MEMÓRIA VIVA Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação
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FICHA TÉCNICA Memória Viva do Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação
Editor: Câmara Municipal do Seixal Fotografias:
Edição no âmbito do Projeto Romano Atmo sobre Rodas FAPE 2018-2019
Delphine Bigot Sónia Matos Câmara Municipal do Seixal
Entidade promotora: Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas (AMUCIP)
Leitura dos textos e contribuições: Carlos Gomes Delphine Bigot
Coordenadora: Sónia Matos
Conceção gráfica, paginação e revisão de texto:
Entidades parceiras: Câmara Municipal do Seixal
Divisão de Comunicação e Imagem da Câmara Municipal do Seixal
Instituto das Comunidades Educativas (ICE) Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ)
Impressão: Estúdios Fernando Jorge Artes Gráficas
Organização da publicação: Carolina Leão (AMUCIP)
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30 de julho de 2019
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Prefácio
Relatório síntese
Joaquim Santos
de apresentação
Presidente da Câmara Municipal do Seixal
e análise de dados do Kit Pedagógico Romano Atmo João Caramelo (Instituto das Comunidades Educativas)
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Memória Viva do Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação Carolina Leão (AMUCIP e
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Questionário de aplicação kit pedagógico “Romano Atmo”
SOCIUS-CSG-ISEG/Universidade
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de Lisboa) As mulheres ciganas e a experimentação
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Conto de apresentação Carolina Leão
do Kit Pedagógico Romano Atmo nas escolas Carolina Leão, Helder Costa, Delphine Bigot e Sónia Matos, com o Grupo Colaborativo
O Projeto Romano Atmo
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sobre Rodas contado pela sua Memória Viva
de Mulheres Ciganas do projeto Romano Atmo sobre Rodas
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O KIT PEDAGÓGICO O KIT PEDAGÓGICO
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ROMANO ATMO NAS ESCOLAS
NO PERCURSO DO GRUPO COLABORATIVO DE MULHERES CIGANAS
Faces do Percurso: diálogos e perceções dos atores envolvidos junto das escolas do Seixal
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ROMANO ATMO
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Exercícios realizados pelas formandas durante as sessões, utilizando palavras da língua romanon
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Elsa Simões (Câmara Municipal do Seixal)
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O percurso do Grupo Colaborativo de Mulheres Ciganas Helder Costa (Agrupamento de Escolas do Barreiro
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e Instituto Superior de Ciências Educativas de Odivelas)
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação
Das mulheres ciganas para a comunidade cigana: criação do folheto «Romano Atmo (Alma Cigana): o futuro dos teus filhos também passa pelas tuas decisões!» Carolina Leão
As potencialidades
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do kit na formação de pessoas adultas Da memória aos novos O espetáculo de fantoches
rumos: conclusões e expectativas de futuro
Entrevista com Susana Filipe
Carolina Leão e Sónia Matos
(Divisão de Cultura e
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Património da Câmara Municipal do Seixal) A AMUCIP em (inter)ação: outros projetos de educação, trabalho e auto-organização
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Agradecimentos
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Relatos da experiência das mulheres com a dramatização de contos ciganos e a composição de cenários
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Pelas participantes do projeto Romano Atmo sobre Rodas
Conexão de aprendizagens com Alma Cigana As TIC nas aprendizagens das mulheres de etnia cigana
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Nuno Carvalho (R@to – Associação para a Divulgação Cultural e Científica)
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PREFÁCIO O município do Seixal, caracterizado pelas suas diversas comunidades e culturas, é um território reconhecido pela sua multiculturalidade, sendo a integração um desafio que a autarquia assume como prevalecente para o bem-estar das populações e para um território de paz. Tem sido política deste município desenvolver estratégias que conduzam a um bom acolhimento e efetiva inclusão, assumindo encontrar respostas para os desafios que esta condição apresenta, através de ações locais em contexto de proximidade e de cooperação institucional. Assim, congratulo a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas pelo trabalho desenvolvido no âmbito da integração da comunidade cigana, em particular com o projeto Romano Atmo sobre Rodas, que em parceria com o projeto municipal Povos, Culturas e Pontes criou sinergias e respostas contextualizadas às problemáticas no domínio da educação e capacitação da comunidade cigana, em que os resultados são agora materializados na presente publicação, Memória Viva do Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação. Com estas memórias, juntamente com a partilha de saberes e sabores, vivências e ideias, construímos diariamente a nossa identidade, fruto da convivência comum e em estreita colaboração com as instituições locais. Uma palavra de apreço às escolas que aceitaram o desafio e de forma criativa dedicaram um tempo letivo para dar a conhecer a cultura cigana aos seus estudantes, desenvolvendo, simultaneamente, competências sociais para a interculturalidade e valorização da diversidade junto da sua comunidade educativa. Pretendemos dar continuidade e aprofundar todo um trabalho já iniciado há mais de uma década, na constante procura da melhoria na intervenção e nas respostas às populações que apresentem maior vulnerabilidade, não obstante a sua situação social, económica ou outra condição, promovendo a igualdade entre mulheres e homens e a não discriminação, para o qual o Plano Local para Integração da Comunidade Cigana será um importante contributo, na certeza que constituirá um instrumento de relevância estratégica na integração da comunidade cigana no concelho do Seixal.
O presidente da Câmara Municipal do Seixal, Joaquim Cesário Cardador dos Santos
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Conto de apresentação À Sónia Matos e suas meninas Havia uma menina, com cabelos aos anéis e olhos de águia, que não queria ser princesa. Tinha muitas pátrias e adorava saltar muros, muito altos e difíceis de ultrapassar. Sónia era o seu nome, cujo significado era «sábia». Sónia, a sábia, não se separava de um pequeno saco cinzento, onde guardava todo o tesouro do seu povo, que pertencia a muitos lugares. A ela, confiaram o que de mais precioso tinham: as vozes da sabedoria. Era o que levava no saco, sem nunca o abandonar. A sua visão aguçada permitia alcançar e saltar muros longínquos. Sabia que, se um dia conseguisse atravessar muitos muros, podia distribuir as vozes da sabedoria que tinha no saco por muitas pessoas diferentes. Pensava que, se isso acontecesse, todos e todas ficariam mais ricos/ /as, pois poderiam conhecer o seu povo e conviver com maior solidariedade.
quietinhas, à volta da lua e da fogueira, porque achavam que não tinham nada para ensinar. As vozes das curiosidades andavam muito ocupadas, visitando vários países, e não estavam para se chatear a saltar muros. As vozes da dança, apesar de terem vivido tempos de luzes e exuberância, diziam que o povo já não queria mostrar a sua beleza e, por isso, mais nada importava, porque iriam dormir para sempre. As vozes da língua estavam tristes, porque o vento levou-lhes as palavras e já não podiam falar com ninguém. Muito surpresas com o que estava a acontecer às vozes da sabedoria, as três meninas fizeram com que todas as vozes saíssem das casas. Às vozes dos contos fizeram-nas contar dias e noites de estórias, que as demais vozes ouviam atentas e com muitos sorrisos, porque já não se lembravam o quanto o seu povo tinha saberes que poderiam aprender e encantar outros povos.
Mas havia um problema: as vozes da sabedoria estavam todas misturadas no saco! Cada vez que Sónia o abria, saíam de lá muitas vozes que se atropelavam; altas e todas ao mesmo tempo. Algumas, mais mexidas, escapavam do saco e viajavam ou ficavam escondidas nas casas do povo. Sónia percebia que, por mais que conseguisse transpor os muros, se não as pudesse reunir e organizar, as pessoas nunca compreenderiam o tesouro que trazia no saco. Foi então que decidiu convocar outras meninas para ajudá-la a encontrar as vozes escondidas da sabedoria. Chamou a menina ousada; da força e independência: Alzinda era o seu nome. Chamou a menina do nascimento, que veio com muito brilho, cores, palmas e alegria: era a Noel. Sónia, Alzinda e Noel correram mundos, bateram em portas, entraram em casas e falaram com muitas pessoas do seu povo. Era difícil convencer as vozes da sabedoria a juntarem-se no saco. As vozes dos contos tinham muitas estórias para contar sobre o seu povo, mas preferiam ficar 11
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As vozes das curiosidades fizeram as malas e retornaram com estas cheias de novidades. Foram a muitas festas, comeram comidas diferentes, ficaram com as barrigas cheias e conheceram pessoas que nem sabiam que pertenciam ao seu povo. As outras vozes, curiosas, fizeram perguntas e mais perguntas, que as vozes das curiosidades não mais paravam de responder. Eram tantos os conhecimentos que, afinal, entusiasmaram-se por espalhá-los mundo fora.
saco da sabedoria, que as suas lágrimas fizeram todo o povo chorar.
Com as vozes da dança foi mais complicado. Sem ninguém para dançar, começaram a acenar com um adeus, retirando-se uma a uma para dormirem eternamente.
Felizes com o reencontro e com saudades de serem ditas, as palavras abraçavam o povo nas ruas. Tinham uma sonoridade tão bela que precisavam, apenas, de uma menina para dizer-lhes com força e orgulho. E olharam nos olhos da Alzinda.
Foi aí que Noel, a menina do nascimento, chamou para si as vozes da dança. Bailou e bailou glamorosamente, dias e noites sem fim, com as outras vozes em êxtase. Com a Noel, nasceram muitas danças, com um fulgor jamais visto. Foram as primeiras a entrar no saco cinzento da Sónia, seguidas pelas vozes dos contos e depois das curiosidades. Eram tantas as palmas e a alegria, que todo o povo veio para a rua, em festa, comemorar. Faltaram as vozes da língua. O vento tinha levado as palavras e era impossível voltarem a falar. Estavam tão tristes por não poderem juntar-se ao
Foi aí que tiveram uma ideia: todos e todas voltaram às suas casas, com a missão de procurar alguma palavra que o vento, porventura, se tivesse esquecido de levar. É verdade, não foi fácil... mas em cada canto que procuravam, lá estava alguma palavra esquecida; escondida, com medo de sair à rua e ser levada como as outras.
Com a sua generosidade e firmeza, Alzinda, a ousada, mostrou ao povo que a sua língua, mesmo incompleta, era dos seus mais preciosos tesouros. Assim, saiu pelas ruas ensinando palavras tão importantes como os alimentos que sustentam a vida. Depois de tudo o que aconteceu, as vozes da língua puderam, finalmente, entrar no saco. Entretanto, sussurraram à Alzinda que o saco cinzento nunca mais seria o mesmo. A partir deste momento, passaria a chamar-se «Romano Atmo»,
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que na língua do seu povo, o povo cigano, significava «Alma Cigana». Foi o que Alzinda, em altos brados, transmitiu ao seu povo. Era o momento de partir. Todos e todas despediram-se, felizes. Sabiam que, agora, o Romano Atmo reunia uma grande parte dos seus preciosos tesouros. Sónia, a sábia, saiu então pelo mundo, levada pelos seus longos cabelos aos anéis e saltando todos os muros que encontrava. Entrou em muitos lugares e encontrou pessoas, muito sensíveis e atentas, que a levaram a conhecer mestres e mestras. Quando lhes abriu o Romano Atmo, as vozes saíram uma a uma, para mostrar-lhes o quanto o seu povo era rico em sabedoria. Os/as mestres foram agarrando todas as vozes que podiam. Sónia mostrou-lhes a arte de saltar muros, levando como bagagem o Romano Atmo. Os/as mestres, cheios/as de sabedoria, ousadia e muito brilho, disseram a Sónia: – Até qualquer dia! E saíram pelo mundo a transformar o coração de crianças e jovens com a sabedoria do Romano Atmo. Mas a Sónia, sem nunca esquecer o que aconteceu no passado com as vozes da sabedoria,
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação pensava que deveria retornar ao seu povo e dizer-lhes que não basta reconhecer que esta existe! É preciso cuidar dela, partilhá-la com mais pessoas e que as suas crianças saiam das suas casas para ensinar e aprender, todos os dias, com outras meninas e meninos que têm saberes diferentes. Então, voltou para o seu povo. A partir daí, outro mundo se abriu. Mulheres vieram para a rua, encantadas pelo Romano Atmo, e juntaram-se a Sónia e às outras meninas, para continuar a escrever esta estória que NÃO TEM FIM!
O Projeto Romano Atmo sobre Rodas contado pela sua Memória Viva Entretanto, o saco cinzento da Sónia, com um conjunto de materiais disponíveis para a abordagem da história e da cultura cigana, ficou conhecido como Kit Pedagógico Romano Atmo. A publicação Mémória Viva do Kit Pedagógico Romano Atmo é parte integrante das atividades do projeto Romano Atmo sobre Rodas, que contou com a parceria da Câmara Municipal do Seixal, no âmbito do projeto Povos, Culturas e Pontes; do Instituto das Comunidades Educativas (ICE) e do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ). Este projeto foi cofinanciado pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM), no quadro do FAPE – Fundo de Apoio à Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (2018-2019). A Mémória Viva do Kit Pedagógico Romano Atmo retrata a segunda parte desse conto, ou seja, a sua experimentação por diferentes atores, no meio escolar e com as mulheres da comunidade cigana, envolvendo crianças, jovens e pessoas adultas. Não tem mesmo fim, mas se desejar conhecer com maior detalhe alguns dos momentos desta história, terá de dedicar mais
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algum tempo de leitura. Quando a Sónia Matos, coordenadora do projeto e mediadora sociocultural, partiu para o terreno, levando consigo esta ferramenta, um dos caminhos que percorreu foi o das escolas. Por isso, pode consultar o espaço Kit Pedagógico Romano Atmo nas Escolas para conhecer o testemunho dos/as profissionais envolvidas/os neste momento do trabalho.
são de Cultura e Património da Câmara Municipal do Seixal. O trabalho orientado por esta técnica foi desenvolvido na Biblioteca Municipal do Seixal. As participantes escolheram o conto «O Ouriço e o Rei», inserido no Kit Pedagógico Romano Atmo, e aprenderam técnicas de dramatização de teatro de fantoches, criando, igualmente, o cenário para a apresentação desta história.
Em Faces do Percurso: diálogos e perceções dos atores envolvidos junto às escolas do Seixal, Elsa Simões, da Câmara Municipal do Seixal, reconstrói este percurso com Sónia Matos, que culmina com a realização da Feira dos Projetos Educativos – cuja exposição retrata o trabalho ao longo de 18 meses em seis escolas do concelho do Seixal – e com esta publicação, que acompanhará o kit.
Em Conexão de aprendizagens com Alma Cigana: as TIC nas aprendizagens das mulheres de etnia cigana, Nuno Carvalho, da R@to – Associação para a Divulgação Cultural e Científica (R@to – ADCC), partilha o seu depoimento acerca da capacitação inicial das participantes sobre as TIC. Esta etapa foi fundamental para estas mulheres, abrindo-lhes as portas à utilização dos computadores, à pesquisa sobre os temas que surgiram durante o projeto, à comunicação via email, entre outras possibilidades que deverão apoiar a conexão do grupo colaborativo com o meio escolar e a sua comunidade.
A seguir, encontra o Relatório Síntese de Apresentação e Análise de Dados do Kit Pedagógico Romano Atmo, realizado pelo Instituto das Comunidades Educativas (ICE), cujo estudo oferece a avaliação dos contextos e condições em que o kit foi utilizado no meio escolar; os seus impactos e sugestões das/os docentes envolvidas/os para a sua melhoria. Como parte do processo de capacitação, as participantes vão às escolas e interagem com docentes e crianças neste meio, atuando em atividades e/ou compreendendo o potencial do kit para a valorização da história e cultura cigana. Podem encontrar a avaliação desta prática pelas próprias em: As mulheres ciganas nas escolas: o kit pedagógico Romano Atmo em ação. No espaço O Kit Pedagógico Romano Atmo no percurso do Grupo Colaborativo de Mulheres Ciganas pode conhecer, através do testemunho de Helder Costa, em O percurso do grupo colaborativo de Mulheres Ciganas, como esta construção aconteceu a partir da capacitação das participantes que partiu das atividades desenvolvidas com base no kit. Pode, ainda, ter acesso ao que as mulheres levaram das suas vivências para estes encontros, como a letra de uma canção, as receitas e as frases criadas em língua romanon. O teatro ganha expressão em As potencialidades do Kit Pedagógico Romano Atmo na formação de pessoas adultas, por via da Susana Filipe, da Divi-
O processo de capacitação do grupo colaborativo de mulheres, potenciado pelo Kit Pedagógico Romano Atmo é, finalmente, evidenciado pelas próprias em Das mulheres ciganas para a comunidade cigana: «O futuro dos teus filhos também passa pelas tuas decisões!», quando criam, de forma autónoma, um folheto orientado para a comunidade cigana, com vista à valorização da educação escolar das suas crianças. Com foco na educação popular, Carolina Leão e Delphine Bigot orientaram as sessões de criação deste folheto, cujo processo pode ser consultado nesta sessão. Passamos, então, Da memória aos novos rumos: conclusões e expectativas de futuro. Ao fim de 18 meses de projeto, após tantas aprendizagens pelo campo fértil da educação, apresentámos uma síntese do processo vivenciado por todos os atores. Finalmente, encerrámos com as 10 participantes do projeto Romano Atmo sobre Rodas a manifestarem as suas expectativas de continuidade e amadurecimento desta trajetória, que levou à criação do grupo colaborativo de mulheres ciganas, para a valorização da escola junto à sua comunidade, o que torna evidente a importância de haver mediadoras de etnia cigana que facilitem o diálogo entre esta comunidade e o meio escolar.
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Diz a expressão popular que «quem conta um conto aumenta um ponto». Embora tenhamos chegado ao primeiro final das muitas estórias do Kit Pedagógico Romano Atmo que estão por vir, com a certeza de que valeu a pena apostar na sua experimentação em contextos tão variados, acreditamos não ter caído na tentação do excesso de entusiasmo. Entretanto, não podemos ignorar que esta ferramenta ultrapassou as nossas expectativas iniciais de capacitação de docentes e técnicas/os de ação educativa para o trabalho com crianças ciganas e não ciganas, do 1.º ciclo do ensino básico. Este foi aplicado, com êxito, no trabalho com jovens e, ainda, na formação de pessoas adultas, neste caso, às mulheres ciganas, ampliando o seu leque de atividades e abrindo as portas à criatividade imparável.
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação Sendo assim, podemos afirmar que o Kit Pedagógico Romano Atmo revelou-se como um instrumento de cariz interdisciplinar e intergeracional, tal como retrata esta Memória Viva que passa a acompanhá-lo, enquanto fruto de um processo de reflexão-ação dos atores envolvidos, que convoca a todos e todas a experimentá-lo e multiplicá-lo noutros espaços, de forma a enriquecê-lo com novas abordagens.
Carolina Leão Junho de 2019
Contos sabedoria vozes partilhar
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Faces do percurso: diálogos e perceções dos atores envolvidos junto das escolas do Seixal Jovens mulheres, mães e avós, Alunos/as, professores/as, Autarquia, juntos fizemos comunidade, Somos comunidade.
O Kit Pedagógico Romano Atmo entrou nas escolas: de uma cultura desconhecida, sentimos o pulsar romano: fomos barqueiros, violinistas, pássaros cantantes ao som de flautas, voámos para outras paragens ao encontro de escolas do nosso município, mostrámos as ilustrações dos nossos trabalhos e a representação dos contos tradicionais ciganos.
O projeto Romano Atmo sobre Rodas é um recurso que nos possibilita trabalhar e reconhecer a diversidade, permitindo-nos crescer enquanto comunidade e alcançar objetivos comuns através de aprendizagens mútuas e recíprocas, de
Construímos pontes e partimos para o conhecimento de outras culturas, da Guiné, de Angola, Brasil, S. Tomé, Angola e Cabo Verde! Com a criatividade dos nossos professores, aplicámos o kit à matemática e às ciências. Os dados estão lançados! Na brincadeira dos pátios das nossas escolas, com a Sónia e o grupo colaborativo das mulheres ciganas, aprendemos palavras como «panhim», «chute» e «arcopicho»… a equipa que soubesse mais palavras ganhava, mas na verdade ninguém perdeu, aprendemos entre sorrisos e ficámos todos mais ricos. Também dançámos e até fizemos um casamento à moda cigana. As mulheres tímidas, sem contacto com a escola, entraram em cena na sala de aula: foram as protagonistas, contando o que é ser cigano/a, a sua história e as raízes de um povo. Aprenderam técnicas de contar histórias na biblioteca municipal e querem ir mais longe, levando o teatro de fantoches às escolas. Terminámos o ano letivo, e na Escola Básica do Fogueteiro, a Dona Vitória confecionou um almoço cigano assinalando o final do projeto e do ano letivo na escola.
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forma criativa e dinâmica com envolvimento e participação de tod@s. Elsa Simões, Câmara Municipal do Seixal
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Relatório síntese de apresentação e análise de dados – Kit Pedagógico Romano Átmo Contexto
O Relatório Síntese de Apresentação e Análise de Dados – Kit Pedagógico Romano Atmo pretende oferecer uma avaliação dos resultados da aplicação do Kit Pedagógico Romano Atmo, no âmbito do projeto Romano Atmo sobre Rodas, em seis escolas do concelho do Seixal, durante o ano letivo 2018-2019, tendo como escolas aderentes: a Escola Básica (EB) do Fogueteiro, a EB Quinta da Courela, a EB Quinta dos Franceses, a EB Quinta das Inglesinhas, a EB Paulo da Gama e a Escola Profissional Bento de Jesus Caraça. Com este documento temos por finalidade reforçar o trabalho empírico realizado, oferecendo uma reflexão teórica assente na avaliação das/ /os docentes que participaram na aplicação desta ferramenta nas suas instituições.
Condições de aplicação do questionário e tratamento de dados
O questionário de avaliação foi construído na plataforma Google Formulários© e disponibilizado online para resposta durante o período de 9 de fevereiro a 11 de abril (2 meses). A sua organização interna contempla questões de resposta fechada e de resposta aberta, bem como de natureza obrigatória e de natureza optativa e, em termos globais, com a administração do questionário procurou obter-se informação sobre os seguintes aspetos: 1) Caracterização dos participantes (aplicadores e destinatários) 2) Contextos e condições de utilização do kit 3) Impactos reconhecidos da utilização do kit 4) Sugestões de melhoria (para o kit e sua utilização) Os envolvidos na utilização do kit foram convidados por email a responder ao questionário após a conclusão do período em que utilizaram o recurso. Após o encerramento do período para recolha de respostas, os dados foram exportados para uma base de dados em Excel© e sujeitos a procedimentos de análise estatística descritiva
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e, no caso das respostas abertas, de análise de conteúdo. Na redação deste relatório apresenta-se a análise dos dados recolhidos, ilustrada com tabelas e gráficos, procurando destacar-se as tendências mais significativas das respostas em termos da sua frequência e distribuição.
Caracterização sociodemográfica dos respondentes
O questionário de avaliação relativo à aplicação do Kit Pedagógico Romano Atmo foi respondido por 21 sujeitos, dos quais 20 na condição de docentes e 1 na condição de não docente (tabela 1). Em termos de distribuição etária, os respondentes situam-se entre os 31 e os mais de 50 anos, com predominância (17 respondentes) para as duas faixas etárias mais elevadas (tabela 2).
Tabela 1 - Profissão Docente Não Docente Total Geral
95,24% 4,76% 100,00%
Esta estrutura da distribuição etária dos respondentes corresponde a percursos profissionais que, tendencialmente, se situam entre os 16 e os mais de 25 anos de experiência, onde se concentram cerca de 90% dos sujeitos que responderam ao questionário (tabela 3).
Tabela 2 - Idade + de 50 anos
42,86%
Entre 31 e 40 anos
19,05%
Entre 31 e 50 anos
38,10%
Total Geral
100,00%
Tabela 3 - Experiência Profissional + de 26 anos
47,62%
Entre 16 e 25 anos
42,86%
Entre 16 e 15 anos
9,52%
Total Geral
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No que respeita aos contextos institucionais de utilização do kit pedagógico (tabela 4), verifica-se que o mesmo foi essencialmente mobilizado no contexto da escola e, quase exclusivamente, na escola pública, não havendo indicação de entre os respondentes de o mesmo ter sido utilizado no contexto de entidades de outra natureza ainda que as mesmas constassem como possibilidade de resposta (por exemplo, associações, instituições particulares de solidariedade social ou outras).
Tabela 4 - Contextos institucionais de utilização do kit Escola privada Escola pública Total Geral
9,52% 90,48% 100,00%
No interior das escolas, a utilização fez-se quase sempre no contexto de sala de aula (tabela 5), havendo, todavia, menção residual à utilização do recurso igualmente em espaços de prolongamento do espaço escolar, como no contexto das salas de AEC (atividades de enriquecimento curricular) ou mesmo na rua. Deve assinalar-se que estas respostas apontam para que a utilização do recurso nestes espaços se fez de forma complementar ao seu uso em sala (nas respostas, a indicação de outros espaços aparece sempre associada à mobilização também em sala de aula).
Tabela 5 - Espaços onde se explorou o kit Associação Sala de AEC ou OTL, associação
SIM
57,14%
Famílias
9,52%
Outras organizações
9,52%
Outras turmas
100,00%
Tabela 6 - Tempos de exploração do kit 95,24%
23,81%
Outras turmas, famílias
4,76%
Outras turmas, famílias, outras organizações
4,76%
4,76% 14,29%
Total Geral
42,86%
Total Geral
76,19%
Tempo não letivo
NÃO
Outras turmas, outras organizações
Sala de aula, rua
Tempo letivo
Tabela 7 - Estabelecimento de parcerias a partir da exploração do kit pedagógico
4,76%
Sala de aula Total Geral
A utilização deste recurso é propícia ao estabelecimento de um trabalho em rede que permita diversificar e enriquecer o trabalho educativo a partir do contributo de diferentes agentes e entidades das comunidades. Neste sentido, procurou-se avaliar os efeitos que a utilização do kit teve no estabelecimento daquelas redes. De modo global, verifica-se que em cerca de 60% dos casos foi possível constituir um trabalho em parceria (tabela 7). Quando se procura detalhar o conjunto de parceiros envolvidos, é possível constatar que as redes de trabalho adquiriram configurações diversas, conjugando atores internos e externos à escola. Ou seja, se parece evidente que a utilização deste recurso propiciou, em primeira instância e de forma alargada, o desenvolvimento de um trabalho interturmas, não deixa de ser significativo que as famílias e outras entidades/organizações sejam referenciadas, de forma isolada ou associadas entre si, por um conjunto importante dos respondentes como parceiros neste processo.
4,76% 100,00%
Os destinatários privilegiados foram crianças e jovens em idade escolar. Mas importa destacar que este processo de exploração do kit foi realizado, igualmente, quer com crianças em idade pré-escolar, quer com adultos, ainda que de forma residual neste último caso (tabela 8).
4,76% 100,00%
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Tabela 8 - Destinatários/participantes Alunos/crianças
80,95%
Formandos adultos Jovens Total Geral
4,76% 14,29% 100,00%
Mais do que a diversidade etária, será talvez importante assinalar que o trabalho realizado permitiu envolver grupos diversos em termos culturais (cerca de 85% dos respondentes trabalharam com grupos integrando crianças de etnia cigana) e a frequentar a escolaridade básica, em particular o 1.º ciclo (tabela 9).
Tabela 9 - Níveis de escolaridade em que o kit foi utilizado 1.º ciclo
61,90%
2.º e 3.º ciclo
33,33%
Pré-escolar
4,76%
Total Geral
100,00%
O questionário procurou ainda apreender as áreas curriculares no âmbito das quais foi mobilizado o kit pedagógico (tabela 10). Nesse sentido importa realçar que ao nível da educação pré-escolar, os dinamizadores deste recurso enfatizaram a sua articulação com preocupações educativas relativas ao «conhecimento do mundo», bem como da «expressão e comunicação – linguagem e expressão artística». Deve assinalar-se que o «desenvolvimento pessoal e social» não emerge como área a que estes profissionais educativos associem o uso que fizeram do kit pedagógico, o que pode constituir-se como aspeto a refletir em futuras explorações deste material em contexto de educação pré-escolar. No que respeita aos profissionais do 1.º ciclo de escolaridade, é possível verificar que as áreas privilegiadas para a integração curricular foram o Estudo do Meio, as Expressões e a Língua Portuguesa. Embora com outras designações, também ao nível do 2.º e 3.º ciclos estas foram as áreas curriculares mais fortemente articuladas com o kit pedagógico, a que acresce a Matemática e Ciências. Ou seja, de modo global, ao longo dos ciclos de escolaridade básica, o uso
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação do kit pedagógico é entendido como podendo articular-se com o conjunto de áreas curriculares que caracterizam cada um dos ciclos de escolaridade.
Tabela 10 - Áreas curriculares de integração do kit pedagógico Pré-escolar
Conhecimento do Mundo; Expressão e Comunicação — Linguagem, Expressão Artística
1.º ciclo
Estudo do Meio; Língua Portuguesa; Expressões
2.º e 3.º ciclo
Expressões e Tecnologia Línguas e Estudos Sociais Matemática e Ciências
A utilização do kit pedagógico realizou-se maioritariamente por um período correspondente a entre 6 e 10 sessões, sendo que esta tendência é verificável quer no 1.º ciclo de escolaridade, quer nos 2.º e 3.º ciclos (tabelas 11 e 12). A exceção acontece no pré-escolar, em que a utilização do kit se fez num número menor de sessões (até 5 sessões).
Tabela 11 - Período de utilização do kit pedagógico Menos de 5 sessões
28,57%
Entre 6 e 10 sessões
52,38%
Mais de 10 sessões
19,05%
Total Geral
100,00%
Tabela 12 - Período de utilização do kit pedagógico por nível de ensino 1.º ciclo
61,90%
Menos de 5 sessões
33,33%
Entre 6 e 10 sessões
4,76%
Mais de 10 sessões
33,33%
2.º e 3.º ciclo
33,33%
Entre 6 e 10 sessões
19,05%
Mais de 10 sessões
14,05%
Pré-escolar
4,76%
Menos de 5 sessões
4,76%
Total Geral
100,00% 25
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O kit pedagógico integra diferentes possibilidades de exploração. Nesse sentido, procurou avaliar-se quais os pilares deste recurso que foram mobilizados. Uma primeira constatação prende-se com o facto de ter havido maioritariamente uma exploração que incidiu em mais do que um dos pilares do kit. Ou seja, o mais frequente foi ter havido uma utilização que conjugou a dimensão das histórias, roda dos alimentos e dança ou curiosidades. De forma complementar ao que já se referiu acima acerca das áreas curriculares exploradas a partir do kit pedagógico, este facto permite igualmente salientar as potencialidades do kit pedagógico numa perspetiva de trabalho educativo que valoriza a integração, a contextualização e a flexibilidade curriculares, gerando processos educacionais potencialmente mais significativos. Quando analisada a frequência das referências a cada um dos pilares, é ainda possível compreender que o pilar das histórias se constitui no mais utilizado, o que naturalmente não pode desligar-se da natureza intrínseca deste material pedagógico.
Tabela 13 - Pilares do kit pedagógico mobilizados Frequência % dos reprede resposta sentantes que assinalaram Histórias
8
38%
Curiosidades
6
28%
Dança
6
28%
Roda dos alimentos 5
23%
a dos recursos especificamente mobilizados (por vezes, sobrepondo-se nas próprias respostas). Em termos gerais, é possível reconhecer a diversidade de recursos que foram mobilizados no contexto da exploração educativa do kit, seja de recursos internos ao kit, seja de recursos disponíveis nos contextos em que o mesmo foi explorado. O que importa salientar é o efeito impulsionador que o recurso pedagógico produz, permitindo o desenvolvimento de um trabalho de exploração e de produção de conhecimentos, além dos estritamente relacionados com a natureza do recurso que implicaram a utilização de uma diversidade de recursos. Deve igualmente reconhecer-se que para os próprios agentes educativos a exploração do kit suscitou a necessidade e o interesse de utilização de modos de trabalho pedagógico e recursos muito diversos (tabela 15). Estes modos de exploração do recurso educativo fizeram-se essencialmente sentir nos 1.º, 2.º e 3.º ciclos, havendo uma exploração mais circunscrita no contexto da educação pré-escolar.
Tabela 15 - Recursos educativos mobilizados em articulação com/no âmbito da exploração do kit pedagógico Biblioteca escolar Brochura das curiosidades Computador Conto e jogo Histórias Internet Lendas e tradições Livros (de contos)
Tabela 14 - Pilares do kit pedagógico utilizados por nível de ensino
Manual escolar (6.º ano) Materiais de expressão plástica
Frequência de resposta
Pré1.º e -escolar 1.º Ciclo 2.ºCiclo
Projetor multimédia
Histórias
0
7
3
Roda dos alimentos
Curiosidades
1
8
3
Dança
0
3
3
Roda dos alimentos
1
4
4
Em estreita articulação com a questão dos pilares do kit pedagógico acionados, encontra-se
Recursos audiovisuais
Os agentes educativos envolvidos na exploração do kit pedagógico foram convidados igualmente a pronunciar-se sobre a necessidade de adaptações deste recurso. Globalmente, cerca de 60% dos respondentes entenderam referir que não houve necessidade de adaptação, sendo que tal
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aconteceu essencialmente no contexto da utilização deste recurso educativo no contexto dos 2.º e 3.º ciclos de escolaridade (tabela 16). Nos casos em que foi necessário proceder a adaptações, foi solicitado aos profissionais que as explicitassem. De forma complementar ao que se referiu anteriormente, compreende-se a partir das adaptações realizadas (tabela 17) uma necessidade de contextualização cultural do material aos destinatários que envolveu, bem como a definição de estratégias pedagógicas que permitiram a articulação do kit com os programas e orientações curriculares nacionais.
Tabela 16 - Necessidade de adaptação do kit pedagógico NÃO
SIM
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação que podem ajudar a melhorar o sentido educativo deste recurso. Num primeiro momento, essas propostas acentuam a importância de introduzir alterações essencialmente nos pilar da dança, sendo que o pilar das histórias e da roda dos alimentos são igualmente reconhecidos como podendo conhecer melhorias, mas por bastante menos respondentes (tabela 19). Quando estes dados globais são cruzados com os níveis de escolaridade em que trabalham os respondentes, é possível verificar que as propostas de melhoria em simultâneo para os 3 pilares referidos vêm de agentes educativos a atuar no 1.º ciclo do ensino básico, enquanto para os educadores de infância apenas aparece referido o pilar das histórias e para os profissionais a atuar no 2.º e 3.º ciclos o pilar da dança (tabela 20).
Tabela 18 - Necessidade de melhorias no kit pedagógico
1.º ciclo
69,23%
30,77%
2.º e 3.º ciclos
57,14%
42,86%
Pré-escolar
0,00%
100.00%
Não
61,90%
Total Geral
61,90%
38,10%
Sim
38,10%
Total Geral
Tabela 17 - Adaptações realizadas ao kit pedagógico À turma e ao programa de forma a desenvolver competências relacionadas com o kit Fiz teatro Foi possível retirar a informação necessária (origem da comunidade cigana) Respondeu às questões necessárias, nomeadamente de expressão oral e escrita (romanon), de levantamento de informações e de imagens e na leitura de contos tradicionais O processo de mobilização no terreno da prática educativa do kit pedagógico e a sua contextualização perante os programas e orientações curriculares, bem como aos destinatários específicos, confere aos agentes educativos um conhecimento sobre a qualidade deste material e o reconhecimento de eventuais mudanças a introduzir neste recurso educativo. Nesse sentido, os dados recolhidos revelam que na sua maioria os agentes educativos não entendem haver necessidade de mudanças (tabela 18). Não obstante, importa reconhecer que cerca de 40% dos respondentes avança com propostas
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100,00%
Tabela 19 - Alterações a introduzir ao nível dos pilares do kit pedagógico Dança
57,14%
Histórias
28,57%
Roda dos alimentos
14,29%
Total Geral
100,00%
Tabela 20 - Alterações a introduzir ao nível dos pilares do kit pedagógico por nível de escolaridade 1.º ciclo
2.º e 3.º ciclos
Pré-escolar
Dança
60,00%
100,00%
0,00%
57,00%
Histórias
20,00%
0,00%
100,00%
28,29%
Roda dos alimentos
20,00%
0,00%
0,00%
14,29%
100,00%
100,00%
100,00%
100,00%
Total Geral
De forma mais concreta, as alterações sugeridas passam por enriquecer as possibilidades de ex27
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ploração pedagógica e, designadamente, a partir da melhoria da natureza da informação que apresenta (mais variedade e riqueza vocabular; mais facilmente compreensível); da diversificação das sugestões de exploração educativa do material e, no caso particular da dança, da complementação com recursos áudio.
Tabela 21 - Sugestões de alteração por pilar do kit pedagógico Dança Deveria haver um suporte físico na parte da dança Maior variedade e quantidade de informação Vir com CD áudio com música cigana Histórias Trazer sugestões de atividades Roda dos alimentos Aumentar o vocabulário A proposta de utilização deste recurso para a sua incorporação no trabalho educativo desenvolvido em diferentes níveis de escolaridade ancora-se no pressuposto da sua contribuição para a criação de situações capazes de contribuir para um processo educativo transformador e culturalmente contextualizado e que possa ultrapassar os muros da escola e promover sinergias em termos comunitários. Ou seja, em última instância, o critério de avaliação da pertinência deste recurso educativo prende-se com a sua capacidade de, em plena articulação com o trabalho educativo quotidiano que os diferentes agentes educativos desenvolvem, promover mudanças individuais e coletivas nas crianças, agentes educativos e demais membros das comunidades que são convidados a envolver-se neste trabalho.
mente nos participantes mais diretos (destinatários), mas de forma também muito significativa nos próprios profissionais que se envolveram na exploração deste material e, com menor expressão, nas famílias (tabela 23). Estas tendências verificam-se também em cada um dos níveis de escolaridade em que o kit pedagógico foi experimentado (1.º, 2.º e 3.º ciclos)
Tabela 22 - Reconhecimento de mudanças após exploração do kit pedagógico por nível de escolaridade Não
Sim
1.º ciclo
30,00%
69,23%
2.º e 3.º ciclos
14,00%
85,71%
Pré-escolar
20,00%
100,00%
100,00%
100,00%
Total Geral
Tabela 23 - Reconhecimento de mudanças após exploração do kit pedagógico: em quem? Frequência
% dos representantes
Aplicador
9
56,25%
Famílias
2
12,50%
14
87,25%
2
100,00%
Público-alvo/ /destinatários Outro
Os respondentes que reconhecem mudanças induzidas por este recurso educativo (n.º=16) explicitam ainda em que aspetos estas mudanças ocorreram, tendo sido destacadas a vertente comportamental e relacional e a da linguagem/ /comunicação (tabela 24). De forma mais
Assim, importa salientar o reconhecimento do impacto positivo da utilização deste kit em todos os níveis de escolaridade em que o mesmo se explorou (tabela 22), sendo que em termos gerais este reconhecimento corresponde a cerca de 75% dos respondentes (16 respondentes em 21). De um ponto de vista mais particular, verifica-se que as mudanças se identificam privilegiada28
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abrangente, pode reconhecer-se que a melhoria da comunicação e conhecimento intercultural emerge como principal mudança reconhecida pelos agentes educativos.
Tabela 24 - Dimensões da mudança reconhecidas após utilização do kit pedagógico Ainda não concluímos a aplicação do kit, mas verifica-se uma boa abertura e aceitação desta cultura (cigana) Maior conhecimento da cultura cigana e, por isso, maior aceitação, compreensão e respeito pela mesma Maior envolvimento relacional entre ciganos e não ciganos Na forna como os «outros» começaram a ver os meninos ciganos e o interesse cada vez maior pelas suas tradicões
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação Com efeito, e em jeito de síntese, a exploração do kit pedagógico parece ter-se constituído como uma oportunidade frutuosa de desenvolvimento do conhecimento intercultural no contexto das comunidades em que o mesmo foi experimentado, a começar desde logo pela comunidade escolar e pela relação entre agentes educativos e alunos e destes com os seus pares. Mas, acima de tudo, os testemunhos recolhidos permitem salientar que a utilização pedagógica deste recurso educativo, além de potenciar aprendizagens curriculares, é um importante contributo para o exercício e aprendizagem de uma ética do cuidado e do respeito pelo outro que ultrapassa os muros da escola e permite acreditar na construção de uma sociedade culturalmente plural e solidária. Setúbal, abril de 2019
Os alunos mostraram maior compreensão e respeito pelos costumes da etnia cigana Conhecer as especificidades da pessoa cigana, trouxe a aceitação e o respeito por acréscimo. Em paralelo com as demais origens dos restantes alunos, foi possível comparar e sinalizar as diferenças e semelhanças entre os povos, o que reforça a sua aceitação e compreensão das mesmas
João Caramelo Instituto das Comunidades Educativas
Os alunos falaram dos mesmos alimentos em várias línguas Adquiriram um melhor conhecimento da cultura cigana Os alunos e as famílias passaram a «olhar» para o povo cigano de outra forma, compreendendo algumas «formas de estar» Conhecimento do mundo, dos povos e das pessoas Relação entre pares e entre aluno/professor
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Painéis da exposição do projeto na Feira dos Projetos Educativos
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Questionário de aplicação do Kit Pedagógico Romano Atmo Descrição do formulário PERGUNTAS
RESPOSTAS
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Endereço de email * Endereço do email válido
Este formulário está a recolher endereços do email. Alterar definições
Dados relativos ao aplicador e local de aplicação Descrição (opcional)
Profissão do aplicador: * Docente Não Docente Idade do aplicador: * - de 30 anos Entre 31 e 40 anos Entre 41 e 50 anos Experiência profissional do aplicador: * - de 5 anos Entre 6 e 15 anos Entre 16 e 25 anos + de 26 anos
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Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação
Local de aplicação do kit.:* Escola pública Escola privada Associação/IPSS Outro Espaço onde o kit foi aplicado:* Sala de aula Rua Sala de AEC ou OTL Associação Outro Foram estabelecidas parcerias? * Sim Não Em caso afirmativo, quais? * Outras turmas Outra escola Famílias Outras organizações Dados relativos ao público-alvo/destinatários Descrição (opcional)
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O kit foi aplicado em que contexto? * Tempo letivo Tempo não-letivo Tipo de destinatários:* Alunos/crianças Jovens Formandos/adultos Pais/famílias Etnia dos destinatários: * Cigano Não cigano Grupo etário:* Pré-escolar 1.º ciclo 2.º e 3.º ciclo Secundário/ensino profissinal Adultos Em caso de pré-escolar, em que contexto? Formação pessoal e social Expressão e comunicação-linguagem Matemática 34
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Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação
Expressão arística Conhecimento do mundo Outro Em caso de 1.º ciclo, em que contexto? Língua portuguesa Matemática Estudo do meio Expressões Em caso de 2.º e 3.º ciclo, em que contexto? Línguas e estudos sociais Matemática e ciências Expressões e tecnologia Outro Dados relativos ao kit Descrição (opcional)
Durante quanto tempo foi aplicado o kit? * Menos de 5 sessões Entre 6 e 10 sessões Mais de 10 sessões Qual ou quais os pilares do kit utilizados? Histórias 35
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Roda dos alimentos Dança Curiosidades Qual ou quais os recursos específicos do kit utilizados? Texto de resposta longa
O recurso do kit utilizado foi adaptado? * Sim Não Em caso afirmativo, como? Texto de resposta longa
Na sua opinião devem ser feitas melhorias no kit? * Sim Não Em caso afirmativo, em que pilar? Histórias Roda dos alimentos Dança Curiosidades
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Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação
Que tipo de melhoria? Texto de resposta longa
Sentiu mudanças nas pessoas após a aplicação do kit? * Sim Não Em caso afirmativo, em quem? Aplicador Público-alvo/ destinatários Famílias Outro Que tipo de mudança? Linguagem/comunicação Comportamental Outra Especifique: Texto de resposta longa
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Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação
As mulheres ciganas e a experimentação do Kit Pedagógico Romano Atmo O processo de capacitação das mulheres de etnia cigana (detalhado, a seguir, em «O Percurso do Grupo Colaborativo de Mulheres Ciganas»), através da ferramenta Kit Pedagógico Romano Atmo, levou-as, numa 2.ª fase, às escolas onde as propostas e os conteúdos do kit foram desenvolvidos por docentes de diversas disciplinas, com crianças e jovens que se envolveram na construção de atividades pedagógicas que abordavam a história e a cultura cigana. Ao partirem para o terreno, as mulheres ciganas participaram nas iniciativas criadas pelas/os alunas/os e professoras/es, desenvolveram atividades nas escolas a partir do kit e, ainda, aprenderam com as experiências, tal como expressaram em alguns dos relatos que apresentamos a seguir.
Objetivos e metodologia Na tentativa de compreender as perceções das 10 mulheres ciganas envolvidas, relativamente ao kit em ação nas escolas por elas visitadas, realizámos 3 sessões de avaliação que foram dinamizadas, em momentos diferentes, por Carolina Leão, Delphine Bigot e Helder Costa, juntamente com a coordenadora do projeto e mediadora, Sónia Matos. Estas sessões decorreram no mês de maio de 2019. As transcrições e a sistematização do material reunido foram realizadas por Carolina Leão e Delphine Bigot. No decorrer das 3 sessões procurámos:
Quadro-resumo de avaliação das participantes Objetivo Identificar as atividades realizadas as dificuldades encontradas; as melhores ferramentas de trabalho consideradas e os resultados mais significativos segundo as participantes
Promover a partilha das diferentes experiências nas escolas, vividas pelas participantes Provocar a partilha sobre as principais aprendizagens nesta trajetória
Perceber no final das visitas, que sentimentos ou impressões guardaram destas experiências e aprendizagens
Produção das participantes Quadro - resumo da avaliação das participantes
Apresentação através de registos iconográficos — desenhos elaborados acompanhados pela narrativa escrita, quando entenderam ser necessária
Balões com sentimentos e percepções 39
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A seguir, apresentamos uma síntese deste material, a partir dos desenhos produzidos e das transcrições efetuadas, quer a partir das gravações em áudio realizadas, quer da reprodução dos textos escritos que acompanham as imagens.
Apresentação das participantes ESCOLA BÁSICA DA QUINTA DAS INGLESINHAS Participantes Miguela Prudêncio Tânia Gama
«O que este desenho representa?» «Representa o jogo que fizemos lá na escola. Foi o jogo do dado junto com as cartas do romanon sem ser as palavras romanon. Eu apanhava as palavras sem ser romanon e a Tânia apanhava as de romanon. As crianças jogavam o dado. Dividimos as salas. Uma com uma sala e outra com outra sala. As crianças jogavam o dado; eu ficava com as crianças sem ser em romanon e a Tânia ficava com as palavras em romanon. Quando jogavam o dado o que ganhava tirava uma carta com a palavra em romanon. Como eles não sabiam acabava sempre com a Tânia a dizer em português.» (Miguela)
«Nós fomos a uma escola e nas atividades o que fizemos foi o jogo do dado (...). O que eu senti é que as crianças aprendem muito rápido com as atividades do jogo. Com um jogo vimos que as pessoas apanharam palavras em romanon. (...) E, como foi a primeira vez, eu vi que as crianças tinham interesse para aprender e vi que queriam saber das atividades.» (Miguela) «Quando chegámos lá, foram as crianças do 2.º ano da escola de Amora. (...) Percebemos que eles são rápidos para observar tudo que ensinamos.» (Tânia) 40
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«Fomos à Escola da Quinta das Inglesinhas, na Amora. Uma escola primária, onde fomos apresentar o kit pedagógico a crianças do 2.º ano de escolaridade (...). A Tânia contou metade do conto “O Rei Perdido” e eu o resto. Depois fomos para a rua. Fizemos atividades, o jogo do dado. Eles pegaram as cartas com nomes [em português] e nós em romanon. Estas turmas não deram muito o kit pedagógico (...). As crianças não sabiam o romanon das palavras da roda dos alimentos. Nós dissemos algumas e eles aprenderam.» Excerto da apresentação iconográfica de Miguela Prudêncio e Tânia Gama
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação Eles disseram que quando somos nós a ensinar é muito melhor do que eles. Que quando somos nós a ensinar, a falar, eles entusiasmam-se mais.» (Tânia)
«O que sentiram por parte das crianças quando elas ouviram as palavras numa língua que não conheciam?» «Entusiasmo. Queriam aprender. Gostavam muito da atividade.» (Tânia Gama) «Quando saíram da escola, o que comentaram entre vocês?» «Que eles não sabiam muito, mas que eles absorveram tudo o que ensinámos.» (Miguela) «O pouco que nós demos eles absorveram. (...) Os professores querem que nós voltemos. (...) 41
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ESCOLA BÁSICA DA QUINTA DOS FRANCESES Participantes Vanessa Santos Rute Pinto «Nós limitámos um bocadinho a nossa experiência na visita à Escola da Quinta dos Franceses. Surpreendeu-nos muito! Gostei da forma como os professores aplicaram o kit às crianças. Acho que a forma de eles ensinarem também tem muito a ver com a aprendizagem porque aplicaram com muito interesse. Eles fizeram os contos dramatizados e ilustrados. E os contos estavam muito bonitos, muito bem ilustrados. Gostei muito da forma como se pratica a língua; já sabiam quase tudo. Nós dizíamos uma palavra e eles nos diziam logo o que queria dizer. Gostei muito da surpresa que eles nos fizeram no final com as danças. Também estão a fazer as danças.»
«O desenho que eu e a Rute fizemos é o jogo das cartas e do dado. Expliquei aqui [...], aparecem no kit as palavras escritas em romanon, uma das atividades que aplicamos nas escolas. E escrevi que os meninos ciganos começaram a sentir orgulho em ser ciganos, porque achei que eles deixaram de ter tanta vergonha de ser ciganos desde que o kit foi aplicado, quando nós íamos lá, porque havia ciganos a apresentar o kit e havia a importância de se falar.» (Vanessa) Excerto da apresentação iconográfica de Vanessa Santos e Rute Pinto
EXPERIÊNCIA «Aprendi que o kit é mais importante do que aquilo que nós próprios pensávamos no início. Tem importância tanto com os meninos ciganos, como com os meninos não ciganos. Acho que as crianças não ciganas valorizam as crianças ciganas desde que conhecem o kit. E dão mais valor aos ciganos; a entender os ciganos de uma forma diferente, ao contrário muitas vezes do que é explicado em casa pelos pais e os avós. A discriminação e a desigualdade mostram um quadro dos ciganos que não é a verdade e está a ajudar um bocadinho nessa área.» (Vanessa)
«Na nossa visita à Escola da Quinta dos Franceses fomos surpreendidas com algumas atividades, muito bem elaboradas por alunos e professores. Cada uma das três salas que visitámos apresentou um conto do kit, dramatizado e ilustrado. Também fomos surpreendidas pela forma como as crianças têm uma grande capacidade de aprendizagem da língua romanon. Responderam certo a quase todas as perguntas.» «Mas, de todas as atividades que foram feitas na escola, a que mais nos surpreendeu foi a surpre-
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sa que nos fizeram no final com os meninos e professores a dançarem danças ciganas.»
ESCOLA BÁSICA DA QUINTA DA COURELA
«Os meninos ciganos começaram a sentir orgulho de ser ciganos.»
Participantes Vanessa Santos Noemi Castela
Reprodução do texto que acompanha o desenho de Vanessa Santos e Rute Pinto
APRENDIZAGEM «Aprendemos com os meninos da escola que é possível combater a desigualdade e o racismo e a melhor forma de começarmos é pelas crianças, porque através delas pode haver uma mudança de mentalidade dos pais.»
As duas formandas visitaram esta escola em que os/as docentes ainda não tinham desenvolvido atividades com o kit. Foram realizadas atividades em duas turmas, utilizando o jogo de dados.
«Aprendemos a importância da aplicação do kit não só para as crianças ciganas, como para a sociedade maioritária. Conseguimos perceber a importância do kit para os meninos ciganos e acreditamos que vai ser muito útil no combate ao absentismo escolar.» «Achamos que, desde que foi aplicado o kit, os outros meninos começaram a olhar para os meninos ciganos de forma diferente.» «Kit pedagógico a pensar em todos na luta contra a desigualdade.» Reprodução do texto que acompanha o desenho de Vanessa Santos e Rute Pinto
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ESCOLA BÁSICA DO FOGUETEIRO Participantes Guiomar Marujo Noemi Castela Teresa Flores Vitória Caramelo «Fui com a Vitória ao Fogueteiro [Escola do Fogueteiro]. Foi a primeira vez que tinha ido e gostei muito. Fomos recebidas como se fôssemos pessoas importantes. Se calhar noutro dia podíamos ter aparecido na escola e passar des-
percebidas, mas naquele dia não! Fomos com alguém que gostou de nos ouvir e parecíamos que éramos alguém importante. Enfim, foi uma boa experiência. Fizemos algumas dinâmicas. «A escola tinha aplicado pouca coisa com as crianças e contamos o conto; fizemos o jogo do dado. Acho que todas nós fazemos porque acho que é uma das coisas mais fáceis para aplicarmos. A adesão das crianças foi muita. Houve muita alegria. Todos queriam participar. Foram duas horas e eles queriam ainda mais.» (Noemi)
«Os professores pediram que nós fôssemos lá novamente. Houve uma segunda visita onde não estava presente, onde se faziam diferentes atividades; diferentes ateliês dos que foram feitos na anterior. Foi produtivo. Da minha parte, gostei da experiência, gostei de ver como as crianças aprenderam as palavras.» (Noemi)
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ESCOLA BÁSICA PAULO DA GAMA Participantes Carena Vitoreira Carina Vitoreira «Ficámos surpreendidas porque a gente pensava que ia entregar alguma coisa, mas a gente é que recebeu. Fizeram várias pesquisas sobre a cultura de cada povo: brasileiros, africanos, ciganos, quatro culturas dentro da turma.» (Carena)
ESCOLA PROFISSIONAL BENTO DE JESUS CARAÇA Nesta escola profissional, frequentada por jovens dos 14 aos 22 anos, a mediadora Sónia Matos apresentou o Kit Pedagógico Romano Atmo, cujo trabalho resultou na utilização desta ferramenta na abordagem da interculturalidade, a partir da cultura cigana. As/os alunas/os do 12.º ano pesquisaram e aprenderam sobre a língua, personalidades, trajes, curiosidades, gastronomia e dança cigana. Por fim, o casamento cigano foi o projeto desenvolvido pelas/ /os estudantes. Desta vivência escolar do kit, a AMUCIP enfatiza a surpresa positiva da sua projeção no contexto do ensino secundário, o que não foi inicialmente pensado na ocasião em que foi elaborado. 45
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Quadro-resumo de avaliação das participantes Atividades realizadas
Dificuldades Dar continuidade ao projeto Partilhar a identidade (língua) Pouco tempo de preparação do grupo e para a sua prática Algumas escolas tiveram pouco tempo para aplicar o kit
Contos Roda dos alimentos Língua romanon
Melhores ferramentas Contos com cenários/teatro Jogos: memória; dados romanon Teatro de fantoches Música cantada em romanon Receitas Dança
Resultados O kit dá a conhecer a cultura cigana Esbatimentos de preconceitos Mudança de atitudes Enriquecimento pessoal Maior conhecimento da língua romanon Maior partilha
Sentimentos e perceções após as visitas
DIFERENTE ORGULHO
EVOLUÇÃO DIVERTIDO
APREN
FOMOS ANFITRIÃS
DIZAG
EM
EMOÇÃO ENTUSIASMO MUDANÇA
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Kit Pedagรณgico Romano Atmo nas Escolas no Percurso do Grupo Colaborativo de Mulheres Ciganas
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Exercícios realizados pelas formandas durante as sessões, utilizando palavras da língua romanon Receitas em romanon Bifes de burim Ingredientes: 2 bifes de burim alâmpio quil 2 dentes de danhes 2 folhas de lom Arcopicho: 1l de panhim 1 dente de danhes 1 pacote de arcopicho uma mão de lom 1 caldo de conorre de banhim 1k arelaoras 2 buélos Salada: londim runrum partijana um fio de alâmpio Modo de preparação: Numa panela põe-se um fio de alâmpio, com um pouco de lom, 1 dente de danhes, 1 folha de lom, 1 caldo de conorre de banhim. Deixo refogar. Depois de refogar, junto um pouco de panhim e deixo ferver. Quando a panhim estiver fervendo, junta-se o arcopicho. Depois, é só deixar cozer o arcopicho e, quando estiver quase pronto, desliga-se o fogão e deixa-se apurar o arcopicho.
Tempera-se os 2 bifes de burim com 2 dentes de danhes, 2 folhas de louro e lom. Depois, numa frigideira, põe-se um pouco de óleo, um pouco de manteiga e frita-se os 2 bifes de burim. Frita-se também as arelaoras e, por fim, faz-se uma salada de londim, runrum e partijana, com um fio de alâmpio, de vinagre e um pouco de lom. (Guiomar Marujo)
Asorda de maxe Ingredientes: um tacho com panhim a ferver 4 postas de maxe 4 buelos tudo a cozer numa caçarola 3 dentes de danhes lom coentros bater tudo 4 colheres de alâmpio mais um buélo um marro de meio kilo fatiado Modo de preparação: Na mesma caçarola em que estão o alâmpio e os danhes, mete-se a panhim e o marro maxe, os buélos e as arretalhas. (Teresa Flores) 51
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Receita de um prato típico dos casamentos ciganos «Comer à Casamento» Ingredientes: carne de vaca (burim) alhos (danhes) cebola (rumrum) batatas (arrelaoras) azeite (alâmpio) cravo cabecinha louro (lom) colorau vinho branco Modo de preparação: Coloque num tacho o alâmpio a aquecer, quando estiver quente coloque o burim cortado em pedaços. De seguida junte os danhes picados, os rumruns cortados às rodelas, também o louro, o cravo cabecinha e o colorau. Deixe cozinhar em lume brando +/-45 min. Se houver necessidade durante a cozedura do burim, pode colocar um copo de panhim (água). Depois disso, juntar as arrelaoras descascadas e cortadas aos quartos, juntase o vinho branco e deixar cozinhar até as arrelaoras estarem cozidas. E está feito o «comer à casamento». (Noemi Castela)
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O percurso do Grupo Colaborativo de Mulheres Ciganas
Enquadramento É importante lembrar que as crianças e jovens de etnia cigana têm estado afastados da escola, tanto em Portugal como noutros países europeus, como provam o elevado absentismo e a diminuição significativa da frequência escolar na transição entre ciclos. Os dados revelados pelo Estudo Nacional sobre as Comunidades Ciganas (2014) apontam para altos níveis de analfabetismo e absentismo escolar dos portugueses ciganos. O insucesso e o abandono escolares são, de acordo com este estudo, fenómenos praticamente generalizados a partir do segundo ciclo, nomeadamente entre os indivíduos mais velhos que possuem no máximo o primeiro ciclo completo. Esta é uma questão muito complexa, de contornos multifacetados, e a sua compreensão exige o conhecimento da etnicidade cigana, dos processos de socialização e educação familiares, das suas formas e expectativas de vida e do
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modo como a escola trabalha com a diferença cultural. Por outro lado, a persistência de preconceitos e de práticas discriminatórias parece também explicar a desigualdade de acesso ao sistema educacional por parte das comunidades ciganas. Mas é a educação o pilar fundamental para reverter estas situações, não só porque a escolarização e a qualificação profissional oferecem novas formas de desenvolvimento pessoal e social aos cidadãos ciganos, mas também porque a escola pode e deve constituir-se como uma importante interface cultural, contribuindo para a alteração de visões e de comportamentos que discriminam e excluem. Assim, tendo este pano de fundo, este artigo reflete sobre esta realidade mas, sobretudo, sobre a segunda fase do projeto Romano Atmo – o Romano Atmo sobre Rodas – desenvolvido pela AMUCIP em colaboração com a Câmara Municipal do Seixal, o Instituto das Comunidades Educativas (ICE) e o Instituto Português do
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Desporto e da Juventude (IPDJ), onde 10 mulheres ciganas foram formandas (dos 18 aos 42 anos) deste kit pedagógico e aplicaram o mesmo em contexto educativo junto de docentes e comunidades que abraçaram este projeto. Além de se explanarem as atividades desta fase do projeto, reflete-se também sobre as atividades desenvolvidas, sobre os desafios que se colocam aos alunos de etnia cigana, a estas formandas e às comunidades educativas, comparando com os resultados obtidos na melhoria das competências da relação com a escola/ /aprendizagens e com as mudanças nas expectativas de futuro.
Aplicação do kit às participantes Para a aplicação do kit pedagógico às formandas participantes foram realizadas diversas sessões formativas na área da interculturalidade, da educação e cidadania, optando-se por uma metodologia de investigação em ação, onde quer formador, quer as formandas foram alterando e acomodando conhecimentos, comportamentos e atitudes que melhor se enquadravam aos objetivos do projeto e ao sucesso da sua concretização.
Seguidamente, procedeu-se à descrição das ferramentas kit pedagógico que foram utilizadas junto das crianças, para depois se fazer uma análise e seleção das mesmas. Desta forma e para respeitar a individualidade das formandas deste grupo, dos quatro pilares escolheram-se atividades que abrangeram essencialmente três, a saber: – «Histórias do povo cigano» residente na Europa, que inclui contos tradicionais ciganos, contados por pessoas da comunidade cigana; – Língua romanon (para dar a conhecer a língua); – Curiosidades sobre o vestuário, tradição e hábitos alimentares (pratos tradicionais), entre outras. Na essência, trabalharam-se jogos, receitas e atividades relacionadas com a língua romanon
Posto isto, procedeu-se à apresentação do projeto Romano Atmo sobre Rodas e do seu kit pedagógico. De referir que todas as ações com as formandas tiveram o apoio e a participação da vice-presidente da AMUCIP, Sónia Matos. Este elemento tornou-se essencial para a sua execução e desenvolvimento, quer como elo de interligação, quer como mediação e clarificação de aspetos específicos da cultura e tradições ciganas. Para uma melhor interpretação dos resultados esperados, apresentou-se um vídeo com as atividades desenvolvidas no ano letivo 2016-2017, numa turma com 10 alunos ciganos na EB da Cidade Sol (Agrupamento de Escolas de Santo António do Barreiro) e do sucesso da sua implementação junto de toda a turma e das suas famílias. 54
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através da roda dos alimentos. Salienta-se que a língua era quase totalmente desconhecida para as formandas. Esta seleção de jogos e atividades foram trabalhadas posteriormente para serem realizadas em contexto escolar e adequadas a diferentes faixas etárias nessas intervenções. Posteriormente e de forma a valorizar o património cultural da comunidade cigana, realizou-se a análise e exploração dos diversos textos contidos no kit, para a realização e encenação de um teatro de fantoches para mostra futura. Esta metodologia permitiu, assim, além de aprofundar o projeto Romano Atmo sobre Rodas e o seu kit pedagógico, refletir sobre questões ligadas à cidadania (direitos e deveres), à educação (formas de atuação com os jovens, importância da formação ao longo da vida, relacionamento com as instituições escolares), cuidados alimentares e atividades performativas/ /lúdicas (jogos, teatro e teatro de fantoches).
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As participantes, o formador e o kit pedagógico No início das sessões, as formandas, de uma forma geral, manifestaram uma postura de expectativa, de ouvintes e de conhecer o professor «paito», mas que ao mesmo tempo é de certa forma «calon», pois conhece genericamente a sua cultura e os seus hábitos. No fundo, alguém que entende as suas angústias, que está no sistema educativo, que trabalhou com comunidades ciganas mas, essencialmente, porque desenvolveu com sucesso este projeto com as crianças e famílias ciganas. Depois deste conhecimento mútuo, com o quebrar da desconfiança do desconhecido, foram muito mais assertivas, muito ativas, muito exploradoras e podemos também dizer divertidas. Este salto deu-se, essencialmente, quando as formandas começaram a conhecer, a agir e a interagir com as ferramentas e os pilares do kit pedagógico. A partir desse momento aceitaram desafios, propuseram sugestões, manifestaram desejos e angústias de modo a promover o sucesso do kit, mas sobretudo para não desvirtuar as suas 55
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origens, os seus hábitos e sobressaírem na sua comunidade positivamente. Por isso, parabéns a todas as formandas pelo empenho, assiduidade e pontualidade nas sessões, bem como a clarividência, entusiasmo, partilha nas sessões nos diferentes contextos educativos.
Alterações nas vivências/experiências das participantes A mais-valia deste projeto Romano Atmo e mais concretamente do seu kit pedagógico foi fazer entender a estas formandas que elas podem ser peças fundamentais de mudança e de melhor integração dos ciganos na sociedade maioritária. Neste sentido, melhoraram a sua autoestima, despertaram para outras vivências, ganharam competências que até então estavam escondidas. As formandas passaram de uma postura de defesa para uma postura interventiva, de reflexão sobre a ação; passaram de uma postura passiva para uma postura ativa, quando se apropriaram verdadeiramente do projeto e das suas mais-valias, sobretudo na sua intervenção social junto das crianças e jovens, mas também nos adultos (de uma forma paralela e indireta). A juntar a isto, valorizaram o contacto com a comunidade escolar onde foram realizar a sua intervenção em contexto, o que permitiu a promoção de um diálogo intercultural e, como refere um dos fundamentos do projeto Romano Atmo sobre Rodas, «a valorização e divulgação da cultura cigana como forma de preservar a identidade e promover uma melhor inclusão, através da compreensão das semelhanças e diferenças da cultura cigana e da cultura maioritária».
Resultados obtidos Os resultados obtidos até à data, relativos à implementação do projeto Romano Atmo sobre Rodas, demonstram que este processo ajuda a promover o sucesso escolar e a inclusão dos alunos de etnia cigana, mas não só. Ajudam
todas as comunidades envolvidas a conhecer a sua cultura e os seus hábitos, a quebrar as barreiras do preconceito, desenvolvendo o conceito de cidadania de uma forma mais aberta e plena. A partir de dados recolhidos através de um inquérito por questionário, analisou-se o impacto deste projeto. Os resultados obtidos permitem concluir, numa primeira análise, que o Kit Pedagógico Romano Atmo é uma ferramenta fundamental nas nossas escolas e nas comunidades educativas, pois teve repercussões positivas na assiduidade e no sucesso escolar dos alunos de etnia cigana (1.ª fase e 2.ª fase do projeto), mas nesta segunda fase contribuiu determinantemente para a inclusão escolar e social das famílias e comunidades envolvidas, bem como do valor positivo da diversidade cultural.
Conclusão Neste momento, e tendo em conta o percurso realizado, este indica-nos que a aplicação do kit pedagógico por este tipo de formação trará um impacto positivo junto das comunidades escolares e, obviamente, nas comunidades ciganas, pois todos sentem e percebem que a escola é um meio de inclusão e não de exclusão ou segregação. O investimento pessoal por parte destas formandas promoveu, igualmente, o gosto pela escola e a sua valorização, assim como as diferentes abordagens de dimensão educativa e social, levando, sobretudo, ao reconhecimento do património cultural cigano. Esta dinâmica é fundamental para uma melhor compreensão mútua das culturas cigana e maioritária. A continuidade deste trabalho será fundamental, pois levará à aproximação das famílias ciganas à escola, através da mediação e da consolidação de relações de confiança, o que se torna também um desafio emergente. Estas relações de proximidade com os professores conduzem
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a uma maior frequência/assiduidade, certificação escolar e garantem uma maior probabilidade de trajetórias escolares de sucesso. Esta abordagem do kit pedagógico com mediadoras/formandas ciganas é também essencial para a escola, pois novas abordagens pedagógicas que se apoiem na experiência e nas vivências destas levam os alunos a uma melhor inclusão do sistema educativo e, obviamente, ao seu sucesso escolar. Este processo permite também que a escola que está configurada para uma determinada cultura (a dominante), passe a integrar a qualificação dos conhecimentos da cultura cigana, criando um espaço privilegiado de diálogo intercultural, de reforço da educação familiar e do grupo étnico. Esta intervenção formativa visou desconstruir preconceitos e estereótipos e dar a conhecer a cultura cigana, pois é fundamental para a valorização da diferença e para a aproximação de
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação todos os elementos da comunidade educativa. Por isso, há que continuar a investir na divulgação de projetos como este, bem como nos percursos de sucesso escolar de alunos de etnia cigana, para alargar os horizontes destes, reconhecendo a importância da escolarização na criação de um projeto pessoal e profissional que possa conduzir à mobilidade social. O sucesso deste tipo de projetos e dos alunos de etnia cigana confirmam o valor da escola enquanto construtora de oportunidades de vida, de realização pessoal e profissional e de emancipação social. Em suma, o projeto Romano Atmo sobre Rodas e, em concreto, o seu kit pedagógico tiveram e têm um impacto positivo nos alunos ciganos e nas suas famílias, bem como no seu sucesso escolar, mas também na formação para a cidadania global de todos os agentes educativos envolvidos. Helder Costa
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As potencialidades do kit na formação de pessoas adultas O espetáculo de fantoches: «O Ouriço e o Rei» Durante os meses de abril a julho de 2019, a Biblioteca Municipal do Seixal foi palco do trabalho com as 10 participantes do projeto Romano Atmo sobre Rodas, orientado por Susana Filipe, da Divisão de Cultura e Património da Câmara Municipal do Seixal. Nesta oportunidade, as mulheres escolheram o conto cigano «O Ouriço e o Rei», a partir do qual aprenderam técnicas de dramatização e trabalharam na composição do cenário para dar corpo a esta história. Esta é mais uma potencialidade do Kit Pedagógico Romano Atmo, que pode ser aproveitado para o desenvolvimento de técnicas de teatro, que coloquem em cena a cultura cigana, tal como revela, a seguir, a entrevista com Susana Filipe e o depoimento coletivo das participantes.
Entrevista com Susana Filipe Em que consistiu a aplicação do kit às participantes? A aplicação do kit, na Biblioteca Municipal do Seixal, traduziu-se na apresentação e valorização dos contos populares ciganos que nele estão incluídos, enquanto parte intrínseca da comunidade. Esta reflexão inicial permitiu às participantes uma apropriação e reflexão deste património oral, como valor maior a preservar e proteger. Que metodologia foi utilizada? O trabalho iniciou-se com a transformação de um conto popular cigano para o formato de texto dramático e sua posterior utilização através
de teatro de fantoches, intensificando, alargando e potencializando, a partir deste percurso formativo, experiências de aprendizagem e partilha, traduzindo todo o trabalho realizado em conhecimento e vivências com significado. Como as participantes interagiram com a proposta? O que criaram? Neste âmbito, as participantes selecionaram o conto popular cigano «O Ouriço e o Rei» incluído no kit pedagógico. Começaram por criar o enquadramento cénico, recorrendo a técnicas de expressão plástica, como por exemplo a pintura em tela, o recorte e a colagem de tecidos. Elaboraram, também, fantoches feitos a partir de colheres de pau, representativos das diferentes personagens do conto. Feito este trabalho, partiu-se para o ensaio, recorrendo-se a técnicas de expressão dramática para posterior apresentação ao público, em diferentes contextos (escolas, IPSS, bibliotecas, etc.). Percebeu algum tipo de alteração nas vivências/experiências das participantes que considere importante salientar? Todo o processo resultou na tomada de consciência por parte das participantes que a mobilização destes saberes e técnicas (como é exemplo a arte de contar histórias) permitirão no futuro criar e potencializar diferentes oportunidades de transmitir o conhecimento e história da sua comunidade, a ela própria e aos outros, de forma interativa e divertida. As histórias como elo de ligação com a sua própria história e com a comunidade onde todos se inserem resultou, assim, em sessões que decorreram de forma bastante fluida e divertida, e em verdadeiros momentos de partilha, aprendizagem e descontração entre todos os envolvidos. 59
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Relato da experiência das mulheres com a dramatização de contos ciganos e a composição de cenários «Tanto o teatro de fantoches como os cenários que aprendemos a fazer são ferramentas para pormos em prática, mais tarde, nas escolas.» «Foi uma experiência enriquecedora para todas nós. Aprendemos a fazer coisas que não estávamos habituadas a fazer e a fazê-las em grupo. » «Através do teatro que aprendemos a fazer, podemos contar melhor as histórias do kit pedagógico. Ficámos com mais conhecimento de como trabalhar melhor com as crianças.» Pelas participantes do projeto Romano Atmo sobre Rodas
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Conexão de aprendizagens com Alma Cigana
A capacitação das mulheres, na área das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), foi fundamental e complementar ao trabalho realizado com base no Kit Pedagógico Romano Atmo sobre Rodas. Tal processo de capacitação contou com o trabalho imprescindível da R@to – Associação para a Divulgação Cultural e Científica, a partir do qual foi possível que as participantes realizassem pesquisas através da internet, trocassem informações por email e descobrissem novas possibilidades de aprendizagens, tendo o kit como fio condutor.
As TIC nas aprendizagens das mulheres de etnia cigana O trabalho com a comunidade cigana em Portugal ainda está envolvido em muitos mitos e preconceitos – é necessário haver um estreitamento entre diferentes atores sociais na promoção da inclusão social desta comunidade. Os processos de inclusão social exigem parcerias que refletem as necessidades atuais e reais da comunidade cigana. No trabalho social, existe a armadilha de impor «de cima para baixo» as respostas e práticas a implementar. A AMUCIP contraria essa lógica, obrigando instituições públicas a reinventar e 63
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repensar aquilo que deve ser feito para a inclusão da comunidade cigana.
lidar com paradigmas tecnológicos em mudança constante.
Desta forma, a AMUCIP tem um papel fundamental porque serve de interface entre respostas sociais e as necessidades efetivas da comunidade cigana. Mais do que isso, a AMUCIP, pelo seu percurso, identifica as práticas que têm maior pertinência no processo de inclusão deste público-alvo.
O trabalho socioeducativo no domínio das TIC é, nesse sentido, urgente porque mais do que formar é necessário tornar os formandos em aprendentes que têm gosto pelos processos de aprendizagem na área das TIC e, por isso mesmo, são autónomos e proativos nestes mesmos processos de aprendizagem.
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) têm um papel fundamental nos processos de inclusão – hoje em dia, o computador (seja um computador pessoal, um tablet ou um smartphone) é a interface para a realidade cada vez mais digitalizada. Se quiseres estar informado, saber a tua situação contributiva na Segurança Social ou procurar um emprego – todas estas ações implicam a utilização proficiente de um computador. Mesmo em postos de trabalho de baixa qualificação, a utilização de tecnologia digital é cada vez maior e os trabalhadores de hoje e amanhã têm de estar preparados para
Para finalizar, é importante referir que a experiência de trabalho que a R@to – Associação para a Divulgação Cultural e Científica teve nos ateliês de informática revelou uma verdade fundamental: na observação feita pelos animadores da R@to – Associação para a Divulgação Cultural e Científica, a esmagadora maioria das participantes tinham «fome» de aprender – eram assíduas, pontuais, participativas e divertiam-se. Nuno Carvalho R@to – Associação para a Divulgação Cultural e Científica
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Das mulheres ciganas para a comunidade cigana: criação do folheto «Romano Atmo (Alma Cigana): o futuro dos teus filhos também passa pelas tuas decisões!» A ferramenta Kit Pedagógico Romano Atmo esteve presente em todo o processo de capacitação das 10 mulheres de etnia cigana, nas diferentes fases de aprendizagem do projeto Romano Atmo sobre Rodas, que são destacadas nesta Memória Viva. A experiência que partilhamos a seguir é reveladora da maturidade do Grupo Colaborativo de Mulheres Ciganas, que tem sido desenhado a partir do trabalho desenvolvido. Dando continuidade às suas vivências enquanto «aprendentes», assumiram o papel de «educadoras», ao assinarem a autoria do folheto informativo «Romano Atmo (Alma Cigana): o futuro dos teus filhos também passa pelas tuas decisões!». Quando a Sónia Matos (coordenadora do projeto) me propôs o desafio de dinamizar as sessões para a elaboração de um folheto informativo, a ser disponibilizado aos/às encarregados/as de educação da comunidade cigana, nas escolas que participaram no projeto, tinha como objetivo que este tivesse a função de valorizar a educação escolar das crianças e jovens de etnia cigana. Tendo em conta esta finalidade, salientou a necessidade de que este material tivesse as seguintes características:
• Que fosse concebido pelas próprias mulheres de etnia cigana, capacitadas no âmbito do projeto, e orientado para as/os encarregadas/os de educação da comunidade cigana.
• Que tivesse em conta as problemáticas e difi-
culdades por elas identificadas que mais constrangimentos provocam ao desenvolvimento do percurso educativo das crianças e jovens desta etnia, traduzindo-se no absentismo e abandono escolar precoce.
•
Que esclarecesse sobre questões de ordem prática, de modo que respondesse às exigências institucionais das escolas.
• Que apresentasse um conjunto de propostas para a valorização da educação escolar das crianças e jovens.
• Que contemplasse uma linguagem simples e
direta, percetível para as pessoas com reduzida literacia. Foi, sem dúvida, um desafio aliciante para quem vivencia a educação popular. Sabendo-se que as pessoas de etnia cigana têm a oralidade como forma de expressão dominante, seria importante encontrar uma metodologia dialógica que, simultaneamente, desse origem a um trabalho de escuta – indagação, reflexão, proposição e registo escrito. De forma transversal, deveria minimizar a responsabilidade da «escrita» que, habitualmente, provoca receios e constrangimentos. Seria preciso, igualmente, lidar de forma equilibrada com o volume de informação que o processo poderia gerar, já que esta deveria ser condensada num tríptico, enquanto meio de comunicação previamente definido para veicular a mensagem. Era necessário, ainda, que a metodologia adotada permitisse o trabalho da forma mais autónoma possível, por parte das participantes, de modo que considerasse as suas experiências de vida, as propostas emergentes das suas reflexões e a pesquisa necessária para responder aos aspetos menos claros. No total, realizámos 5 sessões, de 1.30 hora cada, entre maio e junho de 2019, orientadas por Carolina Leão, com a colaboração de Delphine 65
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Bigot e Sónia Matos, que foram organizadas da seguinte forma:
1.ª sessão: identificação dos problemas e dificuldades pelas participantes
2. Em dois grupos de três/quatro pessoas, cada um responde a uma pergunta, registando as respostas num dos lados da folha, neste caso, do lado esquerdo.
As mulheres identificaram os principais problemas que as famílias ciganas têm em relação:
3. Aproximadamente 15 minutos depois, trocam-se os grupos, que devem ler o que foi escrito pelo anterior, do lado esquerdo da folha.
• Ao sistema escolar:
4. Em seguida, registam do lado direito da folha:
regras, procedimentos administrativos, os tempos, a estrutura da escola, os pedidos, entre outros aspetos.
•
Ao pessoal da escola: professoras/es, diretoras/es de turma e pessoal administrativo.
Dinâmica 1. Em duas mesas separadas, está uma folha A3, dividida em duas colunas. Cada folha, no topo, possui uma das seguintes perguntas:
* Quais são as dificuldades que as famílias da co-
munidade cigana têm com a escola?
* Quais são as dificuldades que as famílias da comunidade cigana têm com o pessoal da escola?
* «Concordo» – se não há nada a acrescentar ao
registo do grupo anterior, com a devida justificação ou comentário.
* «Discordo»
– com a devida justificação ou co-
mentário.
* «Acrescento...» – Se pretendem inserir algo que não foi considerado pelo grupo anterior. 5. Apresentação, debate e registo de outras informações que emergiram com o processo.
2.ª sessão: classificação dos problemas e dificuldades segundo os níveis de intervenção dos sujeitos envolvidos e construção de propostas para cada assunto Dos problemas e dificuldades identificados na sessão anterior, as mulheres, em conjunto, classificaram os seus registos segundo as seguintes propostas:
* Os problemas e dificuldades que podem ser resol-
vidos pela comunidade cigana.
* Os problemas e dificuldades que só podem ser resolvidos em diálogo entre a comunidade cigana e a escola. * Os problemas e dificuldades que só podem ser solucionados por parte da escola e/ou com políticas públicas. Estes conteúdos poderão ser utilizados para «advocacia», mas não aparecerão no folheto informativo. 66
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* Construção das propostas por parte do Grupo Colaborativo de Mulheres Ciganas, segundo à classificação realizada. Dinâmica 1. Os registos da sessão anterior, escritos nas folhas A3, foram recortados e transformados em frases ou parágrafos, dando origem a um assunto específico. 2. As participantes colaram as frases ou parágrafos em 3 folhas A3, realizando a classificação segundo os níveis de intervenção dos sujeitos envolvidos na solução dos problemas e dificuldades. 3. Em seguida, construíram propostas para cada assunto específico, de maneira que fossem abordados no folheto informativo. Para tal, utilizaram post-its coloridos que eram colados junto aos assuntos correspondentes. 4. No final, ofereceram indicações de que o folheto informativo poderia ser dividido em 3 partes: alerta, confiança e calendários escolares.
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3.ª sessão: construção da estrutura do folheto informativo Uma vez identificados os problemas e as dificuldades; reconhecidos os atores a envolver na solução ou mitigação dos mesmos e, ainda, elaboradas as propostas para a comunicação com as/ /os encarregadas/os de educação, partimos para a estruturação do folheto informativo.
Dinâmica Para facilitar a reflexão das participantes sobre a estrutura mais adequada a adotar para o folheto, organizámos os registos obtidos num documento de texto, segundo os temas alerta, confiança e calendários escolares, identificados na sessão anterior. Nesta atividade, o exercício consistia em atribuir um título definitivo para cada secção e redigir os textos correspondentes a cada uma destas, segundo os problemas, dificuldades e propostas anteriormente elaboradas. 1. Em folhas A4, inserimos os títulos provisórios, atribuídos pelas participantes: alerta, confiança e calendários escolares. Estas deveriam propor o título definitivo para a secção. 2. A seguir a cada título, foram inseridos retângulos, com os problemas e as propostas anteriormente identificados. O exercício consistia em redigir um pequeno texto com a ideia que pretendiam comunicar à comunidade. 3. Para a realização do exercício, dividimos as participantes em 3 grupos, segundo os temas. 4. Conforme a conclusão, os grupos trocavam de posição e assumiam outro tema. Neste caso, deveriam propor alterações ao trabalho do grupo anterior; escrever uma proposta diferente, no caso de não concordar, complementar a proposta ou validála. 5. Após circularem pelos 3 temas, reunimos num grupo único para a redação final e validação da proposta.
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4.ª sessão: escrita da «introdução» e do título principal do folheto informativo
3. Em seguida, reunimos num grupo único para debater as propostas e redigir a versão final do texto.
Nesta sessão, apresentámos o documento de texto com a sistematização da informação produzida na sessão anterior. Este material serviu de apoio para elaborar a introdução ao folheto informativo, assim como para a escolha do título geral do trabalho.
Entre as várias propostas para o título, o escolhido foi: «Romano Atmo (Alma Cigana): o futuro dos teus filhos também passa pelas tuas decisões!», com o subtítulo «Folheto informativo feito por mulheres ciganas com informação facilitada para os pais das crianças ciganas»
Dinâmica
Houve um intenso debate para obter a versão final do texto de introdução. Os grupos produziram ideias complementares, mas houve dúvidas quanto à integração de todos os elementos propostos. Entretanto, com a mediação da experiente Sónia Matos, finalizámos este trabalho coletivo com êxito e muito envolvimento.
1. Refletimos sobre a ideia de «introdução», quando se trata de apresentar um texto para alguém que iniciará a leitura. 2. Com base nos conteúdos do folheto informativo, dividimos as participantes em dois grupos para a redação da introdução.
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5.ª sessão: apresentação final do folheto informativo para validação
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Em jeito de conclusão...
Ao longo do projeto, o Kit Pedagógico Romano Consistiu numa leitura final e coletiva, onde foram in- Atmo, utilizado nos diferentes espaços onde detroduzidas as últimas alterações e o material escrito correram as experiências pedagógicas vividas pelas participantes, serviu como alavanca para o foi validado coletivamente. autoconhecimento, a autocrítica, a reflexão sobre a comunidade e as relações desta com o espaço da escola, onde os seus filhos e filhas também se constroem como sujeitos. A relação da comunidade cigana com a escola foi questionada por estas mulheres durante a criação do folheto informativo. Este material demonstra uma preocupação com a participação dos pais na vida escolar dos filhos e filhas, enfatizando a importância das atividades escolares (passeios, visitas de estudo, etc.), a gestão dos horários, a opção por uma alimentação mais saudável, o cumprimento dos calendários escolares... ressalta os valores da igualdade na diferença e a vontade de fortalecer o interconhecimento entre as pessoas ciganas e não ciganas, considerando a escola como um espaço de referência para esta prática. Apresenta uma série de sugestões, conselhos e informações que foram amplamente debatidos, com o objetivo de facili71
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tar respostas adequadas às realidades das pes- dia na comunidade, o que permitiu o cruzamento desta realidade com a que observaram nas escosoas envolvidas. las visitadas. Dialogaram sobre a visão da escola Entretanto, o título geral do folheto contém, de segundo a perspetiva da comunidade cigana e a forma implícita, a mensagem de que «a rua não de cada uma delas, assim como como as mudantem apenas um sentido». Quando referem que «O ças que têm ocorrido nos últimos tempos, recofuturo dos teus filhos também passa pelas tuas nhecendo que a escola é uma oportunidade para decisões!», apesar da constatação de que a co- si próprias e para as suas crianças. munidade cigana precisa repensar a forma como tem lidado com a educação escolar, também a Igualmente fundamental foi a forma como coescola, enquanto instituição sujeita aos deciso- municaram entre si, para garantir que a menres políticos, precisa refletir sobre a forma como sagem seja compreendida pelas pessoas com se tem relacionado com estas minorias étnicas. dificuldades de leitura e compreensão de texto. Sendo assim, procurámos, apenas, efetuar uma Esta chamada de atenção é também reforçada revisão ortográfica mínima, de maneira a manter ao integrarem no folheto a necessidade de que a originalidade da narrativa. Futuramente, será existam mediadores/as e/ou facilitadores/as interessante perceber de que forma o folheto foi nas escolas que promovam a coexistência socio- recebido pela comunidade cigana, o que destacultural integrada das crianças e jovens da comu- cam como aprendizagens e questões relevantes, nidade cigana. Sem dúvida, é urgente intensificar assim como os aspetos que poderão ser melhoo debate para introduzir mudanças, o que implica rados. o compromisso de um conjunto alargado de atoPor fim, consideramos que este processo conferes. riu às mulheres envolvidas (quase todas encarÉ preciso, ainda, destacar o protagonismo destas regadas de educação e, também elas, retiradas 10 mulheres ao construírem um elo de comuni- precocemente do contexto escolar) a possibilidacação com a sua comunidade, sobre um tema de de saírem da invisibilidade e construírem um que, cada vez mais, tende a fazer parte do debate caminho de (auto)reconhecimento como sujeitos entre as pessoas ciganas. Trata-se do primeiro plenamente capazes de refletir, produzir conhecitrabalho que o grupo cria de raiz, definindo as te- mentos, materializá-los num suporte que permitimáticas que consideram mais relevantes para a rá a sua circulação e, ainda, de se orgulharem de sensibilização sobre o tema da educação escolar, ser as autoras. face aos problemas identificados. Este trabalho foi enriquecido pela experiência que as próprias participantes, enquanto encarregadas de educação, possuem com relação ao meio escolar. Carolina Leão Durante as sessões, valorizámos a troca de sa(AMUCIP e SOCIUS-CSG-ISEG/ beres e experiências de vida, partindo-se do dia a /Universidade de Lisboa)
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Da memória aos novos rumos: conclusões e expectativas de futuro Ao longo dos 18 meses de experimentação do Kit Pedagógico Romano Atmo, pudemos observar que esta ferramenta mostrou ser multifacetada para o trabalho com crianças, jovens e pessoas adultas, ciganas e não ciganas, com níveis de escolaridade diferenciados e em diversos contextos (das salas de aulas, salas de AEC – Atividades de Enriquecimento Curricular, na rua e no espaço associativo), sendo facilitadora da partilha de saberes acerca da história e cultura cigana. Um dado significativo, identificado no «Relatório Síntese de Apresentação e Análise de Dados – Kit Pedagógico Romano Atmo», apresentado pelo Instituto das Comunidades Educativas (ICE), é que a experiência no contexto escolar demonstrou que mais do que a diversidade etária, foi possível envolver grupos diversos em termos culturais. Por sua vez, houve uma abrangência de áreas curriculares em que o kit foi utilizado, desde o pré-escolar ao 3.º ciclo. Verificou-se, também, que os diversos pilares do kit pedagógico (histórias, curiosidades, dança e roda dos alimentos) foram amplamente utilizados no meio escolar, recorrendo-se a mais do que um pilar desta ferramenta. Por sua vez, foi possível a recolha de sugestões pelos/as docentes que aplicaram o kit para o seu enriquecimento, nomeadamente em relação à natureza da informação que apresenta (maior variedade e riqueza vocabular; mais facilmente compreensível); a diversificação de propostas para ampliar as possibilidades educativas do material e, no caso particular da dança, oferecer recursos áudio. É de salientar que o relatório aponta para o reconhecimento, por parte dos agentes educativos, de mudanças estimuladas por este recurso pedagógico, destacando-se as vertentes comportamental, relacional e a da linguagem/comunicação.
Ou seja, identificam a melhoria da comunicação e conhecimento intercultural como principal mudança emergente da utilização do kit. No âmbito da formação de pessoas adultas, destaca-se que o kit pedagógico serviu de base para a capacitação inicial dos/as docentes, para o trabalho com as/os alunas/os ciganas/os e não ciganas/os nas escolas envolvidas no projeto. No meio comunitário, este material teve relevância muito positiva, a partir das sessões de capacitação realizadas com as 10 mulheres de etnia cigana que participaram no projeto Romano Atmo sobre Rodas. Tal como sublinha Helder Costa, elas melhoraram a sua autoestima, despertaram para outras vivências, ganharam competências e valorizaram o contacto com a comunidade escolar onde foram realizar a sua intervenção em contexto, o que permitiu a promoção de um diálogo intercultural. Os relatos das participantes, em «As mulheres ciganas e a experimentação do Kit Pedagógico Romano Atmo nas escolas», dão ênfase a esta perceção, já que tiveram a oportunidade de vivenciar a forma como as/os estudantes construíram conhecimentos e os manifestaram através das atividades desenvolvidas com as/os docentes, nas diferentes disciplinas. Assim sendo, qualificaram a utilização da ferramenta como forma de dar a conhecer a cultura cigana, de esbater preconceitos, favorecer a mudança de atitudes e o enriquecimento pessoal, além de oferecer um maior conhecimento da língua romanon e de estimular a partilha entre as pessoas. O kit pedagógico permitiu, ainda, que as mulheres partissem das suas referências culturais, neste caso um conto tradicional, apropriando-se deste património oral, como valor a preservar e proteger. Susana Filipe reforça esta ideia, ao destacar a tomada de consciência por parte das 77
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participantes de que estes saberes e técnicas permitirão, no futuro, criar formas de transmitir o conhecimento e história da sua comunidade, a ela própria e aos outros, de forma interativa e divertida. Todo este processo de aprendizagem, desenvolvido pelas participantes a partir do Kit Pedagógico Romano Atmo, revelou-se de enorme riqueza, servindo como alavanca para o autoconhecimento, a autocrítica, a reflexão sobre a comunidade e as relações desta com o espaço da escola, onde os seus filhos e filhas também se constroem como sujeitos. Como sublinha Carolina Leão, a criação do folheto «Romano Atmo (Alma Cigana): o futuro dos teus filhos também passa pelas tuas decisões!» revela-se como um ponto alto deste processo pedagógico, já que confere a estas mulheres o protagonismo na definição das temáticas que consideram mais relevantes para a sensibilização da sua comunidade, sobre o tema da educação escolar. Estas assumiram-se como autoras do seu primeiro trabalho coletivo, contribuindo para um debate que está cada vez mais presente entre as pessoas ciganas. A riqueza deste trabalho está, igualmente, na diversidade de profissionais que interagiram com a ferramenta, no âmbito da educação formal, não formal e da educação popular, mostrando o seu carácter intergeracional e interdisciplinar. Enquanto coautora deste texto eu, Carolina Leão, destaco a importância do projeto Romano Atmo sobre Rodas ter sido concebido e coordenado por uma mulher de etnia cigana, a Sónia Matos (que assina comigo este trabalho), que atuou e acompanhou cada passo da aplicação do Kit Pedagógico Romano Atmo nos espaços da associação e das escolas onde foi aplicado, o que enriquece e legitima todo o percurso. Como marca fundamental deste processo, salientamos o que Nuno Carvalho observou: «No trabalho social, existe a armadilha de impor “de cima para baixo” as respostas e práticas a
implementar. A AMUCIP contraria essa lógica, obrigando instituições públicas a reinventar e repensar aquilo que deve ser feito para a inclusão da comunidade cigana.» Neste sentido, sublinha ainda que «a AMUCIP tem um papel fundamental porque serve de interface entre respostas sociais e as necessidades efetivas da comunidade cigana. [...] Pelo seu percurso, identifica as práticas que têm maior pertinência no processo de inclusão deste público-alvo». Podemos, neste caso, dizer que, além da nossa preocupação permanente de ouvir a comunidade cigana e estimular a construção coletiva de saberes, procuramos que estes sejam materializados em práticas que façam sentido na transformação das pessoas, da sua vida familiar e comunitária. Esta Memória Viva encerra com uma dupla expectativa: disponibilizar os testemunhos de todas e todos que se envolveram neste desafio de exploração do Kit Pedagógico Romano Atmo e, igualmente, oferecer um relatório sobre a pertinência da sua aplicação no meio escolar (através do documento «Relatório Síntese de Apresentação e Análise de Dados – Kit Pedagógico Romano Atmo)», para conferir um carácter teórico e analítico à sua utilização. Esperamos, assim, que o próprio kit pedagógico seja enriquecido com mais este trabalho. Por fim, cabe-nos perceber como as 10 mulheres da comunidade cigana envolvidas neste percurso perspetivam o seu futuro, com o encerramento do projeto: «Os nossos projetos para quando terminar o trabalho do kit são: se houver a oportunidade de poder trabalhar nas escolas como animadoras ou facilitadoras, no sentido de pôr em prática tudo o que aprendemos no kit, entre outras atividades gostávamos de fazer teatros de fantoches, os jogos, as curiosidades, entre outras coisas. E levar um pouco da nossa cultura a todas as crianças, a fim de haver menos preconceitos e desigualdades entre as muitas etnias que frequentam a escola e, também, no sentido
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de combater um pouco o abandono escolar das crianças ciganas.» Até breve!
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação Carena Vitoreira Carina Vitoreira Guiomar Marujo Miguela Prudêncio Noemi Castela Rute Pinto Tânia Gama Teresa Flores Vanessa Santos Vitória Caramelo
Carolina Leão Sónia Matos
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A AMUCIP em (inter)ação: outros projetos de educação, trabalho e auto-organização A Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas (AMUCIP), fundada em 2000 por um grupo de mulheres beneficiárias do então Rendimento Mínimo Garantido, ao longo dos seus 18 anos de constituição e de atuação no concelho do Seixal, tem realizado um trabalho profundo junto à denominada sociedade maioritária, no que concerne à formação e sensibilização para a desconstrução de estereótipos culturais, relacionados com a comunidade cigana. Este tem sido fundamental para a valorização da cultura desta etnia, com vista à construção do equilíbrio das relações entre as diferentes realidades socioculturais, possibilitando o alargamento progressivo das parcerias institucionais, implementando várias medidas estruturantes para o trabalho com a comunidade cigana, em especial no concelho do Seixal. Entretanto, desde 2015, a AMUCIP tem vindo a desenvolver propostas socioeducativas orientadas para as mulheres ciganas, em particular. Sendo uma associação formada igualmente por mulheres, neste espaço encontram-se pessoas com conhecimento privilegiado das problemáticas que afetam este grupo específico, com impacto nas suas crianças. Projetos desenvolvidos em 2018 e 2019: Romano Atmo sobre Rodas (2018-2919): promovido pela AMUCIP, em parceria com a Câmara Municipal do Seixal (CMS), o Instituto das
Comunidades Educativas (ICE) e o Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ). Visa a implementação de um kit pedagógico (de autoria da AMUCIP e validado pelo Ministério da Educação) nas escolas do Seixal, assim como a sua disseminação ao nível nacional. Envolve docentes, técnicos/as de ação educativa e 10 mulheres/mães de etnia cigana nesta tarefa. O objetivo é que as crianças ciganas vejam a sua cultura refletida e valorizada no meio escolar, o que poderá concorrer para a redução do absentismo e do abandono precoce dos seus estudos. Foi cofinanciado pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Todas Juntas Podemos Criar (2018): promovido pela AMUCIP, envolveu 20 mulheres ciganas com mais de 35 anos, tendo como foco a sua aproximação às novas perspetivas de trabalho, educação e coesão de grupo, para posterior encaminhamento em termos de projeto de vida. Para tal, desenvolveram-se as seguintes atividades em parceria: com a Câmara Municipal do Seixal, na Oficina de Artes Manuel Cargaleiro, 10 mulheres frequentaram os cursos de iniciação ao patchwork, fotografia e pintura; com a Rato– ADCC, as sessões de iniciação às TIC e, com o CLDS 3GSeixal, a oficina de costura criativa. Durante o ano letivo 2018-2019, encaminhou outras 13 mulheres para a formação em competências básicas, na Escola Secundária de Amora, tendo estas, posteriormente, transitado para o nível EFA B1, com vista à progressão para o 4.º ano de escolaridade. Foi cofinanciado pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM).
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Todas Juntas Podemos Criar 2 (2019): Trata-se da 2.ª fase de capacitação das 10 mulheres envolvidas no projeto anterior, em parceria com a Câmara Municipal do Seixal, através da Oficina de Artes Manuel Cargaleiro. Pretende-se a participação das formandas nos espaços públicos do concelho do Seixal, com a exposição dos trabalhos do ano anterior, em feiras e outros eventos. Visa o aprimoramento das técnicas apreendidas e a confeção de novos trabalhos. Considera-se, ainda, a coesão do grupo e a aprendizagem no contexto das visitas realizadas aos museus de referência de Lisboa, tendo em conta a possibilidade de motivá-las para futuros trabalhos coletivos.
Empoderar: educação e participação das mulheres ciganas (2018-2019): tendo como entidade promotora a Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade (Rede), em parceria com a AMUCIP, a Câmara Municipal do Seixal, o Centro Qualifica da Escola Secundária de Amora e o Centro Paroquial de Bem-Estar Social da Arrentela. Orientado para a preparação e acompanhamento de 22 jovens mulheres de etnia cigana, com vista à progressão dos seus estudos, criou de raiz um processo de educação contextualizada à cultura cigana, através do qual as participantes foram integradas no Centro Qualifica da Escola Secundária da Amora. Teve, ainda, a missão de promover mini diagnósticos participativos de contribuição para a construção do Plano Local para a Integração das Comunidades Ciganas (PLICC), considerada como fundamental para a participação comunitária no espaço público.
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Dare to Dream: promovido pela Rede, em parceria com a AMUCIP, Lef (Itália) e a Fundação Artemisszió (Hungria) – visou a implementação
Kit Pedagógico Romano Atmo em Ação do Centro Romi, enquanto resposta de trabalho, assente na autonomia e no autossustento económico de 8 jovens de etnia cigana.
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AGRADECIMENTOS
A toda a equipa da R@to – Associação para a Di-
O projeto Romano Atmo sobre Rodas foi construído
ta organização, pelo trabalho incansável de abrir as
com muitas pessoas e entidades que se empenharam no trabalho educativo com a marca da história e cultura cigana, em diálogo com a nossa comunidade. A AMUCIP, enquanto entidade promotora, agradece a todas e todos que colaboraram neste percurso: Aos/às profissionais de todas as entidades parceiras da Câmara Municipal do Seixal (com um largo caminho, lado a lado com a AMUCIP), do Instituto das Comunidades Educativas (connosco nos desafios pedagógicos) e do IPDJ. Aos/às docentes e técnicas/os das Escolas Básicas Fogueteiro, Quinta da Courela, Quinta dos Franceses, Quinta das Inglesinhas, Paulo da Gama e Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, pelo interesse e criatividade na aplicação do kit com as crianças e jovens nas suas instituições.
vulgação Cultural e Científica e voluntários/as desportas as 10 participantes do projeto à aprendizagem das TIC. À Delphine Bigot, pela leitura atenta e contribuições feitas a partir da sua participação nas sessões de capacitação do Grupo Colaborativo de Mulheres Ciganas. Ao Carlos Gomes pela revisão dos textos. A todas e todos os autores dos artigos que viveram estes 18 meses de trabalho e ajudaram a dar corpo a esta «Memória Viva». À Carena Vitoreira, Carina Vitoreira, Guiomar Marujo, Miguela Prudêncio, Noemi Castela, Rute Pinto, Tânia Gama, Teresa Flores, Vanessa Santos e Vitória Caramelo que acreditaram poder desbravar processos educativos, dentro e fora da comunidade, com ROMANO ATMO (ALMA CIGANA).
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