria, das prisões (estive preso 11 anos)… Mas os fascistas que tinham liberdade para ultrajar, espancar, censurar terão saudade daquilo que perderam desse tempo. Portanto, o que para uns é saudade para outros pode ser o oposto. O mesmo se passa com a palavra «liberdade». «Liberdade», palavra universal, assumida quase sempre no singular, a liberdade representa muitas liberdades e muitas lutas. Quando se diz que “o 25 de Abril restituiu a liberdade…” não é bem assim. Eu era clandestino, não tinha liberdade, mas havia quem, nesse tempo, tivesse liberdade para torturar, para censurar… Também a nossa língua foi sujeita a muitas proibições, não
havia liberdade de escrita ou de ação. A realidade deu à nossa língua provérbios curiosos. Os camponeses tinham fome e a bolota era para os porcos, não para as pessoas. Quando os camponeses iam à bolota o latifundiário chamava a GNR e as pessoas eram presas. Essa realidade justifica o
provérbio: “Quem quer bolota trepa”. Lutava-se por comida, por direitos, por liberdade. Faço parte de uma geração que sofreu muito, mas que não se resignou, foi uma geração que lutou e conquistou a liberdade, agora é preciso cuidar dela. Não tenho saudade desse tempo.»
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Trabalhos em desenho dos alunos da Escola Secundária João de Barros
«Última flor do Lácio, inculta e bela» O soneto «Língua Portuguesa» do autor brasileiro Olavo Bilac (membro fundador da Academia Brasileira das Letras, poeta parnasiano, cronista, contista, conferencista, jornalista e autor de livros didáticos) conta a história da Língua Portuguesa. Diferente do Latim clássico, usado pelas classes superiores, o Latim vulgar era falado pelo povo na região do Lácio em Itália. Trazida pelos soldados e funcionários do império, esta era a língua imposta aos povos conquistados por Roma, dando origem a diversas línguas e dialetos, entre os quais o catalão, o castelhano e o galaico-português. Comparando-a a uma flor, o poeta apresenta a Língua Portuguesa como a «última flor do Lácio, inculta e bela». Bilac não esquece que esta é também a língua de Camões, cujo «engenho e arte», fez de «Os Lusíadas» um marco na história da Língua Portuguesa e dedica-lhe os dois últimos versos.
Olavo Bilac
Língua Portuguesa Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura. Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, em que da voz materna ouvi: “meu filho!”, E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
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Escola Secundária de Amora
O amor, enunciado no masculino, ao longo dos séculos Idade Média
Séc. XVI
O tema do amor está presente nas cantigas de amor e de amigo e é usado como uma forma de diversão.
Camões é o expoente o amor. máximo, exprimindo ,/
a nós descida Formosura do Céu o deixas isento! / que nenhum coraçã ado, / Lindo e subtil tranç or do remédio que ficaste em penh contigo, que mereço, / se só o! (Camões) vendo-te, endoudeç
Ai eu, coitada, como vivo / en gran desejo por meu amigo Que soidade de mha senhor ei // […] que, se non a vir, non posso viver (D. Dinis)
Séc. XVII Discípulo de Cam ões, Rodrigues Lobo representa o Barroco. Cora
ção, olha o que qu eres: / Que mulheres, são m ulheres... // […] Se algüa tem afeiçã o / Há-de ser a qu em lha nega,/ Porque nenhüa se entreg a/ Fora desta condiç ão; / Não lhe quei ra s, coração, / E senã o, olha o que quer es: / Que mulheres, sã o mulheres...
(Francisco Rodrigu
es Lobo)
Séc. XX
Séc. XIX Com o Romantismo, o amor assume proporçõ
es de excesso.
Excedeu-se em formar-te a Natureza; / Divin a te julguei pelo semblante, / Humana vejo que és pela fraqueza (Bocage) Entrar pé ante pé, e com ternura / Apertá-la nos braços casta e bela:/ Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olho s, / E a boca, com prazer o mais jucundo, / Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos
(Bocage)
Minha gentil: Quem me dera ser uma ave: arran caria uma pena às minhas asas e, voando ao céu, embebê-la-ia na tinta da aurora, naquela tinta vermelha com que os anjos escrevem cartinhas de namoro às estrelas… quem me dera escrever-te com uma pena assim, e com uma tinta igual – eu seria, pela primeira vez, anjo, e tu serias o que há muito és: estrela. (António Nobre)
A expressão do amor altera-se, como a própria sociedade.
Se é clara a luz desta vermelha margem / é porque dela se ergue uma figura nua / e o silêncio é recente e todavia antigo / enquanto se penteia na sombra da folhagem. / Que longe é ver tão perto o centro da frescura (António Ramos Rosa) Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. (Joaquim Pessoa) Quando nos poderemos nós encontrar a sós em qualquer parte, meu amor? Sinto a boca estranha, sabes, por não ter beijinhos há tanto tempo... Meu Bebé para sentar ao colo! Meu Bebé para dar dentadas! Meu Bebé para...[…] Bebé, vem cá; vem para o pé do Nininho; vem para os braços do Nininho; põe a tua boquinha contra a boca do Nininho... Vem... Estou tão só, tão só de beijinhos ... (Fernando Pessoa) Meu Deus, eu quero a mulher que passa. / Seu dorso frio é um campo de lírios / Tem sete cores nos seus cabelos / Sete esperanças na boca fresca! / Oh! Como és linda, mulher que passas (Vinicius de Morais)
Séc. XXI Estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram / flores novas na terra do jardim, quero / dizer / que estás bonita. // […] entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como se tocasse a pele do teu pescoço. / há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim. / estás tão bonita hoje. (José Luís Peixoto) Envelhecida a palavra, / tomo a lua por minha boca/ a noite, já sem voz / se vai despindo em ti. // O teu vestido tomba / e é uma nuvem./ O teu corpo se deita no meu, / um rio se vai aguando até ser mar. (Mia Couto)
quero reaprender o amor na respiração das tuas mãos / quero-me sentado nas pálpebras quietas do teu olhar. quero-me goiabar em ti, caroço e casca, verme e moço, seiva e corpo / tu – minha noite redonda / minha madrugada mulata. (Ondjaki)
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Escola Secundária Alfredo dos Reis Silveira
Conversa com o poeta e professor Luís Filipe Parrado
A Língua Portuguesa é o nosso maior tesouro Convidámos o poeta e professor Luís Filipe Parrado para conversar sobre a Língua Portuguesa e para explicar que língua é a nossa. «Pedem-me que comente esta data, esta efeméride dos oito séculos da Língua Portuguesa, não propriamente da língua porque não conseguimos determinar o exato momento em que ela surge, mas da existência de textos oficiais escritos em Português. Talvez valha a pena começar por lembrar que uma das experiências mais importantes da nossa existência como seres humanos é o facto de termos a faculdade impressionante de comunicarmos com palavras. É próprio dos seres humanos, só nós conseguimos produzir linguagem, esta coisa maravilhosa que é produzir palavras com sentido. Hoje, fazemos parte da grande comunidade da Língua Portuguesa. E ouvimos a língua falada no Brasil, um português com um gostinho especial, assim como nos países africanos, com a sua diversidade. E isso é magnífico. A Língua Portuguesa é o nosso maior tesouro. A língua de um pequeno povo que, nos séculos XV e XVI, chegou aos quatro cantos do mundo. E hoje o português é uma das línguas mais faladas no mundo, somos muitos a falar português. Por isso, é um prazer conversar convosco em português, porque a nossa língua é maravilhosa e era bom que tivéssemos consciência disso e a valorizássemos como nossa.» E como podemos valorizar a nossa língua? O Português provém de
uma outra língua, o Latim. E quem trouxe o Latim não foram os escritores, nem homens ricos, nem os grandes generais: foi o povo romano, os soldados e comerciantes. Por isso ela tem uma origem popular. Foi sendo construída por todos nós. Ter consciência dessa riqueza e valorizá-la é um trabalho que temos de fazer todos os dias. E de diferentes maneiras, sobretudo através do modo como falamos e nos exprimimos. É nossa obrigação falar bem português: dizermos as palavras todas, não comermos as sílabas, enfim, cuidarmos daquilo que nos deram em herança. E transmiti-la à próxima geração. E isso tem acontecido ao longo de todos estes anos, e pelo menos há oito séculos. Pode falar-nos um pouco da história da nossa língua? Nestes oito séculos houve muitas mudanças, mas no início a nossa língua estava muito próxima de uma outra língua, a língua galega. Nos séculos XI a XIV falávamos galaico-português e depois as duas línguas divergiram, mas ainda hoje conseguimos entendermo-nos todos muito bem… A respeito disso, gostava de vos dizer que o galaico-português, que se falava no norte do país e da península Ibérica, era uma língua culta, a língua dos poetas. Pelo que as origens da nossa língua escrita passam muito pela poesia, e não só pelos
textos oficiais. Passa, portanto, pela língua dos poetas, pois os nossos primeiros poemas foram escritos em galaico-português. E lendo esses poemas é como se estivéssemos a ver nascer o Português, por isso é muito interessante lerem alguns desses poemas. Eu gosto muito da ideia de que o nascimento da Língua Portuguesa, em termos escritos, passou, por um lado, pela poesia; e, por outro, pelo modo como o povo fala. Os poetas, os escritores, e a grande massa popular são os grandes inovadores e recriadores da Língua Portuguesa. Por isso, para mim é fundamental ler os grandes poetas e ouvir o povo falar. Uma língua é tanto mais rica quanto mais diversificada for. Por isso, quando ouvirem falar de modo diferente, vejam isso como algo interessante. A Língua Portuguesa vai mudando com o tempo? Sim. Houve uma altura em que as palavras que chegavam ao português vinham da influência francesa, do francês. Mas se tiverem palavras portuguesas, usem-nas, não precisam de usar outras se as tiverem em português. O certo é que as línguas evoluem naturalmente. E algumas palavras ficam e outras passam, mesmo algumas que hoje são usadas irão desaparecer. Portanto não devemos ser demasiado puristas e rejeitar o que é estrangeiro. Sempre foi assim e, por força de novas realidades, os estrangeiros sempre nos
ensinaram algumas coisas. Os brasileiros são muito descontraídos e adaptam novas palavras muito serenamente… Também não têm o peso dos 800 anos da língua! No fundo, o português é uma língua viva e, como diz o poeta Vasco Graça Moura, num verso belíssimo, «não és melhor que as outras, mas és nossa». De facto, a nossa língua é o espelho daquilo que nós somos como povo. A nossa língua é feita de muitas influências? É verdade. Não podemos esquecer que nós somos um povo que resulta de uma grande mistura de sangues. Somos ao mesmo tempo celtas, iberos, romanos, bárbaros, árabes… Mas também os franceses, os ingleses e os espanhóis trouxeram palavras à nossa língua. Hoje somos o resultado desta história contraditória, rica e muito interessante. Por outro lado, todos devemos ter a consciência de que um povo que valoriza a sua língua, a sua história e a sua cultura é um povo que vai sobreviver, contra tudo e contra todos. Se esse povo souber o que é e de onde vem, vai sobreviver. Esse é o caminho que temos que fazer como povo: sabermos valorizar a nossa cultura, a língua, a nossa identidade. Os escritores e os poetas são os que elevam, ao mais alto ponto, a força da nossa língua… Se lerem Fernando Pessoa ou Camões irão perceber isso, a nossa língua é tão bela nas mãos desses poetas que ficamos sensibilizados, mas também orgulhosos
por termos escritores de tal dimensão universal. Mudando agora um pouco o assunto. Pode falar-nos do valor da poesia? O que é para si um poema de qualidade? Hoje as regras da poesia já não são as mesmas do passado, pois não? Os poemas que importam resultam sempre da relação rigorosa entre forma e conteúdo. Para dizermos a coisa certa temos de a dizer da forma certa. A questão é sempre a mesma para os poetas: eles querem dizer o que há a dizer do modo certo. E o modo certo, hoje, não tem regras definidas, como, por exemplo, no século XVI. O que eu quero dizer é que o poeta procura usar as palavras necessárias, não pode haver mais uma palavra ou menos uma palavra. O poema é como um relógio. Para um relógio funcionar, as peças têm de estar todas no seu lugar para nos dizer as horas, os minutos e os segundos. Com um poema é a mesma coisa: tem de estar exatamente construído com as palavras da maneira certa, nem mais nem menos uma palavra. E está acabado nesse momento certo. É assim que as coisas funcionam, por exemplo, com Camões, que é absolutamente genial no que diz e no modo como o diz. Considera a leitura fundamental? Sem dúvida. Mas ler não é fácil. Implica esforço, ação… É uma pena se não experimentarem, há coisas que vale a pena experimentar e ler é uma delas. Ler os grandes autores. Vale a pena descobrir…
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Ana Margarida Branco, Inês Duarte, João Meneses, Rita Marques, Sara Dias, 12.º ano, fotomontagem de José Sebastião, professor de teatro, Escola Secundária José Afonso
Conversas cruzadas no tempo Numa tarde luminosa, Bocage desfrutava da brisa suave que pairava sobre a esplanada do café Nicola. Enquanto degustava o seu absinto, aparece Camões com o manuscrito de «Os Lusíadas» debaixo do braço. Bocage – Ó Camões, levaste «uma pedrada num olho?» Camões – Cala-te lá! Não só perdi o olho numa batalha como estive preso porque fui apanhado numa briga. Bocage – «Camões, grande Camões, quão semelhante/ acho teu fado ao meu»! Também eu estive preso tanto tempo que me perguntava «Liberdade, onde estás? Quem te demora?»
encontrei: «três armários de mentir / e cinco cofres de enleios / e alguns furtos alheios / guarda-roupa de encobrir». Bocage – De encobrir o quê? Gil Vicente – Os fidalgos, os frades e outros que fingem ter uma vida honrada mas que têm uma vida dupla. «Muito bem me confessei / mas tudo quanto roubei / encobri ao confessor» – Isto não vos lembra nenhum acontecimento do século XXI? Esse Espírito também era Santo… Mas por falar em padres, olha quem vai aí a passar – o Padre António Vieira. «Para onde caminhais? Oh! Que boa hora venhais!»
Bocage – Aposto que ninguém te liga nenhuma: andas a lutar pelos direitos dos índios, criticas os teus colegas padres… Não tomes cuidado com a Inquisição, não! Talvez os peixinhos te ouçam…
minhas peças. Mas parece que vem aí mais gente…
Padre António Vieira – «Ao menos têm os peixes duas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam» ao contrário de ti que só dizes disparates.
Zeca Afonso – O padre tem razão: «eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada».
Camões – Mas quem é o público dos teus sermões?
Camões – Olha, olha! Quem vem lá! É o nosso amigo Gil!
Padre António Vieira – Vou para a Igreja de S. Roque fazer um sermão e venho de muito longe, do Brasil.
Padre António Vieira – Infelizmente só peixe graúdo que come o mais pequeno: «Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande» .
Gil Vicente – Venho agora do teatro. Sabem o que lá
Camões – E quem é o teu público?
Gil Vicente – Vá lá que és diferente dos frades das
Do Chiado aparece Eça de Queirós em conversa com o Zeca Afonso que vem da Valentim de Carvalho. Ainda ouvem o resto da conversa.
Eça de Queirós – Mas estão a falar de quê? Será da política? «Há muitos anos que a política em Portugal apresenta este singular estado: doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder… O poder não sai de certos grupos… Ora tudo isto nos faz pensar que quanto mais um homem mostra a sua incompetência, tanto mais apto se torna para governar o seu país».
Zeca Afonso – «Das eleições acabadas / Do resultado previsto / Saiu o que tendes visto…» Eça de Queirós – «A política é uma arma…; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade…; dentro há corrupção, o patrono, o privilégio.» Zeca Afonso – «Se alguém se engana com seu ar sisudo / e lhes franqueia as portas à chegada / eles comem tudo / e não deixam nada». «O que faz falta é avisar a malta / O que faz falta é dar poder à malta». E também nos falta aqui o António Aleixo para lhes dar uma lição: Vós que lá do vosso império / prometeis um mundo novo, / calai-vos, que pode o povo / querer um mundo novo a sério.
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Caetano Filipe Dios, Lara Daniela Gândara, Maria Inês Camões Costa, Maria Pardal Brandão, 8.º ano, ilustrações de José Sebastião, professor de teatro, Escola Secundária José Afonso
Trovadores de ontem e de hoje Já na Idade Média, os jograis e trovadores usavam a poesia para criticar, e assim chegaram até aos nossos dias ecos da sociedade daquela época, dos seus divertimentos, dos problemas, dos conflitos. A língua afiada dos jograis mostrava a realidade da vida, de terra em terra, nas festas e romarias, nos palácios cantando as suas cantigas de escárnio e maldizer. Desta forma ficamos a conhecer alguns acontecimentos escandalosos daquela época, as rivalidades entre os próprios jograis, a traição política, os cavaleiros pobres que pretendiam fazer-se passar por abastados («Perguntem-me um rico homem / muito rico que mal come / porque o faz»), os que exploravam os povos dos concelhos. Algumas destas cantigas tinham também como alvo as damas que se queixavam porque ninguém as cortejava («Ai! Dona feia, foste-vos queixar / porque nunca vos louvo em meu cantar») as mulheres de má fama e também os físicos (médicos da época), os maus juízes, os bruxos e até os frades que não cumpriam os seus votos religiosos («Nos mosteiros dos frades a [verdade] procurei / e disseram-me assim / Não busqueis a verdade aqui / porque muitos anos temos passado / e já não mora connosco»). Também nos nossos dias há quem observe a sociedade e a critique usando a música e a poesia.
Deolinda – Para ser escravo é preciso estudar Os Deolinda usam igualmente as suas canções para mostrar os problemas atuais, como o facto de hoje em dia haver muitas pessoas com cursos e que se encontram dese mpregadas («Que mundo tão parvo, / Onde para ser escravo / É preciso estudar»). Criticam ainda a falta de iniciativa de alguns («Tenho vontade de seguir uma outra via / Mas eu desisto / Tenho vontade de mudar a minh a vida / Mas não arrisco») e também o receio do poder, não só o do Governo como também o dos patrões (Tenho vontade de dizer aquilo que penso / Mas tenho medo / Tenho vontade de exigir o que eu mereço / Mas nem me atrevo»). Estes são alguns exemplos de trovadores que, seguindo os passos dos seus colegas da Idade Média, continuam , no século XXI, a olhar a sociedade e a denunciar, muitas vezes com ironia, os problemas que a afetam.
D8 – Quem estuda no presente não assegura o futuro Também um jovem cantor, D8, fala-nos de situações semelhantes com as quais todos nós, ou pelo menos uma grande maioria, se pode identificar, tais como a crise, o desemprego e a emigração. Na canção Povo lusitano lembra que a situação do país veio a piorar ao longo dos últimos anos: «Mas de há uns anos para cá notei a diferença, / seguem para outros países para pôr comida na mesa». Aborda ainda o desemprego em Portugal «Mas quem estuda no presente não assegura o futuro».
lha rebenta
ia a bo Boss AC – Qualquer d
AC que produziu cial é o que faz Boss so a ític cr de plo em critica o estado Outro ex prego Bom, na qual Em r a: ad am ch ica ús uma m iro «Onde vou arranja bém a falta de dinhe m ta e r ga fer re alu E ra l. pa ga de Portu ndições nem nda? / Não tenho co s o povo aguenta / Ma dinheiro para uma re o les enterram país «E o rn ve go o ; os a» an s nd uma te prego «Tanto a rebenta»; o desem ta, qualquer dia a bolh num emprego da tre Ou / mpregado se de ar ab ac ra pa r a estuda mal pago.»
Chullage – Já não dá sicas que refletem a revolta e o É o caso de Chullage com as suas mú . Nas canções Já não dá e Eles descontentamento do povo português de dinheiro e de emprego, os comem tudo, são retratados a falta despedimentos e a emigração. problemas na educação e saúde, os automóvel / a sala está vazia, Chullage lembra que «é a dívida do p’ra alimentar / e outro na já desisti do sofá e do móvel / um filho o está a chegar / e este mês barriga já se mexe / o seguro do carr nem paguei a creche». os uma família, a passar De certeza que conhecemos, pelo men a isto? A falta de emprego por uma situação destas. E o que leva os em sites / só p’ra voltar a «agarrado a jornais / a meter currícul Fala também na necessidade ouvir / que a vaga já foi preenchida». França ou Angola» (...) quem de emigrar «já pondero emigrar/pra o el dorado / e arranjar um visto estava em Espanha voltou / acabou Com filhos, tudo se duplica. pra Angola / tá a ficar complicado». poderem satisfazer as suas Os pais entram em desespero por não dos a soluções extremas: necessidades básicas e podem ser leva ola». A educação também «entrar num banco e apontar uma pist pagar / propinas e um pra faz parte desta canção: «endividei-me r desempregado». fica certificado / ter uma licenciatura / pra
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s, lda Pinheiro, Sara Anselmo, Fátima Soare Escola Secundária Manuel Cargaleiro Prof. Jorge Duarte, Diana Pinheiro, Mafa riz Rodrigues e Andreia Henriques da Beat , Faria Ana prof. e, Freir Júlia prof. s, Santo eca Fons arida Marg tora escri
Entrevista à escritora Margarida Fonseca Santos
Oito séculos a brincar com as palavras Somos um grupo de jovens estudantes que fazem parte do Clube de Jornalismo da nossa escola. Vamos, pelo segundo ano consecutivo, participar num jornal interescolar, promovido pela Câmara Municipal do Seixal, que procura, com esta iniciativa, juntar-se às comemorações dos Oito Séculos da Língua Portuguesa. Achámos que entrevistar uma escritora, alguém que trabalha com palavras, seria adequado e interessante e lembrámo-nos da Margarida Fonseca Santos que esteve recentemente na nossa escola a orientar um ateliê de escrita criativa com professores. Claro que num meio tão pequeno… tudo se sabe e, rapidamente, as ideias desenvolvidas no ateliê chegaram aos alunos… assim como o nome da sua mentora…
Uma vez que o nosso tema é «Oito Séculos da Língua Portuguesa», não será de estranhar que as nossas perguntas se centrem na sua visão relativamente à língua que é, no fundo, o seu instrumento de trabalho. E aqui vai a nossa primeira pergunta: Uma língua tão «velha» tem, com certeza, muitas palavras que caíram em desuso, assim como palavras «acabadinhas» de criar. Nos seus ateliês de escrita criativa, alguma vez se lembrou de lançar um desafio que incorporasse palavras desses dois grupos? Seria interessante fazê-lo? Esse assunto é muito importante. Se, por um lado, podemos utilizar palavras acabadas de criar, também se torna importante, por outro lado, que não sejam muitas a cair em desuso. O engraçado, nos exercícios
de escrita criativa, é que por vezes só se encontram soluções nas palavras mais antigas – o obstáculo leva-nos muitas vezes a revisitá-las para conseguir chegar ao fim… E depois não as esquecemos. Os jovens, com a sua imaginação inesgotável e a sua irreverência são frequentemente responsáveis pela introdução de novos vocábulos na Língua Portuguesa, como «bué» e «fixe», que «arrepiam» os mais velhos. Como encara este tipo de vocabulário? Faz parte do processo de renovação da língua ou deve ser reprimido para não «estragar» a língua? Não vale muito a pena lutar contra esses modismos. Se pensarmos bem, acabam por passar de moda e são substituídos por outros. Os que sobrevivem mais tempo, acabam integrados na língua, como por
exemplo «estar chateado», que em pequena não me deixavam dizer… Faz parte do crescimento da língua. Uma vez que contacta com um público mais jovem e escreve com frequência para jovens e crianças, incorpora nos seus textos, nos seus livros, vocabulário mais típico destas faixas etárias? Ou evita fazê-lo por considerar que não devem fazer parte de um registo escrito? Evito sempre integrar os tais modismos, porque podem desaparecer e, daqui a dez anos, o livro ainda pode estar vivo, mas já ninguém entende essas palavras. Só nos diálogos escrevo, de vez em quando, frases com essas características, e só se é mesmo importante esse detalhe para a cena retratada. E já que estamos a falar de escrita… não podíamos
deixar de lhe perguntar o que pensa do novo Acordo Ortográfico (AO). Adota-o nas suas escritas (como nós!) ou continua a escrever à «antiga»? Para crianças e jovens, não tenho outro remédio, tem de ser com o novo AO, estou a responder-vos assim. Para adultos, mantenho-me no antigo. Há certas mudanças que, para mim, são destruidoras, como desaparecerem as consoantes que abrem as vogais e que nos levam à raiz da palavra. Como está tudo a ser repensado, prefiro esperar para entender o resultado final. O português é uma língua difícil? Parece ser, por vezes, tão maltratada por quem a fala… Será uma questão de dificuldade, desrespeito, falta de conhecimento…? Pergunta difícil… Parece-me que há graves lacunas no respeito pelas
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11 Fic ha téc nic a Escola Secundária João de Barros
Professores: António Vaz e Lucília Achando (professora bibliotecária) Alunos: Gonçalo Mota, Maria Rocha, Liliana Santos, Débora Barbosa, Inês Conceição
Escola Secundária Manuel Cargaleiro
Professores: Ana Faria, Luísa Pereira, Jorge Duarte, Júlia Freire. Alunos: Ana Bárbara, Ana Carolina Martins, Andreia Henriques, Beatriz Rodrigues, Diana Pinheiro, Diogo Fonseca, Eduardo Pires, Fátima Soares, Mafalda Pinheiro, Maria Paupescu, Raquel Rei, Sala Anselmo, Tiago Velez
Escola Secundária de Amora
Professores: Maria dos Anjos Ferrão, Margarida Correia. Alunos: Marisa Santos, César Serrão, Cláudia Carina, Miriam Brito, Bárbara Rodrigues, Bruno Mourato, Gisela Monteiro, Jéssico Freitas, Raquel Nobre, Gabriel Algarve.
Escola Secundária Alfredo dos Reis Silveira
Professores: Ana Paula Gonçalves. Alunos: Alexandre Ferreira, Diogo Abrunhosa, Diogo Carvalho, Gonçalo Pereira, Helena Pericão, Mariana Godinho, André Piteira, Joana Carreiro, Miguel Van der Garde, António Faria, Sofia Ferreira, Eva, Inês Figueiras, Lucas, Maira, Raquel Fonseca, Micaela Sofia, Inês Ribeiro, Joana Caetano, Sara Albino, Carolina Lourenço.
regras logo nos primeiros anos da escola. Acredito que, com a violência dos programas, a burocracia na escola, o desrespeito pelo professor, não há tempo para falar e escrever corretamente. Já nem falo dos erros, tanto gramaticais como de pontuação e sintaxe. É a pobreza do que se diz e escreve que me preocupa. Estamos sempre com pressa. Para si, o erro desvirtua a língua ou pode ser encarado como uma força que conduz à renovação, à evolução? Ou não é nenhuma destas duas coisas? O erro tem sempre de ser visto no contexto. Estamos a copiar um texto ou a fazer um ditado? Não se pode deixar passar, nunca. E cada vez se copia e dita menos… Estamos a fazer um exercício de criatividade? Então os erros ortográficos não podem pesar, pois é a forma de levar os alunos, ao corrigir a escrita, a alargar o seu vocabulário. Dou uns exemplos: o «Extrovante», em vez de «Os Trovante» (grupo musical); «não vá o dia apetecê-las», em vez de «não vá o diabo tecê-las». Tem de haver espaço para
arriscar escrever aquilo que não se sabe bem, pois só assim se evolui. Qual a relação entre a música e a escrita? Começou pela música, não é verdade? Mas dedica-se agora à escrita… Serão duas faces da mesma moeda? Duas linguagens? Talvez sejam, sim. São sobretudo duas formas de sentir e expressar emoções e sentimentos. A escrita só entrou muito tarde na minha vida, quando inventava histórias para os meus filhos (e vivia uma das épocas mais difíceis por que passei). Foi um caminho que me restruturou. Sinto-me muito mais à vontade na escrita, ou então nas canções, porque escrevo música e letra. Alguma vez se lembrou de utilizar a música, nos seus ateliês, para estimular a criatividade da escrita? Será que a música pode ter influência no fluir das palavras? Claro que sim! Tem uma gigantesca influência porque, como disse atrás, mexe com as nossas emoções. É muito interessante fazer essa ponte, e os resultados são surpreendentes.
É mais difícil escrever para crianças, para jovens ou para adultos? Para crianças, sem dúvida. É uma responsabilidade, pois a criança ainda não sabe defender-se ao ler; um perigo terrível, porque o moralismo anda sempre de roda; e tem de ser emocionalmente forte (divertido, ou intenso, ou provocador, etc.). Levamos menos tempo a escrever porque são histórias mais curtas, mas se contabilizássemos o equilíbrio página/tempo iríamos encontrar uma escrita muito mais lenta. Qual a responsabilidade de um escritor na divulgação e aprendizagem da língua junto das crianças? É uma responsabilidade clara e gigantesca. No fundo, somos responsáveis por fazer dos leitores melhores utilizadores da língua, lida e escrita. Por isso, quem aprende comigo, já sabe que nunca deixo passar uma vírgula entre o sujeito e o predicado, um «á», nem perdoo os advérbios de modo em excesso, por exemplo… Tem de se escrever de forma correta, interessante e rica.
Como não gostamos de números redondos, não vamos terminar a entrevista na pergunta 10… Aqui vai a nossa décima primeira e última questão. Qual a importância que uma língua tem na identidade de um povo? Há povos que falam mais de uma língua, mas ainda assim mantêm um sentimento de unidade. A Língua Portuguesa, por seu lado, é falada em diversos países, nos pontos mais variados do globo… é pertença de vários povos… Se pensarmos bem, mesmo sendo sempre a Língua Portuguesa a ser falada em tantos países, ela tem nuances diferentes em cada país. Por isso se torna tão própria de cada povo falante. Uma língua viva é isso mesmo, adapta-se e cresce. Contudo, em cada país, traz unidade à sociedade que a fala, é a base comum para todas as interações. Agradecemos a sua amabilidade e disponibilidade para responder às nossas perguntas, assim como a sua contribuição diária para manter viva e saudável a língua que partilhamos.
Escola Básica Dr. António Augusto Louro
Professores: Anabela Pires Carreira, José Plácido. Alunos: Bruna Silva, Ângela Sousa, Alexandre Afonso, Gustavo Regala, Bruna Rossa, Andreia Santos, Rita Jacinto, Alexandra Figueira, António Santos, Maria Sebastião, Marie Martins
Escola Secundária Dr. José Afonso
Professores: Dora Pinheiro, Dulce Oliveira, Antónia Fradinho, José Sebastião, Carla Batista, Alice Santos. Alunos: Caetano Dios, Lara Gândara, Inês Costa, Maria Brandão, Sara Dias, João Meneses, Inês Duarte, Ana Margarida Branco, Rita Marques. Edição e paginação: Câmara Municipal do Seixal Impressão: Grafedisport – Impressão e Artes Gráficas, SA – Rua Consiglieri Pedroso – Casal de Santa Leopoldina – Queluz de Baixo – 2745-553 Barcarena – Tel.: 214 345 400 Fax: 214 360 542 Tiragem: 8000 exemplares Distribuição gratuita
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Escola Básica Dr. António Augusto Louro
Escola Secundária Alfredo dos Reis Silveira
« (…) a nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, (…) aquele assombro vocálico em os sons são cores ideais (…) Minha pátria é a língua portug que uesa.»
«Palavras que muito amei, Que talvez ame ainda. Elas são a casa, o sal da língua.»
Autor: Fernando Pessoa/Bernardo Soares (Portugal)
Autor: Eugénio de Andrade (Portugal)
o Escola Secundária Manuel Cargaleir Escola Secundária Dr. José Afonso
«Se há um bem precioso que, ainda por cima, não é de ninguém em particular, é obra de todos, é a Língua Portuguesa.»
«As palavras proferidas pelo coração não têm língua que as articule, retém-nas um nó na garganta e só nos olhos é que se podem ler.»
Autor: José Saramago (Portugal)
Autor: José Saramago (Portugal)
Escola Secundária Joã o
Escola Secundária de Amora
«Da minha Língua vê-se o mar. Da minha Língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou do deserto. Por isso a voz do mar foi a da nossa inquietação.» Autor: Vergílio Ferreira (Portugal)
de Barros
«Escrever é usar as palavras com sensualidade» «Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrear. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas (…)» Autor: Fernando Pessoa/Bernardo Soares (Portugal)