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Vítimas da guerra.
A voz d’Amora, n.º46, 27.04.1918, p. 2
Despedida de um soldado
Ilustração Portuguesa, n.º 582 (1917)
Seixal: 1914-1918 O outro lado da guerra
Do início do conflito à entrada de Portugal na guerra Nos primeiros dias de agosto de 1914, as potências europeias – inicialmente, Inglaterra, França, Rússia e Sérvia (os Aliados) – opondo-se à Alemanha e à Áustria-Hungria (os Impérios Centrais) envolveram-se num conflito militar, que ficou conhecido como a Grande Guerra. Logo no início das hostilidades, a posição oficial de Portugal era de neutralidade. Contudo, o nosso país enfrentou, a partir de 1914, conflitos militares em Angola e Moçambique, em áreas de fronteira com colónias alemãs. A 23 de fevereiro de 1916, teve início, no porto de Lisboa, a apreensão dos navios alemães e austro-húngaros ancorados nos portos portugueses localizados no continente, nos territórios insular e ultramarino, em África e na Ásia. Quatro dias mais tarde, a comissão executiva municipal do Seixal felicitava o governo de Afonso Costa pela decisão de apresamento dos navios alemães. Por essa altura, uma comunidade de cerca de quatro dezenas de súbditos alemães trabalhavam e residiam em Amora, para além de alguns outros que desenvolviam a sua atividade noutras localidades do concelho.
Antiga Praça da República, localizando-se à direita da imagem o edifício-sede administrativa do concelho e no piso térreo a prisão municipal. © Imagem cedida por Carlos Policarpo.
Retrato de Alfredo dos Reis Silveira. © Imagem cedida por José P. Gonçalves
A situação de neutralidade de Portugal manter-se-ia até 9 de março de 1916, dia em que, na sequência da apreensão dos navios alemães e das respetivas cargas, a Alemanha declarou guerra a Portugal. A partir de 1916, ao mesmo tempo que se procurava defender as antigas colónias portuguesas em África, foi criado o Corpo Expedicionário Português (CEP), que embarcou para a frente europeia em janeiro de 1917. Nos fins de julho, encontravam-se mais de 50 000 militares portugueses na Flandres.
Mais tarde, por ocasião do levantamento militar que teve lugar nesse mesmo ano em Lisboa, contra aquele governo ditatorial – conhecido como a Revolução de 14 e 15 de Maio –, foi organizado um grupo revolucionário em Amora, tendo a comissão executiva municipal apoiado o levantamento militar, através da aquisição de mantimentos destinados aos marinheiros revoltosos a bordo do cruzador Vasco da Gama.
As crises políticas do regime republicano no Seixal O conflito mundial coincidiu com um período conturbado da vida política nacional, que envolveu divisões partidárias, levantamentos militares e golpes de Estado, o que se refletiu a nível local. A 15 de março de 1915, em sessão do senado municipal, Alfredo dos Reis Silveira (presidente da comissão executiva municipal, entre 1910 e 1917) protestou contra o regime ditatorial de Pimenta Machado. O ato esteve na origem do decreto de dissolução da Câmara Municipal do Seixal.
Os dois órgãos que, à época, constituíam a câmara municipal – o senado (órgão deliberativo) e a comissão executiva – eram dominados pelo Partido Democrático, liderado a nível nacional por Afonso Costa, que resultou da cisão, em 1912, do Partido Republicano Português (PRP). No entanto, o Partido Evolucionista (resultante da referida divisão partidária) estava igualmente representado nestes órgãos municipais. Só mais tarde, em 1917, após o golpe de Estado de Sidónio Pais (apoiado pelo Partido de União Republicana, também ele resultante da cisão do PRP) que instaurou uma ditadura militar, a vila do Seixal viu surgir um número considerável de elementos sidonistas e unionistas.
A guerra e a economia local
semanalmente o encontro entre patrões, capatazes e zeladores municipais e uma mão de obra barata e disponível para a contratação de trabalho assalariado.
A economia local assentava sobretudo na agricultura, na indústria e na exploração dos recursos fluviais e marítimos: pesca, criação de ostras, produção de sal e transporte fluvial de pessoas e mercadorias.
Em 1917, o operariado no concelho seria cerca de 26% do número total de habitantes do concelho à época (de acordo com o censo de população do concelho, realizado em 1916, o número total da população ascendia a 8 475). O parque industrial concelhio assentava em três grandes indústrias empregadoras: a vidreira (627 trabalhadores); a corticeira, que distribuía os seus 603 trabalhadores por três unidades fabris; e a têxtil que, com duas fábricas (em Arrentela e Amora), ocupava 477 trabalhadores.
De feição marcadamente rural, o território concelhio era pontuado por antigas quintas de produção agrícola, por vezes associadas a antigos lagares de vinho ou de azeite, e a moinhos de vento ou de maré, por terrenos agrícolas e manchas florestais. Os principais géneros agrícolas cultivados eram as batatas, o feijão, o grão e a fava que, contudo, mal chegavam para suprir as necessidades de consumo, atingindo um preço muito elevado. No que respeita à produção de cereais, em 1916, verificava-se que os cereais panificáveis cultivados no concelho (trigo e milho) eram vendidos a fábricas de moagem de fora do concelho. A cevada e o centeio eram cultivados em pequenas quantidades que não garantiam o consumo do concelho e o seu preço era tão elevado que nem sequer eram adquiridos para venda no município. Em períodos de maior atividade agrícola (como, por exemplo, as colheitas), em que era necessária uma maior intensidade de trabalhadores ou para a realização de pequenas obras de construção civil, recorria-se à «praça de jorna». Em janeiro de 1918, nos adros das igrejas de Aldeia de Paio Pires e de Arrentela, realizava-se
cerca de 10 horas, tinham de se sujeitar ao domingo – único dia regulamentado para o descanso semanal – à prática semanal de exercícios militares, e por vezes tornavam-se faltosos. Este ato de incumprimento era penalizado com sete dias de detenção na cadeia local. Têm chegado às diversas freguesias deste concelho muitos dos mancebos que tinham sido chamados às fileiras por efeito da última mobilização. Todos mais ou menos se ressentem dos exercícios e tratamento a que tiveram de sujeitar-se, precisando alguns de uns dias de repouso para poderem retomar os seus misteres. A voz d’Amora, n.º 3, 19.11.1916, p. 1
A escassez e carestia de matérias-primas e de combustíveis, a diminuição de encomendas devido ao clima de guerra que perturbava os fluxos comerciais e as comunicações terrestres e marítimas levaram ao encerramento ou diminuição de trabalho em fábricas e oficinas (correspondendo a uma redução salarial). O esforço de guerra recorreu ao recenseamento militar de mão de obra masculina empregada nos setores agrícola, comercial e, sobretudo, industrial da economia. O recenseamento dos mancebos era efetuado quando atingiam os 17 anos e a incorporação no ativo realizava-se aos 20 anos. Durante este período de três anos preparava-se o espírito e o corpo com ginástica, jogos desportivos, prática de equitação e de tiro. Esta instrução militar preparatória, realizada aos domingos, assumia um carácter obrigatório. Porém, estes jovens trabalhavam diariamente
A guerra obrigou ainda à requisição de cavalos domésticos para serviço militar, como meio de transporte e combate, afetando a indústria e a agricultura locais. Em 1916, a Companhia das Fábricas de Garrafas na Amora, que tinha organizada a condução de carvão do seu cais para depósito (localizado dentro das fábricas) através de tração animal, vê essa situação comprometida com a mobilização de dois dos seus animais pelo Serviço de Recenseamento de Animais e Veículos da 1.ª Divisão – Lisboa. O serviço de descarregamento do carvão passou a ser garantido com recurso à força braçal dos seus operários, o que originou protestos entre os trabalhadores. Outro setor importante da economia local afetado foi o transporte fluvial de pessoas e mercadorias destinado, sobretudo, a abastecimento dos mercados da capital. Com o aumento de custo do carvão A Quinta da Palmeira, em Aldeia de Paio Pires, foi uma das principais quintas de exploração agrícola do concelho. Desenvolvendo culturas arbóreas, de sequeiro e hortícolas, a propriedade integrava ainda um moinho de maré e marinhas de sal. © Imagem atribuída a Jorge Almeida Lima
Aspeto da construção da ponte ferroviária de travessia entre a Estação Ferroviária do Seixal e a Ponta dos Corvos, no concelho do Seixal. À época, encontravam-se em curso as obras de construção da via que iria estabelecer a ligação ferroviária entre o Barreiro e Cacilhas, complementar ao Caminho de Ferro Sul e Sueste. © Imagem cedida por Carlos Policarpo Praça dos Mártires da Liberdade, localizando-se à esquerda da imagem a Casa dos Pescadores no Seixal. Reprodução de postal do início do século XX. N.º 2280 da Union Postale Universelle.
verificado no início da guerra, o preço das carreiras fluviais a vapor entre o Seixal e Lisboa, em 1915, subiu cerca de 25% para passageiros e 50% para mercadorias, originando os protestos da população mais carenciada do concelho e levando à suspensão das carreiras: Desde março do corrente ano que a Parceria de Vapores Lisbonense suspendeu a carreira que tinha para este concelho há perto de 40 anos. Foram as circunstâncias atuais do estado de guerra que não permitiram a essa empresa continuar a manter tal carreira, devido ao excessivo aumento do combustível e à determinação dos passageiros que passaram a fazer a travessia num pequeno vapor da Empresa Fluvial, a qual reduziu o preço das passagens a 50%. [… Todavia, dada] a pequena tonelagem do vapor empregado, em dias de vendaval ou mesmo de nortada forte é um perigo viajar em tal barco, deixando por isso muita gente de embarcar no Seixal, seguindo uns para Cacilhas e outros por via do Barreiro Informação do administrador do concelho ao Governador Civil de Lisboa, de 14 de maio de 1916.
A crise das subsistências – peixe, conservas e barcos O início da guerra e o elevado grau de dependência externa do país, quer de matérias-primas para a indústria, quer de produtos de primeira necessidade, associados às dificuldades de transporte, deu origem ao acentuado aumento do custo de vida. Procurando controlar a grande carestia de preços, em 1915, foi organizada a comissão reguladora dos preços dos géneros alimentícios do Seixal, e a câmara municipal criou o mercado geral na Praça dos Restauradores, no Seixal, para venda de géneros agrícolas, aves, coelhos, caça e peixe. O peixe, género alimentício muito procurado pelas classes menos abastadas, viu, em 1915, o seu preço aumentado devido à escassez de pescado. Esta falta de peixe para consumo resultava, por um lado, da canalização de uma parte considerável do pescado – sobretudo sardinha, atum e cavala – para a indústria conserveira. Por outro lado, a venda de barcos de pesca de pequena lotação a Inglaterra, para localização e recolha de minas submarinas e arrasto de arame farpado, contribuiu também para a diminuição de peixe disponível para consumo.
Em 1916, estimava-se que a atividade piscatória ocupasse cerca de 350 homens, fazendo o censo da população referência ao crescimento do número de embarcações que, no Seixal, serviam a comunidade marítima, que aumenta de 12 em 1911, para 21 barcos em 1920. A classe marítima encontrava-se então organizada em Associação de Classe Piscatória da Vila de Seixal, Associação de Socorros Mútuos dos Pescadores do Mar Alto Seixalense e Montepio Aliança Operária Piscatória da Vila do Seixal. De igual modo, o setor da construção naval, em atividade no município do Seixal, sofreu o impacto da guerra: Por ordem do Sr. Ministro da Guerra acaba de ser mobilizada a construção naval do Seixal. Dentro em breve devem partir alguns construtores para a Figueira da Foz e outros para diferentes pontos do país. A voz d’Amora, n.º 34, 11.11.1917, p. 2
A guerra irá dar um grande incremento a determinadas indústrias relacionadas com o esforço de abastecimento das tropas envolvidas no conflito, entre as quais se destaca a indústria conserveira. O processo de confeção das conservas conferia aos alimentos um longo período de conservação (devido à esterilização e estanquidade da embalagem), a sua fácil distribuição, acondicionamento e transporte até chegar às tropas em campanha na Europa ou em África.
Seca de bacalhau na Ponta dos Corvos (anos 20 do séc. XX). © Imagem cedida por Laura Senos
A indústria de conservas de peixe surge pela primeira vez no concelho pela mão da empresa Fonseca, Roque & C.ª, em 1917, que instala uma fábrica de conservas de peixe em azeite no sítio das Cavaquinhas, freguesia de Arrentela. Nesse mesmo ano, uma nova fábrica, propriedade da empresa Almada & Pólvora, estabelece-se na freguesia do Seixal. Em 1918, às fábricas em laboração vieram-se juntar as empresas Costa, Lda. com fábrica de preparação de conservas de peixe Perseverança, na freguesia de Amora, e Ricardo, Justino & C.ª, em Arrentela. A indústria conserveira encontrava-se dependente de matérias-primas secundárias importadas do exterior (folha de Flandres para as latas, chumbo e estanho, azeite e óleos), que tiveram a sua importação dificultada devido aos constrangimentos dos transportes em tempo de guerra. À época, o bacalhau era uma importante fonte alimentar da população portuguesa. Em 1917, a Sociedade Nacional de Pesca, Lda. e a Parceria Portuguesa de Pescarias, Lda. tinham instaladas as suas secas de bacalhau, respetivamente, na Praia do Alfeite e na Ponta dos Corvos onde, entre os meses de outubro e março, se procedia à preparação, à ma-
Grupo de operários associados da Cooperativa de Panificação e Consumo da Companhia de Lanifícios de Arrentela, Lda. © Imagem cedida por Virgínia Ferreira
Padaria 5 de Outubro - Publicidade a estabelecimento de panificação. A voz d’Amora, n.º 24, 18.06.1917, p. 3
turação pelo sal e à secagem do bacalhau estendido ao sol.
O pão para amanhã – Desde que principiou a guerra, temos visto que de ano para ano tem crescido a falta de produtos alimentícios de primeira necessidade, tais como o pão, a batata, as carnes, as hortaliças e outros produtos [cereais panificáveis, açúcar, arroz].
Porém, a situação de guerra marítima e submarina colocou em perigo a aquisição e a importação do pescado proveniente dos mares do Norte.
A crise das subsistências – a falta de pão A subida do preço dos géneros alimentares e, em particular, a falta de pão, desencadearam movimentações populares, greves, motins e assaltos a estabelecimentos comerciais, reprimidos de forma violenta pelas autoridades locais. Com o objetivo de melhorar a qualidade do pão, principal alimento da população mais carenciada e das classes trabalhadoras, na sequência do Decreto n.º 2757, de 7 de novembro de 1916, a administração do concelho decide colocar provisoriamente à venda um único tipo de pão de 2.ª qualidade, a preço mais baixo. Contudo, uma vez que algumas padarias do concelho se recusaram a cozer este tipo de pão, este género alimentar continuou a escassear no concelho.
A voz d’Amora. 2.º ano, n.º 45, 1918, abril, 14, p. 2
Dadas as dificuldades socioeconómicas, assistiu-se à tomada de medidas de iniciativa privada para atenuar a falta de pão entre as classes laboriosas. Tal foi o caso dos trabalhadores da fábrica da Companhia de Lanifícios de Arrentela que com o apoio da empresa, em 1916, resolveram organizar uma cooperativa de consumo, visando o fabrico e venda de pão ao pessoal da firma – a Cooperativa de Panificação e Consumo. Outros casos houve em que os operários se organizaram em cooperativas ou procuraram manter as já existentes, propondo-se a venda aos seus associados de géneros de consumo, fazendas e calçado. Em 1916, funcionavam no concelho a Cooperativa de Consumo União Amorense (freguesia de Amora); a Caixa Económica Arrentelense Cooperativa de Consumo (freguesia de Arrentela);
a Cooperativa de Consumo 29 de Junho de 1895 e a Cooperativa de Consumo 31 de Janeiro de 1911 (freguesia do Seixal).
A crise das subsistências – tensões e conflitualidade A experiência da guerra veio alterar o quotidiano da população e agudizar os problemas socioeconómicos e as já difíceis condições de vida da população portuguesa, o que potenciou tensões e conflitualidades, dando origem a um clima de tensão política e a uma forte agitação social, que se refletiu na organização de greves operárias. A crise de subsistências encontra-se, na história do concelho, associada a dois importantes momentos que deram origem a tumultos populares, o primeiro dos quais teve lugar no final de 1915, quando o aumento do valor de custo atribuído ao pão (aprovado pela comissão de subsistências do concelho) levou a enérgicos protestos da população na vila do Seixal. Na sequência desse aumento, grupos de populares deslocaram-se à sede administrativa do concelho para protestar contra o aumento do pão e de vários géneros de primeira necessidade. Após reclamarem frente ao edifício municipal, os populares seguiram para a sede da Associação Comercial e Industrial do Concelho do Seixal (na Praça Luís de Camões, Seixal), entidade com representante na comissão reguladora dos preços dos géneros alimentícios do concelho: Pelas 7 horas de hoje tive conhecimento de que a freguesia de Arrentela não queria acatar o que se tinha resolvido, mas como o preço que se tinha estabelecido para o pão era muito barato em qualquer outro dos concelhos limítrofes (…). Seriam 11 horas o povo de Arrentela, acompanhado dalguma gente da Aldeia de Paio Pires e Amora, em grande vozeria contra a autoridade e outras, chamavam que queriam o pão mais barato, e que não podiam viver da forma que os géneros de 1.ª necessidade constavam (…) mas nada atenderam e percorrendo as
padarias, só fizeram basculho e contentavam-se em contar as sacas de farinha, convencendo-me que nada de extraordinário houvera. Seriam 13 horas quando tive conhecimento que fora assaltada a sede da Associação Comercial e que todo o mobiliário fora partido e queimado, bem como toda a escrituração (…). A força militar chegou às 19 horas, a vila está em sossego. Informação do administrador do concelho ao Governador Civil de Lisboa, 7 de dezembro de 1915.
Mais tarde, a falta de cereais e a carestia do pão estiveram mais uma vez na origem de um período particularmente agitado, que se desenrolou ao longo do primeiro semestre de 1917. Procurando evitar os açambarcamentos, no princípio do ano as autoridades administrativas locais procederam ao arrolamento de cereais existentes em armazém nas principais quintas e moinhos do concelho: Quintas da Palmeira, da Princesa, do Outeiro, das Cavaquinhas, Quinta do Cabral, da Boa Hora e de Vale da Carros, e ainda nos celeiros dos portos da Raposa. No dia 21 de fevereiro, por lhes constar que ali existia uma grande quantidade de cereais, os operários da Mundet invadiram a Quinta dos Franceses, contígua à fábrica. A população exaltada pela falta de pão juntou-se a este movimento, reunindo-se cerca de 1000 pessoas que ameaçavam invadir as outras quintas. Na Quinta das Cavaquinhas, em Arrentela, apesar do caseiro ter garantido não existir mais que o milho necessário para semear, a adega foi assaltada e dentro dos tonéis foi encontrada uma grande quantidade de milho e de feijão, o que provocou a indignação popular. No dia seguinte, chegaram reforços de forças da Guarda Republicana, conseguindo assim reprimir a revolta popular. Entre os dias 19 e 21 de maio de 1917, mantendo-se a carestia de vida, a escassez de alimentos e a falta de trabalho nas fábricas, os operários e a população reagiram com assaltos a quintas, mercearias e armazéns em Lisboa e no Porto. Estes protestos tiveram também a sua repercussão na vila do Seixal, tendo sido assaltados os estabelecimentos comerciais de João Aleixo Júnior e Augusto Alves Dinis. Este movimento ficou conhecido como a Revolta da Batata.
A situação – Artigo crítico sobre as dificuldades vividas no concelho. A voz d’Amora, n.º 22 , 20.05.1917, p. 2
Na sequência destes tumultos e assaltos, no dia 21 de maio, foram presos 34 indivíduos do sexo masculino, tendo as autoridades determinado a suspensão das garantias constitucionais. Suspendiam-se assim os direitos de reunião, de associação ou de expressão de pensamento, instaurando-se a hora de recolher obrigatório para todos os cidadãos e o encerramento dos estabelecimentos comerciais às 21 horas. No dia seguinte, apesar da ordem já se encontrar restabelecida, apresentou-se uma força de 100 praças da marinha, 50 praças de cavalaria do exército e, na Baía do Seixal, ancoraram dois torpedeiros, um vapor do Arsenal e a canhoneira Limpopo, ao comandante da qual foram entregues os presos, principais incitadores e participantes nos tumultos, na sua maioria, operários. Entre os detidos, encontrava-se o editor do jornal A Voz d’Amora, Manuel Saraiva de Carvalho. Este periódico local tinha publicado, a 20 de maio, um artigo, intitulado «A situação», sobre a falta de pão no concelho e as reivindicações populares de mobilização dos seis moinhos locais para não farinarem para fora, enquanto houvesse cereais nos produtores do concelho. Este artigo foi considerado um dos principais incitadores à revolta popular. Nas declarações de Afonso Costa à Câmara dos Deputados, a 22 de maio de 1917, o presidente do Ministério (cargo correspondente ao do atual de primeiro-ministro) afirmava que, por essa altura, a ordem em Lisboa parece completamente restabelecida desde ontem à noite (…).
Fora de Lisboa houve ontem alguns assaltos a mercearias em Cascais, Carcavelos e Amadora que foram rapidamente sufocados e um pouco mais graves e demorados na Alhandra para onde seguiu uma força de Santarém que os reprimiu, no Seixal onde terminaram com a prisão dos organizadores e no Barreiro onde a ordem está já quase completamente restabelecida. Contudo, a ocupação militar da sede do concelho prolongou-se durante 8 dias. Durante o período da Grande Guerra, as reivindicações operárias pelo aumento dos salários, por melhores condições de trabalho, pela redução do horário de trabalho e pelo descanso semanal tornaram-se um fenómeno recorrente, sobretudo entre as grandes empresas empregadoras do concelho do Seixal. Na Companhia das Fábricas de Vidros de Amora, considerada o maior elemento de riqueza local, a qual chegou a produzir o suficiente para abastecer o mercado nacional (o qual consumia cerca de catorze milhões de garrafas e cem mil garrafões), a partir de 1917 as encomendas começaram a escassear. Terminada a guerra, em 1918, devido à quebra das vendas, a empresa viu-se na contingência de rever as tabelas salariais dos seus trabalhadores. Esta decisão fez com que os operários declarassem greve, tendo as fábricas paralisadas sido ocupadas por forças militares. A greve, que se prolongou por mais de seis meses, determinou em grande parte o encerramento definitivo da fábrica no concelho. O ano de 1918 foi marcado por movimentos grevistas dos operários corticeiros e dos descarregadores da empresa
L. Mundet & Son, Inc. pelo aumento dos salários, o que levou à interrupção da laboração das suas fábricas. Na sequência desta greve dos descarregadores, a empresa resolveu despedir 17 trabalhadores e foram efetuadas diversas prisões de indivíduos considerados perigosos dado serem anarquistas e professarem «ideias de bolcheviquismo». Esta situação esteve na origem da formação da Associação de Classe dos Operários Descarregadores de Mar e Terra da Vila do Seixal, em 1919.
A pneumónica e outras doenças Associada às perturbações políticas e sociais, à guerra e ao crescimento de concentração urbana, a gripe espanhola atacou generalizadamente o país, atingindo uma população faminta e enfraquecida, sujeita a condições insalubres de habitação e deficiente abastecimento de água, cuja principal causa de morte era, em condições normais, a tuberculose e as ocasionais epidemias de tifo, cólera e varíola. Com a inauguração, a 17 de outubro de 1915, da delegação da Cruz Vermelha, no Seixal, ficou a seu cargo a prestação de assistência cirúrgica e de consultas médicas gratuitas à população mais carenciada. Natural da Golegã, o Dr. Joaquim Salinas Antunes desenvolveu a sua atividade profissional no concelho do Seixal (entre 1914 e 1917), fazendo ainda parte da direção da delegação da Sociedade Trabalho de aprendizes junto ao forno de fusão do vidro, na Fábrica de Garrafas de Vidro da Amora. Reprodução do catálogo da Empresa da Fábrica de Vidros nas Lobatas. Amora. Lisboa: Tip.«A Editora»,1908.
Edifícios da Quinta da Trindade, no Seixal. © Imagem cedida por Carlos Policarpo Marco fontanário no Largo dos Restauradores, no Seixal, 2013.
Portuguesa da Cruz Vermelha do Seixal. Em 1917, apesar de liderar a comissão de instalação do hospital militar da Cruz Vermelha Portuguesa, na Junqueira – Lisboa, foi mobilizado, tendo-se ausentado para França, onde cumpriu serviço como major médico miliciano, ao serviço da Cruz Vermelha Portuguesa. Com o início da participação portuguesa no conflito armado, médicos e farmacêuticos locais foram requisitados para o serviço militar. Dos quatro médicos que o concelho dispunha no início do conflito, a assistência médica do concelho, a partir de 1918, ficou reduzida a um único médico que acumulava as funções de subdelegado de saúde municipal, o Dr. Álvaro Roxanes de Carvalho, o qual prestava cuidados médicos a uma população concelhia estimada em 8 475 pessoas.
Em agosto de 1918, a Junta de Freguesia de Arrentela advertia sobre a necessidade de ampliar o cemitério daquela localidade, que quase não comportava mais sepultamentos. No final desse mesmo ano, no concelho do Seixal, a pneumónica afetara um elevado número de doentes. A epidemia – Vai felizmente muito melhor, o estado sanitário desta freguesia [Amora], que como em toda a parte, a epidemia da pneumónica também assentou arraiais até com grande intensidade. Os atacados foram mais de 1000, e o obituário subiu felizmente só a 46 neste mês e meio de peste. Neste número estão incluídos grande número de tuberculosos. A voz d’Amora, n.º 57, 17.11. 1918, p. 2
Em maio de 1918, foi declarada uma epidemia gripal severa que rapidamente se propagou a Portugal. A situação de guerra ajudou à transmissão da doença, acompanhando as deslocações de homens e provisões ao longo das linhas de abastecimentos e frentes militares. Outra epidemia? – Desde 6.ª feira de manhã que Lisboa se encontra de novo num verdadeiro sobressalto. Ao que parece trata-se de uma nova epidemia cujos sintomas são: nódoas vermelhas no rosto seguidas de prurido violento e de diarreia.
Epidemia – Infelizmente também nesta vila [Seixal] se têm dado casos da terrível epidemia que vai alastrando por esse mundo fora, alguns dos quais fatais. Desde o dia 16 a 30 de outubro, 35 óbitos. São incansáveis e dignos todos os louvores o Exmo. Sr. Dr. Roxanes de Carvalho, subdelegado de saúde deste concelho, e o Sr. António Bossa, farmacêutico, insuficientes devido ao grande número de doentes que atualmente existe. A voz d’Amora, n.º 57, 17.11. 1918, p. 2
A voz d’Amora, n.º 50, 16.06.1918, p. 3
Uma vez que o concelho do Seixal possuía poucos recursos no campo da saúde, o edifício da Quinta da Trindade, localizado nos arrabaldes da antiga vila e próximo do antigo cemitério, foi requisitado para ali se montar um hospital de campanha. Simultaneamente, de modo a agilizar o auxílio médico a prestar à comunidade, a autoridade administrativa do concelho requisitou os automóveis existentes no município para rápida deslocação do subdelegado de saúde. Aos produtores de leite da Quinta das Cavaquinhas e da Quinta dos Franceses foi solicitado o fornecimento de parte da sua produção, que diariamente era canalizada para os mercados de Lisboa, para suprir a falta de leite a fornecer ao elevado número de epidemiados do concelho. Entre as medidas profiláticas, aconselhava-se a aplicação de cataplasmas de linhaça nos pacientes, o que estará na origem da requisição de 300 kg de linhaça para tratamento dos epidemiados. O número de doentes da epidemia gripe pneumónica no concelho é superior a 400 pessoas, e as farmácias não têm linhaça, apesar de requisitarem aos seus fornecedores Solicitação do administrador do concelho ao diretor geral de Saúde – Lisboa, 22 de outubro de 1918.
Com aplicação na indústria farmacêutica, sobretudo para a preparação de xaropes, o açúcar era um produto neces-
Oficina de empalhação de garrafas e garrafões em Amora. Nesta, como noutras indústrias, a mão de obra feminina era bastante numerosa. Reprodução do catálogo da Empresa da Fábrica de Vidros nas Lobatas. Amora. Lisboa: Tip.«A Editora»,1908.
sário para consumo público e industrial. Muito procurado para abastecimento de casas comerciais e cooperativas locais, a sua falta e carestia de preço foi particularmente sentida pela população operária, cuja refeição de manhã era muitas vezes constituída exclusivamente de café. As dificuldades de abastecimento deste produto, recorrentes ao longo de todo o período do confronto mundial, ultrapassam mesmo o final da guerra. Em outubro de 1919, foi restringida a venda a 500 gramas de açúcar por pessoa. Produto essencial para garantir as condições mínimas de desinfeção e higiene pessoal, o sabão foi um dos produtos mais carenciados, vendido a um preço muito elevado. Dada a inexistência de infraestrutura de distribuição de água ao domicílio, para o abastecimento de água às populações, recorria-se a poços e a fontanários. Porém, o abastecimento de água podia tornar-se deficiente ou mesmo perigoso devido a poços destapados, onde muitas vezes a água era tirada a balde, tornando-se imprópria para consumo. Esta situação, associada ao despejar de águas e lixos nas ruas públicas das povoações, estiveram, eventualmente, na origem de focos de infeção e doença. Em 1915, a Câmara Municipal do Seixal, beneficiando da concessão de uso de água de um poço privado para consumo público, foi responsável pela construção do marco fontanário – erigido em pilar de tijolo, encimado por vaso de louça branca, vidrado (produção da Fábrica da Viúva Lamego, em Lisboa) –, que ainda hoje pode ser observado no Largo dos Restauradores, no Seixal. Como era ha-
bitual noutras estruturas semelhantes, o fontanário encontrava-se munido de púcaro (afixado, por corrente metálica, ao pilar do fontanário) para saciar a sede de quem passava na rua. Todavia, esta prática constituiu um meio de propagação de doenças entre as várias pessoas que utilizavam o mesmo púcaro para beber água. Com o fim da guerra e o regresso dos soldados, tornou-se necessário tomar novas medidas preventivas: Por ordem superior, todos os indivíduos que há pouco regressaram do norte, onde estiveram mobilizados, têm de ser submetidos, durante 12 dias, a uma observação médica, em virtude de grassar com alguma intensidade, em algumas localidades onde permaneceram, a epidemia de tipo exantemático. Em vista, pois, da ordem acima referida mandei apresentar nesta administração no dia 11 do corrente, os indivíduos que regressarem a este concelho, para se apresentarem em casa de V. Exa. [residência do subdelegado de saúde municipal], a fim de serem observados Correspondência do administrador do concelho ao subdelegado de saúde, de 9 de abril de 1919.
Quando se considerou extinta a epidemia pneumónica no concelho, surgiram ainda alguns casos de broncopneumónica associada a surtos de tifo e varíola, combatidos através da vacinação e revacinação obrigatória. A partir de final de 1918, deixou de ser permitido aos estabelecimentos fabris do concelho a admissão de pessoal sem a apresentação de certidão de vacinas atualizado.
Tempos de mudança: a substituição de homens pelo operariado feminino nas oficinas De acordo com a Estatística Industrial, realizada em 1917, o concelho do Seixal dispunha de 11 estabelecimentos industriais, empregando 1750 trabalhadores. Entre o operariado, contavam-se 631 mulheres (37,3%), nenhuma das quais possuía a categoria de mestre. Esta mão de obra para a indústria incluía 27% de operários menores, sendo que 44% do total eram trabalhadoras menores do género feminino. A mobilização militar dos operários obrigou à sua substituição por mão de obra feminina nas oficinas. A introdução de mulheres nas oficinas, sem a formação ou a experiência que as tarefas industriais exigiam, refletiu-se num aumento de acidentes de trabalho. Prevendo-se a falta de homens devido à mobilização para a guerra, começou a instrução de mulheres [na Companhia das Fábricas de Garrafas de Amora] para diversos serviços que até aí eram confiados exclusivamente a homens. As duas raparigas que a companhia está a formar como torneiras [profissão de torneiro mecânico] são consideradas as primeiras portuguesas a dedicarem-se à instrução metalúrgica. A voz d’Amora, n.º 21, 6.05.1917, p. 2
Na fábrica da Companhia de Lanifícios de Arrentela, verificou-se a tentativa de substituição de mão de obra em tarefas habitualmente executadas por homens, reduzindo assim as despesas com o pessoal, dado que o operariado feminino e menor de idade exercia as mesmas tarefas mediante um salário mais baixo.
Tempos de mudança: o «inimigo» cá dentro A colónia alemã residente no concelho do Seixal era, em 1911, constituída por 38 alemães, mestres vidreiros da Companhia das Fábricas de Garrafas de Amora, e respetivas famílias. Para além das casas de habitação, o bairro operário dos alemães, em Amora, integrava uma escola e um clube. Esta colónia alemã participava na vida local, cooperando na atividade das coletividades culturais e desportivas. Em vésperas da publicação do Decreto n.º 2350, de 20 de abril de 1916, que determinou a expulsão dos súbditos alemães e austro-húngaros, aos quais são dados cinco dias para saírem do país, a maioria dos alemães residentes em Amora procurou refúgio em território espanhol. Banidos do país, acompanhados por esposas e filhos menores, os seus bens, colocados sob administração portuguesa, foram inventariados e vendidos pela Intendência dos Bens dos Inimigos, entidade que superintendia a administração dos bens. Para os impossibilitar de participar no esforço de guerra, os homens
com idade para cumprir serviço militar (entre 16 e 45 anos), foram aprisionados em campos em território nacional. Esta situação afligiu outras indústrias e famílias residentes no concelho. Ernest Jeremias, súbdito alemão e proprietário de fábrica de cortiça instalada na Quinta de D. Maria, no Seixal, viu-se obrigado a sair do país, tendo acabado por entregar a sua propriedade à C.G. Wicander, empresa corticeira de origem sueca, com unidade industrial instalada na mesma quinta. Outro exemplo é o da família Orey, fundadores da empresa Orey & C.ª, com atividade de transportes de pessoas e mercadorias, e descendentes de um exilado alemão que se instalara em Portugal 65 anos antes. O chefe de família viu-se forçado a ausentar-se para Espanha, tendo os seus três filhos permanecido em Portugal. Um dos filhos, Waldemar d’Albuquerque d’Orey, residente na Quinta Grande, em Arrentela, encontrava-se, à época, a cumprir serviço militar na 10.ª Companhia do Regimento de Infantaria, quando viu revogada a sua nacionalidade portuguesa. Comparando os censos da população portuguesa, verifica-se que, em 1911, os alemães – a maior parte dos quais, como referimos, residentes na freguesia de Amora – representavam cerca de 26% do total de estrangeiros residentes no concelho, enquanto no período do pós-guerra, em 1920, não se regista um único cidadão alemão residente no território concelhio.
Tempos de mudança: os nossos lá fora Longe de casa, na frente de guerra, os soldados estavam sujeitos a grandes dificuldades logísticas e de comunicações, sendo as condições de vida nas trincheiras particularmente penosas, dado as difíceis condições climáticas e sanitárias a que estavam sujeitos. Face à guerra e dado não existirem à época associações de beneficência no concelho, surgiram organizações concelhias – nas fábricas, nas associações e sociedades filarmónicas locais – para auxílio aos soldados e prisioneiros de guerra, viúvas e órfãos necessitados. A solidariedade para com os militares e famílias manifestou-se sobretudo na organização de quermesses em festas patrióticas, cujo produto reverteu para a constituição de um fundo de auxílio a favor dos filhos dos mobilizados. Para a frente europeia foram enviados alimentos, agasalhos, jornais, livros e revistas para apoiar e animar os soldados. Em vésperas da Batalha de La Lys, na Flandres, sem reforços e sem repouso, as tropas portuguesas apresentavam evidentes sinais de desgaste. A 9 de abril de 1918, no momento de rendição por tropas britânicas, iniciou-se uma vasta ofensiva alemã que destroçou as tropas do CEP, resultando num grande número de baixas e de prisioneiros. Mortos pela Pátria – Por notícias particulares recebidas de França, notícias aliás que não tiveram ainda confirmação oficial, soube-se terem morrido nos últiBairro operário dos vidreiros alemães, em Amora. © Imagem cedida por Amélio Cunha Bens dos inimigos. A voz d’Amora, n.º 19, 05.11.1916, p. 2
Campo de prisioneiros. Ilustração Portuguesa, n.º 669, 16 de dezembro de 1918. Deslocação de tropas portuguesas para a frente de batalha. Corpo da banda da Sociedade Filarmónica da União Seixalense numa arruada, no Seixal. © Imagem cedida por Matias Lucas
mos combates alguns dos mobilizados d’esta freguesia. A confirmar-se tal, seriam eles: Armindo Rocha João Alminhas Manuel Diniz Alfredo Augusto dos Santos Das restantes freguesias deste concelho, parece que mais alguns morreram também pela mesma ocasião, aguardando-se no entanto a confirmação oficial feita pelo Quartel do CEP em Lisboa. Oxalá pudessem ser dissipadas tantas e tantas dúvidas, que tantas e tantas lágrimas terão causado. A voz d’Amora, n.º 48, 19.05.1918, p. 3
Dados como mortos na batalha, só mais tarde foi confirmado, pela comissão de prisioneiros de guerra, o aprisionamento de dez militares naturais do concelho do Seixal, que ingressaram nos campos de prisioneiros de Dülmen, Friedchsfeld e Münster II, em território alemão. Atualmente, em Amora, perpetua-se a memória de prisioneiros do concelho terem sido auxiliados no seu infortúnio por alguns
dos antigos mestres vidreiros alemães, então a cumprir serviço militar nos campos de prisioneiros, em território alemão. O armistício que pôs fim ao conflito, que se prolongara por quatro longos anos, foi assinado a 11 de novembro de 1918. Na sua sequência e do tratado de paz, em 1919 deu-se o regresso dos soldados.
O jornal A Voz d’Amora: as notícias da frente de guerra… e as notícias de casa O único jornal local, A Voz d’Amora, em atividade entre 1916 e 1919, debateu-se com graves problemas relacionados com a carestia da mão de obra e, com falta de matéria-prima, entre outras dificuldades relacionadas com a censura prévia das notícias. A censura procurava manipular a informação quer no que diz respeito às no-
tícias dos acontecimentos relacionados com as operações de guerra e com as condições das tropas portuguesas na frente, quer no que se reportava às notícias nacionais e locais que se considerassem desfavoráveis à mobilização da opinião pública a favor da guerra. A partir de 1916, sujeitam-se todos os periódicos, outros impressos e desenhos publicados à censura preventiva. Em novembro desse mesmo ano, tem início a atividade da comissão de censura do concelho. A correspondência pessoal entre os soldados e as famílias era também visadas pela censura: Portugal na Guerra. Nota oficiosa – Continuando a aparecer na censura postal numerosíssimas cartas extensas para prisioneiros de guerra portugueses na Alemanha, apesar das frequentes recomendações em contrário, previnem-se os interessados de que não seguirão ao seu destino a correspondência que constem de mais de duas páginas de papel de carta, de 16 linhas cada uma.
Serão ainda retiradas as cartas que em vez de se limitarem a tratar de assuntos familiares, se ocupem de assuntos económicos, políticos e militares. A voz d’Amora, n.º 56, 01.09.1918, p. 2
O armistício, o regresso dos soldados e a construção da memória de guerra A vitória aliada – Causou aqui grandes manifestações, a vitória aliada e a assinatura do armistício. No dia em que aqui se recebia a notícia dada pelo Diário de Notícias, queimaram-se muitos foguetes, e no dia seguinte todas as agremiações de classe, recreio, consumo e muitas casas particulares, apareceram embandeiradas, o que davam à nossa terra um belo aspeto e contentamento, pois que já a todos nós nos metia terror ver a permanência de bandeiras a meia adriça pelas vítimas da epidemia. No dia 11 apesar de aqui ter chegado cedo a notícia de que fora assinado o armistício, só à noite foram queimados muitos foguetes. Na manhã de terça-feira apareceram de novo embandeirados os mesmos edifícios, com exceção do Clube Amorense que, como noutro lugar noticiámos se encontrava selado, e alguns barcos. As fábricas na sua maioria não trabalham. Pelas 9 e meia da noite, saiu da sua sede a Filarmónica Amorense que percorreu as ruas desta localidade ao som da
«Portuguesa», seguida de muito povo, que freneticamente dava diversos vivas, enquanto subiam ao ar muitos foguetes. Também em Arrentela e Paio Pires se deram idênticas manifestações, segundo nos comunicam os nossos solícitos correspondentes.
municipal deliberou atribuir à avenida marginal que dava acesso à antiga estação de caminhos de ferro (atual terminal dos barcos que fazem a ligação à capital), a denominação toponímica de Nove de Abril. Após a revolução democrática de Abril de 1974, a sua designação foi alterada para Avenida MUD-Juvenil.
A voz d’Amora, n.º 57, 17.11.1918, p. 2 A este concelho, regressaram com saúde, felizmente, todos os seus filhos que foram chamados a defender o Direito e a Liberdade, ameaçados pela opressão e tirania. Carta à Junta Patriótica do Norte, emitida pela comissão administrativa municipal do Seixal, em agosto de 1919.
No total, Portugal perdeu 7 760 homens, a que se somam mais de 16 000 feridos e mais de 13 000 prisioneiros e desaparecidos. Os registos oficiais militares, no que se refere a naturais do concelho do Seixal, contabilizam o falecimento de Nascimento de Almeida, 1.º Grumete – Batalhão Expedicionário do Sul de Angola, natural do Seixal, falecido em Angola, em 1915, de pneumonia; e de Raúl Gomes, 2.º sargento da artilharia da costa, natural de Aldeia de Paio Pires, faleceu na Flandres, em 1918, vítima de meningite. Muitos soldados, na sequência de ferimentos de guerra (gaseados, estropiados, entre outros), terão falecido após a desmobilização. Porém, não constam das estatísticas oficiais. Em homenagem aos combatentes na Batalha de La Lys, em 1919, a comissão
Mais tarde, em 1934 foi inaugurado o Monumento aos Combatentes da Grande Guerra, padrão em pedra erigido no jardim público do Seixal, em honra de todos os seixalenses que viram os seus quotidianos e vidas afetados em consequência da 1.ª Grande Guerra. A investigação acerca dos seixalenses que combateram na 1.ª Guerra Mundial encontra-se em curso, pelo que ainda desconhecemos o número total de munícipes mobilizados e deslocados para as frentes do conflito, na Europa e em África. Contudo, o estudo realizado permitiu apurar que o município do Seixal participou no esforço de guerra com 46 homens, naturais do concelho, os quais foram abruptamente apartados das suas famílias e retirados às suas tarefas diárias nos campos, nas oficinas ou na faina do rio. Porém, as repercussões do conflito também se fizeram sentir na política e nos aspetos sociais e económicos do município, alargando os seus efeitos a toda uma comunidade concelhia atormentada no seu quotidiano pelas adversidades e privações vividas durante este período. Caso disponha de informações sobre este tema, partilhe-as com o Ecomuseu Municipal do Seixal. Contacte-nos através de email: ecomuseu@cm-seixal.pt; ou por telefone: 210 976 112. Festa de Vitória em Londres.
Bibliografia e fontes Fontes Copiador de correspondência expedida pelo Administrador do Concelho do Seixal, janeiro de 1914 a agosto de 1919. Arquivo Municipal do Seixal, ACS/D/B/01 – Lv.061-074. Atas das Sessões da Câmara Municipal do Concelho do Seixal, julho de 1914 a novembro de 1919. Arquivo Municipal do Seixal, CMS/B/A. Lv.014-016. Boletins individuais dos militares do CEP, 1914-1918. Arquivo Histórico Militar, PT/AM/DIV/1/35A.
Bibliografia «A questão do peixe - o relatório da comissão parlamentar». O Mundo. N.º 5444 (6 de setembro de 1915) p.2. «A questão do peixe - o relatório da comissão parlamentar». O Mundo N.º 5445 (7 de setembro de 1915) p.1 e 3. A voz d’Amora. Prop. Manuel Saraiva de Carvalho; dir. Damião Valdez Mendes. A. 1, n.º 1 (nov.1916) – A. 4, n.º 77 (dez.1919). Amora: Manuel Saraiva de Carvalho, 1916 - 1919. A voz d’Amora. Ed. Messias Soeiro. Comissão Promotora da Homenagem às Exmas Famílias Amorenses Carvalho e Gomes Duarte. Alfredo da Silva, Guilherme O. Costa Almeida, Júlio Felisberto Ramalhete, Messias Soeiro. Amora: Sociedade Filarmónica Operária Amorense . Número único (28 de junho de 1969). Correio do Seixal: jornal evolucionista. Propr. e dir. Ribeiro de Carvalho. A.1, n.º 1 8 mar. 1913) – A.1, n.º 24 (ago. 1913). Seixal : José de Sousa Pereira, 1913. Estatística Industrial. 1917. Boletim de Trabalho Industrial. Lisboa. N.º 116 (1926). A imprensa local. Ecomuseu Informação. Seixal. [Nº 10] (Jan/Fev/Mar 1999) p. 4-5. PEREIRA, José Pacheco - As lutas operárias contra a carestia de vida em Portugal: a greve geral de Novembro de 1918. 2.ª Ed. Porto : Nova Crítica, 1976.
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Webgrafia GENEALOGIA FB - Genealogia FB: repositório de recursos e documentos com interesse para a genealogia: Boletins Individuais de militares do CEP - Sargentos & Praças [em linha]. S.l.: Genealogia FB, act. 2016. [consult. a 27 de maio de 2015]. Disponível em http://genealogiafb. blogspot.pt/2015/05/boletins-individuais-de-militares-do_29.html>. LOPES, Carlos Alves – Momentos de história: prisioneiros de guerra [em linha]. S.l.: Carlos Alves Lopes, act. Junho 2016. [consult. a 31 de março de 2015]. Disponível em http://www.momentosdehistoria.com/MH_04_03_Coragem.htm>. COMISSÃO NACIONAL PARA AS COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA – Centenário da República: 1910-2010. A 1ª República. Ano 1914 [em linh]. Lisboa : CNCCR, act. 2010. [consult. a 31 de março de 2015]. Disponível em http://centenariorepublica.pt/escolas/ cronologia-1-republica/1914>.
Ficha técnica Título: Seixal 1914-1918: O outro lado da guerra Fontes: Arquivo Histórico Militar Arquivo Municipal do Seixal Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra Biblioteca Nacional de França Biblioteca Nacional de Portugal Centro de Informação Geoespacial do Exército Ecomuseu Municipal do Seixal/ /Centro de Documentação e Informação Hemeroteca Municipal de Lisboa Agradecimento especial: Hemeroteca Municipal de Lisboa