Olaria Romana da Quinta do Rouxinol (Corroios): um monumento nacional no Município do Seixal

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OLARIA ROMANA DA QUINTA DO ROUXINOL CORROIOS



OLARIA ROMANA DA QUINTA DO ROUXINOL CORROIOS UM MONUMENTO NACIONAL NO MUNICÍPIO DO SEIXAL



Em outubro de 1986, o executivo da Câmara Municipal do Seixal tomou a histórica decisão de preservar in situ as estruturas e contextos arqueológicos da Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, em Corroios, num magnífico exemplo de valoração do património cultural e de conciliação com os legítimos interesses e necessidades de uma obra em curso, que então prosseguiu com ligeiras adaptações.

instituições locais, regionais e nacionais, a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, em Corroios, é hoje um recurso incontornável para as estratégias de desenvolvimento local, nos planos da cultura, do património, dos museus, do turismo, da educação formal e não formal e, em geral, contribui decisivamente para uma economia sustentada na riqueza endógena.

Essa decisão foi posteriormente caucionada e reforçada pela atribuição do estatuto de Monumento Nacional ao sítio arqueológico, em 1992, distinguindo-o com o mais elevado grau instituído pelo Direito do Património Cultural português. É, ainda hoje, o único monumento, conjunto ou sítio localizado no município do Seixal com tal estatuto.

Nos próximos anos, um projeto de arqueologia viva permitirá continuar a escavação e a investigação da olaria romana e das comunidades que a ocuparam nessa época, mas também antes e depois, de há quase 5 mil anos até praticamente aos nossos dias. A instalação de um centro de interpretação e a renovação das estruturas que protegem os fornos romanos, acompanhada de suportes informativos de ar livre, potenciará as visitas ao sítio e a sua interpretação por públicos diversificados.

Entretanto, a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol integrou a estrutura descentralizada do Ecomuseu Municipal do Seixal e a extensa oferta cultural e pedagógica proporcionada aos munícipes e a muitos outros interessados. A investigação arqueológica alargou os horizontes interpretativos do sítio e os estudos cerâmicos e de várias outras áreas multidisciplinares transformaram-no numa referência para estudiosos do mundo romano, nacionais e internacionais. Os encontros científicos realizados no Seixal em 1991 e em 2010 reforçaram essa evidência, também comprovada em eventos de grande impacto, como a exposição que atraiu mais de 400 mil visitantes ao Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, entre 2009 e 2013. Fruto do trabalho técnico da equipa municipal e da capacidade para dinamizar e rentabilizar parcerias com municípios vizinhos, associações, universidades e outras

Trinta e cinco anos após a descoberta, a Câmara Municipal do Seixal continua a honrar o compromisso de preservar o sítio arqueológico, garantir condições para a prossecução do seu estudo e, ao mesmo tempo, melhorar os meios para a fruição pública de um espaço único e privilegiado, onde se reúne um invulgar conjunto de valores do património cultural e ambiental.

Numa frente paralela, está em curso a criação de um parque público que facilitará a integração da zona de reserva arqueológica com o Moinho de Maré de Corroios, também património cultural classificado (Imóvel de Interesse Público). Desta forma, será também possível partilhar a diversidade paisagística, a fauna e a flora do sapal de Corroios, que integra a Reserva Ecológica Nacional e a faixa de proteção ao estuário do Tejo. No concelho do Seixal, território moldado por uma presença humana milenar, o passado pode e deve ter um presente e merece um futuro.

Joaquim Santos Presidente da Câmara Municipal do Seixal


© Câmara Municipal do Seixal, António Silva, 2017.


Índice 7

1. A descoberta e o que esta propiciou

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2. A olaria romana 2.1. Por que razões se instalou uma olaria neste local? O que favoreceu o seu funcionamento durante cerca de 250 anos? 2.2. Que conhecemos hoje da olaria de Época Romana? 2.3. Como são os fornos romanos da Quinta do Rouxinol? 2.4. Como seriam estes fornos quando estavam completos? 2.5. Como funcionariam os fornos romanos da Quinta do Rouxinol? 2.6. O que coziam os fornos da Quinta do Rouxinol? 2.7. O que não conhecemos da Olaria do Rouxinol?

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3. A Quinta do Rouxinol antes dos Romanos

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4. A Quinta do Rouxinol depois dos Romanos

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5. A Quinta do Rouxinol como recurso local

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

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7. Bibliografia e outras fontes

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

1. A descoberta e o que esta propiciou

No dia 14 de outubro de 1986, os técnicos de arqueologia do Ecomuseu Municipal do Seixal viram confirmadas as suas expectativas: identificaram os primeiros vestígios de um forno cerâmico de Época Romana na Quinta do Rouxinol, quando acompanhavam a obra de saneamento básico associada à recuperação do Moinho de Maré de Corroios. Promovida pela Câmara Municipal do Seixal, a intervenção veio dar consistência aos indícios para que apontava a recolha frequente de cerâmica romana na zona.

Fase inicial da abertura de vala para a instalação de emissário de esgoto, junto ao edificado da antiga Quinta do Rouxinol, no contexto

de justificar a classificação como Monumento Nacional logo no ano seguinte, em 1992. Ainda hoje, é o único sítio do município do Seixal a merecer tal distinção. Trinta e cinco anos passados, a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol é uma referência incontornável na bibliografia especializada portuguesa e internacional: dos estudos sobre a sociedade e a economia romana na região estuarina do Tejo, na província da Lusitania e mesmo no Império; da investigação dedicada à arquitetura e funcionamento dos fornos cerâmicos dessa época; da que trata as formas, funções e cronologias das peças então produzidas e comercializadas; até às ações de arqueologia experimental que procuram reproduzir o saber-fazer dos oleiros que lhes davam forma e as coziam. Entretanto, o sítio entrou também no imaginário de muitos milhares de pessoas que visitaram o local, as exposições e outras iniciativas que este propiciou, ou recorreram aos conteúdos gradualmente disponibilizados através de publicações e na internet. A comunidade educativa é a principal beneficiária de um recurso que todos os anos enriquece os planos formativos de vários graus de ensino, mas este é também um espaço de aprendizagem e lazer para famílias e públicos de todas as idades.

da requalificação da envolvente do Moinho de Maré de Corroios. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, 1986.

Dois dias depois, o executivo municipal tomou a histórica deliberação de preservar o forno e o sítio para investigação, musealização e promoção cultural. O Ecomuseu pôde assim juntar mais dois recursos patrimoniais à sua estrutura descentralizada: o moinho e a olaria romana. A partir daí, esta última ganharia importância reforçada perante os resultados dos trabalhos arqueológicos realizados até 1991, a ponto

No presente e no futuro próximo, esse passado impõe medidas que consolidem e melhorem as condições de conservação, preservação, interpretação e divulgação das estruturas arqueológicas conhecidas, em paralelo com um programa de arqueologia que dê continuidade à investigação num sítio que ainda reservará muitos dos segredos aí escondidos pela passagem do tempo.

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1. A descoberta e o que esta propiciou

Acompanhamento arqueológico da obra por técnicos de arqueologia das câmaras municipais do Seixal e de Almada, com o apoio do Centro de Arqueologia de Almada. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, 1986.

Primeira evidência da presença de uma estrutura de cronologia romana na frente de obra, registada a 14 de outubro de 1986. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, 1986.

A limpeza e definição sumária permitiram perceber tratar-se de um forno, revelado por um pequeno troço de parede junto ao talude, e pela planta elíptica, onde já se antevia a existência de um curto corredor de acesso. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, 1986.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Uma intervenção arqueológica de emergência visou caracterizar e avaliar melhor o achado. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, 1986.

A intervenção realizou-se em contexto de obra, viabilizada pela decisão municipal de desviar o traçado do emissário de esgoto, de modo que se garantisse a preservação do forno romano in situ. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, 1986.

Os trabalhos arqueológicos revelaram a face interna do forno e o seu enchimento em fase de abandono, onde se destacou um conjunto de cerâmicas diversas. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1986.

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1. A descoberta e o que esta propiciou

Entre fragmentos de tijolos e tijoleiras, reconheciam-se fundos de ânforas e loiça doméstica como tigelas, cântaros e jarros, com algumas peças completas ou quase. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1986.

Entre 14 e 22 de outubro de 1986, ficou totalmente definido o primeiro

Junto à entrada do forno, a lenha queimada para cozer as últimas

forno de Época Romana a ser identificado na Quinta do Rouxinol.

fornadas deixou um depósito de cinzas negras, sobreposto a outro de

À data, nenhum outro era conhecido na zona estuarina do Tejo.

cinzas mais calcinadas e acinzentadas.

Fruto desta descoberta e de outras posteriores, sabemos hoje que

Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal,

toda a região era um importante centro oleiro, destinado a suprir

Jorge Raposo, 1986.

as necessidades das populações locais, mas também de atividades «industriais» de grande intensidade, como a de salga e conserva de peixe, por exemplo. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1986.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

2. A olaria romana

A Olaria Romana da Quinta do Rouxinol funcionou desde as primeiras décadas do século III d. C., mas é provável que já estivesse operacional na fase final do século II. Manteve-se até data posterior ao ano 425, com prolongamento indeterminado pelo século V d. C.

Por que razões se instalou uma olaria neste local? O que favoreceu o seu funcionamento durante cerca de 250 anos? Em primeiro lugar, a proximidade de um dos esteiros do Tejo, principal via de comunicação e circulação de pessoas e de bens até meados do século XX. Às suas margens chegavam com facilidade as matérias-primas essenciais para o funcionamento da olaria, abundantes

em toda a região: o barro para modelar as peças e a lenha para os fornos que as coziam. Além disso, as reservas de água retidas no subsolo auxiliavam a limpeza e preparação do barro, ao mesmo tempo que satisfaziam as necessidades de consumo das comunidades locais da época, tal como o fizeram quase até aos nossos dias. Por fim, o rio era também via privilegiada para escoar as cerâmicas até aos contextos «industriais» e residenciais que delas necessitavam. Olisipo, a Lisboa romana, era já o grande centro urbano, «industrial» e comercial que atraía boa parte dessa produção. Comprovam-no os achados em várias intervenções arqueológicas aí realizadas.

Sapal e margem ribeirinha do esteiro de Corroios, onde abundam os vestígios de cais e outras pequenas estruturas de acostagem de embarcações. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2011.

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2. A olaria romana

Que conhecemos hoje da olaria de Época Romana? As campanhas de escavação arqueológica na Quinta do Rouxinol, realizadas entre 1986 e 1991, revelaram dois fornos, vestígios de um terceiro e ainda parte de

um forno mais pequeno, de função indeterminada. Revelaram ainda algumas das zonas que os oleiros romanos utilizaram para despejo de peças partidas, defeituosas ou rejeitadas por qualquer outra razão.

Planta geral do que conhecemos da Olaria Romana da Quinta do Rouxinol. A norte da estrutura identificada em 1986 (forno 1), surgiram o forno 2, vestígios do forno 3 e um pequeno «forninho»; a sul, encontram-se zonas de despejo de cerâmicas e outros materiais. Desenho: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo e Cézer Santos.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Panorâmica dos fornos romanos identificados na Quinta do Rouxinol e detalhe do forno 2. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, António Silva, 2017; Centro de Arqueologia de Almada, Jorge Raposo, 1990.

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2. A olaria romana

Como são os fornos romanos da Quinta do Rouxinol? Pelos dois exemplares mais bem conservados, constatamos que os fornos da Quinta do Rouxinol são relativamente pequenos, construídos com tijolos e tijoleiras intercalados com algumas pedras. De planta elítica, apresentam um pequeno corredor de acesso à câmara onde ardia a lenha que aquecia o forno (câmara de combustão). Essa câmara era parcialmente

enterrada numa zona de declive, para minimizar as perdas de calor. No seu interior, ainda se veem as bases das arcadas que suportavam a placa sobre a qual eram empilhadas as peças a cozer. Perfurada, essa placa funcionava como uma grelha e permitia a ascensão do ar quente até que, na câmara superior do forno (câmara de cozedura), se atingisse a temperatura necessária (cerca de 900º C). Em ambos os casos, já não restam vestígios da «grelha», nem da câmara de cozedura.

Forno 1 da Quinta do Rouxinol, de que se conserva apenas uma pequena parte da câmara de combustão. De planta elítica, tinha um curto corredor para introdução da lenha a queimar. Vê-se, ainda, o arranque das três arcadas que suportavam a «grelha». Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1986.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Descoberta do corredor de acesso à câmara de combustão do forno 2, revelado na sondagem de um talude próximo do forno 1. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1988.

Corredor de acesso à câmara de combustão do forno 2, junto ao qual ainda era evidente a acumulação de cinzas resultante das últimas fornadas. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1988.

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2. A olaria romana

Fase de escavação arqueológica do forno 2. Em segundo plano, o forno 1. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1990.

Registo da planta do forno 2 em desenho à escala de 1/10

Fase de escavação arqueológica e de consolidação estrutural

(isto é, dez vezes menor do que o original).

do forno 2. De dimensão e planta muito semelhantes à do forno 1,

Desenho: © Câmara Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2008.

também possuía três arcadas de suporte da «grelha». No entanto, uma delas era aqui reforçada por um pequeno pilar. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1990.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Fase de escavação arqueológica do forno 3, de que só resta um pequeno vestígio de parede. A sua área foi reutilizada para despejo de peças partidas ou rejeitadas por alguma razão. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1990.

Pormenor do depósito de ânforas e loiça doméstica partida

A densidade de cerâmica depositada na zona do forno 3 obrigou a

e abandonada junto com tijolos e outro material de construção

adaptar um aspirador para definir as peças e permitir o seu registo e

do forno 3.

levantamento.

Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal,

Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal,

Jorge Raposo, 1990.

Jorge Raposo, 1990.

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2. A olaria romana

Fotografia e desenho que registam um dos níveis de escavação do forno 3, cujo espaço foi reutilizado para despejo de peças rejeitadas. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1990.

O registo rigoroso dos contextos escavados é uma das tarefas essenciais da arqueologia de campo. Desenho: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1990.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Fase de escavação do depósito de cerâmicas junto ao forno 3. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1990.

Em associação direta com o forno 2, outra pequena estrutura de combustão servia de apoio à atividade dos oleiros romanos. O que restava do forno 3 surge aqui em segundo plano. Foto: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1991.

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2. A olaria romana

Como seriam estes fornos quando estavam completos? Com base no que resistiu ao tempo e chegou até aos nossos dias, não é fácil perceber como seriam estes fornos quando completos, nem detalhar o seu modo de funcionamento. Trata-se de uma interpretação arquitetónica e histórica só possível com base num trabalho de escavação e registo arqueológico muito rigoroso. Isso permite a comparação com o que se sabe de sítios de cronologia e tipologia semelhantes, na Lusitania e noutras províncias do Império Romano. Por outro lado, sabemos que a olaria é uma arte milenar, com tecnologias e técnicas que, em alguns casos, permaneceram quase inalteradas até ao presente. Por isso, são também relevantes paralelos etnográficos e antropológicos preservados em documentos e arquivos, em antigas olarias e na memória e experiência de oleiros que ainda partilham esse saber-fazer.

Aspecto da digitalização do forno 2, com recurso a um sistema integrado de varrimento laser e fotogrametria digital. A intervenção foi realizada pela empresa Artescan – Digitalização Tridimensional.

Finalmente, as tecnologias digitais ajudam a tratar toda essa informação e a fundamentar propostas de interpretação que podem ser testadas em ações de arqueologia experimental.

Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2009.

Esse foi o caminho seguido pela investigação na Quinta do Rouxinol. Como resultado, o sítio arqueológico foi enriquecido, em 2010, com a construção de um forno que restitui, à escala real, a arquitetura integral e o modo de funcionamento dos fornos romanos originais. Malha de pontos e imagem texturizada resultantes da digitalização do

Para tal, realizou-se a digitalização e modelação 3D de um deles, a par de uma intensa pesquisa arqueológica, etnográfica e arquivística. Esse forno é hoje utilizado em ações de arqueologia experimental e enquanto recurso formativo e pedagógico ligado à olaria artesanal.

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forno 2. Fotos: © Artescan – Digitalização Tridimensional, 2009.


Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Como funcionariam os fornos romanos da Quinta do Rouxinol? Ainda que incompletos e parcialmente em ruína, os fornos romanos da Quinta do Rouxinol dão-nos uma base sólida para diferentes linhas de investigação. A partir daí, é possível avançar com alguma segurança para a interpretação dessas estruturas e para uma

proposta de restituição integral da sua arquitetura e modo de funcionamento. A construção de um forno à escala natural permitiu testar a solução arquitetónica que resultou desse estudo em ações de arqueologia experimental, todas concretizadas com sucesso.

Forno experimental da Quinta do Rouxinol num dos eventos em que se testou o seu funcionamento. A base respeita as dimensões do forno original que lhe serviu de modelo. Tal como no forno romano, a câmara de combustão está semienterrada para reduzir as perdas de calor. O declive também facilita o trabalho do oleiro, que pode alimentar o forno com a lenha a queimar num nível mais baixo, depois de, num nível mais alto, ter utilizado uma segunda entrada para «enfornar» as peças a cozer. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2010.

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2. A olaria romana

Câmara de cozedura

«Grelha»

Entrada das peças a cozer

Câmara de combustão

Entrada da lenha a queimar

Desenho em perspetiva do forno experimental da Quinta do Rouxinol, em que se representou o corte de parte da estrutura para que se possa observar o seu interior. De baixo para cima, vemos a câmara de combustão, com o curto corredor de acesso onde se realiza a queima inicial da lenha. Vemos ainda parte das arcadas que suportam a placa perfurada («grelha») sobre a qual é disposta a fornada de peças na câmara de cozedura. Para esse efeito, o oleiro utiliza uma entrada a que acede pela parte superior do talude onde se «encaixa» o forno. Desenho: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2017.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

1. Numa primeira fase de cada fornada, o oleiro dispõe cuidadosamente as peças na câmara de cozedura do forno, empilhando-as de modo que a capacidade disponível seja rentabilizada ao máximo Desenho: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2017. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2010.

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2. A olaria romana

2. Completada a fornada, o oleiro «fecha» a entrada na câmara de cozedura com pedaços de peças de refugo, usando uma pasta de barro húmido para vedar todos os espaços e minorar a perda de calor. Desenho: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2017. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, José Luís Monteiro e Cézer Santos, 2010.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

3. Toda a fornada é coberta com pedaços de peças de refugo, numa camada de espessura variável que tapa a câmara de cozedura e permite que se controle a temperatura no seu interior. Ao mesmo tempo, os intervalos entre essas peças possibilitam extrair os fumos de combustão e observar o ponto de cozedura. Desenho: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2017. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Carlos Marques da Silva, 2017.

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2. A olaria romana

4. O forno é alimentado com lenha até que se atinja a temperatura necessária para cozer as peças cerâmicas (cerca de 900º C). A experiência mostrou que, no forno da Quinta do Rouxinol, essa temperatura se atinge ao fim de cerca de 11 horas de queima. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2010.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

5. Após cerca de 48 horas de arrefecimento à temperatura ambiente, é possível «abrir» a câmara de cozedura e retirar as peças cerâmicas cozidas. A prática mostrou que a solução tecnológica ensaiada com o forno experimental da Quinta do Rouxinol é eficaz e poderá reproduzir com fidelidade o modo de operação dos fornos romanos originais. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, Daniel Maia e Cézer Santos, 2010.

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2. A olaria romana

O que coziam os fornos da Quinta do Rouxinol? A principal produção da Olaria do Rouxinol terá sido a de ânforas de várias formas e capacidades, ajustadas a diferentes conteúdos. É provável que uma delas tenha servido para vinho, mas a maioria destinava-se a armazenar e transportar peixe salgado ou transformado em pastas e molhos. Essas ânforas eram essenciais para a atividade das várias «fábricas» de salga existentes nas duas margens do estuário do Tejo.

Cheias do seu precioso e muito apreciado conteúdo, eram depois dispersas por vastas regiões do Império Romano, fruto de um intenso comércio fluvial e marítimo. Fontes literárias referem que o Tejo acolheria então navios com capacidade para mais de 10 mil ânforas. O achado de vários barcos naufragados no Mediterrâneo comprova que estes podiam transportar cargas que chegavam às 400 toneladas, incluindo preparados de peixe, azeite, vinho, cereais e muitos outros produtos.

Ânforas da Quinta do Rouxinol (Corroios/Seixal)

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30 cm

Formas de ânforas mais comuns nas produções da Olaria da Quinta do Rouxinol. Desenhos de restituição integral, realizados a partir dos fragmentos recolhidos na escavação arqueológica do sítio. Desenhos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2001.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

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Ânforas incompletas recolhidas na Quinta do Rouxinol: exemplares com a boca, as asas e a parte superior do corpo; outros com a parte inferior e o fundo da peça, um deles sobreaquecido e parcialmente deformado.. Destinavam-se ao transporte de conservas de peixe em Época Romana (séculos III-V). A terminação em bico facilitava o acondicionamento nos porões das embarcações que as transportavam por via fluvial e/ou marítima. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, João Almeida, Cézer Santos, 2008-2009.

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2. A olaria romana

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30 cm

10 cm

Ânforas incompletas recolhidas na Quinta do Rouxinol: exemplares com a boca, as asas e a parte superior do corpo; outros com a parte inferior e o fundo da peça. Destinavam-se ao transporte de peixe salgado e conservas de peixe em Época Romana (séculos III-V). Identificam-se duas formas distintas: uma mais esguia e cilíndrica; outra mais larga e volumosa. Em ambos os casos, a terminação em bico facilitava o acondicionamento nos porões das embarcações que as transportavam por via fluvial e/ou marítima. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, João Almeida, Cézer Santos e Jorge Raposo, 2008-2009 e 2014.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

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Ânforas incompletas recolhidas na Quinta do Rouxinol: exemplares com a parte superior do corpo, a boca e as asas (num deles, só resta uma); outros estão limitados ao fundo da peça. Não há ainda consenso entre os investigadores sobre o fim a que se destinavam. Poderão ter servido para transportar conservas de peixe, mas a hipótese que se afigura mais provável é a de terem sido contentores para vinho. Foram produzidas nas últimas décadas do século IV e nas primeiras do século V. Um pequeno fundo plano já lhes garante alguma sustentabilidade. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, João Almeida, 2008-2009.

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2. A olaria romana

Das mãos experientes dos oleiros do Rouxinol não saíam apenas ânforas. Para rentabilizar as fornadas, também se produzia abundante e diversificada loiça doméstica,

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indispensável ao quotidiano das populações locais: pratos, tigelas, tachos, panelas, jarros, bilhas, alguidares, pequenos e grandes potes, talhas, etc.

10 cm

Pratos, pratos covos e tigela, todos de grandes dimensões, usados para preparar, servir e consumir alimentos entre os séculos III e V. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, João Almeida, 2009; Cézer Santos, 2010.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

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10 cm

Tigelas e tachos usados para preparar, servir e consumir alimentos entre os séculos III e V. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, João Almeida, 2008-2009.

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2. A olaria romana

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Jarros e pequenos potes usados para servir e consumir líquidos e outros alimentos entre os séculos III e V. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, João Almeida, 2008-2009.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

O achado de moldes destinados à reprodução de lucernas (lamparinas), usadas para iluminar diferentes

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espaços, mostra que estas também teriam presença regular nas fornadas realizadas no sítio.

5 cm

Moldes cerâmicos usados para o fabrico de lucernas (lamparinas) entre os séculos IV e V. Em ambos os casos, permitiam reproduzir a parte superior da peça. Não foram encontrados os pares correspondentes, que moldavam a parte inferior das mesmas peças. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, João Almeida, 2009.

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3 cm

Exemplares de lucernas utilizadas para iluminação a óleo entre os séculos IV e V. Um deles está completo, com o reservatório fechado e pequena pega vertical na extremidade oposta ao bico. Um furo central permitia enchê-lo com óleo; por outro furo, junto ao bico, saía a mecha de fibras vegetais que, embebida nesse óleo, se fazia arder para gerar luz em ambientes domésticos, artesanais e outros. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, João Almeida, 2009.

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2. A olaria romana

O que não conhecemos da Olaria do Rouxinol? O modelo de funcionamento das olarias em Época Romana assentava numa tradição anterior e manteve-se durante muitos séculos, organizando a produção artesanal de cerâmica até há poucas décadas. O processo era iniciado com a seleção e recolha das argilas em barreiros não muito distantes, de onde eram transportadas e sujeitas a uma cuidada preparação, que passava por mergulhá-las em água durante algum tempo, para que fosse obtida a plasticidade exigida pelo trabalho do oleiro. Raízes, pequenas pedras e outras impurezas eram cuidadosamente removidas. A pasta argilosa era muito bem amassada, para garantir a sua maleabilidade e homogeneidade. A experiência ensinou que, por vezes, misturar diferentes argilas dava melhores resultados. E também que incorporar na pasta pequenas quantidades de quartzo, mica, cerâmica moída e outros elementos reduzia riscos de fissura ou empenamento das peças e aumentava a sua resistência. Preparada a pasta, várias técnicas permitiam dar forma às peças, da simples modelação com os dedos ao uso de moldes. A mais comum passou pelo recurso à roda de oleiro. No essencial, esta consiste num disco assente sobre um eixo vertical, que se faz girar com a mão ou o pé, transmitindo esse movimento ao bloco de pasta argilosa que sobre ele é colocado.

Oleiros representados nas paredes de Pompeia, cidade romana sepultada pela erupção do Vesúvio no ano 79 d. C. A modelação das peças é feita sobre rodas que giram apoiadas num eixo vertical,

Mãos hábeis aproveitam a rotação para transformar essa pasta em peças de diferente dimensão, forma e função, com a ajuda de utensílios muito rudimentares: pequenos paus ou canas para uniformizar e detalhar pormenores, fio para cortar, tecido para polir…

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impulsionadas pelas mãos. Um pau ajuda a acelerar o movimento. Um dos oleiros é auxiliado por uma figura feminina, em pé. Fontes: bit.ly/3cBTSJf, bit.ly/30eUteQ, bit.ly/30eUteQ e bit.ly/3vj00yX.


Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Modeladas as peças, estas passavam por uma fase de secagem, até atingirem uma consistência semelhante à do couro, que permitia enforná-las e cozê-las sem risco de que se deformassem ou partissem.

Por fim, arrefecidas e retiradas dos fornos, eram armazenadas a aguardar transporte para os seus destinatários, normalmente por via fluvial e/ou marítima.

Ilustração científica de duas embarcações de Época Romana utilizadas para transporte de ânforas nas rotas do Atlântico e do Mediterrâneo. Nas de maior porte, as ânforas e outras mercadorias eram empilhadas de modo que a capacidade de carga fosse rentabilizada. A terminação em bico facilitava o empilhamento. Desenho: © Nuno Farinha, 2007.

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2. A olaria romana

Como resultado de todo este processo, junto às olarias acumulavam-se grandes quantidades de pedaços de peças partidas ou com defeitos. Na Quinta do Rouxinol, as escavações arqueológicas revelaram algumas dessas zonas de despejo, repletas de fragmentos que muito ajudaram a que hoje possamos conhecer melhor as produções locais e as que aqui chegaram oriundas de outras regiões. Extrair o barro do solo, transportá-lo para a olaria, limpá-lo e tratá-lo até estar em condições de ser trabalhado na roda de oleiro ou a molde, secar as peças até atingirem o ponto que as permite cozer em fornos a lenha, enfornar e realizar essa cozedura, descartar peças partidas ou defeituosas, armazenar as restantes até que seguissem para quem deles necessitava – são estas as fases da cadeia operatória das olarias romanas, exemplo de uma tradição artesanal que perdurou até há poucas décadas. De todo esse processo, na Quinta do Rouxinol, até à data, apenas temos vestígios das fases de cozedura e de descarte. Ainda não sabemos muitas outras coisas: onde foram preparadas as argilas? Onde se instalava o ateliê em que os oleiros teriam as suas rodas e, em geral, as condições para exercer a sua arte? Onde estavam os telheiros ou outros espaços para armazenar as peças a secar antes de cozer, ou as que, já prontas, aguardavam apenas o transporte final? Onde acostavam ou fundeavam as embarcações que garantiam esse escoamento pelo esteiro do Tejo? Além disso, onde viviam as pessoas que asseguravam todas estas atividades? Onde eram sepultadas quando morriam?

Corte estratigráfico que ilustra o enchimento de uma das fossas de despejo da olaria da Quinta do Rouxinol, parcialmente aberta nas areias da margem ribeirinha. Na base de um espesso depósito de peças partidas, identificaram-se algumas ânforas completas ou quase, que algum defeito terá inutilizado. Junto a elas, vários troncos de madeira abandonados, sem terem sido queimados

Boa parte das evidências que nos permitiriam responder a estas perguntas terá desaparecido ao longo dos cerca de 1500 anos passados desde o abandono da olaria. Contudo, outras permanecerão no subsolo da antiga quinta, aguardando investigação que averigue esse enorme potencial arqueológico.

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nos fornos. Fotos: © Centro de Arqueologia de Almada / Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1989.


Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

3. A Quinta do Rouxinol antes dos Romanos

Nos últimos anos da primeira fase de trabalhos arqueológicos na Quinta do Rouxinol, concluída em 1991, surgiram indícios de que os abundantes recursos da zona atraíram populações humanas muito antes da chegada dos Romanos. Pequenos fragmentos de sílex foram claramente lascados para obter lâminas com gumes cortantes, transformando-os em ferramentas para uso em trabalhos agrícolas, na preparação de alimentos e noutras atividades quotidianas. Em 2019, sondagens de diagnóstico arqueológico vieram consolidar esses indícios, não só com o achado de artefactos semelhantes, mas também de fragmentos de cerâmica dispostos num nível estratigráfico por enquanto apenas aflorado. Trata-se de cerâmica produzida com uma pasta argilosa claramente mais grosseira do que a preparada em tempos romanos, sendo também evidente que as peças foram modeladas antes da revolução tecnológica introduzida pela roda de oleiro.

Fragmento de cerâmica decorada com motivos geométricos esgrafitados na pasta argilosa, antes da cozedura da peça. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2019.

A ocupação da Quinta do Rouxinol, já de si uma das mais antigas conhecidas no território hoje abrangido pelo município do Seixal, recua assim do mundo romano dos primeiros séculos depois de Cristo para o 3.º milénio a. C., no período conhecido como Idade do Cobre, ou Calcolítico, cujo apogeu se situa entre 2600 e 2300 a.C. São mais de dois milénios que acrescem ao percurso histórico do sítio, reforçam a sua importância e a necessidade de intensificar a investigação. Fragmento de cerâmica decorada com um pontilhado aplicado na pasta argilosa, antes da cozedura da peça, e pequeno núcleo de sílex do qual foram retiradas várias lascas. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2019.

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4. A Quinta do Rouxinol depois dos Romanos

A importante olaria instalada na Quinta do Rouxinol em Época Romana deixou de funcionar provavelmente na segunda metade do século V d. C., quando a desagregação do Império quebrou os circuitos comerciais que necessitavam das peças que produzia, nomeadamente as ânforas para as salgas e conservas de peixe. Em 476 d. C., Roma cai nas mãos de povos germânicos que depõem o último imperador romano do Ocidente,

Rómulo Augusto. Na Península Ibérica, também assolada por invasões desde os primeiros anos do século V, instalam-se reinos suevos e visigóticos. No ano 585 d. C., os Visigodos assumirão o controlo total do território, que manterão por mais de um século, até 711 d. C., quando se inicia a conquista islâmica. No caso português, a ocupação por esses povos do Norte de África só terminará em 1249, ano em que a reconquista cristã se consolida no Algarve, durante o reinado de D. Afonso III (1238-1253).

A destruição de Roma na obra do pintor inglês Thomas Cole (1801-1848). Tela pintada a óleo com data de 1836, integra a coleção da New-York Historical Society (Estados Unidos da América). Fonte: Destruction, da série «The Course of Empire», bit.ly/3rsPgfa.

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4. A Quinta do Rouxinol depois dos Romanos

Na península de Setúbal, o domínio cristão já se estabilizara em 1217, no reinado do seu pai, D. Afonso II (1211-1223), após a conquista definitiva do castelo de Alcácer do Sal. Sem evidências materiais do milénio decorrido desde o século V, a área ribeirinha dos esteiros de Corroios só volta a fornecê-las no início do século XV, quando toda a zona é aforada ao Condestável, Nuno Álvares Pereira. Em 1403, este manda construir o Moinho de Maré de Corroios, ainda hoje um dos ex-libris do município do Seixal.

No ano seguinte, doa o moinho e as suas propriedades na zona ao Convento do Carmo, de Lisboa. Boa parte das quintas aqui existentes manter-se-á na posse da Casa Real ou de ordens religiosas durante séculos, nalguns casos até à sua extinção, determinada em 1834. A Quinta do Rouxinol deve o nome a Nicolau Rossignol, de origem francesa, mencionado como proprietário em documentação datada de 1672. Por ocasião do grande terramoto de 1755, ainda estava na posse dos seus herdeiros, tendo conhecido depois outros proprietários

Pormenor de carta topográfica militar concluída em 1816 por José Maria Neves Costa (1774-1841), oficial do Real Corpo de Engenheiros. A Quinta do Rouxinol surge representada entre a Quinta da Bomba, onde hoje se situa a estação de tratamento de águas residuais (ETAR) que herdou essa designação, e a Quinta dos Frades do Carmo, na zona depois denominada Quinta do Brasileiro. Fonte: © Arquivo da Direção-Geral do Território / Ministério do Ambiente.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

privados. Entre estes, merece destaque Domingos Afonso, que em 1850 possuía também o Moinho de Maré de Corroios e a Quinta do Castelo. Na década de 1970, era sua dona Júlia Newberry, viúva de um cidadão inglês. Uma pequena parcela já havia sido cedida para instalar uma central de captação de água, mas a transformação radical do espaço ocorre depois de 1975, quando é autorizado o alvará de loteamento urbano da quinta. Da rápida urbanização da zona ficou apenas excluída uma faixa ribeirinha que reverteu para o domínio privado municipal, onde a Câmara Municipal do Seixal instalou um viveiro para reprodução de espécies

vegetais, que aí manteve até 2014. Nessa faixa subsistia parte do edificado da quinta, ainda que abandonado e, nalguns casos, já em estado de ruína. Além da casa principal, com dois pisos, incluía capela particular dedicada a Santo António da Olaia, casas para caseiro e outros trabalhadores, lagar, adega, armazéns e abegoaria. Nos anos seguintes, vicissitudes diversas conduziram à demolição gradual dessas construções. Afortunadamente, a municipalização da parcela garantiu também a preservação material dos fornos romanos que viriam a ser descobertos em 1986, numa história já contada nestas páginas.

A Quinta do Rouxinol na primeira metade da década de 1980, com o seu edificado principal em primeiro plano. Ao centro já estava instalada a central de captação de água do Rouxinol, construída no final da década de 1960. Garantiu o consumo doméstico de água na zona entre 1976 e 1999. Ao fundo, o Moinho de Maré de Corroios antes da sua recuperação e integração no Ecomuseu Municipal do Seixal, em 1986. Foto: © Câmara Municipal do Seixal, Nelson Cruz, 198?.

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4. A Quinta do Rouxinol depois dos Romanos

Edificado da Quinta do Rouxinol, demolido em 1994 porque o seu estado de ruína constituía um problema de segurança pública. Em primeiro plano, o imóvel residencial que também incluía a capela privada da quinta, templo referenciado desde 1736. Foto: © Câmara Municipal do Seixal, 198?

Pormenor do cruzeiro em pedra que encimava a porta da capela da Quinta do Rouxinol. Retirado antes da demolição do imóvel, integra hoje o acervo do Ecomuseu Municipal do Seixal. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 1993.

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5. A Quinta do Rouxinol como recurso local

Desde a primeira campanha de trabalhos arqueológicos planificados, realizada em 1987, a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol é um recurso pedagógico importante para a comunidade educativa local e regional, e também para outros públicos diversificados, de vários níveis etários.

No contexto dos programas de serviço educativo do Ecomuseu Municipal do Seixal, e sempre com o envolvimento da equipa técnica de arqueologia municipal, são frequentes as visitas aos trabalhos de arqueologia e/ou conservação, quando em curso, ou às estruturas e contextos preservados no sítio.

Visita de grupo escolar aos trabalhos arqueológicos em curso na Quinta do Rouxinol, orientada por técnicos municipais de arqueologia. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, 1987.

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5. A Quinta do Rouxinol como recurso local

Visita à Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, numa fase de escavação arqueológica do forno 2. Distinguem-se Eufrázio Filipe, à data presidente da Câmara Municipal do Seixal, e Fernando Real, então diretor do Departamento de Arqueologia do Instituto Português do Património Cultural, a entidade de tutela da arqueologia portuguesa. Foto: © Câmara Municipal do Seixal, Nelson Cruz, 1990.

Visita à Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, incluindo a observação do forno experimental aí instalado. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Carlos Marques da Silva, 2017.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

A Olaria Romana da Quinta do Rouxinol justificou também, ao longo dos anos, a realização de várias ações expositivas nos núcleos do Ecomuseu Municipal do Seixal, mas também noutros espaços da Área Metropolitana de Lisboa.

Vitrina da exposição O Território, o Homem, a História, patente no núcleo sede do Ecomuseu Municipal do Seixal até 2003. Dedicada à romanização, quase todas as peças expostas haviam sido recolhidas na olaria da Quinta do Rouxinol. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Luís Azevedo, 1993.

Painel de abertura da exposição Quinta do Rouxinol: Uma Olaria

Aspeto parcial da exposição Olaria Romana na Margem Esquerda

Romana. Inaugurada no Núcleo do Moinho de Maré de Corroios

do Estuário do Tejo, realizada em 1991 no Núcleo do Moinho de Maré

do Ecomuseu Municipal do Seixal, em 1990, circulou depois por vários

de Corroios do Ecomuseu Municipal do Seixal.

estabelecimentos de ensino e outras instituições locais e regionais.

Acompanhou um seminário que então decorreu no mesmo espaço

Com os trabalhos arqueológicos de campo ainda em curso,

museológico, dedicado à romanização das zonas estuarinas do Tejo

foi a primeira exposição monográfica dedicada ao sítio.

e do Sado.

Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Luís Azevedo, 1993.

Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Francisco Silva, 1991.

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5. A Quinta do Rouxinol como recurso local

Entre as iniciativas realizadas fora do município do Seixal, avulta a exposição bilingue (português-inglês) Quinta do Rouxinol: Uma Olaria Romana no Estuário do Tejo (Corroios, Seixal) / Roman Kilns in the Tagus Estuary,

Painel de abertura, aspecto parcial e cerimónia inaugural da exposição Quinta do Rouxinol: Uma Olaria Romana no Estuário do Tejo (Corroios, Seixal) / Roman Kilns in the Tagus Estuary, patente no Museu Nacional de Arqueologia (MNA), entre 2009 e 2013. Além do diretor do MNA, Luís Raposo, e do diretor do Instituto dos Museus e da Conservação, Manuel Oleiro, reconhecem-se Alfredo Monteiro e Corália Loureiro, então presidente e vereadora da Cultura da Câmara Municipal do Seixal. Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, António Silva, 2009.

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patente no Museu Nacional de Arqueologia entre 2009 e 2013, onde atraiu mais de 400 mil visitantes. O livro-guia dessa exposição (também bilingue), continua disponível na internet (bit.ly/3cCD3Od).


Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Aspectos parciais da exposição Quinta do Rouxinol: Uma Olaria Romana no Estuário do Tejo (MNA, 2009-2013). Fotos: © Câmara Municipal do Seixal, António Silva, 2009.

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5. A Quinta do Rouxinol como recurso local

Detalhes de visitas guiadas e atividades pedagógicas realizadas na exposição Quinta do Rouxinol: Uma Olaria Romana no Estuário do Tejo (MNA, 2009-2013). Um amplo programa de serviço educativo foi então proporcionado à comunidade educativa do Seixal. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Carla Costa e António Silva, 2009.

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

Após a sua descoberta, no já longínquo mês de outubro de 1986, a Quinta do Rouxinol conheceu uma intensa fase de trabalhos arqueológicos, realizada no âmbito de um projeto de investigação regional dedicado à ocupação romana na margem esquerda do estuário do Tejo. Com um grande envolvimento da Câmara Municipal do Seixal, esse projeto foi coordenado pelo Centro de Arqueologia de Almada, um dos parceiros da autarquia. Até 1991, foram identificados os fornos que hoje conhecemos e tomadas as medidas necessárias à sua consolidação, conservação, segurança e exposição, sempre no quadro da intervenção técnica do Ecomuseu

Municipal do Seixal. Essa fase culminou na classificação do sítio como Monumento Nacional, logo em 1992, merecido reconhecimento de um valor patrimonial que extravasa claramente o estrito âmbito local. Nos anos seguintes, o enfoque incidiu essencialmente no estudo e divulgação do abundante e diversificado espólio recolhido no sítio, sustentado numa cuidadosa análise da sequência estratigráfica em que ocorreu o seu depósito. Entre outras linhas de investigação, como a da análise química das pastas cerâmicas, por exemplo, daí resultaram contributos decisivos para o avanço dos estudos cerâmicos de Época Romana, no âmbito das produções regionais de ânforas, mas também de loiça doméstica e outros materiais.

A investigação realizada na Quinta do Rouxinol contribuiu para o projeto internacional Amphorae ex Hispania. Centralizado pelo ICAC – Institut Català d’Arqueologia Clàssica (Tarragona, Espanha), dedicado à sistematização e divulgação do estudo das ânforas produzidas nas olarias das províncias ibéricas em Época Romana. Fonte: amphorae.icac.cat/amphorae.

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

Ao mesmo tempo, as novas tecnologias de informação viabilizaram a digitalização de um dos fornos romanos, a criação do respetivo modelo digital e a elaboração de uma proposta de restituição integral da sua arquitetura e modo de funcionamento, baseada numa ampla investigação de natureza arqueológica, documental e etnográfica. A construção de um forno que reproduz, à escala natural, o forno romano original dotou a Quinta do Rouxinol de um recurso de arqueologia experimental que a distingue no plano nacional e internacional. Enquanto isso, razões várias impediram que se concretizassem planos de requalificação do sítio arqueológico desenhados desde os últimos anos da década de 1990, incluindo a instalação de um pequeno polo museológico monográfico para complementar

Planta da zona de implantação do Parque Urbano da Quinta do Rouxinol, entre a ETAR da Quinta da Bomba e o Moinho de Maré de Corroios. A Olaria Romana da Quinta do Rouxinol está situada ao centro dessa mancha.

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a observação das estruturas e contextos preservados in situ. A parcela municipal da Quinta do Rouxinol manteve-se expectante, afeta aos usos que conhecera desde a década de 1970 (abastecimento público de água e viveiro de espécies vegetais), a que se juntaram, depois de 1986, as visitas e outras iniciativas de natureza museológica, pedagógica e turística propiciadas pelos bens arqueológicos então revelados. Essa situação alterou-se nos últimos anos, perante a decisão municipal de instalar um parque urbano nesta zona ribeirinha, para criar melhores condições de fruição pública de uma rica conjugação de recursos patrimoniais: culturais (olaria romana e moinho de maré, respetivamente Monumento Nacional e Imóvel de Interesse Público) e ambientais (rio e sapal, integrados na Reserva Ecológica Nacional).


Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

No cumprimento da legislação aplicável às intervenções que incidem sobre monumentos classificados ou nas suas áreas de proteção, o projeto municipal foi submetido à apreciação prévia da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), que tutela este tipo de intervenções a nível nacional. Complementarmente, houve a preocupação de acautelar eventuais danos no património arqueológico potencialmente preservado no subsolo, esteja este relacionado com a olaria romana ou com

ocupações humanas do mesmo espaço em cronologias anteriores ou posteriores. Para orientar as decisões mais adequadas, no primeiro trimestre de 2019 foi realizada a prospeção geofísica de uma área com 4870 m2, utilizando técnicas de georradar e de resistividade elétrica. A sinalização de 20 anomalias geológicas provavelmente resultantes de ação humana justificou uma nova fase de investigação arqueológica.

Anomalias geológicas sinalizadas na prospeção geofísica realizada pela empresa GeoAviz, Lda., segundo relatório datado de 14 de março de 2019.

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

Aquisição de dados com georradar, realizada pela empresa GeoAviz, Lda. com o apoio da equipa municipal de arqueologia. Entre 14 e 25 de janeiro de 2019, foram prospetados 14 polígonos de dimensões variáveis. O equipamento registou leituras dos impulsos eletromagnéticos a intervalos de 5 cm, em passagens segundo alinhamentos perpendiculares espaçados de 25 cm. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2019.

Instalação de elétrodos no terreno para leitura de variações de resistividade elétrica no subsolo, segundo quadrículas de um metro de lado. Três polígonos desta técnica complementar permitiram obter representações tridimensionais das zonas prospetadas, selecionadas pelo seu maior potencial arqueológico ou para clarificar indícios revelados pelo georradar. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2019.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

A utilização de técnicas não intrusivas permitiu definir um plano de sondagens arqueológicas de diagnóstico que visou confirmar, ou não, a presença de estruturas ou contextos arqueológicos nas zonas de anomalia geológica sinalizadas. Nos termos da legislação em vigor, esse plano foi submetido à apreciação prévia da DGPC e por esta autorizado em julho de 2019, o que

permitiu à equipa municipal de arqueologia realizar uma intervenção que decorreu até ao final de novembro do mesmo ano. Foram abertos 12 polígonos de sondagem que cobrem os pontos de anomalia geológica, adaptando-se à quadrícula usada como referência nos trabalhos arqueológicos do sítio.

Planta de distribuição das sondagens arqueológicas de diagnóstico, realizadas entre julho e novembro de 2019. O plano de trabalho aprovado pela DGPC não previa a escavação integral dessas zonas, mas apenas o aprofundamento necessário para confirmar, ou não, a presença de estruturas ou contextos arqueológicos. Caso esta ocorresse, a sua natureza e tipologia deveriam orientar um futuro projeto de investigação arqueológica planificada, a desenvolver nos próximos anos. Desenho: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2019, sobre levantamento topográfico da zona.

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

Seguindo uma metodologia que combinou com critério meios mecânicos e manuais, as sondagens arqueológicas de diagnóstico forneceram resultados diversos. Desde logo, as sondagens 7 a 11 não evidenciaram vestígios arqueológicos, ou estes eram muito ténues. Em contrapartida, as sondagens 1 a 6, e também a n.º 12, revelaram níveis romanos na proximidade da área já conhecida da olaria. Além disso, dispersas por praticamente todo o denominado Sector 1,

várias estruturas dos séculos XVIII a XX ilustram transformações e adaptações no edificado da Quinta do Rouxinol. Muito relevante foi ainda o afloramento, na Sondagem 1, de um nível de ocupação humana proto-histórica, com espólio lítico e cerâmico integrável na Idade do Cobre (Calcolítico). Abre-se assim um novo horizonte de investigação, dirigido para um período que antecede em cerca de dois mil anos a presença romana no sítio (ver ponto 3).

Perfil estratigráfico da Sondagem 7. A um fino depósito arenoso com vestígios de atividade agrícola sucedia-se imediatamente o substrato geológico local, constituído por areia amarelada com pequenos seixos e algumas formações em lamela, mais avermelhadas e compactas devido à concentração de óxidos de ferro. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2019.

Aspecto da Sondagem 1, em que se afloraram não só os níveis que prolongam a ocupação romana associada à olaria, mas também um horizonte bastante mais antigo, que recua a presença humana no sítio até à Idade do Cobre (Calcolítico), provavelmente na primeira metade do 3.º milénio a. C. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2019.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Decapagem mecânica dos sedimentos superficiais da Sondagem 12, com permanente acompanhamento manual. Esta sondagem também viria a revelar a continuidade dos contextos arqueológicos associados à olaria romana. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2019.

Regularização manual dos cortes estratigráficos da Sondagem 12, com apoio mecânico para a remoção de terras. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2019.

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

Preparação do registo fotográfico do nível arqueológico romano aflorado na Sondagem 12, um retângulo com 15 x 5 metros de lado. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2019.

Registo fotográfico e fase final de decapagem manual do nível arqueológico romano aflorado na Sondagem 12. Em primeiro plano, um fragmento de asa de ânfora romana. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo e Cézer Santos, 2019.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Registos do edificado da Quinta do Rouxinol demolido em 1994, nomeadamente da escada exterior que comunicava com uma zona alpendrada e pavimentada por ladrilhos. Parte desse pavimento e da infraestrutura resistiu à demolição e foi exposta pela sondagem arqueológica. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, autor desconhecido, 1987.

Vestígios estruturais do antigo edifício residencial da Quinta do Rouxinol, identificados na escavação da Sondagem 2. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2019.

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

A Sondagem 3 revelou o que resta de uma das casas da Quinta do Rouxinol e da calçada que lhe dava acesso. Evidência arquitetónica ausente dos registos cartográficos conhecidos, deverá corresponder a uma organização do espaço anterior ao terramoto de 1755, que causou grandes danos na zona. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2019.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Nos níveis mais superficiais da Sondagem 4, também foram encontrados muros e fundações de antigas construções da Quinta do Rouxinol. O mais interessante, contudo, foi o registo de dois níveis de vasa de maré. O mais antigo (mais profundo) incorpora cerâmicas romanas e corresponderá à praia estuarina dessa época. Depois disso, uma espessa camada de areia acinzentada deslizou para o rio e cobriu essa praia, soterrando parte da vegetação ribeirinha ainda evidenciada por alguns caules e raízes. Endurecida com óxidos de ferro, uma pequena escarpa consolidada nessa areia marca a interface com o rio já em época moderna, o que é atestado pela presença de cerâmicas dessa cronologia. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2019.

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

A Sondagem 5 revelou um espesso paredão associado a um piso de terra batida. Este incorpora uma caleira cuja base é formada por lajes de xisto. Destinar-se-ia ao escoamento de águas pluviais. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2019.

Muro identificado na Sondagem 6, provavelmente ligado a uma rampa que facilitava o acesso ao rio. Foto: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Cézer Santos, 2019.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Todas as estruturas e contextos arqueológicos identificados foram devidamente sinalizados e protegidos com manta geotêxtil, para garantir a sua preservação e o desenvolvimento dos trabalhos arqueológicos. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2019.

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

As áreas alvo de sondagem arqueológica em 2019 foram recobertas com areia limpa e sem goma, sobreposta por areia mais grosseira e/ou terra resultante da própria escavação. Esse cuidado visou proteger os vestígios arqueológicos até que se continue a investigação do sítio. Fotos: © Ecomuseu Municipal do Seixal, Jorge Raposo, 2019.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

Perante os resultados das sondagens arqueológicas de diagnóstico realizadas em 2019, a Câmara Municipal do Seixal deliberou alterar a planificação do Parque Urbano do Rouxinol. Assim, a área inicialmente abrangida pelo mesmo será subdividida em duas: 1. Na zona que estabelece a ligação entre a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol e o Moinho de Maré de Corroios, com baixo potencial arqueológico, avançará a obra que concretizará uma primeira fase do parque e permitirá a fruição pública desta área ribeirinha;

2. Na zona que inclui essa olaria e vários outros vestígios arqueológicos, abrangendo uma ampla cronologia da Idade do Cobre à atualidade (quase 5 mil anos), serão criadas condições para continuar a investigação. Um projeto de arqueologia viva e participada garantirá o desenvolvimento dos trabalhos de campo e de gabinete, num processo aberto de partilha constante das ações em curso, dos seus resultados e do conhecimento adquirido com a comunidade local, o meio científico e académico e outros interessados.

Parque Urbano do Rouxinol, a concretizar numa primeira fase entre a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol e o Moinho de Maré de Corroios. A parcela de elevado potencial arqueológico manter-se-á em processo de investigação pluridisciplinar, com o envolvimento da equipa técnica de arqueologia municipal e explorando parcerias científicas da autarquia com universidades e outros agentes locais e regionais.

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6. A Quinta do Rouxinol no presente e no futuro

A prazo, esta estratégia permitirá ajustar um programa de conservação e musealização dos vestígios arqueológicos ainda preservados no subsolo da antiga Quinta do Rouxinol, integrando-os num espaço público mais alargado que respeite essas pré-existências e lhes confira significância na sociabilidade das gerações do presente e das que se seguirão. Assim se constroem e recriam identidades individuais e de grupo, afirmando a originalidade e a diversidade

de um meio físico, de um percurso histórico e de um património cultural e ambiental que distingue o município do Seixal. Essenciais para qualificar o quotidiano das comunidades locais, estes recursos serão também um importante fator de atração para visitantes nacionais e estrangeiros. Contribuirão assim para uma estratégia de afirmação turística responsável, associada a um modelo de desenvolvimento social e económico sustentado.

Faixa ribeirinha do esteiro de Corroios, junto à área urbana cuja toponímia preservou os nomes das Quintas do Rouxinol e do Brasileiro. Integra dois monumentos classificados (a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol e o Moinho de Maré de Corroios), a área onde se instalará a primeira fase do parque urbano projetado e a zona reservada para investigação arqueológica e valorização patrimonial. Fonte: Google Maps, 2019.

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Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

7. Bibliografia e outras fontes

A investigação sobre a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol e a sua integração nos contextos culturais, sociais e económicos da época abriu novas perspetivas de interpretação da região estuarina do Tejo. Permitiu também reavaliar a sua relação com outras realidades regionais, fossem estas da Lusitania ou das restantes províncias do Império Romano.

Dois encontros internacionais realizados no Seixal, em 1991 e 2010, marcaram o diálogo entre especialistas nacionais e estrangeiros e deram origem a duas publicações de referência: as Atas das Primeiras Jornadas sobre Romanização dos Estuários do Tejo e do Sado e, cerca de duas décadas depois, o Seminário e Ateliê de Arqueologia Experimental «A Olaria Romana».

Capa do livro Ocupação Romana dos Estuários do Tejo e do Sado,

Capa do livro Olaria Romana. Seminário Internacional e Ateliê

de G. Filipe e J. Raposo (eds.) (1996).

de Arqueologia Experimental, de C. Fabião, Jorge Raposo, A. Guerra e F. Silva (eds.) (2017). Disponível em bit.ly/2SiGf8F.

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7. Bibliografia e outras fontes

Em atas de outros encontros científicos e em artigos de revistas ou monografias de especialidade, é muito abundante a bibliografia já publicada a propósito da investigação, interpretação e valorização da Olaria Romana da Quinta do Rouxinol. Destacam-se apenas alguns contributos que marcaram fases desse processo, aqui apresentados por ordem cronológica. As fontes citadas nos trabalhos que destacamos remetem para muitos outros, dos mesmos autores e não só, os quais também contribuíram para a construção de conhecimento suportado no sítio arqueológico.

Duarte, Ana Luísa (1990), «Quinta do Rouxinol: a produção de ânforas no vale do Tejo», em Alarcão, A. e F. Mayet, (eds.), Ânforas Lusitanas. Tipologia, Produção, Comércio / Les Amphores Lusitaniennes: Typologie, Production, Commerce, Coimbra e Paris, Museu Monográfico de Conimbriga e Diff. E. de Boccard, pp. 97-115. Raposo, Jorge, Armando Sabrosa, e Ana Luísa Duarte (1995), «Ânforas do vale do Tejo: as olarias da Quinta do Rouxinol (Seixal) e do Porto dos Cacos (Alcochete)», em Trabalhos de Antropologia e Etnologia, Porto, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, 35 (3), pp. 331-352. Duarte, Ana Luísa, e Jorge Raposo (1996), «Elementos para a caracterização das produções anfóricas da Quinta do Rouxinol (Corroios/Seixal)», em Filipe, G., e J. Raposo (eds.), Ocupação Romana dos Estuários do Tejo e Sado, Seixal, Câmara Municipal do Seixal e Publicações Dom Quixote, pp. 237-247. Filipe, G., e Jorge Raposo (2009), Quinta do Rouxinol: Uma Olaria Romana no Estuário do Tejo (Corroios, Seixal) / Roman Kilns in the Tagus Estuary (Corroios, Seixal), Seixal, Câmara Municipal do Seixal, livro-guia de exposição, Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa, 2009-2013, disponível em bit.ly/3cCD3Od.

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Raposo, Jorge (2009), «A olaria tradicional: a propósito de uma exposição de arqueologia», Ecomuseu Informação, Seixal, Câmara Municipal do Seixal, 52, pp. 12-14, disponível em bit.ly/339uSWM. Raposo, Jorge, e A. Oliveira (2010), «Tecnologias de informação e comunicação, património cultural e museologia: a propósito de um dos fornos romanos da Quinta do Rouxinol», em Museologia.pt, Lisboa, Instituto dos Museus e da Conservação, 3, pp. 165-172. Santos, Cézer (2011), As Cerâmicas de Produção Local do Centro Oleiro Romano da Quinta do Rouxinol, Lisboa, dissertação de mestrado em Arqueologia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, disponível em bit.ly/3iaq9bF. Raposo, Jorge (2014), «Arqueologia experimental na Olaria Romana da Quinta do Rouxinol (Seixal): investigação, interpretação, valorização e divulgação patrimonial de um monumento nacional», Movimento Cultural, Setúbal, Associação de Municípios da Região de Setúbal, pp. 81-89. Santos, Cézer, Jorge Raposo, e José Carlos Quaresma, (2015), «Análise Crono-Estratigráfica da Olaria Romana da Quinta do Rouxinol (Corroios, Seixal)», em Contextos Estratigráficos Romanos na Lusitânia: do Alto Império à Antiguidade Tardia, Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, pp. 117-148 (Monografias, 1), disponível em bit.ly/2S4PE3h. Dias, Maria Isabel, e Maria Isabel Prudêncio (2016), «Geochemical fingerprints of Lusitanian amphora production centres: Tagus, Sado, Algarve and Peniche», em Pinto, Inês Vaz, Rui R. Almeida, e A. Martin (eds.), Lusitanian Amphorae: Production and Distribution, Oxford, Archaeopress, pp. 95-103 (Roman and Late Antique Mediterranean Pottery, 10). Quaresma, J. C. (2017), «A dimensão cronológica do ateliê da Quinta do Rouxinol a partir dos materiais


Olaria Romana da Quinta do Rouxinol Corroios

de cronologia fina (terra sigillata, cerâmica africana de cozinha e vidros)», em Fabião et al. (eds.), Olaria Romana: Seminário Internacional e Ateliê de Arqueologia Experimental, Lisboa, UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa / Câmara Municipal do Seixal / Centro de Arqueologia de Almada, pp. 275-306, disponível em bit.ly/2SiGf8F. Raposo, Jorge (2017), «As olarias romanas do estuário do Tejo: Porto dos Cacos (Alcochete) e Quinta do Rouxinol (Seixal)», em Fabião et al. (eds.), Olaria Romana: Seminário Internacional e Ateliê de Arqueologia Experimental / Roman Pottery Works: International Seminar and Experimental Archaeological Workshop, Lisboa, UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa / Câmara Municipal do Seixal / Centro de Arqueologia de Almada, pp. 113-138, disponível em bit.ly/2SiGf8F.

Raposo, Jorge, Cézer Santos, e José Carlos Quaresma (2018), «Ateliê da Quinta do Rouxinol (Baixo Tejo – Lusitania): produção de ânforas, cerâmica comum e imitações de engobe vermelho não vitrificado», em Járrega Domínguez, Ramón, e Enric Colom Mendoza, (eds.), «Figlinae Hispaniae»: Nuevas Aportaciones al Estudio de los Talleres cerámicos de la Hispania Romana (Actas de Congreso, Tarragona, Septiembre 2018), Tarragona, Institut Català d’Arqueologia Clàssica, pp. 2975 (Colección Trama, 6). Raposo, Jorge, Miguel Correia, Michelle Teixeira Santos, e Cézer Santos (2021), «Olaria romana na margem sul do estuário do Tejo: ateliês e produções», em Cardoso, Guilherme e Cristina Nozes (coords.), O Ager olisiponensis: matérias-primas, produtos e o abastecimento à cidade, Lisboa, Caleidoscópio (Coleção Lisboa Romana - Felicitas Iulia Olisipo, vol. 6).

Por fim, um acervo documental importante de fotografias e desenhos de campo e o inventário de parte significativa do espólio arqueológico recolhido na Olaria Romana da Quinta do Rouxinol estão acessíveis no catálogo online do Ecomuseu Municipal do Seixal (bit.ly/3kNitxw). A pesquisa do termo «Rouxinol» em todo o catálogo ou nas coleções de «Acervo móvel e integrado» ou de «Acervo fotográfico» devolvem mais de 300 registos, no primeiro caso, e quase 2400 no segundo. Parte do acervo tem também difusão internacional no portal Europeana (europeana.eu/pt/), em que uma pesquisa pelos termos «quinta rouxinol» dá acesso a mais de 1800 registos de fotos de escavação, de desenhos de campo e de peças. Se essa pesquisa abranger a combinação «arqueologia

experimental seixal», daí resultarão cerca de 400 imagens que registam o seminário e ateliê de arqueologia experimental realizados no Seixal, em 2010. Um vídeo sobre este evento está disponível no YouTube (youtu.be/vFSvOgRvsuY).

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Ficha Técnica Título: Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, Corroios: Um Monumento Nacional no Município do Seixal Edição: Câmara Municipal do Seixal Texto e pesquisa documental: Jorge Raposo, Ecomuseu Municipal do Seixal Design gráfico e paginação: Paulo Simão, Divisão de Comunicação e Imagem Revisão: Ana Valentim, Divisão de Comunicação e Imagem Imagens: arquivos da Câmara Municipal do Seixal e do Centro de Arqueologia de Almada, salvo exceções assinaladas Impressão e acabamento: Estúdios Fernando Jorge 1.ª edição: agosto de 2021 Tiragem: 1500 exemplares ISBN: 978-972-8740-76-4 Depósito legal: 486678/21

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