[ FICHA TÉCNICA ]
TERRAS DE ANTUÃ REVISTA DE PUBLICAÇÃO ANUAL Nº12 | ANO 12 | NOVEMBRO DE 2018
DIRETORA Rosa Maria Rodrigues EDITOR Câmara Municipal de Estarreja IMPRESSÃO E ACABAMENTO Greca - Artes Gráficas TIRAGEM 500 Exemplares IMAGEM DE CAPA Cine-Teatro de Estarreja (pormenor) PROJETO GRÁFICO Câmara Municipal de Estarreja | GCRPT ISBN 1646-8562 DEPÓSITO LEGAL 267394/07 Os artigos publicados neste número são da responsabilidade científica e ética dos seus autores bem com o respeito pelo acordo ortográfico em vigor.
[ SUMÁRIO ]
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MEMÓRIAS Diamantino Sabina
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EDITORIAL Rosa Maria Rodrigues
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MANIFESTO DA COMISSÃO ELEITORAL OPOSICIONISTA DO CONCELHO DE ESTARREJA Andreia Tavares
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UMA SIMPLES CONVERSA E AS PRIMEIRAS PRISÕES POLÍTICAS EM ESTARREJA António Augusto Silva
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TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS NO CASTRO DE SALREU BREVE CRÓNICA DA INTREVENÇÃO DE 2018 António Manuel Silva, Gabriel R. Pereira, Sara Almeida e Silva e Paulo A.P. Lemos
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AS CASAS DO MATO (SALREU) E DA FONTE CHÃ (BEMPOSTA) NOS OFÍCIOS CONCELHIOS ANTUANOS SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DOS REGISTOS DE NOTARIADO NO CONCELHO DE ESTARREJA 1ª PARTE DE D. JOÃO II A FILIPE II António Pedro de Sottomayor
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OS MOINHOS DE MEIAS Armando Carvalho Ferreira
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A FAMÍLIA QUADROS EM SALREU DESDE O FINAL DO SÉCULO XVIII (PARTE I) Delfim Bismarck Ferreira
109 CONSTRUÇÃO NAVAL TRADICIONAL NO MUNICIPIO DE ESTARREJA - QUE FUTURO? Etelvina Resende Almeida 133 MEMÓRIAS DO QUOTIDIANO - DOS MÉRITOS DO PRIMITIVISMO INGÉNUO José Gurgo e Cirne 146 CARLOS MARQUES RODRIGUES: O FUNDADOR DA FÁBRICA DE DESCASQUE DE ARROZ - A “HIDRO-ELÉTRICA” DE ESTARREJA Juliana Cunha 160 OS BISPOS PORTUGUESES ORIGINÁRIOS DO CONCELHO DE ESTARREJA, DISTRITO DE AVEIRO NO SÉCULO XX Luís Cardoso Menezes 175 A PNEUMÓNICA, OU GRIPE ESPANHOLA. EM ESTARREJA (1918-1919) Marco Pereira 180 PRISIONEIROS DO CONCELHO DE ESTARREJA DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL NA FRENTE OCIDENTAL - 1917-1918 Maria Clara de Paiva Vide Marques e António Cruz Leandro
219 UMA OBRA DO PINTOR FRANCISCO PINTO COSTA (1826-1869) NA CASA MUSEU EGAS MONIZ Susana Moncóvio 231 EMIGRAÇÃO ESTARREJENSE NO ANO DE 1907 Teresa Cruz Tubby e Valter Santos 259 SAUDADES 50 ANOS DA CASA MUSEU EGAS MONIZ Rosa Maria Rodrigues
MEMÓRIAS Diamantino Sabina*
Nesta edição da “Terras de Antuã” o Cine-Teatro de Estarreja é “Capa de Revista”! E bem o merece, não fosse esta casa uma referência nacional. Figuramos nos números cimeiros das salas nacionais porque temos qualidade acima da média. As salas cheias são sintoma disso. “Os muitos forasteiros” que procuram recorrentemente os espetáculos por nós promovidos, também. Os artistas brindam-nos com palavras de congratulação pelas qualidade técnica e organizacional. Esta é uma medalha claramente conquistada no mundo do espetáculo e cultura nacionais. Estarreja, neste campo, e noutros, está indubitavelmente de parabéns. Nesta, como nas outras edições, são abordados temas das mais vastas áreas de interesse. Não descurando os demais, porque todos são de qualidade histórica e literária indiscutível, farei referência apenas a dois dos artigos desta revista. Destacam-se por figurar na nossa (quase) imediata “agenda municipal”. Refiro-me ao artigo de Juliana Cunha – “Carlos Marques Rodrigues: o fundador da Fábrica de Descasque de Arroz – a “Hidro-Eléctrica” de Estarreja” e também ao artigo de Etelvina Resende Almeida - “Construção naval tradicional no Município de Estarreja. Que futuro? “ A “Fábrica de Descasque de Arroz” quase viu a sua existência perder-se para sempre! O edifício viu o fim à vista por inviabilidade estrutural! Mas encontrámos uma solução para que esse fim não se desse! Seria a perda de um pedaço de património histórico de valor, e nós não o permitimos. Vai ser reabilitado e restaurado à sua “fácies” original, contudo não com o mesmo fim. incorporará um “Espaço de Memórias”, privilegiando o ciclo do arroz e entre outras, está prevista uma zona multifuncional, também com área de restauração! Espera-nos mais um espaço de qualidade, a que lhe acresce muitas e boas memórias. Em Pardilhó, onde esteve sediada durante décadas a Sede Nacional do Sindicato dos Construtores Navais (edifício que alberga atualmente a Junta de Freguesia) estamos em vias de ver concluído o “Centro de Interpretação da Construção Naval”. Neste local, sito na principal ribeira da Freguesia (Aldeia), pretendemos levar avante um programa de Ensino Profissional dedicado exclusivamente à construção naval tradicional. Também como a Etelvina, sabemos que esta secular arte está próxima da extinção. Se nada fizermos, extinguir-se-á, e muito em breve. Não sabemos se será este o caminho mas é um caminho. Esperemos que resulte ou pelo menos ajude. Não poderia acabar sem deixar os meus agradecimentos a todos que se têm dedicado ao longo dos anos a fazer desta revista a riquíssima obra que é. O povo de Antuã agradece. O de agora, e o de outros tempos!
* Presidente da Câmara Municipal de Estarreja
EDITORIAL
Rosa Maria Rodrigues Assinalando-se no corrente ano (15 de novembro), os 499 anos da outorga do foral por D. Manuel I às Terras de Antuã, apresentamos a décima segunda edição da revista “Terras de Antuã – Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja”. Os factos históricos coincidem, para que não se apague na nossa memória coletiva, um passado que apreendemos e que temos consciência de ser nossa incumbência, transmitir às gerações vindouras. Os temas apresentados nesta edição de Terras de Antuã permitem-nos na sua globalidade um maior conhecimento da historiografia local, desencadeiam a discussão, permitem a divulgação de estudos sobre realidades, factos e momentos que passariam despercebidas, se não fossem sistematizados e compilados numa publicação com esta especificidade e que passam por estudos sobre arqueologia, molinologia, património industrial, construção naval, emigração, genealogia, história medieval, religiosa, local e política, onde se destaca a evocação do Centenário da I Grande Guerra, com alusão aos combatentes naturais do Concelho de Estarreja e que nela foram feitos prisioneiros. Este número de Terras de Antuã apresenta na capa o Cine-Teatro de Estarreja. Edifício inaugurado em Abril de 1950, segundo projeto do arquiteto Raul Rodrigues Lima e classificado como Imóvel de Interesse Municipal, reabriu após obras de reabilitação a 18 de junho de 2005. Este equipamento cultural municipal apresenta regularmente uma programação multidisciplinar de espetáculos de música e artes performativas, entre outras atividades e assume-se pela sua qualidade de programação, permitindo a qualificação e fidelização de públicos, posicionando-se por isso no mapa cultural do país, ao lado das melhores salas de espetáculo. O tema Saudades desta revista Terras de Antuã, evoca os 50 anos da inauguração da Casa Museu Egas Moniz (1968-2018). Este edifício reconstruído em 1915, segundo projeto do arquiteto Ernesto Korrodi, assume-se como um facto eminentemente cultural e evoca num diálogo constante entre a Arte e a Cultura Cientifica, a individualidade relevante que nela viveu longas temporadas e onde é possível, em cada espaço, em cada peça e em cada pormenor, revisitar o Homem, ouvir uma história e evocar um passado que sempre presente, nos remete para a comunhão espiritual com o Belo, que sempre norteou as vivências do casal Egas Moniz, nesta que também hoje é a “A Nossa Casa”. A todos os que contribuíram abnegadamente, para a materialização desta publicação de Terras de Antuã, o nosso muito Obrigado.
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
MANIFESTO DA COMISSÃO ELEITORAL OPOSICIONISTA DO CONCELHO DE ESTARREJA
Andreia Tavares *
Corria o ano de 1957 quando em Portugal se preparava mais umas eleições para a Assembleia Nacional. A 4 de Novembro eram eleitos os representantes da nação, sendo que em pleno Estado Novo vigorava o sistema de partido único e as eleições não eram consideradas livres. Para este acto eleitoral um grupo de cidadãos, com ideias distintas do sistema vigente, congregados na Oposição Democrática toma a iniciativa e decide remar contra a maré, apesar das perseguições políticas e forte censura, avançando com uma proposta alterativa à União Nacional. Estarreja não tinha representantes nas listas por Aveiro, mas a Oposição Democrática não deixou de ter uma proposta para o concelho, focando as necessidades do concelho no desenvolvimento social, económico e de salubridade das sete freguesias. É sobre o “Manifesto da Comissão Eleitoral Oposicionista do Concelho de Estarreja” que se centra o contributo para a Revista Terras do Antuã. O documento até agora desconhecido dos entusiastas das histórias e memórias da região, foi guardado ao longo de 60 anos por Encarnação Nunes da Silva, uma simpática senhora de Veiros que não sendo contra o regime de Salazar – também não sabemos se a favor dele – decidiu guardar este folhetim, fazendo chegar até nós mais uma peça de resistência dos corajosos oposicionistas da região. Graças à sensibilidade da sua família foi possível doar o documento ao arquivo municipal, passando a estar à disposição de todos os que pretendam estudar os sectores económicos e sociais do concelho de Estarreja, numa época em que a desgraça e a miséria alheia ficavam arredados das páginas dos jornais e dos livros de história. Dessa mesma história não foi possível apurar os estarrejenses que integravam a oposição democrática de Estarreja, mas fica a esperança de que com estas páginas seja possível avivar as memórias de familiares e amigos e que possam tornar públicos os seus nomes e os seus feitos.
* Solicitadora e Investigadora E para Estarreja o manifesto dedica seis páginas de propostas que nos permitem, 60 anos volvidos, fazer uma análise social e económica do concelho de Estarreja. - Fotografias de Armando Leça, integrantes do espólio de António Augusto Silva
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ANDREIA TAVARES
1. “Só os deputados democráticos podem defender os interesses do povo” Defendia a Oposição Democrática que os deputados da União Nacional não tinham capacidade nem independência para defender os interesses do povo, “porque têm que defender os interesses do Estado Novo (…). Todos nós sabemos quanto o governo do Estado Novo está divorciado da Nação. Defendendo os monopólios, o governo do Estado Novo não pode defender os interesses do povo”. A Oposição Democrática defendia que só os seus deputados “livres de quaisquer limitações poderão interpretar na Assembleia Nacional as aspirações do nosso povo”. No manifesto lê-se que “os candidatos independentes pelo circulo eleitoral de Aveiro são os intérpretes desses anseios, são os representantes do nosso povo. Só eles poderão defender a democracia e a liberdade. Só eles poderão defender as reivindicações da nossa terra”. A primeira mensagem é assertiva: “Estarreja nada deve ao Estado Novo. Tudo o que existe na vila de progressivo se deve à iniciativa particular e não aos Poderes Públicos. Sendo um concelho de 1.ª ordem passou para 2.ª. Sendo uma comarca de 1.ª classe, passou para 3.ª. Esta é a herança do Estado Novo”. Apesar de nenhum dos candidatos da Oposição Democrática ser de Estarreja, os autores do manifesto garantem que os nomes por Aveiro “defenderão os interesses da nossa terra, como os naturais de cá, nas últimas legislaturas, não foram capazes de fazer”.
Vendedoras no Mercado de Estarreja
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
2. As reivindicações para Estarreja Divididos por temas, a Oposição Democrática propõe iniciativas no campo da agricultura, indústria, comércio, assistência, cultura, desporto e melhoramentos locais. Num concelho eminentemente agrícola, os preços de venda dos produtos locais, o funcionamento do Grémio da Lavoura, que provocaria concorrência desleal e os pesticidas em voga eram algumas das preocupações dos opositores. “Assim reclama-se, no sector agrícola, o seguinte: a) Garantia compensadora nos preços dos produtos agrícolas, designadamente milho e arroz; b) Controlo das qualidades e preços dos produtos industriais utilizados na lavoura, especialmente adubos e pesticidas; c) Incremento na criação de gado, principalmente leiteiro, mediante preços compensadores para o gado e para o leite; d) Facilitação das transacções mediante a abolição das taxas cobradas na feira de Santo Amaro; e) Assistência técnica ao lavrador, fornecidas gratuitamente e fornecimento a preços justos de sementes selecionadas; f) Corporativismo de associação, dando liberdade aos lavradores de serem ou não sócios do Grémio da Lavoura.” No que concerne à indústria podemos verificar que o desenvolvimento industrial do concelho estava a arrancar, e que a indústria química começava a ter projecção, nomeadamente através da Uniteca e do Amoníaco Português, sendo que as condições dos trabalhadores era uma das preocupações da Oposição Democrática. “a) Elevação dos salários dos operários (um chefe de família não pode ganhar 20$00 diários quando um quilo de carne custa 25$00); b) Construção de bairros para operários em Estarreja e Avanca (o Amoníaco construiu um bairro para engenheiros e nenhum para operários, vivendo na vizinhança dos pardieiros do Agro); c) Assistência financeira do Estado e da Banca, a médio e longo prazo, às empresas industriais”; d) Fomento de medidas tendentes a aumentar a produtividade sem prejuízo dos operários e a baixar os custos de produção, acautelando-se, assim, a possível entrada de Portugal no Mercado Comum Europeu; e) Incremento da actividade industrial sem prejuízo da actividade agrícola”. Em termos comerciais nos finais da década de cinquenta o pagamento de letras, impostos e as dificuldades de acesso ao crédito são alguns dos temas em destaque no manifesto. “a) Diminuição dos impostos, que subiram a um nível incomportável; b) Proibição de concorrência desleal, especialmente a que lhe faz o Grémio da Lavoura; c) Facilidades financeiras por parte dos Bancos e Casas Bancárias; [ 13 ]
ANDREIA TAVARES
Outra das preocupações do manifesto prendia-se com o número de mendigos que exibiam “chagas nas bermas da estrada”, pelo que o apoio social dos mais necessitados era uma das necessidades mais prementes. “a) Resolução do problema dos mendigos com o seu internamento em qualquer estabelecimento assistencial; b) Auxílio mais eficaz do Estado às Misericórdias e às Casas dos Pobres c) Distribuição de mais fundos pelas Comissões Municipais de Assistência”.
Missa na Capela de Santo António, em dia de mercado
No campo cultural e desportivo uma das maiores preocupações prendia-se com o apoio às crianças no âmbito escolar e a criação de um estádio municipal na antiga Quinta dos Temudos, estrutura com uma visão futurista, que incluía campo de ténis, piscina… “a) Melhoramento das condições nas escolas primárias existentes (a maior parte delas não têm cortinados e crianças há que têm que suportar o sol na cabeça durante as aulas); b) Criação de mais escolas primárias em vários pontos do concelho (integradas no famigerado plano dos centenários construiu-se no nosso concelho apenas uma sala de aulas !!!); c) Criação de uma escola de ensino técnico; d) Criação de uma biblioteca pública; e) Auxílio ao Clube Desportivo de Estarreja (C.D.E.) e a todos os clubes constituídos ou a constituir no concelho (Associação Académica de Avanca, Sporting Clube Pardilhoense, etc.); [ 14 ]
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f) Construção de um estádio municipal na Quinta dos Temudos com courts de ténis, campos de basquete, volley, piscina, etc.); g) Apoio a todas as iniciativas particulares que tenham por finalidade desenvolver a cultura e o desporto; h) Instalação de cantinas escolares”, É nos melhoramentos locais que mais ressaltam as propostas da Oposição Democrática, sendo que a construção de saneamento básico, iluminação pública e urbanização da vila estão entre as principais propostas. “a) Revisão das tarifas da energia eléctrica, no sentido duma taxa progressiva e não degressiva, de modo a beneficiar os consumidores pobres; b) Rede de saneamento naVila; c) Construção dum Matadouro Municipal e aquisição duma viatura para transporte de carnes, em condições higiénicas; d) Execução do projecto de urbanização daVila; e) Limpeza em toda aVila, especialmente na praça do peixe; f) Pavimentação da faixa central da AvenidaVisconde de Salreu e arranjo dos passeios laterais; g) Construção do mercado naVila; h) Reparação das estradas concelhias em todas as freguesias, especialmente em Salreu; i) Construção de uma conduta de água do rioVouga para os campos de Canelas e Fermelã; j) Preservação da água salgada nos campos de Canelas e Salreu; k) Suspensão da passagem de nível da Teixugueira; l) Electrificação de todas as ruas das freguesias, designadamente da freguesia deVeiros; m) Reparação dos caminhos dos montes de Canelas, Salreu e Fermelã”.
Vendedora de castanhas
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O manifesto termina com um apelo característico da situação ditatorial em Portugal na década de 50: “Estarrejenses! Vós nada deveis ao Estado Novo. Nunca os deputados da União Nacional foram capazes de defender os vossos interesses. Só vos resta os deputados da Oposição. Votai neles. E se não puderdes votar em consciência ficai em casa!”
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UMA SIMPLES CONVERSA E AS PRIMEIRAS PRISÕES POLÍTICAS EM ESTARREJA António Augusto Silva * Estamos no início de 1943. Em Estarreja pouco ou nada acontecia em termos culturais. Na Praça existia um Clube (Centro Recreativo) que à época, e na excepção de uma ou outra representação teatral, não era mais que um centro de jogatina – como hábito nesta região, com o devido respeito -, e as tabernas que envolviam o local também não passavam disso mesmo. Assim tornava-se necessário fazer algo para mudar esta situação. Apesar das dificuldades que a Segunda Guerra nos impunha, era importante promover actividades lúdico-culturais de forma a promover um melhor e mais esclarecido cidadão. Neste âmbito, e depois duma audição radiofónica da Emissora Nacional, julgo que da transmissão de um concerto ou de uma ópera, o Dr. José Oliveira e Silva, médico, e Alberto Jaime Marques Figueira Vidal, escriturário na Câmara Municipal de Estarreja, ouvintes dessa transmissão, reflectindo sobre a pobreza cultural do meio, decidiram que era necessário fazer algo para mudar a situação … Para tal convidaram 2 amigos e jovens estudantes na Universidade de Coimbra, o Joaquim Rodrigues da Silva e o Manuel Augusto Domingues Dias de Andrade e logo aí foi criado um grupo auto-denominado “ Amigos de Estarreja “ que pretendia promover saraus de arte, conferências e palestras culturais (sem abordagens políticas ou religiosas) e até a criação de um Museu Regional e uma Biblioteca. O médico tinha então 31 anos, enquanto que os outros 3 andavam nos 25. Os 2 primeiros de Salreu, o Joaquim Silva de Beduído, (depois identificado nos autos como o filho do Raul) e o Manuel Andrade de Canelas. Com as ideias e objectivos coincidentes é logo decidido uma primeira conferência e escolhido o Dr. Agostinho da Silva, figura naqueles tempos muito em voga com a publicação de cadernos literários para iniciação de crianças e adultos e que, em simultâneo, efectuava palestras sobre os mais variados assuntos. Agostinho da Silva fora professor no Liceu de Aveiro nos anos lectivos 1933/34 e 34/35, sendo expulso do Ensino por não aceitar assinar uma declaração de fidelidade ao Estado Novo, conhecida como Lei Cabral, em que os funcionários públicos afirmavam não serem comunistas nem nunca adeririam a tal ideologia. Em Aveiro fora professor do Joaquim Silva e do Manuel Andrade. Por ser aquele que melhor o conhecia e tinha mais contacto, foi encarregue o Joaquim de efectuar o convite para a primeira conferência a ter lugar no Cine Teatro de Estarreja (então nas traseiras do Palacete do Visconde de Valdemouro). Convite feito, logo aceite, e o tema sugerido “ A formação da nova China “, que ele abordara recentemente nos cadernos “ À volta do Mundo “ e “ O Sábio Confúcio “. Marcada a data para o dia 19 de Junho de 1943, o Grupo de Amigos prepara um convite e a devida divulgação da palestra que é colocado nos locais do costume em Estarreja e ainda
* Investigador - Auto didata - sobre a história de Estarreja e Murtosa
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ANTÓNIO AUGUSTO SILVA
na Murtosa. Convidam para assistir o Presidente da Câmara, Dr. Eduardo Câmara Carvalho e Silva, e o Administrador do Concelho. Mas nos últimos meses estava a acontecer uma grande controvérsia entre o Palestrante e a Igreja Católica, que os jornais ligados ao Estado Novo alimentavam. Por isso o Dr. Agostinho da Silva estava sob a alçada da Polícia Política. E quando o “ Grupo de Amigos de Estarreja “ formalizou à Autarquia o pedido da Conferência, esta logo o submeteu ao Governador Civil e daqui para a delegação do Porto da Policia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE). Claro que a resposta foi negativa e em via inversa veio para Aveiro e daqui para Estarreja onde chegou no próprio sábado 19, não sendo de todo possível avisar o Dr. Agostinho que já saíra de Lisboa no comboio da tarde que chegaria a Estarreja por volta das 9 da noite. Curiosamente o Dr. Agostinho da Silva, 2 ou 3 dias antes informara que por motivos pessoais não poderia vir a Estarreja na data escolhida, mas o Grupo de Amigos tanto insistiu que ele acabou por mudar os seus compromissos para cá estar. Assim, no final da tarde desse sábado dia 19 de Junho, a organização soube da proibição, mas o orador já vinha a caminho… Que fazer? Para a Estação do Caminho de Ferro de Estarreja foram o Dr. Oliveira e Silva, o Adalberto Costa, o Alberto Jaime Vidal e mais duas ou três pessoas não devidamente identificadas, para receber o Dr. Agostinho e comunicar-lhe a recente proibição. É-lhe sugerido ir a um Restaurante da Praça para comer alguma coisa - até para fazer tempo de apanhar o comboio-correio da noite que o levaria de regresso a Lisboa – o que não aceita, pois tinha trazido, e comido, farnel. Sendo assim o Médico convida-o a ir até ao seu Consultório, na casa de seus Pais em Salreu – bem próximo da Estação e aí conversarem entre amigos até perto da meia noite. Entretanto na Praça de Estarreja a notícia ia sendo comentada. Alguns dos que estariam interessados na Conferência ficaram a saber da sua proibição e, depois, que o Dr. Agostinho tinha ido para Salreu, ali junto à entrada do Hospital. Assim muitos para lá se dirigiram e assistiram a uma conversa – como que entre amigos - em que o Dr. Agostinho desenvolveu o tema que tinha preparado. A assistência terá sido de entre 20 e 30 pessoas – a sala não permitiria mais … -, entre os quais estaria um ou outro “ informador “ da PVDE. Não terá havido lugar ao momento de perguntas/respostas a não ser uma intervenção do Dr. Alberto Ferreira Vidal, que embora não conhecendo pessoalmente o orador, sabia de uma palestra que ele tinha feito sobre Antero de Quental, no Ateneu do Porto, e que muito lhe despertara o interesse em o conhecer. Até porque sabia da sua excusa em assinar a dita Lei Cabral disse, parafraseando Sá de Miranda: Homem dum só parecer, D’um só rosto, uma só fé, D’antes quebrar que torcer, Ele tudo por ser, Mas de corte homem não é. A conversa prolongou-se por mais de uma hora, e pouco antes da meia noite deu-se o regresso à Estação e a partida para Lisboa do convidado. [ 26 ]
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Certamente ninguém imaginava o que iria a acontecer nos próximos dias, e menos que a Delegação do Porto da PVDE viria para Estarreja na 2ª, 3ª e 4ª feira seguintes para efectuar as diligências necessárias a possíveis detenções. O infiltrado fizera o seu trabalho e agora era momento de o confirmar para proceder em conformidade. Com uma relação parcial dos presentes, e conhecidos, na Conferência, a Polícia foi fazendo os seus interrogatórios que alargou a outras personalidades locais (que não foram à casa de Salreu), e assim definiu qual o critério quanto às suas responsabilidades, dado que a Palestra não fora autorizada e considerada “ nitidamente comunista, anti-religiosa e contrária às doutrinas do Estado Novo Corporativo “. No total foram ouvidas 22 pessoas, das quais 3 não tinham assistido. Foi então decidido qual o critério das prisões a efectuar: 1º o médico em casa de quem se realizou a reunião proibida; 2º os organizadores, promotores ou subscritores da Conferência; 3º os funcionários públicos ou administrativos que ali assistiram; 4º os que mostraram conivência ou concordância com o tema . Assim, o Grupo de Amigos promotores da conferência, quem desenhou o convite, quem o imprimiu, quem o divulgou nos locais habituais, quem o reencaminhou para outras paragens e quem financiou as despesas da vinda do convidado foram acusados de “ desobediência e propaganda subversiva “, e ainda aqueles que manifestamente não se mostraram contra o conteúdo da Conferência. De fora ficaram os outros presentes interrogados mas que a Polícia ilibou por serem oriundos de famílias conservadoras, católicas, nacionalistas, filiados na JOC, na MP ou até Legionários. Deste modo foram decretadas as seguintes detenções numa primeira fase para as instalações da Policia de Segurança Pública de Aveiro: 21/6 : Dr. José de Oliveira e Silva, médico,de Salreu Júlio Marques Figueira Vidal, escriturário da C.M., de Salreu a 22/6 : Alberto Jaime Marques Figueira Vidal, aspirante na C.M., de Salreu a 25/6 : Joaquim Rodrigues da Silva, estudante em Coimbra, de Beduído Manuel Augusto Domingues Dias de Andrade, estudante em Coimbra, de Canelas a 26/6 : Arlindo Gouveia da Cunha, industrial, de Beduído Artur Gouveia da Cunha, aspirante das Finanças em Aveiro, de Beduído Dr. Alberto Ferreira Vidal, professor reformado, de Salreu Adalberto Costa, tipógrafo, de Beduído a 27/6 : Afonso Augusto de Almeida d`Eça, empregado comercial, de Beduído Luciano Marques Vilar, agente comercial, de Lisboa António Joaquim dos Santos Vilar, funcionário do B.N.U. Aveiro, de Lisboa. Ao todo foram 12 os nossos conterrâneos detidos e depois encaminhados para a prisão do Aljube, ficando todos em regime de incomunicabilidade excepto o Joaquim Silva e o Manuel Andrade. A permanência destes foi mais curta pois a pedido do Reitor da Universidade de Coimbra, Dr. Maximino Correia, ambos regressaram à Faculdade de Direito no dia 28, para poderem fazer as provas orais do exame final do 3º ano, mas ficando com a obrigação de não se ausentarem da cidade sem conhecimento das Autoridades. [ 27 ]
ANTÓNIO AUGUSTO SILVA
Quanto ao Dr. Agostinho da Silva, figura central deste acontecimento, foi detido em Lisboa a 24 de Junho. Junto aos autos do primeiro interrogatório a PVDE anexou um relatório sobre o ambiente político-social que se vivia em Aveiro e Estarreja, e daí o enquadramento neste acontecimento. Desse texto vemos que por cá “ campeavam os adversários do Estado Novo, como maçons, revilharistas e comunistas “. Havia ainda outros indivíduos que se reuniam num “ Salão Evangélico “ que não era mais que uma loja maçónica encapotada. A PVDE sugeria até ao Governador Civil que encerrasse este “ Salão “… A finalizar o Director-Adjunto da PVDE afirma que “ Estarreja merece cuidadosa atenção, como medida de elementar segurança, sabendo-se ainda e, de há dois dias, que os comentários às prisões feitas são acerbos e contínuos e que se fazem mover todas as possíveis influências – desde as autoridades Eclesiásticas (a despeito do ataque à religião feita pelo Dr. Agostinho da Silva) e Judiciais, até às amizades pessoais bem colocadas no Estado Novo. A estas últimas considerações haveremos de tornar mais à frente. Chegados ao Aljube, ali estiveram vários dias sem autorização de visita ou mesmo de saberem de que eram acusados. Isolados. Certamente não terão sido dias fáceis ; no dia 1 de Julho começam a ser ouvidos alguns dos detidos, e outros no dia seguinte. Nesta fase só não ouviram os 2 estudantes que estavam em Coimbra, e o Dr. Oliveira e Silva que passaria a ser figura principal para o futuro. Destes interrogatórios, e para termos noção da fragilidade das acusações, em casa do Dr. Alberto Ferreira Vidal encontraram um pequeno papel algo danificado, com um verso intitulado “ Produzir …e poupar “, com que foi confrontado: para o cinto apertar para o Ferro o levar para o Pacheco o esbanjar para o Clero engordar para a Alemanha o vir buscar para a Inglaterra protestar para a Legião gritar SALAZAR, SALAZAR, SALAZAR. Isto teria certamente algum significado político? Para além disto o inquiridor queria ainda saber mais sobre as suas aulas no Colégio Egas Moniz, em Estarreja, onde se sabia que fazia propaganda das suas ideias contrárias ao estabelecido pelo Estado Novo. Mas este Professor era uma velha raposa pois, entre outros cargos foi, na 1ª República, Deputado e Presidente da Assembleia, Governador Civil de Aveiro e Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Ou seja não estava atemorizado com estas inquirições. Mas isto serve para avaliar o fundamento da acusação … Mas regressemos às possíveis pressões que a PVDE temia virem a ser feitas. Na verdade no dia 23 o Chefe da Secretaria da Câmara Municipal, João Carlos Assis Pereira de Melo, envia ofício ao Presidente mostrando grande preocupação pela detenção de 2 seus subordinados o que muito prejudicava o normal funcionamento do serviço. A carta vai à reunião de Câmara [ 28 ]
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desse mesmo dia e a vereação decide pedir opinião ao Governador Civil de como proceder. É conhecido que o Padre Donaciano de Abreu Freire, Pároco de Beduído, terá ido a Lisboa e provavelmente falado com o Presidente do Conselho. O Padre Donaciano tinha bons contactos no Governo depois de ter sido muito importante na instalação em Estarreja da Sapec e agora do Amoníaco, e a sua intervenção poderá ter sido determinante. Haviam ainda velhos Republicanos que continuavam a ter alguma influência nos gabinetes do poder. Assim no dia 3 de Julho a PVDE recebe “ ordem verbal “ do Ministro do Interior para libertar 9 detidos, ficando todos proibidos de se ausentarem do seu domicílio sem conhecimento das autoridades. Dos 12 originais ficava unicamente no Aljube o Dr. Oliveira e Silva, que só viria a ser ouvido nos dias 6, 7, 8 e 10. Deste longo interrogatório fica claro que o médico era o principal suspeito de tudo o que acontecera, pois quando o detiveram apreenderam em sua casa 4 exemplares do “Avante “ de 1937, vários panfletos clandestinos considerados subversivos, uma circular do Comité Regional de Lisboa do PCP, o livro “ A revolução na ordem,” de João Ameal com anotações suas e ainda um caderno com apontamentos que escreveu sobre “ A nova Rússia “.Também trouxeram de Salreu várias outras obras de autores como Brito Camacho, Lenine, Teixeira de Pascoaes, Unamuno, Roman Rollan, Máximo Gorky, Stefan Zweig em Português, Espanhol e Francês. Muitas dessas obras versavam o socialismo, o comunismo, o cristianismo, o bolchevismo e a filosofia. Enfim, largo campo de interesses que a PVDE gostava de saber o porquê desta preferência. Já no relatório feito em Estarreja e que acompanhou os detidos é dito “ A personalidade do dr. Oliveira e Silva é complexa, tendo uma vida íntima intelectual intensa e sendo, segundo ele próprio me declarou, um revoltado. Quanto a mim é um desorientado, cheia a sua cabeça de profundas leituras sociais e filosóficas na sua maioria de tendência subversiva. Dizem que é bom médico e inteligente. “ No dia 12 é libertado o Dr. Agostinho da Silva e a 16, finalmente, é concedida liberdade condicional ao nosso médico. A medida de coação é igual para todos e aos poucos cada um regressa à vida normal e para tal vão pedindo autorização para se deslocarem de Estarreja por motivos profissionais. António Joaquim Vilar, funcionário do Banco Nacional Ultramarino, em Aveiro, seu Pai Luciano Vilar comerciante em Estarreja e com propriedades na Murtosa, Vale de Cambra, Gaia e Lisboa, Artur Cunha aspirante das Finanças em Aveiro, seu irmão Arlindo sócio-gerente de empresa que aqui detinha Fábrica de Serração de Madeiras e uma fábrica de Cerâmica em Vagos, e aos poucos os restantes. A todos é concedida autorização de se ausentarem mas com a condição de sempre pernoitarem no domicílio. O próprio Dr. Oliveira e Silva pede no dia 17 a mesma autorização pois tem de necessidade acompanhar os seus doentes nos exames radiológicos ou intervenções cirúrgicas. É-lhe deferido o pedido nas mesmas condições dos anteriores. E quanto aos estudantes de Coimbra? Pois só foram ouvidos nesta cidade a 22 de Julho e como já estavam em liberdade condicional assim continuaram. E o nosso palestrante? Estando também em liberdade condicional fugiu para o Brasil donde só regressaria, definitivamente, em Agosto de 1969, quando passámos a conhecê-lo melhor graças às suas incomparáveis aparições na Televisão. No final de todo este processo, a acusação que estava em banho-maria não teve seguimento e por isso mesmo o caso foi arquivado a 16 de Outubro de 1948. [ 29 ]
ANTÓNIO AUGUSTO SILVA
Claro que este episódio marcou para sempre a vida destes conterrâneos, com especial destaque para o Dr. Oliveira e Silva, e os futuros advogados Joaquim Silva e Manuel Andrade que depois passariam a estar sob apertada e contínua vigilância da PIDE, tendo sido “convidados” algumas vezes para estadias nos calaboiços, até chegar Abril de 1974. Quanto ao Grupo de Amigos de Estarreja a sua existência terá ficado por ali, entendida a lição. Mas as suas inquietações foram sendo realizadas com o tempo: os saraus, as conferências, as palestras e a Biblioteca aconteceram. Só ainda não foi possível criar um Museu Regional, ideia que o Dr. Oliveira e Silva ainda estudante da Faculdade de Medicina do Porto defendia, mas até hoje está por concretizar. Mas que ainda continua a fazer falta. Hajam vontades!
Nota final e explicativa: a abordagem a este tema surgiu após a leitura de algumas notas biográficas sobre o Dr. Oliveira e Silva, publicadas em jornais e revistas locais, da autoria de: Maria de Jesus Oliveira e Silva, in: Encontro de Gerações do ano 1990, revista da Ass. Humanitária de Salreu. Manuel Andrade in: revista da Associação Cultural de Salreu de 1991. Olívio Amador, in: Jornal de Estarreja de 22/6/1994. LuísVilhena, in: O Concelho de Estarreja de 18/2/1997. A 1ª é filha do médico, os restantes foram contemporâneos do sucedido. Depois, com a curiosidade que estes textos me despertaram, foi só deslocar-me à Torre do Tombo e consultar no dossier da PIDE o processo crime 794/43, que reúne algo mais de 400 páginas. E, por último, compartilhar com os interessados nestas coisas das Terras de Antuã.
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TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS NO CASTRO DE SALREU BREVE CRÓNICA DA INTERVENÇÃO DE 2018 Sara Almeida e Silva * António Manuel S. P. Silva ** Gabriel R. Pereira *** Paulo A. P. Lemos **** Intervencionado pela primeira vez em 2011, o castro de Salreu recebeu em 2018 a quarta campanha de trabalhos arqueológicos, no âmbito do projeto PROBA - Proto-história da Bacia do Antuã, projeto de investigação desenvolvido pelo Centro de Arqueologia de Arouca, dedicado à Proto-história da Bacia do Antuã (Silva et al. 2016b). Os trabalhos decorreram durante quatro semanas e envolveram uma equipa de cerca de 30 elementos, entre profissionais e voluntários, provenientes quer do município de Estarreja, quer de outras zonas do país e até do estrangeiro, à semelhança daquilo que se tem verificado em anos anteriores (fig. 1). Na tentativa de desvendar mais um pouco do passado e de reavivar as memórias escondidas sob as terras que cobriram aquela aldeia de há dois mil anos instalada num meandro do rio Antuã, vários foram os que, mais uma vez, se empenharam nas pesquisas, motivados pela necessidade de adquirir experiência em escavações arqueológicas ou, simplesmente, pela curiosidade de trazer à luz do dia objetos usados há mais de dois milénios. A historiografia do sítio, localização pormenorizada, a sua relação com outros povoados da região e com a própria linha de costa foram temas já desenvolvidos em trabalhos anteriores, pelo que não nos estendemos novamente nessas temáticas (Silva; Pereira 2010; Silva et al. 2012, 2016a, 2017a; 2017b). Além da apresentação sumária dos resultados obtidos – a possível, decorrido pouco tempo desde o final dos trabalhos –, entendemos, desta vez, que seria pertinente mostrar ao leitor as diferentes etapas de um trabalho arqueológico. Tarefas diversas de um trabalho complexo O trabalho arqueológico não se resume apenas às semanas de escavação num dado sítio, pelo que, decorridos apenas cerca de dois meses sobre o término dos trabalhos de campo, torna-se difícil apresentar mais do que uma breve crónica das ações efetuadas ou alguns achados mais significativos.
* Arqueóloga. Centro de Arqueologia de Arouca. Projeto PROBA. saralmeidasilva@gmail.com. ** Arqueólogo. Centro de Arqueologia de Arouca. Investigador do CITCEM (UP). Coord. Projeto PROBA. amspsilva@hotmail.com. *** Arqueólogo. Centro de Arqueologia de Arouca. Investigador do CITCEM (UP). Projeto PROBA. pereira.gr@gmail.com. **** Arqueólogo. Centro de Arqueologia de Arouca. Projeto PROBA. paplemos@gmail.com.
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Previamente aos trabalhos de campo é necessário preparar toda a logística necessária, recolher as devidas autorizações dos proprietários dos terrenos1, verificar se será necessário limpar algum mato, angariar voluntários mas, sobretudo, definir os objetivos da campanha e as áreas alvo de intervenção, de modo a maximizar os resultados em função do período de intervenção previsto. À semelhança das campanhas anteriores, todas estas tarefas antecederam os trabalhos de 2018, para os quais estavam previstas duas áreas de intervenção, na sequência dos resultados obtidos na campanha de 2017.
Fig. 1 – Parte da equipa envolvida nos trabalhos arqueológicos, acompanhada por membros do executivo municipal de Estarreja.
Na “área habitacional” – Sector A – considerou-se como objetivo para esta campanha a unificação das áreas escavadas em 2011 e 2017, procedendo-se à remoção de uma pequena banqueta localizada a Oeste. Do mesmo modo, na área de intervenção localizada no sector K – correspondente à estrutura de delimitação do castro – foi realizado um alargamento inicial de 4 m2 e, mais tarde, em virtude dos vestígios encontrados, um outro mais pequeno de 2 m2, estendendo-se os trabalhos pela restante área já intervencionada em 2017 (fig. 3). Aquando do reinício dos trabalhos foi necessário proceder à limpeza das áreas a intervir, que haviam ficado parcialmente cobertas e protegidas em 2017 e onde se haviam depositado muitas folhas ou crescido alguma vegetação rasteira (fig. 2). 1 - Cumpre-nos agradecer aos proprietários dos terrenos intervencionados: Dª Angelina Oliveira, Sr. António Rodrigues, Sr. Artur Petisco, Sr. Carlos Frade e aos demais proprietários de terrenos no castro de Salreu que se têm mostrado muito compreensivos no desenrolar dos trabalhos. Do mesmo modo, agradecemos aos moradores do lugar, em particular ao Sr. Manuel e D. Glória, pela facilidade que nos têm concedido no depósito de materiais na sua residência.
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Fig. 2 – Trabalhos de limpeza do Sector A, uma das áreas alvo de intervenção em 2018.
Uma vez que se conhecia a estratigrafia do local, algumas das tarefas foram sendo desempenhadas com recurso a ferramentas mais expeditas. Contudo, à medida que os trabalhos foram evoluindo, tornou-se necessário recorrer a ferramentas mais finas, como os colherins e as pequenas vassouras (fig. 4), de modo a que os vestígios mais frágeis possam ser identificados no decurso da escavação. Simultaneamente fazem-se registos durante todo o trabalho, com recurso a fotografias das atividades que vão sendo executadas e das terras a escavar, complementadas com descrições pormenorizadas dos sedimentos e seus constituintes, através de registos gráficos como desenhos, nos quais se representam as superfícies das camadas de sedimentos e estruturas que vão sendo identificadas durante o processo de escavação.
Fig. 3 – Decurso da escavação no sector K, com recurso a ferramentas mais expeditas.
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Fig. 4 – Momento dos trabalhos no sector K, com recurso a ferramentas mais ligeiras.
Durante o processo de escavação recolhe-se diverso «espólio», que requer um trabalho pormenorizado após a escavação. A grande maioria das recolhas corresponde a fragmentos de cerâmica (fig. 5), restos de louça que permaneceram em Salreu para nos ajudar a contar as estórias daqueles que um dia ali viveram ou por ali passaram; mas há também alguns objetos em pedra, contas de colar (fig. 6) e alguns metais ou elementos relacionados com a sua fundição. Estes objetos são depois lavados, descritos e contabilizados. Recebem depois uma pequena etiqueta para que não se perca a sua referência e, no caso das peças mais importantes, é-lhes atribuído também um número individual para ser mais fácil a sua identificação futura. Os objetos metálicos são enviados para um laboratório especializado onde são devidamente limpos, tratados e consolidados.
Fig. 5 – Fragmento de bordo de recipiente cerâmico encontrado durante a escavação.
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Fig. 6 – Conta de colar encontrada durante a escavação.
Dos depósitos de terra considerados mais relevantes, são recolhidas amostras de sedimento (fig. 7), para posterior seleção, por um processo de flutuação, de sementes e carvões. Esses elementos são depois analisados por especialistas e, mais tarde, podem ser escolhidos para deles se fazer uma datação por Carbono 14 e daí obter mais dados sobre a ocupação do sítio ou o momento em que determinada estrutura foi utilizada. A conjugação de todos estes estudos, feitos na sua maioria após o trabalho de campo, é que permite validar as hipóteses interpretativas propostas, compreender a natureza das atividades humanas que tiveram lugar no povoado e avançar com cronologias progressivamente mais apuradas para situar no tempo aquelas ações.
Fig. 7 – Recolha de sedimentos na estrutura de combustão (lareira) identificada no sector A.
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Principais resultados da campanha de 2018 Em 2018 as escavações incidiram em dois sectores, na continuidade aliás das pesquisas anteriores. No rebordo da segunda plataforma, junto ao talude, no sector A, onde se haviam identificado vestígios de estruturas em 2011 e 2016 e, onde, em 2017, os trabalhos permitiram a identificação de um piso em argila decorado, procedeu-se a um alargamento pontual por forma a unificar a área de escavação atual com a intervencionada em 2011. Em virtude da grande potência de terras (que nalguns pontos atinge os 2,5 m), não tinha sido possível concluir os trabalhos em 2017, pelo que essa foi a missão para 2018, tendo sido intervencionada uma área de aproximadamente 70 m2, embora nalguns pontos se tenha cingido a trabalhos de limpeza (fig. 8).
Fig. 8 – Vista geral sobre a área de intervenção do sector A, após limpeza inicial.
Algumas dezenas de metros para Poente, no sector K, intervencionou-se num troço do muro delimitador do povoado (fig. 9), que havia sido reconhecido e registado já em 2016. Nesta área procedeu-se também ao alargamento em 6 m2 da área de escavação e concluíram-se trabalhos iniciados em 2017, procedendo-se a uma intervenção incisiva na estrutura de delimitação, tendo como objetivo a melhor perceção da sua forma construtiva.A intervenção totalizou aqui uma área de 42 m2.
Fig. 9 – Pormenor dos trabalhos no sector K.
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No sector A a realidade encontrada afigura-se relativamente complexa (figuras 10 e 12), em virtude das alterações a que aquela área foi sujeita durante o período de ocupação antiga da plataforma e outras alterações pós-deposicionais. Ainda assim, foi possível identificar, com maior segurança em relação aos dados disponíveis, os contornos da estrutura habitacional ali presente, que parece configurar uma planta oblonga ou de tendência ovalada.
Fig. 10 – Vista geral do sector A, a meio da campanha, vendo-se já o acesso ao interior da habitação.
A identificação da porta de acesso ao interior da habitação (cabana) (figs. 10 e 11), sensivelmente orientada a Poente, reveste-se de apreciável valor. Este acesso, assinalado no registo arqueológico pela presença, em negativo, de dois buracos de poste destinados à colocação dos umbrais, em madeira, que suportariam uma porta do mesmo material. A distância entre si é de, aproximadamente, 1,5 metros. O entalhe localizado mais a sul apresenta-se bastante regular, com dimensões máximas de 0,32 x 0,15 m e 0,40 m de profundidade; já o situado mais a norte apresenta dimensões máximas superiores – 0,50 x 0,30 m, variando a profundidade entre os 0,30 e 0,40 m. Restos de madeira atribuídos a possíveis umbrais de porta foram também identificados numa habitação do Castro de Ovil, em Espinho (Salvador; Silva, 2010: 58). A construção desta estrutura adaptou-se às características geológicas do sítio, apresentando-se variável, mediante a maior ou menor profundidade do substrato xistoso. Assim, nalguns pontos, verifica-se o corte e aplanamento da rocha natural - xisto, por forma a assentar a estrutura; noutros pontos verificou-se a colocação de uma espécie de «argamassa» (terra ou saibro com argila prensado) com cerca de 5 cm de espessura, onde deveriam ser colocadas as pedras da base da estrutura; verificando-se ainda, noutro local, a colocação da base do muro diretamente sobre o substrato natural, de cariz mais argiloso. [ 37 ]
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Fig. 11 – Pormenor da área de acesso à cabana identificada no sector A.
Fig. 12 – Trabalhos de escavação no sector A.
Quanto à natureza da própria edificação, a deterioração do alicerce, reduzido na maior parte do perímetro a blocos de xisto de pequena e média dimensão e a uma espécie de embasamento com calhaus e pedras de pequeno calibre, não permite avançar com propostas muito fundamentadas, podendo todavia colocar-se a hipótese – sugerida pela aparente fragilidade das fundações – de pelo menos parte da construção ter sido feita em materiais perecíveis, fossem elementos vegetais ou mesmo alguma espécie de adobe ou similar. [ 38 ]
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No interior desta estrutura doméstica, onde em 2017 se tinha identificado um nível de circulação em terra argilosa compacta e um piso em argila cozida, bem assim como os restos de uma possível lareira, os resultados revestem-se também de bastante interesse, tendo-se confirmado a efetiva presença de uma área de combustão, que terá sido utilizada na última fase de ocupação daquela habitação. Após a escavação dessa possível lareira, foi possível registar a existência de uma pequena fossa ou covacho aberto intencionalmente – uma estrutura em negativo, de pequena profundidade, utilizada porventura para guardar quaisquer produtos ou depositar resíduos (fig. 13). Esta pequena fossa foi colmatada antes da consumação da provável lareira, revelando assim um momento intermédio da utilização daquele espaço.
Fig. 13 – Fossa de armazenamento ou detrítica, escavada no subsolo, identificada no sector A.
No que respeita aos níveis de piso, a acrescentar às evidências observadas em 2017, parece agora possível apontar a presença de um primeiro nível em terra bastante compactada, sobre o qual se registaram outros dois níveis, ambos em argila cozida pelo fogo, localizados na área central da habitação (fig. 14). O nível mais recente, identificado em 2017, apresenta-se decorado com ténues círculos. Já o nível identificado na presente campanha, de cor alaranjada, é ligeiramente mais claro do que o que lhe sucedeu. Uma vez que se encontra sob o nível de piso decorado e que não era objetivo dos presentes trabalhos a remoção do último nível (cronologicamente o mais recente), não foi possível apurar se apresentava algum tipo de decoração. Fora da área da estrutura anteriormente descrita identificaram-se também restos de um nível de piso – em terra compacta – e um nível de derrube, que se articulam com as estruturas identificadas em 2011 e poderão corresponder a outro conjunto habitacional, localizado nos limites da plataforma. [ 39 ]
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Fig. 14 – Fotografia aérea final do sector A, indicando-se a tracejado reconstituição hipotética da planta da estrutura habitacional. Foto: Multimapa.
Já no outro sector intervencionado, o designado sector K, os trabalhos propiciaram a recolha de uma série de novos dados de relevo. Neste sector a escavação visava a melhor caracterização do sistema construtivo da estrutura de delimitação registada em anos anteriores. A fragilidade desta estrutura, que resulta do material usado na sua construção (blocos diminutos de xisto), associada à acentuada pendente natural do terreno, dificultaram o desenrolar dos trabalhos, tendo, no entanto, sido possível perceber um pouco melhor os seus detalhes construtivos. Deste modo foi possível observar que a estrutura de delimitação foi construída em ligeiros socalcos, de forma a superar a inclinação do terreno. Assim, na base da estrutura, foram primeiramente depositadas lajes de xisto de maiores dimensões, sobrepostas umas sobre as outras, formando a face da estrutura, que acompanha, grosso modo, a orientação do talude. Nesta face foram também colocadas algumas lajes transversais, para melhor suster a construção. Entre as lajes, a preencher alguns intervalos, foi possível verificar a existência de uma argamassa, de cor amarelo claro, que fornecia maior estabilidade. [ 40 ]
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À medida que a construção ia adquirindo altura, eram depositados, na parte interior da estrutura, um conjunto de aterros argilosos bastante prensados, alguns deles submetidos à ação do fogo. Sobre a parte interna da estrutura encontrava-se um conjunto de pequenas lajes de xisto, correspondendo ao enchimento da mesma. Internamente, foi fechada com recurso a lajes de xisto de maiores dimensões, estabelecendo-se assim a face interna do muro, de contorno pouco regular (fig. 15).
Fig. 15 – Corte efetuado na estrutura de delimitação que permitiu perceber as várias etapas da sua construção.
Simultaneamente, na área da plataforma a este da estrutura de delimitação (fig. 19) os trabalhos permitiram a identificação de uma série de outros vestígios arqueológicos relacionados com a utilização daquela plataforma, não tendo sido possível apurar, com total clareza, a sua funcionalidade. A abundante presença de fragmentos de argila cozida tinha já sido registada neste sector na campanha anterior. Nesta, foi possível identificar uma pequena porção de piso (cerca de 1 m2) preservada numa área relativamente perturbada pela abertura de um caminho (fig. 16). Nas suas proximidades registou-se uma unidade argilosa provavelmente correspondente a uma camada de preparação de piso, indicando que este se estenderia, pelo menos, para oeste. Após a remoção do piso, verificou-se a continuidade de um pequeno tramo de muro, construído com recurso a lajes de xisto e a alguma argamassa. Esta estrutura, cuja planta e funcionalidade não foram totalmente percetíveis, encontrava-se preservada em pouco mais de um metro de comprimento e apresentava largura variável entre os 0,80/0,90 m (fig. 16). Mais a sul, identificaram-se os restos de uma outra estrutura (figs. 16 e 17), também de difícil interpretação, composta por duas lajes de xisto e um fragmento de granito, apresentandose organizada em forma de «L». A sua planta parece sugerir que se trataria de uma pequena base de lareira, entretanto abandonada, mas todavia não foram observadas outras evidências (como cinzas ou carvões) que possam comprovar esta hipótese. [ 41 ]
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Fig. 16 – Vista geral do sector K, vendo-se à esquerda, em primeiro plano, tramo de muro; nível de piso e estrutura de planta em L.
Fig. 17 – Pormenor de estrutura composta por duas lajes de xisto e bloco granítico. A laje maior apresenta cerca de 44 cm de comprimento, enquanto que a mais pequena possui 33 cm.
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Na parte superior da estrutura de delimitação, mas situado mais a poente, identificou-se também um conjunto de elementos interessantes do ponto de vista arqueológico que, conjugados com os materiais recolhidos, onde se inclui uma grande quantidade de escória de fundição, parecem indicar a presença de uma área oficinal dedicada à fundição e ao trabalho de metais. Em particular destaca-se uma provável estrutura de combustão (fig. 18), identificada junto ao corte noroeste da área de trabalho, onde se assinalou a presença de um conjunto de sedimentos de tonalidade acinzentada, com muitas cinzas e carvões, que se encontravam depositados sobre um outro conjunto de sedimentos de coloração amarelada, bastante compactados, que formariam, então, a base desta estrutura destinada ao uso do fogo.
Fig. 18 – Possível estrutura de combustão, no sector K, relacionável com trabalhos oficinais.
Quanto aos materiais arqueológicos recolhidos na quarta campanha de trabalhos no castro de Salreu a cerâmica volta a distinguir-se, numericamente, entre os restantes elementos. À data em que fechamos este artigo ainda não foi possível concluir o estudo preliminar de todos os materiais, pelo que são meras notas as informações que, por ora, aqui partilhamos. Ao invés do ano anterior, o maior número de recolhas registou-se no sector K, justificando-se esse valor pelo maior volume de terra removida nessa área de trabalho e, também, por no sector A os trabalhos já se encontrarem a uma cota em que o espólio arqueológico é necessariamente menor. Estimamos em cerca de sete mil os elementos recolhidos, entre cerâmica, objetos em pedra, escórias, objetos metálicos e ainda contas em pasta de vidro. Os materiais de cronologia moderna e contemporânea surgem apenas pontualmente, nas unidades mais recentes, em virtude da continua utilização do espaço, como área agrícola e florestal. [ 43 ]
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Fig. 19 – Vista aérea do plano final da escavação na área da estrutura de delimitação, indicando-se, em linha descontínua, a face externa da mesma. Foto: Multimapa.
Entre os fragmentos de louça proto-histórica são mais frequentes as porções de bojo – a parte intermédia da peça, embora sejam cada vez mais representativas, no volume total de recolhas, as asas, os bordos e os fundos dos recipientes, alguns de dimensões bastante apreciáveis (fig. 20). Foi possível identificar a presença de grandes recipientes, destinados porventura ao armazenamento; de recipientes cuja função seria a confeção de alimentos; e ainda de recipientes mais finos, com pastas mais cuidadas e superfícies polidas, destinadas porventura ao serviço de mesa, entre outras atividades. [ 44 ]
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Fig. 20 – Conjunto de bordos (1 a 3), arranque de asa (4) e fundos identificados na campanha de 2018 (5 a 7).
Os fragmentos decorados (fig. 21), com recurso às técnicas de impressão ou incisão, estão também bem representados, registando-se os motivos típicos da Idade do Ferro, com a presença de diversos tipos de círculos – concêntricos (fig. 21 - 1 a 3 e 5), divididos em quatro partes (fig. 21 – 4); escudetes; linhas de SS (fig. 21 – 6 e 10); motivos geométricos (fig. 21 – 7 e 12 a 14); em espinha ou em aspa (fig. 21 – 8 e 15). A decoração surge normalmente organizada em banda, sobre a pança (ou bojo) do recipiente, delimitada por dois pequenos sulcos, sendo o interior da mesma preenchido com os motivos elencados. Nalguns casos, a organização decorativa é mais complexa, combinando-se mais do que um motivo, com disposição mais elaborada (fig. 21 – 5 e 15). [ 45 ]
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Fig. 21 – Cerâmica decorada, com diversos motivos, do Castro de Salreu.
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A campanha de 2018 propiciou, pelo menos, a identificação de mais um padrão decorativo inédito no reportório cerâmico do castro de Salreu – um fragmento que combina alguns sulcos horizontais com a impressão de um motivo circular, formando uma decoração em baixo relevo (fig. 21 – 11). Foi, entretanto, possível apurar que alguns dos materiais agora recolhidos se relacionam com outros das campanhas anteriores (fig. 21 – 4). Os objetos em pedra, embora mais raros, marcam também presença, contabilizando-se alguns pesos com duplo entalhe lateral simétrico ou com orifício central (fig. 22 – 4), podendo ser empregues no suporte de coberturas, em teares ou mesmo em redes de pesca. Foram também recolhidos dois fragmentos de dormente de mó manual, em granito e um conjunto de xistos, de grandes dimensões, com pequenas perfurações. Embora os objetos metálicos sejam raros, foram recolhidos quatro elementos que se encontram ainda em tratamento e análise, três em ferro e um em liga de cobre (fig. 22 – 1). A par deles, recolheu-se também quantidade muito apreciável de escória, alguma da qual extremamente leve (300 gr). No que respeita ao barro de construção – em argila cozida pelo fogo – que seria utilizado para calafetar as construções ou como revestimento de pisos, totaliza-se a recolha de mais de 6 kg, volume muito significativo. Apresenta-se geralmente com coloração alaranjada, embora surjam alguns exemplares de tom amarelado ou acinzentado. Destaque merece o conjunto de dez contas de colar em pasta vítrea (fig. 22 – 2), que se juntam às seis das campanhas anteriores. Estas contas, que terão chegado a Salreu fruto de rotas comerciais existentes com o Mediterrâneo, são sinal do prestígio que outrora alguém exibiu em Salreu. A maioria das contas, cujas dimensões variam significativamente, apresentam tonalidades azuis (8) ou meladas (2). Uma das contas apresenta um pequeno orifício, numa das superfícies, destinado a conter uma pedra de outra coloração, podendo assim considerar-se uma conta oculada (fig. 22 – 3).
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Fig. 22 – 1- Objetos metálicos em ferro e liga de bronze; 2 – conjunto de contas de colar; 3 – conta de colar oculada (ampliada); 4 – Pesos em xisto.
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SARA ALMEIDA E SILVA | ANTÓNIO MANUEL SILVA | GABRIEL PEREIRA | PAULO LEMOS
A campanha arqueológica deste ano no castro de Salreu propiciou a recolha de um volume muito significativo de informações, melhorando assim o nosso conhecimento sobre este povoado, ocupado há mais de 2000 anos, nas margens do Antuã. À estrutura de delimitação que já conhecíamos, juntamos um conjunto de outras estruturas, possivelmente relacionadas com atividades oficinais naquela área do povoado, que terá, certamente, ainda muito para contar. Apuramos, com maior rigor, a planimetria da primeira habitação identificada no local, cujo interior espelha alterações significativas em diferentes momentos da vida do castro de Salreu, conservando-se dois trechos de pavimentos em argila e uma fossa no interior da habitação. Os materiais recolhidos, em número bastante generoso, são cada vez mais variados, fornecendo matéria para estudos particulares sobre a cerâmica indígena e a sua coexistência com louças importadas, presentes em número manifestamente inferior. As dez contas de colar ora recolhidas refletem a existência de contactos comerciais com povos mediterrânicos, sendo também sintomáticas do sentido estético já existente nesta comunidade, do gosto pelo adorno pessoal e, em última análise, sinal de prestígio, espelhando o estatuto e hierarquia de alguns membros da comunidade. Os dados recolhidos até ao momento não alteram a cronologia anteriormente proposta para a ocupação do povoado, que havíamos situado entre o século IV a. C. e a mudança da Era. No entanto, foram recolhidas diversas amostras de sedimento, que serão depois flutuadas para seleção de sementes e/ou carvões para datação radiocarbónica e que poderão vir a afinar ou simplesmente confirmar a baliza temporal que temos sugerido. O projeto de investigação no âmbito do qual se realizaram os primeiros trabalhos arqueológicos no castro de Salreu, o PROBA, teve início em 2011 e término em 2015 (Silva et al. 2011; 2016c). Seguiu-se lhe o PROBA+2 que tinha termo anunciado em 2017 (Silva et al. 2016d). Uma vez que muito do trabalho iniciado nesse ano tinha ficado por concluir, foi solicitado à entidade oficial de tutela um prolongamento por um ano do projeto, que foi aceite. Agora, será tempo de fazer um balanço, rever os dados e projetar o possível futuro deste programa de investigação. Os resultados da atual campanha confirmaram a singularidade e o potencial do castro de Salreu para a compreensão da ocupação proto-histórica da região litoral do Entre Douro e Vouga. As diferentes campanhas anuais totalizam pouco mais de três meses de trabalho de campo no local e registam uma área escavada inferior a 10% (estimando-se a área total do povoado em 2 hectares). Registamos apenas uma das muitas cabanas que terão existido há mais de dois mil anos; colocamos a descoberto uma pequena parte de uma grande estrutura de delimitação do espaço e começamos agora a deslindar, talvez, os primeiros vestígios de uma das áreas oficinais. Todavia, todos estes vestígios ocupam pequenas franjas de terrenos privados e é também chegado o momento de decidir o futuro do castro de Salreu. Que aquele pequeno monte, sobranceiro ao Antuã, foi outrora um povoado com alguma dimensão, não temos dúvidas, mais difícil é saber se restam muitas outras arquiteturas desse tempo, num local onde o plantio de eucaliptal é um dos grandes responsáveis pela degradação das estruturas arqueológicas. A ser submetido, um novo projeto plurianual terá novas premissas de investigação, mas as mesmas questões de fundo: Afinal, como se viveu em Salreu antes da chegada dos romanos ao território português? [ 48 ]
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Bibliografia Salvador, Jorge F.; Silva, António Manuel S. P. (2010) – O Castro de Ovil (Espinho), um povoado da Idade do Ferro. In Pinto, Filipe M. S. (coord.) – Arqueologia da Terra de Santa Maria: balanços e perspectivas. Santa Maria da Feira: Liga dos Amigos da Feira, 2010, p. 53-73 Silva, António Manuel S. P.; Pereira, Gabriel R. (2010) – Povoamento proto-histórico na fachada atlântica do Entre Douro e Vouga. Paleoambientes e dinâmica cultural. In Bettencourt, A. M. S.; Alves, M. I. C.; Monteiro-Rodrigues, S. (eds.) – Variações paleoambientais e evolução antrópica no Quaternário do Ocidente Peninsular. S.l.: APEQ/CITCEM, p. 189-203 Silva, António Manuel S. P.; Pereira, Gabriel R.; Lemos, Paulo A. P.; Almeida e Silva, Sara (2011) – Proto-história da bacia do Antuã. Projecto de Investigação Arqueológica 2011-2014. Arouca: Centro de Arqueologia de Arouca Silva, António Manuel S. P.; Pereira, Gabriel R.; Lemos, Paulo A. P. (2012) – O castro de Salreu (Estarreja): resultados da primeira campanha de escavações arqueológicas. Terras de Antuã. Histórias e memórias do Concelho de Estarreja. 6 (2012). Estarreja, p. 47-89 Silva, António Manuel S. P.; Pereira, Gabriel R.; Lemos, Paulo A. P.; Almeida e Silva, Sara (2016a) – Trabalhos arqueológicos de 2016 no crasto de Salreu, Estarreja. Breve notícia. Terras de Antuã. Histórias e memórias do Concelho de Estarreja. Ano 10. Nº 10. Estarreja, p. 39-57 Silva, António Manuel S. P.; Pereira, Gabriel R.;.; Tavares, João T.; Lemos, Paulo A. P.; Almeida e Silva, Sara (2016b) – Proto-história da Bacia do Antuã (2011-2015) - um projeto de investigação arqueológica em rede. Patrimónios de OAZ. Nº 0. Oliveira de Azeméis: Câmara Municipal, p. 77-96 Silva, António Manuel S. P.; Pereira, Gabriel R.; Tavares, João T.; Lemos, Paulo A. P.; Almeida e Silva, Sara (2016c) – Proto-história da Bacia do Antuã. Projeto de Investigação Arqueológica, 2011-2015. Relatório final, balanço e perspectivas de investigação. Arouca: Centro de Arqueologia de Arouca Silva, António Manuel S. P.; Pereira, Gabriel R.; Lemos, Paulo A. P.; Almeida e Silva, Sara (2016d) – Projecto arqueológico PROBA. Proto-história da Bacia do Antuã (Aveiro, Centro-Norte de Portugal). Projeto de investigação arqueológica. 2016-2017. Arouca: Centro de Arqueologia de Arouca Silva, António Manuel S. P.; Pereira, Gabriel R.; Lemos, Paulo A. P.; Almeida e Silva, Sara (2017a) – Uma aldeia de há dois mil anos. Um sítio arqueológico e a sua investigação. Terras de Antuã. Histórias e memórias do Concelho de Estarreja. Ano 11. Nº 11. Estarreja, p. 15-29 Silva,António Manuel S. P.; Pereira, Gabriel R.; Lemos, Paulo A. P.;Almeida e Silva, Sara (2017b) – Uma aldeia de há dois mil anos.Arqueologia no Castro de Salreu. Estarreja: Câmara Municipal [ 49 ]
ANTÓNIO PEDRO DE SOTTOMAYOR
AS CASAS DO MATO (SALREU) E DE FONTE CHÃ (BEMPOSTA) NOS OFÍCIOS CONCELHIOS ANTUANOS António Pedro de Sottomayor * Subsídios para a história dos registos e notariado no concelho de Estarreja • 1ª parte – de D. João II a D. Filipe II Frei Bernardo do Amaral nasceu em São Martinho de Salreu, a 24 de Junho de 1714. Conforme nos deixou escrito, foi o décimo e penúltimo filho do capitão João Rebelo de Almeida e Amaral e de sua mulher D. Mariana Nogueira de Pinho, proprietários e moradores na quinta do Couto naquela freguesia que então pertencia ao concelho de Pinheiro da Bemposta. Monge de São Bernardo aos dezoito anos, o percurso de pregador levou-o do mosteiro de Bouro ao de Seiça - onde morreu abade a 6 de Outubro de 1780 -, passando por Portalegre, Évora, Tavira e Alcobaça, sendo prior neste último durante tempo significativo. O seu labor genealogista produziu um par de livros manuscritos nos anos setenta do século XVIII. Ali reuniu muita informação avulsa legada pelos antepassados, nomeadamente o tio D. Manuel dos Santos, cónego regular de Santa Cruz de Coimbra, “grande Estadista, versado em toda a História (…) muito amante dos Parentes, e sobretudo Religioso de grande virtude”. Naquele que subordinou à “Genealogia dos Pinhos, Almeidas e Amarais”, ocupou alguns folios com as gerações dos morgados da vizinha quinta do Mato, a propósito do casamento da irmã Arcângela Micaela Josefa do Amaral na referida Casa. Nessa génese específica, ao patriarca António da Cunha “o velho” – a quem deu por fundador – entroncou-o na “ilustre e antiga” linhagem dos senhores de Tábua, através do paço coimbrão de Sub-Ripas. Depois reproduziu a tradição corrente ainda no seu tempo, justificando a razão pela qual à Casa do Mato pertencera, ao longo de várias gerações, o uso dos principais ofícios do concelho de Antuã, então já identificado como Estarreja: um dote que a rainha teria oferecido a Maria Jerónima de Azevedo – mulher daquele – por servir de ama-de-leite aquando do imprevisto nascimento de um rebento régio, em trânsito pela estrada de Assilhó. Segundo o mesmo, pela dedicação demonstrada durante o “tempo que foi necessário para a criação do infante”, Maria Jerónima ainda teria visto a graça acrescentada de “toda a renda do dízimo junto a Angeja e Albergaria-a-Velha, e do Hospital da mesma”, instituição que se calcula teria albergado o real parto (DOC. 1). Chegaram estas notas ao conhecimento posterior de Manuel Felgueiras Gaio – reputado genealogista – que as fez incorporar, sem cotejo, no seu magno Nobiliário de Famílias de Portugal, manuscrito novecentista cujos trinta e três volumes acabaram dados à estampa em meados do século XX e dessa forma se renomearam. Tornada obra de referência, a sua monumentalidade gerou, porém, inevitáveis erros, alguns dos quais se assumiram como * Licenciado em Design. Desenvolve a sua actividade profissional na área da arquitectura. Autor de vários ensaios no âmbito da genealogia e história da Família
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paradigma no decurso dos anos. Tal foi o caso de parte do que ficou escrito no parágrafo anterior, conforme se procurará demonstrar adiante, móbil para uma breve resenha acerca da propriedade dos ofícios do concelho de Antuã / Estarreja entre os reinados joaninos do “Perfeito” (1481-95) e do “Magnânimo” (1706-1750).
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No ocaso do século XV, alvorada do renascimento, Antuã ainda se designava por “julgado”, termo identificativo do conceito que presidia aos antigos concelhos rurais – de cariz medievalista –, cuja autoridade máxima se prefigurava num “Juiz”, eleito pelos homens-bons da terra. Consoante afirma o historiador local Marco Pereira, tratando dos actuais concelhos de Estarreja e Murtosa no século XIII, sendo couto pertencente ao mosteiro de Arouca, a esta instituição monacal cabia, entre outros, o poder da confirmação dessa escolha para o exercício da autoridade cível e criminal, bem assim como da nomeação do meirinho a quem o magistrado haveria de encarregar as necessárias diligências1. Ao poder régio ficava o recurso de última instância – cível e criminal – e, não só ali como em todo o reino, a faculdade da criação e regimento dos oficiais da escrita2 – tabeliães e escrivães – principais responsáveis pela produção, guarda e conservação dos registos. Encartados por D. João II encontravam-se neste particular no julgado de Antuã, dois homens afectos ao senhorio de Angeja: LOPO PRETO como tabelião do cível e crime (14831510) (DOC. 2); e PERO ANES enquanto escrivão dos órfãos – oficio que depois exerceu também aquele tabelião, por morte deste – e escrivão das sisas (1496-15??). Estão referenciados como escudeiros de João de Albuquerque3, fidalgo influente no confinante julgado de Figueiredo, onde detinha a jurisdição civil e criminal das suas terras patrimoniais de Angeja e Pinheiro (da Bemposta)4. Seleccionados portanto, não por indicação concelhia – ou sequer pelas donatárias monjas de Arouca –, mas no contexto protector do “clientelismo e vassalidade”, identificado por Maria Helena da Cruz Coelho ao traçar o perfil profissional e socioeconómico dos tabeliães portugueses de quatrocentos5. Facto ainda mais evidente atendendo ao anterior percurso regional de Lopo Preto, nomeado já por D. Afonso V para o tabelionado
1 - PEREIRA, M. (2014). Os actuais concelhos de Estarreja e Murtosa no século XIII. Terras de Antuã. Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja, 8, p. 165. 2 - BARROS, H. G. (1950). História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV (2ª ed., Vol. VIII). Lisboa, Portugal: Livraria Sá da Costa, pp. 417-420. Numa carta de 1350, o rei D. Fernando é claro nesse sentido: “E porque acrescentar ou fazer Tabelliãaes nos nossos Regnos de direito pertence a nós tam somente”. 3 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. Afonso V, Liv. 32, fl. 37: Lopo Preto – Carta de tabelião do Vouga (Lopo Preto, escudeiro de João de Albuquerque); TT/CHR/Chancelaria de D. Manuel I, Livro 33, fl. 88: Pero Anes – Carta de escrivão das sisas de Antuã (Pero Anes, escudeiro de João de Albuquerque). 4 - MORENO, H. B. (1980). A Batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e significado histórico (Vol. II). Coimbra, Portugal: Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, pp. 691-693. João de Albuquerque, cavaleiro da Casa do Infante D. Henrique, era o filho primogénito de Pedro Vaz da Cunha, de quem herdou as terras de Angeja, Figueiredo e Assequins, situadas no almoxarifado de Aveiro. Pelos seus relevantes serviços em África, o rei D. Afonso V concedeu-lhe, por carta de 23 de Março de 1460, a jurisdição civil e criminal das suas terras patrimoniais de Angeja e Pinheiro, com excepção da correição e das alçadas. 5 - CRUZ COELHO, M. H. (1996). Os Tabeliães em Portugal. Perfil profissional e sócio-económico (Sécs. XIV-XV). Historia, Instituciones, Documentos, 23, p. 185.
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do Vouga6 – arcediagado a que Angeja pertencia – e para as sisas de Figueiredo7, julgado onde também o “Príncipe Perfeito” o elevaria a tabelião8. Participavam desse modo activamente na teia governativa do seu senhor, usando e abusando da informação e do poder que a escrita lhes conferia, num tempo em que o analfabetismo imperava. Para a Casa de Angeja significavam dois pares de olhos e ouvidos extra na maioria dos negócios e transacções, ajudando ao domínio dos meandros da justiça e administração local9. Naturalmente em prejuízo do cenóbio arouquense que, como se verá na segunda parte deste trabalho, só entrado o século XVIII conseguiria chamar a si essa prerrogativa. Conforme as “Ordenações Afonsinas”10 em vigor, esperava-se de um tabelião “do cível e crime” – também designado “do judicial”, “das audiências”, “do banco” ou “d’ante o juiz” – que actuasse como escrivão subordinado ao juiz de primeira instância, procedendo ao registo de todos os actos judiciais, lavrando instrumentos que resultassem de sentença ou que se destinassem ao funcionamento da justiça11. Por seu turno, na chancelaria régia não se encontraram para o julgado de Antuã, neste período, quaisquer investiduras de tabeliães “do público” – também chamados “do paço” ou “das notas” – estimando-se por isso que Lopo Preto acumulasse, igualmente, essas funções. De facto tratavase de uso antigo, embora contestado interpares e nem sempre evitado com sucesso, dada a pouca uniformidade revelada pela aplicação em todo o reino do citado código legal afonsino. Aliás essa separação legal de atribuições entre o “público” e o “judicial” – já enunciada por D. João I – revelar-se-ia quase redundante a breve trecho, com as reformas manuelinas a vulgarizarem a criação de “tabeliães do público e judicial”. Dessa maneira àquele escudeiro dos Albuquerque, residente primeiro em Antuã e mais tarde “morador na Bemposta”12, cabia também, a redacção e autenticação de contractos ou instrumentos de foro extrajudicial ou público13, tais como testamentos, inventários, compras, vendas, arrematações, aforamentos, emprazamentos, obrigações, e outros.
Autógrafo e sinal público de Lopo Preto (1483)
6 - Vd. nota 3. 7 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. Afonso V, Liv. 32, fl. 45 vrs: Lopo Preto – Carta de escrivão das sisas de Figueiredo. 8 - Ibid., Chancelaria de D. João II, Liv. 15, fl. 62: Lopo Preto – Carta de tabelião de Figueiredo. 9 - (CRUZ COELHO, 1996: 188) 10 - Trata-se de uma das primeiras compilações jurídicas portuguesas da era moderna, promulgada em meados do século XV durante o reinado de D. Afonso V. 11 - BARROS, H. G. (1950). História da Administração Pública em Portugal (2ª ed., Vol. VIII). (T. S. Soares, Ed.) Lisboa, Portugal: Livraria Sá da Costa Editora, pp. 364, 428. 12 - A Carta de Foral a Figueiredo e Bemposta, datada de 1514, refere especificamente a existência de um lugar designado “Casal de Lopo Preto”. 13 - (BARROS, 1950: 431)
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Globalmente desconhece-se a forma como terá desempenhado as suas funções. Nem sempre os tabeliães actuavam com o zelo, a honestidade e a competência expectáveis. Na realidade, é quase paradigmático o retrato que lhes traça a sociedade ao longo dos tempos, sabiamente resumida na seguinte afirmação: “Ignorância, incompetência, desonestidade, impertinência e arrogância, eis os vícios do tabelionado aos olhos do povo”.14 Um perdão dado por D. Manuel em 27 de Setembro de 150115 permite, no entanto, levantar uma ponta desse véu: tempos antes, fora Lopo Preto denunciado ao corregedor da comarca da Estremadura, por fazer “muitas erradas em seu ofício”. O motivo levara-o ao cárcere da correição, e a enfrentar um processo no qual saiu condenado a perder os tabelionados de Figueiredo e Antuã, além de se ver degredado dos mesmos concelhos pelo prazo de um ano. Apelou à Casa do Cível de Lisboa que, no entanto, confirmou a sentença. Então foi cumprir o degredo, mas ao fim de quatro meses pediu ao rei que lhe relevasse os oito meses em falta, por ser “homem doentio e pobre”. Conseguiria o desejado perdão, depois de pagar “1700 rs para a Piedade16”. De igual forma, uma lembrança registada em 1613 num dos livros do convento de São Domingos de Aveiro17, determina a conclusão de que Lopo Preto terá voltado a reaver aqueles ofícios, mantendo-se ainda como tabelião de Figueiredo a 27 de Janeiro de 1510. Morreria durante esse ano, conforme se deduz da carta passada ao novo tabelião. Em relação a Pero Anes, e não se encontrando ao tempo nomeação de qualquer juiz dos órfãos ou das sisas em Antuã – indício de não residirem ali sequer quatrocentos vizinhos18 – é de crer que terá actuado em subordinação ao juiz ordinário do julgado o qual, na maior parte do reino – excepção feita a algumas vilas e cidades – acumulava essas funções, situação que melhor satisfazia as assembleias locais em detrimento das imposições régias ou senhoriais19. Omisso o “Código Afonsino” quanto à regulamentação dos juízos de órfãos, servem as ulteriores “Ordenações Manuelinas”20 de 1512 o intuito de perceber as competências atribuíveis ao supracitado escudeiro, o qual aparece – salvo melhor notícia – como o primeiro “escrivão dos orfãos” referenciado em Antuã21. Tinha como incumbência de fundo, organizar e manter actualizados os livros onde devia registar os dados de cada órfão: nome, filiação, idade, local da residência, com quem vivia e quem era o tutor ou curador, o inven14 - (CRUZ COELHO, 1996: 189) 15 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 46, fl. 91 vrs.: Lopo Preto, escudeiro – Carta de perdão. 16 - Refere-se a expressão à primeira Misericórdia portuguesa, fundada pela rainha-viúva D. Leonor – irmã de D. Manuel – três anos antes, a 15 de Agosto de 1498. Denominada “Irmandade de Invocação a Nossa Senhora da Misericórdia, estava sediada na capela de Nossa Senhora da Piedade, na Sé de Lisboa. 17 - AUC/Convento de S. Domingos de Aveiro, Livro de Lembranças de Missas III/1ºD/15/2/2, (29), fl. 13: Aveiro, 1613, Janeiro, 8 “Sequência das demandas que o convento fez para reaver a Quinta de Canelas e a Marinha do Puxadouro que João de Albuquerque doou ao cenóbio para pagamento da capela que ele instituiu”. 18 - O título LXVII do Livro I das “Ordenações Manuelinas”, relativo ao ofício do Juiz dos orfãos, começa por ordenar que “em todalasVillas e Luguares, onde naVilla e Termo ouver quatrocentos vezinhos e di pera cima, aja fempre Juiz dos orfãos apartado; e onde os nom ouver, os Juizes Ordinarios do dito Luguar ferviram o dito officio de Juiz dos orfãos com os Tabaliães da ditaVilla”. 19 - MACHADO, M. F. (2010). Os órfãos e os enjeitados da cidade e do termo do Porto (1500-1580). Porto, Portugal: Faculdade de Letras da Universidade do Porto – Departamento de História e Estudos Políticos e Internacionais, pp. 40-41. 20 - Primeiro corpo legislativo português impresso, promulgado por D. Manuel com o objectivo de corrigir e actualizar as anteriores “Ordenações Afonsinas”. Mais conciso e imperativo, o seu texto vigorou entre 1512 e 1605, fomentando a unidade nacional e contribuindo para a consolidação do papel do rei na administração da justiça. 21 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 18, fl. 55 vrs: Afonso Pires, tabelião – Carta de escrivão dos órfãos no concelho de Antuã, em substituição de Pero Anes, falecido.
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tário dos bens móveis e de raiz que possuía, assim como o rol das suas dívidas e créditos, de modo a assegurar que todo o seu património fosse bem gerido até à data da restituição, coincidente com a sua emancipação22. No que às sisas concernia e sendo imposto extraordinário que há mais de um século (1387) se tornara receita permanente do reino, estava o escrivão obrigado à regulação definida por D. Afonso V nos “Artigos da sisa” de 1476. Sempre que se julgava quem pretendia fugir à acção do fisco – não pagando as taxas correspondentes à transacção de quase tudo o que se comprava ou trocava, assim lesando a fazenda pública – era obrigação do oficial encarregue das sisas redigir os instrumentos legais, autos, actas e demais termos desses processos23. Pero Anes não sobreviveu a Lopo Preto. É facto documentado que por motivo de óbito, este o substituiu na escrivania dos órfãos e das sisas de ambos os julgados – Antuã e Figueiredo – seguramente nos primeiros anos do século XVI. Assim era a prática anterior, de que ainda se encontra lembrança no mencionado código manuelino, tratando de quem julgava e quem registava na esfera legal dos órfãos, ofícios que “antiguamente pertenciam aos Juizes Ordinarios, e Tabaliães de Nossos Reynos”24. Figueiredo, Antuã, Vouga e os lugares do seu arcediagado, continuaram a revelar-se, já no reinado de D. Manuel, territórios debaixo da mesma influência sociopolítica, o que justifica terem os principais ofícios concelhios entregues aos mesmos “homens de mão”. Não será alheia ao facto a proximidade da Casa de Angeja ao novo monarca, na pessoa do guarda-mor Jorge Moniz. Desde 20 de Julho de 149725 que este recebera as terras de Henrique – o último dos Albuquerque, falecido sem geração – terrados cujo rendimento anual, à guisa de curiosidade, ultrapassava os oitenta mil reais, valor que então comprava oitocentas gramas de ouro… isentas de sisa26! * Cumprindo a mesma trajectória acima identificada, a Lopo Preto seguiu-se AFONSO PIRES, encartado a 11 de Janeiro de 1511 como tabelião do público e judicial simultaneamente em Figueiredo e Antuã, unidades geopolíticas que então deixavam cair a designação de “julgado” para assumirem, em definitivo, a identificação de “concelho”, mais de acordo com o objectivo reformista do “Venturoso”. Estreia-se na documentação, como o primeiro proprietário identificado desses ofícios a residir no lugar do Mato do concelho de Antuã (DOC. 3). No ano imediato e por renúncia de um Gil Coelho, caber-lhe-ia igualmente o tabelionado público e judicial dos lugares do arcediagado do Vouga27, ofício que perdeu cinco anos mais tarde, por empatar a emissão
22 - (MACHADO, 2010: 47) 23 - Pequena síntese histórica dos impostos em Portugal. (1993). Fiscália, 6, pp. 22-24. 24 - Ordenações Manuelinas, Livro I, Título LXVIII. 25 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 29, fl. 30 vrs.: Jorge Moniz, fidalgo da Casa Real e guarda-mor – Mercê das terras que ficaram vagas por falecimento de Henrique de Albuquerque. 26 - VASCONCELOS, P. (1999). O “real” valor do “Dinheiro” – 850 anos de história de inflação em Portugal. Sacavém, Lisboa, Portugal: Districultural, p. 47. 27 - Além das oito freguesias da cidade de Coimbra, a respectiva diocese dividia-se então em três arcediagados: Penela (92 paróquias), Seia (123 paróquias) e Vouga (146 paróquias).
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de certo instrumento a um vizinho em prol da vontade do concelho28. Para o substituir foi nomeado um morador do Porto que nele não se manteve muito tempo – quiçá nunca dele chegasse a tomar posse – uma vez que em 1522, na transição de reinado, D. João III voltou a confirmar Afonso Pires como tabelião nas terras do Vouga “assim e pela maneira que o ele deve ser e o até aqui foi por carta d’El Rei nosso senhor e padre que santa gloria haja”.29
Autógrafo e sinal público de Afonso Pires (1511)
Pelo que acima fica dito, o rasto do seu debute como oficial público poderia ligá-lo exclusivamente à Casa de Angeja, como os antecessores. No entanto o mesmo diploma que o promove no Vouga em 1512, informa que manteria pelo menos uma outra residência, na vila de Avelãs30, a oito léguas de distância para sul! Confirmam este dado, as inquirições de 1511 que antecederam a renovação dos forais manuelinos, onde Afonso Pires consta e subscreve como um dos “homem-bons” da região31, hipoteticamente filho ou sobrinho de um outro do mesmo nome que ali fora tabelião do cível e crime no tempo de D. João II32. Pertencia a terra a António Borges de Miranda – também senhor de Carvalhais, Ferreiros, Verdemilho e Ílhavo – e é a confirmação joanina acima citada que garante Afonso Pires como “escudeiro e criado” de Gonçalo Borges, um dos seus filhos, fidalgo da casa real. Era sua mãe Margarida Henriques, sobrinha tanto de Catarina – a viúva do último dos Albuquerque de Angeja – como de Henrique Henriques – o caçador-mor de D. Manuel e senhor das Alcáçovas que, ao casar dois dos seus filhos, se tornara compadre do guarda-mor Jorge Moniz já mencionado. Desse modo se deverá situar o patrocínio de Afonso Pires ao favor régio, algures entre os senhores de Angeja e de Avelãs, não desmerecendo os Henriques das Alcáçovas enquanto elo de ligação.
28 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 10, fl. 3: Afonso Álvares, morador na cidade do Porto – Carta de tabelião do concelho do Vouga em substituição de Afonso Pires que perdeu o ofício por erros no diploma declarados: fora requerido por Fernão Borges para lhe dar um instrumento de como o concelho punha embargos e não queria cumprir uma carta passada pela chancelaria, relativa à concessão de uma mercê de um ofício de inquiridor nesse concelho. Afonso Pires o trouxera em perlongas 15 ou 20 dias e mais, sem lhe querer dar o instrumento. 29 - Ibid., Chancelaria de D. João III, Liv. 47, fl. 59 vrs: Afonso Pires – Carta de tabelião do concelho e arcediagado do Vouga. 30 - Ibid., Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 42, fl. 1: Afonso Pires – Carta de tabelião do arcediagado do Vouga. 31 - Avelãs de Caminho, J. F. (Ed.). (s.d.). Foral Manuelino. (Niceoffice) Obtido em 3 de Julho de 2017, de Avelãs de Caminho. Sua terra suas gentes!: http://avelasdecaminho.pt/niceoffice/mod1/?&tp=temp001&fid=1.0&lg=PT 32 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. João II, Liv. 22, fl. 25: Afonso Pires – Carta de tabelião de Avelãs de Cima. A data do diploma régio é de 17/6/1484 mas, por motivo de renúncia ou óbito, a 22/12/1486 foi nomeado para o mesmo ofício um Gomes Afonso.
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No seu tempo já os ditames da moda tinham – não sem custo e por anuência de D. João II – feito cair a antiga imposição dos tabeliães trajarem “continuadamente roupas farpadas, e devisadas de colores desvairadas com deferenças partidas bem divisadas”.33 Parecia agora suficiente que, para se diferenciarem do clero e afirmarem a sua jurisdição régia, se limitassem apenas a nunca trazer “em nenhum tempo coroa aberta grande, nem pequena”, sob pena de perderem o ofício! Menos mal no que tocava à discrição e conforto no vestir. Contudo e por melhor cavaleiro que fosse numa época de caminhos difíceis e morosos, árdua haveria de ser a tarefa deste homem para assegurar presença em todas as audiências e actos necessários, como mandava o regimento, cujo texto ainda lhe onerava os encargos das deslocações. Da mesma forma lhe saía da bolsa o elevado custo de manter cavalo, conforme a directiva imposta desde o reinado do Mestre de Avis proibindo o uso de mula ou rocins a “todos cavaleiros vassalos do Rei” e obrigando a montar cavalos capazes de “correr de guisa, que huu homem possa em eles fazer o que deve, e o que se deve fazer em serviço de guerra; ou em potro de dois anos acima, que seja de boa levada”.34 Além do mais, actuando perante o juiz, obrigava-se ao acerto prévio entre ambos dos dias e horas das audiências, de modo a evitar a coincidência de datas em localidades diversas; já quanto à tomada pública de notas a que por sua ausência não pudesse atender, algumas primariam pelo atraso – como fora o caso acima citado que motivou a momentânea perca do ofício no Vouga – enquanto outras ficariam eventualmente por cumprir. O padre João Gonçalves Gaspar, tratando da autonomia religiosa de Aveiro35, situa na vila de Esgueira a sede do arcediagado do Vouga ao tempo de que se fala, identificando-lhe em seguida os contornos: “Dilatava-se por vasta região, confinando a norte com a Diocese do Porto no rio Antuã, a oriente com a Diocese deViseu e com o Arcediagado de Seia, a sul com o rio Mondego e o termo da cidade de Coimbra, e a ocidente com o Atlântico”. Apesar do extenso território a cobrir, o simples facto do arcediagado ter o rio Antuã como fronteira, permitia àquele notável de Avelãs cumprir duas das principais imposições manuelinas: que a eventual acumulação de tabelionatos ou escrivanias não acontecessem em entidades geográficas afastadas mais de um par de léguas; e que os seus detentores em todas mantivessem residência36. Figueiredo, Angeja e Bemposta receberam foral conjunto a 15 de Agosto de 1514. A vez de Antuã chegaria cinco anos mais tarde, a 15 de Novembro de 1519. Dois anos depois, a estreia de juiz dos órfãos e das sisas naqueles concelhos, denota já o crescimento dos mesmos acima das mil e quinhentas almas. Um Álvaro Pires morador na Bemposta – centro nevrálgico do concelho de Figueiredo – arrematou a compra do primeiro dos cargos, a 6 de Setembro de 1521, por doze mil e quinhentos reais37. A coincidência do apelido pode sugerir um qualquer parentesco com o tabelião de Figueiredo e Antuã, o qual também servia como escrivão dos órfãos desde a morte de Lopo Preto há uma década. Contudo por negligência ou mera força do hábito institucional, Afonso Pires não tirara a inevitável carta régia. Percebeu a falta António Fernandes,
33 - Ordenações Afonsinas, Livro I, Título XXXXVIIII. 34 - Ordenações Afonsinas (1984), Livro I, Título XIX §13-26. 35 - GASPAR, J. G. (Junho de 1975). A liberdade em Aveiro. Aveiro e o seu Distrito, 19, p. 25. 36 - Ordenações Manuelinas, Livro I, Títulos LIX e LX. 37 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. Manuel I, Livro 18, fl. 10 vrs: Álvaro Pires – Carta de juiz dos orfãos de Figueiredo.
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outro vizinho da Bemposta – onde actuava como requeredor e recebedor das sisas – o qual, perante a notícia da próxima criação de um juizado dos órfãos local, comparecera perante o chanceler-mor de D. Manuel, a quem convencera a passar-lhe carta do ofício. Assim se fez, mesmo que ao arrepio da lei que obrigava o beneplácito régio naquela matéria. Inconformado, Afonso Pires reagiu apresentando uma petição ao rei, na qual expunha as suas razões baseadas na ilegalidade do processo anterior. A inquirição judicial consequente determinou a confirmação dos factos, pelo que António Fernandes viu-se inibido da escrivania dos órfãos de Antuã e Figueiredo em favor do seu contendor, e ainda perdeu os oitocentos reais que pagara da dízima – metade dos quais ressarciram Afonso Pires das custas legais, cobrindo o restante os direitos ordenados para exercer o ofício. Data de 30 de Outubro de 1521 o diploma que estabelece o acima referido (DOC.4). Por seu turno, nomeado a 16 de Maio desse mesmo ano38, estreara-se como juiz das sisas em Antuã um João Fernandes, ali residente, do qual, como no caso anterior, se pode suspeitar parentesco com aquele António Fernandes há quatro anos responsável pela cobrança do imposto naquelas paragens39. No caso particular da escrivania das sisas de Antuã e Figueiredo, coube a João de Lamego, moço de estribeira de D. Manuel, substituir Lopo Preto ainda em vida deste que para isso nele renunciou. Todavia, a sua permanência no cargo revelou-se efémera – fosse por desejo próprio ou capricho real – acabando também ele por renunciar ao mesmo “em mãos d’el-Rei” o qual, por carta de 8 de Março de 151140, fez mercê do ofício ao escudeiro Diogo de Andrade, outro vizinho notável da vila da Bemposta a quem se voltará adiante. Todo este status quo não se alterou com a subida ao trono de D. João III: nos concelhos de Antuã e Figueiredo, Diogo de Andrade foi confirmado como escrivão das sisas em Agosto de 1522 (DOC.5), mês e ano em que também Afonso Pires se viu reconduzido como tabelião do Vouga41 e seu arcediagado42; tardaria um mero par de anos a confirmação deste último em Antuã e Figueiredo como tabelião do público e judicial, e escrivão dos órfãos, respectivamente em Agosto e Novembro de 152443. Quinquagenário44, Afonso Pires vivia então o cúmulo da sua carreira de oficial régio, detendo ao todo três tabelionatos e duas escrivanias dos órfãos! Vislumbra-se que aguardasse também o imperativo cumprimento do quarto de século45 por parte de seu filho Bernardo – quiçá o varão primogénito –, para lhe assegurar uma parcela desse quinhão de “prós e percalços” conforme expressavam os diplomas. Será essa a principal motivação que o levará, ao longo do ano de 1528, a conseguir licença de D. João III para renunciar naquele
38 - Ibid., Chancelaria de D. Manuel I, Livro 39, fl. 56: João Fernandes – Carta de juiz das sisas de Antuã. 39 - Ibid., Chancelaria de D. Manuel I, Livro 38, fl. 104 vrs: António Fernandes – Carta de recebedor das sisas no concelho da Bemposta; fl. 106 vrs: António Fernandes – Carta de recebedor das sisas de Antuã e Angeja; carta de requeredor das sisas de Figueiredo. 40 - Ibid., Chancelaria de D. Manuel, Livro 8, fl. 25 vrs: Diogo de Andrade – Carta de escrivão das sisas dos concelhos de Figueiredo e Antuã. 41 - Ibid., Chancelaria de D. João III, Livro 47, fl. 59 vrs: Afonso Pires – Carta de tabelião do concelho do Vouga. 42 - Ibid., Chancelaria de D. João III, Livro 46, fl. 31 vrs: Afonso Pires – Carta de tabelião dos lugares do arcediagado do Vouga. 43 - Ibid., Chancelaria de D. João III, Livro 45, fl. 149: Afonso Pires – Carta de tabelião dos concelhos de Antuã e Figueiredo; Carta de escrivão dos órfãos dos concelhos de Antuã e Figueiredo. 44 - Enquadra-se o seu nascimento na primeira metade da década de 1470, partindo dos pressupostos de que terá casado em 1500 (o filho Bernardo nasceu antes de 1503) entre os 25 e os 30 anos de idade, e morrido quase septuagenário, depois de 1540. 45 - Ordenações Manuelinas, Livro I, Título LXXIII.
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filho os ofícios que tinha no concelho de Figueiredo. Desse modo satisfazia as responsabilidades parentais assegurando-lhe uma carreira, e ele próprio atenuava as suas, reduzindo a área de influência geográfica a cobrir. Estima-se de igual forma que a idade e o cansaço de quase duas décadas de serviço, já nele se fizessem anunciar. Isso subentende-se da autorização régia então concedida para – contrariando a lei vigente – poder deslocar-se em “besta muar e faca de sela e freio posto”, um meio de locomoção sem dúvida menos exigente do que o cavalo sob o ponto de vista físico. Descarta-se neste particular o argumento financeiro, em virtude dos confortáveis rendimentos que decerto lhe adviriam da acumulação de ofícios46. O quadro de uma saúde mais débil parece reforçar-se quando, em Julho de 1534, volvidos cinco anos e já sexagenário, recebeu do “Piedoso” licença para ter um ajudante nos ofícios de Antuã: uma pessoa apta que o aliviasse da escrita, na condição de que tudo o que fizesse fosse sobrescrito e validado por Afonso Pires com o seu sinal público (DOC.6). Finalmente, dobrados os sessenta e cinco anos e caminhando para a senectude, pretendeu vender os ofícios de Antuã, para o que recebeu autorização do rei por alvará de 9 de Agosto de 1540, pese embora o facto deste tipo de venalidade ter sido pouco praticada entre nós. A afirmação cabe ao historiador Francisco Ribeiro da Silva o qual, comparando o fenómeno com o da hereditariedade dos ofícios públicos em Portugal nos séculos XVI e XVII47, conclui que tal prática era geralmente entendida como “um caminho aberto para a incompetência e para toda a espécie de abusos”. Por essa razão, a venda dependia em absoluto de prerrogativa real, a qual muito raramente tinha sucesso! Assim mesmo conseguiu-o Afonso Pires, provando as boas graças em que El-Rei o deveria ter. Acabou por ganhar prevalência a via hereditária, antecedida da necessária renúncia ao ofício que aconteceu a 14 de Setembro seguinte perante o já citado Diogo de Andrade, escrivão das sisas de Antuã e Figueiredo, cargos a que juntava o de tabelião do público e judicial do almoxarifado de Aveiro. Um mês depois em Lisboa, a 13 de Outubro, o chanceler-mor Álvaro Fernandes fazia passar a respectiva carta empossando Bernardo Pires como o novel tabelião do público, judicial, órfãos e notas do concelho de Antuã (DOC.7). Restava agora a Afonso Pires, depois de três décadas ao serviço da população de Antuã (1511-1540), um ocaso mais repousado numa vida de que se não consegue datar o termo. Da mesma forma não permitem as fontes determinar o momento em que cessou o serviço no arcediagado do Vouga, o último dos ofícios que ainda detinha e onde o filho não sucedeu. * Desde princípios de Outubro de 1532 que D. João III autorizara BERNARDO PIRES a residir no lugar do Mato do concelho de Antuã, por ali “ter a sua casa e fazenda”.48 Presumese que até ali assistisse na vila da Bemposta e, por algum motivo omisso – herança, compra ou dote – se acercasse das propriedades paternas. O caso era singular exigindo parecer
46 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. João III, Livro 17, fl. 3: Afonso Pires – Carta para andar de mula. 47 - SILVA, F. R. (1988). Venalidade e hereditariedade nos ofícios públicos em Portugal nos séculos XVI e XVII. Alguns aspectos. Revista de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 8, p. 206. 48 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. João III, Livro 18, fl. 98: Bernardo Pires – Carta para viver em Antuã tendo os seus ofícios em Figueiredo.
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régio, uma vez que deixava de residir no próprio concelho de Figueiredo em que servia alguns dos principais ofícios de escrita. Dependeu a licença da garantia dada que, de um concelho ao outro, não haveria “mais de um quarto de légua”, o que lhe permitiria cumprir as suas funções sem escolhos de monta. Pelos mesmos dias, o rei voltou a contrariar o texto das ordenações do reino, concedendo-lhe igualmente licença para “andar de mula e faca de sela e freio posto”, porque não tinha cavalo.49 É de crer – e por oposição ao anteriormente considerado acerca da mesma autorização dada ao pai – que os motivos fossem agora de cariz financeiro e não de ordem física. Efectivamente Bernardo rondava os trinta anos de idade e construía uma ainda incipiente carreira de tabelião e escrivão dos órfãos.
Autógrafo e sinal público de Bernardo Pires (1540)
Certamente que seria casado, pois a esse estado o obrigava a lei comum a todos os oficiais régios. Já o decretara D. Afonso V fazendo eco dos seus predecessores50; era porém manuelina a cláusula limite dos quarenta anos como idade a partir da qual se extinguia aquela condição51. Não tendo contraído matrimónio à data da nomeação, ou enviuvando depois, era-lhes dado um ano para compor a situação, adequando-se desse modo ao regimento. Porém raramente perderiam o ofício por não o conseguirem cumprir. Aliás conforme afirma Cruz Coelho, já citada, “o casamento com um tabelião seria desejável socialmente”, tomando por exemplo certos versos do cancioneiro de Resende onde se lê “c’a molher do escrivam / cuyda que he hua raynha”52. E Bernardo Pires não terá fugido à regra, embora se desconheça, em absoluto, a forma como viveu ou exerceu o seu oficialato de quase um quarto de século, excepção feita ao seu óbito ocorrido seguramente antes de 12 de Janeiro de 1553. * Extrai-se esta data do alvará de nomeação de ANTÓNIO DA CUNHA para os lugares deixados vagos no concelho de Antuã, em virtude da anterior defunção. Consta o seu treslado na carta passada pela chancelaria régia a 24 de Janeiro seguinte, empossando definitivamente o varão supracitado como tabelião do público, judicial, escrivão dos órfãos, câmara e almotaçaria (DOC.8). 49 - Ibid., Bernardo Pires – Carta para andar de mula. 50 - Ordenações Afonsinas, Livro I, Título II. 51 - Ordenações Manuelinas, Livro I, Título LXXIV. 52 - (CRUZ COELHO, 1996: 187)
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Uma das lições que se tira do seu conteúdo permite, em simultâneo, completar o currículo do anterior oficial, assim como enquadrá-lo familiarmente com o seu substituto. De facto, fica a conhecer-se que também Bernardo Pires chegou a servir enquanto escrivão da câmara e da almotaçaria de Antuã, embora se não precise o tempo em que ocorreram tais eleições. A mesma frase que isto afirma, estabelece de igual forma que António da Cunha era irmão do finado tabelião. Merece este parentesco alguma atenção, por colidir com o que até hoje se conhecia deste presumido fundador da quinta do Mato, em Salreu, sob a pena do genealogista frei Bernardo do Amaral. Efectivamente o monge cisterciense fazia-o filho de Bento da Cunha Perestrelo e de sua mulher dona Antónia de Pina Mascarenhas, morgados de Papo de Perdiz (S. João de Almedina-Coimbra) e senhores do celebrizado paço de Sub-Ripas, na freguesia conimbricense de Almedina. Todavia e por tudo o que atrás se escreveu, António da Cunha era irmão de Bernardo Pires o qual, por seu turno, era filho de Afonso Pires. Manda a pureza da lógica, à partida, tecer o considerando de que António da Cunha seria, também ele, filho de Afonso Pires. No entanto uma análise incisiva sobre as cronologias biográficas de ambos os irmãos – Bernardo e António – afastam os respectivos nascimentos cerca de vinte cinco anos, dificultando a assunção de terem uma mãe comum. Seriam talvez por isso meio irmãos, resultando o nascimento de António de um segundo casamento de Afonso Pires, eventualmente com uma antuana de relevo, a qual transmitiu ao rebento o apelido “Cunha” que se supõe já implantado localmente. Por outro lado, a já citada carta de ofício de 24 de Janeiro de 1553, refere António da Cunha como “moço da câmara” de D. João III, e nessas funções o único desse nome assente no rol das moradias da Casa Real surge registado como filho de um Cristóvão de Almeida53. Provavelmente o mesmo que em 1526 recebeu do “Piedoso” um dote de cem mil réis para o seu matrimónio54 – metade dos quais a pagar no almoxarifado de Aveiro – data que enquadra sem reservas o cálculo estimado para o nascimento de António da Cunha, como já se verá. Esta proposição obriga, contudo, ao parentesco dos irmãos meramente pela via materna, assim como impõe dois casamentos à matriarca sem uma viuvez de permeio. Um facto demasiado complexo na sociedade de quinhentos, capaz de fazer pender a navalha de Ockham no sentido do parágrafo anterior. Por mais improváveis, sobram os equacionados de uma perfilhação ou de um cunhadio – sendo que neste ultimo âmbito não raras vezes se documentavam cunhados por irmãos. Enfim a cronologia natalícia do novo tabelião de Antuã permite contestar, em definitivo, a genealogia que se lhe atribui aceite sem reservas há mais de dois séculos! Encartado em 1553, teria forçosamente de ter cumprido vinte cinco anos de idade, conforme a lei vigente. Como tal, nascera antes de 1528. No que concerne a Bento da Cunha Perestrelo – o suposto pai – em poucos anos haveria de divergir no nascimento relativamente ao irmão Francisco Vaz Perestrelo, de quem se garante no processo de habilitação para Familiar do 53 -ANTT, Moradias da Casa Real, Maço 6, Livro 2, fl. 83 vrs: “António da cunha moço da camara escuso filho de Cristovam dalmeyda – 406 ¾”. 54 - Ibid., Corpo Cronológico, Parte II, Maço 149, nº 59: Provisão que mandou ao almoxarife do almoxarifado de Aveiro, dar a Cristóvão de Almeida, 50.000 réis de seu casamento.
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Santo Ofício, ter vindo ao mundo em 1597!55 Verifica-se assim um anacronismo de quase um século entre pai e filho, inviabilizando neste particular os textos de frei Bernardo do Amaral, Rangel de Macedo ou Felgueiras Gaio. Esperava-se de um escrivão da câmara – cargo remunerado – que passasse à escrita, todo o expediente relativo à vereação, desde a movimentação financeira do concelho às actas das sessões de câmara, passando pelas queixas e requerimentos dos vizinhos, e os acórdãos e posturas da edilidade devidamente subscritos pelos respectivos vereadores, oficiais e homens-bons. A tudo isso, acrescia ainda a responsabilidade de guardar uma das chaves da arca do concelho, onde se guardavam os forais, tombos, privilégios e escrituras de relevo. A almotaçaria fiscalizava a actividade económica no concelho procurando, em concomitância, um equilíbrio ideal ao nível da saúde, alimentação e higiene públicas. Cabia-lhe a verificação do cumprimento das posturas municipais e aplicação de coimas aos infractores, assim como o controlo e aferição dos pesos e medidas, e o abastecimento e correcto funcionamento de mercados e feiras, nomeadamente em épocas de maior escassez. Subordinado ao almotacé, o escrivão da almotaçaria devia registar todas as transgressões e apresentar-lhas mensalmente. No caso daquele em nada proceder, deveria mostrá-las aos juízes e vereadores, sob pena de ter de pagar “em dobro para o concelho todas as coimas e penas que assim não mostrar”. Esta grande interdependência com a edilidade resultava, frequentemente, na concentração desta escrivaninha com a da câmara num mesmo oficial, facto que se registou de igual forma – e em Antuã pela primeira vez por ingerência régia e decerto à revelia do concelho – na pessoa de António da Cunha.
Autógrafo e sinal público de António da Cunha (1553)
Acumular ofícios não era incomum, como já se viu. A prática insere-se até no perfil da classe levantado por Cruz Coelho: “Podem almejar o poder. Governar. Na sombra, pressionando os que mandam, ou frontalmente, desempenhando cargos municipais, acumulando-os ilegalmente, ou alternando-os com a sua profissão”.56 No geral, discordavam os concelhos dessas imposições dos soberanos, pretendendo 55 - Ibid., Habilitações do Santo Ofício, Francisco Vaz Perestrelo, letra F, maço 2, nº 92. 56 - (CRUZ COELHO, 1996: 186)
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manter do seu lado a decisão da escolha, por razões de competência e maior conhecimento local. Mas sempre que a oportunidade se criava, não hesitavam os reis em exercer essa prerrogativa. E o caso de António da Cunha – pela sua proximidade ao monarca enquanto moço da câmara – não terá sido excepção. Passava assim pelas suas mãos uma parte assinalável do governo local e da organização do poder central, tornando-o fonte de conhecimento privilegiado junto da coroa. Isso mesmo se fez sentir em pouco mais de um ano de actividade como tabelião de Antuã. No verão de 1554, já informava D. João III dos abusos que se cometiam na gestão e património do hospital de Albergaria, razão do seu menor rendimento. Certo do interesse régio em retomar o controlo da instituição, pedia também ao soberano que lhe fizesse mercê da sua administração, o que veio a conseguir “em dias de sua vida e de huum seu filho que ele nomear”.57 Um exemplo, entre muitos, da forma como medravam os tabeliães mais sagazes, usando – e não bastas vezes abusando – da influência inerente ao cargo que os tornava tão imprescindíveis quanto ubíquos nas malhas do negócio local ou mesmo regional. António da Cunha teve uma carreira longa de cinco décadas, servindo “com limpeza e satisfação”.58 Residiu no Mato, lugar de S. Martinho de Salreu, tal como o fizeram os antecessores, dos quais, hipoteticamente acabou herdeiro. O espaço físico onde actuou mantendo presença regular, foi a “Praça” do lugar de Estarreja, onde se localizavam a casa do concelho, a cadeia e a quinta das Freiras – centro administrativo e económico do mosteiro de Arouca, composto de “capela, hospedaria, celeiro e mais dependências, onde faziam pousada os procuradores do convento, quando vinham à cobrança dos foros”. Defronte erguia-se o pelourinho, hoje desaparecido59. Algures numa casa cedida pelo concelho, ou então nalguma dependência da própria quinta do mosteiro, haveria de funcionar o paço dos tabeliães, onde António da Cunha e Fernão Tavares – o outro tabelião de Antuã que se reserva para diante – por lei, deveriam estar “pola menhaã e aa tarde”, na sua qualidade de notários.60 Pelo que já se disse acerca do casamento dos tabeliães, pode estimar-se o de António da Cunha ocorrido em meados da década de cinquenta de mil e quinhentos. Segundo frei Bernardo do Amaral, a noiva, dona Maria Jerónima de Azevedo, era natural de S. Pedro do Sul e proprietária do “Paço”, no lugar de Figueiredo de Baixo. Do consórcio refere o frei genealogista um único filho: Jerónimo da Cunha de Azevedo. Recentemente, uma pesquisa no arquivo da Universidade de Coimbra revelou ainda um outro: Afonso da Cunha, licenciado em Leis (1580-1588), examina57 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Privilégios, Livro 2, fl. 300 vrs: António da Cunha – Carta de administração de hospital. 58 - Vd. Anexo, DOC.9 59 - PEREIRA, M. (2017). Beduído e Veiros. Património Construído. Estarreja, Portugal: Junta de Freguesia da União de Freguesias de Beduído e Veiros, pp. 12-16. 60 - Nenhum estudo ou monografia local se refere à existência de um “Paço dos Tabeliães” em Estarreja. Contudo, e segundo a normativa contida no artº XXI do regimento de 15 de Janeiro de 1305 de D. Dinis, “todolos Tabelliões em nos logares hu morarem devem a teer casa ou paaço sabudo en que escrevam as escripturas de que devem a dar fé a que os vaam buscar aqueles que perdante eles quiserem fazer os contractos, ca hé certo que os mais dos tabelliões o nom fazem assy nem querem teer casas en que escrevam e per esta razom perdem as gentes muito do seu dereyto porque nom podem aver as scripturas quando lhis conpre. Esto se entende teer casa na vila hu som muytos tabelliões ou de dous acima”. Antuã passou a ter dois tabeliães de notas na segunda metade do século XVI, logo teria obrigatoriamente um “paço dos tabeliães”.
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do ao grau de bacharel em 18 de Junho de 1585 e formatura a 22 de Julho de 158861. Destaque para o nome próprio que carregou, o qual pode desequilibrar a balança em favor da sua identificação como neto de Afonso Pires e não de Cristóvão de Almeida, novamente sem certezas. Seria por hipótese filho segundo, uma vez que também o irmão Jerónimo frequentou os estudos de Coimbra, onde entrou em 1578, dois anos mais cedo que Afonso. Licenciou-se em Cânones, fez exame ao grau de bacharel em 28 de Junho de 1583, e formatura a 10 de Dezembro de 158662. Aqui se propõe ainda um terceiro filho chamado Manuel da Cunha, com geração na Casa de Fonte Chã, freguesia da Bemposta, família, como se verá, onde se encontrava a propriedade do segundo tabelionado de Antuã. Todavia, a memória de Afonso e, a confirmar-se, de Manuel, não perdurou, o que se atesta pelo desconhecimento que deles tinha o genealogista século e meio mais tarde. A estreia da via universitária na Casa do Mato entre os filhos de António da Cunha – em Cânones e em Leis, ambos com a formatura que os habilitaria a cargos públicos – sustenta outra das asserções de Maria Helena da Cruz Coelho: “um ramo familiar sempre entrava para o clero regular ou secular, logo se estendendo um tentáculo para o religioso. Um outro cursaria a Universidade, seria bacharel ou doutor, alcançando cargos na administração local ou central. A inserção familiar do tabelião podia assim alargar a sua esfera de influência do local ao nacional, do tecido leigo ao religioso, do profissional ao político”.63 Justifica-se por isso a autorização pedida, já sob o jugo filipino, para poder renunciar os ofícios num dos seus filhos, seguramente o mais velho o qual, licenciado bacharel, se preparava então para sustentar conclusões no acto de formatura. Lavrado o alvará a 6 de Maio de 1586, apenas em Dezembro de 1604 foi accionada a sua única cláusula, por morte de António da Cunha quase octogenário. * Encartado a 19 de Abril do ano seguinte, JERÓNIMO DA CUNHA sucedeu de modo hereditário em Antuã enquanto tabelião do público, judicial, notas, escrivão dos órfãos, câmara e almotaçaria (DOC.9). Como tantos outros de semelhante forma e estilo, o instrumento de nomeação revela o normativo a cumprir por todos os que recebiam “d’el Rei” a mesma graça ou mercê. Acima de tudo, era imprescindível a sua presença prévia a exame na mesa grande do despacho da Casa da Suplicação, lendo e escrevendo perante os desembargadores de modo a fazer prova da sua aptidão para o exercício das funções. Ao chanceler-mor cabia a decisão final à qual sucedia – sendo favorável – a elaboração da carta, devidamente reproduzida nos livros da chancelaria e complementada com um texto autógrafo do novo tabelião, introduzindo o registo gráfico do seu sinal público.
61 - AUC, Índice de Alunos da Universidade de Coimbra, letra C, nº 014599, Afonso da Cunha (1580-1588). 62 - Ibid., nº 014995, Jerónimo da Cunha (1578-1586). 63 - (CRUZ COELHO, 1996: 187)
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Autógrafo e sinal público de Jerónimo da Cunha (1605)
“Este sinal tabeliónico corporizava o distintivo de cada um destes profissionais. Assumia diversas formas, começando, como no caso do primeiro tabelião conhecido, por uma simples cruz com círculos nas extremidades, para se transformar em figuras mais ou menos geométricas, algumas deveras elaboradas, ainda que esteticamente de pouco valor, contendo uns quantos o nome do referido tabelião”.64 Não sendo depois mutáveis sem prévia autorização régia, estes signos tendiam naturalmente a simplificar-se à medida que o titular envelhecia, dada a menor destreza na sua elaboração. Tendencialmente demarcados, muitos acabavam por assemelhar-se na limitada conjugação de linhas, formas e contrastes de claro-escuro; outros chegavam mesmo a transmitir-se, inalterados, por morte do anterior possuidor. Revela o universo dos onze sinais identificados para Antuã durante o período a que se refere o presente ensaio, duas linhas de força neste particular. Bem diferenciadas, as suas características associam-se no âmbito dos dois tabelionatos que, conforme se verá, concorreram no concelho: o mais antigo, tutelado pela Casa do Mato, sucedendo-se por signos díspares, claramente individualizados; o posterior, propriedade da Casa de Fonte Chã, evoluindo o grafismo a partir de uma estrutura base aparentemente constante. Antes da posse, havia ainda lugar a uma declaração por escrito, em que o novo oficial reconhecia ao rei o poder de lhe retirar o cargo em qualquer momento, isentando de compensações a fazenda real; a um juramento sobre o Novo Testamento em como serviria lealmente, acatando o regimento e atendendo aos interesses das partes; e, claro está, ao pagamento de uma fiança - os “direitos ordenados” – correspondente à propriedade dos ofícios em questão. É possível traçar a evolução desse valor ao longo do século XVI, recorrendo ao que se conhece das investiduras já mencionadas. Desse modo, no tempo de D. Manuel, Afonso Pires pagou 600 reais pelo tabelionato conjunto de Figueiredo e Antuã (1511), a que somou 800 64 - (CRUZ COELHO, 1996: 181-182)
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ao receber a escrivania dos órfãos (1521), perfazendo um total de 1400 reais, o equivalente a perto de 13 gramas de ouro65. Já sob a égide de D. João III, o filho Bernardo Pires deixou no tesouro da chancelaria a soma de 4000 reais pelos mesmos ofícios em Figueiredo (1528), e outro tanto pelos de Antuã (1540), correspondendo cada um a cerca de 36 gramas de ouro66. Ainda em finais do mesmo reinado (1553), António da Cunha pagaria ao tesouro pelos ofícios anteriores em Antuã – acrescidos da escrivania da câmara e da almotaçaria – 5000 reais que compravam pouco mais de 40 gramas do mesmo metal de referência. Finalmente o filho deste, Jerónimo da Cunha, sob a alçada do segundo dos Filipes (1605), entregou em mãos do tesoureiro da chancelaria régia 6250 reais, correspondentes aos mesmos ofícios que o pai exercera; face à desvalorização da moeda à época, a quantia comprava praticamente o mesmo ouro que o valor pago pelo antecessor cinquenta anos antes67! * Na transição para o século XVII estavam pois entregues aos Cunha da Casa do Mato, as principais escrivanias do concelho de Antuã, excepção feita à das sisas, como ficou visto, desde 1511 na posse de DIOGO DE ANDRADE, morador na sua quinta de Fonte Chã, lugar da vila da Bemposta. Sabe-se que era escudeiro de D. Jaime, duque de Bragança, através da carta que o nomeou, em Janeiro do ano seguinte, tabelião do público e judicial em todo o almoxarifado de Aveiro, por renúncia do anterior titular68. Será assim de considerar, sem grande risco de erro, ter advindo a mercê no âmbito do ressarcimento pós-exílio da Casa de Bragança promovido pelo rei D. Manuel. Era então senhor de Aveiro D. Sancho de Noronha, terceiro conde de Odemira, primo direito do referido duque brigantino. Autêntica rede fiscal em todo o reino, o almoxarifado visava garantir a cobrança dos direitos fiscais devidos à coroa. Em Aveiro sediava-se uma das suas unidades – sempre instaladas em vilas ou cidades importantes do território controlando as comarcas e respectivos concelhos definidos pela divisão administrativa civil. Tutelada por um almoxarife, a este competia zelar pela fiscalidade inerente aos bens régios aforados, alienados ou restituídos após prévia usurpação ou venda ilegal. Nesse contexto, cabia àquele oficial assegurar o cumprimento dos forais, a gestão dos processos de compra e venda, e de concessão de foros e privilégios. Também entravam nas suas competências o fazer cumprir determinadas sentenças dos monarcas, assim como a avaliação dos bens da coroa e a defesa dos seus direitos, nomeadamente o da preferência régia.69 No caso específico de Aveiro, sendo vila de cariz marítimo, ficava excluído da sua esfera de intervenção todo o movimento portuário, entregue à supervisão de um almoxarifado aduaneiro autónomo. 65 - VASCONCELOS, P. (1999). O “real” valor do “Dinheiro” – 850 anos de história de inflação em Portugal. Sacavém, Lisboa, Portugal: DistriCultural, p. 46. 66 - (VASCONCELOS, 1999: 45) 67 - (VASCONCELOS. 1999: 42) 68 - ANTT/CHR/Chancelaria de D. Manuel I, Livro 8, fl. 103 vrs: Diogo de Andrade – Carta de tabelião do almoxarifado de Aveiro. 69 - PINHEIRO VICENTE, R. E. (2013). Almoxarifes e almoxarifados ao tempo de D. Afonso IV. Uma instituição em evolução. Coimbra, Portugal: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, pp. 97-98.
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Subordinado ao almoxarife, a quem devia assessorar no cumprimento das funções, o escrivão podia coincidir no ofício de tabelião do almoxarifado70, o que se terá verificado com Diogo de Andrade. Nessa condição actuaria em todo o território abrangido pela instituição que servia, logo, também em Antuã, concelho pertencente à comarca aveirense de Esgueira e que tinha por donatário o mosteiro de Arouca. Esta duplicação de poderes entre a coroa e as monjas arouquenses gerava, naturalmente, uma sobreposição de jurisdições, então como agora complexas de destrinçar, trabalho que excede os limites deste texto. Como tal, generalize-se ao nível da escrita fiscal a carreira de oficial régio deste escudeiro da Casa de Bragança. Convém relembrar neste ponto que, além do ofício acima descrito, nele convergia ainda a responsabilidade do assento do juizado das sisas nos concelhos de Antuã e Figueiredo.
Autógrafo e sinal público de Diogo de Andrade (1512)
É durante essa trajectória profissional superior a meio século que serão alicerçadas as bases conducentes à criação de um segundo tabelionato em Antuã. De facto, um alvará do “rei colonizador” assinado a 14 de Março de 1541, autorizava Tomé de Andrade – filho do anterior – a suceder futuramente ao pai, depois do seu óbito, enquanto tabelião do público e judicial naquele concelho. Como se viu, essas funções exercia-as Diogo de Andrade no âmbito alargado do almoxarifado de Aveiro, coexistindo com o tabelionado do público, judicial e notas de Bernardo Pires. A graça dada pelo rei a Tomé de Andrade – em memória do serviço prestado à irmã – pressupunha assim a desanexação do referido ofício do conjunto do almoxarifado, o que apenas veio a suceder vinte anos adiante e ainda em vida do velho oficial, o qual, a 15 de Fevereiro de 1561 e por procuração, o renunciou no genro Fernão Tavares. Face ao mencionado alvará de D. João III, no mesmo dia também Tomé de Andrade – já bem servido de cargos na câmara de Figueiredo e no concelho de Alvarenga71 – abdicou dessa mercê régia, em favor do cunhado. Cumpridos os requisitos, D. Sebastião autorizou que se “apartassem e repartissem” os ofícios de tabeliães afectos ao almoxarifado de Aveiro, investindo Fernão Tavares no de Antuã, e averbando a carta do tabelião cessante em como se manteria activo nos restantes lugares do almoxarifado, excepção feita àquele concelho. Doravante a população de Antuã passava a ter dois tabeliães permanentes a quem recorrer, claro indício do seu crescimento demográfico. 70 - (PINHEIRO VICENTE. 2013: 99) 71 - Tomé de Andrade identificado como moço de capela da infanta D. Isabel – rainha consorte de Espanha e imperatriz consorte do Sacro-Império Romano Germânico – terá regressado a Portugal depois da morte daquela, em 1539. Data de 1541 o início da sua carreira de oficial régio, pela qual foi tabelião do judicial, escrivão das sisas e da câmara de Figueiredo, tabelião e escrivão das sisas e dos órfãos de Alvarenga, e escrivão das sisas de Arouca.
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* A carta que explicita o anterior e torna FERNÃO TAVARES tabelião do público e judicial de Antuã está datada de 26 de Março de 1561 (DOC.10). Contudo, um instrumento posterior afirma que no ano de 1611, aquele tabelião levava trinta e cinco anos de serviço “com satisfação e sem cometer erro algum”. Haverá erro nesta fonte igualmente retirada dos livros da chancelaria régia? Deste modo suscitada a dúvida, não chegou ao presente qualquer tipo de documentação passível de esclarecer se, de facto, FernãoTavares tomou as rédeas do ofício no momento em que foi encartado ou se, pelo contrário, terá aguardado cerca de década e meia (1576) para o começar a servir.
Autógrafo e sinal público de Fernão Tavares (1561)
Dúvida semelhante se poderá colocar relativamente à escrivania das sisas do mesmo concelho que em Abril de 1561 nele também renunciou o cunhado Tomé, sendo o pai já falecido. Esse instrumento de renúncia – feito pelo próprio Tomé de Andrade enquanto tabelião do público e judicial de Alvarenga (Arouca) – aparece referido na carta de nomeação de Fernão Tavares para escrivão das sisas de Antuã, com data de 15 de Dezembro do mesmo ano (DOC.11). Através dele, e mediante a sua comparação com a renúncia anterior – a do tabelionato – feita por procuração certamente pela saúde de Diogo de Andrade lhe impedir a deslocação à capital, pode concluir-se ter o óbito deste ocorrido entre os meados de Fevereiro e Abril de 1561. Tornar-se tabelião custou a Fernão Tavares mil e quinhentos reais72. O assento das sisas mais mil trezentos e trinta e três reais – valor cuja especificidade aguça os espíritos curiosos – além de outros mil que Tomé de Andrade deveria ter pago ao herdar o ofício, não o fazendo em virtude de pretender renunciá-lo no cunhado. Encargos somados, aproximou-se o valor dos 4000 reais que haveria de pagar o seu sucessor por exercer as mesmas funções, e da mesma forma pagara Bernardo Pires, vinte anos antes, para ser tabelião e escrivão dos órfãos. Receberia como remuneração anual, dez por cento do colectado com tecto máximo de mil reais, onerados sobre os rendeiros – no caso da cobrança do imposto estar arrendada – ou sobre a real fazenda – se não estivesse. 72 - Dois meses mais tarde, a 7 de Maio de 1561, seria também elevado a tabelião do concelho de Figueiredo, para o que pagaria de direitos 1500 reais que completariam outros 1500 que competiam a Tomé de Andrade. ANTT/CHR/Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Livro 10, fl. 49: Fernão Tavares – Carta de tabelião do concelho de Figueiredo.
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Nascido seguramente antes de 1536, Fernão Tavares teria pelo menos setenta e cinco anos já feitos ao tempo do mencionado texto de 1611, no qual é adjectivado por “velho” e autorizado pelo rei “Pio” a renunciar ambos os ofícios num dos netos. * Devidamente examinado e dado por apto na mesa do desembargo do paço, DIOGO DE ANDRADE CARDOSO foi encartado escrivão73 do público e judicial do concelho de Antuã em 29 de Agosto de 1611 (DOC.12). Escolhido pelo avô para sucessor nos ofícios, estranha-se porque os não terá chegado a desempenhar, embora um instrumento posterior alegue falta de idade e o amparo de duas irmãs orfãs “pobres em nobreza”! A sua pretensão de servir o lugar para que fora escolhido com carácter hereditário não é questionável, e disso faz prova não só o registo que fez do sinal público nos livros da chancelaria, como também os três mil reais de fiança pagos na tesouraria do paço. Se lhe faltava idade para cumprir as ordenações do reino, é facto não realçado em todo o processo de exame perante desembargadores e chanceler-mor, o que por si só é indício de que a teria; um caso contrário obrigaria a licença régia que se não refere. Todavia seis anos adiante, seguia, ao que parece, sem assumir funções, acabando mesmo por renunciar o ofício num cunhado, como se verá na próxima parte.
Autógrafo e sinal público de Diogo de Andrade Cardoso (1611)
É de crer que terá exercido meramente o ofício local de escrivão das sisas – como também o fora seu avô e bisavô – cuja carta lhe mandou passar na semana seguinte o conselheiro de Estado e vedor da Fazenda D. Estevão de Faro. Na chancelaria o registo surge no mesmo livro e em sequência da nomeação anterior para tabelião, à qual remete para incorporação no diploma antes de concluir referindo os mil reais de ordenado anual que o novo escrivão haveria de auferir (DOC.13). À margem o seu nome aparece pela primeira e única vez complementado com o apelido “Cardoso”. Foi o terceiro do nome74 na geração da Casa de Fonte Chã, onde por mais de um século ainda permaneceria a propriedade do registo daquele imposto tão fundamental para as contas do reino. A segunda parte deste trabalho analisará a forma como estes Andrade e os Cunha da Casa do Mato, lograram conservar a posse dos principais ofícios de Antuã, desde os tempos ruinosos do último dos Filipes à efémera glória do barroco joanino. [ 68 ]
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73 - Embora tabeliães e escrivães estivessem sujeitos a regras ligeiramente diferentes, parece neste caso existir erro no texto da carta de ofício, referindo-se a “escrivão” quando deveria mencionar “tabelião”. O facto surge corrigido na chamada introdutória, à margem, onde se lê “tabelião do público e judicial”. 74 - ANTT, Habilitações do Santo Ofício, António Cardoso da Cunha, letra A, maço 28, nº 751. Diogo de Andrade Cardoso era irmão de Isabel Cardosa, mulher de Miguel da Cunha. Ambos filhos de outro Diogo de Andrade e de sua mulher Maria Froes, residentes em Sever do Vouga e falecidos antes de Outubro de 1617.
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ANTÓNIO PEDRO DE SOTTOMAYOR
APÊNDICE Não posso deixar de agradecer ao Gonçalo Lopes a amizade, e o imprescindível e inestimável apoio prestado na leitura e transcrição da documentação compulsada, parte da qual seguidamente se apresenta. DOC. 1 Excerto da “Arvore de genealogia dos Pinhos, Almeidas e Amarais, e descendencia de hum dos ramos della, que por aparentar com muitas das mais nobres deste Reyno, faremos mensão de alguãs, pois de todas he impossível”, manuscrito setecentista da autoria de D. Frei Bernardo do Amaral, cujo original pertenceu à biblioteca do 2º Conde de Azevedo e integra actualmente o acervo da Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP). A presente transcrição é baseada numa cópia desse original, feita em Setembro de 1933 por António Fernando de Sequeira Sottomayor, avô paterno do autor deste ensaio. [fl. 271v] “§-9.o 2- Antonio da Cunha, oVelho; filho do sobredito Bento da Cunha Prestrelo e de sua mulher D. Antonia de Pina Mascarenhas que ficão asima a fls 269 verso §-8.o [fl. 272] foi morador na sua Quinta do Matto, freguesia de S. Martinho de Salreu, Comarca de Esgueira, hoje de Aveiro, Bispado de Coimbra, Concelho de Antoam, hoje Estarreija; cazou com D. Maria Jeronyma de Azevedo, natural de S. Pedro do Sul, a qual se dis, fora Donna do Passo, e que a Raynha lhe dera em dotte os officios do Concelho de Antoam, que hoje he Estarreija, como asima dissemos; e que tambem lhe dera toda a Renda do Dizimo junto a Angeja e Albergaria, a Velha, fazendo-os Senhores daquellas terras, que possuirão seus descendentes, athe se venderem, e os officios ainda se conservarão nesta caza athe os anos de 1722 pouco mais ou menos, e dipois disso lhos tirou o Mosteiro de Arouca, com algua cavilação que houve [fl. 272 v] e lhe comprou alguns oytavos que esta caza do Matto ainda tinha; e algua noticia ha, e tradição que afirma, que passando a Raynha pela Estrada de Silhó (que fica junto a Albergaria, aVelha) ahi parira hum filho e procurandoce pessoa de Extremada pureza, e qualidade para dar de mamar ao dito Infante, lhe inculcarão, e levarão a sobredita D. Maria Jeronyma de Azevedo, a qual lhe assistira todo o tempo que foi necessario para a creação do Infante, em cuja satisfação lhe dera os ditos officios e Senhorios dos Dizimos das terras que circuitasse a cavallo em hum dia, e o Senhorio do Hospital de Albergaria aVelha; seja como for; mas he [fl. 273] certissimo que forão Senhores do dito Hospital de Albergaria, a Velha, e dos oitavos em quanto senão venderão e juntamente dos ditos officios; e ainda nos anos de 1730 pouco mais ou menos, venderão ao Mosteiro de Arouca, os ultimos oytavos que pessuhião em S. Martinho de Salreu, aonde chamão Adou de Cima e Arrota: o sobredito Antonio da Cunha, oVelho, foi filhado por Alvará passado por Diogo Henriques, em Almeyrim a 27 de Janeiro de 1542 com 406 rs de moradia cada dia.” DOC. 2 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. João II, Livro 27, fl. 28, doc. 2 1483/02/28 Lopo Preto – Carta de tabelião do cível e crime de Antuã [fl. 28] Dom Johãoo etc.a Carta de lopo preto morador em antoaa terra darouca porquanto damos pollo taballjao do ciuell e crime afsy e polla guisa que o foy pero teixeira porquan[ 70 ]
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to nos foy dito que o dito pero teixeira sse aussemtou e ha quatro ou cinquo anos que nom serue o dito oficio e por iso vos mandamos carta Dada em santarem xx biij de feuereiro El Rey ho mandou pollo doutor Johão teixeira do seu conselho desembargador do paaço e meu vedor e chamceller Diogo gomçalluez estpriuam de fernam da cunha fidallguo da casa do dito senhor e estpriuam da sua chamcellarja a fez de mjll cccc Lxxxiij [com letra autógrafa] Anno do nascimento de noso senhor Jhesus xpo de mill cccc Lxxxiij em a uilla de santarem el Rey noso senhor fez merçee a mj lopo preto [de] ste tabaljado suso estprito por que he verdadeiro este estromento aquy meu synall fiz que tal he [sinal público] DOC. 3 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Manuel, Livro 8, fl. 16 vrs., doc. 2 1511/01/11 Afonso Pires – Mercê de tabelião do público e judicial do concelho de Figueiredo e Antuã [fl. 16v] Dom mannuell etcª. fazemos saber A vos Juizes Comçelhos e omeës boõs do Comcelho de figueiredo e ampam e do arcediaguado de vougua que comffiando Noos da bomdade e descripçam dafonso pirez morador no mato do dito Comçelho danpam que em esto nos seruiyraa bem e como a Noso serujço compre e a bem das partes pertemçe e queremdo lhe fazer graça e merçee temos por bem e o damos ora daquy em diamte em estes Comçelhos e cada hum delles pollo Tabaliam do pubrico e Judiçiall asym e polla maneira que o elle deue ser e o teequy foy lopo preto que os ditos ofiçios de nos tinha e se fynou e porem vos mandamos por em forma e ele jurou em nossa chançelarya aos samtos auanjelhos que bem e direitamente e como deue obre e usse do dito ofiçio e cumpra e goarde o Regimento que della lleua goardando a Nos jnteiramente noso serujço e as partes com direito dada em samtarem Aos xj dias do mes de feuereiro El Rey ho mandou por o doutor Ruy booto chanceller moor eu amtonio gomez o fiz de bos xj annos e elle pagou de dizimo seyscemtos Reays. [com letra autógrafa] E eu sobre dito afonso pjrez tabaliam quanto esto asino per my e meu primejro syna[l] fyz que tall [sinal público] he DOC. 4 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Manuel, Livro 18, fl. 55 vrs., doc. 1 1521/10/21 Afonso Pires – Alvará de escrivão dos orfãos do concelho de Antuã [fl. 55v] dom manuell etcª. a vos Juizes e homes boos dos concelhos damtoam Fazemos saber que a nos diseram ora que serujndo hum pero anes de estpriuam dos orfaos neses ditos conselhos por sua morte os serujra e teuera lopo prepreto (sic) per nos per cuJa vagaa ouuera afomso pirez hy morador ofiçio de tabeliam deses conselhos o quall serujra o dito ofiçio de estpriuam dos orfaaos por hy nam auer e per bem do Regimento como tabeliam e que avera hum anno pouco mais ou menos que hum Antonio Fernamdez morador na bemposta pedira o dito oFiçio de estpriuam dos orfaos ao noso chançeler mor que deos perdoee dizemdo que ho o dito ofiçio ficara vaguo per morte do dito pero anes e que o dito afomso pirez nos tinha dele nosa carta e lhe fora dado e dele o pasara sua carta em forma pubrica a quall Requerera a pose e lhe fora dado prouisam que lhe fose dada e que os tabaliaes deses comselho (sic) tendo embarguos vierem com eles e que o dito ofiçio nam podia ser dado senam per nos e nam per o noso chançeler mor per bem de nosas n s (sic) ordenacomes (sic) e que per elo se perdia e noso dereito o podiamos dar a quem nosa merce Fosse e ora comfiamdo nos de afomso pirez tabaliam neses conselhos [ 71 ]
ANTÓNIO PEDRO DE SOTTOMAYOR
que em esto nos seruia bem e como a noso seruiço compre e bem das partes e queremdo lhe fazer graça e merçee temos per bem e lhe fazemos dele merçee quamto com dereito lhe podemos dar e asy he que o dito antonio fernamdez o pode por o que dito hee a quall merçee lhe fazemos por vertude hum noso aluara do quall o trelado he o segimte ¶ chançeler mor a nos praz que se este antonio fernamdez estpriuam dos orfaos nos comselhos damtoam e figueiredo por dereito pede o dito ofiçio pelos erros comteudos nesta pitiçam atras estprita fazemos do dito ofiçio merçee por se asy he a afomso pirez tabaliam nos ditos comselhos poren vos mamdamos que do dito ofiçio de estpriuam dos orfaos lhe mandes fazer sua carta em forma segundo nosa ordenamça pagamdo primeiro os dereitos ordenados cumprio asy feito em lixboa aos xxij doutubro dioguo paiz o fez de mill bc xxj e poren vos mandamos que semdo o dito afomso (sic) fernamdez peramte vos çitado e ouujdo com o dito afomso pirez gardares dello o çito tiramdo sobre elo emquiriçam Judiçiall e Jmdo por o feito em diamte como he ordenado e achamdo que asy he como a nos diseran e que o dito amtonio fernamdez per o que dito he perdeo o dito ofiçio o Julgay asy per vosa sentença defenitiua damdo apelaçam e agrauo as partes nos casos em que com dereito couber pera uos ou pera o noso chançeler mor e queremdo o dito antonio fernamdez estar por a dita vosa dita sentença e nom apelar nem agrauar della mete em pose do dito ofiçio ao dito afomso pirez e o leixay dele seruir e vsar e aver todo o a elo ordenado sem duujda nem embarguo algum que lhe a elo seya posto por que asy nos praz o quall Jurou em a nosaa chancelaria aos samtos avamielhos que bem e verdadeiramemte e como deue obre e vse do dito oFicio guardamdo todo noso seruiço [fl. 56] E as partes em dereito e o Regimemto que da dita chançelaria leua omde pagou mea dizima ao noso Reçebedor dela quatroçemtos reaes e semdo o dito antonio fernamdez comdenado que perca o dito ofiçio se lo ha mais em oytoçemtos reaes que nos momtam aver da dizima os quaes seram emtregues ao dito antonio (sic) pirez pera dele o aver iiijc reaes e os outros trara ou envira (sic) a dita chançelaria e leuara çertidam de como pagou e ficam sobre ele em Reçeita e com ela sera metido em posse e doutra guisa nam dada em a nosa çidade de lixboa aos xxx doutubro el Rey o mamdou per o doutor dioguo tauora do seu desembarguo que per seu espiçial mamdado tem careguo de seu chanceler mor Amtam marquez o fez de mill bc xxj anos DOC. 5 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. João III, Livro 1, fl. 102v, doc. 1 1522/ 08/ 02 Diogo de Andrade – Carta de escrivão das sisas de Figueiredo e Antuã [fl. 102v] Dom Joam etc.a a quamtos esta nosa carta virem Fazemos saber que por parte De Diogo damdrade escudeiro nos foy apresentada huüa carta del Rej meu senhor e padre que samta gloria aJaa de que ho theor tall he ¶ Dom manuell por graca de deos Rej de purtuguall e dos allguarves daquem e dalem mar em africa e senhor de gujne e da comqujsta naueguaçam e comerciyo detyopya aRabya persya [e] da Jmdiaa a quamtos esta nosa carta virem Fazemos saber que comfiamdo nos de a bondade e discricam de diogo damdrade escudeiro morador na bemposta que ho fara bem e como compre a noso serujco e a bem das partes pertemçe e queremdo lhe fazer graca e merçe temos por bem e ho damos hora por estpriuam das sisas do comcelho de figueiredo e do comcelho de amtoam asy como ho ele deve ser e como ho atequj foy joam de lameguo noso moso destrjbeyraa que ho ele ho dito hofycio tynha e ho Renunciou em nosas mãos para o darmos a quem nosa merçe fose porem mamdamos ao noso comtador da dita comarqua e a quall quer outro ofyciall e pessoa a quem pertemcer e ho metam em pose do dito hofycio e lho leyxem serujr e husar e aver o mamtymemto e proes e percalcos a ele dyreitamemte [ 72 ]
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hordenados que assy como os avya o dito Joam de lameguo e mylhor se os ele com dyrejto mjlhor puder aver o quall jurou em a nosa chamcelaria nos samtos avamgelhos e bem e verdadeyramemte e como delo asygna e huse do dito hofycio guardamdo a nos noso servico e as partes seu dyrejto dada em samtos aos biij dias do mes de março el Rey o mamdou per dom martynho de castell bramquo ovjdor (?) do seu comcelho e veedor de sua fazemda Diogo vaz o fez de mil e bc xxj o quall hofycio o dito Joam de lameguo ouve por Renucymemto de lopo preto que o Renucyou como dito he e ho dito Diogo damdrade o aja e syrua pela gujsa e ho serujo o dito diogo damdrade por merçe que lhe comfyrmasemos a dita carta e visto por nos seu Requerjmemto queremdo lhe fazer graca e merce temos por bem e lhe comfyrmamos e auemos por comfyrmada asy e da maneira que se em ela contem e mamdamos que ho asy compra e guarde Dada em a nosa cydade de lyxboa aos ij dias daguosto el Rey o mamdou por nuno da cunha e fernam Rodriguez (?) ha fez de mil bc xxij anos DOC. 6 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. João III, Livro 20, fl. 179, doc. 3 1534/07/18 Afonso Pires – Carta para ajudante em seu ofício [fl. 179] Dom Joham etcª. Faço saber a quamto esta minha carta virem que ha mjm apraz daar lugar e Licemça a afomso pirez tabaliam do publico e judiçiall e das notas e escriuam dos orfaãos no concelho damtoam para que elle posa ther hüa pessoa auta que ho aJude a escreuer nos ditos hoficios sobre escreuemdo elle em tudo ho que a dita pessoa fezer e no das notas faraa as propias notas por sua mão e as asinara de seu sinall publico e em todos tomara os termos nas audiemcias e faraa per sua mão todas as Jmquiriçoens e todas outras cousas que forem dese e ajude em (?) justiça e porem mamdo a todollos juizes e justiça a quem ho certo desta pertemcer que deixem no dito afomso pirez ther a dita pesoa que ho ajude a escreuer nos ditos oFicios aa maneira sobre dita sem a isto lhe porem duujda nem embargo alguum por que eu lhe dou pera isto Licemça como dito he gaspar Jacome a fez em aveiro aos xbiij dias de julho de bc xxxiiijº annos DOC. 7 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. João III, Livro 40, fl. 209, doc. 1 1540/10/13 Bernardo Pires – Carta de tabelião do público, judicial, órfãos e notas do concelho de Antuã [fl. 209] Dom Joham etcª. a vos Jujzes comcelho e homes bõos do Comcelho damtoam Faço vos saber que conFiamdo eu de bernardo pirez morador em alo que he tall que ho Fara como a meu serviço e a bem das partes compre queremdo lhe Fazer graça e merce tenho por ben e o dou ora daquy em diamte por tabalyam do pubrico e judiciall e dos orFaãose notas em ese Comcelho asy e pela maneira que ho elle deue ser e como ho era afonso pirez que hos ditos oFicios tynha per mjnhas cartas e os nelle Renuncyou e vemdo segumdo delo Foy scrito per huum pubrjco estormento de vemda e Renunciaçam que parecia ser scRyto e asynado per diogo damdrada tabalião pubrjco em o allmoxarifado da villa daveiro aos catorze dias do mes de setembro do anno presemte de mill bc R com testemunhas em elle nomeadas em a qual merce lhe asy Faço per vertude de huum meu aluaraa per mym asynado e pasado per mjnha chamcelaria que pera ello de mym ouue de que ho trellado he o segymte ¶ chamceler moor amjguo ou a quem o carrego serujr a mym praz dar lugar e Licemça a afomso pirez tabalyão do pubrjco e judiciall [ 73 ]
ANTÓNIO PEDRO DE SOTTOMAYOR
e dos horFaãos e notas no Comcelho damtoam para que elle posa vemder os ditos oFicios a pesoas autas que hos syrvam noteFicovollo asy E mamdo que as pesoas que vos mostrarem sua Renuncyaçam e as Cartas dos ditos oFicios semdo autas lhes paseys cartas dellas em forma pagamdo porem os direitos hordenados pero Ribeiro o fez em lixboa a ix dias dagosto de mill e bc R E portamto vos mamdo que tamto quamdo o esta for apresemtada metaes logo ao dito bernardo pirez em pose dos ditos oFicios e lhos deyxay serujr e delles vsar e aver todos hos proprios e priuilleios que lhe direitamemte pertemçerem asy como os tynha e avya o dito afomso pirez e mjlhor se hos delle com direito mjlhor pode ter e aver sem lhe a ello ser posto duujda nem embargo alguum por que asy me praz E pagou dordenado delles Em mjnha chamcelaria quatro mjll reaes ao Recebedor dela sobre quamto se carregaram em Reçeyta honde jurara aos samtos avamgelhos que bem e Verdadeyramemte syrua e vse dos ditos oFicios de tabalião do pubrjco e judiciall e dos orfaãos e notas do dito comçelho damtoam guardamdo em todo o serujço de deos e meu e as partes seu direito e Regymemtos que da dita chamcelaria leva dada em a cidade de lyxboa aos treze dias do mes doutubro El Rey o mamdou pello doutor alluaro fernamdez do seu comselho e chamçeler moor em todos seus Reynos e señorios etcª agostynho salluado a fez anno do nacimemto de noso señor Jehsu Christo de mill bc R annos. [com letra autógrafa] he eu dito bernardo que jsto escrjvy he aqui meu pubrico synall fyz que tall he [sinal público] DOC. 8 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. João III, Livro 56, fl. 151 vrs., doc. 1 1553/01/24 António da Cunha – Carta de tabelião do público, judicial, escrivão dos órfãos, câmara e almotaçaria do concelho de Antuã [fl. 156v] Dom Joham etcª A vos Jujzes Comcelho homes boos do Comcelho damtoam Faço uos saber que comfiamdo eu de Amtonio da cunha meu moço da camara que he tall que ujsto me serujra bem e fielmemte como a meu seruyço e a bem das partes compre e queremdo lhe fazer merçe tenho por bem e o dou ora daquy em diamte por tabeliam do publico e judiciall e stprivam dos orfãos e da camara e almotacarja do sobredito Comcelho damtoaam asy e pola maneira que o ele deue ser e como o era bernalldo pirez seu Jrmão que hos ditos oficios tinha e se finou e esta merçe lhe faço per vertude de huum meu aluara per mym asynado e pasado per mynha chamçelaria que per elo de mym ouue de que o trelado he o seguymte ¶ desembargadores do paço amygos eu ey por bem de fazer merçe a Amtonio da cunha meu moço da camara dos oficios de tabeliam do publico e Judiciall e stprivam dos orfãos e da camara e dalmotacarja do comcelho damtoaam que hora estam vagos per faleçimemto de bernalldo pirez seu Jrmão o qual Amtonio da cunha Foy examynado e avido por auto pera serujr os ditos oficios polo doutor joam momteiro do meu comselho e meu desembargador do paço mamdou os que lhe pase deles carta e forma pagamdo os dereytos ordenados jorge da costa o fez em lixboa a xij de Janeiro de bc Lxiij manuel da costa o fez estprever E porem vos mamdo que aJa os hy nese dito comcelho damtoaam o dito Amtonio da cunha por tabeliam do publico judiciall e por estprivam dos orfaos e da camara e almotacarja como dito he e o deyxaj serujr e vsar dos ditos oficios e aver os proes e percalcos a eles dereytamemte ordenados sem duvida nem embargo alguum que a elo seja posto ho qual Amtonio da cunha pagou dordenado dos ditos oFicios cymquo mjll reaes e os emtregou em mynha chamçelaria ao Recebedor dela peramte os estpriuaes da dita chamçelaria que os caregou sobre ele em Receita segumdo pareceo per uos asynados e ele Jurara em a mynha chamçelaria aos samtos avamgelhos que bem e verdadeiramemte syrua os ditos oficios e cumpra e goarde os Regimemtos que de la leuar goardamdo em tudo meu seruyco e das partes seu direito dada em a cidade de lixboa aos xxiiij dias do mes de Janeiro el rey noso senhor o mamdou polos [ 74 ]
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doutores Joam momteiro e chamçeler do mestrado de noso senhor Jhesu Christo e gaspar de carualho ambos do seu comselho e seus desembargadores do paço e Pyticões balltesar do couto a fez Ano do nacymemto de noso senhor Jhesu Christo de bc Liij anos // [com letra autógrafa] heu amtonio da cunha nesta carta comtheudo asinej aquj de meu publico sinal que tall he [sinal público] DOC. 9 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Filipe II, Livro 17, fl. 73, doc. 1 1605/04/19 Jerónimo da Cunha – Carta de tabelião do público, judicial e notas, escrivão dos órfãos, câmara e almotaçaria do concelho de Antuã [fl. 73] Dom filippe etc.a a vos que esta minha carta virem faço saber que confiando eu de Jeronimo da cunha que no de que o encaregar me servira bem e fieLmente como a meu serviço e bem das partes cumpre e por lhe fazer merce tenho por bem e o dou ora daquj em diante por tabalião do publico e judiciaL e notas e escriuão dos orffãos, camara e almotaçaria do conçello de antoam assj e da maneira que o elle deue ser e como o foj Antonio da cunha seu paj que os ditos officios tinha por carta e por seu falecimento bagarão, os quais offiçios elle terá e servirá enquanto eu ouver por bem e não mandar o qontrario com decLaração que abendo eu por bem de lhos tirar ou ex-tinguir en sua forma e esta merce lhe faço por birtude deste meu aluará por mj assinado e passado pela minha chancelaria do quaL o treslado he o seguinte ¶ desembargadores do paço amigos abendo respeito a boa Jn-formação que tive de Jeronimo da cunha filho de Antonio da cunha já falecido que foj tabaliam do publico judiciaL e notas e escriuão dos orfãos camara e almotaçaria do concelho de amtoão que serviu os ditos officios muitos annos com limpeza e satisfação e a não aber escrjto o alvará que lhe mandej passar a seis de majo do anno de miL bc Lxxxbj pello que lhe dava liçença que podesse logo Renunciar os ditos officios em hum de seus filhos ej por bem e me praz fazer delles merçe ao dito Jeronimo da cunha seu filho sendo ainda por elle que bos mando o examineis e sendo auto como dito he e não tendo Jmpidjmento alguum para aber de servir os ditos officios lhe façais passar carta delles em forma mostrando a que delles tinha o dito seu paj Antonio da cunha e pagamdo primeiro os direitos ordenados com decLaração que abendo eu por bem de lhos tirar em algu tempo mjnha fazenda lhe não ficará por Jsso obrigada a satisfação algua luis pistana o fez em lixboa a xbij de dezembro de miL bj e quatro Joao travaços dantas a fez escreuer ¶ E por tanto mando aos juízes do dito concelho de amtoão e a todas as outras Justiças em sua forma porquanto foj examinado na mesa do despacho por meus desembargadores do paço e auido por auto para servir os ditos officios e pagou de ordenado delles ao tesoro da minha chancelaria seis miL dozentos e çincoenta reaes que lhe forão caregados em Reçejta como se bio por seu liuro em forma na qual chancelaria Jurará aos sanctos ebangelhos em sua forma dada na cidade de ljxboa aos xix dias do mês de abril elRej nosso senhor o mandou pello doutor domjngos daguiar e melchior damaral vaz pero lopez a fez anno do nascimento de nofso senhor Jesus xristo de miL bj e çinco eu gaspar malduado a fiz escrever. [com letra autógrafa] Jeronimo da cunha acima conteudo afsinei aqui com meu sinal publico [sinal público] [margem esquerda ao topo] Jerónimo da cunha cargos do concelho de Antoão – Jerónimo da Cunha conteudo no Registo desta carta Renunciou com Licença de sua Majestade ao officio descrivão dos orfãos nella conteudo, em francisco boto seu genro por casar con sua filha fellipa da cunha a que se passou carta do dito officio por vertude da qual se pos aqui esta verba por a cartaquj Registada ficar em seu vigor para os mais officios nella conteudos, en lixboa a 19 de outubro de 619 annos. a) Miguel Maldonado. [ 75 ]
ANTÓNIO PEDRO DE SOTTOMAYOR
DOC. 10 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Livro 8, fl. 187, doc. 1 1561/03/26 Fernão Tavares – Carta de tabelião do público e judicial do concelho de Antuã [fl. 187] Dom Sebastião etc.a aos que esta minha carta virem faço saber que confjando de fernão tavares morador no concelho de figueyredo que no que o encaregar me seruirá bem e fiellmente como a meu seruico e a bem das partes cumpre e por lhe fazer merce tenho por bem e o dou ora daquy em dyante por taballião pubrjquo e do Judiçial do concelho dantohaã asj e da maneira que o elle deue ser e o era dyogo dandrade seu sogro que os ditos offiçios tinha por carta dell Rey meu senhor e avó que santa glloria aja e o em nome delle dito dyogo dandrade e como seu procurador Renunçiou em minhas mãos para deles fazer merce ao dito fernão tavares luis dafonseca meu moço da camara segundo dello fuj certo por hum estromento de Renunçiação que perante mj foj apresentado que dizia ser escrjto e assinado por Jorge denis taballião das notas desta cidade de lixboa aos xxbij dias do mes de feuereiro do anno presente de mil bc Lxj ^com^ testemunhas nelle nomiadas a qual Renunçiação o dito luis dafonseca asj fez em virtude de hua procuração que elle o dito dyogo dandrade para ello passou que outros perante mj foy apresentado e dizia ser fejta por Roi corea taballião do pubrjquo e do Judiçial do concelho de figueyredo aos xv dias do dito mes de fevereiro deste dito anno presente de mil bc Lxj dos off quais offiçios acima ditos o dito senhor Rej meu avó por seu allvara ouue por bem que por falleçimento do dito diogo dandrade viesem a tome dandrade seu filho o qual tome dandrade desistio da dita merce e Renunçiou os ditos offjçios em minhas mãos para que deles fizesse merce ao dito fernão tavares segundo vj por outro estromento de Renunçiação que perante mj foj apresentado que dizia ser fejto pelo dito Jorge denis taballião nesta çidade aos ditos xxbij dias de fevereiro deste anno de mil bc Lxj no qual estromento era declarado o dito luis dafonseca acima contido em virtude da procuração que lhe o dito tome dandrade pera Jso pasou que na dita Renunçiação vinha incorporada Renunçiara outrosy os ditos offiçios em minhas mãos para que deles fizesse merce ao dito fernão tauarez segundo largamente nos ditos offiçios estromentos era declarado e por o dito dyogo dandrade ser taballião em todo o allmoxarifado da villa davejro em que entra o dito concelho dantoã avendo eu por bem de se apartarem e Repartirem os offiçios de taballiãis do dito allmoxarifado davejro para ficar cada hum dos taballiãis que ora nelle ha em cujo lugar ou concelho sobre sj constará na tall Repartição o dito concelho dantoã na parte que couber ao dito dyogo dandrade sogro do dito fernão tauarez os quais offiçios elle dito fernaõ tavares terá e seruirá enquanto eu o ouuer por bem e não mandar o contrario e esta merce lhe faco por virtude do allvara dell Rej meu senhor e avó de que acima se faz mencão e de outro allvara por mj asjnado e provido por minha chancelaria de que o treslado huum depois outro he o seguinte // Eu ell Rej faco saber a quantos este meu allvara virem que eu ej por bem por falleçimento de dyogo dandrade tabeliam das notas e escriuão dallmotaçarja do concelho de figueyredo e tabeliam do pubrjquo e do Judiçial do concelho dantoã fazer dos ditos offiçios merce a seu filho tome dandrade moço da capella da Jnffanta dona Jsabell minha mujto amada e prezada tia Jrmaã e para sua guarda e lembrança minha lhe mandej dar este allvara domingos de pajva o fez em lixboa a xiiij de março de mil bc Rj e a dita merce lhe faço sendo auto // desembargadores do paço amigos avendo Respeito ao que na petição atrás escrjta diz fernão tavares morador no concelho de figueyredo ej por bem e me praz que lhe paseis carta em forma dos offiçios de taballião do pubrjquo e Judiçial do concelho dantoã por Renunçiação de dyogo dandrade seu sogro que he taballião do pubrjquo e Judiçial em todo o allmoxarifado da villa da[ 76 ]
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vejro em que entra o dito concelho dantoã visto como o dito dyogo dandrade Renunçiou os ditos offiçios de taballião do pubrjquo e Judiçial do concelho dantoã no dito fernão tavares seu genro e como tome dandrade seu filho que os ditos offiçios dantoã aviyão de vir por falleçimento do dito dyogo dandrade seu paj e por virtude de hum allvara de licença que pera Jiso tinha dell Rej meu senhor e avó que santa glloria aJa Renunçiou outrosj [fl. 187v] o direito que nelles tinha e desistio da merce contida no dito allvara para que os ditos offiçios virem logo ao dito fernão tavares seu cunhado segundo se todo vjo por os estromentos de Renunçiações e pello dito allvara que os consta serão apomtados de que fará menção na dita carta que lhe asj pafar deles e o dito dyogo dandrade ficará somente taballião do pubrjquo e Judiçial em todos os outros lugares do dito allmoxarifado davejro tirando o dito concelho dantoã e se porá diso verba e declaração na carta que tem dos ditos offiçios e asj no dito allvara de lembrança os quais offiçios de taballião do pubrjquo e Judiçial do concelho dantoã e se po ora diso verba o dito fernão tavares terá seruirá enquanto eu o ouuer por bem e não mandar o contrario e elle foj examinado e avido por auto pera os seruir pello doutor felipe antunez do meu conselho e meu desembargador do paço e pagou dordenado deles em minha chancelaria mil e qujnhentos reais que ficão carregados em Recejta sobre o Tesouro della segundo se vio por hum estromento em forma que foy Roto ao asjnar diante Jorge da costa o fez em lixboa em xbij dias do mes de março de bc Lxj manuel da costa o fez escrever e todo ej asj por bem com tall decllaração que avendo eu por bem de se apartarem e se Repartirem os offiçios de taballiãis do dito allmoxarifado davejro para ficar cada hum dos taballiãis que ora nelle ha em cujo lugar ou concelho sobre sj se conte na ^tall^ Repartição o dito concelho dantoã na parte que ouber ao dito dyogo dandrade sogro do dito fernão tavares e portanto mando aos Juizes do dito concelho dantoã e a todollos outros offiçiais e justiças a que esta carta for mostrada e o conhecimento della pertencer que aJão ao dito fernão tavares por taballião do pubrjquo e Judiçial como dito he e o metão logo em posse dos ditos offiçios e cumpra e guarde o Regimento que della levar guardando em todo a mj meu seruico e as partes estromento e a carta que o dito dyogo dandrade tinha dos ditos offiçios se não Rompeo por lhe ficar por ella os offiçios de taballjão do pubrjquo e Judiçial nos mais lugares do allmoxarifado davejro e na dita carta e asj no allvara da lembrança dell Rej meu senhor e avó açima tresladadas se pos a verba como o dito dyogo dandrade não ha de usar mais dos ditos offiçios no dito concelho dantoã pollos Renunçiar no dito fernão tavares como acima he dito / dada em minha cidade de lixboa aos xxbj dias do mes de março Ell Rej noso senhor pollos doutores fillipe antunez e xrjpovão mendez de carualho ambos do seu conselho e seus desembargadores do paço e pitjção pero doulljveira a fez anno do naçimento de nosso senhor Jesu xripo de mil bc Lxj anos e eu antão sera a fiz escreuer e por não estar presente xripovão mendez de carualho asjnou sjmão de miranda anrjquez do conselho do dito senhor e ora desembargador do paço e pjtjçõis / dizia os Riscados / off / offiçios / tia / que / e se poas (sic) / ora diso verba / concelho de / e nas entrelinhas / com / tal / s / o (sic) mendez // [com letra autógrafa] eu fernão tavares asjma conteúdo asjnei aqui de meu sjnall pubrjquo que tall he [sinal público] DOC. 11 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Livro 6, fl. 438, doc. 3 1561/12/15 Fernão Tavares – Carta de escrivão das sisas do concelho de Antuã [fl. 438] Dom sebastiam etc A quamtos esta mjnha carta virem faço saber que comfiamdo eu de fernão [ 77 ]
ANTÓNIO PEDRO DE SOTTOMAYOR
Tauares morador no comcelho de figueyredo que no oficio destpriuam das sysas do comcelho damtoam me serujra ben he fielmemte como a meu servjco e a bem das partes como pras tenho por bem e o dou ora daquy em diamte por stpriuam das sysas do dito comcelho damtoam asy e da maneyra que o elle deue ser e como o foy dyogo damdrade morador na bemposta que o dito ofiçio tinha por carta e por seu falecimemto ficou o seu filho thome damdrade por virtude [de] hum aluara del Rey meu senhor e avo que samta glori (sic) aja por que fez merce ao dito Thome damdrade que por falecimemto do dito seu pay lhe fiqua semdo por ofiçio segumdo se pelo dito aluara vio que hera asynado pelo dito e pasado pela chamcelarya e o dito Thome damdrade Renumciou todo o direito que no dito ofiçio por bem do dito alluara tinha em mjnhas maãos para eu delles fazer merce ao dito fernão Tauares casado com hũa jrmam do dito Thome damdrade filha do dito Dyogo damdrade segumdo se vjo por hum Reconhecimemto de Renunçiaçam que parecia ser feito e asynado por elle dito Thome damdrade tabalyam do publico judiçjall no comcelho dalluaremgua aos xbj dias do mes dabrjl que pasou deste presemte ano de Bc lxi com testemunhas em elle nomeadas o quall ofiçio elle dito fernão Tauares todo serujra em quamto o eu ouuer por bem em não mamdar o comtrario e avera com elle de mamtjmemto ordenados em cada hum ano a Razão de semtena por mjlheyro do que as ditas sysas Remderem ate cheguar a contja de milheiros e mais não posto que as ditas sysas e Mais Rendão as quaes lhe serão paguas por ordinarjas a custa dos Remdeiros dellas quamdo forem aRemdadas e quamdo não o for de mynha fazemda e portamto mamdo ao comTador da comarqua que meta ao dito fernão tauares em pose do dito ofiçio e lho deixem serujr delle vsar e aproueitar o dito mamtjmemto e todos os proveitos [fl. 438v] e precallcos direitamemte ordenados ao dito ofiçio sem duujda nem embarguo allgum que a ello seja posto por que asy asy (sic) he mjnha merçe e elle jurara em mjnha chamcelarya aos samtos evamgelhos que bem e verdadeiramemte como deue o syrua guardamdo em todo como he meu serujço e o direito das partes e pagou dordenado do dito ofiçio na dita chamcelarya mill iijc xxxiij reais e mais mill reais que o dito Thome damdrade ouuera de paguar dordenado se delle tjrara carta os quaees se careguarão em Receipta se he o Respomder da dita chamcelarya segumdo se vyo por seu conto em forma que se Rompeo aja dito aluara de merçe e estromemto de Renumciação e aja carta que ho dito dyoguo damdrade tjnha ao asynar desta dada na çidade de lixboa ao xv dias do mes de dezembro el Rey noso senhor o mamdou por don gilianes da costa do seu comcelho e vedor de sua fazemda por quem o dito fernão tauares foy avydo por auto para serujr o dito ofiçio e o dito mamtjmemto he custo tamto como o dito dyogo damdrade tynha segumdo se vyo pella dita sua carta amtonio gomez dabreu a fez ano do naçymemto de noso senhor jesu christo de Bc lxi anos DOC. 12 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Filipe II, Livro 21, fl. 188, doc. 1 1611/08/29 Diogo de Andrade – Carta de tabelião do público e judicial do concelho de Antuã [fl. 188] Dom Phelipe etc.a aos que esta minha cartaVirem faco saber que por parte de diogo dandrade me foi presentado hum aluara por mim afsinado do qual o treslado he o seguinte ¶ Eu El Rey faco saber aos que este aluaraVirem que auendo respeito a fernão tauarez tabalião do publico E judial (sic) E sisas do Conselho de Antoam auer trinta e cinquo anos que serve os ditos officios com satisfacão E sem Cometer nelles Erro algum E hora ser uelho E ter huma (sic) Netto filho de hum seu filho por nome Diogo dandrade que tem os portes que se Requerem para servir os ditos officios como Constou por informação do Corregedor da Comarqua da Cidade de Coimbra Ej por bem de lhe fazer merce de licenca para poder Renunciar os ditos officios no dito diogo dandrade seu Netto sendo apto pello que o mando aos meus [ 78 ]
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desembargadores do paco o Examinem e sendo apto lhe facão passar Carta em forma dos ditos officios mostrando primeiro a que o dito fernão Tauarez deles tinha e sua Renunciacão E pagando primeiro os direitos ordenados com declaracão que auendo Eu por meu servico de lhos tirar em algum tempo minha fazenda lhe não ficara por jsso obrigada a satisfacão alguma Aluaro Correa a fez Em lixboa a vinte E nove de majo de mil e seisCentos E onze E Eu joão trauacos da Costa a sobescreuj Pedindome o dito diogo dandrade por merce que por quanto o dito fernão tauarez seu Auo por uirtude do aluara acima incorporado Renunciara nelle os ditos officios como constaua do estromento de Renunciacão que apresentaua que dizia ser feito e afsinado do sinal publico de gaspar diaz Tabalião das nottas do Concelho de figueiredo e Villa da bemposta aos quatro dias do mes dagosto deste anno presente de mil e seisCentos e onze ouuesse por bem de lhe mandar passar carta em forma dos ditos officios e Visto seu Requerimento aluara acima incorporado e estromento de Renunciacão E por confiar delle diogo dandrade que no de que o Encarregar me seruira bem e fielmente como a meu seruico E bem das partes cumpre E por lhe fazer merce tenho por bem E o dou hora daqui em diante por Escriuão do publico E judicial do dito Concelho dantoam afsi E da manejra que o elle deue ser E Como foi fernão tauarez seu Auo que os dittos officios tinha por Carta E os nelle Renunciou os quais officios elle tera E seruira Enquanto o Eu ouuer por bem e não mandar o Contrario com declaracão que auendo Eu por bem de lhos tirar ou Extinguir em algum tempo minha fazenda lhe não ficara por jsso obrigada a satisfacão alguma E portanto mando ao Corregedor da Comarqua E Correicão da Cidade de Coimbra e a todas as outras justiças officiais E pessoas a que esta minha Carta for mostrada E o Conhecimento della Com direito pertencer que metão em posse dos ditos officios de Escriuão do publico E judicial do dito Concelho de Antoam somente ao dito diogo dandrade E lhos deixe seruir E deles usar E auer todos os proes E percalços que lhe direitamente pertencerem sem lhe aja de ser posto duuida Nem embargo algum porque afsi o Ej por bem porquanto foi Examinado na mesa do despacho dos meus desembargadores do paco e auido por apto para seruir os dittos officios E pagou de ordenado deles aos Thesourejro de minha Chancelarja tres mil reais os quais Entregou ao Thesourejro della que lhe forao Carregados em recejta como seruiu por seu Conhecimento em forma na qual Chancelarja jurara aos santos Euangelhos que bem e verdadeiramente os seruira guardando Em tudo a mim e meu seruico E as partes seu direito E de cumprir E guardar o Regimento que della leuar Dada na cidade de lixboa aosVinte e noue dias do mes dagosto El Rej Nosso senhor o mandou pellos doutores fernão de magalhais E luis machado de gouuea Eu Pero lopez a fiz Anno de Nascimento de Nofso senhor jesus xristo de mil E seisCentos E onze E Eu gaspar Maldonado a fiz escreuer [com letra autógrafa] E Eu diogo damdrade comteudo na Carta afsima fiz E afsinej aqi meu pubrjquo sinall de que ei de huzar [sinal público] DOC. 13 ANTT, Chancelaria Régia, Chancelaria de D. Filipe II, Livro 21, fl. 188 vrs., doc. 1 1611/09/07 Diogo de Andrade Cardoso – Carta de escrivão das sisas do concelho de Antuã [fl. 188v] Dom Phelippe etc.a aos que esta minha CartaVirem faco saber que por parte de diogo dandrade Cardoso me foi presentado hum meu aluara de que o treslado he o seguinte ¶ outro tal aluara nem mais nen menos como o atráz que se passou a instancia de diogo dandrade para o officio de Escrivão do público E judicial do Conselho de Antoam se ha de imcorporar nesta Carta para servir de Escrivão das sisas do Conselho de Antoam E que aja com o ditto officio de ordenado mil reais a qual carta foi passada por Dom Estevão de faro do Conselho destado del Rej nofso senhor eVedor de sua fazenda feita por baltazar ferreira a sette de setembro de mil E seis Centos E onze E sobescrita por sebastião Perestrelo [ 79 ]
ANTÓNIO PEDRO DE SOTTOMAYOR
FONTES E BIBLIOGRAFIA FONTES MANUSCRITAS ANTT – Arquivo Nacional Torre do Tombo Chancelaria de D. Afonso V, Liv. 32 Chancelaria de D. João II, Liv. 15, 22 e 27 Chancelaria de D. Manuel I, Liv. 8, 10, 18, 29, 33, 38, 39, 42, 46 e 56 Chancelaria de D. João III, Liv. 1, 17, 18, 20, 40, 45, 46 e 47 Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Liv. 6, 8 e 10; Privilégios, Liv. 2 Chancelaria D. Filipe II, Liv. 17 e 21 Corpo Cronológico, Parte II, maço 149, nº 59 Habilitações do Santo Ofício, letra A, maço 28, nº 751; letra F, maço 2, nº 92 Moradias da Casa Real, maço 6, Liv. 2 AUC – Arquivo da Universidade de Coimbra Convento de S. Domingos de Aveiro, Livro de Lembranças de Missas III Índice de Alunos da Universidade de Coimbra, letra C, nºs 014599 e 014995 Árvore de genealogia dos Pinhos, Almeidas e Amarais…, de D. Frei Bernardo do Amaral (cópia de António Fernando de Sequeira Sottomayor) FONTES IMPRESSAS BARROS, H. G. (1950). História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV (2ª ed., Vol. VIII). Lisboa, Portugal: Livraria Sá da Costa CRUZ COELHO, M. H. (1996). Os Tabeliães em Portugal. Perfil profissional e sócio-económico (Sécs. XIV-XV). Historia, Instituciones, Documentos, 23, pp. 93-137 GASPAR, J. G. (Junho de 1975). A liberdade em Aveiro. Aveiro e o seu Distrito, 19, pp. 14-40 MACHADO, M. F. (2010). Os órfãos e os enjeitados da cidade e do termo do Porto (1500-1580). Porto, Portugal: Faculdade de Letras da Universidade do Porto – Departamento de História e Estudos Políticos e Internacionais MORENO, H. B. (1980). A Batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e significado histórico (Vol. II). Coimbra, Portugal: Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra Pequena síntese histórica dos impostos em Portugal. (1993). Fiscália, 6 PEREIRA, M. (2014). Os actuais concelhos de Estarreja e Murtosa no século XIII. Terras de Antuã. Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja, 8, pp. 157-194 PEREIRA, M. (2017). Beduído e Veiros. Património Construído. Estarreja, Portugal: Junta de Freguesia da União de Freguesias de Beduído e Veiros PINHEIRO VICENTE, R. E. (2013). Almoxarifes e almoxarifados ao tempo de D. Afonso IV. Uma instituição em evolução. Coimbra, Portugal: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra SILVA, F. R. (1988). Venalidade e hereditariedade nos ofícios públicos em Portugal nos séculos XVI e XVII. Alguns aspectos. Revista de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 8, pp. 203-214 VASCONCELOS, P. (1999). O “real” valor do “Dinheiro” – 850 anos de história de inflação em Portugal. Sacavém, Lisboa, Portugal: Districultural [ 80 ]
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INTERNET Avelãs de Caminho, J. F. (Ed.). (s.d.). Foral Manuelino. (Niceoffice) Obtido em 3 de Julho de 2017, de Avelãs de Caminho. Sua terra suas gentes!: http://avelasdecaminho.pt/niceoffice/mod1/?&tp=temp001&fid=1.0&lg=PT Ordenações Afonsinas: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/ Ordenações Manuelinas: http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/ Ordenações Filipinas: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm
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ARMANDO CARVALHO FERREIRA
OS MOINHOS DE MEIAS Armando Carvalho Ferreira * I – Introdução Depois de em 2007 termos tido o prazer de colaborar na primeira edição da revista “Terras de Antuã”, com um estudo de fundo sobre os moinhos e moleiros do concelho de Estarreja, regressamos à temática do património molinológico com este artigo sobre um dos seus exemplares porventura mais emblemáticos. Apesar da riqueza e importância deste património no concelho de Estarreja, tanto nas suas vertentes histórica e etnológica, como do ponto de vista imaterial e da memória colectiva de várias comunidades locais que se dedicaram ao longo dos tempos à actividade moageira, somos de opinião que ainda falta dar a conhecer muitas das histórias e estórias dessas gentes dos moinhos, valorizando assim um trecho indispensável da própria história e identidade do concelho. Fica aqui mais um pequeno contributo da nossa parte, para que com esse conhecimento se possa potenciar e contribuir para a devida valorização deste património colectivo. II – Os Moinhos de Meias A actividade moageira na freguesia de Avanca remontará a épocas longínquas, sendo que um dos primeiros registos documentais que nos pode dar uma ideia da sua quantificação remete-nos para as Memórias Paroquiais do ano de 1758, onde é mencionada a existência de 30 moinhos no território desta freguesia: “Não corre por ella Rio algum digno de que se faça menção, somente sim quatro ribeiros, ou regatos, sem nome, com os quáes deVerão, e emquanto lhes não faltão as agoas, regão os moradores, que tem posse no giro dellas, as suas terras, e em três dellas se contavão dantes vinte e sete casas de moinhos, e na alguns annos para qua depois da mencionada informação, que já dise dei, se levantarão mas três casas, que prefazem agora trinta casas delles; e alguns dos antigos trabalhão com quatro rodas; porém, somente enquanto lhes não tirão as agoas para as regas supradictas, comquanto as mesmas agoas lhes não faltão, o que também lhe succede em muitos Invernos sêccos, sem chuva, nem trovoens, que abrão as nascenças dellas.”
* Investigador e consultor na área da Molinologia, sendo membro da TIMS - Sociedade Internacional de Molinologia e colaborador da Rede Portuguesa de Moinhos. Para além dos inúmeros estudos e trabalhos no âmbito dessa temática publicados em revistas de património nacionais e estrangeiras, dos quais se destaca o estudo “Moinhos e Moleiros do concelho de Estarreja” publicado na Revista Terras de Antuã nº 1 (2007), é co-autor da obra “Moinhos do Concelho de Albergaria-a-Velha” (2003) e autor das obras “Moinhos do Distrito de Aveiro” (2008) e “O último moleiro do rio” (2017).
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Tendo em conta a descrição que é feita da dimensão de alguns dos moinhos, possuindo estes quatro casais de mós, podemos pressupor estar na presença de moinhos na posse ou arrendados a moleiros profissionais, em contraponto com os moinhos de menor dimensão, os quais normalmente serviriam o consumo privado de alguns lavradores e proprietários mais abastados. Alguns desses moinhos de maiores dimensões pertenceriam eles próprios também a grandes proprietários locais, os quais encontravam na sua exploração directa ou no seu arrendamento, mais uma oportunidade de investimento e consequente fonte de rendimento. Os Moinhos de Meias situam-se na propriedade que em tempos pertenceu à Quinta do Marinheiro, onde actualmente se situa a Casa Museu Egas Moniz. A existência de uma casa nesta propriedade remontará, pelo menos, aos finais do século XVIII, sendo que a residência que hoje podemos observar é fruto da construção que foi mandada edificar em 1915 pelo próprio Dr. António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, reputado médico e investigador ao qual foi atribuído em 1949 o prémio Nobel da Medicina, fruto das suas descobertas na área da neurocirurgia. Embora não existindo registo documental que comprove a data de construção dos Moinhos de Meias, podemos pressupor que remontarão pelo menos à primeira metade do século XIX, tendo em conta que já em 1870 eram assinalados num mapa da época.
Carta Corográfica de Portugal de 1870 (Moinhos de Meias assinalados)
Posteriormente e já no início do século XX, os Moinhos de Meias voltam mais uma vez a estar assinalados em mapa publicado em 1902.
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ARMANDO CARVALHO FERREIRA
Carta Corográfica de Portugal de 1902 (Moinhos de Meias assinalados)
Finalmente e já em meados do século XX, curiosamente os Moinhos de Meias não se encontram assinalados na carta militar então publicada. Esse facto decerto se deveu ao critério decorrente dos trabalhos de campo que deram origem a esta publicação, não nos parecendo que se possa discorrer dessa circunstância que os moinhos não se encontrassem activos ou até mesmo em ruína nessa altura. Contudo, neste mapa assinala-se um outro pormenor bastante interessante, ao qual voltaremos mais à frente neste estudo.
Carta Militar de Portugal de 1948 (local onde se situariam os Moinhos de Meias assinalados)
O conjunto dos Moinhos de Meias situa-se nas margens do rio Gonde, sendo composto por duas casas de moinhos e a respectiva casa de habitação do moleiro. Trata-se de um moinho de rodízio, sendo que esta é a tipologia que predomina nesta região e um pouco por todo o nosso país. [ 84 ]
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Considerando as duas casas de moinhos, uma delas possuía três casais de mós e a outra continha dois casais de mós. Dois destes cinco casais de mós foram adaptados posteriormente para funcionar a energia eléctrica, permitindo assim o seu funcionamento durante o período estival, em que o rio não levava o caudal necessário para accionar os seus rodízios, ou até mesmo durante a época das chuvas mais intensas, em que o aumento substancial do caudal do rio levava ao pejar dos rodízios do moinho, impedindo assim o seu funcionamento. Nessa altura estes dois rodízios eram retirados e através de um volante e umas correias, o motor eléctrico continuava a garantir a moagem do cereal nos respectivos casais de mós. Refira-se que de forma a poder levar a água do rio Gonde até aos rodízios dos Moinhos de Meias, esta é encaminhada por uma levada que abastece uma presa, que ao acumular uma quantidade significativa de água permite depois distribuir a mesma pelos diversos cubos, garantindo assim que esta obtenha a cadência e a pressão necessárias para poder fazer accionar os rodízios.
Levada e presa dos Moinhos de Meias
Segundo relato do último moleiro que exerceu a sua actividade nestes moinhos, os Moinhos de Meias teriam este nome derivado do facto de no século XIX, quando o moleiro arrendatário era o Paciência, apelido de uma importante família de moleiros desta freguesia, teria de pagar de renda aos proprietários da Quinta do Marinheiro exactamente metade do seu rendimento como moleiro. Como todos os outros, os Moinhos de Meias foram muito mais que um mero conjunto de construções na margem do rio Gonde. Foram o lar e o local de trabalho das gentes que o mantiveram activo e lhe deram vida ao longo de várias gerações. Já no século XX, terá sido o moleiro António da Silva Brilhante que, no ano de 1927, arrendou os Moinhos de Meias aos proprietários da Casa Marinheiro, tendo passado a exercer ali a sua actividade. Embora não tenhamos conhecimento de registos das condições contratuais [ 85 ]
ARMANDO CARVALHO FERREIRA
desse arrendamento, sabe-se que as obras de manutenção dos Moinhos de Meias continuaram a ser asseguradas pelo proprietário da Quinta do Marinheiro. De facto, nos registos contabilísticos da mesma, menciona-se o valor dessas obras efectuadas nos anos de 1948, 1951 e 1954, sendo que, a título de exemplo, para os materiais de reparação dos telhados dos Moinhos de Meias, ripas e caibros, terão sido dispendidos 130$00 (escudos) em 1951.
Documento da Inspecção Geral das Indústrias e Comércio Agrícolas que confirma o licenciamento dos Moinhos de Meias em 1941
Durante as décadas seguintes e já após o falecimento do Dr. Egas Moniz em 1955, coube à Comissão Dirigente da Fundação Egas Moniz continuar a zelar pelo contrato de arrendamento dos Moinhos de Meias, assim como acompanhar a forma como a utilização dos mesmos estava a ser efectuada pelo moleiro que então os estava a ocupar. Essa utilização dos moinhos terá continuado a ser feita pelo moleiro António da Silva Brilhante, a título considerado provisório e sem que tenha sido oficializado um novo contrato de arrendamento, porventura dando continuidade, de forma tácita entre ambas as partes, ao contrato anterior e tendo em conta que esse assunto não teria sido considerado prioritário pela dita Comissão Dirigente da então criada Fundação Egas Moniz. Assinale-se que a partir da segunda metade da década de 60 do século XX, passou a ser recorrente o registo nas actas das reuniões dessa mesma Comissão Dirigente, de alguns conflitos entre esta e o moleiro dos Moinhos de Meias. Após várias altercações de menor gravidade registadas durante os anos anteriores, o facto de terem sido executadas [ 86 ]
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algumas obras por parte do moleiro nas casas de moinhos, sem o devido conhecimento e autorização prévia da dita Comissão Dirigente, culminou em Maio de 1971 com a entrega do caso ao Dr. Henrique Souto, conhecido advogado de Estarreja, para que se procedesse a uma ordem de despejo do moleiro. Após os devidos procedimentos judiciais que se prolongaram durante alguns meses, foi registado em acta da reunião da Comissão Dirigente efectuada a 30 de Novembro de 1971 a seguinte deliberação: “Deliberado ultimar as diligências para a resolução do diferendo Fundação – moleiro, já em vias de solução, graças à preciosa intervenção do advogado Exmo. Senhor Dr. Henrique Souto. Após as negociações, as duas partes chegaram a acordo pelo que a Comissão Dirigente deliberou fazer o arrendamento do prédio onde estão instalados os moinhos de Meias ao Senhor José da Silva Brilhante, casado, residente em Meias, pelo prazo de um ano e sucessivamente renovável, pela renda mensal de 450.00 (quatrocentos e cinquenta escudos). Ficou, pois, deliberado: primeiro, que seja efectivamente arrendado o dito prédio nas condições já acordadas com o inquilino. Segundo, que outorga na escritura de arrendamento o Excelentíssimo Senhor Boaventura Pereira de Melo, Presidente desta Fundação.”
O moleiro José da Silva Brilhante junto aos Moinhos de Meias (fotografia datada de 2007)
Com esta deliberação os Moinhos de Meias mudaram de moleiro arrendatário e ao antigo moleiro António da Silva Brilhante sucedeu o seu filho José da Silva Brilhante. Esta passagem de testemunho de pais para filhos, assim como envolvendo outros laços familiares, no que concerne ao arrendamento de moinhos e o consequente abraçar da profissão de moleiro, foi prática comum ao longo dos tempos. No caso dos Moinhos de Meias somos de opinião que José da Silva Brilhante já exerceria essa actividade em conjunto com o seu pai, sendo que ao assumir o arrendamento destes moinhos passava assim a formalizar a condição de responsável pela exploração dos mesmos.
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ARMANDO CARVALHO FERREIRA
Apesar desta mudança de arrendatário e do claro apaziguamento na relação entre o mesmo e a Comissão Dirigente da Fundação Egas Moniz, proprietária dos moinhos, há registo de que durante os anos seguintes e fruto das aparentes limitações financeiras da dita Fundação, esta se absteve de efectuar obras de manutenção dos Moinhos de Meias, apesar de estas terem sido reclamadas pelo moleiro arrendatário. Esse facto não impediu que os moinhos continuassem em actividade. Mencione-se a título de curiosidade que, segundo os registos efectuados nas actas das reuniões da Comissão Dirigente, pelo menos entre 1976 e 1984, José da Silva Brilhante faria chegar o valor de 450$00 (escudos) da renda dos Moinhos de Meias a D. Elisa Augusta Lopes dos Santos, a qual por sua vez efectuava a entrega do mesmo à Fundação Egas Moniz aquando das reuniões periódicas da dita comissão, da qual faria parte como membro. José da Silva Brilhante chegou a contar durante muito tempo com a ajuda de seu filho, Avelino Loureiro Silva Brilhante, na actividade de moleiro nos Moinhos de Meias. Segundo o relato deste último, possuíam vários fregueses na freguesia de Avanca, mas também nas freguesias vizinhas de Pardilhó e Bunheiro. A utilização dos Moinhos de Meias terá perdurado até à segunda metade dos anos 80 do século XX, após o que entrou num período de abandono e degradação, o qual coincidiu também com o reforço do declínio da actividade moageira tradicional, seguindo a tendência que já se começava a acentuar desde pelo menos os finais da década de 60. A quebra na procura dos serviços dos moleiros tradicionais, inerente às transformações que então se operaram nos hábitos, na mentalidade e no modo de vida das populações, levou ao abandono desta actividade por parte da esmagadora maioria dos moleiros profissionais, já então compostos essencialmente por uma geração de idade mais avançada, devido à opção crescente por parte das novas gerações por outros meios de subsistência e diferentes perspectivas de futuro.
Os Moinhos de Meias em 2012
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Após algumas décadas de inactividade, em boa hora a Câmara Municipal de Estarreja decidiu em 2012 levar a cabo a recuperação e valorização deste conjunto moageiro, no âmbito do Plano de Valorização do Património Arquitectónico e Paisagístico da Casa Museu Egas Moniz, dotando-o de valências de carácter pedagógico e museológico. O actual espaço dos Moinhos de Meias tem pois todas as condições para poder servir de complemento à própria Casa Museu Egas Moniz, constituindo assim uma mais-valia para conhecer a vertente mais rural que sempre esteve de alguma forma ligada à própria Quinta do Marinheiro.
Interior dos Moinhos de Meias em 2012
III – O moinho de armação Ainda na Quinta do Marinheiro, refira-se que além dos Moinhos de Meias, aqui existiu durante algumas décadas um moinho de vento de armação metálica, o qual, tendo em conta os registos existentes, além da função de bombear água terá também tido a função de moagem. Este de resto encontra-se assinalado como um aeromotor em carta militar de meados do século XX, como na altura era comum serem identificados todos os engenhos eólicos metálicos, independentemente da sua função unicamente para bombagem de água ou também para moagem, como seja neste caso do engenho da Quinta do Marinheiro.
Carta Militar de Portugal de 1948 (moinho de armação assinalado)
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ARMANDO CARVALHO FERREIRA
Nas primeiras décadas do século XX, nesta região de Estarreja e Murtosa, assim como em outros concelhos do litoral do distrito de Aveiro, era bastante comum a existência desta tipologia de moinho. A essa circunstância não será alheio o facto de na altura existirem nesta região alguns dos mais importantes construtores de moinhos de armação a nível nacional, nomeadamente os vários ramos da família dos Bolais Mónica, localizados principalmente nos concelhos de Aveiro e Vagos, assim como José Marques Vilar, localizado no vizinho concelho da Murtosa. Embora infelizmente não tenhamos tido acesso a nenhum documento ou registo que comprove quando e quem construiu o moinho de armação da Quinta do Marinheiro, somos de opinião que esse facto terá ocorrido pouco depois da edificação da actual residência e a sua construção terá decerto sido efectuada por um desses importantes construtores de moinhos. Esta tipologia de moinho situava-se primordialmente em propriedades de grandes lavradores e proprietários, permitindo assim que estes se autonomizassem em relação aos moleiros profissionais, deixando por isso de depender dos seus serviços e de ter de pagar a respectiva maquia pelos mesmos.
Moinho de armação metálico da Quinta do Marinheiro (pormenor de fotografia provavelmente datada da década de 40 do século XX)
Segundo os registos contabilísticos da casa da Quinta do Marinheiro, entre Setembro e Novembro de 1954 terão sido efectuados importantes trabalhos de manutenção do moinho de armação, os quais contemplaram a pintura total do mesmo, tendo ascendido a 738$00 (escudos) o valor total das obras. Esse facto poderá ser indicador de que este moinho de vento ainda exercia na altura a sua função, restando saber se a moagem ainda faria parte da mesma, ou se pelo contrário teria sido entretanto abandonada e somente era utilizado para a bombagem de água. Conforme foi possível apurar, em meados da década de 60 do século XX a estrutura metálica do moinho de armação já não existiria, sendo que em 1971 foi deliberado pela Comissão Dirigente da Fundação Egas Moniz estudar a adaptação da casa do moinho de armação a uma pequena exploração aviária experimental. [ 90 ]
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Actualmente restam poucos vestígios materiais que comprovem a anterior existência deste moinho de vento na Quinta do Marinheiro. Além da casa onde se situaria o engenho de moagem, por baixo da armação metálica, somente a extremidade dos quatro pés metálicos, chumbados nas suas bases de suporte, ainda perduram junto aos cantos exteriores da construção.
A casa do moinho de armação na actualidade (fotografia datada de 2018)
IV – Conclusão Em jeito de conclusão impõem-se algumas palavras de reconhecimento sobre o que se tem vindo a fazer por este património, assim como outras de desafio sobre o que ainda poderá vir a ser feito. De facto, a importância dos Moinhos de Meias como marca do património molinológico da freguesia de Avanca e porventura cartão-de-visita desse mesmo património a nível concelhio, justificam por si só a aposta que foi feita pela autarquia local na recuperação e valorização deste conjunto patrimonial. Registe-se e destaque-se aqui o papel fundamental que já antes e desde essa altura tem continuado a ser levado a cabo pela Confraria da Broa de Avanca, verdadeiros guardiões e embaixadores do património molinológico desta freguesia e porventura de todo o concelho. Apesar destes bons exemplos que nunca será demais realçar, pensamos que tendo em conta a riqueza do património molinológico de todo o concelho de Estarreja, o qual se reflecte também nas freguesias mais a sul, como sejam os casos de Salreu e Canelas, seria fundamental continuar a dar a conhecer quem foram estas gentes, homens e mulheres, moleiros e moleiras, assim como os mestres construtores de moinhos, que se dedicaram e mantiveram viva esta actividade da moagem tradicional, sem esquecer a importante vertente do descasque do arroz, em todo o concelho de Estarreja. Seria uma forma de reforçar a marca identitária deste legado cultural, ao mesmo tempo que poderia potenciar o surgimento de iniciativas, a título individual ou de parceria entre várias entidades, que continuassem a dar sentido a este património, assegurando assim a sua sustentabilidade em termos futuros. [ 91 ]
ARMANDO CARVALHO FERREIRA
O moleiro José da Silva Brilhante e José “Maioto” da Confraria da Broa de Avanca partilhando estórias junto a um cabouco dos Moinhos de Meias (fotografia datada de 2008)
V – Bibliografia e agradecimentos Bibliografia: - FERREIRA, Armando Carvalho, Moinhos e Moleiros do concelho de Estarreja, nº 1 da revista Terras de Antuã, Câmara Municipal de Estarreja, 2007. - FERREIRA, Armando Carvalho, Moinhos do Distrito de Aveiro, Ed. de Autor, 2008. - MATOS, Ricardo, LOUREIRO, Luís, MATOS, Nuno, Recuperação dos Moinhos de Meias, nº 4 da revista Terras de Antuã, Câmara Municipal de Estarreja, 2010. - SOUZA-BRANDÃO, António de, A Ascendência Avancanense do Professor Egas Moniz, Livraria Esquina, Porto, 2004. - Carta Militar de Portugal, Série M888, 1/25000, Folha 163, trabalhos de campo de 1948, Serviços Cartográficos do Exército. - Carta Corográfica de Portugal, Folha 8-C, edição de 1902, Direcção-Geral dos Trabalhos Geodésicos, Topográficos, Hidrográficos e Geológicos do Reino. - Carta Corográfica de Portugal, Folha 10, edição de 1870, Direcção-Geral dos Trabalhos Geodésicos, Topográficos, Hidrográficos e Geológicos do Reino. - Dicionário Geográfico, Volume 5, Nº 40, Folha 779, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, citado por Eduardo Costa no Volume XXXV, Nº 140, Arquivo do Distrito de Aveiro, 1969. - Livro de Actas das reuniões da Comissão Dirigente da “Fundação Egas Moniz”, 1966-1985, Arquivo da Casa Museu Egas Moniz, Avanca. Agradecimentos: Arquitectos Matos (Vila Nova de Gaia), Avelino Loureiro Silva Brilhante (Avanca), José da Silva Brilhante (Avanca) e Marco Marques Pereira (Pardilhó) Um agradecimento especial à Dra. Rosa Maria Rodrigues, responsável pela Casa Museu Egas Moniz, pela disponibilidade demonstrada e excelente colaboração durante a elaboração deste artigo, nomeadamente pelo acesso que nos foi facultado ao arquivo documental daquela instituição. [ 92 ]
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
A FAMÍLIA QUADROS EM SALREU DESDE O FINAL DO SÉCULO XVIII (PARTE I) Delfim Bismarck Ferreira *
Salreu foi berço de diversas famílias nobres que aqui se fixaram pelas razões mais diversas. Uma delas, a família Quadros, aqui se estabeleceu no final do século XVIII, por via de dois irmãos: José Bernardo e Bernardo Jacinto, sendo este último, apesar de mais novo, o primeiro a fixar-se em Salreu. Eram filhos de Jacinto Bernardo de Quadros CoutinhoTeixeira de Escobar, Senhor da “Quinta Corredoura”, em Sever do Vouga, natural Arouca, e de sua mulher e prima D. Inocência Margarida Violante Tavares Pacheco Pinto Côrte-Real, proprietária e doméstica, natural de Recardães, Águeda, residentes primeiro na “Casa da Póvoa da Fonte”, em Recardães, e depois em Eixo. Neste pequeno artigo, apenas apresentaremos os descendentes de José Bernardo de Quadros Teixeira Côrte-Real nascidos até 1900. 1(I) - JOSÉ BERNARDO DE QUADROS TEIXEIRA CÔRTE-REAL, proprietário, Senhor dos vínculos da Corredoura1, do Sobral2 e da Murtosa, em Sever do Vouga, onde nasceu e foi baptizado em 28 de Dezembro de 1735.3 Casou em 14 de Janeiro de 1801 na Capela de Nossa Senhora do Rosário, em Nogueira, Pessegueiro do Vouga4, com D. MARIA BENEDITA ROSA DA CONCEIÇÃO PEREIRA DE VASCONCELOS, baptizada com o nome de Maria Teresa Benedita, nascida em 18 de Maio de 1780 em Paredes, Pessegueiro do Vouga, Sever do Vouga.5 Era filha de Florêncio António da Silva Pereira de Vasconcelos6, Senhor da “Quinta do Sobral”, em Pessegueiro do Vouga, Sargento-mór de Sever do Vouga e de Couto de Esteves7, tabelião no concelho de Sever do Vouga8, e de sua mulher D. Maria Caetana da Silva, da “Quinta de Paredes”, em Pessegueiro do Vouga, Sever do Vouga; neta paterna do Sargento-mor António Gomes da Silva, Senhor da “Quinta do Sobral” em Pessegueiro do Vouga, natural da Senhorinha, Cavaleiro professo na Ordem de Cristo9, e de sua segunda mulher
* Historiador. 1 - José Bernardo renunciou o seu direito à Corredoura em seu irmão Dr. Caetano José. 2 - Não consegui apurar quando e por quem foi feito este vínculo, nem por que o recebeu José Bernardo. Apenas pude apurar que o Sobral pertencia à sua família, pelo menos, desde o século XVII (Apontamentos do Professor Doutor Martim de Albuquerque). 3 - ADA, Livro Paroquial de Sever do Vouga, n.º 2, Misto, fls. 82v.-83. 4 - ADA, Livro Paroquial de Pessegueiro do Vouga, n.º 13, Casamentos, fl. 39v. 5 - ADA, Livro Paroquial de Pessegueiro do Vouga, n.º 4, Misto, fl. 90. 6 - Sobre a sua ascendência ver: MARTINS, A. S. P.; PINHO, L. M. S., 2013, pp. 106-119 e 183-185. 7 - BORRÊGO, N. G. P., 2006, p. 268 e MARTINS, A. S. P.; PINHO, L. M. S., 2013, p. 185. 8 - IAN/TT, Registo Geral de Mercês, D. Maria I, liv. 24, fl. 42v. 9 - IAN/TT, Registo Geral de Mercês, D. João V, liv. 22, fl. 140.
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DELFIM BISMARCK FERREIRA
D. Quitéria Maurícia de Vasconcelos e Almeida Pereira, natural da “Casa do Outeiro”, em Cesar, Oliveira de Azeméis, neta materna de Manuel Francisco da Silva, natural de Crestelo, Pessegueiro do Vouga, e da sua mulher Maria Caetana da Silva, natural de Paredes, onde foram moradores. Último administrador da Capela da “Quinta da Corredoura”, em Sever do Vouga10, José Bernardo faleceu em 23 de Novembro de 1821 na Rua de São Martinho, em Salreu.11 D. Maria da Conceição faleceu em 21 de Dezembro de 1852 na Rua de São Martinho, em Salreu.12 Foram moradores da Rua de São Martinho, em Salreu, onde tiveram quatro filhos: Antónia, Margarida, Ana Maria e José Maria.
Brasão da “Casa do Outeiro”, em Cesar, Oliveira de Azeméis. Esquartelado: 1.º - Pereira, de vermelho com um cruz florenciada de prata, vazia do campo; 2.º - Vasconcelos, de negro, com três faixas veiradas de prata e vermelho; 3.º - Pinto, de prata, com cinco crescentes de vermelho postos em sautor; 4.º - Almeida, de vermelho, com uma cruz dulpa de ouro, acompanhada de seis besantes de ouro nos vãos; bordadura de ouro; Elmo de prata a 3/4 tauxeado de ouro e forrado de azul; virol e paquifes de prata e vermelho;Timbre dos pereiras: cruz florenciada de vermelho, vazia de prata, acompanhada de duas asas de ouro (ou de prata); correias de vermelho perfiladas de prata.Tachões de ouro13
1(II) - D. ANTÓNIA ROSA MARIA DE QUADROS, proprietária e doméstica, nasceu em 7 de Março de 1802 na Rua de São Martinho, em Salreu.14 Casou em 18 de Fevereiro de 1830 em Salreu15, com JOÃO MARQUES REBELO DA FONSECA, armador, natural de Salreu. 10 - RAMOS, F. S., 1998, pp. 343-345. 11 - Apontamentos de Eduardo de Albuquerque de Quadros Côrte-Real, 1957. 12 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 20, Óbitos, fl. 164. 13 - MARTINS, A. S. P.; PINHO, L. M. S., 2013, p. 143. 14 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 4, Baptismos, fl. 64. 15 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 7, Casamentos, fl. 232v.
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Era filho de Joaquim Rebelo da Fonseca e de sua mulher Maria Francisca de Almeida; neto paterno de Francisco Rebelo e de Mariana da Fonseca; neto materno de João de Almeida Coelho e de Mariana Lopes da Silva, todos da Rua de São Martinho, Salreu. Antónia Rosa Maria faleceu em 24 de Dezembro de 1864 na Rua de São Martinho, em Salreu. Residiram na Rua de São Martinho, em Salreu, onde tiveram seis filhos: Joaquim, António, José, Fortunato, Ana e Maria Engrácia. 1(III) - JOAQUIM REBELO DA FONSECA DE QUADROS, nasceu em 15 de Janeiro de 1831 na Rua de São Martinho, em Salreu16. Casou em 1 de Julho de 1854 em Salreu17, com ANA DE JESUS DA SILVA MOURA, nascida em 6 de Abril de 1833 no Mato, em Salreu.18 Era filha de José Manuel da Silva e de sua mulher Joana Simões de Moura, do Mato, Salreu; neta paterna de Pantaleão José da Silva e de sua mulher Maria Antónia de Jesus, de Veiros; neta materna de Sebastião Simões de Moura, natural de Angeja, e de sua mulher Teresa Gomes, do Feiro, Salreu. Joaquim faleceu em 8 de Setembro de 1866 na Rua de São Martinho, em Salreu.19 Moradores em Adou de Cima e depois na Rua de São Martinho, em Salreu, onde tiveram quatro filhos: Joaquina Maria, Francisco, Ana Maria e Ana Rosa. 1(IV) - JOAQUINA MARIA ROSA DA SILVA, costureira e doméstica, nasceu em 8 de Setembro de 1854 em Adou de Cima, em Salreu20. Casou em 15 de Maio de 1893 em Salreu21, com seu primo DOMINGOS DE QUADROS, serrador, jornaleiro e lavrador, nasceu em 4 de Janeiro de 1862 em Campinos, Salreu.22 Era filho de Francisco António de Quadros e de sua mulher Ana Augusta de Oliveira, da Rua de São Martinho, Salreu. Residiram em Adou de Cima, Salreu, onde tiveram, pelo menos, dois filhos: Américo e Daniel. 1(V) - AMÉRICO, nasceu em 31 de Maio de 1894 em Adou de Cima, Salreu.23 2(V) - DANIEL DE QUADROS, jornaleiro, nasceu em 16 de Dezembro de 1896 em Adou de Cima, Salreu24, onde faleceu solteiro em 18 de Setembro de 1954.25
16 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 6, Baptismos, fl. 183v. 17 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 15, Casamentos, fl. 95. 18 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 6, Baptismos, fl. 237. 19 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 21, Óbitos, fl. 160, reg. n.º 34. 20 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 386. 21 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 29, Casamentos, fl. 8, reg. n.º 14. 22 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 10, Baptismos, fl. 169v., reg. n.º 3. 23 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 26, Baptismos, fl. 17v., reg. n.º 55. 24 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 26, Baptismos, fl. 41v., reg. n.º 122. 25 - CRCE, Livro de Registo Civil do Concelho de Estarreja, Óbitos de 1954, reg. n.º 218.
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2(IV) - FRANCISCO REBELO, jornaleiro, trabalhador e lavrador, nasceu em 10 de Outubro de 1856 na Rua de São Martinho, em Salreu26. Casou em 5 de Dezembro de 1881 em Salreu, com sua prima em 4.º grau de consanguinidade27, MARIA DE JESUS, lavradora e doméstica, nascida no Corgo, Salreu. Era filha de Manuel Marques de Oliveira e de sua mulher Maria do Carmo, naturais e moradores em Salreu. Residiram no Corgo, Salreu, onde tiveram, pelo menos, quatro filhos: Glória, David, Manuel e Júlio. 1(V) - GLÓRIA, nasceu em 26 de Setembro de 1884 no Corgo, Salreu28. 2(V) - DAVID, nasceu em 22 de Setembro de 1887 no Corgo, Salreu29. 3(V) - MANUEL, nasceu em 10 de Dezembro de 1889 no Cogo, Salreu30. 4(V) - JÚLIO REBELO, nasceu em 31 de Março de 1892 no Corgo, Salreu31. Casou em 7 de Janeiro de 1916 em Canelas, Estarreja, com ROSA DOMINGUES DA SILVA, natural de Canelas, filha de Manuel Rodrigues Capeleiro e de sua mulher Maria Joaquina Domingues, de Canelas. Rosa faleceu em 25 de Novembro de 1959 em Canelas. Júlio faleceu em 22 de Fevereiro de 1984 na Rua do Campo da Cruz, em Canelas.32 3(IV) - ANA MARIA, nasceu em 2 de Outubro de 1863 na Rua de São Martinho, em Salreu.33
4(IV) - ANA ROSA, nasceu em 31 de Julho de 1865 na Rua de São Martinho, em Salreu34, onde faleceu ainda criança, em 13 de Janeiro de 1866.35 2(III) - ANTÓNIO REBELO DE QUADROS, nasceu em 14 de Fevereiro de 1832 na Rua de São Martinho, em Salreu.36 Casou em 8 de Janeiro de 1863 em Salreu37, com ANA RODRIGUES DE OLIVEIRA “Grulha”, nascida em 18 de Março de 1836 em Adou de Cima, Salreu.
26 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 10, Baptismos, fl. 28v. 27 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 19, Casamentos, fls. 8v.-9, reg. n.º 18. 28 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 25, Baptismos, fls. 30v.-31, reg. n.º 79. 29 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 25, Baptismos, fls. 30-30v., reg. n.º 89. 30 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 25, Baptismos, fl. 41v., reg. n.º 119. 31 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 26, Baptismos, fl. 10v., reg. n.º 30. 32 - CRCE, Livro de Registo Civil do Concelho de Estarreja, Óbitos de 1984, fl. 22, reg. n.º 43. 33 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 10, Baptismos, fl. 233-233v., reg. n.º 82. 34 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 11, Baptismos, fl. 55, reg. n.º 67. 35 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 21, Óbitos, fl. 191, reg. n.º 1. 36 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 6, Baptismos, fl. 211v. 37 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 17, Casamentos, fls. 25-25v., reg. n.º 1.
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Era filha de Manuel José de Oliveira e de sua mulher Mariana Rodrigues, naturais de Salreu e moradores em Adou de Cima; neta paterna de Miguel António de Oliveira e de Maria Josefa Antão da Fonseca, de Veiros; neta materna de João Rodrigues de Oliveira “Reguinho” e de Maria Rodrigues Ferreira, de Adou, Salreu.38 Ana faleceu em 25 de Abril de 1865 na Rua de São Martinho, em Salreu39. Residiram na Rua de São Martinho, em Salreu, onde tiveram dois filhos: António e José. 1(IV) - ANTÓNIO, nasceu em 10 de Maio de 1863 na Rua de São Martinho, em Salreu.40 2(IV) - JOSÉ REBELO DE QUADROS, lavrador, nasceu em 4 de Abril de 1865 na Rua de São Martinho, em Salreu.41 Casou em 26 de Julho de 1888 em Salreu42, com MARIA MÁXIMA DA SILVA CUNHA, jornaleira e depois doméstica, natural de Adou de Baixo, Salreu. Era filha de José da Silva Arrojado, natural da Póvoa de Baixo, Beduído, Estarreja, e de sua mulher Mariana Máxima da Cunha, natural de Salreu, moradores em Adou de Baixo, Salreu. José faleceu em 1 de Setembro de 1888 na Rua de São Martinho, em Salreu, sem geração43 Tiveram, pelo menos, um filho: Augusto. 1(V) - AUGUSTO, nasceu em 26 de Abril de 1889 no Cadaval, Salreu44, onde faleceu ainda criança em 20 de Setembro de 1890. 3(III) - JOSÉ, nasceu em 2 de Novembro de 1833 na Rua de São Martinho, em Salreu45, onde faleceu ainda criança. 4(III) - FORTUNATO REBELO DE QUADROS, nasceu em 22 de Fevereiro de 1835 na Rua de São Martinho, em Salreu46. Era solteiro em 1865. 5(III) - ANA, nasceu na Rua de São Martinho, em Salreu, onde faleceu solteira e sem geração, aos 18 anos de idade, em 5 de Outubro de 1852.47
38 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 6. 39 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 21, Óbitos, fl. 135, reg. n.º 20. 40 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 10, Baptismos, f. 218, reg. n.º 38. 41 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 11, Baptismos, fl. 45v., reg. n.º 37. 42 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 29, Casamentos, fls. 9-9v., reg. n.º 17. 43 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 27, Óbitos, fl. 9v., reg. n.º 38. 44 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 25, Baptismos, fls. 19v.-20, reg. n.º 58. 45 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 6, Baptismos, fl. 248v. 46 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 6, Baptismos, fl. 279v. 47 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 20, Óbitos, fl. 162, reg. n.º 41.
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6(III) - MARIA ENGRÁCIA DE QUADROS, fazendeira e costureira, nasceu em 25 de Fevereiro de 1839 na Rua de São Martinho, em Salreu.48 Casou em 2 de Maio de 1870 em Salreu49, com JOSÉ MARQUES DE OLIVEIRA, fazendeiro e carpinteiro, viúvo de Maria Valente, nascido em 20 de Fevereiro de 1837 no Corgo, em Salreu. Era filho de Custódio José de Oliveira e de sua mulher Mariana Marques da Fonseca, de Salreu; neto paterno de João Marques de Oliveira e de Maria Teresa, de Beduído, Estarreja; neto materno de José Marques e de Maria da Fonseca, da Rua de São Martinho, em Salreu.50 Maria Engrácia faleceu em 8 de Setembro de 1895 na Cavada, Salreu51, onde residiram e tiveram, pelo menos, quatro filhos: Maria Norvinda, José Maria, João e N.N. 1(IV) - MARIA NORVINDA, nasceu em 12 de Novembro de 1870 na Cavada, em Salreu52. 2(IV) - JOSÉ MARIA, nasceu em 24 de Janeiro de 1873 na Cavada, em Salreu53. 3(IV) - JOÃO MARQUES DE OLIVEIRA, jornaleiro, nasceu em 6 de Março de 1874 na Cavada, em Salreu54, e casou com MARIA LUÍSA RODRIGUES. João residiu na Glória, Aveiro, onde faleceu viúvo em 25 de Julho de 1959.55 4(IV) - N.N., criança do sexo masculino que faleceu recém-nascida com seis dias de vida, em 4 de Janeiro de 1876 na Cavada, em Salreu.56 2(II) - D. MARGARIDA DE QUADROS, lavradora, nasceu em 17 de Novembro de 1804 na Rua de São Martinho, em Salreu57. Casou em Salreu, com FRANCISCO MARQUES PEREIRA DE SANTIAGO, lavrador, nascido em 13 de Maio de 1802 na Rua de São Martinho, em Salreu. Era filho de José Marques Pereira e de sua mulher Maria da Fonseca, da Rua de São Martinho, Salreu; neto paterno de Manuel Marques e de Maria Josefa Pereira, de Adou; neto materno de Francisco Rebelo e de Mariana da Fonseca, da Rua de São Martinho.58 D. Margarida faleceu em 10 de Fevereiro de 1838 na Rua de São Martinho, em Salreu.59 48 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 63v. 49 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 27, Casamentos, fls. 127v.-128, reg. n.º 8. 50 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 23v. 51 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 27, Óbitos, fl. 5v., reg. n.º 19. 52 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 12, Baptismos, fls. 82v.-83, reg. n.º 88. 53 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 13, Baptismos, fls. 4v.-5, reg. n.º 8. 54 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 13, Baptismos, fls. 8v.-9, reg. n.º 23. 55 - CRCA, Livro de Registo Civil do Concelho de Aveiro, Óbitos de 1959, fl. 158, reg. n.º 313. 56 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 24, Óbitos, fl. 1, reg. n.º 1. 57 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 4, Baptismos, fl. 96. 58 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 4, Baptismos, fl. 67. 59 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 20, Óbitos, fl. 60v.
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Francisco faleceu em 22 de Julho de 1872 na Rua de São Martinho, em Salreu.60 Residiram na Rua de São Martinho, em Salreu, onde tiveram, pelo menos, cinco filhos: Ana, José, Ana, Francisco e Maria. 1(III) - ANA, nasceu em 25 de Novembro de 1831 na Rua de São Martinho, em Salreu.61 2(III) - JOSÉ, nasceu em 3 de Dezembro de 1834 na Rua de São Martinho, em Salreu.62 3(III) - ANA MARGARIDA MARQUES DE QUADROS, lavradora, fazendeira e doméstica, nasceu em 20 de Agosto de 1836 na Rua de São Martinho, em Salreu.63 Casou em 23 de Maio de 1861 em Salreu64, com JOSÉ RODRIGUES SOARES “JÚNIOR”, lavrador, nasceu em 28 de Fevereiro de 1831 em Soutelo, Branca, Albergaria-a-Velha. Era filho de José Rodrigues Soares e de sua mulher Ana Rosa Marques Pereira, lavradores, moradores junto à capela de Soutelo, Branca; neto paterno de Manuel Rodrigues Soares e de Luísa Rodrigues; neto materno de Joaquim Marques Valente e de Maria Josefa, todos de Soutelo.65 Residiram na Rua de São Martinho, em Salreu, onde tiveram, pelo menos, sete filhos: Margarida, José Hygino, Maria Isménia, João, Maria Isménia, Ana e Amélia. 1(IV) - MARGARIDA SOARES DE QUADROS, proprietária, nasceu em 3 de Outubro de 1866 na Rua de São Martinho, em Salreu, onde faleceu solteira e sem geração em 18 de Novembro de 1938.66 2(IV) - JOSÉ HYGINO, nasceu em 11 de Janeiro de 1869 na Rua de São Martinho, em Salreu.67 3(IV) - MARIA ISMÉNIA, nasceu em 12 de Maio de 1871 na Rua de São Martinho, em Salreu68, onde faleceu ainda criança em 23 de Novembro de 1874.69 4(IV) - JOÃO SOARES DE QUADROS, lavrador, nasceu em 9 de Novembro de 1873 na Rua de São Martinho, em Salreu70.
60 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 23, Óbitos, fls. 7-7v., reg. n.º 23. 61 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 6, Baptismos, fl. 206v. 62 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 6, Baptismos, fl. 273v. 63 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 15. 64 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 16, Casamentos, fls. 6v.-7, reg. n.º 8. 65 - ADA, Livro Paroquial de Branca, n.º 7, Baptismos, fl. 67v. 66 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 11, Baptismos, fls. 92-92v., reg. n.º 74. 67 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 11, Baptismos, fls. 204v.-205v., reg. n.º 5. 68 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 13, Baptismos, fls. 4v.-5, reg. n.º 26. 69 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 23, Óbitos, fl. 12v. 70 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 13, Baptismos, fls. 42v.-43, reg. n.º 88.
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Casou em 4 de Fevereiro de 1900 em Salreu71, com ANA MARIA VALENTE DE MATOS DOS ANJOS, lavradora e depois doméstica, nascida em 9 de Junho de 1876 em Salreu. Era filha de Francisco José Valente de Matos e de sua mulher Maria Josefa Valente dos Anjos, lavradores, naturais e moradores em Salreu; neta paterna de Francisco José de Matos e de sua mulher Feliciana Valente dos Anjos; neta materna de Gonçalo Marques Abranches e de sua mulher Maria dos Anjos, todos de Salreu. João faleceu em 26 de Março de 1955 em Salreu. Ana Maria faleceu em 10 de Fevereiro de 1962 em Salreu. Residiram em Salreu, onde tiveram, pelo menos, seis filhos: Glória, Augusto, Maria José, Beatriz, Francisco e António. 5(IV) - MARIA ISMÉNIA MARQUES DE QUADROS, inicialmente jornaleira e depois lavradora e proprietária, nasceu em 25 de Março de 1876 na Rua de São Martinho, em Salreu72. Casou em 27 de Abril de 1899 em Salreu73, com MANUEL MARQUES DA SILVA “JÚNIOR”, inicialmente jornaleiro e depois, lavrador e proprietário, nascido em 21 de Junho de 1875 no Cadaval, Salreu. Era filho de Manuel Marques da Silva, trabalhador e lavrador, natural de Avanca, e de sua mulher Rosa Marques de Almeida, lavradora e doméstica, natural de Salreu, onde foram moradores; neto paterno de António Marques da Silva e de Maria da Silva, de Avanca; neto materno de Manuel Marques de Almeida e de Joana Valente, do Cadaval, Salreu.74 Manuel faleceu em 23 de Dezembro de 1955 em Salreu. Maria Isménia faleceu em 19 de Agosto de 1962 em Salreu. Residiram inicialmente na Rua de São Martinho e depois no Cadaval, em Salreu, onde tiveram, pelo menos, três filhos: Manuel, Margarida e Maria Isménia. 6(IV) - ANA SOARES DE QUADROS, doméstica, nasceu em 9 de Agosto de 1879 na Rua de São Martinho, em Salreu75, onde faleceu solteira em 3 de Junho de 1962.76 7(IV) - AMÉLIA, nasceu em 27 de Agosto de 1881 na Rua de São Martinho, em Salreu77, onde faleceu criança em 21 de Outubro de 188278. 4(III) - FRANCISCO SOARES PEREIRA SANTIAGO, nasceu cerca de 1839, e residiu em Silves, onde foi professor primário (1921). 71 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 29, Casamentos, fls. 3v.-4, reg. n.º 6. 72 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 14, Baptismos, fls. 11v.-12, reg. n.º 34. 73 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 29, Casamentos, fls. 4-4v., reg. n.º 8. 74 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 13, Baptismos, fls. 20-20v., reg. n.º 60. 75 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 14, Baptismos, fl. 20, reg. n.º 62. 76 - CRCE, Livro de Registo Civil do Concelho de Estarreja, Óbitos de 1962, reg. n.º 137. 77 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 14, Baptismos, fl. 19, reg. n.º 62. 78 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 24, Baptismos, fls. 10-10v., reg. n.º 50.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
5(III) - MARIA MARQUES DE QUADROS, proprietária, lavradora e doméstica, nasceu em 1838 em Salreu. Casou em Salreu, com JOSÉ AFONSO DA SILVA, proprietário e lavrador, natural de Salreu. Era filho do Cap. Domingos Afonso da Silva e de sua mulher D. Maria do Rosário Valente, lavradores, da Ladeira, Salreu; neto paterno do Cap. Miguel Afonso da Silva e de e de D. Luísa Tavares de Figueiredo, do Couto; neto materno de Gonçalo de Oliveira e de Maria Valente, da Ladeira. Maria faleceu em 1 de Outubro de 1903 na Ladeira, Salreu.79 Residiram na Ladeira, em Salreu, onde tiveram, pelo menos, cinco filhos: Ana, Maria, Joaquim, Francisco e Rosa. 1(IV) - ANA MARQUES DE QUADROS, proprietária e doméstica, nasceu em 6 de Março de 1860 na Ladeira, em Salreu80. Casou com 26 anos, em 7 de Junho de 1886 em Salreu81, com MANUEL JOAQUIM DE OLIVEIRA, lavrador, de 25 anos, nascido na Ladeira, Salreu, filho de Manuel Joaquim de Oliveira e de sua mulher Brízida da Silva, de Salreu. Ana faleceu em 7 de Março de 1859 em Salreu, deixando pelo menos dois filhos: Francisco e António. 1(V) - FRANCISCO, faleceu criança em 24 de Fevereiro de 1898 na Ladeira, em Salreu, com três dias de vida.82 2(V) - ANTÓNIO DE OLIVEIRA CARAPINHEIRA, casou com sua prima ANA AUGUSTA MARQUES DE QUADROS. 2(IV) - MARIA MARQUES DE QUADROS, proprietária, lavradora e doméstica, nasceu em 2 de Agosto de 1862 na Ladeira, em Salreu.83 Casou em 14 de Julho de 1887 em Salreu84, com MANUEL MARIA MARQUES AFONSO, lavrador, nasceu em 22 de Setembro de 1862 na Ladeira, Salreu.85 Era filho de Manuel Marques Afonso e de sua mulher Ana Margarida da Cruz, lavradores, da Ladeira; neto paterno de José Marques Afonso e de Maria do Rosário, do Picoto; neto materno de João Martins Ferraz e de Ana da Cruz, da Ladeira, todos de Salreu. Maria faleceu em 14 de Novembro de 1958 em Salreu. Residiram na Rua da Ladeira, em Salreu, onde tiveram, pelo menos, três filhas: Margarida, Maria da Anunciação e Rosa. 79 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 41, Óbitos, fl. 14, reg. n.º 57. 80 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 10, Baptismos, fl. 113, reg. n.º 15. 81 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 29, Casamentos, fls. 3v.-4, reg. n.º 8. 82 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 41, Óbitos, fl. 3v., reg. n.º 14. 83 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 10, Baptismos, fl. 190v., reg. n.º 72. 84 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 29, Casamentos, fl. 7, reg. n.º 13. 85 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 10, Baptismos, fls. 196v.-197, reg. n.º 91.
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DELFIM BISMARCK FERREIRA
1(V) - MARGARIDA MARQUES DE QUADROS, doméstica, nasceu em 18 de Novembro de 1889 na Ladeira, Salreu.86 Casou com MANUEL VALENTE DA SILVA, falecido em 7 de Outubro de 1914. Casou segunda vez, em 19 de Abril de 1923 em Salreu87, com JOAQUIM MARQUES DA COSTA, lavrador, nascido em 16 de Janeiro de 1882 na Rua Nova, em Salreu. Era filho de Manuel Marques da Costa, lavrador, e de sua mulher Maria de Oliveira, doméstica, naturais e moradores em Salreu; neto paterno de António Marques da Costa e de Margarida Tavares da Silva; neto materno de Joaquim Marques e de Maria de Oliveira, de Salreu.88 Joaquim faleceu em 6 de Março de 1958, em Salreu. 2(V) - MARIA DA ANUNCIAÇÂO, nasceu em 18 de Abril de 1892 na Ladeira, em Salreu89. Era viva em 1924. 3(V) - ROSA MARQUES DE QUADROS, doméstica, nasceu em 21 de Setembro de 1896 na Ladeira, em Salreu.90 Casou em 13 de Agosto de 1928 em Salreu91, com JOAQUIM DE OLIVEIRA ROQUE, lavrador, natural de 22 de Dezembro de 1894 em Antuã, Salreu. Era filho de José de Oliveira Roque, lavrador, natural de Salreu, e de sua mulher Maria do Rosário Tavares da Silva, doméstica, natural de Beduído, Estarreja, moradores em Antuã, Salreu; neto paterno de Joaquim de Oliveira Roque e de Ana Rodrigues da Costa; neto materno de António Marques da Costa e de Margarida Tavares da Silva, de Salreu.92 Rosa faleceu em 28 de Dezembro de 1977 na Ladeira, em Salreu93. Joaquim faleceu em 10 de Maio de 1984, em Salreu. 3(IV) - JOAQUIM, nasceu a 3 de Dezembro de 1864 na Ladeira, Salreu.94 4(IV) - FRANCISCO, nasceu em 3 de Maio de 1867 na Ladeira, Salreu.95 5(IV) - ROSA MARQUES DE QUADROS, lavradora e proprietária, nasceu em 4 de Janeiro de 1872 na Ladeira, em Salreu.96 86 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 25, Baptismos, fl. 38, reg. n.º 109. 87 - CRCCE, Livro de Registo Civil do Concelho de Estarreja, Casamentos de 1914, fls. 178v.-179v., reg. n.º 208. 88 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 14, Baptismos, fls. 3, reg. n.º 8. 89 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 26, Baptismos, fl. 12v., reg. n.º 36. 90 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 26, Baptismos, fls. 30v.-31, reg. n.º 91. 91 - CRCCE, Livro de Registo Civil do Concelho de Estarreja, Casamentos de 1928, reg. n.º 143. 92 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 26, Baptismos, fls. 35v.-36, reg. n.º 109. 93 - CRCCE, Livro de Registo Civil do Concelho de. Estarreja, Óbitos de 1977, reg. n.º 283. 94 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 11, Baptismos, fls. 32v.-33, reg. n.º 106. 95 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 11, Baptismos, fls. 182v.-183, reg. n.º 52. 96 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 13, Baptismos, fls. 4-4v., reg. n.º 7.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Casou em 4 de Junho de 1900 em Salreu97, com seu primo em terceiro e quarto grau de consanguinidade, ANTÓNIO MARIA DE QUADROS CÔRTE-REAL, lavrador e proprietário, nascido em 12 de Maio de 1851 no Seixal, em Salreu98. Moraram em São Martinho e depois no Feiro, em Salreu, onde tiveram, pelo menos, dois filhos: Ana Augusta e José Eduardo. 3(II) - ANA MARIA, nasceu em 22 de Março de 1807 na Rua de São Martinho, em Salreu.99 4(II) - JOSÉ MARIA CARDOSO DE QUADROS CÔRTE-REAL, proprietário, Senhor do vínculo da Murtosa, nasceu em 25 de Abril de 1815 na Rua de São Martinho, em Salreu.100 Casou em 29 de Outubro de 1835 em Salreu101, com D. ANA AUGUSTA DO AMARAL E CIRNE, proprietária e doméstica, nascida em 25 de Janeiro de 1814 em São Martinho de Melhundes. Era filha de Francisco do Amaral Pinto Correia de Almeida e Calvos, natural de Salreu, Senhor da “Casa do Couto”, e de sua primeira mulher D. Maria Paula Teixeira Cabral Cirne, natural de Penafiel (irmã da 1.ª Baronesa das Lages102); neto paterno do Cap. João do Amaral Pinto Correia de Almeida e Calvos, natural de Salreu, Senhor da “Casa do Couto”, Cavaleiro professo na Ordem de Cristo, Fidalgo de Cota de armas por carta de 24 de Julho de 1787, e de sua mulher D. Mariana Inácia de Almeida e Macedo, natural de Coimbra; neto materno de Josefino Teixeira Cabral e de sua mulher D. Ana Joaquina Cirne, Senhores da “Quinta das Lages”, em Penafiel. D. Ana Augusta faleceu em 8 de Novembro de 1890 na Rua de São Martinho, em Salreu.103 José Maria faleceu em 1 de Novembro de 1892 na Rua de São Martinho, em Salreu.104 Residiram na Rua de São Martinho, em Salreu, onde tiveram sete filhos: Francisco Maria, Maria José, José Maria, António Maria, João Maria, Júlio e Manuel Maria. 1(III) - FRANCISCO MARIA DO AMARAL CARDOSO DE QUADROS CÔRTE-REAL, Senhor da “Casa dos Freixos”, em Salreu, da “Quinta dos Cardosos”, na Murtosa, e da “Quinta da Boa Vista”, em Salreu, proprietário, nasceu em 22 de Julho de 1836 em Salreu.105
97 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 29, Casamentos, fls. 7v.-8, reg. n.º 14. 98 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 314v. 99 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 4, Baptismos, fl. 132v. 100 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 5, Baptismos, fls. 41-41v. 101 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 15, Casamentos, fls. 10-10v. 102 - PINTO, A. S., Tomo 2, 1991, p. 68; AAVV, Anuário da Nobreza, p. 393. De facto, a mãe de D. Ana Augusta e D. Maria José Teixeira Cirne Cabral, 1.ª Baronesa e 5.ª Senhora das Lages, eram filhas de Zeferino Teixeira Cabral, 4.º Senhor da “Quinta das Lages”. 103 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 27, Óbitos, fl. 18v., reg. n.º 82. 104 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 27, Óbitos, fl. 13v., reg. n.º 58. 105 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 12v.
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DELFIM BISMARCK FERREIRA
Casou em 5 de Julho de 1871 na Capela de Nossa Senhora das Necessidades, na Póvoa de Baixo, Beduído, Estarreja106, com D. ANA DA CONCEIÇÃO MARQUES PIRES, proprietária e doméstica, nascida em 15 de Janeiro de 1836 na Póvoa de Baixo, em Beduído.107 Era irmã do Rev. Doutor Manuel Marques Pires, Abade de Válega, Vigário a Vara, Doutor de Capelo na Universidade de Coimbra e Deputado da Nação, e do Dr. Domingos Manuel Estêvão Pires, Delegado do Procurador Régio em Ovar, filho do Ten. Manuel Marques Pires, proprietário, natural de Beduído, Estarreja, e de sua mulher D. Maria Valente da Conceição, doméstica, natural de Salreu, Estarreja, moradores na Póvoa de Baixo, Beduído; neta paterna de Manuel Marques Pires Couto e de sua mulher Ana Maria Antão, da Póvoa de Baixo, Estarreja, e materna de Manuel Joaquim Valente de sua mulher Feliciana Valente, das Laceiras, Salreu. Residiram na Póvoa de Baixo, Beduído, e depois na Rua de São Martinho, em, Salreu. Tiveram cinco filhos: Maria Delfina, Ana Augusta, Maria das Neves, N. N. e Francisco.
“Casa dos Freixos”, em Salreu, também conhecida por “Casa do Santo”108
1(IV) - D. MARIA DELFINA DE QUADROS CÔRTE-REAL, nasceu em 1 de Maio de 1872 na Póvoa de Baixo, em Beduído, Estarreja.109 Faleceu em 27 de Fevereiro de 1952 em Santo Ildefonso, no Porto. 2(IV) - D. ANA AUGUSTA DE QUADROS CÔRTE-REAL, nasceu em 30 de Maio de 1873 em Beduído, Estarreja.110 Era solteira em 1892.
106 - ADA, Livro Paroquial de Beduído, n.º 38, Casamentos, fls. 75-75v., reg. n.º 8. 107 - ADA, Livro Paroquial de Beduído, n.º 16, Misto, fl. 82. 108 - NEVES, A., 2007, p. 9. 109 - ADA, Livro Paroquial de Beduído, n.º 26, Baptismos, fls. 68-68v., reg. n.º 39. 110 - ADA, Livro Paroquial de Beduído, n.º 26, Baptismos, fls. 101v.-102, reg. n.º 37.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
3(IV) - D. MARIA DAS NEVES DO AMARAL PIRES DE QUADROS CORTE-REAL, proprietária e doméstica, Senhora da “Quinta dos Freixos”, em Salreu, nasceu em 2 de Fevereiro de 1875 na Póvoa de Baixo, em Beduído, Estarreja.111 Casou em 31 de Maio de 1904 em Beduído, Estarreja, com seu primo em 3.º e 4.º grau de consanguinidade112, ALBERTO DE MELO VILHEGAS, proprietário, nascido em 5 de Setembro de 1874 em Beduído113, Estarreja. Era filho de Narciso António de Melo Vilhegas, proprietário, natural de Veiros, Estarreja, e de sua mulher (1.º casamento) D. Maria Augusta do Amaral Cirne, proprietária, natural de Salreu, Senhores da “Casa de S. Tiago”, na Costeira, em Beduído; neto paterno do Dr. António Bernardino de Vilhegas e Paiva114, natural de Coutos, Viseu, e de sua mulher D. Maria Custódia Vaz Pereira de Melo, natural de Veiros, Estarreja, Senhores da “Casa de S. Tiago”, na Costeira, em Beduído; neto materno de Francisco António do Amaral Cirne e de sua mulher D. Inocência Margarida de Quadros Côrte-Real, proprietários, da “Casa do Couto”, em Salreu. Alberto faleceu em 1946 em Salreu. D. Maria das Neves faleceu 27 de Abril de 1953 em Salreu. Viveram na Quinta dos Freixos, no lugar do Santo, onde tiveram, pelo menos, uma filha: Maria.
“Casa de S. Tiago”, na Costeira, Estarreja115
111 - ADA, Livro Paroquial de Beduído, n.º 26, Baptismos, fls. 154-154v., reg. n.º 9. 112 - ADA, Livro Paroquial de Beduído, n.º 116, Casamentos, fls. 5v.-6, reg. n.º 11. 113 - ADA, Livro Paroquial de Beduído, n.º 26, Baptismos, fls. 141-141v., reg. n.º 73. 114 - Bacharel em Lei pela Universidade de Coimbra (1818), filho de Pedro Nolasco, que teve CBA em 12 de Junho de 1800 (Vilhegas) (VALE, A. L. 1934, p. 259). 115 - Fotografia colecção do autor.
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DELFIM BISMARCK FERREIRA
4(IV) - N.N., faleceu à nascença, em 5 de Março de 1876.116 5(IV) - FRANCISCO MANUEL DE QUADROS CÔRTE-REAL, tinha 10 anos em 1892. 2(III) - D. MARIA JOSÉ DE QUADROS AMARAL E CIRNE CÔRTE-REAL, proprietária e doméstica, nasceu em 17 de Setembro de 1838 na Rua de São Martinho, em Salreu.117 Foi madrinha em 1894 e faleceu solteira e sem geração. 3(III) - JOSÉ MARIA, nasceu em 5 de Abril de 1841, em Salreu.118 4(III) - ANTÓNIO MARIA, nasceu em 7 de Agosto de 1842, em Salreu.119 5(III) - Prof. JOÃO MARIA DE QUADROS CÔRTE-REAL, proprietário e professor primário, nasceu em 9 de Junho de 1851, em Salreu.120 Casou em 7 de Abril de 1892 em Salreu121, com D. MARIA AUGUSTA DE OLIVEIRA, proprietária e doméstica, natural de Massarelos, Porto, filha natural de Maria Benedita, solteira, natural de Pinheiro da Bemposta. João foi professor do ensino primário em Salreu, tendo iniciado a sua actividade em 1877.122 Foi convidado a para vereador substituto do presidente da Câmara Municipal de Estarreja, Francisco Barbosa de Sottomayor que fora nomeado administrador do referido concelho (1896), depois vereador (1899-1901) e (1909) e vice-presidente (1909-1910).123 Residiram inicialmente no Couto, depois na Rua de São Martinho, e mais tarde na Senhora do Monte, em Salreu, onde tiveram, pelo menos, três filhos: Maria das Dores, António e Francisco. 1(IV) - MARIA DAS DORES QUADROS CÔRTE-REAL, nasceu em Abril de 1892 no Couto, em Salreu124, onde faleceu solteira em 1 de Janeiro de 1972 na Rua de São Martinho125. 2(IV) - ANTÓNIO DE QUADROS CÔRTE-REAL, proprietário, nasceu em 26 de Outubro de 1894 na Rua de São Martinho, em Salreu.126 116 - ADA, Livro Paroquial de Beduído, n.º 26, Baptismos, fl. 191, reg. n.º 26. 117 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fls. 55-55v. 118 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 102. 119 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fls. 123-123v. 120 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 316v. 121 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 29, Casamentos, fls. 5-5v., reg. n.º 10. 122 - PEREIRA, M., 2007, p. 178. 123 - LEITE, N., 2013, pp. 118-125. 124 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 26, Baptismos, fls. 1-1v., reg. n.º 1. 125 - CRCE, Livro de Registo Civil do Concelho de Estarreja, Óbitos de 1972, reg. n.º 2. 126 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 26, Baptismos, fls. 23v.-24, reg. n.º 75.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
3(IV) - FRANCISCO, nasceu em 31 de Março de 1896 na Rua de São Martinho, em Salreu.127 6(III) - JÚLIO MARIA DE QUADROS CÔRTE-REAL, escrivão-notário emVila Nova de Gaia, nasceu em 25 de Fevereiro de 1853 na Rua de São Martinho, em Salreu.128 Casou com D. MARIA LEOPOLDINA SARAIVA FREIRE THEMUDO, nascida em 18 de Abril de 1857 em Beduído, Estarreja.129 Era filha de Pedro Elísio da Silveira Freire Themudo de Vera, natural de Cacia, escrivão de Direito, e de sua mulher D. Carolina Saraiva Pereira de Melo Brandão, Senhora da “Casa de São Gonçalo”, em Estarreja; neta paterna do Dr. Inácio Dias Rodrigues da Silveira e de sua mulher D. Josefa Generosa Themudo Freire de Vera, da Quintã, Cacia; neta materna de José Joaquim de Almeida Pires Valente Saraiva e de sua mulher D. Caetana Carolina de Melo Brandão, do Paço, Beduído. Residiram em Vila Nova de Gaia, onde tiveram três filhos: Alfredo, Pedro e José.
Capela e “Casa de São Gonçalo”, em Beduído, Estarreja, em 1942130
1(IV) - ALFREDO THEMUDO CÔRTE-REAL, natural de Vila Nova de Gaia, casou com ALDA MATOS, de quem teve um filho: José. Casou em segundas núpcias, com D. ANTÓNIA N., espanhola, de quem teve uma filha: Alda. Esteve prisioneiro de guerra durante a 1.ª Guerra Mundial, e foi presidente da Assembleia Geral da Sub-agência de Espinho da Liga dos Combatentes, fundada em 16 de Maio de 1926. 127 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 26, Baptismos, fls. 32-32v., reg. n.º 95. 128 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 9, Baptismos, fl. 350v. 129 - ADA, Livro Paroquial de Beduído, n.º 21, Baptismos, fl. 54. 130 - AME, Arquivo fotográfico, A120.
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DELFIM BISMARCK FERREIRA
2(IV) - PEDRO THEMUDO CÔRTE-REAL, negociante, nasceu em 31 de Maio de 1892 em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Partiu para Luanda, Angola em Janeiro de 1935. Ali trabalhou no comércio e em empreitadas que o seu primo Fernando Vasconcelos Guimarães dirigiu. Não tendo obtido os resultados materiais que esperava regressou à metrópole em 1937 ou 1938. Casou em 7 de Abril de 1915 no Porto, com D. BERTA VASCONCELOS FIGUEIREDO, doméstica, nascida em 19 de Setembro de 1895 na Sé, Porto. Era filha de José Tristão Paes de Figueiredo, oficial de artilharia, e de sua mulher Georgina Augusta Vasconcelos, moradores na Rua Luís de Camões, em Vila Nova de Gaia. Pedro faleceu em Vila Nova de Gaia em 23 de Fevereiro de 1958. Residiram na Av. da República, em Vila Nova de Gaia, e tiveram cinco filhos: Maria José, Maria Helena, Alberto, Júlio e Elsa. 3(IV) - JOSÉ THEMUDO CÔRTE-REAL, nasceu em Vila Nova de Gaia. S.m.n. 7(III) - MANUEL MARIA, nasceu em 10 de Abril de 1858 na Rua de São Martinho, em Salreu131, onde faleceu ainda criança em 3 de Novembro de 1859.132
131 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 10, Baptismos, fl. 67. 132 - ADA, Livro Paroquial de Salreu, n.º 21, Óbitos, fl. 34.
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CONSTRUÇÃO NAVAL TRADICIONAL NO MUNÍCIPIO DE ESTARREJA. QUE FUTURO? Etelvina Resende Almeida * a perda de património | novas funções, o turismo | o artesão e o artefacto | as técnicas e a tecnologia | a “escola” Lavoura | mestres - os resistentes e os novos | o passado, o presente e o futuro | artesanato e design | perpectuar e dar continuidade… Ao longo de um trabalho de recolha e reflexão, que já vem de longa data, de 2008, sobre o tema das embarcações tradicionais da Ria de Aveiro, e numa análise pelo Design, quis aqui levantar algumas questões pertinentes sobre a perda do património lagunar navegável e da nova função atribuída às embarcações, que tem mudado todo o panorama da construção naval tradicional, no concelho de Estarreja, ao longo dos últimos anos. Partindo da premissa a perda de património, material e imaterial, da região da Ria de Aveiro, nomeadamente o das embarcações tradicionais e o da construção naval, somos levados a reflectir no sentido da procura de soluções. Com base no título da obra de Jaime Vilar1, Barco Moliceiro, que futuro?, e estando o barco moliceiro intimamente ligado à Construção Naval tradicional, ao ofício dos carpinteiros de machado, como refere Manuel Mendes2, na sua obra “Os Ofícios”, já a propósito da diminuição dos estaleiros, em 1967, dentro dos mesmos moldes se formula a mesma questão para a Construção Naval no Município de Estarreja - que futuro? Situando-nos nos espaços geográficos, humano, social e económico, facilmente se compreende que o concelho de Estarreja reúne todas as condições para a existência de estaleiros navais. Localiza-se na sub-região do Baixo Vouga e comunica directamente com a Ria, usufruindo de esteiros, de canais e de cais que outrora foram entrepostos comerciais, quando a Ria serviu quase como único meio de comunicação e as embarcações como veículos de transporte. Com o surgimento dos caminhos-de-ferro, em 1862, a Ria, como principal via de acesso, perdeu parte da sua importância. * Etelvina Resende Almeida, nasceu em 1969 é natural de Aveiro | Licenciou-se em Design pela Universidade de Aveiro, tendo terminado o Mestrado, em Dezembro de 2012, com o tema: Embarcações Tradicionais da Ria de Aveiro. Uma análise pelo Design. | É Designer da Comunicação, em regime de freelancer. Integrou o projecto “Postais Solidários”, no concelho da Murtosa, na vertente fotográfica e de design e participou em 5 exposições colectivas de fotografia, na Murtosa, Torreira e Aveiro, durante os anos 2013, 2017 e 2018. | Participou, em co-autoria com Ana Maria Lopes, na apresentação de uma palestra intitulada Uma viagem p’la Ria, em 2014, no Clube de Vela da Costa Nova. | Expôs individualmente, com permanência de Janeiro a Maio de 2014, no Museu Marítimo de Ílhavo, fotografias do processo construtivo da bateira ílhava. | Publicou, em co-autoria com Ana Maria Lopes, com fotografia de Paulo Godinho, “Uma Janela Para o Sal”, em Abril de 2015, editado pela Alêtheia Editores | Publicou alguns artigos, sobre o tema do património lagunar: as embarcações tradicionais da Ria de Aveiro, no “Diário de Aveiro”, “Notícias de Aveiro”e jornal “O Ilhavense” | Conduziu a “Conversa à Volta da Construção Naval”, com Mestre Esteves e Etelvina Almeida no Estaleiro do Mestre, em Pardilhó, a 5 de Maio de 2018 - uma iniciativa da Câmara Municipal de Estarreja. | Faz parte da Direcção dos Amigos do Museu de Ílhavo. A autora não segue o acordo ortográfico. 1 - Vilar, Jaime. (1983). Barco Moliceiro, que futuro?, Edição Jornal Gente da Ria, da Associação Cultural Bunheirense. 2 - Mendes, Manuel. (1967). Os Ofícios. Roteiro Sentimental. Edição Seara Nova.
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A importância do sector da construção naval para esta região vem de longe, do tempo em que existiam grandes estaleiros na região, e no concelho de Estarreja em especial. Segundo, A.Carvalho3, foi pelo “mérito dos artistas” e pela abundância local de mão-de-obra especializada que se justificou a fixação em Pardilhó, a 13 de Março de 1937, da Delegação Distrital do Sindicato Nacional dos Operários da Construção Naval. Afamados são os mestres carpinteiros de Pardilhó por todo o país, e no estrangeiro, pelo conhecimento da arte naval. Alguns destes mestres ainda se mantêm em actividade. A actividade da construção naval é um sector “que tanto diz à identidade da Ria de Aveiro” (…) e projectou Estarreja, Murtosa e Pardilhó na esfera nacional da construção de navios destinados à Pesca Longínqua.” 4 O autor refere que, no decorrer de oitocentos, começaram a renascer as indústrias de Pesca e da Construção Naval. Ao longo da Ria foram surgindo rudimentares instalações dedicadas à carpintaria naval, onde foram construídas e reparadas, de forma artesanal, “embarcações em madeira com propulsão de vela ou a remos, talhadas para a navegação comercial e pesca no interior da Ria, noVouga e na Costa Atlântica.”5 De salientar, que a construção a Norte era superior à do sul da Ria. Segundo a Estatística Industrial, e centrando o autor o seu estudo no Concelho de Estarreja – “que então abarcava o potencial produtivo, conjunto dos estaleiros de Pardilhó, Estarreja e Murtosa – (…)”, define-o “como o mais dinâmico e produtivo do Distrito.(…)”6 Quanto ao tipo de embarcações aí construídas, as mais usuais nos estaleiros do Concelho de Estarreja, em 1867, eram os barcos de mar, alguns barcos moliceiros, bateiras pequenas e varinos grandes. Em 1898, a região de influência da Murtosa assinalava 1494 barcos na chamada “pesca do moliço”, refere o autor. Nas duas décadas do século XX, estas actividades, a dos carpinteiros de machado e a dos calafates de Pardilhó, destacaram-se na construção e reparação de embarcações de pequeno porte para os labores da Ria. Conclui o autor que, “apesar do declínio progressivo da construção naval em madeira, segundo moldes tradicionais”, esta ainda permanece e não deixa esvanecer uma identidade que é secular, referindo-se ao mestre Esteves e ao mestre Felisberto Amador, de Pardilhó, como “uma herança para as gerações futuras”.
3 - Carvalho, António e Victor de N. (2009). A Construção Naval no Norte da Ria de Aveiro: da área de influência do concelho de Estarreja ao Bico da Murtosa. Revista de publicação anual, Terras de Antuã, nº3. p.27 4 - Ibidem. 5 - Ibidem. 6 - Ibidem.
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E quando toca a nostalgia, vêm à mente os enfatizados apontamentos das memórias de Raúl Brandão7 sobre a laguna de Aveiro e o barco moliceiro. E sobre estas, J.Vilar8 reflecte, “carregado de apreensões pelo futuro e de saudade pelo passado”, que “a Ria vai cedendo lugar ao pântano e o barco moliceiro é quase uma recordação”9. Era então à época (1983), este o estado da arte. E porque é que se tem verificado este declínio na arte naval tradicional? Porque é que a construção de novas embarcações quase cessou, nomeadamente a do barco moliceiro, o ex-líbris da região lagunar? Resultado de uma evolução socioeconómica, e consequência das condições impostas pelo progresso, J.Vilar aponta algumas das razões que levaram à diminuição da actividade lagunar: a dureza do trabalho do homem moliceiro e a má remuneração desmotivou-o, levando-o ao abandono na faina da “apanha do moliço”; o grande fluxo migratório registado nessa época levou muita mão-de-obra a abandonar a faina na Ria e, por consequência, também a construção naval, face à escassez de encomendas; o aparecimento dos químicos para fertilizar a terra levou à cessação da actividade da apanha do moliço, algas que já escasseavam nos fundos da laguna, fruto das alterações das marés e da poluição. O autor aponta ainda, a falta de serradores e a má qualidade da madeira e, por último, os pesados encargos tributários sobre as actividades ligadas à Ria e à construção naval. Em modo de conclusão, J.Vilar crente de que “a geração que se segue já não conhecerá toda a epopeia do moliceiro”10 lança o desafio, para que se faça um esforço, e se recolha “do que ainda resta de uma gloriosa realidade, para que não se perca de todo.” O actual estado da arte é ainda mais preocupante. E reportamo-nos aos dias de hoje. Desde que algumas actividades lagunares se extinguiram que se tem verificado uma diminuição das grandes embarcações da Ria de Aveiro: o barco mercantel (saleiro) e o barco moliceiro, sem mencionar outras tipologias, de médio porte, já extintas. A embarcação ao deixar de ser útil ao homem torna-se obsoleta; estando parada deteriora-se; não se substitui. Aliada a essa perda está a da actividade da construção naval, que deixa de produzir. No entanto, e com base numa fase de pretensa preocupação pela recuperação destas embarcações, em 2003, Clara Sarmento11 refere num artigo que “a tradição do moliceiro não desapareceu, nem desaparecerá: ela apenas se adaptou a uma nova realidade sócio-económica que irá assegurar a sua conservação e até eventual multiplicação. (…) Se o moliceiro persistisse unicamente na função de obsoleto instrumento de uma estrutura rural já inexistente ele estaria condenado a uma perda irremediável.” Contudo, moliceiros reviveram no final da década de oitenta e mantêmse até ao presente, agora para fins quase exclusivamente turísticos. Subsistem hoje alguns artesãos (…) a quem as Câmaras Municipais encomendam regularmente um moliceiro novo, para
7 - Brandão, Raúl. (1923). Os Pescadores. Editora Ulisseia. 8 - Vilar. 9 - Vilar. (1983). p. 12. 10 - Vilar. p.14 11 - Sarmento, Clara. (2003). Os Moliceiros e a Ria de Aveiro: património e Turismo. Revista Patrimónios Ano XXXIV, II série, nº 3. ADERAV. Aveiro.
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transportar turistas através da região “Rota da Luz”. E conclui a autora que, “o moliceiro ressurge como objecto cultural desfrutável pelos turistas, independentemente da sua função original. (…) Que a metamorfose do moliceiro dá-se a nível funcional, de significado, enquanto elemento de toda uma estrutura socioeconómica, mantendo-se a sua forma, o significante, o objecto em si.”12 Num artigo publicado recentemente13, chamo a atenção para a inevitável perda deste património. Aludo à preservação dos últimos barcos moliceiros tradicionais e à construção de novos para navegar em ria aberta, com funções turísticas, de forma a dar continuidade à arte da construção naval tradicional e a aumentar a reduzida frota existente.
foto: 1 Regata Torreira-Aveiro. A frota de barcos moliceiros tradicionais que existe, a navegar à vela e a participar em Regata - 30-06-2018
O barco moliceiro tradicional passou a ser utilizado para lazer: para passeio e para competir nas tradicionais regatas, em festividades da beira-ria, e, ainda, para fins turísticos em ria aberta.
12 - Ibidem. p.71 13 -Almeida, Resende Etelvina. (21-02-2018) Embarcações Tradicionais da Ria de Aveiro. Um património a preservar. Notícias de Aveiro. http://www.noticiasdeaveiro.pt/pt/47188/embarcacoes-tradicionais-da-ria-de-aveiro-um-patrimonio-a-preservar/
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Para entender o porquê da diminuição das embarcações, após a extinção das actividades, é de ressaltar que a preservação das mesmas deixou se ser viável para o proprietário particular, porque além de não oferecer rentabilidade, exige constante e dispendiosa manutenção. Em 2008, os barcos moliceiros sobreviventes encontravam-se atracados, ancorados, encostados, encalhados à beira-ria, degradando-se.
foto: 2 Barco Moliceiro - Gafanha do Carmo. “Alfredo Rebelo”
A ideia de recuperar essas embarcações para fins turísticos surgiu espontaneamente, como uma forma de rentabilizar um ícone que se estava a perder. Mesmo tendo sido feita com fins lucrativos, por parte de particulares, a recuperação destas embarcações surgiu como uma tábua de salvação. Foi uma solução temporária, mas não efectiva. Adquiridos por empresas marítimo-turísticas, foram recuperados, reconstruídos e “adaptados” à sua nova função, o de passear turistas pelos canais interiores da cidade de Aveiro. Sem a existência de uma linha orientadora, no sentido de manter a traça original, cada operador turístico alterou as suas embarcações, a seu modo, respeitando somente as normas de segurança e outras exigências das entidades competentes. Os barcos foram surgindo pelos canais da cidade com outra palamenta (novos apetrechos), alterados na sua forma, dimensão, decoração e, obviamente, no seu meio de propulsão. Foi de forma natural, evolutiva, mas comercial e anárquica, que os operadores marítimo-turísticos traçaram uma nova rota, deram uma nova vida e criaram uma outra pele para os barcos moliceiros e mercantéis que se encontravam em fim de vida útil. [ 113 ]
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foto: 3 Barcos moliceiros e mercantéis turísticos no Canal Central, em Aveiro. 29-04-2018
Estas “novas” embarcações adaptadas, os barcos moliceiros e mercantéis turísticos, são agora um atractivo, um chamariz para o turista que visita a cidade de Aveiro. Esta actividade tem fomentado o turismo na cidade e tem gerado novos postos de trabalho e novos empreendedores. Mas em prol da preservação e da manutenção de uma frota exemplar, tradicional, a navegar à vela, que represente e dignifique as tradições e o nosso património lagunar, nada se fez. Questiono se será viável, seguir somente esta via, a do turismo, nomeadamente o que se realiza dentro de comportas. Ao longo dos últimos anos, desde 2009, poucos barcos moliceiros tradicionais foram recuperados, ou reconstruídos para laborar como embarcação marítimo-turística, em ria aberta, mantendo a sua forma original, navegando à vela, exceptuando estes últimos anos de 2015, 2016 e 2018, com três novas embarcações tradicionais construídas de raiz para particulares da região norte da Ria. Os que restam encontram-se nas mãos de particulares, que os mantêm a navegar à vela: pertencendo um a um município, e o outro, a um Clube. O que se tem verificado é a reconstrução, e alguma construção de novas embarcações, para fins turísticos, mas para laborar nos canais da cidade de Aveiro. Os passeios turísticos pela Ria em barcos moliceiros tradicionais, à vela, são um nicho a explorar, podendo tornar-se numa forma de gerar riqueza para a região e, ao mesmo tempo, uma forma de reabilitar os que ainda restam, e até incentivar a construção de novos exemplares. Restam poucos barcos moliceiros tradicionais com a traça e os meios de propulsão originais. Mas são estes poucos que representam o grande património lagunar de outrora e que mantêm activas as três Regatas, que ainda se realizam anualmente. [ 114 ]
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Preservar os que existem, fomentar a construção de novos exemplares tradicionais, dar-lhe um novo uso operando em ria aberta, mostrando-os na sua forma original e a navegar à vela, tanto em regatas como em trabalho ou passeio, deveria ser a premissa a seguir. Para que tudo isso se concretize - a preservação e a difusão das embarcações tradicionais - seria necessário incentivar, apoiar e divulgar, estimulando os privados, os empresários e os organismos públicos, em prol desta causa. O artefacto/barco e o artesão/construtor Se os barcos e a arte naval nasceram e evoluíram juntos, e já que um não existe sem o outro, conclui-se que morrerão juntos ou sobreviverão condicionados por outros paradigmas, fruto da evolução. Para entender este duo inseparável reflectir-se-á, antecipadamente, sobre a embarcação como artefacto comunicante, um produto criado artesanalmente pelo homem, o artesão. As embarcações contam-se entre as mais antigas e importantes aquisições tecnológicas do Homem, que soube aproveitar os materiais existentes nas várias regiões que habitava, trabalhando-as diferentemente.14 As embarcações tradicionais lagunares apresentam várias dimensões, dos 18 metros de comprimento no máximo, aos 3 metros no mínimo, tiveram, e algumas ainda mantêm, várias funções: a do transporte de materiais, pessoas, animais, veículos, produtos agrícolas, sal, peixe, à apanha do moliço (algas da laguna), do junco e outras ervagens, e ainda, à pesca, à apanha dos bivalves, ao lazer e à competição. A construção e decoração destas embarcações são realizadas de forma artesanal, utilizando-se para tal técnicas ancestrais e materiais da região, o pinheiro bravo e o pinheiro manso.“O artefacto é um objecto produzido e modificado pelo Homem (…), ele é, simutâneamente o resultado de um processo, e ele próprio o processo através do qual o ser humano constrói o mundo”.15 As embarcações da laguna são artefactos, exemplares únicos criados pelas mãos do Homem, pelo carpinteiro naval. Ele fornece informação sobre a cultura do seu criador e também do seu utilizador. Por serem artefactos culturais estão impregnados de simbolismo. Estes artefactos navegáveis têm sofrido mutações ao longo do tempo16. E sendo considerados agentes da mudança, “eles objectivam o conhecimento e a acção humana”17. Os historiadores e antropólogos consideram que podemos obter informação sobre as pessoas e as suas culturas através dos artefactos – nesse sentido, as embarcações tradicionais são portadoras de uma grande herança etnográfica. O barco transmite conhecimento através da sua estrutura, do seu processo construtivo, da sua função, da sua decoração e da capacidade criativa do seu criador. É resultado de um processo artesanal, feito com sabedoria e arte. 14 - Moderna Enciclopédia Universal. (1986) Lixoteca. Círculo de Leitores. Lisboa. 15 - Smith, Owen F. (2006). F. Object artifact, image artifacts and conceptual artifacts: byond the object into the event.Artifact .1:1, p.4-6. 16 - Almeida, Etelvina Resende. (2012). Embarcações Tradicionais da Ria de Aveiro: uma análise pelo Design. Dissertação de Mestrado. Universidade de Aveiro. 17 - Ibidem.
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O processo artesanal de construção naval tem tendência alterar-se, fruto das novas tecnologias, do aparecimento de novos materiais e do desaparecimento de algumas tipologias de embarcações tradicionais. Restará somente o artefacto, o barco, que em ambiente museológico, por si só, não poderá transmitir esse saber artesanal, ou seja, a tecnologia construtiva empregue, a forma como era utilizado e como navegava.18 O Ser Humano medeia as suas actividades através dos artefactos e, por esse motivo, eles não podem ser estudados como coisas. Eles não têm significado ou valor isoladamente, adquirem-no inseridos numa cultura, relacionando-se com uma sociedade. Estas embarcações têm evoluído:sofrido alterações,reinventando-se e até extinguido,ao longo do tempo, o que se coaduna com o processo evolutivo do Homem. Ele muda constantemente a sua relação com os artefactos de acordo com o uso ou a utilidade que lhes queira atribuir. Os artefactos possibilitam a criação de actividades, o desenvolvimento de ideias e de práticas culturais e, além disso, estimulam a criatividade. Segundo, Owen19, os “artefactos mudam a nossa percepção do Mundo”. Se nos enfocarmos na embarcação lagunar mais emblemática da região, no barco moliceiro, reparamos que este artefacto além de transmitir um rol de informações preciosas, através do seu processo construtivo, da função, da forma, da decoração e legendagem, ele próprio se torna num veículo de comunicação por excelência. Clara Sarmento20 defende que “o processo através do qual os objectos adquirem capacidade de significação está relacionado com valores e condicionamentos socioculturais que os transformam em veículos de afirmação de uma entidade regional”. Sobre o homem artesão, o construtor naval tradicional, Andre Ricard21 defende que, ao longo da história o Homem teve de desenvolver mais do que simples habilidades para poder responder aos desafios da sua existência e sobrevivência. Desenvolveu uma capacidade sensorial e imaginativa, até atingir a habilidade criativa, própria do “hombre sabedor”, plenamente consciente do que faz. Ele idealiza e constrói o produto, de forma artesanal, controlando todo o ciclo de produção. Exerce essa arte manual, frequentemente por conta própria. O produto obtido dessa forma denomina-se de artefacto. “E, não há artefacto mais dependente do seu artífice”, remata o autor. Os mestres construtores navais, artesãos de profissão, exercem a sua arte com mestria e saber, e de forma artesanal, utilizando técnicas ancestrais e conhecimentos que passaram de geração em geração, normalmente de pais para filhos. Eles trabalham por sua conta, outrora em toscos estaleiros de madeira, ou ainda em espaços amplos de sua habitação. Actualmente, fazem-no em espaços com melhores infra-estruturas.
18 - Ibidem. 19 - Smith (2006) 20 - Sarmento. Clara. (2009). A cultura do moliceiro no presente: encenando a tradição. Octávio Lixa Filgueiras: Arquitecto de culturas marítimas. Âncora Editores. P.57-70. 21 - Ricard, Andre. (2008). La aventura creativa. Las raíces del diseño. Editorial Ariel. Barcelona. 3ª edição.
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Morrerá a arte, tal como ela sempre foi praticada?
foto: 4 Reconstrução do barco moliceiro “Lameirense”. Mestre Esteves. 10-03-2018
foto: 5 Construção de uma bateira caçadeira. Mestre Felisberto Amador. 25-02-2018
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Salientando a importância do artesão e do resultado da sua arte, João Branco22 defende que o artesanato, além de “transportar memórias de um saber fazer”, é transmissor de uma importante herança cultural. O artesão, o mestre construtor, é possuidor “de uma criatividade especial”, imprimindo melhoramentos constantes aos produtos na perspectiva do utilizador. Durante o processo construtivo da embarcação o cliente e o artesão vão comunicando no sentido de operar pequenas alterações, dentro dos parâmetros legais, adaptando-a à sua função, mas sempre com o gosto e cunho pessoal do artesão, que se reflecte visualmente através da sua marca ou sigla, pintada no leme da embarcação, e da qual muito se orgulha. Na actualidade, os artesãos confrontam-se com novas tecnologias, com o aparecimento de novos materiais para a construção e com uma matéria-prima com novas características, que, por vezes, os levam a optar por outros sistemas de construção. Adoptam necessariamente outras ferramentas, as eléctricas, o que lhes facilita o trabalho. O próprio mercado sofreu alterações: surgem outros clientes, outras solicitações e outras realidades. A função das embarcações também mudou, pelo aparecimento de novas actividades. Em suma, a tecnologia e a inovação na construção obrigaram-nos a mudar, condicionando-os e obrigando-os a adaptarem-se a uma nova forma de trabalho. Já em 2012, junto dos estaleiros, nos confrontámos com a perda de algumas técnicas de construção e, também, de ferramentas tradicionais de carpintaria naval. O mais grave neste cenário é o da perda do conhecimento dos artesãos, por não encontrarem seguidores a quem deixarem o seu legado. Sem a transmissão do conhecimento, que estes mestres detêm, nem um só seguidor ficará desta escola ancestral do mestre Lavoura23, quando eles deixarem de exercer a arte da construção naval24. A técnica de construção Paulo Serra25 defende que a técnica se divide ente a antiga e a moderna, sendo a primeira como uma continuidade da Natureza e a última como o domínio da Natureza. Aristóteles vê a técnica como um acrescento ou imitação da própria Natureza. Os produtos produzem-se a partir das matérias, como a madeira ou pedra, elas próprias formas naturais. “O que faz o artista ou artesão, não será somente criar formas, mas transformar, ou descobrir novas formas em formas pré-existentes (…) trata-se de uma técnica antiga e artesanal”. Assim procedem os carpinteiros de machado, não só criando formas, mas também melhorando-as, conforme a necessidade do utilizador. As técnicas utilizadas pelos mestres de Pardilhó na construção naval tradicional das embarcações da Ria de Aveiro têm-se mantido praticamente inalteráveis desde a escola do Lavoura. 22 - Branco, João. (2004). Artesanato e Design: parcerias com futuro? Ponto de Partida. Revista Mãos. Trimestral. nº 27/28 23 - Mestre Lavoura, referenciado com mais pormenor na secção “O estaleiro escola e os aprendizes”, deste artigo. 24 - O surgimento recente de alguns novos artesãos tem refrescado um pouco este panorama da extinção. Um tema que será desenvolvido neste artigo, num outro capítulo. 25 - Serra, Paulo. O design na era da informação. Universidade da Beira Interior.1-13. p.9.
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Utilizam as formas, ou moldes para traçar as principais peças da embarcação e o pau de pontos e formas, uma vara quadrangular marcada por incisão, com as medidas de cada embarcação, presente em todas as fases de construção, como refere Manuel Fidalgo26. Assim, mantêm a forma e a dimensão de cada tipologia de embarcação. Embora as embarcações mantenham as mesmas características, cada exemplar torna-se numa peça única, devido a acertos efectuados a pedido do utilizador ou a gosto pessoal do mestre, que se esmera na sua arte. José de Castro27, em 1943, referia-se a esta técnica construtiva, como se de um “manual prático” se tratasse: “com o pau de pontos, as formas e um cordel todos aqueles barqueiros podem construir as suas embarcações em qualquer parte do Mundo. (…)” Nenhum destes artífices conserva qualquer papel em que se achem registados tais pormenores. Os documentos são esses e nada mais, e são evidentemente tudo, em toda a parte. Os mestres utilizam, ainda, ferramentas rudimentares de carpintaria, exceptuando algumas eléctricas que lhes facilitam tarefas mais árduas. As ferramentas manuais, como o machado, a enxó de carpinteiro, serras de mão, plaina, etc. permitem-lhes um trabalho mais minucioso, um contacto mais próximo com as peças do artefacto - serrando, desbastando, esculpindo, dando forma. É necessária uma grande experiência, saber e bom manejo das ferramentas para tal feito. Os mestres carpinteiros de Pardilhó são afamados pelo excelente manejo do machado e da enxó. Assim sendo, sem estaleiros-escolas nem seguidores destes mestres, porque artesãos ainda existem, este “manual prático” acabará por se perder com a sua partida. É urgente pensar em soluções: registar, mas sobretudo ensinar, deixando um legado prático, ou seja, um “saber fazer”.
foto: 6 “Paus de Pontos” de bateiras caçadeiras. Estaleiro do Mestre Arménio. 17-07-2018 26 - Fidalgo, Manuel. (2000). O Barco da Xávega (tecnologia da sua construção. Edições Colibri. Inatel. 27 - Castro, José. (1943). Estudo Etnográficos.TomoV. 1ª parte – Indústrias populares. Instituto para a Alta Cultura.p.244.
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O estaleiro escola e os aprendizes O estaleiro do Mestre Henrique Ferreira da Costa, conhecido por Mestre Lavoura (1930-2011), foi um dos mais afamados da região. Situava-se em Pardilhó, a caminho da Ribeira da Aldeia. Pelo seu estaleiro passou todo o tipo de embarcações, como relembram alguns mestres por ele formados e ainda no activo. Neste estaleiro construíram-se os grandes mercantéis ou saleiros, os moliceiros, os barcos de mar, as bateiras mercantelas, as caçadeiras e as chinchorras. Para ele trabalharam várias pessoas, mestre e aprendizes do ofício, que mais tarde se tornaram em afamados mestres, alguns, actualmente, ainda a trabalhar na arte, como António Esteves, Arménio Pereira e Felisberto Amador, todos de Pardilhó. Além dos mestres e aprendizes, eram contratados serradores, para o corte da madeira no estaleiro, e pintores para a decoração das embarcações. O mestre Lavoura era admirado pela forma como escolhia a madeira para a construção, segundo recorda mestre Esteves. O estaleiro era, portanto, reconhecido pelo excelente trabalho aí realizado. O mestre Lavoura iniciou-se na arte, em criança, com oito anos de idade e ficou a trabalhar com o pai, José Ferreira da Costa, até 1950. Quando casou, estabeleceu-se por conta própria, em Pardilhó, tendo laborado até 1986, ano em que desactivou o estaleiro, tendo tido a sua época alta por volta de 1955, segundo apurou Ana Maria Lopes28. Segundo o mestre Lavoura, e reportamo-nos a 1967, à data da entrevista realizada por Manuel Mendes29, recorda que 40 anos antes, terão existido em Pardilhó duas ou três dezenas de estaleiros, dos quais já só restavam dois. Esta diminuição do número de estaleiros foi resultado da diminuição de embarcações a laborar na Ria, devido à forte emigração, à escassez de recursos, ao abandono de algumas actividades, como o transporte de sal e outros bens, da apanha do moliço e outras ervagens e, ainda, pela diminuição da pesca devido ao grande assoreamento da laguna. Mestre Lavoura era um homem dinâmico, empreendedor, dono de um estaleiro afamado e muito produtivo, empregando e ensinando vários aprendizes, que procurava angariar, aliciando-os para a arte desde muito jovens, como que criando a sua própria escola de construção naval tradicional. Contando com o profissionalismo de mestres, de serradores e de pintores, no estaleiro se construía o artefacto seguindo todo o processo de construção tradicional aprendido pelo seu pai. Utilizava as técnicas de construção ancestrais, com as formas e o pau de pontos. Era ali, no estaleiro, que se realizavam todas as fases do processo construtivo, supervisionadas pelo mestre: desde a preparação da matéria-prima, a madeira, por ele escolhida com todo o conhecimento que tinha nesse campo, e que era para ali transportada em carros de bois. A serração e a secagem eram realizadas no seu estaleiro, por serradores contratados. A calafetagem e o breu era dado pelos mestres experientes, ao seu serviço, e a decoração era 28 - Lopes, Ana Maria. Paulo Godinho, fotografia. (2012). Moliceiros. A memória da Ria. Editora Âncora. 2ª edição. 29 - Mendes, Manuel. (1967). Os Ofícios. Roteiro Sentimental. Edição Seara Nova.
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feita por pintores contratados. Era uma pequena indústria artesanal que construía um elevado número de embarcações lagunares, que à época eram solicitadas para as mais diversas actividades. Mas a decadência da arte foi-se manifestando, devido à diminuição na procura de embarcações para trabalho. Mendes,30 acerca desta realidade, transcreve as palavras do Mestre Lavoura, impregnadas de preocupação: “De nós, e somos muitos irmãos, os rapazes fizeram-se carpinteiros e as raparigas padeiras. (…) A nossa arte já nos vem do pai e do avô, é quanto sei. Mas as dificuldades aumentam, a crise agrava-se com os impostos que redobram, o fisco persegue-nos implacavelmente, ao mesmo tempo que a mão-de-obra e os materiais encarecem, sendo menor a procura. Custa a crer como ainda hoje haja quem se deixe ficar no ofício.” E remata, dizendo que,“ ainda virá tempo em que não se veja na Ria um só moliceiro a navegar (…) O povo emigra, que se lhe há-de fazer?”. Ainda nesse tempo, o mestre trazia cinco homens a trabalhar no estaleiro, “mas isto já foi um mundo”, recorda.
foto: 7 Ferramentas e paus de pontos do Mestre Henrique Lavoura. Exposição Permanente sobre as “Memórias da Ria”. BIORIA. Salreu. 05-05-2018
Em 1996, Sérgio Paulo Silva31 visitou o Mestre Lavoura. Recuperando de um problema de saúde, já não se encontrando no activo, ainda se recordou dos tempos áureos da construção naval e do seu estaleiro: da escolha dos pinheiros e pinheiras, do seu transporte e da construção dos barcos de mar, referindo que “o seu forte, eram barcos de mar”. 30 - Ibidem 31 - Silva, Sérgio Paulo. (2013). Memórias da Construção Naval. Revista Terras de Antuã. Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja. Nº7.
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Mestre Lavoura recorda ainda, o barco de mar “Santo António”, que construiu em 1971 e que se encontra no Museu de Marinha, em Lisboa. Sobre a porta da sua habitação, outrora com espaço para estaleiro, mantém-se um painel de azulejos com várias imagens do Barco de Mar, encomendado por ele. Perto do seu estaleiro, laborou um outro mestre, Agostinho Tavares (1922-1996), estando o seu filho, Mestre Firmino Tavares actualmente emigrado. Mestre António Esteves – O Pardaleiro (escola Lavoura) (1942) – Pardilhó
foto: 8 Mestre António Esteves. Estaleiro em Pardilhó. 03-05-2018
Mestre António Esteves (1942), conhecido por Pardaleiro, dedicou toda a sua vida à construção naval, quer em fibra, no estrangeiro, como trabalhador emigrante, quer em madeira, desde tenra idade, nos estaleiros de Pardilhó, mantendo-se a trabalhar neste ofício. Com 76 anos de idade, é considerado o mestre mais antigo a trabalhar na arte da construção naval, com o ofício de carpinteiro de machado, construindo e reparando embarcações tradicionais da Ria, no seu próprio estaleiro, situado nas Bulhas, em Pardilhó. Este mestre detém um saber ancestral, aprendido com o Mestre Henrique Lavoura, e também gerado ao longo da sua experiência na arte, como ele próprio refere. Este conhecimento perder-se-á se nada for feito para o transmitir – ensinando-o, sobretudo, a uma camada mais jovem, para que possa manter esse conhecimento prático, esse saber fazer. Este seu saber é o resultado do conhecimento adquirido e passado ao longo de várias gerações - um conjunto de boas e más experiências tidas e colhidas ao longo de décadas, tendo passado por mudanças, enfrentado desafios tecnológicos e superado, obrigando-o a adaptar-se a novas realidades, mas sobrevivendo com dignidade e estando para o transmitir a quem quiser colhê-lo e aplicá-lo. [ 122 ]
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À conversa com o Mestre Esteves32 no seu estaleiro, ficámos a conhecer algum do seu percurso de vida a nível profissional e também imensas peripécias ligadas à arte da construção naval. Mas, sobretudo, entendemos como é que ao longo de 66 anos, este mestre se tem mantido sempre fiel ao seu ofício, continuando a trabalhar afincadamente. É a sua paixão e dedicação pela arte que o movem, procurando atingir a perfeição em tudo o que faz – o saber fazer bem, perfeito e bonito.
foto: 9 “Conversa à volta da Construção Naval. Mestre Esteves e Etelvina Almeida”. Estaleiro Pardilhó. CME. 05-05-2018
Ligados à construção naval tradicional, com o ofício de carpinteiro de machado em madeira contamos cerca de 37 anos. Os restantes dividem-se entre outras actividades, nomeadamente a da produção de moldes em madeira para a indústria de barcos de recreio em fibra de vidro, nos Estados Unidos, para onde emigrou, em 1973, aos 31 anos, procurando novas oportunidades, tendo lá trabalhado durante 20 anos. Convidado aos 10 anos de idade, pelo mestre Lavoura, iniciou a sua aprendizagem no seu estaleiro, com consentimento do pai. Após dez anos de aprendizagem, manteve-se a trabalhar no estaleiro aos fins-de-semana, enquanto cumpria serviço militar. Aos 26 foi trabalhar para França e regressou, após 32 - Esteves, António. Etelvina Almeida. (5-05-2018).Conversa àVolta da Construção Naval, Estaleiro de Pardilhó. Organizada pela Câmara Municipal de Estarreja. Projecto “Cultura em Rede – Região de Aveiro. Comemorações do Ano Europeu do Património Cultural. https://www.cm-estarreja.pt/noticias/7609
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três anos, tendo voltado ao estaleiro do Mestre Lavoura e lá trabalhado por mais um ou dois anos. Emigrou para os Estados Unidos e regressou passados 20 anos, em 1993, voltando de novo à arte. Ajudou o mestre Lavoura, que já tinha alguns problemas de saúde, a construir dois barcos moliceiros. Em 1995 construiu o actual estaleiro e começou a trabalhar por sua conta, tendo tido como ajudante, o Mestre Arménio Pereira. Mais tarde ficou a trabalhar sozinho, dada a diminuição de encomendas. No seu estaleiro construiu o primeiro barco moliceiro, o “Lameirense”. Conta-nos que, tem tido sempre muito trabalho ao longo dos anos. Recorda os cinco barcos de mar construídos, os quatro barcos moliceiros para a Câmara Municipal de Aveiro, entre outros. Tendo-os enumerado, contamos cerca de 12 barcos moliceiros tradicionais. Construiu também bateiras de várias dimensões e tipologias, em madeira, e algumas em fibra de vidro. Foi este o mestre eleito pelo Museu Marítimo de Ílhavo para a construção de grande parte das embarcações tradicionais, actualmente expostas na “Sala da Ria”, entre elas, o barco mercantel, o barco moliceiro, a bateira de bicas ou chinchorra, a bateira caçadeira, a bateira ílhava e a recente bateira labrega.
foto: 10 Mestre Esteves. Estaleiro de Pardilhó. Aplicação do breu e da farinha na cobertura da proa da bateira labrega. foto: 11 Bateira labrega exposta no Museu Marítimo de Íhavo. 06-08-2018
Barcos mercantéis e barcos moliceiros, para a actividade turística, têm sido as suas mais recentes solicitações por parte de um novo tipo de cliente, o operador marítimo-turístico: a construção de novos barcos, a reconstrução de alguns que já laboram nos canais da cidade de Aveiro e as reparações de várias tipologias de embarcações. Segreda ele que, ultimamente, “a reparação e reconstrução de barcos para o turismo é o que tem dado para fazer alguma coisa.” Mantém o sistema de construção aprendido no mestre Lavoura, utilizando as mesmas técnicas, as formas e o pau de pontos, mas modernizando-se utilizando muitas ferramentas eléctricas - sem nunca esquecer as ferramentas manuais, nomeadamente, a plaina, a serra, o machado e a enxó, com a qual opera de forma exemplar. Reforça o mestre que “o processo de construção não muda”, apesar de existirem pedidos de alterações às embarcações, conforme a sua função ou arte de pesca. Mas mantêm a sua postura quanto à tradição da construção, afirmando que “há coisas que não se podem mudar. Isto está tão bem feito (…) que é perfeito”. [ 124 ]
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Mestre Manuel Felisberto de Oliveira Amador (escola Lavoura) (1959) – Pardilhó
foto: 12 Mestre Felisberto. Estaleiro de Pardilhó. 24-08-2018
O mestre Felisberto Amador nasceu em 1959 e começou a sua aprendizagem no Mestre Lavoura aos 14 anos, em 1974, proposto pelo seu pai, também ligado à carpintaria. Após 5 anos de trabalho remunerado, saiu do estaleiro aos 20 anos de idade, para cumprir serviço militar. Em 1981 iniciou a sua actividade de construtor naval por conta própria. Construiu o seu primeiro barco moliceiro entre 1982 e 1983. Teve como ajudante, o Mestre Arménio Pereira, seu colega de aprendizagem no mestre Lavoura, durante uns anos, ficando, posteriormente, a trabalhar sozinho, até à presente data. De entre os actuais mestres a laborar, foi o mestre mais jovem que se iniciou por conta própria, com apenas 28 anos de idade e uma meia dúzia de anos de aprendizagem da arte. É solicitado para construir embarcações tradicionais para a toda a região lagunar, para o estrangeiro, para colecções pessoais e para museus. Utiliza as mesmas técnicas que aprendeu no mestre Lavoura, tendo criado os seus próprios moldes e pau de pontos, empregando sempre o seu toque pessoal. Constrói barcos de mar (recordo assistir ao bota-abaixo do “Olá S.Paio”, da Torreira), barcos moliceiros, tendo reconstruído um barco mercantel para o turismo. Continua a receber encomendas para a construção de bateiras caçadeiras e de bicas, ou chinchorras, para reconstruções e reparações de barcos turísticos, para os operadores marítimo-turísticos que laboram nos canais da cidade de Aveiro. Em conversa com o mestre sobre o futuro da construção naval, refere-nos que “essa, a arte naval, era antigamente”. E que, em relação aos barcos turísticos “por vezes, põe-se ali sentado a ver os barcos e não há um que seja igual, repara que aquilo não é barco (…) têm as bicas para o ar, mas não é barco, falta-lhe o melhor, falta-lhe o brio. Por vezes quem o arranja não sabe, por isso não poderão fazer bem.” Mas reconhece que, apesar de se comentar, desde há muito tempo, que a arte irá acabar, que “se não fossem os barcos em Aveiro, a arte já tinha acabado”. [ 125 ]
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Mestre Arménio Pereira de Almeida (escola Lavoura) (1958) – Pardilhó
foto: 13 Mestre Arménio Pereira. Estaleiro de Pardilhó. 18-07-2018
O Mestre Arménio nasceu em 1958 e começou a sua aprendizagem na arte da construção naval, aos 11 anos de idade, no estaleiro do Mestre Lavoura, a pedido do mestre, seu tio. Foi aprendiz, junto com o mestre Esteves e com o mestre Felisberto, no Estaleiro do mestre Lavoura, fazendo a mesma escola, mas com tempos de aprendizagem diferentes, com 14 anos de permanência no estaleiro. Tendo, posteriormente, trabalhado nos estaleiros dos dois mestres e colegas. O mestre Arménio trabalhou no estaleiro do tio, até 1983, até ao seu encerramento, tendo saído com 25 anos de idade, recordando ter participado na construção do último barco moliceiro, aí construído, o “Alfredo Rebelo”. Após a sua saída, foi trabalhar com o mestre Felisberto e mais tarde com o mestre Esteves. Iniciou-se na área da construção naval, por conta própria, em 2002, com 43 anos de idade, instalando-se num barracão da sua casa, onde labora até à presente data. Com 43 anos de ofício, utilizando os moldes e o pau de pontos, construídos por ele, segue a arte aprendida com o mestre Lavoura. “Não constrói barcos moliceiros porque não tem espaço”, refere o mestre. Dedica-se exclusivamente à construção de bateiras caçadeiras e mantém-se a reconstruir e a reparar as embarcações no seu estaleiro, ou deslocando-se até à beira-ria, para efectuar a reparação no local. [ 126 ]
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Mestre Manuel Pires – Canelas
foto: 14 Mestre Manuel Pires. Bateira Erveira de Canelas. Dia do bota-abaixo. 10-11-2012
Em 2012, o mestre Manuel Pires, de Canelas, filho do mestre Arnaldo Domingues Rodrigues Pires (1921-1997), ainda construiu, em sua casa, num local improvisado, uma bateira Erveira, a de Canelas, que foi levada à água a 10 de Novembro de 2012. Trata-se de uma réplica da bateira Erveira de Canelas, uma iniciativa que pretendia revitalizar uma embarcação já extinta, da região sul do Concelho de Estarreja. Foi financiada pela Câmara Municipal de Estarreja e pela PACOPAR. Encontra-se no Ribeiro de Canelas. À data ainda o encontrei a reparar bateiras na borda d’água, entre Estarreja, Angeja, Cacia, Póvoa do Paço, Esgueira e Mataduços. E quanto aos novos carpinteiros navais que têm surgido nos últimos anos? Mestre Arménio relembra que está a surgir uma nova geração de interessados na arte. Estes novos construtores navais aprenderam técnicas básicas de construção com alguns mestres, durante um curto espaço de tempo, o que lhes permitiu aventurarem-se na construção naval tradicional. Mas muito do seu conhecimento adquiriram-no através da experiência pessoal que têm vindo a acumular ao longo destes últimos anos e, ainda, do seu gosto e vontade pela arte. De forma a poderem superar os desafios dos trabalhos que vão surgindo ao nível da construção, recuperação e manutenção, estes novos carpinteiros navais introduzem novos conceitos e novas técnicas de trabalho. [ 127 ]
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O mestre José Rito, da Torreira, que observando o falecido Mestre Raimundo, seguindo as suas orientações e utilizando as técnicas ancestrais, usando os moldes e pau de pontos, tem construído, reconstruído e reparado barcos moliceiro e bateiras, tradicionais e turísticos. Trabalha actualmente no Museu-Estaleiro da Torreira.
foto: 15 Mestre José Rito - Museu-Estaleiro da Torreira, Murtosa. Reconstrução do barco “Zé Rito”. 24-06-2017 foto: 16 Mestre Marco Silva. Construção do barco de mar “M.Fátima”. 17-03-2016
Também Marco Silva, um jovem da Torreira, dono de uma companha da Xávega e pescador na Ria, cedo se interessou pela arte, começando a reparar e a construir as suas bateiras para a pesca na Ria. Seguindo o seu instinto e gosto têm-se aventurado na arte da construção naval - tem construído várias tipologias de embarcações tradicionais. Construiu o seu próprio barco moliceiro, para participar nas regatas, assim como o seu barco de mar, para trabalhar na companha.Tem reconstruído barcos para o turismo e efectuado reparações em todo o tipo de embarcações. Actualmente, encontra-se a construir um barco mercantel para o turismo. Aquando a construção do seu próprio barco moliceiro, orientado pelo mestre Firmino Tavares, de Pardilhó, iniciou um processo de aprendizagem na arte que, juntamente com a sua perícia e engenho e utilizando uma mistura de técnicas, entre elas os moldes, o levou a aventurar-se na construção de outras embarcações. São dois exemplos de sucesso, que trazem alguma esperança ao mundo da Construção Naval tradicional. Apesar de não terem seguido a mesma escola dos mestres de Pardilhó, têm mantido, e até aumentado a actividade, com eficiência, continuando a trabalhar na recuperação e reparação das embarcações tradicionais e turísticas, com muito êxito. Os mestres do passado, construtores navais de Pardilhó, que futuro? Actualmente, além dos barcos moliceiros tradicionais, com aparelho vélico, são os barcos turísticos que mais trabalho têm dado aos estaleiros existentes na Torreira e em Pardilhó. Tanto a construção de novos barcos, como a reconstrução de barcos mais an[ 128 ]
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tigos, e as constantes reparações anuais, têm ocupado estes mestres, que se têm adaptado a estas solicitações e obrigado a procederem a alterações formais, obrigatórias, para que as embarcações possam exercer a sua função dentro dos canais citadinos. Tenho vindo a referir-me ao estaleiro do mestre Lavoura, como se de uma escola se tratasse. Não foi o único estaleiro a formar mestres, mas este foi o mais recente e deixou muitos mestres a trabalhar no ofício de carpinteiro, ocupando-se da arte até à actualidade – os mestres de Pardilhó. Segundo apurei entre os mestres existentes, e em alguma literatura, o mestre Lavoura procurava sempre nos mais novos potenciais interessados para exercerem o ofício no seu estaleiro, podendo ensinar-lhes, desde tenra idade, tudo o que aprendeu - um conhecimento que proveio da sua família – garantindo, assim, uma continuidade do seu ofício e do seu estaleiro. Quanto a este espólio vivo, de mestres que detêm o saber ancestral e que são oriundos da escola do mestre Lavoura, também de Pardilhó, que poderão eles deixar como herança à sua região, para além de todo o trabalho desenvolvido ao longo dos anos? Que mais poderão dar e transmitir, se não têm seguidores? Seguindo a linha de pensamento e de actuação do mestre Lavoura, seria pertinente procurar soluções urgentes no sentido de passar esse conhecimento a potenciais interessados, seja em forma de formação teórico-práctica, de estágio ou ainda em registo multimédia. Colocando sempre à frente a forma mais eficiente de perpectuar esse saber fazer que é o da aprendizagem prática no estaleiro. Em termos de conclusão e viajando ao longo do tempo, entre o passado, o presente e o futuro do ofício do carpinteiro de machado, pode-se anuir que, sobre a aprendizagem da arte, o passado está recheado de bons exemplos, de registo de belas e funcionais embarcações, de feitos, mas também de uma Ria repleta de nostalgia e destroços. Sobre o presente, que é o momento da oportunidade, deverá recolher-se o conhecimento ancestral dos últimos resistentes, de perpectua-lo, passando-o a outros através do ensino prático, e, ainda, recuperar o que resta das embarcações tradicionais que ainda navegam e dos homens que delas contam histórias, aumentando a frota existente, mesmo que se lhes atribuam outras funções. Para isso teria de se contar com apoios, incentivos e, acima de tudo, muita paixão. A nossa identidade mora aí. Que não se perca jamais! O futuro? Só o que hoje se fizer nos permitirá manter o património material e imaterial lagunar vivo no dia de amanhã, para que gerações futuras possam ler nele o nosso passado, a origem do seu berço, e compreenderem o seu presente. “Artesanato e Design: parcerias com futuro” - uma reflexão do aveirense João Branco33, de 2004 invoca uma parceria entre estas duas disciplinas, o artesanato e o design defendendo que poderão gerar objectos mais adequados aos nossos tempos que, “baseados no saber e na arte do passado conseguem propor um futuro com identidade”.
33 - Branco, João. (2004). Artesanato e Design: parcerias com futuro? Ponto de Partida. Revista Mãos. Trimestral. nº 27/28.
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Deixo em aberto a ideia de que “criar e inovar, na área da construção naval, poderá ser, sem dúvida, um caminho a seguir, sem deixar de preservar os valores identitários da nossa região e a herança imaterial dos nossos antepassados”34. Em conclusão – perpectuar e dar continuidade Fechando o presente trabalho de reflexão sobre a construção naval, no concelho de Estarreja, e a propósito da IV Semana Cultural do Moliceiro, realizada em 1993, o Drº Eduardo Panão35 leva-nos a reflectir, questionando se, “(…) não foi o uso das novas tecnologias que roubou à Ria, não só uma grande parte do seu encanto edílico, como também o barco moliceiro?”. No entanto, transmite-nos uma réstia de esperança ao afirmar com afinco que “ninguém poderá destruir o moliceiro do nosso imaginário, se o soubermos perpetuar e defender, como um valor cultural das gentes que continuam a viver em concelhos banhados pela ria.” Isto aplica-se tanto ao barco como ao artesão, que o cria, que o afaga, que lhe dá vida. É crucial perpectuar e dar continuidade a este saber fazer dos mestres do Concelho de Estarreja, para que os barcos moliceiros e carpinteiros de machado não passem a viver só no nosso imaginário.
foto: 17 Regata de Barcos Moliceiros, Torreira-Aveiro. Praia do Monte Branco, Torreira. 30-06-2018 foto: 18 Mestre Esteves utilizando a enxó. Pardilhó. 28-06-2018 Créditos fotográficos: fotografias de Etelvina Almeida
34 - Almeida (2012). p.232 35 - Panão, Eduardo. (1993). IV Semana Cultural do Moliceiro. Organização da Divisão de Acção Social e cultural da Câmara Municipal de Estarreja, com o patrocínio da Rota da Luz.
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ETELVINA RESENDE ALMEIDA
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“MEMÓRIAS DO QUOTIDIANO”1 OS PAINÉIS DOS BARCOS MOLICEIROS José Gurgo e Cirne *
DOS MÉRITOS DO PRIMITIVISMO INGÉNUO 1 - Espaço e Tempo Para Dolores Juliano, qualquer cultura precisa, como pré-requisito da sua própria existência, de um espaço coerente e organizado (Juliano, 1992:41). À semelhança das infindáveis pampas argentinas, a cujos habitantes originais (mapuches ou araucanos) a autora se refere como exemplo específico de adaptação cultural a esse mesmo espaço, também a ria, salvaguardadas as devidas proporções, constitui uma extensa e ampla planície – líquida e arenosa. A ilustrar o que afirmamos, aqui ficam as palavras de Isidoro Francisco Guimarães, que as redigiu em 1809:
*Licenciado em Antropologia e Serviço Social, pós-graduado em Família e Sistemas Sociais, mestre em Antropologia Social e Cultural, possui DEA em Antropologia e frequentou também Estudos Avançados em História das Idades Média, Moderna e Contemporânea. É membro do CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia e encontra-se actualmente a concluir o seu doutoramento em Antropologia. 1 -O presente trabalho corresponde ao capítulo final e conclusões da dissertação do mestrado em Antropologia Social e Cultural, concluído no Departamento de Ciências da Vida da F.C.T. da Universidade de Coimbra em 2012.
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JOSÉ GURGO E CIRNE
“Todos os lugares na circunferência do Vouga são países planos, e que representam bem a imagem da Holanda quer pelo Norte, quer pelo Sul: pela parte Leste a vista termina-se por montanhas” (Guimarães in Pimenta: 1942: 166). E ainda em tempos não muito recuados (1871), no desempenho de uma comissão de serviço de que tinham sido incumbidos pela Administração Geral das Matas do Reino, João Maria de Magalhães e Pedro Roberto da Cunha e Silva, descreviam assim a região, não sem manifestarem algum espanto: “Se exceptuarmos uma pequena orla de terreno da parte marginal da ria, na largura talvez de 300 metros, que com interrupções se estende desde o Carregal até à Torreira, todo este grande areal é completamente despido de vegetação que possa prender as areias, e impedir o seu movimento na direcção da ria. As dunas formam-se ali com muita facilidade, porque as areias movendo-se com grande velocidade impelidas pelos ventos dominantes, marcham constantemente, produzindo estragos incalculáveis, e fenómenos que [só] a inspecção do lugar pode fazer acreditar” (Magalhães; Silva in Faria, 1875: 59). A propósito, note-se que, para efeitos de orientação espacial, a distinção dos pontos cardiais nesta região se faz (ia) entre: Norte; Serra (ou Nascente, para designar o Leste); Mar (ou Poente e Travessia2, para designar o Oeste); e Sul (ou Vendaval3, como também antigamente se usava). Face a este panorama desolado (e porventura desolador) os painéis dos moliceiros, segundo a nossa proposta interpretativa, serviriam assim, não apenas para conferir conteúdo, mas também orientação e sentido ao próprio espaço. Com efeito, os valores e atitudes da cultura popular manifestam-se nos seus heróis, malvados e bufões, quando são respectivamente superados, ameaçados ou inconsiderados (cf. Burke, 2010: 219). Ora, os habitantes da ria, que sobre ela passavam os seus dias, vogando como nómadas em busca do seu sustento (moliço), transportavam consigo, nos painéis dos seus barcos, protótipos e variações daqueles: os seus santos, os seus guerreiros, os seus governantes, os seus marginais, que evocam um corpus sem fim de histórias, em que umas são variações de outras (idem: 220). Quanto ao tempo, cuja organização, segundo Dolores Juliano, é mais desligada do meio e tem como única condicionante o ciclo anual das actividades de subsistência, mais não seria que uma sequência de actividades agrícolas, ritualizadas em festas que as simbolizam (Juliano, 1992: 41).
2 - Cf. Carta régia de D. Afonso V, passada em 13 de Novembro de 1461 (dia do aniversário da morte do Infante D. Henrique), outorgando “um pedaço de terra” a Afonseannes, criado do dito infante seu tio, conforme este lho havia já outorgado, sito na vila do cabo de sam vicente: “A qual parte descontra o leuante com charnequa e com o rrodeiro do catellam (?). E da parte da travessia, com a terra de martinhannes ferreiro. E da parte do aguiam [aquilão] per honde esteveram as colmeas. E da parte do vendaval com a charnequa (Freitas, 1938:18). 3 - Tal como na nota anterior também se refere, desta feita a atestar a direcção da ventania prenunciadora de mau tempo, cf. o traslado de uma carta do rei D. João III, feita em Lisboa a 3 de Janeiro de 1556, penúltimo ano do seu reinado, onde pode ler-se o seguinte: “Cinco marinhas todas juntas onde se chama o redemoinho (…), partem estas Marinhas da parte do norte com um Esteiro que vai para a Barra e do vendaval com marinhas de Álvaro de Sousa e Thomaz Coelho” (Madahil, 1961: 52).
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Sem descurar as festas dos oragos e santos locais, constantes de longa lista que seria fastidioso enumerar, não cabe, porém, no âmbito deste trabalho, falar do simbolismo que todas elas comportam no ciclo anual das actividades agrícolas.4 Mas face também a este cenário, propomos que os painéis dos moliceiros, pelas figuras e até pelas actividades neles retratadas, funcionariam igualmente como marcadores do tempo, conferindo-lhe dimensão e significado. Para o que nos interessa, convém registar as romarias que assumiam papel de destaque para os habitantes da zona ribeirinha, a cujos santuários se deslocavam de barco. Exceptuando a Nª Sra. da Saúde (Vale de Cambra), realizada em 15 de Agosto e de enraizada tradição local, também se celebrava, no mesmo dia, a Nª Sra. da Boa Memória (Paço/ Esgueira), o S. Tomé de Mira, em 25 de Julho, os Santos Mártires de Marrocos ( Travassô/ Águeda), em 16 de Janeiro, o S. Paio da Torreira5, em 8 de Setembro (talvez o local da maior concentração de barcos moliceiros), a Nª Sra. das Areias (S. Jacinto/ Aveiro), no primeiro domingo de Outubro, etc. Também à Feira dos 13 (por se realizar nos dias treze de cada mês), na Vista Alegre, em Ílhavo, se ia de barco.6 Concluindo, defendemos que, antes de tudo, os painéis dos moliceiros assumem uma função de referentes espácio-temporais.7 2 – Pragmatismo e Fantasia A ideia com que se fica, após a pesquisa bibliográfica efectuada e o trabalho de campo realizado, é que a pintura dos painéis dos moliceiros, pelo menos até ao advento dos concursos, era uma actividade de aprendizes. Isto não obsta a que não fossem convocados alguns profissionais para a realização dessa tarefa ou que certos “mestres”8 construtores as não realizassem profissionalmente, enquanto parte do processo de construção dos barcos. Mas daí a generalizar que os painéis dos moliceiros resultam do “génio criador do mestre”, sendo parte de um “processo alquímico” (Guimarães, 1983) ou que são obra apurada, mesmo que dentro dos parâmetros duma suposta arte naïve – há que ter cautela. De facto, Ana Mª Lopes (1997: 104-112) cita alguns “mestres” que foram pintores. No caso do Ti Joaquim Raimundo, já o seu pai costumava pintar os barcos que construía,
4 - Cf. Juliano (1992: 41-42): “En la área mediterránea subsisten elementos que permiten imaginar el ciclo anual dividido en dos semiciclos, uno relativo a las actividades agrícolas y outro dedicado a las tareas relacionadas com los animales. Según las formas de obtener la subsistencia de cada comunidad concreta, y sus tradiciones y opciones, se subrayará más uno u outro componente del circuito, o se desplazarán y adecuarán los festejos.” 5 - Cf. Magalhães et al. in Faria (1875: 60): “Esta capela, onde todos os anos concorrem milhares de fiéis a uma romaria que ali se faz em setembro, está quase completamente sepultada (…) a ponto que de cima da duna se pode passar para o telhado!” 6 - Cf. Lima (1968: 65): “Facto interessante na definição do carácter eminentemente marítimo da gente de Ílhavo – na Ermida, a um quilómetro da vila, há uma feira mensal, concorrida e abundantíssima, mas onde quase não aparecem gados”. 7 - Cf. Juliano (1992: 41): “Lo más interessante en este aspecto, desde el punto de vista de la cultura popular, es estudiar los ciclos rituales en sus adaptaciones locales. Estas adaptaciones van com frecuencia ligadas a las especificidades territoriales, por lo que en muchos casos (…), un mismo sistema de romerías sirve para brindar un marco de conceptualización del espacio y un esquema ordenado del tiempo.” 8 - Referimo-nos não só aos construtores dos barcos moliceiros mas de toda a gama de embarcações. O termo, contendo algum sabor medieval, evocativo de confraria ou agremiação de classe, era extensivo a outras profissões da região: pedreiros, carpinteiros, pintores, etc. Aliás, era até vulgar um só destes profissionais dominar todas as técnicas…
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mas passou o encargo aos filhos logo que estes começaram a fazê-lo. Quer um quer outro tinham a ajuda dos empregados, mas só na aplicação da tinta nos riscos…. Também o Ti Preguiça não precisava de recorrer a pintores, pois ele e os seus empregados executavam as pinturas. Quanto a si, “com bom ou fraco jeito, não chamava ninguém” para desempenhar tal tarefa (idem: 111-112). Mas, como a própria autora reconhece, os seus painéis não tinham a graça dos do anterior… Igualmente o Ti Agostinho Tavares pintou muitos barcos. Começou jovem a ajudar o pai e, mais tarde, um dos seus próprios filhos acabou também por o ajudar. “Tudo muito mal feito, como eu sabia…” (idem: 112). Já o Ti Henrique Lavoura, não sendo especialista, chegou a recorrer a um antigo pintor de varinos, que parece ter deixado fama em Pardilhó. Mas noutras alturas socorreu-se da habilidade de alguns dos seus aprendizes, como Joaquim Godinho (Farelo), que veio depois a pintar alguns barcos por conta própria. Mas até estes, como se vê, se limitavam a usar o seu próprio jeito. Em abono do que atrás dissemos, reportamos o que nos informou o Sr. António Garete, de 79 anos de idade,9 que conhece os barcos moliceiros desde os 12, quando começou a “andar ao rio”.10 Antigamente, ainda no tempo do seu pai, as pinturas não eram tão esmeradas como agora, o que atribui às exigências dos concursos. “Dantes ninguém se importava…”, disse. E acrescentou: “Punham uma tinta qualquer. Depois, as pinturas andavam até rapar”. Nem a superfície pintada seria tão grande: “Era só da direcção dos golfiões para a frente que se pintavam os bonecos. Fazia-se um palhaço ou um homem e uma mulher a dançar… e pronto”. E quanto às cercaduras, limitou-se a dizer que se faziam “umas folhas, à sorte…” Também o Sr. José Revesso, de 71 anos de idade,11 com cédula de marítimo desde os 14 e carta de arrais desde os 20, antigo moliceiro e mercanteleiro, ex-emigrante, informou a este respeito o seguinte: “Às vezes fazia-se uma casita, uma igreja, um padre, com os ditos sempre a condizer, mas ninguém levava a mal…” Além disso, nunca deu opinião sobre os temas a pintar. Admite, no entanto, que alguns proprietários o faziam, embora, em sua opinião, os pintores não gostassem. E, referindo-se a estes, argumenta a seu favor: “Eles é que eram os habilidosos…” À semelhança dos anteriores, também “mestre” Felisberto Amador nos transmitiu que, embora não pintando os barcos que constrói, se fosse preciso, era capaz de fazer neles uns bonecos.12 Tinha 51 anos quando o entrevistámos e começou a trabalhar aos 14 anos no estaleiro de “mestre” Henrique Ferreira da Costa (mais conhecido por Henrique Lavoura), à experiência, a ver se gostava da arte. Quando se casou, poucos meses antes de ir à tropa, o avô materno deu-lhe uma toura e o sogro um touro; a mãe, por sua vez, deu-lhe um porco. E, com estes bens, quando voltou da tropa, foi conjugando a lavoura com a carpintaria naval até que, devido ao baixo preço do leite, terminou aquela actividade há uma dúzia de anos. Invocamos ainda o testemunho de “mestre” António Esteves,13 homem dos seus 70 anos de idade, ex-emigrante e que, com o anterior, são dois dos três construtores ainda em
9 - Entrevistado em 18 de Outubro de 2011. 10 - Expressão que significa dedicar-se à apanha do moliço. 11 - Entrevistado em sua casa, em Dezembro de 2011. 12 - Entrevistado no seu estaleiro, em Pardilhó, em Março de 2011. 13 - Entrevistado em 3 de Julho de 2011, em Aveiro, aquando da Regata da Ria.
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actividade.14 Teria ele nove ou dez anos, vinha da escola, de regresso a casa, no seu último dia de aulas, acabada de fazer a 3ª classe, com a saca dos livros a tiracolo. Ao passar junto do estaleiro do Ti Henrique Lavoura – estava este a furar uma trave para fazer um maço de jogar a choca –, parou e ficou a admirá-lo, com gosto, disse, pois também queria ter um brinquedo igual… Foi então que o Ti Henrique lhe perguntou se não queria ir trabalhar com ele, no seu estaleiro. Respondeu que teria primeiro de falar com os pais. Por coincidência, nesse mesmo dia, estando ele em casa precisamente a falar do assunto com os pais, o Ti Henrique chegou para conversar também com eles acerca da proposta que lhe fizera. Dos pormenores da conversa, “mestre” António Esteves não se lembra, mas o certo é que, no dia seguinte, já estava a trabalhar no estaleiro do Ti Henrique! Embora a sua especialidade fosse “pentear” os barcos (isto é, durante o seu processo de construção, afagar as tábuas dos extremos, tanto à proa como à ré), um dia, o Ti Henrique mandou-o pintar um painel. Estava ele a fazê-lo – não se lembra se um burro se uma vaca –, quando o pai passou, por acaso, pelo estaleiro e lhe disse que ele não sabia pintar nada em condições. Contristado e magoado com o reparo do pai, o certo é que nunca mais pintou qualquer painel em toda a sua vida… No início deste trabalho, convocámos as propostas teóricas de Alfred Gell (1992) e a sua abordagem da arte numa perspectiva antropológica como forma de interpretar a pintura dos painéis dos moliceiros. Como vimos, este autor considera a arte como uma tecnologia orientada para a produção de consequências sociais, a que chamou “tecnologia do encantamento”. Mas esta decorreria do seu próprio processo de produção, que não seria do domínio de qualquer pessoa, a cujo efeito chamou, por isso mesmo, “encantamento da tecnologia”. Este resultaria precisamente da incapacidade em se perceber como são feitos os objectos artísticos. Ora, isto parece estar em contradição com o que afirmámos no início deste subcapítulo. No entanto, deixámos a ressalva de que os painéis dos moliceiros também eram pintados por alguns profissionais,15 os quais, mesmo nos casos anteriores à massificação dos concursos, não deixariam, num meio onde a escolaridade (quando a tinham) dos próprios construtores se ficava pelo ensino elementar, de exercer algum fascínio nos espectadores com a sua técnica, ainda que incipiente. Porém, se a proposta que defendemos vai no sentido de aparentemente contrariar um domínio de determinada tecnologia, de modo a que ela produza um certo efeito quase mágico, tal não invalida que este efeito não deixe de ser exercido – e talvez até de um modo ainda mais subtil. Com efeito, se, mesmo no âmbito do assunto de que tratamos, para o trabalho executado por adultos é comum atribuir-se-lhe características de ingenuidade (do que discordamos, como adiante se verá), parece-nos ser esta mesma condição a responsável pelo fascínio exercido pelos painéis dos moliceiros. Não a ingenuidade em si, o carácter néscio dos pintores, mas a pureza quase infantil – em alguns casos literalmente –, da concepção dos seus quadros. 14 - O terceiro, pelo que nos informaram, chama-se Arménio Pereira e, tal como os outros, é de Pardilhó. 15 - Exemplos de pintores amadores, profissionais de outros ofícios: António Tavares de Almeida (Soeco, pai), José Soeco (filho), Avelino Lopes de Matos (Marcela), Joaquim Esteves Godinho (Farelo), Jacinto Vieira da Silva (Lavadeiro), Salvador Belo, Domingos Fernando Valente, José Manuel Oliveira, etc. (Lopes: 1997: 113-136).
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Mas, por outro lado, não defenderemos que se trata de quadros infantis; diremos, sim (o que é diferente), que eram quadros pintados, muitas vezes, por simples aprendizes, normalmente crianças... E daí o encantamento produzido pela técnica.16 A originalidade dos painéis não está assim no domínio (ou ausência dele) da técnica com que são executados, mas nos motivos neles evocados (Fabian, 1996).Tal facto contribui para lhes retirar o carácter de quase transcendência17 que por vezes se lhe atribui e reforça o seu significado de meras coisas práticas. De qualquer modo, não é a perfeição que interessa, mas sim o efeito por eles produzido (Gell, 1992). Aos painéis dos moliceiros pode, pois, aplicar-se a definição de Gell (1992) de que a arte é uma tecnologia – e tecnologia de encantamento –, ao contribuírem para o estabelecimento de relações sociais ou consolidação de relações sociais previamente existentes. É exemplo o interesse que os painéis despertam nos espectadores, que se congregam, nos dias festivos, ao redor dos barcos, observando-os. Estes tornam-se assim numa espécie de cartão-devisita do seu proprietário, concitando estima e admiração. Mas não nos esqueçamos de que Gell (1996) também considera as obras de arte como armadilhas conceptuais. (Quem melhor do que as crianças para instalar armadilhas?) Por outro lado, isso não obsta a que os espectadores não se tornem vítimas dessas armadilhas, apesar de elas apelarem à sua inteligência. (Quem não cai nas brincadeiras das crianças?) E, tal como as obras de arte comportam um nexo de causalidade entre o artista e o espectador, também as armadilhas comportam um nexo de causalidade entre o caçador e a vítima… Segundo esta perspectiva, sendo os painéis dos moliceiros considerados como arte, importa, pois, saber quais são esses laços e tais nexos de causalidade. Ademais quando esses painéis contêm uma particularidade: a figura e a legenda, que se armadilham mutuamente. De facto, em nenhum outro lugar se encontra tão explícita a proposta de Gell quando diz que os objectos artísticos não são estéticos, mas sim conceptuais, isto é, “armadilhas para pensar”. Note-se que esta perspectiva é, de certa maneira, coincidente com o ponto de vista de Guimarães (1986), já antes referido, pois também ele, verificando que a legenda e o motivo central dos painéis raramente são correspondentes, atribui tal facto à necessidade de o seu autor captar a curiosidade do espectador e de assim lhe reter o olhar. Daí a razão, segundo ele, para que a mensagem verbal não seja coincidente com a mensagem icónica. No fundo, tratar-se-ia, como bem notou, de “dois textos que se interseccionam, ou se relacionam, obrigando o público ao exercício da inteligência e da imaginação” (idem: 31). No caso concreto dos moliceiros, o pintor consegue montar a sua armadilha a partir de duas componentes que, à partida ou tomadas isoladamente, são inócuas: a figura e a legenda. É o espectador que, movido pela sua curiosidade, ao juntá-las, acciona essa armadilha, da qual acaba sendo vítima, ainda que a sua reacção seja apenas rir-se. Mas o riso, tal como o choro, também faz parte do drama da existência humana… Por outro lado, admitimos com Lopes (1997) que nem sempre existiu essa concordância – se é que de concordância se trata – entre figura e legenda, pelo menos de forma tão 16 - A este propósito, lembramos o título de uma colectânea de textos escritos por alguém cuja obra arquitectónica, com mais ou menos mérito, também interessou à Antropologia: Não é artista quem quer (Lino, 2004). 17 - Ana Mª Lopes diz que, já em 1932, Celestino Gomes interpretou “talvez de uma forma demasiado erudita” a representação equestre pintada à proa como uma deformação da figura mitológica do Centauro (Lopes, 1997: 81).
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elaborada.18 (Contudo, a autora defende que se tem vindo a caminhar no sentido contrário.) Ora, quanto a nós, os painéis dos moliceiros, enquanto armadilhas conceptuais, valem precisamente pela discordância desses seus elementos. Mas digamos que, prosseguindo a analogia, as armadilhas têm-se tornado menos subtis ao longo dos últimos tempos, já que a caça, mercê dos prémios dos concursos, se tornou mais escassa e apetecida. Citando Souto (1921), a mesma autora diz que este refere que com frequência não existia a menor relação entre uma coisa e outra. E dava como exemplo a legenda “Ora biba a rapaziada do moliço!”, ilustrada com uma locomotiva. De facto, assim é – pelo menos aparentemente. Só que os painéis vivem dos contrastes, daquilo que, parecendo óbvio, não o é: tal como armadilhas camufladas. Neste caso, embora o contexto esteja já distante, não estaria a “rapaziada do moliço” a afirmar-se perante a “rapaziada ferroviária”? Contudo, a autora afirma que normalmente as legendas, nos pintores mais “simplistas”, surgem depois de feitas as pinturas; o contrário se verificaria com os artistas mais “trabalhados”. José Manuel Oliveira19 informou-nos que pintava, de facto, em função do dito, mas pela simples razão de que “já era assim…” quando começou a pintar. A figura, quanto a si, é apenas uma ilustração do dito ou legenda. Até porque, explicou, a figura ou desenho tem a função de amenizar o dito, de lhe tirar o “sabor picante”. E declara, por fim, que figura e dito “defendem-se um ao outro” … Ainda, de acordo com Gell (1998), as obras de arte constituem-se como elementos de um vasto sistema técnico, essencial à reprodução das próprias sociedades humanas. Em tal sentido, os objectos artísticos não são mais do que objectos técnicos, pois exerceriam um efeito pragmático sobre os espectadores. Ora, sendo a arte uma tecnologia orientada para a produção de consequências sociais (Gell, 1992) e sendo os painéis dos moliceiros considerados como arte, importa, pois, saber quais são os nexos de causalidade existentes entre o artista e o espectador (ou, melhor dito, entre o caçador e a vítima). Em suma, importa, pois, saber qual é o efeito dessas pinturas ao nível das relações humanas que se desenvolvem ao seu redor (Gell, 1996). É isso que procuraremos fazer de seguida. 3 – Quotidiano e Memória Dando como ponto assente, face aos argumentos já expostos, que os painéis dos moliceiros são exemplares de pintura de género, convém ter, contudo, presente o seguinte: a) Admitindo as premissas de Fabian (1996), não se pode falar de um único processo de aburguesamento; b) Mas admitindo que houve um só, ele terá tido pelo menos duas fases: 1ª – anteriormente à reabertura da barra, na primeira metade do século XVIII, coincidindo com a exploração aurífera no Brasil; e, 2ª – posteriormente à reabertura da barra, decorrente quer da melhoria das condições de cultivo que de tal facto advieram, quer da privatização da propriedade da terra, que a Revolução Liberal veio consagrar, quer ainda da marcante expansão económica que se verificou a partir de meados do século XIX. 18 - Cf. Lopes (1997: 98-99) a propósito do “binómio desenho/legenda”. 19 - Entrevistado em Dezembro de 2010, com vista à recolha de material para a avaliação duma cadeira teórica do mestrado em Antropologia Social e Cultural.
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De qualquer modo, parece que nem mesmo o assoreamento definitivo da barra terá obstado à apanha do moliço. Temos a prova das Memórias paroquiais de 1758 e o Decreto de 1802, aquelas posteriores ao seu encerramento e este anterior à sua reabertura. O que certamente se alterou foi a qualidade do moliço, isto é, a natureza das espécies botânicas suas constituintes, que forçosamente se tiveram de adaptar a um novo habitat de água doce ou, pelo menos, salobra. Se tal mudança implicou alguma alteração nos métodos de apanha do moliço ou se teve alguma influência na pintura dos moliceiros – ignoramo-lo. No entanto, é perfeitamente plausível que, quanto àqueles, após a reabertura da barra, a actividade da apanha do moliço ficou de algum modo condicionada pelas marés.20 E se isso representou alguma alteração ao nível da cultura material (cf. Fabian, 1996) existente em torno de tal prática, também permanece uma incógnita. Mas fazendo fé na vela festiva existente no Museu Marítimo de Ílhavo e na data nela inscrita (1816) a que atrás nos referimos, é de admitir a hipótese de que sim. No entanto, tendo ainda em conta a premissa de Fabian, quer num período quer noutro, se algum impacto teve tal processo de aburguesamento na pintura dos painéis dos moliceiros, ele não se exerceu de forma directa. A riqueza gerada apenas garantia mais poder de compra a quem pretendia adquirir o moliço. Terá sido a sua crescente procura e o incremento, assim gerado, da sua apanha que se reflectiu na pintura dos painéis dos moliceiros. Isso não obsta, contudo, a que alguns agricultores também se dedicassem à sua apanha, como aliás sempre o fizeram. Mas essa não era, porém, a regra, além de que nessa actividade seriam preferidos os “barcos pequenos”21 – e até porque tinham de cuidar das suas lavouras. A propósito, é conveniente não esquecer que não era apenas com o moliço que se adubavam as terras.22 Havia também o junco, colhido nas praias barrentas da ria, que era roçado de dois em dois anos, actividade em que se empregavam os próprios moliceiros, durante as épocas de defeso. Este, utilizado para estradar os animais e misturado com os seus excrementos, servia também (por vezes misturado com o moliço) de estrume para os campos. O moliço, em si, valia sobretudo pelo lodo que transportava e que ajudava a tornar menos áridos os terrenos. De resto, devido à sua salinidade, era sobretudo usado como tónico e adubo de cobertura nas pastagens de Inverno. 23 20 - Não será por acaso que se chama “maré de moliço” a um barco carregado com estas algas… 21 - Cf. Nobre et al. (1915: estampa III, fig. 6), que os classificam como “bateiras marinhoas”. Cf. Lopes (1968: 30), que se lhes refere como “bateiras dos lavradores”. Cf. Afonso in Oliveira et al. (2009: 145), que lhes chama “barcos pequenos”. 22 - Já fizemos referência, em anterior artigo, à cava periódica dos terrenos. A propósito, registe-se que, até ao advento das charruas mecânicas (charruecos; charruas “de cavar”), bem entrado o primeiro quartel do século XX ou até depois, eram ainda utilizados na região, como bem notou, para espanto de muitos, o insigne etnólogo Jorge Dias, em obra original de 1948, os arados quadrangulares, de carreta (ditos “vessadouros” ou “vessadoiros”), de origem germânica e antiquíssimas raízes suevas, adaptados às terras planas e fundas do litoral, cujo limite de influência até então se julgava confinado ao sul da Inglaterra, Bélgica e norte da França (cf. Dias, 1982:116-117). Não obstante, até à generalização da agricultura motorizada, em simultâneo com o uso quer dos arados quadrangulares, quer mesmo das charruas mecânicas, a lavoura jamais dispensou, com vista à mistura das matérias orgânicas e à busca da melhor lentura do solo, a força braçal dos homens, que para tanto cavavam periódica e rotativamente as areentas terras. 23 - Cf. Sousa (1936: 184): “Nas terras sempre adubadas com moliços e com pouco dreno, e ainda onde as águas das cheias podem tocar, as culturas ressentem-se deste facto, como, por exemplo, a do feijão.”
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Voltando a Fabian (1996), os temas ou assuntos que identifica na pintura popular do Shaba funcionariam como lembretes de experiências do passado. Ora, no caso dos painéis dos moliceiros, os assuntos nele retratados assumem, quanto a nós, essa mesma característica evocativa de um discurso local partilhado e estruturante das memórias comuns (idem: 196). A única diferença que nela encontramos é que tal discurso não radica no passado, mas sim no presente – num presente ausente, fisicamente distante, mas recriado nos painéis dos barcos e assim transposto para a vida quotidiana dos moliceiros. Nota também Fabian que um dos géneros mais populares na pintura do Shaba é a sereia, que funcionaria como um lembrete por excelência, como um símbolo totalizador. Poderíamos, em relação aos moliceiros, estabelecer de alguma forma um paralelo entre tal símbolo totalizador e o cavaleiro tantas vezes pintado nos painéis da proa. Longe de representar o “mestre” carpinteiro, construtor do barco, de ser uma suposta homenagem que lhe é feita, seria antes uma forma sua de inscrição no barco que construiu – e, por extensão, também na própria paisagem. E, tal como a sereia era um símbolo totalizador da existência urbana (idem: 197), também o cavaleiro, à proa, funcionaria como o símbolo totalizador da vida na ria.24 Outra das características da pintura popular do Shaba é a combinação de pintura e escrita, o que faz com que os quadros constituam verdadeiras pictografias (idem: 220). Também o estilo pictográfico é a característica dominante dos painéis dos moliceiros. Não porque os artistas que os pintam queiram, à semelhança de Tshibumba, fazer historiografia (a sua é uma actividade efémera) ou mesmo contar histórias (os painéis não têm sequência narrativa), mas sim porque talvez lhes suceda o mesmo que àquele quanto às suas fontes de inspiração: o uso de modelos, que cremos ter sido comum ao longo dos tempos, tais como gravuras, estampas, ilustrações, fotografias, revistas.25 A que acresce, ao contrário de Tshibumba, não a suspeita de que alguns pintores de painéis gostem de banda desenhada26, mas a certeza de que assim é, pelo que eventualmente terão transposto também para o seu trabalho algumas das convenções daquela. Fabian atribui mesmo a tal escrita um carácter epigráfico, no sentido clássico do termo. Ela não seria assim nem descrição, nem transcrição, mas inscrição – tornando-se, por isso, uma só com os objectos em que aparece. Tais objectos, que de outro modo só poderiam ser vistos ou tocados, adquirem então voz própria (idem: 239). (A este respeito, registese o que anteriormente dissemos sobre a capela de S. Simão e também sobre a figura do cavaleiro pintado nas proas dos moliceiros.) No entanto, no caso de Tshibumba, nem uma só dessas inscrições era tornada ambígua ou incompreensível devido a erros de gramática ou de ortografia (idem: 240).27 Um pormenor, que tem a ver com a suposta ingenuidade de muitos painéis de moliceiros (para o que já alertámos acima), também foi notado por Fabian a propósito da 24 - Recordemos, a propósito, a inscrição existente sobre a porta da capela de S. Simão, atrás referida. De qualquer modo, como um mestre não se deve confundir com um simples peão, teria sempre de ser representado de maneira diferente. 25 - Francisco, filho do Sr. António Garete, entrevistado em Novembro de 2011, exibiu um exemplar da revista “Maria” como fonte de vários modelos de painéis que já tinha feito. 26 - O próprio José Manuel Oliveira, anteriormente mencionado, é um desses exemplos. 27 - Este é um pormenor, de certo modo importante, que diferencia tais inscrições das legendas dos painéis dos moliceiros, onde são frequentes os erros de ortografia: por manifesta ignorância das suas regras ou por vontade deliberada de imitar as legendas “antigas”, que serão as que contêm tais erros.
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pintura popular no Shaba: a questão da perspectiva (idem: 241). Apesar de, ao que parece, Tshibumba estar familiarizado com ela, o domínio que tem da sua técnica é mimético. Sobre esta questão, não temos razões para supor que a generalidade dos pintores de painéis se comporte de modo diferente. Porém, a respeito destes, concordamos com Fabian quando afirma que, quer as regras da perspectiva sejam respeitadas quer sejam transgredidas, a pintura assume sempre um significado (idem: 242). Por último, prendendo-se com esta questão – e até para colocar alguma ordem naquilo que tem vindo a ser dito sobre os painéis dos moliceiros –, concordando com Fabian a propósito do estilo que atribui à pintura popular do Shaba, consideramos que esse mesmo estilo deve servir de enquadramento aos painéis dos moliceiros. Não por qualquer razão de facilidade classificatória, mas porque, tal como Fabian nota a propósito da pintura popular do Shaba, também achamos que os painéis dos moliceiros não apresentam o desregramento estilizado que é comum associar-se à arte naïf. Pelo contrário, tal como o define Fabian, porque abrange não apenas o detalhe, mas a composição inteira, estamos perante um estilo figurativo. 4 – Representação e Performance “Os moliceiros, para explorarem as praias ou fundos de alga, tomam primeiro barlavento e depois, a um largo e com pequena velocidade, é que estabelecem os ancinhos na borda, a arrastar. Enquanto um dos companheiros vai ao leme, o outro levanta sucessivamente cada um dos quatro ancinhos, sacudindo para o fundo do barco a alga que traz e tornando a colocá-lo em arrasto. Chegando ao termo do local, voltam a tomar barlavento com os arrastos dentro, repetindo as mesmas manobras até que carreguem ou sigam para outro porto. Quando não há vento, arrastam puxando pelo barco à vara” (Nobre et al., 1915: 54). Não foi por acaso que abrimos este último subcapítulo com a descrição do modo que os moliceiros usam para apanhar o moliço. Aqueles movimentos que obrigavam os barcos a orçar e a apertar a vela, a um ritmo lento e constante, faziam com que estes executassem uma espécie de ballet narrativo28 (Searle, 1958: 189). Tais movimentos eram planeados, porque decorriam da necessidade técnica da manobra. Mas, como já vimos, também as performances são planeadas e encenadas, eventos controlados que parecem ocorrer à parte do fluxo do que acontece no dia-a-dia dos seus participantes (Fabian,1996: 249), sendo uma das suas características principais o timing (assim como para a execução das manobras) (Fabian, 1998: 95). Tais eventos, não é demais repeti-lo, têm a capacidade paradoxal de criar um sentido para a realidade que pode estar ausente dos acontecimentos vulgares do dia-a-dia. Deste modo, presentes e também participantes em tal coreografia estão os painéis dos moliceiros
28 - Daniel Guimarães, nota lógicas diferentes quanto à imagística do interior e do exterior dos moliceiros: no interior, teria uma função organizadora do próprio espaço; mas, no exterior, também assumiria “uma organização cénica dos sinais, uma afirmação exibicionista, se quisermos uma lógica do espectáculo” (idem, 1986: 20).
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que dezenas (ou centenas) de barcos exibiam, ora servindo-lhe de cenário, ora participando nesse movimento narrativo. Assim, paralelamente à apanha do moliço, parecendo ocorrer à parte da labuta diária dos moliceiros, os painéis recriavam cenas da sua vida diária que os transportavam muito para além dos estritos limites da sua embarcação. Mas embora evocativos de memórias comuns, o tempo destas é o presente – porém ausente. Presente, não obstante, partilhado, pois todos os moliceiros participavam nessa mesma performance, já que solitária ela seria impensável (idem: 249). Aliás, os actos performativos têm o condão de criar ou intensificar a copresença (idem: 253). Porque servem para convocar memórias comuns, os painéis dos moliceiros funcionam, já o vimos, como lembretes, objectos capazes de espoletar narrativas partilhadas (Fabian: 1998: 52). Mas, assim sendo, uma vez que tal capacidade advém das próprias imagens, além de tal função pragmática, assumiriam também uma função semiótica (Fabian, 1998: 52; Gell: 1998), que convém não desprezar. Por outro lado, como a pintura de género é capaz de evocar qualquer ritmo narrativo, torna-se por isso um sistema de memória cujos limites e estruturas podem ser especificados num dado momento, mas que não são dependentes nem mantidos por critérios de ortodoxia (Fabian: 1998: 53). Transpondo este pressuposto teórico para o contexto analisado, conclui-se assim que não existe um modo específico de pintar os painéis dos barcos moliceiros. CONCLUSÕES Perguntávamo-nos no início deste trabalho por que razão é que os barcos moliceiros, embora aptos a navegar, nunca eram considerados definitivamente construídos sem os seus painéis. Como um dos nossos informantes29 nos disse, os barcos pintam-se porque “não convém ficar só o preto…”, referindo-se à cor do breu que envolve os costados. Quernos parecer, pois, que os painéis se tornaram de tal maneira parte integrante dos barcos moliceiros, que seria impensável estes não os possuírem. Também nos questionávamos se tais painéis tinham algum significado particular, se seriam simples expressões de arte popular ou visariam outros objectivos nem sempre patentes. Parece-nos que a par duma normal função decorativa, os objectivos dos painéis dos moliceiros ficaram explícitos ao longo do último capítulo deste trabalho. Perguntávamo-nos ainda se constituíam a afirmação duma cultura homogénea, regionalmente delimitada, ou se seriam livres manifestações individuais. Acreditamos não errar se afirmarmos que, salvo algumas excepções30, talvez mais tardias, a pintura dos painéis dos moliceiros não era homogénea, no sentido em que não se estendia a toda a zona da ria: estava confinada apenas à sua parte norte.
29 - Sr. António Garete, entrevistado em 18 de Outubro de 2011. 30 - Cf. Lopes (1997: 119), que regista um caso na Gafanha da Encarnação (Ílhavo).
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JOSÉ GURGO E CIRNE
Igualmente nos questionávamos se obedeceriam a cânones tradicionais ou seriam fruto da arbitrariedade dos tempos. Pensamos que, embora obedecendo a padrões da própria cultura popular (cf. Burke, 2010: 219-256) e tendo atenção ao parágrafo com que terminámos o trabalho acima, não existem cânones nem modos mais ou menos genuínos de pintar os painéis dos moliceiros. Pretendemos sobretudo, fazendo uso do conceito de “imaginação sociológica” (cf. Mills in Worsley, 1983: 69), delimitar o cadinho cultural em que teve origem a pintura dos painéis dos moliceiros e, de algum modo, o caldo de experiências em que tal prática terá emergido. Talvez muitas outras questões tenham ficado sem resposta, mas quisemos sobretudo estabelecer balizas para um eventual aprofundamento deste mesmo trabalho. A este foi-lhe atribuído o título de Memórias do quotidiano. Não do passado, mas dos episódios circunstanciais que acompanham (ou acompanhavam) a vida dos moliceiros, de algum modo nómadas errantes numa planície aquática. Mas para a escolha do título concorreu também a hipótese de que os painéis dos barcos moliceiros serviriam como emulação da vida sedentária que se desenrolava ao longe, em terra, no espaço contubernal da freguesia, ao redor da igreja, em casa. Não se tratando assim de tábuas votivas, pois não estamos perante testemunhos de uma graça obtida por intervenção divina, talvez os painéis dos barcos moliceiros possam, contudo, ser também de algum modo considerados “memoriais de episódios (…) de controlo da indeterminação do mundo” (cf. Quintais, 1997: 28). Ou, pelo menos, dizemos nós, de amenização das suas contradições, pela transposição dos afectos distantes para um cenário quotidiano de trabalho árduo. Deste modo, os painéis dos barcos moliceiros não terão a ver com riqueza (pelo menos directamente), ostentação, opulência ou exibicionismo. Antes pelo contrário: utilizados por uma classe pobre (cf. Sousa, 1936: 63; Lopes, 1968: 32; Cunha, 1995: 149-150), talvez funcionassem, através da reprodução de cenas da vida quotidiana, como repositório ambulante da segurança e da regularidade da vida comunitária. Daí que os consideremos refractários a qualquer tipo de classificação, já que tão variados como a própria vida…
BIBLIOGRAFIA Burke, Peter. 2010. La cultura popular en la Europa Moderna. 4ª reimpressão. Madrid, Alianza Editorial. Cunha, José Tavares Afonso e. 1995. Notas marinhoas (Vol. V). S/l, Edição do Autor. Dias, Jorge. 1982. Os arados portugueses e as suas prováveis origens. 2ª edição. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Fabian, Johannes. 1986. Remembering the present: painting and popular history in Zaire. Berkley / Los Angeles / London, University of California Press. , Johannes. 1998. Moments of freedom. Charlotesville and London, University Press of Virginia. [ 144 ]
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JULIANA CUNHA
CARLOS MARQUES RODRIGUES: O FUNDADOR DA FÁBRICA DE DESCASQUE DE ARROZ A “HIDRO-ELÉCTRICA” DE ESTARREJA Juliana Cunha * ** “Pelo exposto pede a vossa excelência que se digne autorizar o funcionamento da fábrica do requerente, fazendo cessar a suspensão da sua laboração, com o que lhe será feita justiça.”1 Carlos Marques Rodrigues
Carlos Marques Rodrigues (1882-1976), filho de António Marques Rodrigues2 e de Maria Clara Marques Rodrigues, nasceu em Estarreja, às 23h00 do dia 21 de janeiro de 1882, no Largo da Estação, onde o seu progenitor possuía também uma casa comercial. Segundo de oito irmãos, Carlos Marques Rodrigues terá herdado de seu pai o carácter empreendedor, a honradez e a seriedade no trabalho. Conceituado comerciante de Estarreja, António Marques Rodrigues “elevou-se bem alto no conceito público, conseguindo uma avultada fortuna e um nome honradíssimo”.3 Como todas as crianças da freguesia de Beduído, Carlos Marques Rodrigues terá feito a instrução primária na Escola Conde de Ferreira, em Estarreja, contudo foi “educado por seu pai na escola do trabalho, tendo sempre por lema a honra e a probidade”.4 Em 1910, o jornal “O Concelho de Estarreja” noticiava que António Marques Rodrigues “passara todo o activo e passivo da sua casa de negócio do largo da estação d´aquella villa a seu filho o senhor Carlos Marques Rodrigues”.5 E que este, “continuará a desenvolver os negócios dessa casa comercial, sustentando os créditos que ella gosa, adquiridos pela honradez e seriedade do seu antigo proprietário”.6 *Licenciada em Ciência da Informação Arquivística e Biblioteconómica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. ** Voto de agradecimento àqueles que, na construção deste texto, viabilizaram o acesso às fontes primárias de informação, designadamente José Carlos Antão da Costa Maques, neto de Carlos Marques Rodrigues e Anabela Amorim, esposa de Carlos Eurico Figueira Marques, neto de Carlos Marques Rodrigues. 1 - RODRIGUES, Carlos Marques/ Exposição que Carlos Marques Rodrigues, proprietário da fábrica de descasque de arroz a “Hidro-Eléctrica” de Estarreja tem a honra de apresentar a sua excelência o Ministro da Economia. Estarreja, 1949. Pág.1 (A propósito do encerramento da fábrica entre 1939-1950). Documento gentilmente cedido pelo Senhor José Carlos Antão da Costa Marques. 2 - António Marques Rodrigues (18??-1937), conceituado comerciante de Estarreja, pai de Carlos Marques Rodrigues, foi também proprietário de uma fábrica de moagem de trigo, situada no mesmo local da Fábrica de Descasque de Arroz. 3 - António Marques Rodrigues in O Concelho de Estarreja. 16 abril de 1910. Pág. 1. 4 - Idem. 5 - Ibidem. 6 - Ibidem.
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Carlos Marques Rodrigues terá, desta forma, iniciado a sua vida profissional nos negócios de seu pai, na casa comercial e no comércio de farinhas de trigo. Anos mais tarde, fundaria aquela que viria a ser o seu local de trabalho até ao fim da vida: a “Hidro-Eléctrica” de Estarreja - Fábrica de Descasque de Arroz. A história de vida de Carlos Marques Rodrigues funde-se com a história do concelho de Estarreja. Fundador da Fábrica de Descasque de Arroz, a “Hidro-Eléctrica” de Estarreja e impulsionador da construção da turbina, central de energia elétrica situada no lugar da Quinta da Costa7, este homem avançado no tempo assinalou a história e marcou o início do desenvolvimento e progresso industrial em Estarreja, levando a fama da sua atividade aos centros de maior expansão, devido ao seu arrogo e engenho. Homem ativo na sociedade, benemérito, benfeitor, empreendedor, inovador e perseverante, tinha prestígio de ser “inteligente e simpático cavalheiro, digno da maior estima e consideração”.8
1 – Caderno de notas de António Marques Rodrigues – apontamento do nascimento de Carlos Marques Rodrigues. 9 2- Notícia do jornal “O Concelho de Estarreja”, 1910. 10
7 - Quinta que pertence à família Marques Rodrigues. Para além do palacete, construído em 1940, é nos terrenos da quinta, que se desenvolvem confinando com o Rio Antuã, que foi construída a turbina – central de energia elétrica. 8 - António Marques Rodrigues in O Concelho de Estarreja. 16 abril de 1910. Pág. 1. 9 - Arquivo pessoal de família. Documento gentilmente cedido pela prof. Anabela Amorim. 10 - António Marques Rodrigues in O Concelho de Estarreja. 16 abril de 1910. Pág. 1.
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JULIANA CUNHA
No ano de 1907, Carlos Marques Rodrigues contraiu matrimónio com Isabel Maria Teixeira da Costa Marques e desta união nasceram três filhos: Eurico Carlos Teixeira da Costa Marques, Eugénio Teixeira da Costa Marques11 e Mário Marcelo Teixeira da Costa Marques.
3- Isabel Maria Teixeira da Costa Marques e Carlos Marques Rodrigues, ano de 1908. 12
4 – Eurico Carlos Teixeira da Costa Marques (10 anos) e Mário Marcelo Teixeira da Costa Marques (18 meses), 1918. 13 11 - Eugénio Teixeira da Costa Marques, segundo filho do casal, faleceu ainda criança. 12 - Arquivo pessoal de família. Fotografia gentilmente cedida pela prof. Anabela Amorim. 13 - Idem.
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Em 1922, época áurea de cultivo de arroz no Baixo Vouga Lagunar, nasce a “Hidro-Eléctrica” de Estarreja – a Fábrica de Descasque de Arroz. Instalada no lugar do “outeiro da marinha e rua José Falcão, da mesma vila”14, junto à estação de caminho-de-ferro, particularidade crucial para o seu desenvolvimento e progresso. No mesmo ano, Carlos Marques Rodrigues solicita à Câmara Municipal “que se lhe ateste qual a data em que foi iniciada a construção do edifício onde se acha instalada a fábrica”15. A Câmara Municipal responde que “em virtude do condutor competente de obras municipais, este corpo administrativo deliberou atestar, e de facto, neste acto atestou que a construção daquele edifício foi iniciada entre os anos mil novecentos e dezoito e mil e novecentos e dezanove”16. Com processos mecânicos e modernizados para a época, a Fábrica de Descasque de Arroz era alimentada pela central hidráulica, localmente apelidada de “turbina”, através de energia elétrica gerada pelas águas do rio Antuã. Ambas projetadas por Carlos Marques Rodrigues, a central hidráulica fornecia à fábrica um recurso essencial para o seu crescimento e evolução.
5, 6 - A “Hidro-Eléctrica” de Estarreja – Fábrica de Descasque de Arroz. 17
14 - Ata da sessão ordinária da comissão executiva da Câmara Municipal de Estarreja, de 17 de maio de 1922. 15 - Idem. 16 - Ibidem. 17 - Arquivo Municipal de Estarreja. Fundo Fábrica de Descasque de Arroz.
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7, 8 e 9 – Maquinaria Fábrica de Descasque de Arroz, 1949. 18
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Em 1939, a Fábrica de Descasque de Arroz sofre aquele que terá sido o mais duro golpe da sua história. Em plena 2ª Guerra Mundial, é encerrada pelo governo de Salazar. Os condicionalismos industriais, a escassa matéria-prima para toda a indústria e o regime político da época foram alguns dos pretextos para o fecho. A fábrica cessa de laborar, mas a perseverança de Carlos Marques Rodrigues não é abalada pela contrariedade. As máquinas param de descascar o arroz, os armazéns ficam vazios de matéria-prima e os funcionários passam a prestar serviço na Quinta da Costa, também propriedade de Carlos Marques Rodrigues. Em maio de 1949, dez anos após o encerramento da fábrica, Carlos Marques Rodrigues apresenta uma exposição ao então ministro da economia19. Apesar de ter passado uma década após o encerramento, o fundador da “Hidro-Eléctrica” de Estarreja não desiste de cessar a suspensão da laboração da fábrica e requer que lhe seja feita justiça.
10 – Cópia da exposição que Carlos Marques Rodrigues apresentou ao ministro da economia, 1949. 20 18 - Arquivo pessoal de família. Fotografias gentilmente cedidas pelo senhor José Carlos Antão da Costa Marques. 19 - António Júlio de Castro Fernandes (1903-1975) foi ministro da economia entre 1948-1950. 20 - Arquivo pessoal de família. Documento gentilmente cedido pelo senhor José Carlos Antão da Costa Marques.
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No referido ofício21 dirigido ao excelentíssimo ministro da economia, o requerente expõe o seguinte: Carlos Marques Rodrigues, casado, industrial, da vila e concelho de Estarreja, proprietário da fábrica de descasque de arroz “A Hidro-Eléctrica”, situada na mesma vila, vem pedir aVossa Excelência que seja revista a situação que à sua fábrica foi creada com base no disposto no decreto n.º 32.316, visto já terem cessado os motivos invocados pelo dito decreto como razão das suas disposições. Com efeito este decreto foi publicado como medida declaradamente excepcional e para vigorar enquanto durassem as circunstâncias derivadas do estado de guerra, com o objectivo de obviar à carência de transportes, diminuindo a sua utilização, e à carência de combustíveis, diminuindo o seu consumo. E assim foi ordenada a paralisação da fábrica, parece que para evitar a) Que utilizassem transportes e consumisse combustíveis necessários a outras indústrias, e b) Que se ressentisse da falta de transportes e combustíveis, passando a um funcionamento irregular e intermitente, com que se não podia contar nos graves momentos então vividos. O requerente vem expor a Vossa Excelência que estes inconvenientes de ordem geral já em grande parte desapareceram, e com relação à sua fábrica, nunca se verificaram. A Hidro-Eléctrica está situada no centro da região produtora de arroz formada pelos concelhos de Albergaria-a-Velha, Aveiro, Estarreja e Ovar. Foi construída junto da estação de caminho de ferro de Estarreja, quasi nas margens dum dos canais mais navegáveis da Ria de Aveiro, a pequena distância do rio Antuã. Toda a mencionada productora é marginal, e tem uma área de cerca de oito mil hectáres, com a produção média de 3.500 kg por hectare. Além da comunicação fácil pela Ria, dá-se a circunstância de estar toda ela a pequena distância e com boa ligação por estradas. Tem, assim, a fábrica asseguradas, em boas condições, comunicações por: a) estrada b) caminho de ferro, e c) via fluvial. Pode portanto utilisar a) a camionagem b) os carros de tracção animal c) os comboios, e d) os barcos Podendo utilizar, como toda e qualquer indústria, e em esplêndidas condições, o caminho de ferro e a camionagem, pode também no caso de necessidade, com a mesma facilidade e sem a mínima quebra do seu regular funcionamento, prescindir destes dois meios e utilisar apenas os carros de tracção animal, e os barcos.
21 - Arquivo pessoal de família. Documento gentilmente cedido pelo senhor José Carlos Antão da Costa Marques, 1948. (Documento transcrito conforme o original).
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Dá-se, até, muitas veses, devido ao particular condicionamento da região, a amarga ironia de o arroz ser transportado em carros de bois e em barcos para a estação de Estarreja, e aí, junto das paredes da fábrica, e – PARA POUPAR TRANSPORTES E COMBUSTÍVEIS – ser carregado em vagons e expedido, para descasque, a dezenas de quilómetros noutras fábricas do país. Fica, assim, demostrado à sociedade, que, quanto a transportes a fábrica do requerente a) não depende das disponibilidades de transportes das demais indústrias, e b) não faz, necessariamente, concorrência prejudicial a nenhuma delas. COMBUSTÍVEIS: O problema dos combustíveis pode situar-se em dois momentos: 1.º - no consumo originado pelos transportes para a fábrica; 2.º - no consumo com o funcionamento das suas máquinas. O primeiro caso confunde-se com o dos transportes: o requerente pode prescindir do combustível na mesma média em que já demonstrou poder prescindir dos próprios transportes que o utilizam, comboios e camionagem. Quanto ao funcionamento das máquinas: São estas acionadas por energia eléctrica produzida em turbina hidráulica pertencente ao requerente, com a potência de 50 H.P., e motor diesel de 40 H.P., com capacidade de abastecimento para uma produção dupla que tem sido autorizada à fábrica, havendo possibilidades de instalar mais 4 turbinas com a potência total de 200 H.P. Para casos de emergência, e se tal fôr julgado conveniente, está ligada à rede de União Eléctrica Portuguesa. Demonstrado fica, também, que o seu funcionamento exclue o consumo de quaisquer combustíveis, já que, no plano nacional, não pode discutir-se, a sério, o meio litro de óleo necessário à lubrificação da turbina, em cada dez horas de trabalho. Mas pode-se acrescentar, Excelentíssimo Senhor Ministro, que a laboração da fábrica muito contribui para aliviar os transportes e poupar combustíveis. Situada a menos de 50 quilómetros da cidade do Porto, onde todo o norte do paiz se abastece de arroz, evita que o arroz em casca seja transportado da região de Aveiro para descasque nas fábricas do sul, e novamente transportado, depois de preparado, para a cidade do Porto. Duas vezes ocupa os vagons e consome combustível, e, para mais, inutilmente. Se os casos análogos são de invocar acrescenta-se ainda: A fábrica de descasque de arroz da companhia Arrozeira e mercantil, de Vila Nova de Gaia, foi já há anos autorizada a laborar, e informam-nos que com o fundamento de compensar a União Eléctrica Portuguesa dando-lhe para combustível a casca de arroz em troca da energia que consome. Não tem o requerente qualquer má vontade à União Eléctrica que o leve a desejar sujar-lhe as caldeiras com casca de arroz ou qualquer outras palhagens. Mas se a engenharia nacional pode assegurar eficiência calorífera da casca, fornece o requerente à União Eléctrica todo o referido sub-producto e cede-lhe a anergia que produzir com ele, em benefício de outras indústrias. [ 153 ]
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Excelentíssimo Senhor Ministro Tem o requerente sido duramente atingido no seu direito ao trabalho, quer no impedimento que lhe foi posto à laboração da fábrica, quer na compensação que recebe, que não está de harmonia com a capacidade de laboração que ela tem. Sobre este segundo assunto está pendente de resolução um pedido apresentado há tempo ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho de Ministros. Não vamos tomar o tempo de que Vossa Excelência pode dispor, a repisar o que naquela exposição dissemos. Convicto, porém, da razão que nos assiste, pedimos a Vossa Excelência que avoque a si o problema desta fábrica para ser resolvido de harmonia com as leis em vigor, e sem menoscabo dos legítimos interesses do requerente. Pelo exposto pede a Vossa Excelência que se digne autorizar o funcionamento da fábrica do requerente, fazendo cessar a suspensão da sua laboração, com o que lhe será feita JUSTIÇA. Junto com o ofício dirigido ao ministro da economia, consta também o parecer22 do presidente do Grémio da Lavoura de Estarreja, Dr. Jaime Ferreira da Silva23, solicitado a esta entidade por Carlos Marques Rodrigues. Convicto da importância que a fábrica tinha para o concelho de Estarreja, e discordando dos argumentos usados para o encerramento da mesma, o Dr. Jaime Ferreira da Silva, na qualidade de presidente do Grémio da Lavoura de Estarreja, expôs o seguinte: Embora a economia agrícola do concelho assente basilarmente na cultura do milho, não é menos verdadeiro que a produção de arroz, em certas manchas desde há muito bem definidas, tem sobre ela marcada influência e até imprime aos sectores da lavoura que a praticam um acréscimo de potencial financeiro, denunciado atravez um maior poder de compra. No que à expansão da orizicultura diz respeito e ao número de lavradores envolvidos é apresentado que: deve computar-se por cerca de 700 a 800 hectares, e ainda com possibilidades de mais larga expansão, a área de terrenos investidos na orizicultura, a que corresponde uma produção global da ordem dos 2.500.000 a 3.000.000 de quilogramas. Por seu turno, a Comissão reguladora do Comércio de Arroz mantem uma Delegação neste Organismo -facto que só por si confere valor à zona productora – atravez da qual se teem recolhido os manifestos de 600 a 700 lavradores. Quanto à Fábrica de Descasque de Arroz, o presidente do Grémio da Lavoura de Estarreja expõe a sua apreciação. É evidente que a unidade industrial em causa, situada mesmo à ilharga da principal mancha orizícola do concelho, pelo que oferece de facilidades ao productor, representa, laborando, um excelente elemento de colaboração e de estímulo. O sistema, até hoje adoptado, de transferir a produção local para as entidades industriais distantes, com quem nunca os
22 - Arquivo pessoal de família. Documento gentilmente cedido pelo senhor José Carlos Antão da Costa Marques, 1948. (Documento citado conforme o original). 23 - Jaime Ferreira da Silva (1916-1962), foi também presidente da Câmara Municipal de Estarreja entre 1946-1958, assim como Governador Civil de Aveiro e diretor do jornal “O Concelho de Estarreja”.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
nossos lavradores tiveram contacto, a longa demora na saída do produto, a necessidade de troca de correspondência para esclarecer quaisquer pequenos litígios inerentes às operações comerciais – tudo são motivos de incómodos e aborrecimentos para a lavoura. E talvez mais grave do que isto é o caminho que estas circunstâncias induzem o productor, em prejuízo de outros aspectos e interesses legais: fuga ao manifesto e desvio do produto para as múltiplas azenhas de descasque clandestino que pululam na região. O funcionamento da “Hidro-Eléctrica” traria, pelo fácil acesso do produto e do seu proprietário desaparecimento de todos os aspectos negativos da venda e colocação à distância, exercendo, simultaneamente, uma acção de estímulo e de algum modo moralisadora sobre a lavoura. De seguida, o Dr. Jaime Ferreira da Silva enumera e enaltece as supremacias da “Hidro-Eléctrica” de Estarreja, que ao contrário de outras unidades industriais que pagam energia e que distam das zonas produtoras e das vias de comunicação, a Fábrica de Descasque de Arroz possui: energia praticamente gratuita, instalação precisamente junto do caminho de ferro e duma zona productora, que está a sofrer notável incremento a apreciada no plano distrital atinge considerável amplitude, dispondo ainda de uma capacidade de laboração de 2.500 Kgs – hora que a coloca no quarto lugar da escala das instalações industriais congéneres e existentes no país. Por fim, e em jeito de conclusão, é requerida igualmente justiça. Ignorantes das razões, sem dúvida ponderáveis, que levaram à concentração da nossa indústria arrozeira num período anómalo, não ousamos fazer-lhes crítica. Mas, certamente, não deve ser de interesse do país conservar por tempo indefinido soluções deste género que, pela simples circunstância de serem anómalas, já implicam instabilidade e deficiências, sendo dentre estas, e não a menos rara, certa intromissão abusiva do interesse de alguns em prejuízo do de muitos. Permite-se usar desta rudeza de linguagem quem tem uma fé perseverante no valor da Organização Corporativa e a serve com o melhor das suas possibilidades, e, por isso mesmo, não sabe calar a amargura que experimenta sempre que um ou outro episódio lha revelam deturpada na sua alta finalidade de equilíbrio e justiça. Este motivo que nos determinou a ultrapassar os limites da consulta solicitada pelo proprietário da “Hidro-Eléctrica”, vítima da dura imposição duma fórmula transitória e que caprichosamente pretende cristalizar como definitiva, manietando, num chocante vício de organização, interesses legítimos, úteis elementos de trabalho e estímulos favoráveis à orizicultura regional. O ofício enviado ao ministro da economia, o parecer do presidente do Grémio da Lavoura de Estarreja e a perseverança de Carlos Marques Rodrigues produziram efeitos. É feita justiça, e em 1950, a “Hidro-Eléctrica” de Estarreja reabre com todo o seu esplendor. Convencido da capacidade de laboração da fábrica, onze anos após o encerramento, Carlos Marques Rodrigues vê novamente a “Hidro-Eléctrica” a laborar em pleno. Com esta reabertura, a indústria local e a cultura do arroz ganham novo fôlego. A maquinaria moderniza-se, os processos atualizam-se e a matéria-prima da fábrica é novamente colocada no mercado.
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JULIANA CUNHA
11- Planta da Fábrica de Descasque de Arroz, alçado nascente, 1979. 24
12 - “Carlos Marques Rodrigues & Filhos” 25 24 - Arquivo Municipal de Estarreja. Fundo Fábrica de Descasque de Arroz – Documento gentilmente doado pela prof. Anabela Amorim. 25 -Arquivo Municipal de Estarreja. Fundo Fábrica de Descasque de Arroz.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Fundada e gerida por um homem com uma visão singular, a Fábrica de Descasque de Arroz tornou-se um marco significativo para a indústria e economia locais. A proximidade com o caminho-de-ferro, a matéria-prima de qualidade, vinda do concelho mas também de outros pontos do país, e a modernização da maquinaria, foram aspetos importantes para que a fábrica se mantivesse em laboração várias décadas. Ao longo do tempo, a Fábrica de Descasque de Arroz empregou dezenas de colaboradores, de ambos os géneros e em várias funções. Quanto à gerência da “Hidro-Eléctrica” de Estarreja, e ainda que Carlos Marques Rodrigues tenha participado ativamente nos assuntos da fábrica até ao fim da sua vida, a administração da mesma foi legada para as próximas gerações: os filhos Eurico Carlos da Costa Marques e Mário Marcelo Teixeira da Costa Marques, e posteriormente os netos José Carlos Antão da Costa Marques e Carlos Eurico Figueira Marques. Além de comerciante e industrial, Carlos Marques Rodrigues foi um homem interventivo na sociedade. No concelho onde nasceu e veio a falecer, participou ativamente nas questões relacionadas com a chegada da energia elétrica a Estarreja, assim como se envolveu sempre em causas sociais, ajudando os mais desfavorecidos economicamente. Benemérito da Santa Casa da Misericórdia de Estarreja, o seu nome está eternizado no bronze das placas do hospital Visconde de Salreu. A atribuição do nome Marques Rodrigues a uma rua na freguesia de Beduído, perpetua o reconhecimento e gratidão que o concelho deve ao homem e ao cidadão, Carlos Marques Rodrigues.
13 - Carlos Marques Rodrigues no escritório da Fábrica de Descasque de Arroz. 26
26 - Arquivo pessoal de família. Fotografia gentilmente cedida pela prof. Anabela Amorim.
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JULIANA CUNHA
14 - Notícia “O Jornal de Estarreja”, 1964. 27
15 – Ilustração da “Hidro-Eléctrica” de Estarreja – Fábrica de Descasque de Arroz. 28
16 – Embalagem de arroz de 1 Kg. 29 27 - Pela misericórdia: donativos in O Jornal de Estarreja. 10 março de 1964. Pág. 1. 28 - Arquivo Municipal de Estarreja. Fundo Fábrica de Descasque de Arroz. 29 - Idem.
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Após a reabertura em 1950, a Fábrica de Descasque de Arroz continuou a laborar mais de três décadas e meia. As gerações seguintes passaram a gerir os negócios da fábrica, mas Carlos Marques Rodrigues teve um papel ativo nos assuntos da mesma até ao fim da sua vida. Diariamante, apresentava-se na fábrica que fundou, e nas visitas que oferecia à mesma, saudava todos os funcionários. Em 2017, o Município de Estarreja inicia a recolha de testemunhos orais de familiares e ex-funcionários da Fábrica de Descasque de Arroz, que muito colaboraram na (re)descoberta da história da “Hidro-Eléctrica” de Estarreja. Nesta partilha de memórias, relembram o fundador da fábrica como sendo “bom patrão, amigo, e com bom coração”.30 Com uma vida ativa e de trabalho, Carlos Marques Rodrigues faleceu em Estarreja, aos 94 anos. Em 1987, onze anos após a sua morte, a “Hidro-Eléctrica” de Estarreja encerra definitivamente as portas. Trinta anos depois, além de se recuperar as memórias de todos os envolvidos na história da Fábrica de Descasque de Arroz, são recuperados alguns dos documentos que perpetuam a existência da “Hidro-Eléctrica” de Estarreja.
17 – A “Hidro-Eléctrica” de Estarreja – Fábrica de Descasque de Arroz, 1949. 31
Fontes de Informação ARQUIVO MUNICIPAL DE ESTARREJA Fundo documental Fábrica de Descasque de Arroz, Estarreja. ARQUIVO MUNICIPAL DE ESTARREJA Livro da Ata da Sessão Ordinária da Comissão Executiva (17/05/1922). ARQUIVO PESSOAL DE FAMÍLA Documentos e fotografias cedidos por José Carlos Antão da Costa Marques e Anabela Amorim. Nota: No decorrer da elaboração deste artigo, faleceu a 3 de Agosto de 2018 José Carlos Antão da Costa Marques (1954-2018), neto de Carlos Marques Rodrigues. 30 - Testemunhos orais de familiares e ex-funcionários da Fábrica de Descasque de Arroz. Estarreja, 2017. 31 - Arquivo pessoal de família. Fotografia gentilmente cedida pelo senhor José Carlos Antão da Costa Marques.
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LUÍS CARDOSO MENEZES
OS BISPOS PORTUGUESES ORIGINÁRIOS DO CONCELHO DE ESTARREJA, DISTRITO DE AVEIRO NO SÉCULO XX Luís Miguel Pulido Garcia Cardoso de Menezes * INTRODUÇÃO No topo da hierarquia da Igreja encontram-se os Bispos e Arcebispos, que para tal recebiam a última ordem, a do Episcopado.1 Nos anos 60 do século XX, encontramos cinco bispos originários do então concelho de Estarreja, distrito de Aveiro, visto que o concelho da Murtosa só veio a ser estabelecido em 1926. Este artigo debruça-se sobretudo nos três bispos que pertenceram ao episcopado português continental: D. Francisco Maria da Silva (1910-1977), Arcebispo de Braga (1963-1977), D. Frei Francisco Rendeiro (1915-1971), Bispo de Coimbra (1967-1971) e D. Júlio Tavares Rebimbas (1922-2010), Bispo do Porto (1982-1997). Partilham estes três prelados diversas afinidades: eram todos naturais do então concelho de Estarreja, distrito de Aveiro; pertenciam ao episcopado português no século XX; eram parentes próximos, através da família Ruela do padre Simão Fernandes Ruela, instituidor da capela de S. Simão do Bunheiro (em 1607); e participaram em diversos eventos religiosos juntos, nos quais se destaca em primeiro lugar, o Concilio do Vaticano II (1962-1965). No entanto, evidenciaram-se também, mais dois antístites aveirenses nas possessões ultramarinas portuguesas: D. Manuel Maria Ferreira da Silva (1888-1974), Bispo Auxiliar de Goa e Damão, Índia (1931 a 1939), Bispo de Gurza (1931-1949) e Arcebispo de Cizico (1949-1974), Superior Geral da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas em Cucujães (1940-1949) e Presidente Nacional das Obras Missionárias Pontifícias em Lisboa (1949-1973), natural de Pardilhó, Estarreja, Aveiro2, e D. Francisco Nunes Teixeira *Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (2005), Licenciatura em História pela Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões” (1990), Curso de Especialização em Ciências Documentais, na opção de Documentação e Biblioteca pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1998-2000), bibliotecário e documentalista do sector audiovisual. 1 - cf. Guilherme Maia de Loureiro - Estratificação e Mobilidade Social no Antigo Regime em Portugal (1640-1820), Lisboa: Guarda-mor - Edição de Publicações Multimédia, Lda, p. 160. 2 - cf. D. Manuel Maria Ferreira da Silva (1888-1974), Bispo Auxiliar de Goa e Damão, Índia (29-6-1931 a 1939), Bispo de Gurza (29-6-1931 a 1949) e Arcebispo de Cizico (a 28-5-1949 a 1974), Superior Geral da Sociedade Portuguesa das Missões Católicas Ultramarinas em Cucujães (1940-1949) e Presidente Nacional das Obras Missionárias Pontifícias em Lisboa (1949-1973); concluiu os estudos no Seminário em 1908; foi nomeado bispo auxiliar do Goa-Damão em 1931, onde exerceu a sua actividade com zelo e dedicação; contudo, a sua grande atividade como líder religioso, foi exercida na sua nomeação para Superior Geral da Sociedade Portuguesa das Missões Ultramarinas em 1940, que era uma organização de padres e irmãos leigos consagrados por toda a vida às missões mormente, às do espaço ultramarino português, que abandonou em 1949, por decisão pontifícia, * Pardilhó, Estarreja, Aveiro a 2-8-1888, † Pardilhó, Estarreja, Aveiro a 2211-1974, era filho de Manuel Joaquim Ferreira da Silva, ferreiro e de Maria Rosália Vigário, padeira, naturais de Pardilhó; neto paterno de António Joaquim da Silva e de Maria Albina Ferreira; neto materno de Manuel José Valente de Almeida e de Joana Maria da Silva Vigário, Baptismos, Pardilhó, 1888, assento n.º 67, fl. ?
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(1910-1999), Bispo de Quelimane, Moçambique (de 13-5-1955 a 23-12-1975), Bispo Emérito de Quelimane, natural da Póvoa de Beduído, Estarreja, Aveiro. 3 O presente trabalho procura traçar de forma sucinta o percurso biográfico dos três ilustres antístites portugueses continentais, terminando o mesmo: 1º com um quadro com o parentesco genealógico entre os três bispos; e em 2º com os costados dos mesmos até aos seus bisavós paternos e maternos.
D. Francisco Maria da Silva (1910-1977), Arcebispo de Braga (1963-1977), Bispo titular de Telmissus (1956-1963) Bispo Auxiliar de Braga (1956-1963)
Em primeiro lugar temos, D. FRANCISCO MARIA DA SILVA (* em S.to António do Monte, então Estarreja, Aveiro a 15-3-1910 - † em Braga a 14-4-1977), Arcebispo de Braga (1963-1977), filho de Joaquim José da Silva e de Maria José Violante. Realizou os estudos preparatórios no Seminário de Évora, findos os quais seguiu para Roma, onde frequentou a Universidade Gregoriana, doutorando-se em Teologia e bacharelando-se em Direito Canónico. Em 19-5-1932, foi ordenado sacerdote na basílica de S. João de Latrão.
3 - cf. D. Francisco Nunes Teixeira (1910-1999), Bispo de Quelimane, Moçambique (de 13-5-1955 a 23-12-1975), Bispo Emérito de Quelimane; presbítero a 15-8-1933, pastoreou as freguesias de Frossos, Fermelã e Albergaria-a-Velha; como grande missionário que era esteve também no Ultramar onde foi secretário do Bispo da Beira, D. Sebastião Soares de Resende, e dirigiu durante anos o “Diário de Moçambique”; serviu em África durante 20 anos; dele escreveu o Bispo do Algarve, D. Ernesto Gonçalves Costa: «A ação Episcopal de D. Francisco está bem expressa nas 14 missões que acrescentou as já existentes, na construção de 4 colégios e 2 escolas para formação de professores do posto escolar; no Seminário, em varias igrejas e capelas, em muitas escolas espalhadas por toda a Zambézia, no grande contingente de religiosos e religiosas que chamou a cooperar com ele na obra da evangelização; está, sobretudo na Igreja viva que procurou constituir em toda a diocese e que continua a dar testemunho da sua fé», * no lugar de Póvoa de Cima em Póvoa de Beduído, Estarreja, Aveiro a 26-1-1910, † em Póvoa de Beduído, Estarreja, Aveiro a 2-3-1999, filho de Francisco Nunes Teixeira e de Maria Marques Figueira, lavradores, naturais desta freguesia; neto paterno de Francisco Nunes e de [Berta?] Domingas Marques Teixeira; neto materno de António Marques Casalinho e de Rita Lopes Figueira, in Baptismos, Póvoa de Beduído 1910, assento n.º 21
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LUÍS CARDOSO MENEZES
Regressado a Portugal em 1932, exerceu em Évora, os cargos de professor de Filosofia e Teologia no seminário arquidiocesano, de Religião e Moral na Escola Comercial e Industrial Gabriel Pereira, pároco da Sé, etc. Nomeado capitular da Sé Eborense, organizou naquela cidade em 1940 e 1946, os congressos Eucarístico e Mariano (este último de carácter nacional). Em Fevereiro de 1951, por proposta do Episcopado Português, foi nomeado Assistente Nacional da Mocidade Portuguesa, com a categoria de Comissário Nacional Adjunto. Anos depois foi nomeado Vigário-Geral da Arquidiocese de Évora, função que exerceu até à morte de D. Manuel Mendes da Conceição Santos (1876-1955), Arcebispo de Évora (1920-1955). Em 1951, elaborou o projecto das Constituições Diocesanas da Arquidiocese eborense, a aprovar em Sínodo, que não chegou a efectuar-se. Em 1-4-1955, foi eleito pelo Cabido Vigário Capitular e em 24-4-, D. Manuel Trindade Salgueiro (18981965), Arcebispo de Évora (1955-1965), escolheu-o para governador do Arcebispado, nomeando-o posteriormente Vigário-Geral. Em 20-12-1956, foi nomeado pelo Papa Pio XII (1876-1958), Bispo titular de Telmissus (1956-1963) e Bispo Auxiliar de Braga (1956-1963). A 29-3-1957, prestou na capela do Paço, juramento de obediência e fidelidade à Sé Apostólica e a sagração teve lugar na catedral de S.ta Maria de Braga. Passa então a viver no seminário de Santiago e o prelado de então D. António Bento Martins Júnior por documento de 2-4-1957, associa-o ao governo da Arquidiocese, confiando-lhe os assuntos concernentes à disciplina eclesiástica e às obras de instrução, educação e apostolado do clero e fiéis. Em Junho de 1957, inicia as suas visitas pastorais, tendo ao cabo de 5 anos, percorrido as 833 paróquias distribuídas por 24 arciprestados.
D. Francisco Maria da Silva (1910-1977), Arcebispo de Braga (1963-1977)
Foi o grande entusiasta do Lausperense Diocesano que principiou a 28-9-1957, iniciativa do Congresso do Apostado da Oração, celebrado em Braga entre 15 a 19-5-1957. Dedicou especial cuidado à formação do clero, organizando duas Semanas Pastorais em Novembro de 1957 e em Dezembro de 1962. Organizou em 1960, a romagem da Senhora Peregrina a todos os concelhos e a visita à Arquidiocese, das relíquias do S.to Condestável; organizou uma missão em Paredes de Coura em 1962; renovou os quadros de dirigentes e assistentes da Acção Católica; instituiu na arquidiocese os cursos de Cristandade e levantou o Centro Apostólico do Sameiro. [ 162 ]
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Após a morte de D.António Bento Martins Júnior em 19-8-1963, foi nomeadoAdministrador Apostólico da Arquidiocese e em 14-12-1963, seu bispo residencial, passando então para o Paço de S.ta Margarida. Uma das suas primeiras preocupações, foi a criação da Fraternidade Sacerdotal em 2-2-1964; fundou para a ajuda dos sacerdotes de recente ordenação, o Pós-Seminário e levou a cabo importantes obras materiais no seminário de N. S.ra da Conceição. Promoveu e incentivou actividades como o Congresso Mariológico; o 2º Congresso Eucarístico Nacional; a Semana Internacional de Direito Canónico, a Semana de Estudos Comemorativos dos 25 anos de Acção Católica, a Semana de Estudos Rurais; um curso de assistentes de Acção católica Operária; a organização de Semanas de Pastoral (Operária, Ensino Religioso, Rural, Litúrgica, Música, Eclesiologia, Catequética, Emigração, etc.). Apoiou decisivamente os cursos de formação religiosa para adultos; a reinstalação e a abertura ao público da faculdade Pontifícia de Filosofia; promoveu encontros de Juventude; o Curso de conselheiros paroquiais em 1969-1970; reconstruiu a Casa de Acção Católica e o prédio onde se encontrava a vigaria episcopal do Apostolado dos Leigos; mandou erigir um edifício para o Diário do Minho; criou em Darque o Centro Apostólico Paulo VI e concluiu as obras do Centro Apostólico do Sameiro, onde promoveu a construção da cripta da Imaculada Conceição; criou o secretariado diocesano da Catequese; promoveu cursos de formação de catequistas; dinamizou o secretariado do Ensino Religioso Médio; tentou criar o secretariado para a Educação Cristã da Adolescência e Juventude; instituiu ministros extraordinários da Comunhão; criou a revista Doutrina e lançou e apoiou economicamente a revista Theologica; promoveu o movimento de filiação do curso Teológico do Seminário Conciliar na Universidade Católica Portuguesa, etc. Após o 25 de Abril, foi um dos maiores lutadores contra a tentativa de imposição de uma ditadura comunista no seu distrito, sendo célebres os seus discursos de 10-8-1975, a homilia do Sameiro de 31-5-1976 e a mensagem de Natal na Rádio Renascença em 19-121976. Morreu em Braga a 14-4-1977.4
Estátua de Francisco Maria da Silva (1910-1977), Arcebispo de Braga (1963-1977) (escultura de Rogério Azevedo) 4 - cf. Acção Católica: Boletim Arquidiocesano, Abril, n.º 4, 1977, pp. 180-183.
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LUÍS CARDOSO MENEZES
D. Frei Francisco Rendeiro (1915-1971), Bispo Coimbra (1967-1971)
Em segundo lugar temos, D. Frei FRANCISCO RENDEIRO (* em S.ta Maria da Murtosa, Aveiro a 15-12-1915, com o nome de Manuel José, † em Almedina, Coimbra a 18-5-1971), Bispo do Algarve (de 12-4-1953 a 11-8-1967), Bispo Coadjutor do Algarve e Bispo Titular de Messénia (a 22-12-1952), Bispo de Coimbra (de 12-8-1967 a 19-5-1971) e Bispo Coadjutor de Coimbra (de 15-7-1965 a 12-8-1967). Ingressou aos 14 anos no antigo Seminário Menor Dominicano do Luso, na diocese de Coimbra. Concluído o noviciado em Toulouse, tirou os cursos de Filosofia e de Teologia em Maximiano na França e na Universidade Dominicana no Angélico (Angelicum) de Roma. Em Julho de 1940, recebeu a ordenação de presbítero no Porto, e em seguida cantava missa na igreja da Murtosa. Em 1942, foi nomeado Reitor do Seminário Menor Dominicano da Aldeia Nova, Vila Nova de Ourém, onde se destacou: no trabalho das Missões; na direcção dos exercícios espirituais, especialmente para sacerdotes e membros da Acção Católica; na campanha do Rosário em família; na orientação da confraria do Santíssimo Rosário de que foi promotor nacional e na direcção da revista «O Rosário de Maria»; na direcção da Escola Apostólica na diocese de Leiria. Tomou parte em importantes congressos nacionais e internacionais e deu a sua notável colaboração à revista Lúmen e outras publicações. No Congresso Mariológico Luso-Espanhol, realizado em Fátima de 12 a 16-7-1944, fez parte da secção portuguesa e apresentou a tese «O coração imaculado de Maria e sua maternidade de graça» e em 1950, participou no Congresso Mariano Internacional de Roma. [ 164 ]
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D. Frei Francisco Rendeiro (1915-1971), Bispo Coimbra (1967-1971)
Em 22-12-1952, foi nomeado Bispo Coadjutor do Algarve, com futura sucessão de D. Marcelino António Maria Franco, Bispo do Algarve, como Bispo Titular de Messénia. A 124-1953, foi solenemente sagrado na basílica do Santuário de Fátima pelo Cardeal Patriarca de Lisboa, sendo consagrantes os arcebispos de Évora, D. Manuel Mendes da Conceição Santos e o Arcebispo-Bispo de Aveiro, D. João Evangelista de Lima Vidal. A 3-5-1953, fazia a sua entrada solene na diocese de Faro e a 3-12-1955, com a morte do bispo D. Marcelino António Maria Franco, fica à frente do governo da Diocese. Neste bispado, fundou a Casa de Retiros e colónia de férias em S. Lourenço do Palmeiral; a aquisição do Palácio do Alto em Faro, hoje Colégio de N. S.ra do Alto; a reintegração do antigo paço episcopal no património da diocese (9-2-1953); a visita da imagem de N. S.ra de Fátima a todas as freguesias; os congressos Diocesanos, Mariano e Eucarístico; as festas do centenário de S. Gonçalo de Lagos (em 1960); o impulso ao jornal Folha de Domingo - Tipografia União; o património artístico e religioso da diocese do Algarve, ficou profundamente enriquecido e valorizado; pastorais sobre a Catequese na Escola Primária (4-10-1956), a propósito do primeiro lustro de governo da diocese algarvia (3-5-1958), sobre o seminário diocesano (17-10-1960). Participou nas quatro sessões do IIº Concílio do Vaticano (1962-1965) e fez 10 intervenções nos trabalhos conciliares.
D. Frei Francisco Rendeiro (1915-1971), Bispo Coimbra (1967-1971) com o Papa Paulo VI (1897-1978)
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LUÍS CARDOSO MENEZES
A 15-7-1965, o Papa Paulo VI, nomeava D. Frei Francisco Rendeiro, Bispo Coadjutor de Coimbra, com futura sucessão de D. Ernesto Sena de Oliveira, assumindo desde logo as visitas às paróquias aos domingos, uma paróquia de manhã e outra à tarde. A 24-6-1967, o Arcebispo D. Ernesto Sena de Oliveira, solicitou a sua resignação, alegando motivos de saúde, sendo aceite a sua renúncia pelo Papa Paulo VI a 25-7-1967, passando de Bispo Coadjutor com direito a sucessão e entrou «ipso jure» no governo da diocese a 12-8-1967. Nesta diocese, iniciou a aplicação dos decretos e ensinamentos do Vaticano II; instituiu o Conselho Presbiteral (a 23-10-1967) e convoca os padres para por zonas, escolherem os membros representantes para o referido conselho por decreto de 23-10-1967, que teve a primeira reunião a 18-12-1968; visitou os diocesanos de Coimbra residentes em Lisboa; com a mesma finalidade esteve em Paris, onde contactou durante vários dias com os núcleos de emigrantes da Diocese de Coimbra; abre no jornal Correio de Coimbra, uma secção A palavra do Pastor; esteve presente no 2º Simpósio dos Bispos da Europa (de 1 a 11-7-1969), na reunião de delegados das conferências episcopais de toda a Igreja em Malta (24 a 28-5-1970), convidados para estudar o problema da distribuição do clero no Mundo; e criou o Conselho Diocesano Pastoral a 4-11-1970. Durante o seu percurso pastoral, este dominicano da Ordem dos Pregadores foi apelidado de «padre do sorriso» e, depois de ser nomeado bispo coadjutor do Algarve (2212-1952), ganhou o cognome de «bispo do sorriso»; no jornal «Novidades» de 22-5-1971, frei José Peirone que privou com ele descreve-o assim: «O trato característico de personalidade fenoménica do padre Rendeiro era um sorriso feito de bondade e cheia de caridade». Depois de ter sido sagrado Bispo do Algarve (a 12-4-1953), em Fátima, pelo cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), o prelado dominicano foi «um mestre clarividente, sempre atento aos problemas e às necessidades» do seu tempo.5
D. Júlio Tavares Rebimbas (1922-2010), Bispo do Algarve (1965-1972)
Em terceiro lugar e por último temos, D. JÚLIO TAVARES REBIMBAS (* em S. Mateus do Bunheiro, Murtosa, Aveiro a 21-1-1922 - † no Porto a 6-12-2010), Bispo do Algarve (1965-1972), Arcebispo de Mitilene (1972-1977), 1º Bispo de Viana do Castelo (1977-1982) e Bispo do Porto (1982-1997). 5 - cf. Folha do Domingo a 22-5-1971, Faro, Ano LVII, Número 2923, p. 1 e 8 e Correio de Coimbra de 20-5-1971, Coimbra, Ano L, n.º 2461, pp. 1-2.
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Era filho de Sebastião Tavares, pequeno agricultor e de Maria [Antónia] Tavares Rebimbas, costureira. Frequentou o Colégio de Ermesinde e o seminário de Vilar no Porto até 1939, passou pelo seminário dos Olivais em Lisboa e pelo de Santa Joana, em Aveiro, concluindo o Curso Teológico no Seminário dos Olivais em 1945. Foi ordenado presbítero pelo Arcebispo-Bispo de Aveiro, D. João Evangelista de LimaVidal, em Pardilhó a 29-6-1945, e celebrou Missa Nova na sua terra natal no Bunheiro em 8 de Julho desse mesmo ano, iniciando a actividade sacerdotal como coadjutor do pároco de S. Salvador de Ílhavo. Entre 1946 e 1949, foi pároco de Avelãs de Cima e Avelãs de Caminho em Anadia, transitando de seguida para Ílhavo em 21-10-1939, onde se manteve como pároco até 1962. Foi ainda Arcipreste de Ílhavo em 1952 e professor de Religião e Moral. À acção de Tavares Rebimbas, ficou a dever-se a criação de diversas instituições ilhavenses: a reconstrução da igreja matriz de S. Salvador de Ílhavo e da residência paroquial (desde 1951); o Centro de Formação e Assistência de Ílhavo; o Património dos Pobres de Ílhavo ou o Lar de S. José, destinado a pessoas idosas e 18 casas para famílias pobres; o boletim Família Paroquial (1954). Em 1958, foi nomeado Vigário Judicial da Diocese de Aveiro, em 1959, Vigário Geral da mesma Diocese e ainda nesse ano, nomeado Monsenhor (Capelão Doméstico de Sua Santidade), por S.S. o Papa João XXIII (18811963). Em 1961, foi nomeado Director do Colégio Liceal João de Barros, em Ílhavo. Em 21-1-1962, foi eleito Vigário Capitular da diocese de Aveiro, por falecimento de D. Domingos da Apresentação Fernandes e em 8 de Dezembro do mesmo ano assumiu o cargo de Governador do Bispado de Aveiro, na ausência de D. Manuel de Almeida Trindade. Em 1963, passou a Consultor Diocesano e de novo a Vigário Geral. Em 27-9-1965, foi nomeado Bispo do Algarve pelo Papa Paulo VI (1897-1978) e ordenado em 26 de Dezembro desse mesmo ano (dia de Santo Estêvão), no pavilhão ou estádio municipal de Ílhavo, das mãos de D. Manuel de Almeida Trindade, Bispo de Aveiro, sendo co-consagrantes, D. Francisco Maria da Silva, Arcebispo de Braga e D. Francisco Rendeiro, Bispo de Coimbra, tomando posse da diocese do Algarve nos finais de Janeiro de 1966, tendo sido eleito Delegado Nacional para a Pastoral do Turismo, no mesmo ano. Tomou parte na última sessão do Concilio Ecuménico do Vaticano II (1962-1965). Em 1-7-1972, foi nomeado Arcebispo de Mitilene e Auxiliar do Cardeal Patriarca de Lisboa, e eleito Presidente da Comissão Episcopal da Educação cristã, no mesmo ano.
D. Júlio Tavares Rebimbas (1922-2010), Bispo do Porto (1982-1997)
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LUÍS CARDOSO MENEZES
Em 3-11-1977, tornou-se o primeiro Bispo da diocese de Viana do Castelo, criada nessa data, e em Junho de 1981, eleito Presidente da Comissão Episcopal da Liturgia.
Ordenação de Bispo do Algarve no Estádio Municipal de Ílhavo a 26-12-1965
Em 12-2-1982, foi nomeado Bispo do Porto e Administrador Apostólico de Viana do Castelo. Tomou posse da diocese do Porto a 2-5-1982 e a 15-5-, recebeu o Papa João Paulo II (1920-2005) no Porto. No mesmo ano (1982), foi eleito para o Conselho Permanente do Episcopado Português e em 1-1986, passou a integrar a Congregação dos Bispos.
D. Júlio Tavares Rebimbas (1922-2010), Bispo do Porto (1982-1997) com o Papa João Paulo II (1920-2005) no Porto
Durante o período em que esteve à frente da Diocese do Porto, promoveu diversas obras de cariz religioso, tais como: a restauração da casa da rua da Boa Hora, das Palhacinhas, do Seminário da Sé, da Casa Episcopal, da Torre da Marca, da Cúria Diocesana e do Tribunal Eclesiástico; organizou o Congresso Diocesano dos Jovens em 1986; o Congresso Diocesano dos Leigos (em -12-1988) e o lançamento da construção do Centro Diocesano de Vilar (em -2-1988 a 1993); a reconstrução da Casa Diocesana de S. Paulo em Cortegaça (1990 a 1992) e a reconstrução de um pavilhão do Seminário Médio do Bom Pastor (em 1994); organizou o Congresso Diocesano da Família (em 1994) e a reconstrução da Cúria Diocesana e do Tribunal Eclesiástico (em 1995). [ 168 ]
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Em 31-5-1997, recebeu a Medalha de Honra da Câmara Municipal do Porto, tendo resignado como Bispo do Porto por ter atingido os 75 anos de idade a 30-6-1997, e com a nomeação de D. Armindo Lopes Coelho para Bispo do Porto, foi aceite a sua resignação. A 19-7-1997, a Diocese do Porto homenageou-o numa cerimónia solene na Casa Diocesana de Vilar. Veio a falecer no Porto, em 6-12-2010. 6
Da esquerda para a direita: D. Manuel de Almeida Trindade, Bispo de Aveiro, natural de Monsanto, Idanha-aNova; D. Frei Francisco Fernandes Rendeiro, O. P., Bispo Coadjutor de Coimbra (1965-1967), natural de S.ta Maria da Murtosa, Estarreja, Aveiro; D. Francisco Nunes Teixeira, Bispo de Quelimane (Moçambique), natural da Póvoa de Beduído, Estarreja, Aveiro; e D. Júlio Tavares Rebimbas, Bispo Eleito do Algarve (1965-1972), natural de S. Simão do Bunheiro, Estarreja, Aveiro; em baixo: D. Manuel Maria Ferreira da Silva, Arcebispo Titular de Cízico e Presidente das Obras Missionárias Pontifícias, natural de Pardilhó, Estarreja, Aveiro; D. Francisco Maria da Silva, Arcebispo Primaz de Braga (1963-1977), do lugar do Monte S.ta Maria da Murtosa, Estarreja, Aveiro; e D. Manuel dos Santos Rocha, Arcebispo-Bispo de Beja, o qual se considerava de Calvão, embora houvesse nascido no Brasil, fotografia do Concilio do Vaticano II (1962-1965) nos finais de 1965 (in Correia do Vouga de 17-12-1965, Ano XXXV, n.º 1778, p. 1)
6 - cf. Folha do Domingo de 17-12-2010, Ano XCVI, N.º 4779, p. 1.
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LUÍS CARDOSO MENEZES
BISPOS DO CONCELHO DE ESTARREJA
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BIBLIOGRAFIA
-LOUREIRO, Guilherme Maia de - Estratificação e Mobilidade Social no Antigo Regime em Portugal (1640-1820), Lisboa: Guarda-mor - Edição de Publicações Multimédia, Lda, p. 160. -ACÇÃO Católica: Boletim Arquidiocesano, Abril, n.º 4, 1977, pp. 180-183. -CORREIO DE COIMBRA de 20-5-1971, Coimbra, Ano L, n.º 2461, pp. 1-2. -FOLHA DO DOMINGO a 22-5-1971, Faro, Ano LVII, Número 2923, p. 1 e 8 e -FOLHA DO DOMINGO de 17-12-2010, Ano XCVI, N.º 4779, p. 1. [ 171 ]
LUÍS CARDOSO MENEZES
ÁRVORE DE COSTADOS N.O: 1 1. d. francisco maria da silva, Arcebispo de Braga (1963-1977), Bispo titular de Telmissus (1956-1963) Bispo Auxiliar de Braga (1956-1963) N. em S.ta Maria da Murtosa, Estarreja, Aveiro a 15-3-1910. F.
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ÁRVORE DE COSTADOS N.O: 2 1. d. francisco fernandes rendeiro, de nome de baptismo manuel josé, Bispo de Coimbra (de 12-8-1967 a 18-5-1977), Bispo Coadjutor de Coimbra (de 15-7-1965 a 12-8-1967), Bispo do Algarve (de 12-4-1953 a 11-8-1967), Bispo Coadjutor do Algarve e Bispo Titular de Messénia (22-12-1952) ta N. em S. Maria da Murtosa, Estarreja, Aveiro a 15-12-1915. F. em Almedina, Coimbra a 18-5-1971
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LUÍS CARDOSO MENEZES
ÁRVORE DE COSTADOS N.O: 3 1. d. júlio taveres rebimbas, Arcebispo-Bispo do Porto (1982-1997), Bispo do Algarve (1965-1972), Arcebispo de Mitilene (1972-1977), Bispo de Viana do Castelo (1977-1982) N. em S. Mateus do Bunheiro, Estarreja, Aveiro a 21-1-1922. F. Porto, Casa de Saúde da Boavista a 6-12-2010
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A PNEUMÓNICA, OU GRIPE ESPANHOLA, EM ESTARREJA (1918-1919) Marco Pereira * Do ponto de vista da saúde podem-se estudar diversos temas no âmbito da história local1. Entre eles contam-se as epidemias, epizootias, cemitérios (porque relacionados com a saúde pública), medicina popular, hospitais2, partidos médicos, centros de saúde, clínicas particulares, farmácias, médicos3, médicos dentistas, outros profissionais de saúde, Segurança Social, mutualismo dos pescadores da Torreira (séculos XVIII-XIX), Casas do Povo, higiene pública e privada, e outros temas mais. No que concretamente diz respeito às epidemias são muitas as de que temos notícia nos concelhos de Estarreja e Murtosa. Destacam-se a peste negra4, que em Portugal se manifestou em 1348 e é a mais conhecida da Idade Média. O paludismo ou sezonismo, nos séculos XIX e XX, particularmente ligado à cultura do arroz e à veneração do São Paio da Torreira. A cólera, muito activa no século XIX, assim como o tifo e a varíola já no século XX. Enfim a tuberculose, firmemente combatida por instituições de solidariedade social5. Cabe ainda referir a pneumónica, mais conhecida por gripe espanhola6, de 1918-1919. Do que vem sendo dito percebe-se que me ocupei de alguns temas da área da saúde, em diferentes momentos, mas nas mais das vezes superficialmente. Merece contudo a saúde um estudo mais profundo e agregador da aludida multiplicidade de temas, que talvez um dia se venha a fazer. *** A maior pandemia da história da humanidade (nem a peste negra vitimou tanta gente), a penumónica, mais conhecida por gripe espanhola, ocorreu há 100 anos, entre 1918 e 1919. Actualmente, as estimativas mais optimistas e pessimistas oscilam entre os 50 e os 100 milhões de pessoas mortas no mundo, sobretudo jovens. Os mortos, porém, terão sito apenas 2,5 % dos infectados, podendo a pandemia ter atingido metade da população mundial. * Advogado, com escritório em Estarreja. 1 - Pode ler-se uma pequena síntese, da história da saúde no concelho da Murtosa, no meu livro Breve História do Concelho da Murtosa. Câmara Municipal da Murtosa, 2016, pp. 66-67. 2 - Tratei do Hospital Visconde de Salreu nos livros Salreu – Património Construído. Junta de Freguesia de Salreu, 2009, pp. 31-35, e História da Santa Casa da Misericórdia de Estarreja. Santa Casa da Misericórdia de Estarreja, 2010, pp. 30-43. 3 - Referi-me sucintamente aos dados biográficos de alguns médicos no livro História da Santa Casa da Misericórdia de Estarreja. Santa Casa da Misericórdia de Estarreja, 2010, pp. 93-95. 4 - Leia-se a este respeito o meu livro A Terra Marinhoa na Idade Média. Junta de Freguesia de Veiros, 2010, pp. 21-22. 5 - Em Estarreja a Santa Casa da Misericórdia e a Casa dos Pobres, conforme expliquei no livro História da Santa Casa da Misericórdia de Estarreja. Santa Casa da Misericórdia de Estarreja, 2010, pp. 21-26. 6 - Do que escrevi recentemente um artigo, intitulado “A pneumónica, ou gripe espanhola, em Estarreja (1918-1919)”, O Jornal de Estarreja, n.º 4828, 6.4.2018, p. 2.
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MARCO PEREIRA
A origem da penumónica ainda hoje é controversa, contudo a sua primeira manifestação conhecida ocorreu nos Estados Unidos da América. Ficou injustamente conhecida por gripe espanhola devido à livre divulgação que dela fez a imprensa deste país, que não participou na 1.ª Grande Guerra. Pelo contrário Portugal e outros países silenciaram, ou censuraram, a mortandade causada pela penumónica. Chegou a Portugal em Maio de 1918, manifestando-se mais brandamente até Julho desse ano. Entre Agosto e Dezembro de 1918 decorreu uma vaga mais violenta no nosso país, causando neste período a grande maioria das mortes. Mais uma vez as estimativas oscilam, entre as 60 e as 120 mil mortes no país, principalmente pessoas jovens, entre os 20 e os 40 anos. Entre as vítimas mortais encontram-se nomes conhecidos, como os dois pastorinhos videntes de Fátima, Francisco e Jacinta Marto. Estava então a terminar a Grande Guerra, que não vitimou tanta gente, e nas vésperas de passar por Estarreja a Monarquia do Norte. Portugal viveu nessa época uma trilogia de fome, peste e guerra, com a escassez de bens alimentares no país, a pneumónica e a Grande Guerra. A maioria dos estarrejenses poderá ter familiares que foram vítimas mortais da gripe espanhola. Nos registos civis e paroquiais de óbito encontra-se a identificação de uma boa parte dessas vítimas, embora nem sempre os registos indiquem a causa da morte. Na verdade, consultados os livros dos óbitos na Conservatória do Registo Civil de Estarreja, nem todos os registos incluem a causa da morte. Além do que é necessário requerer ao Instituto dos Registos e Notariado autorização para a consulta dos livros, que é paga. É possível que os registos paroquiais de óbito ajudem a suprir as lacunas dos registos civis. Os jornais locais, designadamente O Jornal de Estarreja e O Concelho de Estarreja, publicaram várias notícias sobre o flagelo da doença. Transcrevem-se aqui duas notícias d’O Jornal de Estarreja, datadas de Dezembro de 1918, e reveladoras do que se passou em Estarreja. Diversas outras notícias se podem ler no jornal O Concelho de Estarreja, hoje de muito fácil consulta, pois encontra-se inclusivamente online. Aí se relatam as preocupações com a insuficiência do cemitério de Pardilhó para o número de mortos, no que deve ter sido um dos primeiros motivos para transferir aquele, do centro da freguesia para uma nova localização, que veio a ser a actual anos mais tarde. Em Pardilhó o impacto da pandemia na comunidade inclusive motivou que um estudante de Engenharia mudasse de curso para medicina, vindo a ser o médico Dr. Aleixo Patinha. Também a Junta de Freguesia de Canelas da época deixou testemunho do seu cemitério não ser suficiente para a quantidade de mortos, sendo as sepulturas reutilizadas antes do tempo. E o mesmo deve ter sucedido com as restantes freguesias.
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BIBLIOGRAFIA O Concelho de Estarreja (1918-1919) O Jornal de Estarreja (1918-1919) CARDOSO, Carlos Alfredo Resende dos Santos - Subsídios para uma monografia histórica e discritiva da freguesia de Avanca. 2,ª ed., 2000, pp. 81 e 136 MARTINS, Pe. A. Tavares – O avivar de uma memória – Pe. António Maria de Pinho. 1974, p. 93 ROCHA, Manuel Olívio – Santo António do Monte. 1982, p. 17 PEREIRA, Marco – “A pneumónica, ou gripe espanhola, em Estarreja (1918-1919)”, O Jornal de Estarreja, n.º 4828, 6.4.2018, p. 2 SÁ, António Domingues de – O nosso livro na vida dum povo – história da freguesia de Canelas de Estarreja – 1077-1983. (inédito)
DOCUMENTO 1 «A epidemia Algo tem decrescido na villa a epidemia da influenza pneumonica, continuando, porém, a grassar com alguma intensidade n’alguns logares do concelho. Em Santo Amaro ha um caso da morte d’uma famila inteira, a de «José Cego». No Bunheiro está agora a manifestar-se. É impossivel darmos os nomes de assignantes e amigos que teem sido atacados e felizmente teem escapado. Os que escapam ao terrivel mal teem muito que contar! Os estragos causados pela gravissima epidemia n’este concelho são verdadeiramente aterradores.» O Jornal de Estarreja, n.º 1626, 8.12.1918, p. 3
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MARCO PEREIRA
DOCUMENTO 2 «A epidemia no concelho Movimento demografico Não queremos, pelo que é de horroroso, nem podemos pela falta de espaço, dar a lista dos mortos que desde Outubro tem havido neste concelho. Apenas em resumo diremos que no mez de Outubro houve 294 obitos e no mez de de novembro 319 e que durante os nove mezes antecedentes de 1918 houve menos obitos do que n’estes dois ultimos mezes. Eis o movimento demographico do concelho dos referidos mezes: OUTUBRO Nascimentos 73 Casamentos 20 Obitos 294 NOVEMBRO Nascimentos 74 Casamentos 15 Obitos 310 Vê-se, pelo obituario da 1.ª quinzena do mez corrente, que a epidemia vae decrescendo sensivelmente em todo o concelho.» O Jornal de Estarreja, n.º 1627, 15.12.1918, p. 3
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DOCUMENTO 3 «Saúde Pública A epidemia que grassa em todo o paiz, e que já tem causado tantas victimas, começou há dias a atacar muitos dos habitantes desta freguezia, onde os casos fatais vão aumentando num crescendo que traz os seus habitantes apavorados. […] Infelizmente, porém, a nossa terra não foi poupada pelo devastador flagelo. Nos últimos dias da semana passada, deram-se os primeiros casos fataes produzidos pela bronco pneumonia e, desde então, os falecimentos sucederam-se numa media de 3 por dia. Entre as pessoas falecidas contam-se alguns dos operários que se encontravam fora daqui, e sobretudo na Figueira da Foz, a exercer a sua profissão os quais, ao sentir-se atacados pela doença, regressaram à sua terra para se tratarem e restabelecerem. Notou-se que, com a vinda desses patrícios nossos, maior incremento tomou a epidemia e mais numerosas tem sido as mortes. Consta que na Figueira onde trabalham algumas centenas de carpinteiros navais pardilhoenses, a epidemia se tem alastrado de um modo assustador. É por isso que o regresso desses operarios tem dado origem a um mais rápido alastramento da doença. Em face deste enorme perigo que ameaça os habitantes desta freguezia, é indispensável e urgentíssimo que sejam tomadas as possíveis medidas para evitar a propagação da epidemia. Essas medidas, no que diz respeito a higiene particular, consistem principalmente na desinfeção das habitações, queimando nelas folhas de eucalipto, enxofre, alcatrão e outras substâncias, que sempre foram empregadas com bom resultado em tempos de epidemia. Essas mesmas substâncias e ainda a rama de pinheiros têm sido queimados nas ruas e largos de muitas povoações com aplauso dos médicos que aconselharam esse meio de combate à epidemia. […] Em tempos normais, quando o estado sanitário da freguezia eram bom, já se fazia notar a exiguidade do cemitério para a inhumação dos cadáveres e não havia, entre as pessoas que nos visitavam, quem não estranhasse, que consentissemos no centro da freguezia um cemitério que, pelo seu mau estado de limpeza e higiene e pelas suas acanhadas dimensões, constituía um perigo para a salubridade desta terra, além de manifestar o nosso esquecimento por aqueles que a morte nos arrebatou. […] Reconhecendo a necessidade urgente da sua mudança, a junta de paróquia tem procurado obter os meios de o transferir para local mais conveniente e onde se possa dispor do terreno indispensável. […]» O Concelho de Estarreja, n.º 884, 26.10.1918, pp. 1-2
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MARIA CLARA VIDE | ANTÓNIO LEANDRO
PRISIONEIROS DO CONCELHO DE ESTARREJA DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL NA FRENTE OCIDENTAL 1917-1918 Maria Clara de PaivaVide Marques * António Cruz Leandro ** INTRODUÇÃO No presente ano comemora-se o centenário do Armistício que, em 11 de novembro de 1918, colocou fim à Primeira Guerra Mundial e na qual Portugal participou como país beligerante ao lado dos Aliados, combatendo em duas frentes: África e Europa. Por isso, entendemos oportuno na evocação do centenário do conflito lembrar os combatentes naturais do concelho de Estarreja que nele tomaram parte, combatendo nas trincheiras da Flandres, ou que participaram na batalha de La Lys e aí foram feitos prisioneiros dos alemães, atribuindo-lhe “a única justiça acessível: a memória”, como bem refere Maria José Oliveira1. E, também, deste modo prestar uma homenagem a todos os seus camaradas de armas do concelho que foram mobilizados e enviados para a Flandres, a frente mais difícil da Grande Guerra. Comparativamente ao número de soldados portugueses aprisionados em La Lys, estimado em 6585, e ao contingente de expedicionários do concelho de Estarreja enviados para a Frente Ocidental, o número de prisioneiros de guerra estarrejenses, 2 oficiais e 14 praças de pré, não é muito elevado, o que se explica, desde logo, porque a maioria dos militares pertenciam ao Batalhão de Infantaria 24, que em 9 de abril de 1918 estava acantonado em La Couture, uma vez que pertencia à 2.ª Brigada da 1.ª Divisão do CEP tendo sido rendido, no dia 5 de abril de 1918, pelo Batalhão de Infantaria 13. O batalhão estava portanto na reserva, não se encontrando na linha da frente quando se deu a ofensiva alemã. Sobre o drama e a dura experiência que viveram, há diversas fontes documentais que nós permitem conhecer essa realidade, desde as memórias e demais escritos que os prisioneiros nos legaram, quer redigidas no período da guerra ou quer após o seu desfecho, passando pelos testemunhos deixados nos relatórios executados por Pestana de Vasconcellos e Pereira de Castro e, ainda, pela documentação das comissões neutras de solidariedade social, que visitavam os campos de prisioneiros e recolhiam informações sobre o tratamento dado nos campos, bem como notícias surgidas na imprensa da época.
* Licenciada em Ciências Históricas e Pós-graduada em Museologia. ** Professor. Licenciado em História de Arte e Mestre em Património e Turismo. 1- OLIVEIRA, Maria José Oliveira – Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918. Porto Salvo: Edições Saída de Emergência; 2017, p. 16.
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Em Portugal a história dos prisioneiros da 1.ª Grande Guerra Mundial é, ainda, um domínio pouco estudado. Durante o Estado Novo e mesmo já depois do 25 de abril de 1974, a historiografia praticamente ignorou a experiência e o drama do cativeiro dos quase oito mil militares e civis capturados pela Alemanha, em África e na Europa, reduzindo-se a questão, nas obras gerais sobre a participação de Portugal no conflito, meramente a uma discussão sobre números, nem sempre coincidentes. Por exemplo segundo os números apresentados pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Egas Moniz, à Conferência de Paz Portugal teria sido um total de cerca de 6000 prisioneiros2, Luís Alves Fraga, autor de estudos sobre o tema, fornece um balanço das baixas portuguesas, indicando: 5.585 homens feitos prisioneiros (270 oficiais e 6.315 sargentos e praças). E Nuno Severiano Teixeira, igualmente estudioso do tema, aponta uma estimativa mais alta, um total de 7.740 prisioneiros. O próprio General Ferreira Martins, vice-chefe do Estado-Maior do Corpo Expedicionário Português (CEP) em França, em 1935 na sua obra Portugal na Grande Guerra, depois de escrever que “se fosse possível fazê-lo, o que esses infelizes camaradas narram do seu longo martírio físico e moral de prisioneiros daria um interessante e longo capítulo”, sugere que se corra “um véu bem espesso sobre esse cenário de horrores que foi a vida de fome, de miséria, de martírio, dos prisioneiros portugueses na Alemanha”.
Embarque das tropas portuguesas
Nuno Severiano Teixeira, no seu estudo “A Fome e a Saudade. Os Prisioneiros Portugueses na Grande Guerra” aponta duas grandes razões para este facto: uma respeitante à historiografia militar, tão habituada a produzir apenas a história da batalha, votando ao esquecimento os aspectos complementares que lhe são intrínsecos, e outra de ordem política, considerando 2 - cf. Nuno Severiano Teixeira, A Fome e a Saudade. Os Prisioneiros Portugueses na Grande Guerra, in Revista Penélope, Lisboa, Edições Cosmos, n.º 8, 1992, p. 91.A Fome e a Saudade, pp. 101-103. A primeira delegação à Conferência de Paz foi liderada por Egas Moniz, que, tendo sido ministro dos Estrangeiros no Governo de Sidónio Pais, foi por este indicado para presidir à comitiva estreante nas negociações. A delegação foi substituída em meados de março de 1919.
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que o prisioneiro é visto como aquele que fracassou em termos militares3. A imagem do combatente que se deixou capturar pelo inimigo, mesmo que tenha lutado até à última munição ou até quando as suas forças o permitiram”, não se adaptava à imagem do herói militar português que era necessário enaltecer. Mas, em paralelo, era também necessário colocar um véu sobre as críticas dos antigos prisioneiros e dos seus familiares aos vários governos da nação pelo esquecimento a que foram votados durante o cativeiro e após o seu regresso à Pátria. O desejo de Ferreira Martins cumpriu-se. A historiografia portuguesa deixou que esse “véu bem espesso” se mantivesse sobre a experiência vivida pelos prisioneiros durante a guerra de 1914-19184. Ainda hoje, passados cem anos, apesar da existência de alguns estudos relevantes sobre o assunto5, é uma temática ainda desconhecida para muitos. A GRANDE GUERRA No dealbar do séc. XX, Inglaterra, França e Alemanha continuavam a ser os países que exerciam uma incontestável hegemonia sobre o resto do mundo, apesar do despontar de novas potências exteriores à Europa, como os Estados Unidos da América. A “Velha Europa”, principalmente, a Europa Ocidental, continuava a exercer a maior influência no sistema internacional. Por conseguinte, o equilíbrio dos vários e diferentes conflitos, fruto de rivalidades e posições antagónicas, que opunham diversos países europeus entre si, constituía uma preocupação de todas as nações6. A Primeira Guerra Mundial resultou de uma conjuntura política que não foi totalmente inesperada, mas que era consequência de décadas de crise internacional, com várias ameaças de guerra, e de uma complexa teia de alianças bipartida, entre as várias nações europeias da Europa: a Tríplice Aliança que incluía a Alemanha, a Itália e a Áustria-Hungria e a Tríplice Entente, que envolvia a Inglaterra, a França e a Rússia7. No dia 28 de junho de 1914, em Seravejo, o assassinato de Frederico Fernando, herdeiro do trono austro-húngaro, e da sua esposa, por um estudante e nacionalista sérvio, Gravrilo Princip, foi a causa que deu origem deflagrar do conflito, dominado na realidade por considerações de segurança e equilíbrio de forças. Este acontecimento colocou em marcha o sistema de alianças, laboriosamente urdido nos anos que antecederam a guerra, precipitando as principais potências europeias para uma situação de beligerância. A 4 de agosto, cinco impérios encontravam-se em guerra: Áustria-Hungria contra a Sérvia e o império germânico contra a França; a Grã-Bretanha e o império russo contra a Alemanha e Áustria-Hungria e os impérios
3 - Nuno Severiano Teixeira, A Fome e a Saudade. Os Prisioneiros Portugueses na Grande Guerra, p. 91. 4 - Fátima Mariano, Prisioneiros: a Face Esquecida da Guerra, in Nação e Defesa, Lisboa, Instituto da Defesa Nacional, n.º 141, 2016, pp. 92-93. 5 - Parte destes estudos, por nós consultados, encontram-se referenciados na bibliografia deste pequeno trabalho. 6 - Fernando Rita, Na Sombra do Expedicionário: A vida em combate de soldados portugueses na Primeira Guerra Mundial, Porto, Fronteira do Caos Editores, 2013. 7 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, Dissertação de Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares, Área de Especialização em História Contemporânea, Lisboa, Universidade Aberta, 2012.
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francês e inglês contra a Alemanha. Os beligerantes estavam convencidos que a guerra seria de curta duração, o que não veio o acontecer. A beligerância prolongou-se por quatro anos, adquiriu uma dimensão mundial, surpreendeu pela extensão da brutalidade e pela escala de destruição e mortandade, e teve profundas consequências. A 11 de novembro de 1918 a assinatura do Armistício entre os representantes das forças Aliadas e os da Alemanha derrotada, colocou fim à Grande Guerra, um conflito que “determinou o percurso da história contemporânea europeia e mundial”, e que “foi, em tudo e para todos, uma ruptura em dimensões múltiplas e determinou uma viragem a partir da qual o mundo mudou, e Portugal também”8, O conflito teve na história contemporânea portuguesa um significado da maior importância (…) com reflexos que ultrapassam o campo militar e se inscrevem sobre a sociedade de uma forma global: da evolução económica aos movimentos sociais, da recuperação das ideologias ao próprio destino político do regime democrático9. ENTRADA DE PORTUGAL NA GUERRA
Tropas portuguesas a partirem para a guerra
Portugal entrou na Grande Guerra, a 9 de abril de 1916, ao lado doa Aliados. De acordo com Nuno Severiano Teixeira há três teses que explicam a participação portuguesa no conflito. Em primeiro lugar a tese colonial, segundo a qual a intervenção portuguesa se deveu à necessidade de defender a integridade do império colonial, contra a cobiça da Alemanha e da Inglaterra, atendendo ao modo como esses os territórios foram sendo encarados como moeda de troca ou mecanismos de compensação no quadro geoestratégico internacional, 8 - VVAA, Exposição Portugal e a Grande Guerra, Átrio Principal do Palácio de S. Bento, 2014, file:///C:/Users/User/Desktop/ANO%202018/I%20GRANDE%20GUERRA/TRABALHOS%20DIVERSOS/guerra_p.pdf 9 - Nuno Severiano Teixeira, Portugal na “Grande Guerra” 1914-1918: as razões da entrada e os problemas da conduta, in Nuno Severiano Teixeira (coord.), Portugal e a Guerra. História das intervenções militares portuguesas nos grandes conflitos mundiais (séculos XIX e XX), Lisboa, Edições Colibri/ Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1998, p. 55.
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já desde o século XIX. Todavia, a defesa das colónias africanas, que reunia o consenso político e geral do país, não implicava uma intervenção armada no teatro de guerra europeu. A segunda teoria assenta na tese europeia-peninsular, e apoia-se no argumento de que a República entrou na guerra para garantir a presença portuguesa no concerto das nações, a par da sua afirmação na cena internacional, afastando ao mesmo tempo o perigo de uma anexação à vizinha Espanha, de quem a Inglaterra se vinha a aproximar. Contudo, permanece por explicar a escolha da Frente Ocidental. Esta, apenas é justificada pela terceira tese, de natureza interna, que se prende com a da defesa, consolidação e legitimação do regime republicano. A terceira teoria revela a instabilidade política existente em Portugal, provocada pelo insucesso na integração de todos os portugueses no regime recentemente instituído e deve ser interpretada como parte integrante do plano do líder do Partido Democrático, Afonso Costa, para quem a intervenção portuguesa no teatro de guerra europeu serviria para consolidar a República internamente, mas também para reforçar o peso dos democratas no país. Com a entrada na guerra pretendia-se uma intervenção de larga escala que permitisse uma unificação em torno de um esforço colossal, esperando-se que as clivagens políticas fossem ultrapassadas e as facções políticas se unissem em torno de um objectivo comum face a uma ameaça externa10. Em síntese, Portugal cooperou, discreta e oficiosamente, com a Inglaterra e interviu militarmente no teatro de guerra africano para assegurar a integridade das colónias. Cooperou, aberta e oficialmente, com a Inglaterra e os Aliados e assumiu a beligerância para assegurar a soberania nacional e um lugar no concerto das nações. Assumiu, finalmente, a beligerância activa e interviu militarmente no teatro de guerra europeu para assegurar tudo isso, mas mais do que isso: a consolidação e a legitimidade da República e o reforço do partido cuja estratégia levou Portugal à grande guerra11. A INTERVENÇÃO DE PORTUGAL NA GUERRA A evolução da participação portuguesa relativamente ao conflito deve ser vista tendo por base dois momentos: um primeiro momento, de julho de 1914 a março de 1916, caracterizado pela discussão interna em torno da necessidade do governo definir uma posição – neutralidade ou beligerância; e um segundo momento, de março de 1916 a novembro de 1918, assinalado pela intervenção ao lado dos Aliados, que ficou marcado pela preparação, organização e envio de um Corpo Expedicionário Português para a Flandres. 10 - Nuno Severiano Teixeira, Portugal e a Grande Guerra, in Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira (dir.) – Nova História Militar de Portugal. Rio de Mouro. Círculo de Leitores e Autores, vol. 4, 2004, pp. 17-22; Nuno Severiano Teixeira, Portugal na “Grande Guerra” 1914-1918: as razões da entrada e os problemas da conduta, in TEIXEIRA, Nuno Severiano (coord.), Portugal e a Guerra. História das intervenções militares portuguesas nos grandes conflitos mundiais (séculos XIX e XX), Lisboa, Edições Colibri/ Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1998, pp. 56-62; João Nuno Saraiva Mota de Albuquerque, Prisioneiros de Guerra Portugueses no Quadro da Grande Guerra. O Papel das Instituições Cívicas de Apoio, in MARTINS, Leonel José Mendes Martins e Fernando César de Oliveira Ribeiro (coord.), I Guerra Mundial: Das Trincheiras ao Regresso, Lisboa, Instituto Universitário Militar, Centro de Investigação e Desenvolvimento (CIDIUM), 2017, p. 72. 11 - Nuno Severiano Teixeira, Portugal na “Grande Guerra” 1914-1918: as razões da entrada e os problemas da conduta, p. 62.
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Do ponto de vista militar, Portugal combateu em três frentes de batalha e em dois teatros de guerra. Inicialmente, ainda enquanto país neutral, entre 1914 e 1916, no teatro de guerra africano, em duas frentes: Angola e Moçambique. Depois, com a entrada em guerra, entre 1917 e 1918, no teatro de guerra europeu, na frente ocidental da Flandres. Com efeito, sem declarações de guerra e sem assumir o estatuto de Estado beligerante, Portugal combateu os alemães no Sul de Angola e no Norte de Moçambique, logo em finais de 1914. O teatro de guerra africano reuniu o consenso político e social do país, mas a convergência nacional desapareceu menos de dois anos depois face à possibilidade de entrada no teatro de guerra europeu, após a declaração de guerra da Alemanha. Estas clivagens, que se fizeram sentir na sociedade civil, mas também no meio castrense, onde uma importante facção do Exército não escondia o seu desacordo com a estratégia intervencionista12, reflectir-se-ão na intervenção do CEP no conflito. Sem que o estivesse, de jure, Portugal estava, de facto, em guerra desde meados de 1914. Porém, era um teatro de guerra secundário e periférico que não obrigava a uma declaração de guerra ou à beligerância. O essencial da guerra jogava-se na Europa. E por isso mesmo, a grande questão para Portugal, a mais controversa, mas também a mais importante, foi a da intervenção na guerra europeia 13. MOBILIZAÇÃO E PARTIDA PARA FRANÇA Desde a vitória das forças intervencionistas em maio de 1915, que se começou a desenvolver uma política de defesa tendente a pôr em marcha a chamada Divisão Auxiliar, imaginada desde o início da guerra para intervir no teatro europeu. A essa divisão deu-se o nome de Divisão de Instrução e começou a desenvolver-se o plano e o campo de instrução militar, que viria a instalar-se em Tancos. A ideia toma forma em fevereiro de 1916 e o processo concretiza-se, com a eminência da entrada do país em guerra, na sequência do pedido inglês de requisição dos navios alemães ancorados em portos portugueses, que haveria de dar lugar à declaração de guerra da Alemanha. Com grandes dificuldades, no que respeita à preparação das tropas, à disponibilidade de solípedes e à própria capacidade militar em armamento e munições, terminaram o período de instrução militar intensiva, em agosto de 1916, as primeiras tropas, prontas para a guerra europeia. Para uns, foi o “milagre de Tancos”, para outros, o início de uma desgraça. Entre agosto e dezembro de 1916, correram entre Portugal, a França e a Inglaterra negociações diplomático-militares sobre a fórmula técnica de harmonização e cooperação do corpo expedicionário português (CEP) no quadro do exército inglês, no que respeita às obrigações de cada uma das partes, à orgânica, à táctica e ao próprio armamento utilizado na guerra moderna. O resultado deste processo negocial salda-se, já em janeiro de 1917, pela assinatura de uma Convenção sobre o emprego das forças portuguesas na zona britânica de operações. A Convenção previa que 12 - Nuno Severiano Teixeira, Portugal e a Grande Guerra, pp. 40-44. 13 - Nuno Severiano Teixeira, Portugal na “Grande Guerra” 1914-1918: as razões da entrada e os problemas da conduta, pp. 62-63.
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a força expedicionária portuguesa fosse composta por uma Divisão reforçada: 35000 homens. Porém, em fevereiro de 1917, sob proposta do comandante do CEP, vivamente apoiado pelo pode político e previamente consultada a Inglaterra, a força expedicionária passaria a ser composta por duas Divisões: 55000 homens. Apesar do total de efectivos mobilizados, as baixas, as doenças, e a partir de finais de 1917, as dificuldades de rendição das tropas fizeram, no entanto, com que o total de efectivos nunca tivesse estado completamente operacional14.
Embarque dos militares portugueses
De acordo com a Convenção de 3 de janeiro, o transporte das tropas seria feito por via marítima e ficaria a cargo da Inglaterra, que inicialmente colocou à disposição de Portugal 7 navios, a que se juntaram mais 2 portugueses. Em finais de janeiro de 1917 seguiu o primeiro transporte do CEP para França em 7 navios ingleses e 2 portugueses. Este primeiro contingente desembarcou no início de fevereiro em Brest, escolhido como porto de chegada das tropas portuguesas a França e desde então foram realizadas diversas viagens até fevereiro de 1918. Eram viagens de três dias, e perigosas devido aos prováveis ataques alemães e realizadas em navios superlotados e sem condições para viagens longas. Foi num enquadramento semelhante que seguiram os nossos combatentes. Chegadas a Brest, as tropas portuguesas eram transportadas por via-férrea, numa viagem de cerca de três dias, para a zona de guerra, o Front. O sector que viria a estar ao cuidado do CEP, subordinado ao XI Exército inglês, localizava-se na zona da Flandres, no vale do rio Lys, entre Armentiére a La Bassée e Merville a Bethune. À medida que iam chegando as tropas recebiam instrução durante 8 dias, na zona de Thérouanne, marchando de seguida para diferentes escolas, em função da sua especialidade, para receber instrução específica e adaptada à situação que iriam encontrar na frente, a guerra de trincheiras, uma nova guerra de características estáticas. A ocupação da frente de combate deu-se a partir de 4 de abril de 1917, pela 1ª Divisão, mas só a partir de julho é que todas as suas forças passaram a estar no “sector português”. A 2ª Divisão concluiu a sua preparação mais tarde, e apenas se juntou à 1ª Divisão a 26 de novembro, ficando assim o CEP a guarnecer o sector atribuído até abril de 1918. As unidades dos flancos foram a 55ª Divisão inglesa, a norte, e a 40ª Divisão inglesa, a sul. 14 - Nuno Severiano Teixeira, Portugal na “Grande Guerra” 1914-1918: as razões da entrada e os problemas da conduta, pp. 62-64.
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A partir de dezembro de 1917 a manutenção de duas Divisões na frente de combate tornouse insustentável, levando a que, no dia 21 do mês seguinte, Portugal e Inglaterra assinassem a “Convenção de janeiro”, que determinava o fim do emprego do CEP como Corpo de Exército, mas mantinha as suas duas Divisões no terreno: a 2ª Divisão guarneceria a frente e a 1ª ficaria em repouso à retaguarda. No início de abril de 1918, o comando inglês considerou necessário que a 2ª Divisão fosse prontamente rendida, face à fadiga física e moral das suas tropas e à falta de pessoal e material necessários para a defesa adequada do seu sector. Assim, em 6 de abril de 1918, foi decidido que as tropas britânicas deveriam render, a partir do dia 9 desse mês, a 2ª Divisão portuguesa, com excepção das unidades de artilharia e de morteiros, uma rendição que nunca chegou a concretizar-se, pois nesse mesmo dia as forças inimigas lançaram a operação Georgette. O CEP NA LINHA DA FRENTE IN FLANDERS FIELDS Remembrance Day Poems by John McCrae In Flanders fields the poppies blow Between the crosses, row on row, That mark our place: and in the sky The larks, still bravely singing, fly Scarce heard amid the guns below. We are the Dead. Short days ago We lived, felt dawn, saw sunset glow, Loved, and were loved, and now we lie In Flanders fields. Take up our quarrel with the foe: To you from failing hands we throw The torch; be yours to hold it high. If ye break faith with us who die WE SHALL NOT SLEEP, THOUGH POPPIES GROW IN FLANDERS FIELDS. [ 187 ]
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O designado sector português da Flandres estava inserido numa zona de defesa britânica que ia de Dixmude a Oise com uma extensão de cerca de 230 km. Essa frente estava guarnecida com 80 Divisões, agrupadas em cinco Exércitos, sob o Comando superior do Marechal Sir Douglas Haig. O sector atribuído às forças portuguesas, que ficou sob o comando táctico do I Exército, localizava-se no vale do rio Lys, desde Armentières a La Bassée, de Merville a Béthune, estendendo-se por uma frente que variou de dimensão conforme o evoluir da campanha15. Compreendendo inicialmente uma frente de catorze quilómetros e, posteriormente, de dez quilómetros e 600 metros, abrangendo três subsectores: a norte Fauquissart; ao centro Neuve Chapelle e a sul Ferme du Bois. O sistema geral defensivo, já delimitado anteriormente pelos aliados, era constituído por três grandes zonas de defesa, com várias linhas defensivas, escalonadas em profundidade e agrupadas, situadas atrás da chamada Terra de Ninguém, uma faixa de terreno que separava as trincheiras dum e de outro lado do conflito. A primeira zona de defesa era constituída por três linhas: a linha avançada ou linha A, a linha de apoio ou linha B e a linha C. A linha A, que confinava com a Terra de Ninguém, era constituída por uma trincheira de combate contínua, protegida na frente por um sistema de arame farpado com três metros de altura, e com vários postos intercalados de guarnição mista, com metralhadoras ligeiras e granadeiros. Paralelamente à linha A ficava a linha B, também protegida por arame farpado e estava flanqueada por metralhadoras pesadas, posicionadas em abrigos preparados e devidamente camuflados. Era a linha de resistência dos postos avançados para onde as forças da primeira linha retiravam caso as suas posições se tornassem insustentáveis e nela encontravamse os postos de comando das companhias da frente. A linha C era definida por uma linha de trincheiras descontínuas, com vários redutos defensivos. Era nesta linha que se encontravam os depósitos de munições, de víveres e água, onde se reuniam as forças de apoio imediato das linhas da frente e onde se encontravam, normalmente, os postos de Comando dos batalhões em primeira linha. As comunicações entre as três linhas eram estabelecidas por trincheiras de ligação construídas em ziguezague ou descontínuas. A segunda zona de defesa era constituída por duas linhas: a linha das Aldeias ou linha intermédia e a linha do Corpo. A linha das Aldeias era formada por algumas ruínas de aldeias ou de quintas, preparadas defensivamente com fortificações para morteiros e metralhadoras, e era nela que se encontrava a reserva das Brigadas em primeira linha. A linha do Corpo, sob a responsabilidade do Corpo de Exército, dispunha de grandes obras de fortificação de campanha organizadas em grupos e ligadas por redes de arame que cobriam as principais vias de comunicação com ligação à retaguarda. Era nesta linha que se encontrava a reserva geral do Corpo. Entre estas duas linhas, por vezes, existiam ainda algumas linhas de alternativa, constituídas por pequenos entrincheiramentos e postos isolados que serviam de ponto de apoio das defesas ou locais de reunião da reserva. A terceira zona de defesa era constituída pela linha do Canal, e possuía várias fortificações e postos de defesa avançados que defendiam as estradas e nós principais de comunicação16.
15 - Nuno Severiano Teixeira, Portugal na “Grande Guerra” 1914-1918: as razões da entrada e os problemas da conduta, p. 65; Miguel Nunes Ramalho, La Lys 1917-1918. Capitães Bento Roma e David Magno – Mitos e Realidade. As Divisões na Instituição Militar Portuguesa. Porto: Fronteira do Caos Editores, 2017, p. 122. 16 - Miguel Nunes Ramalho, La Lys 1917-1918. Capitães Bento Roma e David Magno – Mitos e Realidade. As Divisões na Instituição Militar Portuguesa, pp. 125-132.
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A MALTA DAS TRINCHEIRAS As trincheiras constituíram um elemento paradigmático e marcante na história da I Guerra Mundial. Linha da frente, território conquistado, espaço a defender, zona de confronto e lugar de refúgio. Foram local de vivência comum, residência imposta, surpreendente e monótona, sempre longa…Foram reduto de convívio e partilha para milhares de soldados, dos dois lados de uma linha, às vezes difusa, separando um espaço disputado, impreciso, inseguro17.
Neste espaço lúgubre, contido e sufocante, coexistiam a morte, a doença e a sobrevivência. Organizavam-se postos de socorros, abrigos de artilharia, cozinhas de campanha, latrinas e locais de descanso. As condições de vida eram difíceis e penosas. Ao desconforto e à insalubridade destes labirintos juntava-se o degelo das neves de inverno e as chuvas de primavera, que em conjunto com os bombardeamentos que revolviam a terra transformavam as trincheiras do sector português num constante lençol de lama. Sobrepesava a 17 -VVAA, Exposição Portugal e a Grande Guerra, file:///C:/Users/User/Desktop/ANO%202018/I%20GRANDE%20 GUERRA/TRABALHOS%20DIVERSOS/guerra_p.pdf
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rotina das “trinchas”, só interrompida por disparos, bombardeamentos e raids nocturnos, que englobavam todas as operações militares executadas pela infantaria no Front, tanto em serviços de patrulha ofensiva como em acções de ataque directo às trincheiras inimigas. Os soldados limpavam, cavavam e cuidavam das comunicações. As sentinelas, ao parapeito, vigiam o inimigo. Os dias eram sempre iguais, cumprindo tarefas repetitivas e extenuantes. As noites eram longas, vividas em espera, vigilância e sobressalto. O tempo na linha da frente era um tempo diferente, com um ritmo alternante de “momento de espera/momentos de combate”, que sujeitava os combatentes a vivências de grande tensão18. Na estreita faixa de terra que compunha o fosso da trincheira vivia-se em promiscuidade com os mortos, mais do que isso, com as mutilações dos cadáveres. Existiam cadáveres espalhados por onde tinham caído: ... [as trincheiras] são uma grande cova, onde se aprende o ofício de morto. Sim, uma cova muito longa, tão longa que nem se mede com a fita. A unidade métrica nas trincheiras são os sete palmos de terra. A primeira linha, com muitos soldados, é uma espécie de vala comum19. A BATALHA DE LA LYS No início da Primavera de 1918, os alemães efectuaram uma grande ofensiva com o objectivo de ganhar a guerra, que teve início em 21 de março, sob o nome de código Operação Michael, e foi desencadeada na região do Somme. Todavia, apesar do esmagador ataque e do colapso da frente britânica, os alemães falharam o seu objectivo, pelo que tomaram a decisão em inícios de abril de atacar a frente guarnecida pelo sector português, dando início, a 9 de abril, à Operação Georgette. Na madrugada desse dia iniciam o ataque com uma avassaladora carga de artilharia, sobre as nossas posições de artilharia e postos de comando. Começou a batalha de La Lys, já apelidada de “Alcácer-Quibir do CEP”, pela pesada derrota sofrida pelas tropas portuguesas. A barragem de artilharia alemã prolongou-se por várias horas e destruiu quase por completo as linhas de comunicação, impedindo uma acção concertada de defesa, ao mesmo tempo que incluindo o uso do mortífero gás, dizimou uma boa parte dos homens que estavam na defesa da primeira linha. O caos e o pânico instalaram-se e no início da manhã a infantaria alemã saltou o parapeito das suas trincheiras e começou a avançar pela Terra de Ninguém em direção às trincheiras portuguesas, protegida por um nevoeiro denso nevoeiro. O rápido avanço das oito Divisões alemãs de infantaria varreu as linhas portuguesas, que após um longo e brutal bombardeamento 18 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, p. 41 e segs; Isabel Pestana Marques, Os Portugueses nas Trincheiras: vivências comportamentais, in Nuno Severiano Teixeira (coord.), Portugal e a Guerra. História das intervenções militares portuguesas nos grandes conflitos mundiais (séculos XIX e XX), Lisboa, Edições Colibri/ Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 1998, pp. 71-87; VVAA, Exposição Portugal e a Grande Guerra, file:///C:/Users/User/Desktop/ANO%202018/I%20GRANDE%20GUERRA/TRABALHOS%20DIVERSOS/guerra_p.pdf 19 - Jaime Cortesão, Memórias da Grande Guerra, (1916-1919), Porto, Edição da Renascença Portuguesa, 3ª ed., 1919, p.150, cf. Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, p. 44.
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preparatório, estavam física e moralmente incapazes de resistir. As consequências deste primeiro embate foram pesadas. À medida que o dia nascia e mostrava a real dimensão da tragédia, tornou-se claro que o CEP tinha sofrido uma pesada derrota desde o seu começo na guerra das trincheiras. Dispersos, aturdidos, extenuados, desmoralizados, incapazes de comunicarem com as unidades de retaguarda, esmagados por uma força avassaladoramente superior, nas horas iniciais do ataque milhares de portugueses foram feitos prisioneiros, feridos ou mortos. Ao longo da sua frente, o CEP havia perdido toda a linha avançada e grande parte da sua posição principal foi ultrapassado, excepto alguns locais, onde se mantinham pequenas bolsas de resistência, rodeados de inimigos e sem possibilidade de recuarem, que se mantiveram ainda durante horas, destacando-se pela tenacidade os postos de Les Lobes e Loisne, que lutaram até ao início da manhã de dia 11. A confusão gerada pelo ataque foi de tal monta que as tropas que conseguiram chegar às linhas de retaguarda o fizeram de forma dispersa, sem qualquer tipo de organização ou de estrutura de comando. A derrota era evidente e o resultado da batalha é conhecido: a destabilização da frente e o recuo das forças aliada. Em abono da verdade o avanço alemão não desbaratou apenas as nossas tropas, mas também as britânicas que foram forçadas a recuar. Não se podem nem se devem imputar qualquer tipo de responsabilidades aos portugueses, uma vez que a 2.ª Divisão suportou estoicamente, e no limite das suas possibilidades, o embate dum imponente ataque, bem planeado e melhor executado, cuja finalidade era, escolhendo o elo mais fraco, destruir toda a cadeia defensiva dos Aliados e não só o sector português20. A ofensiva alemã foi apenas parada, com a ajuda de tropas francesas, no início de maio21. Mas para Portugal foi a grande derrota e depois de La Lys tudo foi diferente, quer do ponto de vista militar, quer do ponto de vista político. No plano militar, com as forças que restavam do CEP destroçado, formaram-se, ainda, 3 batalhões de infantaria que integrados no exército inglês combateram nas linhas da frente até à assinatura do Armistício. No plano político, porém, as consequências foram pesadas. Na festa da Vitória, Portugal desfilou ao lado dos Aliados. Mas na Conferência de Paz, esteve longe de conquistar os seus objectivos de guerra22.
20 -Nuno Severiano Teixeira, Portugal e a Grande Guerra. In BARATA, Manuel Themudo e TEIXEIRA, Nuno Severiano (dir.) – Nova História Militar de Portugal. Rio de Mouro. Círculo de Leitores e Autores, vol. 4, 2004, pp. 54-55. 21 - Henrique Manuel Gomes da Cruz, Portugal na Grande Guerra: a construção do «mito» de La Lys na imprensa escrita entre 1918 e 1940, Trabalho de mestrado em História Contemporânea, Lisboa, Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2014, pp. 50-51; Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, pp. 87-89. 22 - Nuno Severiano Teixeira, Portugal na “Grande Guerra” 1914-1918: as razões da entrada e os problemas da conduta, p. 68.
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São vários os fatores que influenciaram a derrota portuguesa em La Lys. Desde logo, pelo facto das tropas não terem sido rendidas pelos ingleses e reforçadas por efectivos nacionais, esta última questão causa de parte dos problemas de desmoralização das tropas portuguesas, tendo ficado conhecida na historiografia nacional como a “questão do roulement”. As consequências da falta de rotação dos militares empenhados na Flandres foram devastadoras para o CEP, desmoralizando toda a força nas linhas da frente pelo cansaço físico e psicológico, agravado pela convicção de que nunca regressariam à pátria. A permanência das tropas portuguesas na 1ª linha de trincheiras por um período exagerado levou à diminuição das reservas destinadas a colmatar qualquer eventualidade, diminuiu acentuadamente a capacidade operacional das forças portuguesas e criou, entre os militares, a sensação de que o CEP os tinha sido abandonado à sua sorte, particularmente quando os oficiais vindos de licença para Portugal, não regressavam, o que aumentou o estado de desmoralização dos soldados, a maioria não usufruía de quaisquer licenças. a rotação e a rendição das tropas. A redução dos efectivos tornou-se particularmente gravosa na Primavera de 1918. Face ao baixo estado moral e físico das tropas, em 3 de abril, foi comunicado pelo Quartel-General do CEP à 2ª Divisão, que a partir do dia o comando do CEP deixava de ter responsabilidade na defesa, a 1ª Divisão seguia nesse mesmo dia para a retaguarda e a 2ª Divisão tomaria conta de todo o sector português reforçada com uma brigada de infantaria, um grupo de baterias e dois grupos de metralhadoras da 1.ª Divisão. Mas a situação atingiu tal dimensão que o Marechal Douglas Haig, Comandante da Força Expedicionária Britânica (B.E.F.), ordenou a substituição com carácter de urgência das tropas portuguesas que se encontravam na frente. Esta substituição foi inicialmente marcada para o dia 6 de abril, sendo posteriormente adiada para a noite de 8 para 9 de abril. Contudo, era tarde demais. Na madrugada desse dia 9, os alemães lançaram a sua ofensiva23.
Como vimos, no combate da planície de La Lys milhares de portugueses perderam a vida, ficaram feridos ou foram feitos prisioneiros. Entre os cerca de 7000 capturados estavam os militares de Estarreja, cujas unidades, conforme a disposição do dispositivo militar, se encontravam na linha da frente do sector português nesse trágico dia 9 de abril. 23 - Henrique Manuel Gomes da Cruz, Portugal na Grande Guerra: a construção do «mito» de La Lys na imprensa escrita entre 1918 e 1940, pp. 50-51; Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, pp. 87-89.
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PRISIONEIROS DE GUERRA No início do conflito os países beligerantes contavam com uma guerra de curta duração, pelo que o prolongamento das hostilidades e a captura em larga escala originaram muitos problemas. Desde logo os aspectos de logística e de acolhimento, a falta de um sistema eficaz de informação e a questão da subsistência dos prisioneiros, dadas as dificuldades económicas. A fome seria, como refere Nuno Severiano Teixeira, “o grande flagelo do cativeiro de guerra”, a que se junta as condições psicológicas, o “moral” dos prisioneiros”24.
O ESTATUTO JURÍDICO DOS PRISIONEIROS DE GUERRA Foi na Grande Guerra, onde milhares de homens foram feitos prisioneiros, que pela primeira esteve regulado, por acordos internacionais, o tratamento do prisioneiro de guerra. O estatuto jurídico dos presos de guerra, que ficou consagrado na segunda Convenção de Haia (1907) e vigorará no conflito de 1914-18, refere-se à forma como os prisioneiros de guerra deveriam ser tratados e às responsabilidades dos Estados captores. Nas pontos mais importantes o documento acordava que: • Os prisioneiros de guerra ficariam à guarda do Estado captor; • Devem ser tratados com humanidade e os seus pertences pessoais continua sendo propriedade sua, com a excepção do equipamento militar; • Os prisioneiros de guerra seriam internados em campos, cidades, fortalezas, e apenas em prisões quando se verificassem situações de segurança excepcional; • O Estado captor teria a obrigação de garantir a manutenção dos prisioneiros de guerra em iguais condições às das suas tropas; • O Estado captor teria o dever de informar sobre a identidade dos prisioneiros de guerra à sua guarda e permitir aos prisioneiros de guerra o acesso ao serviço de correios; • Os prisioneiros de guerra deviam gozar de direitos individuais e de liberdade religiosa; • Os Estados captores podiam utilizar os prisioneiros de guerra como força de trabalho, 24 - Nuno Severiano Teixeira – A Fome e a Saudade. Os Prisioneiros Portugueses na Grande Guerra, p. 100.
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desde que não estivesse relacionado com o esforço e operações de guerra e pelo mesmo deveriam receber um salário; • Os oficiais estavam isentos de trabalhar fora dos campos de prisioneiros e tinham direito a receber um soldo idêntico aos oficiais da mesma patente no Estado captor, o qual seria reembolsado pelo Governo da nacionalidade dos prisioneiros; • Os prisioneiros ficariam sujeitos à lei militar do Estado captor, incluindo as sanções por falsificação de identidade, insubordinação e fuga; • Depois da conclusão da paz, os prisioneiros de guerra seriam entregues o mais rápido possível; • Os prisioneiros poderiam ser libertados condicionalmente, se as leis do país o permitissem, e, nestes casos, eles seriam obrigados sob sua palavra de honra a cumprir escrupulosamente o acordado por ambos. O estatuto referia, ainda, que os médicos e os capelães militares capturados não deveriam ser tratados como prisioneiros de guerra, embora isso não significasse a sua libertação. Na Convenção de Haia ficou, ainda, definido que tinham direito ao estatuto de prisioneiros de guerra os civis que acompanhavam os exércitos, como correspondentes de guerra e fornecedores de serviços, e que os representantes das associações humanitárias ou de países neutrais gozavam de liberdade de circulação pelos campos, para confirmarem se estavam a ser cumpridas as convenções internacionais, bem como para distribuir alimentos, vestuário e outros artigos pelos prisioneiros25. Todavia, se bem que em teoria os prisioneiros de guerra estivessem protegidos, na prática as regras da sua protecção foram inúmeras vezes quebradas, e muitos homens foram abatidos quando se tentavam render, e mesmo já depois da rendição, constituindo o que Niall Ferunson chama «as atrocidades» esquecidas da I Guerra Mundial26.
25 - Nuno Severiano Teixeira, A Fome e a Saudade. Os Prisioneiros Portugueses na Grande Guerra, in Penélope, Lisboa, Edições Cosmos, n.º 8, 1992, p. 95-99; Maria José Oliveira, “Deste TristeViver” – Memórias dos prisioneiros de guerra portugueses na primeira guerra mundial, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa, 2011 pp. 18-20; Carlos Jorge Alves Lopes – Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro. Dissertação de Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares, Área de Especialização em História Contemporânea. Lisboa: Universidade Aberta, 2012, pp. 92-93. 26 - Niall Fergunson, O horror da Guerra (1914-1918), Lisboa, Círculo e Leitores. Temas e Debates, 2018, p. 421.
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PRISIONEIROS DE GUERRA DO CONCELHO DE ESTARREJA Do então concelho de Estarreja fizeram parte do CEP oito oficiais, dos quais dois se tornaram prisioneiros de guerra dos alemães. Dos cerca de três centenas de sargentos e praças, foram feitos prisioneiros 12 praças de pré. ARTUR MARQUES SALGADO Artur nasceu na freguesia de Veiros, em 29 de março de 1895, filho de José Maria Marques e de Maria José da Silva Garganta. Quando foi mobilizado, Artur já havia concluído o curso do Magistério Primário, ascendendo na carreira militar ao posto de 2.º Sargento27. Fez parte do CEP na 2.ª Brigada da 1.ª Divisão, embarcando no cais de Alcântara, em 23 de fevereiro de 1917, rumo a Brest, onde chegou no princípio de março. Era, então, o 2.º Sargento miliciano com o n.º 524 e a placa de identidade n.º 11650, da 3.ª companhia do Batalhão de Infantaria 24 (Aveiro). Promovido a Aspirante Oficial miliciano de Infantaria, em 19 de outubro de 1917, dias depois, a 21, foi colocado na 1.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 29 (Braga), que pertencia à 4.ª Brigada, a célebre Brigada do Minho, da 2.ª Divisão do CEP, onde se apresentou no dia 30 desse mês de outubro. Em 24 de novembro, todavia, recebeu ainda um louvor pelos seus actos de bravura e coragem, atribuído pelo Comandante da 1.ª Divisão. Diz a sua ficha que foi louvado, “por mostrar serenidade e sangue frio no combate de 22 de novembro de 1917, contribuindo eficazmente para a defesa”. Por decreto de 5 de janeiro de 1918, com efeitos desde 18 de dezembro, Artur ascende ao posto de Alferes miliciano, permanecendo adstrito à 1.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 29. A ofensiva alemã de 9 de abril de 1918 encontrou-o nas trincheiras, em primeira linha, no subsector de Fauquissart (Laventie), cuja defesa, como vimos, estava a cargo da Brigada do Minho. Como refere explicitamente a sua ficha “tomou parte na Batalha de La Lys com o batalhão de Infantaria 29”, sendo feito “prisioneiro no combate de 9 de abril, internado no Campo de Eutin”, informação que consta ainda em 12 de outubro de 1918, em comunicação do CEP. Contudo, conforme consta no livro de registos do campo de prisioneiros de Breesen, por essa altura Artur já se encontrava internado neste campo para oficiais, tendo tido passagem pelo campo de prisioneiros de Rastatt28, e inicialmente pelo de Eutin29. A sua captura a aprisionamento pelo inimigo foi notícia na no periódico local, O Jornal de Estarreja, em junho de 191830. 27 - O Jornal de Estarreja n.º 1600 de 9 de junho de 1918, p. 1, cf. Marco Pereira, Os Concelhos de Estarreja e Murtosa na Primeira Grande Guerra (1914-1918), in Rosa Maria Rodrigues (dir.), Terras de Antuã-Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja, Estarreja, Câmara Municipal de Estarreja, n.º 11, ano 11, 2017, p. 113. 28 - https://grandeguerre.icrc.org/ 29 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=126490, código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/1/08/2312 30 - O Jornal de Estarreja n.º 1600 de 9 de junho de 1918, p. 1, cf. Marco Pereira, Os Concelhos de Estarreja e Murtosa na Primeira Grande Guerra (1914-1918), p. 113.
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FIRMINO DE JESUS PINHO Firmino nasceu a 31 de agosto de 1888, na então freguesia da Murtosa, filho de Joaquim Manuel de Pinho e de Margarida Rodrigues da Silva. Alferes médico miliciano, Firmino foi incorporado no 2.º Grupo de Companhias de Saúde do CEP, fazendo portanto parte do Serviço Médico do CEP, enviado para terras de França, a combater na Frente Ocidental. Embarcou em Lisboa, no cais de Alcântara, em 24 de novembro de 1917, tendo chegado a Brest em finais desse mês. Sensivelmente um mês depois, em 21 de dezembro de 1917, foi colocado Batalhão de Infantaria 13 (Vila Real), da 5.ª Brigada, ficando adstrito à 2.ª Divisão do CEP. Por decreto de 12 de janeiro de 1918 foi promovido a Tenente-Médico miliciano, contando a antiguidade desde 23 de novembro de 1917. Escassos dias depois da sua promoção, a 17 desse mês, foi colocado no Batalhão de Infantaria 4 (Faro), também um batalhão que incorporava a 5.ª Brigada, no qual se apresentou no dia 20. Firmino esteve presente na batalha de La Lys. Como consta do seu boletim individual de expedicionário, foi primeiramente dado como desaparecido em 9 de abril, só depois se soube do seu cativeiro no campo de prisioneiros de Breensen. Com efeito, em 9 de agosto de 1918 na sua ficha há um ofício, do Tribunal de Guerra, onde se pede informações sobre a situação do tenente-médico miliciano Firmino. A resposta, dada logo no dia 10, indica apenas que foi feito prisioneiro em combate31. De acordo com o registo do campo de internamento de Breesen, Firmino foi capturado no subsector de Ferme du Bois, cuja missão de protecção e defesa estava a cargo da 5.ª e onde certamente o tenente-médico estarrejense cuidava dos feridos no posto de socorros aí existente. Ainda de acordo com este registo, Firmino teve primeiramente passagem pelo campo de internamente de Rasttat, donde foi transferido para Breesen32. ANTÓNIO DA SILVA NEVES Natural da freguesia de Salreu era filho de Francisco da Silva Neves e de Cândida Marques. Fez parte do CEP, participando na I Guerra Mundial, no teatro de guerra da Frente Ocidental, para onde embarcou em 25 de julho de 1917. Com a placa de identificação n.º 70605 fez parta da Arma de Artilharia. Foi o 1.º cabo servente n.º 158, da 1.ª Bateria do 4.º Grupo de Metralhadoras e embarcou no porto de Alcântara, rumo a Brest, em 25 de julho de 1917. Fez parte da 1.ª bateria do 5.º Grupo de Metralhadores, tendo transitado para 2.º bateria do 4.º Grupo de Metralhadoras, não sendo indicado na sua ficha de expedicionário a data da mudança para esta unidade. Durante a sua estadia no Front, António cometeu algumas infracções, apresentando três punições no seu processo, uma situação comum em homens que passavam os dias que nas trincheiras ao frio, no meio de lama, chuva e neve, com o medo por companhia. Foi punido em 12 de novembro de 1917, pelo comandante do grupo, com dez dias de prisão disciplinar, “porque estando de serviço de guarda à prisão, não montou o serviço da mesma guarda como devia, sendo encontrado pelo oficial da onda, às 22:35, despido e 31 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=124425, código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/1/08/2554 32 - https://grandeguerre.icrc.org/
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desarmado”. Já em 1918, em 11 de janeiro, foi punido pelo comandante da bateria, com 10 dias de detenção, por “não ter cumprido convenientemente do chefe de metralhadora”. Foi ainda punido, em 12 de março de 1918, pelo comandante do grupo, com dez dias de prisão correccional porque no dia 8, saiu de dia, sem que fosse autorizado, da metralhadora a cuja guarnição pertencia como chefe, não cumprindo as instruções, bem como as recomendações feitas, dando um mau exemplo às praças suas subordinadas. António estava nas trincheiras durante a batalha de La Lys, em 9 de abril de 1918, na defesa do subsector de Fuaquissart, dando cobertura à 4.ª Brigada de Infantaria. Feito prisioneiro nesse fatídico dia 9 de abril, foi dado inicialmente como desparecido em combate33. Esteve em cativeiro, muito provavelmente no campo de internamento de Merseburg, até 20 de novembro de 1918. No relato sobre António Maria Rodrigues Lourenço, prisioneiro também nesse campo e de quem o CEP não tinha igualmente quaisquer notícias, Maria José Oliveira narra que “a 20 de novembro de 1918, nove dias depois de assinado o Armistício, um homem magro, com o vestuário e o calçado em mau estado, iniciou uma caminhada de vários dias, alimentando-se de nabos e cenouras cruas. Estivera preso sete meses no campo de Merseburg, na Saxónia, onde os prisioneiros eram obrigados a trabalhos forçados na agricultura e nas minas”34. ANTÓNIO JOAQUIM CAMPÔTO Natural da freguesia da Murtosa, onde nasceu a 13 de junho de 1895, filho de Francisco Tomé Campôto e de Mariana Antónia. António participou na Grande Guerra e foi combater para Frente Europeia. Com a placa de identificação n.º 112443-A, foi o soldado n.º 520 da 2ª Brigada de Infantaria, da 3.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 24 (Aveiro). Embarcou no porto de Alcântara, em 14 de março de 1917, fazendo parte no 2.º contingente da 1.ª Divisão do CEP, destinada a ocupar um sector de defesa nas trincheiras da Flandres. O seu percurso em França terá sido igual ao de tantos soldados, cumprindo os seus deveres e apresentando apenas uma punição, em 21 de março de 1918, por se encontrar a fumar na formatura. Colocado no Batalhão de Infantaria n.º 17 (Beja), da 5.ª Brigada de Infantaria da 2.ª divisão do CEP, em 6 de abril de 1918, tomou parte do 9 de abril de 1918. A ofensiva alemã foi encontra-lo na primeira linha de defesa, do sector de Ferme du Bois. Inicialmente dado como desaparecido, soube-se depois que foi capturado pelo inimigo e feito prisioneiro no campo de Friedrichsfeld. A indicação no livro de prisioneiros de guerra alemães desse campo indica que foi capturado em St. Waast, tendo percorrido a Westliches Etappen, sendo depois internado em Friedrichsfeld35. António teve problemas de saúde, pois sabe-se que foi libertado somente em fevereiro de 1919, vindo de uma ambulância alemão, sendo posteriormente considerado incapaz para angariar meios de subsistência36. 33 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=254307; Código de referência PT AHM-DIV-1-35A-2-74-70605 34 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial-Frente Europeia 1917/1918, p. 14. 35 - https://grandeguerre.icrc.org/en/List/906857/867/341/ 36 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=147110; Código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/2/14/12443
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ANTÓNIO MARIA Natural da Murtosa, então freguesia do concelho de Estarreja, era filho de Jacinto José Lopes Ramos e de Ana Rosa Fidalga. António fez parte do CEP, combatendo no teatro de guerra da Frente Ocidental. Com a placa de identificação 59592, foi o soldado n.º 620 da 2.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 1 (Lisboa) da 6.ª Brigada de Infantaria da 2.ª Divisão do CEP. Embarcou no porto de Alcântara em 27 de maio de 1917, aportando em Brest dias depois. Do seu percurso no Front, António como tantos outros foi punido, no caso pelo comandante da sua companhia, em 4 de outubro de 1917, com cinco dias de detenção por ter faltado à formatura no dia 1 desse mês. E, também como muitos sofreu os chamados efeitos gaseados. Ferido por gases em 9 de março de 1918, baixou à Ambulância 5 em 10 de março. Evacuado para o Hospital de Sangue 1, situava em Merville, no mesmo dia, a sua ficha não indica a data em que teve alta e regressou à sua unidade. Seja como for, voltou às trincheiras, onde se encontrava no trágico dia 9 de abril de 1918, quando de madrugada as forças alemãs lançam sobre o sector de defesa português um forte ataque, dando início à batalha de La Lys. Dado como desaparecido nesse dia, sendo feito prisioneiro37, António terá sido capturado no subsector de Nueve Chapelle, cuja defesa estava a cargo da 6.ª Brigada, à qual estava adstrita a sua unidade, que se encontrava na primeira linha das trincheiras, acantonada em Curzon. Capturado pelos alemães, esteve aprisionado no campo de internamento de Friedrichsfeld38. FRANCISCO ANTÓNIO GATO Nasceu na Murtosa, a 11 de junho de 1895, filho de Manuel José da Silva Gato e de Maria Joaquina. Quando foi chamado a combater na Grande Guerra em França, Francisco era já casado com Palmira Poveira. Com a placa de identificação n.º 11953, Francisco foi o soldado sapador n.º 582 da 3.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 24 (Aveio), da 2.ª Brigada de Infantaria da 1.ª Divisão do CEP. Embarcou em Alcântara, rumo à Flandres, em 23 de fevereiro de 1917, na companhia de muitos militares estarrejenses. Soldado sapador da 1.ª Companhia de Pioneiros, do seu percurso no Front sabemos que, em 19 de junho de 1917, passou à 2.ª Companhia de Pioneiros. Na sequência da batalha de La Lys, um dos maiores desastres da história militar portuguesa, foi capturado pelos alemães em La Couture39. Inicialmente dado como desaparecido nesse trágico dia 9 de abril de 1918, posteriormente por comunicação da Comissão de Prisioneiros de Guerra o CEP foi informado que estava internado no campo de prisioneiros de Müster II40.
37 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=242757; Código de referência PT AHM-DIV-1-35A-2-63-59592 38 - https://grandeguerre.icrc.org/ 39 - https://grandeguerre.icrc.org/ 40 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=146646, Código de referência PT AHM-DIV-1-35A-2-13-A-11953
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FRUTUOSO JORGE Natural da freguesia de Avanca, filho natural de Maria José Almeida, Frutuoso foi mobilizado para participar na I Guerra Mundial no teatro de guerra europeu. Detentor da placa de identificação 28803A, pertencia ao Batalhão de Morteiros de Infantaria 11 (Évora), da 6.ª Brigada de Infantaria da 2.ª Divisão do CEP, e quando partiu era o soldado n.º 84 adstrito ao Depósito de Pessoal de Morteiros. Embarcou em Alcântara em 8 de agosto de 1917 e dias depois estava na Flandres. Do seu percurso como expedicionário sabemos que foi colocado na 3.ª Bateria de Morteiros Médios em 1 de dezembro de 1917, para completar o quadro de efectivos, tendo passado pelas escolas de artilharia do CEP. Frutuoso esteve entre os milhares de combatentes portugueses que participaram na batalha de La Lys e foram capturados pelas tropas alemãs. Como refere a sua ficha de expedicionário, foi inicialmente “dado como desparecido em 9 de abril”, sabendo-se depois “por comunicação da Comissão de Prisioneiros de Guerra, que foi feio prisioneiro de guerra, sendo internado em campo desconhecido”41. JOÃO DIAS DA SILVA Natural da freguesia de Beduído era filho de José Dias da Silva e Rosa Marques. Mobilizado para o CEP, João foi enviado para combater na Frente Ocidental, às ordens do seu país. Com a placa de identidade n.º 12172, foi o soldado n.º 582 da 1.ª companhia do Batalhão de Infantaria 24 (Aveiro), 2.ª Brigada de Infantaria, 1.ª Divisão do exército português. Embarcou no porto de Alcântara, rumo a Brest, em 23 de fevereiro de 1917. Dias depois estava no teatro de guerra. Do seu percurso sabemos que, como muitos outros, teve as suas punições, no caso de João, ambas pela mesma razão. Em 23 de agosto de 1917 foi púnico com 6 dias de detenção por ter faltado ao trabalho nas trincheiras, alegando doença que não foi confirmada. Em 13 de novembro, desta vez pelo Comandante da 2.ª Brigada de Infantaria foi castigado, com 7 dias de prisão disciplinar, por ter faltado aos trabalhos de trincheira, por os quais estava escalonado, sem motivo justificado. Como tantas camaradas de armas de Infantaria 24, foi colocado no Batalhão de Infantaria 17 (Beja) em 6 de abril de 1918. Dado inicialmente como “desaparecido em combate” em 9 de abril, por comunicação da Comissão de Prisioneiros de Guerra há uma informação posterior que indica que foi capturado pelo inimigo e feito prisioneiro de guerra, encontrando-se internado no campo de Friedrichsfeld42.
41 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=221758; Código de referência PT AHM-DIV-1-35A-2-32-28803 42 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=146814; Código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/2/14/12172
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JOÃO MARIA Natural da Murtosa, então freguesia do concelho de Estarreja, onde nasceu em janeiro de 1894, era filho de Manuel José Cortiço e de Ana Joaquina da Silva. Quando foi mobilizado para participar na I Guerra Mundial no teatro de guerra europeu, na Frente Ocidental, João era casado com Maria do Céu da Silva. Com a placa de identificação n.º59433, foi o soldado n.º 710 da 1.ª Companhia do Regimento de Infantaria 1 (Lisboa), da 6.ª Brigada da 2.ª Divisão do CEP. Embarcou no porto de Alcântara rumo a Brest em 27 de maio de 1917, chegando dias depois aos campos de guerra da Flandres. Do seu percurso no Front sabemos que baixou a uma unidade hospitalar em 19 de outubro de 1917, tendo recebido alta a 30 desse mês. Foi também promovido a 1.º Cabo e estava presente nas trincheiras, em primeira linha, quando se deu a ofensiva alemã sobre o sector português, em 9 de abril de 1918. A sua brigada estava na defesa do subsector de Neuve Chapelle, localizado na parte central das forças portuguesas, entre Fauquissart e Ferme du Bois, com o seu batalhão acantonado em Curzon, tendo, portanto, suportaram o ataque frontal. Dado como desaparecido a 9 de abril, a sua ficha refere ainda que foi feito prisioneiro43. Capturado em La Couture, onde se encontrava uma bolsa de resistência, para junto da qual se terá retirado, através dos dados disponibilizados no website do Comité Internacional da Cruz Vermelha sabemos que esteve cativo no campo de prisioneiros de Quedlimburgo, onde se encontrava em agosto de 1918, tendo estado também aprisionado em Altengrabow44. JOÃO MARIA DE ALMEIDA Natural de Salreu, onde nasceu em 18 de agosto de 1895, era filho de José Maria Marques de Almeida e de Paula Rodrigues de Jesus, já falecida quando foi mobilizado para participar na Grande Guerra em França. Detentor da placa de identificação n.º 12533, era o soldado n.º 569da 1.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 24, da 2.ª Brigada da 1.ª Divisão CEP. Adstrito à Infantaria 24, João embarcou no porto de Alcântara, rumo à Flandres, em 23 de fevereiro de 1917, conjuntamente com a grande maioria dos combatentes estarrejenses. Com um percurso semelhante ao de tantos outros expedicionários, João teve alguns dias de punição. Foi punido pela primeira vez, em 23 de agosto de 1917, com seis dias de detenção, pelo comandante da companhia, porque faltou ao trabalho nas trincheiras alegando doença, que não foi confirmada. Em 30 de outubro de 1917 volta a ser punido, novamente pelo comandante da companhia, agora com dez dias de detenção, porque voltou a faltar ao trabalho nas trincheiras, sem motivo justificado. Em 20 de novembro de 1917, é de novo punido pelo comandante da companhia, com oito dias de detenção, porque “na marcha da companhia de regresso da instrução para o acantonamento foi visto a assobiar”. Coisas normais entre homens cansados da guerra, que não entendiam 43 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=242563; Código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/2/63/59433 44 -https://grandeguerre.icrc.org/
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o porquê da sua presença naquelas terras, e que desejavam apenas o regresso a casa. Sem que seja indicado o motivo, João baixou à Ambulância 1 em 31 de dezembro de 1917, sendo evacuado para o Hospital de Sangue 2 no dia 2 de janeiro de 1918. Dias depois, a 7, recebeu alta seguindo para a sua unidade. Baixou de novo ao Hospital de Sangue 2 em 1 de março, onde este internado até ao dia 15, altura em que lhe foi concedida alta. A 6 de abril de 1918, como muitos soldados de Infantaria 24, também João foi colocado no Batalhão de Infantaria 17 (Beja), incorporado na 5.ª Brigada de Infantaria da 2.ª Divisão. Deste modo, conforme a constituição do dispositivo militar, nas vésperas da batalha de La Lys, encontrava-se na guarnição de defesa do subsector de Ferme du Bois, acantonado em Landsdowne, na linha A que suportou o ataque inicial e caiu em poder do inimigo poucas horas depois do início dos bombardeamentos, tendo os alemães logo ao romper do dia ocupado já as primeiras linhas, avançando através das outras linhas de defesa, matando e aprisionando os defensores. João não saiu incólume. Conforme dá nota a sua ficha de expedicionário, foi considerado desparecido, sendo feito prisioneiro do inimigo45. Pelo livro de registo de prisioneiros alemãs no campo de internamento de Merseburg, constata-se que foi aprisionado em Levantie, tendo seguido por Lager: Altengrabow, encontrava-se em 13 de setembro de 1918 prisioneiro no campo de internamento de Merseburg. Segundo uma anotação neste registo, a sua situação de prisioneiro de guerra em Merseburg foi comunicada à família em 4 de outubro de 191846. JOAQUIM LOPES JÚNIOR Nasceu em Pardelhas, Estarreja, filho de Joaquim Lopes e Alzira ou Elvira Lopes. Fez parte do CEP e participou na I Guerra Mundial em França, sendo já casado com Glória Maria Lopes, residente em Lisboa, quando foi mobilizado. Joaquim detinha a placa de identificação n.º 60549, e foi o soldado n.º 848 da 2.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 2 (Lisboa), pertencente à 6.ª Brigada da 2.ª divisão do CEP. Embarcou do cais de Alcântara em 27 de maio de 1919, chegando dias depois ao teatro de guerra da Flandres, onde teve um percurso similar a tantos outros combatentes, cumprindo o seu dever. Os únicos registos na sua ficha de expedicionário reportam-se aos acontecimentos após 9 de abril de 1918, e vêm na sequência da sua captura pelos alemães nesse trágico dia. Soldado de Infantaria 2, Joaquim estava na Linha A das trincheiras, no subsector de Neuve Chapelle, cuja defesa era da responsabilidade da 6.ª Brigada de Infantaria, que tinha precisamente na linha da frente os batalhões 1 e 2, este último acantonado em Lonely, que suportaram a violenta tempestade de fogo desencadeada pelo exército alemão. Inicialmente dado como desaparecido para o CEP, foi posteriormente considerado prisioneiro de guerra, vindo a descobrir-se mais tarde, por comunicação da Comissão de Prisioneiros de Guerra, que “feito prisioneiro do inimigo”, estava “internado no campo de Friedrichsfeld” 47. 45 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=147178; Código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/2/14/12533 46 - https://grandeguerre.icrc.org/ 47 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=243173; Código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/2/64/60549
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JOAQUIM RODRIGUES PINHO Natural da freguesia de Beduído, onde nasceu a 14 de janeiro de 1895, era filho de José Rodrigues de Pinho e de Ana Marques. Fez parte do CEP e participou na I Guerra Mundial na Frente Ocidental, para onde embarcou em Lisboa em 23 de fevereiro de 1917, fazendo parte da 2.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 24, que integrava a 2.ª Brigada da 1.ª Divisão do CEP. Era o soldado n.º 467, com a placa de identificação n.º 11563. Chegado a França, Joaquim foi mais um dos praças no Front, lutando nas trincheiras portuguesas na Flandres. A única indicação, na sua ficha de combatente, refere que foi colocado em 6 de abril de 1918 no Batalhão de Infantaria 17 (Beja), da 5.ª Brigada da 2.ª Divisão do CEP, a quem competia a defesa do sector quando, em 9 de abril de 1918, o Império Alemão deu início à operação Georgette com um forte ataque sobre as linhas portuguesas. O Batalhão de Infantaria 17 estava estacionado no sub-sector de Ferme du Bois, na Linha A, pelo que Joaquim estava presente e participou na batalha de La Lys, nesse dia 9 de abril de 1918, numa zona profundamente afectada. Muitos homens de Infantaria 17 morreram, tendo muitos outros sido feitos prisioneiros, e dos seus oficiais somente um sobreviveu, o que dá uma ideia da dimensão da tragédia. A sua ficha não tem quaisquer referências, mas Joaquim foi um dos muitos desaparecidos em combates que se tornaram prisioneiros de guerra na Alemanha48. Capturado em Nueve Chapelle, foi aprisionado no campo de internamento de Merseburg, onde obrigavam os prisioneiros a trabalhos forçados na agricultura e nas minas, e aí faleceu a 25 de agosto de 1918, por desastre49. JOSÉ MARIA DE OLIVEIRA Natural da freguesia de Veiros, filho de António Joaquim de Oliveira e de Maria Augusta Henriques. José participou na 1.ª Grande Guerra combatendo na Frente Ocidental, como membro integrante do CEP. Com a placa de identificação n.º 12173, era o soldado n.º 583 da 1.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 24 (Aveiro), da 2.ª Brigada da 1.ª divisão. Como a maioria dos seus conterrâneos, embarcou no cais de Alcântara, em 23 de fevereiro de 1917, aportando em Brest dias depois. Do seu percurso no Front, sabemos que baixou à Ambulância 5, em 8 de setembro de 1917, tendo recebido alta em 17 desse mês, não sendo indicado o motivo do seu internamento.Também colocado no Batalhão de Infantaria 17 (Beja) em 6 de abril de 1918, José esteve entre os portugueses que participaram na batalha de La Lys, encontrando-se na primeira linha das trincheiras, no subsector de Ferme du Bois. E, conforme nota no seu boletim de expedicionário, foi dado como desaparecido em 9 de abril de 1918, sendo feito prisioneiro50. Capturado em Nueve Chapelle, percorreu a Westliches Etappen, sendo depois internado no campo prisioneiros de Friedrichsfeld 51. 48 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=146371; Código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/2/13/11563; 49 - https://grandeguerre.icrc.org/ 50 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=146815; Código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/2/14/12173 51 - https://grandeguerre.icrc.org/
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JOSÉ MARQUES COUTO Nasceu na freguesia de Veiros, em 10 de janeiro de 1895, filho de José Maria Marques Couto e de Ana Augusta Garganta. Embarcaria em Alcântara rumo à Flandres, como membro integrante do CEP, em 23 de fevereiro de 1917, com muitos dos seus camaradas de Estarreja. Detentor da placa de identificação n.º 12534, José foi o soldado n.º 581 da 1.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 24, da 2.ª brigada da 1.ª Divisão do exército português. Da sua vida no Front existem pouco registos, mas certamente terá tido um percurso normal vivendo o dia-a-dia das trincheiras portuguesas nos campos de guerra da Flandres. A sua ficha de expedicionário diz-nos apenas que, como muitos outros soldados de Infantaria 24, foi colocado em 6 de abril de 1918, no Batalhão de Infantaria 17 (Beja) pelo que tomou parte na batalha de La Lys, uma vez que a sua nova unidade integrava a 5.ª Brigada de Infantaria da 2.ª Divisão, sob cuja responsabilidade estava a defesa do sector português quando se deu a ofensiva alemã de 9 de abril que ficaria conhecida, na historiografia nacional, como Batalha de La Lys. Desaparecido em 9 de abril de 1918, foi feito prisioneiro, como refere a sua ficha de combatente52. Todavia através do registo de prisioneiros alemães, sabemos que foi capturado em Richeboug e aprisionado no campo de internamento de Merseburg53. A CAPTURA Os militares estarrejenses aprisionados estavam, portanto, com os outros combatentes das suas unidades que guarneciam as primeiras linhas dos seus subsectores. O momento da captura era uma ocasião delicada e são muitos os exemplos de maltratos físicos e até de morte, não havendo leis, regulamentos ou convenções que garantam a sobrevivência naquela altura54. É um momento que cria uma situação, que pode dizer-se anímica, onde ocorre um fenómeno que, apesar de contrário ao Direito de Guerra, a inércia dos costumes não perdoa – o roubo dos prisioneiros; não só o equipamento militar, mas também os objectos pessoais, a que a gíria militar chamava os souvenirs55. A nova condição de prisioneiros criava ansiedade, vergonha e medo, tanto mais que muitos soldados nunca tinham visto de tão perto o inimigo. A consciência de que já não eram soldados, mas prisioneiros causava uma sensação de desmoralização e depressão. O treino militar nunca preparou os homens para lidar com esta situação, para além de ensinar a levantar as mãos que aliás é um movimento instintivo. O prisioneiro de guerra ficava complemente por conta própria e isto reflectia-se nos seus pensamentos56. Os relatos e memórias de vários expedicionários, apresentados por vários autores, são ilustrativos a esse respeito, e permitem-nos vislumbrar o que terão experienciado os soldados cambrenses aquando da sua captura. Por exemplo: António 52 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=147179; Código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/2/14/12534 53 - https://grandeguerre.icrc.org/ 54 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, p. 94. 55 - Nuno Severiano Teixeira – A Fome e a Saudade, pp. 102-103. 56 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, p. 95.
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Pereira dos Santos (1º Cabo - 3º Regimento de Infantaria), referiu que quando estava junto à Linha C, os alemães já se encontravam por todo o lado, não havendo escapatória possível, e que não se conseguiam render aos alemães porque a neblina da madrugada e o fumo da batalha não deixava que os alemães os vissem: Aqui é que estava um ponto safado! Para subirmos acima do parapeito da trincheira e darmo-nos à prisão, eles não nos viam com o fumo. (...) Sem pinga de sangue e amarradinhos esperámos que eles se chegassem ao ponto de nós, para subirmos ao parapeito e levantarmos os braços no ar, e dizer ser bom prisioneiro. Os alemães naquele dia faziam continuamente prisioneiros, entrando nas trincheiras ainda ocupadas, de baioneta em riste a gritar para se renderem e seguirem para a retaguarda: Tout de suite Alemagne! (…) Come, Come to Alemagne!, (…) café drink Deutchland57. Alexandre José Malheiro (Tenente-coronel de Infantaria, 6º Brigada de Infantaria) referiu que pelas 11 horas a barragem de artilharia inimiga já tinha passado para a sua retaguarda. Não tinham qualquer ligação com o Quartel-general da Divisão e estava convicto que em breve seria feito prisioneiro. Guardou alguns manuscritos pessoais, fotos de família e juntamente com os oficiais e as praças aguardou resignadamente a chegada dos alemães. Quando a patrulha alemã chegou à casa onde se encontravam, apontaram as armas aos peitos dos portugueses e o oficial alemão que os comandava, apontou a pistola que empunhava e gritou: AUS (vamos). A guarda dos então 25 prisioneiros foi feita por dois soldados alemães, um que se colocou na frente e outro na retaguarda da coluna. Ao deslocarem-se para a retaguarda alemã ainda se cruzaram com focos de combate a alguma distância e encontraram inúmeros mortos e feridos que as ambulâncias alemãs ainda não tinham conseguido recolher. Era uma imagem verdadeiramente assombrosa58. Francisco José de Barros (Capitão de Infantaria, 4º Regimento de Infantaria, 11ª Companhia) referiu que depois das 8 horas da manhã a situação encontrava-se descontrolada, com pessoal de diversos Batalhões misturado, desorientado e em retirada (…) Mais tarde, pelas 11 horas, viu nitidamente os primeiros alemães a uns 50 metros da sua retaguarda: ...apontámos a espingarda com alguns escassos cartuchos que ainda possuíamos, mas era evidente a inutilidade de mais resistência. O desespero da impotência fazia chorar de raiva, Restava a morte ou a prisão...». [Já prisioneiros]...fomos conduzidos para a retaguarda através das sucessivas linhas inimigas que se sucediam, bendizendo a sorte dos mortos libertos que jaziam estendidos... (…) [Seguíamos]...o nosso destino cheio de amargura...59. A CAMINHO DOS CAMPOS DE PRISIONEIROS Após a captura os prisioneiros foram reunidos, ainda na frente, nos “depósitos divisionários”, sendo depois encaminhados para a retaguarda, para os “depósitos de concentração”. O trajecto foi feito a pé, sob escolta, desde a frente até Lille. Aí se procedeu ao registo dos prisioneiros e daí foram enviados para os “campos de passagem”, por onde foram dispersos. Destes foram reunidos nos “campos definitivos”. Nestas viagens, já de grandes distâncias, eram transportados em comboios, sem o mínimo de condições60. 57 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, p. 98. 58 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, p. 99. 59 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, pp. 99-100. 60 - Nuno Severiano Teixeira – A Fome e a Saudade, p.103.
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Destas experiências mais uma vez os relatos dos homens capturados nos dão testemunho. António Pereira dos Santos referiu que os alemães fizeram com que ele fosse imediatamente para a retaguarda alemã, atravessando a Terra de Ninguém. Ao terror de ser prisioneiro juntava-se o receio de morrer sob o fogo amigo que as defesas aliadas continuavam a fazer sobre o avanço alemão. Alexandre José Malheiro referiu que a guarda dos então 25 prisioneiros foi feita por dois soldados alemães, um que se colocou na frente e outro na retaguarda da coluna. Ao deslocarem-se para a retaguarda alemã ainda se cruzaram com focos de combate a alguma distância e encontraram inúmeros mortos e feridos que as ambulâncias alemãs ainda não tinham conseguido recolher. Era uma imagem verdadeiramente assombrosa61. Francisco José de Barros referiu já prisioneiros...fomos conduzidos para a retaguarda através das sucessivas linhas inimigas que se sucediam, bendizendo a sorte dos mortos libertos que jaziam estendidos... (…) [Seguíamos]...o nosso destino cheio de amargura...62. Referiu ainda que os alemães os levaram pela encruzilhada...das trincheiras em grande parte rasoiradas pela metralha, ora transpondo-as, ora percorrendo-as, fomos levados a atravessar o que fora a “terra de ninguém”. Manuel Hermenegildo Lourinho (Tenente-médico, 10º Regimento de Infantaria) referiu que foi enquadrado em formatura debaixo de escolta a cavalo (Hulanos), a qual o dirigiu para a fortaleza de Lille. Uma vez alcançada a prisão, ou o recinto vedado, o qual por vezes não era mais do que uma cerca do género que se usava para guardar as ovelhas, os prisioneiros não ficavam aí retidos mais de um dia ou dois dias, uma vez que se tratavam de sítios desprovidos de quaisquer condições materiais. Aí tinham de dormir no chão, enquanto aguardavam ordens para seguirem para um dos campos de prisioneiros. Durante a permanência nestes locais os prisioneiros recebiam comida de muito pouca qualidade e de forma muito irregular. Quando não existia espaço nestas prisões eram utilizados, muitas vezes, edifícios como igrejas ou fábricas abandonadas das redondezas. Concluído o registo e dependendo do fluxo de prisioneiros ao fim de poucos dias eram enviados por caminhode-ferro aos seus destinos. A viagem incluía caminhar a pé até à estação de comboio mais próxima onde eram colocados em vagões de gado, em condições deploráveis, empacotados como sardinhas em lata, sem sanitários e pouca comida63. No seu relato Sebastião Duarte (1.º cabo do 3.º Grupo de Metralhadores), narra no seu diário pessoal, a situação aflitiva que vivenciava já como prisioneiro, bem como sobre a angústia provocada pelo seu destino e dos restantes camaradas: eis aqui a minha vida; do primeiro dia de prisioneiro; e à noite para castigo; pernoitei dentro de um lameiro, e prossegue: temos fome e temos frio; e ninguém nos dá de comer, de deus não acode; de certo vamos morrer. Acerca da experiência deste primeiro dia, descreve: passamos o dia, naquela lama deitados; até às duas da tarde, que fomos todos formados. Sebastião conta que depois deste primeiro dia, o grupo de prisioneiros seguiu a penosa marcha até Lille, onde ficou durante dias, entre piolhos, fome e sede, até partir para o campo de internamento na Alemanha, onde foi embarcado à força dentro de um vagão, apinhado e mal alimentado64. 61 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, p. 99. 62 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, pp. 99-100. 63 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, pp. 103-104 e p. 106. 64 - Fernando Rita, Com aVida Tão perdida. Diário de um prisioneiro na Primeira Grande Guerra, pp. 85-88.
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NOS CAMPOS DE PRISIONEIROS: A EXPERIÊNCIA DO CATIVEIRO O prolongamento da guerra trouxe inevitavelmente à tona o problema do transporte, manutenção e alojamento dos prisioneiros de guerra, pois nenhum dos beligerantes estava preparado para uma guerra longa ou para o acolhimento de tão grande número de prisioneiros. Por tal, logo de início os campos alemães começaram a apresentar problemas materiais ligados com a situação de se estar perante uma guerra de longa duração. O número muito elevado de prisioneiros provocava falta de espaço e de abastecimentos como comida e agasalhos.
Prisioneiros de guerra portugueses
Para dar resposta à necessidade de manter vivos milhares de prisioneiros que se encontravam à sua guarda, os alemães criaram vários tipos de campos de prisioneiros: para praças, para oficiais, de trânsito e disciplinares. Basicamente todos iguais, os campos de prisioneiros eram retangulares e delimitados por arame farpado, bem iluminados e bem patrulhados pelas forças alemãs, que se instalavam em iguais barracões, mas do lado de fora do arame farpado. O alojamento era composto por barracões de madeira dispostos longitudinalmente: dormitórios; refeitório; cozinha; enfermarias. Existia ainda uma cantina onde podiam comprar alguns artigos de roupa ou de comida, um armazém para guardar as encomendas recebidas da Cruz Vermelha, as colis, a casa da guarda. Cada campo tinha ainda estruturas sanitárias e oficinas, e oficinas e nos campos para oficiais salas especiais para refeições e mais estruturas desportivas e culturais, como biblioteca, teatro, já que os oficiais, contrariamente aos praças, não executavam trabalhos. O equipamento era reduzido ao essencial. Nos campos de praças tinham direito a simples sacos de palha para dormir, dois lençóis, uma manta, uma mesa, algumas cadeiras e bancos, uma bacia de esmalte, um prato, um púcaro e um talher. Nos campos para oficiais haviam camas, que consistiam num simples rectângulo de madeira com um colchão de caruma de pinheiros65. 65 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, p. 101; Fernando Rita, Com a Vida Tão perdida. Diário de um prisioneiro na Primeira Grande Guerra, p. 87; Nuno Severiano Teixeira – A Fome e a Saudade, p. 104.
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O quotidiano dos prisioneiros era pautado pelas refeições e por duas chamadas e formaturas diárias, a que chamavam, na gíria do cativeiro, os appelles66. Os oficiais estavam dispensados de trabalhar, podendo mesmo dedicar-se à leitura e jogos. Contudo, para os praças, a maior parte da vida enquanto prisioneiros de guerra não era passada nos campos de concentração, mas em trabalho fora, onde eram utilizados como estivadores, operários de fábricas, trabalhadores de minas, ou em trabalhos agrícolas. A terrível experiência e as dificuldades porque passaram estes militares, em cativeiro, encontram-se ilustradas nas obras memorialistas dos militares prisioneiros de guerra portugueses e nos relatos dos ex-prisioneiros inquiridos pelo governo, ressaltando entre as circunstâncias da sua permanência, nos campos de concentração alemães, os problemas a fome e a saudade, sendo a escassez alimentar o problema central destes homens. A fome era um estado constante. De acordo com o depoimento de Felisberto Alves Pedrosa (Coronel de Infantaria 1), que passou por vários campos, até ser internado em Breesen, a alimentação era, em todos, insuficiente e de má qualidade, dado como exemplo a sopa confeccionada com batatas com casaca cozidas com casca de melão ou melancia e beterrabas67. Manuel dos Santos Pestana (Soldado de Infantaria 4) referiu que a alimentação era escassa, chegando mesmo alguns presos a caírem por inanição na formatura matinal68. Manuel Lopes (Soldado de 2), também referiu que pelos vários campos por onde passou a alimentação era composta, invariavelmente, por peixe podre, rama de cenouras, batata podre, farinha de fava e de beterraba69. A fome era o que mais preocupava e que mais desmoralizava os prisioneiros, provocando estados de depressão física e psicológica. Neste ponto há que ressalvar que as falhas de comida aos campos de prisioneiros também eram sentidas quer no exército alemão, quer na população civil alemã, dado o bloqueio económico que a Alemanha enfrentava. As dificuldades eram mitigadas pela chegada das encomendas de socorro, os colies, que traziam comida e por vezes roupa, provenientes de várias organizações humanitárias internacionais, em especial a Cruz Vermelha Internacional, e particularmente para os portugueses do Comité de Socorros aos Militares e Civis Portugueses de Guerra70 e algum tempo depois das próprias famílias. Todavia, frequentemente os colies extraviavam-se, chegando violados, roubados e por vezes vazios71. Por outro lado, nem todas as encomendas enviadas chegavam ao seu destino, em muito porque nem todos os prisioneiros se encontravam devidamente registados. Muitos não recebiam cartões de registo quando da captura e muitos outros não tinham a possibilidade de enviar cartas para suas casas, que muitas vezes os julgava mortos72. 66 - Nuno Severiano Teixeira – A Fome e a Saudade, p. 104. 67 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 146. 68 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 150. 69 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 156. 70 - Em Portugal o envio das colis dependeu de iniciativas privadas como da Associação Cruzada das Mulheres Portuguesas, da Cruz Vermelha Portuguesa, do Triângulo Vermelho Português e do jornal O Século, que muito contribuíram para fazer chegar comida e agasalhos aos prisioneiros. O Estado português criou o Comité de Socorro aos Militares e Civis Portugueses Prisioneiros de Guerra como expressão organizadora das diversas iniciativas e com a função principal de coordenar as acções humanitárias com as estruturas de outros Estados aliados. 71 - Nuno Severiano Teixeira – A Fome e a Saudade, p. 106. 72 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, pp. 111-112.
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Mas o seu desalento dos prisioneiros foi, também, provocado pelas saudades da sua terra, amigos e principalmente da família, da qual, em muitos casos nunca chegaram a ter notícias, ou porque a correspondência era censurada, ou porque as famílias os julgavam mortos. A Cruz Vermelha Internacional visitava regularmente os campos de prisioneiros e tomava notas sobre os soldados não registados, mas esta informação levava semanas a ser processada e a chegar aos respectivos países, altura em que estes já poderiam ter sido transferidos para outro campo73. Terão sido estas as vivências porque passaram os prisioneiros estarrejenses, como o demostram os testemunhos de António Maria Rodrigues, preso em Merseberg, um campo para praças, que referiu que os prisioneiros eram obrigados a trabalhos forçados na agricultura e nas minas. A incúria do Governo português, sobretudo a total falta de assistência àqueles que terão sido os primeiros prisioneiros de guerra, tornou-se notória nos campos onde os portugueses chegavam a “suplicar” por comida aos presos dos Estados aliados. Em janeiro de 1918, o comando do CEP recolheu informações prestadas por um prisioneiro francês, oriundo do campo de Merseburg, onde estiveram aprisionados militares do concelho, que relatou desta forma a situação dos combatentes nacionais: “Os prisioneiros são frequentemente sujeitos a maus tratos e a comida é insuficientíssima. Os portugueses que não recebem como os franceses e os ingleses alimentos das suas famílias, passam verdadeira fome, sendo frequente vê-los suplicar aos franceses, chorando, que lhes dêem as suas bolachas da ração. O calçado e os fardamentos estão já completamente rotos”74. meses depois, em outubro, numa visita ao campo de Merseburg, o capitão médico António Ferratges, da embaixada de Espanha em Berlim, informou a Cruz Vermelha portuguesa, que “nenhum Comité” socorria os presos portugueses, muitos dos quais estavam em destacamentos de trabalhos forçados, sem calçado, com as roupas em mau estado e a comida sem qualquer valor nutritivo75.
Prisioneiros de guerra portugueses 73 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 150. 74 - Maria José Oliveira, “Deste Triste Viver” – Memórias dos prisioneiros de guerra portugueses na primeira guerra mundial, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa, 2011, p. 64. 75 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 43.
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Sobre Friedrichsfeld, um campo onde os alemães tinham concentrado todos os prisioneiros efetuados na zona do Lys e que mais tarde ficou reservado para praças, e onde estiveram também praças estarrejenseonde, Manuel Cavaleiro, referiu que os prisioneiros trabalhavam fora do campo, abrindo trincheiras e transportando madeira76. Em Quedlimburgo e Münster II, também campos de praças, as narrativas igualmente destacam a fome e os trabalhos forçados a que estavam sujeitos. Em Münster II, muitos dos prisioneiros eram levados a trabalhar nas minas de carvão, que ficava junto do campos. Os oficiais de concelho foram, tal como os outros oficiais portugueses, distribuídos por vários campos, até serem transferidos e internados no campo de Breesen, construído especialmente para receber oficiais. A chegada efectiva dos oficiais portugueses a Breesen deu-se a partir de julho de 1918 até outubro de 1918, um mês antes do fim da guerra. Sendo as condições dos campos para oficiais muito diferentes dos campos para praças e mesmo oficiais de patente inferior, em Breesen era possível frequentar a biblioteca e mesmo assistir a saraus e palestras. A sala de leitura e de jogos de Breesen possuía uma mesa de bilhar e um piano. Mas em Breesen a alimentação era também escassa e de má qualidade. O tenente médico Francisco António Soares relata que a ração diária consistia em “duas paupérrimas sopas e duas tigelas de líquidos, uma pela manhã, e ao qual davam o nome de café, e outra à tarde, com um infuso de ervas aromáticas”. Os ingredientes não variavam, “sendo as sopas quase sempre de beterraba, algumas batatas e muitas vezes com casca e terra, cenouras forraginosas e farinha, sem gordura. Duas vezes na semana continha carne em muito pouca quantidade, outras duas bacalhau ou outro peixe que, apesar da fome, repugnava aos mais fortes estômagos”. Em Breensen os prisioneiros sentiam também um desgaste psicológico e desalento, provocados pelas saudades dos amigos e família. Mas sentiam especialmente o sentimento de abandono a que o governo português o votava. Aquilo que os prisioneiros portugueses esperavam eram medidas similares às que viam receber os prisioneiros de outras nações, como escreveu Alexandre Malheiro77. Em todas as memórias e inquéritos ressaltam a aversão aos “boches”, a ausência de apoio governamental, traduzido num sentimento de abandono por parte da Pátria, que os envio a combater numa guerra cujas razões não compreendiam. Mas ressalta particularmente, “a fome e a saudade”, na expressão feliz de Nuno Severiano Teixeira no seu trabalho sobre os prisioneiros de guerra portugueses. A LIBERTAÇÃO E O REGRESSO Sensivelmente um mês depois do final Grande Guerra, regressou o primeiro contingente do CEP, agora saindo do porto de Cherbourg. Mas o processo de repatriamento dos prisioneiros de guerra foi demorado e marcado pelo desconhecimento sobre a altura em que deixariam os campos de prisioneiros alemães, tornando-se, como refere Nuno Severiano Teixeira, o último problema destes militares. O Armistício estipulava que a Alemanha devia libertar 76 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 155. 77 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 131 e p. 168.
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de imediato e sem condições, todos os presos dos países aliados. Era uma medida louvável, mas na prática gerou o caos. A colocação do sistema de repatriamento era lenta e complexa, retardando o retorno dos milhares de prisioneiros que, de repente, ficaram dispersos em território alemão sem saberem como regressar78, Uma parte foi repatriada oficialmente, mas outros, face à morosidade no seu evadiram-se de forma individual ou em grupo. No Verão de 1918 iniciava-se o final da guerra. Os exércitos alemães retiravam para a retaguarda, levando com eles muitos dos prisioneiros. Os que ficaram na França ou na Bélgica foram os primeiros a ser libertados, abandonados à sua sorte nos campos de internamentos e encetando então a viagem de retorno a “casa”. Outros conseguiram ser recolhidos pela guarda avançada doa Aliados. Contudo, para prisioneiros que se encontravam em solo alemão a situação era mais delicada e muitos prisioneiros acordaram em 12 de novembro com o campo simplesmente abandonado pelas tropas alemãs. As dificuldades e instabilidade política na Alemanha tornavam vulnerável e em condições cada vez mais deploráveis a situação dos prisioneiros nos campos de internamento. A França e a Inglaterra enviaram comissões para Berlim, a fim de acelerar o repatriamento dos seus presos. Contudo, a “República Nova” primou pela lentidão79. O representante dos prisioneiros portugueses, Tenente-Coronel Craveiro Lopes, procura em vão a comissão portuguesa em Berlim. Uma vez mais, o governo português tinha-os esquecido80. O delegado português do Serviço de Prisioneiros de Guerra, o Major de Infantaria Pestana de Vasconcelos, partira para França em setembro, mas só no dia 27 de dezembro, já na Holanda, dá início oficialmente ao processo de repatriamento81. O delegado conhecia bem a realidade dos presos de guerra. A sua preocupação com os prisioneiros, nomeadamente com seu o regresso reflecte-se numa carta que, a 4 de novembro, quando faltavam poucos dias para o fim da Grande Guerra, enviou para Egas Moniz, então à frente do Ministério dos Estrangeiros, e na qual propunha uma série de medidas que deveriam ser aplicadas no repatriamento82. É certo que a margem de manobra de Portugal era quase nula, condicionada, por um lado, porque as decisões relativas ao repatriamento dependiam da Comissão Internacional do Armistício e, por outro, porque não dispunha de meios de transporte próprios (ferroviários ou marítimos) necessários ao repatriamento dos prisioneiros. Mas falhava no único ponto em que poderia ter sido útil – a informação, a assistência diplomática, o contacto entre os prisioneiros e a pátria83. Com as condições nos campos de internamento cada vez mais precárias, os prisioneiros impacientavam perante a falta de informações e morosidade no processo de repatriamento. Sentindo-se uma vez mais esquecidos, alguns prisioneiros assumem regressar a casa por sua conta e risco. Para outros, nomeadamente os doentes e feridos, não houve outra alternativa senão aguardar o regresso nos campos de internamento. 78 - Fernando Rita, Com a Vida Tão perdida. Diário de um prisioneiro na Primeira Grande Guerra, pp. 94-95; Nuno Severiano Teixeira, A Fome e a Saudade. Os Prisioneiros Portugueses na Grande Guerra, p. 112. 79 - Maria José Oliveira, “Deste Triste Viver” – Memórias dos prisioneiros de guerra portugueses na primeira guerra mundial, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa, 2011, p. 90. 80 - Nuno Severiano Teixeira, A Fome e a Saudade. Os Prisioneiros Portugueses na Grande Guerra, p. 112. 81 - Maria José Oliveira, “Deste TristeViver” – Memórias dos prisioneiros de guerra portugueses na primeira guerra mundial, p. 90. 82 - Maria José Oliveira, “Deste TristeViver” – Memórias dos prisioneiros de guerra portugueses na primeira guerra, p. 38. 83 - Nuno Severiano Teixeira, A Fome e a Saudade. Os Prisioneiros Portugueses na Grande Guerra p. 112.
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As rotas de regresso dos prisioneiros fizeram-se pelos portos de Calais, Roterdão, Hamburgo e Copenhaga. Muitos prisioneiros que não se encontravam em condições físicas de regressar estiveram primeiro em campos de recuperação para ganharem peso antes de voltar a casa. Em dezembro foi considerado que quase todos os prisioneiros de guerra portugueses se encontravam livres dos campos de prisioneiros da Alemanha e a caminho da fronteira de França, Bélgica ou Holanda, para serem posteriormente embarcados para Portugal. Para os que não optaram pela fuga o regresso prolongou-se por todo o ano de 1919, até 1920, só acontecendo para muitos dois anos depois. Inicialmente, o regresso dos prisioneiros foi efetuado com júbilo. Mas, a partir do mês de abril vários contingentes chegados não receberam nenhum acolhimento especial ou manifestação de apreço por parte das autoridades oficiais, que pretendiam encobrir a sua incapacidade na resolução das demoras e limitações dos transportes que deveriam repatriar os prisioneiros de guerra84, cujo sentimento face a esta indiferença e a ingratidão, é visível no texto do antigo prisioneiro Afonso do Paço: “Lisboa, 17/2/1919: Atracado o barco no cais da parte da manhã, só ao anoitecer me deram destino certo, a mim e umas centenas de ex-prisioneiros. Levamos o dia numa pasmaceira colossal, ora dizendo-nos que íamos para Mafra, ora para o Norte combater os revoltosos monárquicos… para depois nos mandarem para o quartel da Graça, vendose assim livres de nós como de um pesado fardo. (…) Desembarcámos no meio da maior indiferença, no meio da maior apatia da população alfacinha, alheia a tudo que pudesse fazer vibrar a alma nacional. As tropas que chegavam da França, umas centenas de ex-prisioneiros e um batalhão que no fim conseguiu elevar um pouco o CEP do atoleiro em que o afundou a politiquice mereciam aos governantes e aos governados a mesma atenção que qualquer saloio que da Lourinhã vem vender um carro de nabiças à praça da Figueira. Umas damas, creio que da Cruz Vermelha, davam a cada soldado que desembarcava duas bolachas e uma caneca de café. Atravessamos as ruas até à Graça sem que o alfacinha voltasse a cabeça para ver as tropas que passavam, vindas do CEP. Foi esta a recepção que tivemos em Portugal. Não valia a pena, para isto, tamanhos sacrifícios”85. E, quatro anos após o fim da guerra, Diocleciano Augusto Martins, entretanto promovido a general, lê um recorte de jornal intitulado “Os Esquecidos da Grande Guerra”, no qual o articulista lamenta que, em Portugal, “esses heróis se tornassem ‘esquecidos’ e não ‘ressuscitados’ – como em França se chamava, com respeito e admiração aos ex-prisioneiros franceses”86. Era, como bem expõe Fátima Mariano, o “véu bem espesso” de Ferreira Martins já a cair sobre os antigos prisioneiros portugueses87. 84 - Carlos Jorge Alves Lopes, Os portugueses na Grande Guerra. Uma experiência de combate e de cativeiro, p. 119; Fernando Rita, Com aVida Tão perdida. Diário de um prisioneiro na Primeira Grande Guerra, pp. 96-97. 85 - Afonso do Paço, Cartas às madrinhas de guerra, Porto, Ed. de Maranus, 1929, pp. 175-176, Cf. Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 92. 86 - Maria Helena Brandão C. M. de Freitas, Contributos para a História do Prisioneiro Português na Guerra de 1914/1918. Revista de Ciências Históricas, Vol. II, 1987, pp. 325-340, cf. Fátima Mariano, Prisioneiros: a Face Esquecida da Guerra, p. 99. 87 - Fátima Mariano – Prisioneiros: a Face Esquecida da Guerra, p. 99.
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Quase todos os prisioneiros de guerra estarrejenses regressaram nos primeiros tempos. Como vimos, o processo de libertação e repatriamento dos prisioneiros de guerra foi moroso. A demora começava a ser olhada pelos cativos como um novo acto de violência levado a cabo pelo inimigo e como mais uma consequência do esquecimento a que se sentiam votados pelo governo português88. No início de dezembro, Artur ainda permanecia em solo alemão, em Breensen, sem saber o dia em que abandonaria o campo. A dia 6 de dezembro escreveu uma carta para Veiros, ao cuidado de seu pai, José Maria Marques [Salgado]. Alemanha / Breesen i Meckl Post Roggerdor, 16 de dezembro de 1918 Meus Pais Felizmente estou de saúde perfeita, assim o estejam também. A tristeza que há dias lhe anunciara continua, pois aproxima-se a festa de Natal e creio nunca contei passá-la na prisão. Passarei cá o Ano Novo? Não sei, mas tenho esperanças que esteja já em viagem. Notícias não tenho, pois há mais de um mês que não vem correspondência e não sei se vai. Cumprimentos para todos. Beijos aos sobrinhos. Abraços à avó, minha irmã e a meus Pais do filho Artur Salgado alf. Inf.ª 2989 A carta, como muitas outras nunca chegou ao destino. Por motivos tantas vezes insondáveis, a censura postal feita pelo CEP, continuava a apreender correspondência de e para os prisioneiros – o desejo de paz, as carências alimentares, a alusão ao extravio ou atraso das cartas constituíam razões para confiscar as cartas e os bilhetes-postais90. Artur pensou que passaria a quadra natalícia com a família, mas só na véspera de Natal, os oficiais aprisionados em Breensen souberam que seriam repatriados a partir do dia 28. A sua libertação ficou a dever-se às negociações directas dos próprios prisioneiros com Berlim, ao auxílio da embaixada de Espanha em Berlim e às diligências de oficiais do exército alemão e britânico91. Pouco depois, mas já passado o Ano Novo, Artur apresentou-se no Quartel-General do CEP, vindo da Alemanha, em 8 de janeiro de 1919, seguindo para o Porto de Embarque de Cherbourg, a fim de ser repatriado. No dia 25 desse mês embarcou 88 - cf. Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 177. 89 - “Comissão de Socorros aos Militares Portugueses Prisioneiros de Guerra. Lausanne (Suiça), em AHM, 1.ª Divisão, 35.ª Secção”, cf. Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, pp. 73-74. 90 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 49. 91 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 178.
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para Portugal, a bordo de navio inglês Helenus, conjuntamente com um contingente de outros ex-prisioneiros, alguns dos quais eram os seus conterrâneos, aportando em Lisboa no dia 2892. Estava finalmente de regresso a casa, depois de cerca de oito meses de cativeiro. O tenente-médico Firmino de Jesus Pinho, também internado em Breesen, não aguardou pelo repatriamento oficial, abandonando por sua conta e risco o campo de internamento, percorrendo longos trajectos a pé e de comboio até à fronteira, pedindo abrigo e comida nos lugares por onde passavam. Como outros oficias seus camaradas de cativeiro, caso do também tenente médico Hermenegildo Lourinho, Firmino foi um dos 40 prisioneiros de Breesen que conquistaram por vontade própria a liberdade, dele se poderá dizer, o que a seu próprio respeito escreveu Hermenegildo Lourinho: “Não fui repatriado da Alemanha oficial ou oficiosamente”. Firmino apresentou-se no Quartel general do CEP em 26 de dezembro de 1918, um dia antes do início do processo oficial de repatriamento, tendo seguido no dia 2 de janeiro de 1919 para o Tribunal de Guerra por ali ter um auto pendente, certamente relativo à incógnita sobre o seu paradeiro. Apresentou-se no Quartel-General do CEP em 18 de janeiro, por ter sido absolvido no Tribunal de Guerra. Regressou no dia 19 desse mês de janeiro a Portugal, por via terrestre, onde chegou em 7 de fevereiro. Ou porque simplesmente o seu campo foi abandonado pelos guardas logo a seguir ao Armistício, ou porque optou pela fuga, também ainda antes do início do repatriamento oficial, António da Silva Neves, apresentou-se em 20 de novembro. Supomos que tenha estado preso cerca de sete meses no campo de Merseburg. No relato sobre António Maria Rodrigues Lourenço, prisioneiro também naquele campo, Maria José Oliveira narra que “a 20 de novembro de 1918, nove dias depois de assinado o Armistício, um homem magro, com o vestuário e o calçado em mau estado, iniciou uma caminhada de vários dias, alimentando-se de nabos e cenouras cruas (…). A 21 de janeiro de 1919 embarcou no cruzador português Gil Eanes, em Cherburgo, e quatro dias depois estava em Alcântara, juntamente com centenas de expedicionários”93, um dos quais era o estarrejense António. José Marques Couto, como grande parte dos prisioneiros do campo de Merseburg, apresentou-se em 20 de novembro de 1918, ainda antes do início do repatriamento oficial. Regressou a Portugal, via Holanda, a bordo do Gil Eanes, em 21 de janeiro na companhia de outros ex-prisioneiros estarrejenses. Aportou em Lisboa no dia 25, quase um ano após de ter sido enviado com os seus correligionários para combater num país distante, às ordens da sua Pátria. Também ainda antes do repatriamento oficial, Frutuoso Jorge transpôs a fronteira alemã e apresentou-se no porto de embarque de Cherbourg, em 25 de dezembro de 1918, dia de Natal, vindo de Paris. No seu boletim não há quaisquer rectificações após ser dado como desaparecido, pelo que ou porque foi libertado ou porque o seu campo de internamento foi simplesmente abandonado, encetou a viagem rumo à liberdade por sua própria iniciativa. Cerca de um mês depois da sua chegada, foi repatriado a bordo do Gil Eanes, em 21 de janeiro de 1919, desembarcando em Lisboa no dia 25. Com ele vinha, entre tantos outros ex-prisioneiros, os seus conterrâneo António da Silva Neves e João Marques Couto. 92 - https://arqhist.exercito.pt/details?id=126490, código de referência PT/AHM/DIV/1/35A/1/08/2312 93 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, pp. 14-15
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João Maria, ainda terá permanecido até ao início do ano de 1919 no campo de Quedlimburgo, num período em que continuavam em pleno funcionamento os serviços de repatriamento, tendo-se apresentado em 16 de janeiro. Pela data de desembarque, viajou com outros ex-prisioneiros, a bordo de navio inglês Helenus, que saiu no dia 25, tendo aportando em Lisboa em 28. Estavam finalmente de regresso a casa, após cerca de nove meses de cativeiro na Alemanha. Também de regresso à Pátria na mesma altura, Francisco António Gato, após cerca de nove meses cativo em Müster II, apresentou-se em 2 de janeiro de 1919 na Delegação de Paris. No dia 4 já se encontrava no porto de embarque de Cherbourg, “a fim de ser repatriado”. Todavia, certamente devido às situações de privação porque passou, antes do seu retorno foi internado na Ambulância 3, a 10 de janeiro. Dias depois, a 25, foi-lhe concedida alta, embarcando de regresso à Pátria. Terá feito a viagem a bordo do Helenus, com os seus camaradas. No dia 28, desembarcou finalmente no porto de Alcântara. João Dias da Silva foi mais um dos praças de Estarreja que optou pela fuga antes do início do repatriamento oficial. No campo de Freindrichsfeld, onde esteve internado, o Comité de Assistência aí criado pelos prisioneiros portugueses, contactou no dia 23 de novembro a legação portuguesa na Holanda indagando sobre as “providências” que estavam a ser tomadas para o seu repatriamento. A resposta, que chegou nos primeiros dias de dezembro, dizia apenas que o ministro da tutela [António Bandeira] estava a enveredar todos os seus esforços para que o repatriamento ocorresse o mais breve possível94. Mas o regresso tardava, pelo que cansados de esperar e sentindo-se abandonados, muitos decidiram não esperara pelo repatriamento oficial, seguindo de regresso por conta própria, como João que se apresentou precisamente um mês depois do Armistício, a 11 de dezembro, seguindo da Holanda para Portugal a bordo do navio inglês HMS North Western Miller, em 12 de janeiro de 1919. Desembarcou em Lisboa escassos dias depois, a 18. Joaquim Lopes Júnior encontrava-se também Freindrichsfeld, e igualmente decidiu regressar por sua conta, terá transposto a fronteira alemã dias depoisdo seu conterrâneo João dias da silva, apresentando-se no porto de embarque de Cherbourg, em 25 de dezembro de 1918, dia de Natal. Contudo, retornou à Pátria como João, vindo da Holanda para Lisboa no HMS NorthWest Miller, em 12 de janeiro de 1919. Aportou em Lisboa, no cais de Alcântara, em 18 de janeiro de 1919. João e Joaquim eram os primeiros prisioneiros do concelho de Estarreja a chegar a Portugal. José Maria de Oliveira e António Maria, também prisioneiros em Freindrichsfeld, só deixaram o campo nos inícios de janeiro de 1919, quando ainda se mantinham em pleno funcionamento os serviços de repatriamento de prisioneiros de guerra disseminados pelos vários campos da Alemanha. Apresentaram-se em 16 de janeiro, tendo embarcado, para Portugal, com um contingente de outros ex-prisioneiros, a bordo do Miller, em 31 de janeiro de 1919. Dias depois, a 4 de fevereiro, aportaram no cais de Alcântara, por fim de regresso a Portugal. Tinham passado nove meses em cativeiro em solo alemão.
94 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 177 cf. Actas manuscritas do Comité de Prisioneiros Portugueses no Campo de Friedrichsfeld, em Arquivo/Biblioteca da Liga dos Combatentes.
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João Maria de Almeida só deixou o campo de Merseburg, em janeiro. Apresentou-se no dia 30 desse mês e, em meados de fevereiro, foi repatriado, tendo chegado a Lisboa em 16, cerca de dois anos após a sua partida para o teatro de guerra da Flandres e de nove meses de cativeiro. António Joaquim Compôto não saiu incólume do seu internamente no campo de Freindrichsfeld, pois sabe-se que foi libertado somente em fevereiro de 1919, vindo de uma ambulância alemã. A sua ficha de expedicionário indica que em 16 de fevereiro de 1919, foi evacuado da ambulância alemã para o Hospital Lugler de “Hal”. A 25 desse mês foi transferido daí para a unidade hospitalar portuguesa, Hospital da Base 1, onde em Junta Médica foi julgado incapaz de todo o serviço, não podendo angariar meios de subsistência em 17 de março de 1919. Desconhecemos de que mal ou males padeceu este combatente enquanto prisioneiro de guerra. Porém, o facto de ter regressado de ambulância, acrescido decisão sobre a sua incapaz para angariar meios de subsistência, indica-nos a gravidade do caso. A 25 de abril foi evacuado do Hospital da Base 1 para Portugal, embarcando em Boulogne, a bordo do navio Gaston. Chegou a Lisboa em 30 de abril de 1919. Era o último dos prisioneiros de guerra do concelho a retornar. As suas condições físicas obrigaram-no a permanecer internado longos meses. Mas em Estarreja nem todos os ex-prisioneiros retornaram, pois um deles faleceu em solo alemão no campo onde se encontrava internado. Dos cerca de sete mil presos, Maria José Oliveira aponta para 259 o número de prisioneiros de mortos na Frente Ocidental, incluindo no quadro das baixas os que faleceram nos campos de internamento e de trabalhos forçados; os que estiveram na linha da frente obrigados a trabalhar para o exército alemão em operações de guerra; os que sucumbiram nos hospitais após a captura e os que morreram no Front, poucas horas depois da sua captura95. Joaquim Rodrigues de Pinho foi um dos que não regressou, tendo falecido em Merseburg, a 25 de agosto de 1918, por desastre96. Os seus restos mortais foram exumados e trasladados para solo francês. Joaquim encontra-se sepultado, no único cemitério militar exclusivamente português, Richebourg l’Avoué, no talhão D, fila 9, coval 8. O website (memorialvirtual.defesa.pt), do Arquivo Histórico Militar indica que morreu em combate no dia 26 de agosto de 191897. Todavia, as informações constantes nos arquivos da Cruz Vermelha Internacional permitem aferir que esteve cativo e faleceu em Merseburg, a 25 de agosto. Corroborando esta informação, o seu nome consta de uma relação de prisioneiros de guerra, mortos em cativeiro, enviada por Berlim para Lisboa, em data não indicada, que foi transcrita por Maria José Oliveira no seu trabalho sobre os prisioneiros de guerra portugueses, na Frente Ocidental98.
95 - Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial. Frente Europeia -1917/1918, p. 19. 96 - https://grandeguerre.icrc.org/ 97 - http://www.memorialvirtual.defesa.pt/Lists/Combatentes/DispFormCombatente.aspx?List=fb2f9ac5-bca8-43cd9157-615a0b996189&ID=11036 98 - Cf. Maria José Oliveira, Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial-Frente Europeia 1917/1918, p. 204; http://www.memorialvirtual.defesa.pt/Lists/Combatentes/DispFormCombatente.aspx?List=fb2f9ac5-bca8-43cd9157-615a0b996189&ID=11036
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UMA OBRA DO PINTOR FRANCISCO PINTO DA COSTA (1826-1869) NA CASA-MUSEU EGAS MONIZ
Susana Moncóvio*
Resumo: Este apontamento biográfico tem como objetivo familiarizar os leitores da revista Terras de Antuã e os visitantes da Casa-Museu Egas Moniz, em Avanca / Estarreja, com a figura e a obra do pintor gaiense Francisco Pinto da Costa (1826-1869), enquanto autor de um retrato do seu acervo (dito de Júlio Dinis), e resulta de uma síntese do trabalho publicado em 2013. Na visita que efetuámos à Casa-Museu Egas Moniz, em Avanca, tivemos a oportunidade de observar um quadro do seu acervo e a satisfação de reconhecer o seu autor. Referimonos ao retrato de homem com boina vermelha existente na sala do prémio Nobel (Inventário CMEM D38), uma representação associada ao escritor Júlio Dinis, assinado «Pinto pint.», que identificámos como Francisco Pinto da Costa (1826-1869).
Fig. 1 - Sala do prémio Nobel, professor Egas Moniz Casa-Museu Egas Moniz
Sendo um artista pouco conhecido no panorama nacional, com uma produção maioritariamente no âmbito da retratística, a que se junta agora este importante contributo, mas que escapa à cabal inventariação por se encontrar dispersa em coleções privadas, considerámos oportuno partilhar com os leitores da revista «Terras de Antuã» e potenciais visitantes da Casa-Museu Egas Moniz um breve apontamento biográfico. Assim, este artigo resulta da síntese do trabalho por nós publicado em 2013 e visa familiarizar o público com este pintor oitocentista do período romântico que, tendo iniciado um percurso artístico auspicioso, faleceu precocemente e caiu no esquecimento1. * Investigadora em História da Arte: CITCEM / GHAP-ASCR-CQ. Contacto: smoncovio@gmail.com 1 - MONCÓVIO, Susana - Francisco Pinto da Costa (1826-1869): desfiar a memória. Revista de Portugal. Vila Nova de Gaia: ASCR-CQ, n.º 10, 2013: 14-39. ERRATA [adenda bibliográfica]. Revista de Portugal. Vila Nova de Gaia: ASCR-CQ, n.º 11, 2014: 64. Em acesso livre: <https://flup.academia.edu/SusanaMoncovio>.
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Mas quais os fundamentos para afirmarmos a identidade do autor? Começamos por guiar o leitor na análise formal do quadro em exposição: na moldura, a placa metálica colocada no segmento inferior contem a inscrição: «PINTO - RETRATO DE JÚLIO DENIS / AOS 21 ANOS»; no seu verso, na estrutura de suporte, encontram-se duas anotações manuscritas: na trave inferior: «Sousa Pinto - Retrato de Joaquim Guilherme Coelho (Julio Diniz) aos 21 anos, gloria da Literatura Portuguesa 1839-1871 - (nota da pessoa a quem o quadro foi oferecido)», na lateral esquerda: «Não deve ser de Souza Pinto - mas de um pintor Pinto que desconheço. Egas Moniz». Na tela, a figura masculina com boina vermelha destaca-se do fundo negro, o rosto, encoberto pela barba, a tez iluminada e o olhar penetrante presentificam o retratado e cativam o visitante. O autor escreve a vermelho, a assinatura, no canto inferior esquerdo: «Pinto pint.», e a data, no canto inferior direito: «1860». Na parte posterior, uma dedicatória manuscrita: «Ao seu particolar am.º // Carlos Luiz Vieira // Offerece // O Author // 1860».
Fig. 2 e Fig. 3 - Retrato de homem / Júlio Dinis. Frente e verso «Pinto pint. / 1860» Óleo sobre tela. Dimensões 30x37,5 cm Casa-Museu Egas Moniz. Inventário CMEM D 38
A observação e o olhar informado pelo estudo realizado em 2013 deram passo à análise comparativa com o retrato do poeta António Augusto Soares de Passos (1826-1860), um quadro do espólio do Ateneu Comercial do Porto, realizado por Francisco Pinto da Costa em 1860, o qual contem idênticas soluções.Também aqui, a figura destaca-se do fundo negro e o pintor inscreve na tela, a vermelho, a assinatura e a data: no canto inferior esquerdo: «Pinto da Costa, pint. do morto», e no canto inferior direto: «1860». O reconhecimento de vários elementos formais em comum, como a caligrafia, o formato da assinatura e datação no campo da tela, bem como a cor utilizada, constituem fundamentos sólidos para atribuir a autoria do quadro da Casa-Museu Egas Moniz a Francisco Pinto da Costa. [ 220 ]
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Fig. 4 (a / b / c) - Retrato de António Augusto Soares de Passos «Pinto da Costa, pint. do morto / 1860» Ateneu Comercial do Porto. Inventário ACP-P 171
Cabe agora apresentar o pintor. Francisco Pinto da Costa nasceu no dia 30 de dezembro de 1826 e foi batizado a 11 de janeiro de 1827, na freguesia de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, filho de João Pinto da Costa (n. 1799) e de Ana Emília Fernandes Reis (n. c. 1805)2. Teve vários irmãos, entre os quais António Pinto da Costa (n. 1840), que foi diretor da Companhia de Seguros Garantia, no Porto, e Ricardo Pinto da Costa (1828-1899), que casou com D. Francisca Bartól y Perez, proprietária na região de Lumbrales, tendo sido nobilitado como 1.º conde de Lumbrales por serviços prestados na província de Salamanca (1888), um título depois reconhecido pelo monarca português (1889)3. Os primeiros anos de vida ficaram marcados pelas Guerras Liberais, tendo o pai integrado o Batalhão Nacional de Voluntários e seguido para o exílio com as tropas de D. Pedro, tal como os tios José e António Pinto da Costa e João e Daniel Fernandes Reis, e regressado incorporando o Exército Libertador, em 1832. Estes feitos foram reconhecidos com as medalhas de Cavaleiro da Ordem de Torre e Espada e de Cavaleiro da Ordem de São Bento de Avis, e perpetuaram-se na memória local através da obra «Descripção topographica, e historica de Villa Nova de Gaya»4. Entre 1839 e 1851, efetuou a sua formação artística na Academia Portuense de Belas Artes, cumprindo o programa curricular como aluno em regime ordinário e voluntário. Frequentou o ensino dos 13 aos 25 anos, sob a docência de Francisco António da Silva 2 - Arquivo Distrital do Porto - Paróquia de Santa Marinha. Batismos. 1827, fl. 256v. 3 - ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins (Direção) - Nobreza de Portugal e do Brasil. Lisboa: Representações Zairol, Ld.ª.ª, 1989: 704-705. 4 - AZEVEDO, João A. M. de; SANTOS, Manoel Rodrigues - Descripção topographica, e historica de Villa Nova de Gaya. Vila Nova de Gaia: Associação Cultural Amigos de Gaia, 1995: 243, 261-263.
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SUSANA MONCÓVIO
Oeirense (Desenho Histórico), Francisco Pedro de Oliveira e Sousa (Escultura), Joaquim Rodrigues Braga (Perspetiva e Anatomia, Pintura) e Domingos Pereira de Carvalho (Pintura Histórica). Participou na 1.ª Exposição Trienal da Academia, em 1842, com um desenho «Cópia de litografia de Julien» (medalha de prata), aperfeiçoou a técnica efetuando cópias no Museu Portuense, uma prática comprovada pelo - Retrato de …, assinado «F. P.º da Costa copiou em 1845», em cujo verso pintou um estudo anatómico. Este quadro e dois retratos adiante referidos foram adquiridos na década de noventa do século XX a descendentes do pintor e integram atualmente a coleção do dr. Anísio Franco.
Fig. 5 - Retrato de … «F. P.º da Costa copiou em 1845» Coleção Dr. Anísio Franco
Após uma interrupção durante a guerra da Patuleia, concluiu o curso de Pintura Histórica com a prova de exame - O desengano de D. João II, uma obra de invenção que teve por mote: «O Prior mor do Crato D. Diogo de Almeida, e o Bispo de Tanger dando o último desengano a El-Rei D. João II, de que morre infalivelmente», exposta na 4.ª Exposição Trienal, em 1851, juntamente com as seguintes obras: - Vénus, - Paisagem, cópia de Pillement (nascer do sol), - Paisagem, cópia de Pillement (pôr do sol), - Dorso. Foi também o tempo de cimentar amizade com Francisco José Resende (1825-1893)5, que o retratou por diversas vezes, conhecendo-se o desenho exposto na Trienal de 1845, o «Retrato de jovem cavalheiro», atualmente na Coleção Tello de Morais, Museu Municipal 5 - MOURATO, António Manuel Vilarinho - Cor e Melancolia: uma biografia do pintor Francisco José Resende. Porto: Universidade do Porto. Faculdade de Letras, 2000, 3 Volumes.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
de Coimbra (Inventário 181P), e o «Retrato do Pintor e de um Amigo, meio corpo», exposto na Trienal de 1851, que surgiu em 1892 no leilão da coleção de D. Fernando, com o n.º 18 e descritivo: «Retrato de Rezende (Auctor) e Pinto da Costa (meias figuras), assignado Rezende 1851, escola portugueza, largura 0,83 altura 1,08 - 27$000»6. Tal como muitos outros artistas, Pinto da Costa foi sensível aos ensinamentos de Auguste Roquemont (1804-852) nos domínios da pintura de costumes e da retratística, tendo efetuado a cópia de um dos autorretratos do pintor suíço estabelecido no Porto, a qual esteve na posse do conde de Lumbrales (seu sobrinho)7.
Fig. 6 - Cópia do Autorretrato de Roquemont In VITORINO, 1929, Est. II
No âmbito do mecenato régio que caracterizou a ação de D. Fernando II (1816-1885), Francisco José Resende apresentou como prova de mérito artístico - Lavradeira do outro lado do rio, em trajes de festa, e Francisco Pinto da Costa - Um pobre cego (do natural), e ambos obtiveram uma bolsa para formação no estrangeiro. Partiram para Paris em 1853 e, nessa ocasião, João Marques Nogueira Lima, redator de «A Grinalda», dedicou um poema a Pinto da Costa - Última flor (1853), publicado em 18558. Em Paris, tiveram aulas de modelo vivo no ateliê de M. Yvon e efetuaram cópias de algumas obras do Museu do Louvre, mas apenas Francisco Pinto da Costa ingressou no ensino oficial, na École des Beaux Arts (aspirante, matrícula N.º 4234), em 1854, onde 6 - CATALOGO dos Quadros existentes no Real Palácio das Necessidades pertencentes à herança de Sua Magestade El-Rei o Sr. D. Fernando e que hão de ser vendidas em leilão. Lisboa: Tip. e Lith. A Vapor da Papelaria Progresso, 1892: 5. 7 - VITORINO, Pedro - O Pintor Augusto Roquemont (No centenário da sua vinda para Portugal). Porto: Edição Maranus, 1929: 21, Est. II. A obra original: Autorretrato de Roquemont, pintura a óleo. 77x62 cm, pertencia ao conde de Castelo de Paiva e estava em depósito no Museu Nacional Soares dos Reis. - Cf. Museu. Porto: Círculo Dr. José de Figueiredo, n.º 12 (abr. 1949): 171-172. 8 - A Grinalda. Porto, n.º 2 (1855): 30-31.
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SUSANA MONCÓVIO
estudou pintura sob direção de M. Nanteuil9. Data desse período o «Autorretrato feito em Paris», onde se representa com barba, olhar penetrante, envergando um manto de padrão quadriculado, com o qual obteve um prémio (divulgado na revista O Tripeiro, em 1931)10. Os estudos académicos pelo modelo vivo efetuados nesta fase (modelos masculinos e femininos), bem como as cópias dos mestres da pintura patentes nos museus de Paris (Rembrandt, Rubens, Ribera, Giordano, Rafael e outros), foram apresentados publicamente na Exposição Trienal de 1854.
Fig. 7 - Autorretrato, feito em Paris, c. 1854/55 In O Tripeiro. Porto, n.º 7 (177) (maio de 1931): 104
O sucesso académico minou a amizade e ambos regressaram ao Porto, em 1855, onde Pinto da Costa se estabeleceu como pintor de história e de retratos. Nesta fase executou - Retrato de António Pinto Coelho da Silva, pintura a óleo, assinada e datada: «F. Pinto da Costa, Pintou / Porto 1855», em depósito no Museu Nacional de Soares dos Reis (onde também existe um retrato do mesmo indivíduo, a aguarela, não assinado / não datado); e - A morte de Camões (1856), uma obra referida em algumas camonianas e que terá entrado na coleção de D. Fernando11. Entre 1858 e 1859 realizou sete retratos para a Galeria de Benfeitores da Santa Casa da Misericórdia do Porto, dos quais apenas quatro estão identificados: - Retrato D. Pedro V (263x168 cm, Inventário Rt0330;), - Retrato do Conselheiro Domingos Ribeiro de Faria (104x85 cm, Inventário Rt0025), em 1858, e - Retrato de João Teixeira Guimarães (285x200 cm, Inventário Rt0300) e - Retrato doVisconde de Alpendurada (108x89 cm, Inventário Rt0029), em 1859. 9 - FRANÇA. École Nationale Supérieure des Beaux-arts de Paris. Archive de l´École Nationale et Spéciale des Beaux-arts. Matricule N. º 4234 - Dossier Scolaire de François Pinto da Costa (n. 30 Décembre 1826, Porto, Portugal): 129-131. 10 - O Tripeiro. Porto, n.º 7 (177) (maio de 1931): 104 11 - JUROMENHA, Visconde de - Obras de Luiz de Camões. Lisboa: Imprensa Nacional, 1860, Volume I: 431. - Vd. BILIOGRAPHIA CAMONIANA servindo de Catálogo Official da Exposição Camoniana do Centenário, coordenada pela Commissão Litteraria das Festas. MDLXXX - MDCCCLXXX. Porto: Palacio de Crystal - Editor. Typographia Occidental, 1880: 120; - Vd. BRAGA, Teophilo - Bibliographia Camoniana. Lisboa: Imprensa de Christovão A. Rodrigues, 1880: 246.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Fig. 8 - Retrato de D. Pedro V, 1858 S.C.M.P. Inventário Rt0330
Fig. 9 - Retrato do conselheiro Domingos Ribeiro de Faria, 1858 S.C.M.P. Inventário Rt0025
Fig. 10 - Retrato de João Teixeira Guimarães, 1859 S.C.M.P. Inventário Rt0300
Fig. 11 - Retrato de visconde Alpendurada, 1859 S.C.M.P. Inventário Rt0029
Executou - Retrato de Inês Emília Ramos, pintura a óleo, assinada «Pinto pinta do morto / 1859», em depósito no Museu Nacional Soares dos Reis, e dois retratos de - D. PedroV, um encontra-se à guarda do Museu Nacional Soares dos Reis (Inventário 889 Pin MNSR) e o outro na sala de retratos do Palácio da Bolsa, Porto. [ 225 ]
SUSANA MONCÓVIO
Fig. 12 - Retrato de D. Pedro V, 186? Palácio da Bolsa, Porto
Pinto da Costa revelou a faceta de crítico de arte no diário «O Clamor Público», um jornal de António de Sousa Barbosa Faria que se distinguiu pelos artigos sobre a atualidade económica e financeira do período da Regeneração e pela sua secção literária. Entre fundadores e colaboradores citam-se: António Coelho Lousada, Evaristo José de Araújo Basto, Camilo Castelo Branco, Alexandre Braga, pai, Pedro de Amorim Viana, A. F. Paiva Araújo, António José Maria da Rocha e F. Pinto da Costa. O pintor foi responsável pelo artigo: «Estudos e considerações sobre o estado das Bellas-Artes em Portugal», iniciado no n.º 3, de 2 de outubro de 1856, p. 3, assinado J. Pinto da Costa, e concluído no n.º 9, de 9 de outubro de 1856, p. 3, assinado F. Pinto, que refletia as preocupações com o ensino e os escassos recursos das Academias de Belas Artes (Resende iniciou crítica da arte em «O Ecco Popular», n.º 164, de 25 de julho de 1859). Em 1860, encontrava-se estabelecido com ateliê na rua Formosa, n.º 240. Nesse ano apresentou 12 pinturas na 7.ª Exposição Trienal da Academia Portuense de Belas Artes: - Retrato do autor, busto ao natural, - Amor paternal e - A reza interrompida pela criada (composições originais), - Retrato do Barão do Corvo, - Retrato da Baronesa do Corvo, - Retrato do Pintor Manuel Marques Pinto, antigo presidente da Associação dos Pintores Portuenses; - Retrato de Augusto Marques Pinto, filho do anterior e antigo aluno da Academia, - Retrato de José Marçal Brandão, comerciante e amador de arte, - Retrato de Albino José Pinto Ribeiro, antigo aluno da Academia, - Retrato do doutor José AntónioVideira, - Retrato de Marcelino, - Retrato de Henrique Luiz12. Consideramos que o - Retrato do autor, ou seja, o seu Autorretrato, exposto nesta ocasião corresponde ao retrato de homem com boina vermelha da Casa-Museu Egas Moniz, uma convicção reforçada pela assinatura / data e inegável semelhança com o «Autorretrato feito em Paris», cerca de cinco anos antes. Esta questão, que contraria a tradicional identificação com Júlio Dinis, pseudónimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871), 12 - CATALOGO das obras appresentadas na 7.ª Exposição Triennal da Academia Portuense das Bellas Artes, no anno de 1860 coordenado pelo substituto d´Architectura Civil da mesma Academia. Porto: Typographia de Gandra, 1860: 16-17.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
encontra-se em desenvolvimento13. Ainda em 1860, como vimos antes, executou o - Retrato de António Augusto Soares dos Passos, assinado «Pinto da Costa, pint. do morto / 1860», pertencente ao espólio do Ateneu Comercial do Porto (Inventário ACP-P 171), bem como a pintura - Oficina de Ferreiro, assinada «F. Costa», não datada (Inventário ACP-P175). Participou no ambiente artístico do seu tempo, tendo integrado o júri do 8.º Grupo (Belas Artes) da Exposição Industrial do Porto, em 1861, juntamente com João Baptista Ribeiro, Manuel José Carneiro, Raimundo Joaquim da Costa, Manuel da Fonseca Pinto, todos docentes de Belas Artes. Foi sócio da Sociedade Promotora das Belas-Artes, criada em 1861, em Lisboa, a qual organizou exposições anuais e promoveu a criação de relações de mercado da arte (1862-1887). Em 1863, iniciou atividade docente como professor Substituto de Desenho de Ornato na Escola Industrial do Porto, pouco tempo depois sucedeu ao Lente António José de Sousa Azevedo (1830-1864). Esteve entre os expositores presentes na Exposição Internacional do Porto, realizada em 1865, com três quadros a óleo: - El baile de Corosca, - La Simphonie, duas pinturas de costumes de Espanha, e o - Retrato de D. Maria Magdalena Galvão14. Curiosamente, nos anos noventa surgiu no mercado leiloeiro um quadro com o título comercial - Retrato de Pintora, assinado e datado: «Pinto da Costa / 1865», cuja imagem foi em boa hora publicada15. Estas informações permitiram identificar a pintora Maria Magdalena Paredes Galvão (1842-1871), filha do militar e desenhador José Gomes Ribeiro Galvão (c.18021863), que começou a expor precocemente na Academia Portuense de Belas Artes (1857), designadamente cópias de algumas das obras de Francisco Pinto da Costa realizadas em Paris16. Ela própria, na exposição de 1865, exibiu dois quadros, - Instrumento de música e flores e - Flores e frutos, um tema que desenvolve na pose em que foi retratada pelo pintor17.
Fig. 13 - Retrato de Pintora, 1865 «Pinto da Costa / 1865» In Arte Ibérica. Lisboa, n.º 16 (jul. 1998): 51 13 - Em breve publicaremos um artigo que desenvolve a questão da identidade do retratado e possíveis vias de incorporação da obra na coleção do professor Egas Moniz. 14 - Catalogo official da Exposição Internacional do Porto em 1865. Porto: Typ. do Commercio, 1865: 92. 15 - FRANCO, Anísio - À minha bigoduda. Arte Ibérica. Lisboa, n.º 16 (jul. 1998): 50-53. 16 - MONCÓVIO, Susana - Pintores de oitocentos: Maria Madalena Paredes Galvão (1842-1871) e seu pai, o Tenente José Gomes Ribeiro Galvão (c.1802-1863). Museu. Porto, n.º 20, 2013: 69-89. 17 - Catalogo official da Exposição Internacional do Porto em 1865. Porto: Typ. do Commercio, 1865: 93.
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SUSANA MONCÓVIO
Também na década de noventa, foram adquiridos dois pares de retratos a óleo autenticados pelos descendentes do pintor (Lumbrales), representando um homem com farda militar e uma senhora com touca. Um par, não assinados, ingressou na coleção do dr. Anísio Franco, a quem agradecemos as reproduções aqui publicadas e demais informações, desconhecemos o paradeiro do outro par. Pela longa permanência na posse da família, na esfera do afeto e da memória, e caracterização compatível com os meados do século XIX, julgamos tratar-se dos retratos dos pais do pintor (e do conde de Lumbrales). A favor, a arma de Infantaria, a patente de major e as medalhas de cavaleiro da Ordem de Torre e Espada e da Ordem de Avis atribuídas a João Pinto da Costa, bem como a austeridade típica desse período, no retrato da senhora. Os trabalhos acusam um amadurecido domínio da representação, atingindo um nível de registo psicológico.
Fig. 14 - Retrato de Militar Coleção Dr. Anísio Franco
Fig. 15 - Retrato de Senhora Coleção Dr. Anísio Franco
Fig. 16 - Retrato de Militar In Arte Ibérica. Lisboa, n.º 16 (jul. 1998): 52
Fig. 17 - Retrato de Senhora In Arte Ibérica. Lisboa, n.º 16 (jul. 1998): 52
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
No âmbito da pintura religiosa, identificámos o retábulo-mor da igreja de São Mamede de Infesta, subordinado ao tema - Eucaristia - Imolação do Cordeiro (c. 1866). A edificação foi financiada por Rodrigo Pereira Felício (1821-1872), conde de São Mamede, e decorreu entre 1864 e 1866, o que baliza a execução deste retábulo18.
Fig. 18 - Retábulo-mor: Eucaristia - Imolação do Cordeiro Igreja de São Mamede de Infesta In BOAVIDA, 1973, il.
Francisco Pinto da Costa faleceu em 5 de setembro de 1869, durante uma estadia em casa do conselheiro Manuel Ferreira de Seabra da Mota e Silva (1786-1872), nesse ano agraciado com o título de barão de Mogofores (Decreto de 20-05-1869)19. Embora possamos equacionar uma eventual encomenda, pois existem retratos do barão e da baronesa de Mogofores, cuja autoria não foi possível confirmar, o pintor havia sido condiscípulo de seu filho, Antero Frederico Ferreira de Seabra (1821-1883).
18 - BOAVIDA, Agostinho Fastio - S. Mamede de Infesta. Subsídios para a sua história. Matosinhos: Câmara Municipal de Matosinhos, 1973: 48-55 [il. p. 51]. 19 - O Commercio do Porto. Porto, n.º 207 (07-09-1869): 2.
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SUSANA MONCÓVIO
Apesar de um início de percurso artístico auspicioso, Francisco Pinto da Costa faleceu precocemente e rapidamente caiu no esquecimento, enquanto o seu mais direto rival, Francisco José Resende, que lhe sobreviveu por décadas, colheu os louros de principal pintor romântico portuense. Por outro lado, a dispersão da produção artística por coleções particulares, ou em estabelecimentos sem visibilidade pública, contribuiu para esse olvido. Não menos importante, a natural evolução da sociedade oitocentista, nomeadamente a formação de uma esfera artística pública em torno da pintura de ar livre, sobretudo a partir dos anos oitenta do século XIX, conduzida pela geração dos modernos, os Naturalistas, foi determinante para a superação estética da geração dos Românticos.
Fig. 19 - Assinatura de Francisco Pinto da Costa20
Nota curricular: Doutoramento (2015), Mestrado (2009) e Licenciatura (2005) em História da Arte Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Investigadora integrada no CITCEM - Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória» - Grupo Memória, Património e Construção de identidades. Investigadora do Gabinete de História, Arqueologia e Património, grupo de trabalho da associação Amigos do Solar Condes de Resende-Confraria Queirosiana, Vila Nova de Gaia. Linhas de investigação: Ensino Artístico. Cultura Artística no século XIX e no século XX. Estudos Femininos: Mulheres Artistas. Sociedade e Estética no século XIX e no século XX.
20 - PAMPLONA, Fernando de - Dicionário de Pintores e Escultores portugueses ou que trabalharam em Portugal. 2.ª Edição (atualizada). Barcelos: Liv. Civilização Editora, 1987, volume II: 147.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
EMIGRAÇÃO ESTARREJENSE ANO 1907 Teresa Tubby* Valter Santos** O crescimento económico, em Portugal, não acompanhou o intenso crescimento demográfico no Norte do país. A economia não tinha capacidade para sustentar a população.Vários factores contribuíram para essa diminuição: entre outros, os minifúndios predominavam e por consequência as modernizações raramente aconteciam. As indústrias expandiam-se lentamente. Estes foram alguns dos factores que levaram à emigração, sobretudo para o Brasil. O país irmão desenvolvia-se rapidamente e em 1907 existiam 3.328 estabelecimentos fabris que empregavam 152.000 operários e produziam o equivalente a 741.536 contos de réis. Um terço das fábricas localizava-se na cidade do Rio de Janeiro, 16% no estado de São Paulo e 15% no estado do Rio Grande do Sul. As dez actividades com maior quantidade de estabelecimentos eram: · · · · · · · · · ·
Usinas de açúcar Serrarias e carpintarias Cerveja Cerâmicas Fundição de metais Tecelagem de algodão Bebidas Lacticínios Calçados Curtumes
199 unidades 197 unidades 186 unidades 179 unidades 169 unidades 161 unidades 145 unidades 138 unidades 119 unidades 108 unidades
Como curiosidade existiam 18 fábricas de tamancos, 11 fábricas de espartilhos, 9 fábricas de luvas, 4 fábricas de barricas, 3 fábricas de pentes de chifre, 2 fábricas de formicida e 1 fábrica de lamparinas. Havia 15.208 telefones em todo o Brasil: sendo 5.399 no estado de São Paulo, 3.365 no Rio de Janeiro e 2.815 no Rio Grande do Sul, ou seja, 76% do total1. Já compreendia uma extensão de 17.650, 217 km de via férrea. Nesse ano, o Brasil já contava com cerca de 18 milhões de habitantes numa área de 8.514.876 km2 e Portugal, com uma área de 92.391 km², tinha 5.700.000. * Investigadora, autora das obras Quinta e Casa da Botica, Banda de Música de S. João da Madeira 1860/2005; co-autora da obra A Misericórdia da Vila de Cucujães, 1937 – 2012. Cucugianis, Histórias e Memórias do Couto de Cucujães e Banda de Música de Angeja, 2018. ** Investigador e jornalista, autor da obra Cucujães Antigo e Moderno; co-autor da obra A Misericórdia da Vila de Cucujães, 1937-2012. Cucugianis, Histórias e Memórias do Couto de Cucujães e Banda de Música de Angeja, 2018. 1 - http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223290545Z8cUY2rh7Lu99TE5.pdf
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TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
Rio de Janeiro, Praça XV, 1907
Inauguração do Viaduto Lauro Müller, 1907
Quadro da emigração Localidade
Sexo masculino > 12
Sexo Feminino > 12
Sexo masculino < 11
Sexo feminino < 11
Total
África Angola
2
2
Moçambique
2
2
S. Tomé
2
2
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Brasil Manaus
27
2
1
Pará
257
9
8
Pernambuco
2
Rio de Janeiro
40
3
Rio Grande do Sul
14
4
Santos
1
Total
347
30 1
275 2 43
2
20 1
18
11
1
377
AVANCA Nome e estado civil
Idade
Escolaridade e profissão
Albino da Silva
21
Lavrador
Albino de Pinho Resende, cº
29
Sabia escrever
Ana Rosa da Silva, cª
31
15-05-1907, Pará, nº 43
Angelina de Matos Almeida, cª
27
17-10-1907, Pará, nº 1358
António Bernardo da Silva, cº
31
Sabia escrever
Data, destino e Filiação nº de passaporte 25-07-1907, José Maria da Silva Rio de Janeiro, e Maria Joana da nº 601 Fonseca Manuel Joaquim de 12-11-1907, Pinho Resende e Pará, nº 1881 Maria de Jesus
04-02-1907, Rio de Janeiro, nº 1904 24-12-1907, Rio de Janeiro, nº 2350 19-08-1907, Rio de Janeiro, nº 811
Manuel Bernardo da Silva e Joana Maria de Jesus Manuel Caetano Marques e Maria Joaquina de Almeida Manuel José Correia e Libânia Antónia de Oliveira
28
António Correia
20
Trabalhador
30
Sabia escrever, carpinteiro
13-08-1907, Rio de Janeiro, nº 763
Clara da Silva
20
Sabia escrever, lavrador
03-01-1907, Pará,nº 1642
António da Silva pinto e Maria Augusta de Jesus
António da Silva António Joaquim da Silva Pinto
Proprietário Foi com seu marido José Maria Valente Cabral Foi com seu marido António Maria Valente
António Caetano Marques
Sabia escrever, lavrador
Notas
Proprietário
[ 233 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
António Maria de Pinho
20
Lavrador
24-12-1907, Rio de Janeiro, nº 2349
António Maria dos Santos, cº
32
Sabia escrever, lavrador
03-01-1907, Pará, nº 1645
António Maria Rodrigues Borges
23
Sabia escrever
17-12-1907, Pará, nº 2291
António Maria Valente, cº
31
Serralheiro
17-10-1907, Pará, nº 1358
Levou sua mulher Manuel Valente e Angelina de Matos Joana Maria de Jesus Almeida
António Pereira da Silva
21
Lavrador
03-09-1907, Pará, nº 934
Francisco Pereira da Silva e Joaquina Dias
António Pereira de Almeida
31
Sabia escrever, lavrador
03-01-1907, Pará, nº 1643
Domingos Pereira de Almeida e Maria Marques
António Teles da Silva, cº
51
Oleiro
18-01-1907, Pará, nº 1787
Ana Maria
Avelino da Silva Tavares
13
Estudante
13-08-1907, Pará, nº 757
Evaristo de Pinho e Silva
24
Lavrador
22-10-1907, Pará, nº 1447
Francisco Marques, cº
23
Lavrador
17-10-1907, Rio de Janeiro, nº 1380
Luís Marques e Maria Joaquina
Jacinto da Silva Marques, cº
24
Lavrador
16-11-1907, Pará, nº 1931
João da Silva Marques e Maria Rodrigues
Joana Maria da Silva Tavares
47
15-10-1907, Rio de Janeiro, nº 1339
João José Tavares e Joana da Silva
Matias de Pinho e Rosa Pereira Manuel dos Santos Juízo e Maria Custódia António Rodrigues Borges e Maria Joana Valente de Jesus
Vivia em Ovar
José Maria da Silva Tavares e Joana Maria Pereira e Silva João Augusto de Pinho e Silva e Caetana Tavares de Almeida
João Crisóstomo Dias 23 de Matos
Sabia escrever, lavrador
22-10-1907, Pará, nº 1443
Manuel Dias de Matos e Ana Rosa Moutinho
João Maria de Oliveira Santos
24
Sabia escrever, alfaiate
11-06-1907, Rio de Janeiro, nº 270
António Dias dos Santos e Margarida Rosa
João Marques de Pinho
20
Lavrador
03-12-1907, Pará, nº 2147
Manuel Caetano de Pinho Júnior e Maria Joaquina
Joaquim Avelino Silva
22
Lavrador
23-10-1907, Rio de Janeiro, nº 1467
Manuel Caetano da Silva e Ana Rosa
[ 234 ]
Vivia em Válega, Ovar
Proprietária
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Joaquim José dos Reis
22
Sabia escrever, lavrador
José da Silva, cº
24
Moleiro
José Maria Adjuto
20
Sabia escrever, lavrador
17-10-1907, Pará, nº 1359
José Maria Valente Cabral, cº
31
Sabia escrever
15-05-1907, Pará, nº 43
José Maria Valente Moutinho, cº
26
Sabia escrever, lavrador
22-10-1907, Pará, nº 1444
Manuel Augusto Narciso das Neves
22
Sabia escrever, alfaiate
03-09-1907, Rio de Janeiro, nº 933
Manuel Augusto Valente de Abreu
30
Sabia escrever, comerciante
01-08-1907, Pará, nº 649
Manuel da Silva Ferreira, cº
37
Serrador
03-12-1907, Pará, nº 2148
Manuel Dias
31
Trabalhador
Manuel Joaquim de Bastos, cº
26
Moleiro
Manuel Joaquim Valente
17
Sabia escrever, lavrador
Manuel Lopes, cº
38
Trabalhador
Manuel Maria
29
Sabia escrever, alfaiate
19
Lavrador
20
Lavrador
Manuel Maria Valente
14
Sabia escrever, serralheiro
Manuel Marques
23
Lavrador
Manuel Maria de Pinho Manuel Maria dos Reis
14-02-1907, Pará, nº 1978 26-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1853
José dos Reis e Maria Alves de Jesus Joaquim da Silva e Ana Marques
Vivia em Ul, O. de Azeméis
Manuel de Matos de Almeida e Maria Joaquina de Abreu José Valente da FonProprietário. seca e Maria Valente Levou sua mulher da Fonseca Ana Rosa da Silva José Maria Valente Moutinho e Maria de Jesus da Silva António Maria Neves e Joana Maria Valente Manuel Valente de Abreu e de Margarida de Bastos António de Silva Ferreira e Maria da Silva
05-02-1907, Rio de Janeiro, nº 1909 28-06-1907, Rio de Janeiro, nº 407 24-12-1907, Rio de Janeiro, nº 2347 17-08-1907, Rio de Janeiro, nº 805 05-09-1907, Rio de Janeiro, nº 950 16-11-1907, Pará, nº 1930 03-12-1907, Pará, nº 2153 17-10-1907, Pará, nº 1361
Manuel José Lopes e Maria Joana Valente
24-12-1907, Rio de Janeiro, nº 2348
Manuel Caetano Marques e Maria Joana de Almeida
António Dias e Ana Maria Pereira Manuel de Bastos e Joana Valente João Joaquim Valente da Rocha e Rosa Maria da Silva
Manuel Dias Valente e Maria de Jesus Agostinho de Pinho e Joana dos Santos Teresa Margarida, vª Maria de Jesus, sª
[ 235 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
Manuel Valente de Oliveira, cº
32
Jornaleiro
18-10-1907, Rio de Janeiro, nº 1391
Ana da Silva, sª
Virgínio Lúcio Valentim
23
Sabia escrever, lavrador
01-08-1907, Pará, nº 648
Manuel Valentim e Maria Augusta de Jesus
BEDUÍDO Nome e estado civil António Dias da Silva, cº
Idade 37
António Maria da Silva
25
Augusto José da Silva, cº
40
Aurélio
8
Domingos Marques Alegria, cº
50
Emília Rosa Condessa
26
Francisco Domingues Tavares
19
Francisco Oliveira Marques
17
Joaquim Marques da Costa, cº
30
Leandro da Costa
63
Manuel Leite de Azevedo
21
Manuel Marques Correia, cº
[ 236 ]
29
Escolaridade e profissão
Data, destino e Filiação Notas nº de passaporte 10-10-1907, José Dias da Silva e Padeiro Pará, nº 1245 António da Silva 14-10-1907, Tomé da Silva SaraSabia escrever, comerRio de Janeiro, mago e Maria Geneciante nº 1316 rosa da Silva Sabia escrever, 13-07-1907, Manuel José da Silva carpinteiro Pará, nº 505 e Ana Pereira Laboga Manuel Marques 06-12-1907, Correia e Emília Foi com seus pais Manaus, nº 2174 Rosa Condessa José Marques Ale15-01-1907, Sabia escrever gria e Josefa MarProprietário Pará, nº 1762 ques Couto Foi com seu marido 06-12-1907, Manuel M. Correia e Manaus, nº 2174 filho Aurélio 09-12-1907, José Domingues da Sabia escrever, cortador Rio de Janeiro, Conceição e Ana nº 2201 Tavares da Cunha 11-10-1907, Francisco de OliveiSabia escrever, Rio de Janeiro, ra Marques e Maria negociante nº1268 do Rosário Oliveira Bernardo da Costa e 23-01-1907, Lavrador Jacinta Maria MarPará, nº 1828 ques 14-11-1907, Trabalhador Rio de Janeiro, Pais incógnitos nº 1902 17-10-1907, Francisco Leite de Carpinteiro Rio de Janeiro, Azevedo e Ermelinnº 1378 da de Jesus Sabia escrever, serralheiro
Vivia na freguesia da 06-12-1907, Manuel Marques Glória, Aveiro. Levou Manaus, nº 2174 Correia e Ana Nunes sua mulher Emília e filho Aurélio
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Manuel Marques de Pinho
25
Raul de Azevedo Pereira
13
17-10-1907, Rio Grande do Sul, nº 1379 14-10-1907, Sabia escrever, caixeiro Rio de Janeiro, nº 1318 Lavrador
Tomé Marques de Pinho e Ana Roiz Loureiro Caetano de Azevedo Pereira e Maria do Rosário Valente
BUNHEIRO Nome e estado civil
Idade
Escolaridade e profissão
Data, destino e nº de passaporte
Filiação
Adão José da Silva, cº
34
Marítimo
30-07-1907, Pará, nº 631
António Joaquim da Silva Tavares e Caetana Maria Rebela
Albano da Silva, cº
30
Sabia escrever, carpinteiro
Amélia Fernandes Rendeiro, cª
41
Costureira
Angélica
15
António José da Silva, cº
33
António Lourenço Ferreira Mattoso, cº
35
Beatriz Rodrigues Tavares, cª
39
Carlos da Silva Arrojado, cº
35
Domingos Mateus Fernandes Ruela
24
Domingos Nunes da Silva
23
João Augusto Pereira
13
Jornaleiro
Notas
António Joaquim da Silva e Maria José da Silva 04-11-1907, Manuel António Rio Grande do Sul, Fernandes Rendeiro Levou seu filho José nº 1726 e Mariana Marques 04-11-1907, Beatriz Rodrigues Foi com sua mãe e Rio Grande do Sul, Tavares, cª irmão Joaquim nº 1729 Domingos José da 11-07-1907, Silva e Ana Joaquina Manaus, nº 481 de Oliveira 04-05-1907, Pará, nº 2708
César Augusto Ferreira Mattoso e Justina da Silva Manuel Mateus da 04-11-1907, Silva Figueiredo e Levou seus filhos Doméstica Rio Grande do Sul, Joana Maria Rodri- Angélica e Joaquim nº 1729 gues Tavares André da Silva Ar21-10-1907, Jornaleiro rojado e Mariana da Vivia na Murtosa Pará, nº 1669 Silva 24-10-1907, António Joaquim da Sabia escrever, lavrador Rio de Janeiro, Silva e Mariana da nº 1499 Silva Ruela 04-11-1907, Domingos Nunes da Lavrador Rio Grande do Sul, Silva e Isabel Ronº 1722 drigues Sabia escrever, comerciante
30-07-1907, Pará, nº 633
Sabia escrever, lavrador
18-01-1907, Pará, nº 1789
Domingos José Pereira e Maria Luísa de Matos
[ 237 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
João Nunes de Bastos, cº
28
Sabia escrever, lavrador
Joaquim
11
Sabia escrever
Joaquim Dias Ministro, cº
21
Moliceiro
Joaquim Fernandes
58
07-02-1907, Pará, nº 1923
Lavrador
09-12-1907, Pelotas, nº 2196
Joaquim Maria da Silva Tavares, cº
28
Alfaiate
10-09-1907, Pará, nº 979
Joaquim Nunes da Silva, cº
41
Trabalhador
29-10-1907, Pará, nº 1641
José
5
José Maria Tavares Lopes
22 13
António Fernandes Ruela e Perpétua de Oliveira Tavares Cirne Manuel António Tavares da Silva e Joana Maria da Silva T. Francisco José Nunes da Fonseca e Maria Antónia da Silva
04-11-1907, Amélia Fernandes Rio Grande do Sul, Rendeiro, cª nº 1726
Foi com sua mãe
André Valente de Almeida e Maria Sabia escrever, lavrador Joaquina Soares da Silva 04-11-1907, Manuel Tavares Nasceu em Santos o Sabia escrever Rio Grande do Sul, Lopes e Maria Luísa Velho, Lisboa e vivia nº 1728 da Silva Ruela no Bunheiro 22-10-1907, Pará, nº 1441
Manuel Maria Ro16-02-1907, drigues Pardal e Ma- Levou seu filho Tomás S. Tomé, nº 2020 ria Rosália Tavares
José Rodrigues Pardal, cº
42
Marítimo
José Maria da Silva Filipe, cº
34
Cordoeiro
04-09-1907, Pará, nº 941
José Domingues Filipe e Maria Antónia Amador
José Nunes dos Santos
22
Sabia escrever, negociante
26-06-1907, Pará, nº 384
Rodrigo Luís Nunes e Maria Joaquina dos Santos
Lázaro José Esteves
18
Lavrador
Manuel António Rilho da Silva, cº
43
Marítimo
[ 238 ]
Vivia em Pardilhó
04-11-1907, Beatriz Rodrigues Foi com sua mãe e Rio Grande do Sul, Tavares, cª irmã Angélica nº 1729 António Maria Dias 02-01-1907, e Maria Dias de Pará, nº 1628 Matos
Ruela
José Manuel Valente de Almeida
Manuel Nunes de Bastos e Domingas Rosália de Oliveira
16-02-1907, José António Esteves Benguela, Angola, e Domingas Antão nº 2021 dos Santos e 31-10-1907, Pará, nº 1670
Maria Luísa Rilha, sª Vivia na Murtosa
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Rosa Cândida de Almeida
21
Sabia escrever
Tomás
17
Sabia escrever
Victorino da Silva Grego, cº
58
Lavrador
05-11-1907, Rio de Janeiro, nº 1746 16-02-1907, S. Tomé, nº 2020 05-11-1907, Rio de Janeiro, nº 1746
Foi com seu marido Victorino José da Silva Grego José Rodrigues Pardal, cº
Foi com seu pai
João da Silva Grego e Maria Antónia de Sousa
Levou sua mulher Rosa Cândida de Almeida
Filiação
Notas
CANELAS Nome e estado civil
Idade
Escolaridade e profissão
Data, destino e nº de passaporte
29-01-1907, Lourenço Marques, Manuel Joaquim Vivia em Fermelã Moçambique, Alves e Isabel Maria nº 1863
António Alves, cº
22
Padeiro
António da Cruz, vº
29
Lavrador
15-02-1907, Pará, nº 2002
Manuel Rodrigues da Cruz e Joana da Silva Godinho
António Domingue de Andrade Júnior
21
Sabia escrever, lavrador
04-06-1907, Pará, nº 194
António Domingues de Andrade e Ana Domingues
Avelino Dias de Aguiar
20
Carpinteiro
12-06-1907, Pará, nº 275
Manuel Dias de Aguiar e Maria Domingues
João da Silva Figueiredo
20
Lavrador
04-05-1907, Pará, nº 2716
António Maria de Figueiredo e Maria Rosa Esteves
Joaquim Dias de Oliveira
23
Sabia escrever, lavrador
15-02-1907, Pará, nº 2005
António Dias de Oliveira e Joana de Jesus
José dos Santos
19
Sabia escrever, ferreiro
14-01-1907, Luanda, Angola, nº 1746
Manuel dos Santos Conde e Maria de Jesus
José Pires Maria, cº
52
Jornaleiro
16-08-1907, Pará, nº 784
Manuel Joaquim Pires Godinho e Mónica Maria Tavares
Manuel de Almeida
27
Lavrador
01-07-1907, Pará, nº 412
Manuel da Silva de Almeida e Maria Godinho
[ 239 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
FERMELÃ Nome e estado civil
Idade
António Alves, cº
29
António Carlos Pereira
12
António de Sousa Miguel, cº
33
António Dias de Oliveira
18
António Joaquim Nunes Beirão, cº
38
António Maria Rodrigues de Matos
35
António Marques de Oliveira
28
António Mateus Capeleiro
18
Francisco Manuel Montão, cº
48
Francisco Nunes Ribeiro
28
Lavrador
15-02-1907, Pelotas, nº 1998
Guilherme Marques de Campos
17
Sabia escrever, lavrador
16-09-1907, Pará, nº 1036
Horácio Rodrigues de Sousa
15
Sabia escrever, caixeiro
02-07-1907, Pará, nº 422
João da Rocha
22
Sabia escrever, comerciante
22-10-1907, Pará, nº 1453
João dos Santos Capeleiro, cº
28
Lavrador
02-12-1907, Pará, nº 2135
[ 240 ]
Escolaridade e profissão
Data, destino e Filiação nº de passaporte 29-01-1907, Lourenço Marques, Manuel Joaquim Padeiro Moçambique, Alves e Isabel Maria nº 1863 Carlos Pereira e 15-02-1907, Sabia escrever Maria de Oliveira Pelotas, nº 1996 de Jesus 27-04-1907, Manuel de Sousa Sabia escrever, Pernambuco, Miguel e Ana Rosa lavrador nº 2670 Rodrigues Beiroa José Dias de Oliveira Sabia escrever, 13-11-1907, e Rosa Marques lavrador Manaus, nº 1891 Loureiro Manuel Joaquim Sabia escrever, 31-01-1907, Nunes Beirão e lavrador Pará, nº 1811 Teresa de Jesus de Almeida António Rodrigues 24-12-1907, Alfaiate de Matos e Maria Pará, nº 2346 Antónia Nunes Manuel Lourenço 03-09-1907, Marques de Oliveira Sabia escrever Pará, nº 932 e Albina Esteves de Sá José Mateus Ca28-11-1907, Sabia escrever, lavrador peleiro e Maria do Pará, nº 2089 Rosário Capeleira 03-12-1907, António Montão e Carpinteiro Pará, nº 2145 Cândida Rosa João Nunes Ribeiro e Joana Lopes de Jesus José Marques de Campos e Domingas Maria de Jesus Joaquim Rodrigues de Sousa e Rosa Rodrigues de Sá Joaquim António da Rocha e Joana Joaquina de Sousa António Maria dos Santos Capeleiro e Maria Dias Capeleira
Notas
Proprietário
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
João Nunes Beirão
13
Sabia escrever
16-09-1907, Pará, nº 1033
Joaquim Dias Laranjeiro
19
Sabia escrever, lavrador
25-10-1907, Pará, nº 1608
Joaquim Esteves de Sá
17
Sabia escrever, lavrador
10-07-1907, Pará, nº 471
Joaquim Esteves Loureiro
16
Sabia escrever, lavrador
29-08-1907, Pará, nº 890
José António Dias Laranjeira, cº
34
Sabia escrever, lavrador
07-05-1907, Pará, nº 1
José da Silva Baptista
21
Sabia escrever, lavrador
22-08-1907, Pará, nº 845
José Marques de Campos
23
Padeiro
05-09-1907, Pará, nº 952
José Pires de Figueiredo, cº
55
Sabia escrever, jornaleiro
04-09-1907, Pará, nº 943
Manuel de Sousa Miguel, cº
40
Sabia escrever, lavrador
27-04-1907, Pernambuco, nº 2669
Manuel Dias de Oliveira
19
Sabia escrever, lavrador
25-10-1907, Pará, nº 1605
Manuel dos Santos Capeleiro, cº
23
Sabia escrever, lavrador
25-10-1907, Pará, nº 1607
Manuel Gonçalves de Melo
20
Sabia escrever, carpinteiro
11-01-1907, Pará, nº 1725
Manuel Marques de Campos, cº
41
Sabia escrever, lavrador
16-09-1907, Pará, nº 1034
Manuel Nunes Ribeiro
42
Lavrador
12-01-1907, Pará, nº 1739
Manuel Ribeiro de Almeida
23
Sabia escrever, lavrador
15-02-1907, Pelotas, nº 1995
Manuel Rodrigues Onofre Júnior
21
Sabia escrever, alfaiate
03-12-1907, Pará, nº 2146
António Joaquim Nunes Beirão e Maria Augusta Domingues de Sá José Dias Laranjeiro e Rosa Dias Capeleira José Esteves de Sá e Ana Rodrigues Manuel Esteves Loureiro e Joana Rodrigues de Sá José António Dias Laranjeira e Maria Rosa de Almeida Baptista de Resende António da Silva Baptista e Maria Esteves de Sá António Marques de Campos e Maria Dias Capeleira José Figueiredo e Maria Domingues Baptista Manuel de Sousa Miguel e Ana Rosa Rodrigues Beiroa António Dias de Oliveira e Ana Rosa da Silva Baptista António Maria Capeleiro e Maria Dias Capeleira José Gonçalves de Melo e Luísa Joaquina da Graça Manuel Marques de Campos e Maria Ribeiro da Silva José Nunes Ribeiro e Maria Ferreira Soto e Silva José Ribeiro de Almeida e Adelaide Rosa Alves António Rodrigues Onofre e Ana Dias Marques
[ 241 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
MURTOSA Nome e estado civil
Idade
Escolaridade e profissão
Data, destino e nº de passaporte
Agostinho Abel Nunes, cº
39
Sabia escrever, carpinteiro
23-07-1907, Pará, nº 586
Agostinho de Oliveira, cº
41
Sabia escrever, lavrador
05-02-1907, Pará, nº 1907
Agostinho José da Cruz, cº
40
Pescador
12-12-1907, Pará, nº 2227
Agostinho José de Oliveira
27
Sabia escrever, comerciante
31-12-1907, Pará, nº 2422
Albina da Silva Tavares, cª
26
Sabia escrever
09-12-1907, Rio Grande do Sul, nº 2193
Alfredo José Rendeiro, cº
26
Sabia escrever, comerciante
21-12-1907, Pará, nº 2314
Alfredo Marques Neno
19
Sabia escrever, carpinteiro
14-11-1907, Pará, nº 1898
Alfredo Pereira de Pinho
21
Mercantel
02-09-1907, Pará, nº 920
Amélia de Castro de Jesus, cª
27
Sabia escrever
01-07-1907, Manaus, nº 410
Américo Marques Neno
12
Sabia escrever
14-11-1907, Pará, nº 1897
Manuel Joaquim da Silva Neno e Maria Felizarda
Ana José da Silva, cª
35
Doméstica
28-10-1907, Pará, nº 1633
Manuel José de MaLevou seus filhos tos e Brígida Maria António e Henrique da Silva
Ângelo António Cascais
23
Sabia escrever, pescador
07-11-1907, Pará, nº 1799
Felipe José Cascais e Domingas Luísa
Antónia Joaquina Fernandes Ruela, cª
30
Sabia escrever, doméstica
13-08-1907, Pará, nº 756
José Manuel Cardo- Levou seus filhos so da Cunha e Ana António, Miguel e Joaquina Ruela Henrique
Antónia Luísa
14
12-07-1907, Pará, nº 496
Domingos José de Campos e Maria do Rosário
[ 242 ]
Filiação
Notas
Francisco Joaquim Nunes e Maria Luísa da Silva Martinho José de Oliveira ou Martinho José Tavares e Maria Teresa ou Teresa Maria Manuel António da Cruz e Isabel Maria Joaquim José de Oliveira e Maria Luísa Esteves da Cruz Foi com seu marido Domingos José Tavares Júnior Rodrigo Fernandes Rendeiro e Maria Rosa Rendeiro Manuel Joaquim da Silva Neno e Maria Felizarda Gonçalo António Pereira de Pinho e Maria Antónia Cardoso Foi com seu marido Manuel Maria Rendeiro
Foi com seus pais
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
António
7
28-10-1907, Pará, nº 1633
António
9
13-08-1907, Pará, nº 756
António Augusto Vieira
19
Sabia escrever, negociante
30-12-1907, Pará, nº 2387
António da Anunciação Pereira
28
Pescador
11-12-1907, Pará, nº 2211
António Joaquim Afonso da Silva, cº
31
Sabia escrever
22-11-1907, Pará, nº 1999
António Joaquim da Conceição, cª
25
Pescador
02-11-1907, Pará, nº 1698
29
Carreiro
10
Sabia escrever
António Joaquim Tavares Rebimbas
23
Alfaiate
11-10-1907, Pará, nº 1265
António José Barbosa de Oliveira
24
Sabia escrever, lavrador
28-12-1907, Pará, nº 2376
António Maria
7
António Maria da Silva Paiva, cº
32
Pescador
António Maria de Pinho
26
Sabia escrever, pescador
20-11-1907, Pará, nº 1984
António Maria Gonçalves da Fonseca
21
Pescador
03-12-1907, Pará, nº 2155
António Maria Gonçalves da Fonseca, cº
32
Marítimo
31-05-1907, Manaus, nº 169
António Maria Rodrigues Brandão
13
Sabia assinar
21-08-1907, Pará, nº 841
Manuel Maria Rodrigues Brandão, cº
António Maria Rodrigues de Matos
35
Alfaiate
24-12-1907, Pará, nº 2346
António Rodrigues de Matos e Maria Antónia Nunes
António Joaquim Ferreira, cº António Joaquim Soares Belo
31-01-1907, Pará, nº 1877 11-07-1907, Pará, nº 473
30-11-1907, Pará, nº 2112 14-02-1907, Pará, nº 1967
Foi com sua mãe e irmão Henrique Foi com sua mãe Antónia Joaquina e irmãos Miguel e Fernandes Ruela,0 cª Henrique Gonçalo António Vieira e Joana Maria Afonso Pedro António Pereira e Mariana da Cruz Francisco Maria da Silva e Rosa Proprietário Henriques António João da Conceição e Maria Rosália Vicente Ferreira e Maria do Carmo Joaquim Manuel Foi com seu pai Soares Belo, cº José Luís Tavares Rebimbas e Maria Rosália Henriques de Miranda João Agostinho Barbosa e de Maria Rosália Rodrigues da Silva Ana José da Silva, cª
Maria do Céu, cª
Foi com sua mãe
Manuel João da Silva Paiva e Maria José Manuel Joaquim de Pinho e Apolónia Maria de Oliveira Marcelino Gonçalves da Fonseca e Rosa Luísa da Cruz Joaquim Manuel Gonçalves da Fonseca e Ana Rosa de Oliveira Foi com seu pai
[ 243 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
Gonçalo António Vieira e Joana Maria Afonso Manuel Joaquim Nunes de Azevedo e Ana Rosa Bandeira Augusto Carlos Leite e Joaquina Rosa Leite Mateus António Rebelo dos Santos e Maria Joaquina da Silva António Joaquim Barbosa e Rosália Antónia Vieira Caetano Maria Reis e Maria Teresa da Silva
António Maria Vieira, cº
29
Sabia escrever, mercantel
30-12-1907, Pará, nº 2386
Armando Augusto Nunes de Azevedo
19
Alfaiate
23-08-1907, Pará, nº 854
Augusto Carlos Leite
30
Sabia escrever, negociante
06-11-1907, Pará, nº 1755
Bernardo José
25
Sabia escrever, moliceiro
23-07-1907, Pará, nº 588
Carlos Augusto Barbosa
20
Sabia escrever, pescador
30-12-1907, Pará, nº 2411
Carlos da Silva Reis
21
Sabia escrever, pescador
09-11-1907, Pará, nº 1844
César António Pato
26
Sabia escrever, comerciante
02-12-1907, Pará, nº 2138
Gonçalo António e Maria Francisca
Daniel Marques Pereira
19
Sabia escrever, empregado do comércio
18-11-1907, Pará, nº 1946
Joaquim Marques de Oliveira e Ana Marques Pereira
David José da Natividade, cº
37
Pescador
26-06-1907, Pará, nº 380
Domingos José de Campos, cº
39
Pescador
12-07-1907, Pará, nº 496
Domingos José Tavares Júnior, cº
33
Sabia escrever, negociante
Manuel da Silva Vieira e Apolónia Rosa Manuel Joaquim de Levou sua mulher Campos e Mariana Maria do Rosário e Soares filha Antónia Luísa
09-12-1907, Domingos José TavaLevou sua mulher AlRio Grande do Sul, res e Maria Luísa de bina da Silva Tavares nº 2193 Oliveira Manuel José de Oliveira, “o Carolho” e Margarida de Oliveira Custódio José Rebelo e Teresa Maria da Silva Manuel José da Silva e Mariana Teresa da Silva
Domingos Luís de Oliveira
29
Pescador
15-02-1907, Pará, nº 1988
Domingos Luís Rebelo, cº
34
Sabia escrever, moliceiro
12-10-1907, Pará, nº 1308
Francisco António da Silva
35
Sabia escrever, pescador
08-02-1907, Pará, nº 1942
Francisco Ascensão Rebelo, cº
31
Sabia escrever, pescador
28-06-1907, Manaus, nº 398
José Maria Rebelo e Maria Luísa da Silva
Francisco António Vieira
28
Almocreve
23-05-1907, Pará, nº 105
Tomás Maria Vieira e Ana Rosa Rebela
[ 244 ]
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Francisco Augusto Lopes Pereira
22
Francisco Joaquim Fidalgo, cº
40
Francisco José Rebelo
17
Francisco Maria Afonso da Silva
33
Gonçalo António
26
Gonçalo António da Silva, cº
43
Gonçalo António Pereira, cº
51
Henrique
3
Henrique
4
Henrique de Matos Caravela
24
Henrique Maria Marques Cavalinho
21
Jacinto António da Silva, cº
48
João Agostinho da Silva Cascais
56
João Agostinho de Matos
27
João Agostinho de Oliveira, cº
24
João Agostinho de Oliveira, cº
28
João António Costeira, cº
39
Manuel José Lopes Pereira e Maria Rosa de Pinho Manuel Luís Fidalgo 13-12-1907, Sabia escrever, lavrador e Mariana de Jesus Pará, nº 2231 Barbosa António Maria Sabia escrever, 28-10-1907, Rebelo dos Santos alfaiate Manaus, nº 1635 e Quitéria Maria da Cunha Manuel Joaquim 31-10-1907, Afonso da Silva e Lavrador Pará, nº 1667 Maria Rosália Sabia escrever, 18-12-1907. Joaquim Manuel mercantel Pará, nº 2296 Belo e Maria Joana 26-10-1907, João José da Silva e Pescador Pará, nº 1624 Maria Rosália Lopes Francisco António 17-05-1907, Marítimo Pereira e Maria RoPará, nº 82 sália de Miranda 28-10-1907, Foi com sua mãe e Ana José da Silva Pará, nº 1633 irmão António Foi com sua mãe e 13-08-1907, Antónia Joaquina irmãos António e Pará, nº 756 Fernandes Ruela, cª Miguel João José de Matos Sabia escrever, 18-11-1907, Caravela e Maria pescador Pará, nº 1947 José da Silva João Agostinho Sabia escrever, 02-12-1907, Marques Cavalinho e larador Pará, nº 2126 Maria José da Cunha Sabia escrever, 07-05-1907, Manuel José Dias da pescador Pará, nº 2725 Silva e Ana Luísa Manuel Rebelo Sabia escrever, 26-11-1907, Sebolão e Apolónia comerciante Pará, nº 2052 Maria da Silva Manuel João de Sabia escrever, 22-10-1907, Matos e Mariana pescador Pará, nº 1445 Bernarda António Joaquim Sabia escrever, 09-11-1907, Nunes de Oliveira e mercantel Pará, nº 1834 Ana Maria de Oliveira Domingos José de 09-12-1907, Oliveira, “o Rodas” Sabia escrever, Rio Grande do Sul, e Maria Luísa de jornaleiro nº 2199 Oliveira Sabia escrever, pescador
19-12-1907, Pará, nº 2304
Sabia escrever, moliceiro
02-03-1907, Pará, nº 2692
Manuel Pedro Costeira e Ana Joaquina
[ 245 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
João Pedro da Cruz e Rosa Maria Campota José António Fidalgo e Maria Luísa Valente Manuel Luís Pereira, cº Manuel Joaquim Fernandes Rendeiro e Maria José da Silva Manuel Joaquim da Silva e Ana Antónia da Silva António Rodrigues Pardal e Maria Delfina Joaquim Maria Barroqueiro e Maria Teresa da Silva António José Cascais e Joana Valente de Almeida
João Bernardo da Cruz, cº
36
Pescador
08-06-1907, Pará, nº 235
João Crisóstomo Fidalgo, cº
28
Lavrador
03-08-1907, Pará, nº 675
João de Jesus Pereira
18
João Eusébio Fernandes Rendeiro
21
Moliceiro
03-12-1907, Pará, nº 2160
João Evangelista da Silva
36
Sabia escrever, pescador
29-11-1907, Pará, nº 2103
João José Rodrigues
36
Pescador
16-05-1907, Pará, nº 52
João Maria Barroqueiro, cº
24
Trabalhador
03-12-1907, Pará, nº 2161
João Maria Cascais
23
Carpinteiro
31-05-1907, Pará, nº 171
João Maria de Matos
18
Sabia escrever, empregado do comércio
08-07-1907, Manaus, nº 456
José Joaquim de Matos e Luísa de Jesus
Sabia escrever
31-08-1907, Pará, nº 909
José Maria Fernandes Rendeiro, cº José Joaquim Gomes da Cruz e Cristina Rosa de Oliveira João Bernardo Marques e Maria Rosália Domingos António Rendeiro e Maria Luísa Rebela
João Maria Fernandes 13 Rendeiro
14-10-1907, Pará, nº 1321
João Maria Gomes da Cruz
20
Pescador
12-10-1907, Pará, nº 1303
João Maria Marques, cº
41
Sabia escrever, pescador
31-07-1907, Pará, nº 640
João Maria Rendeiro
20
Sabia escrever, pescador
01-07-1907, Pará, nº 409
João Maria Tavares
28
Sabia escrever, pescador
06-07-1907, Pará, nº 437
Tomé José Tavares e Ana Antónia Ferreira
João Maria Tavares, cº
46
Sabia escrever, pescador
11-01-1907, Pará, nº 1728
Manuel José Tavares e Rosa Joana Rebelo
João Pedro da Cunha
26
Pescador
19-08-1907, Pará, nº 814
Francisco José da Cunha e Maria Rosália da Silva
João Pedro de Pinho, cº
28
Pescador
27-11-1907, Pará, nº 2067
João José de Pinho e Maria Rosa
João Pedro Salgado
22
Pescador
[ 246 ]
15-01-1907, António Salgado e Manaus, nº 1756 Maria Rita de Sousa
Foi com seu pai
Foi com seu pai
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Manuel Maria Antunes da Cunha e Isabel Antónia de Oliveira
Joaquim Lívio
24
Pescador
12-10-1907, Pará, nº 1309
Joaquim Manuel Soares Belo, cº
38
Pescador
11-07-1907, Pará, nº 473
Joaquim Maria de Pinho, cº
28
Sabia escrever, mercantel
08-01-1907, Pará, nº 1684
Joaquim Maria de Oliveira, cº
28
Sabia escrever, pescador
27-11-1907, Pará, nº 2068
Joaquim Maria Fidalgo, cº
31
Sabia escrever, lavrador
03-08-1907, Pará, nº 687
José Agostinho de Oliveira, cº
41
Sabia escrever, lavrador
05-02-1907, Pará, nº 1907
José Augusto Nunes de Oliveira
17
Sabia escrever, mercantel
23-07-1907, Pará, nº 585
José da Cruz, cº
31
Sabia escrever, pescador
12-10-1907, Pará, nº 1298
José da Silva Valente, cº
31
Sabia escrever, marítimo
17-12-1907, Pará, nº 2290
José Manuel da Silva Conde, cº
45
Sabia escrever, pescador
23-12-1907, Pará, nº 2329
José Manuel Rendeiro de Oliveira
25
Sabia escrever, comerciante
30-12-1907, Pará, nº 2389
José Maria da Silva, cº
34
Sabia escrever, marítimo
30-12-1907, Pará, nº 2384
José Maria da Silva Bispo, cº
50
Marítimo
10-10-1907, Pará, nº 1249
José Maria da Silva Lagos, cº
27
Moliceiro
29-10-1907, Pará, nº 1644
Domingos Augusto da Silva e Maria José da Cunha
José Maria da Silva Santos, cº
33
Moliceiro
03-12-1907, Pará, nº 2143
Manuel José da Silva e Luísa de Miranda
Levou seu filho AnMateus António Belo tónio Joaquim Soares e Rosa Joana da Silva Belo Rodrigo José de Pinho e Maria Rosa Fernandes Ruela Joaquim Augusto de Oliveira e Maria Luísa da Cunha José António Fidalgo e Maria Luísa Valente Martinho José de Oliveira ou Martinho José Tavares e Maria Teresa ou Teresa Maria António Joaquim Nunes de Oliveira e Ana Maria de Oliveira Manuel Luís da Cruz e Mariana Rosa Miguel José da Silva Valente e Maria José Tavares Domingos Joaquim da Silva e Maria Nunes Joaquim José de Oliveira e Maria Luísa Esteves da Cruz Manuel Joaquim da Silva e Domingas Antónia de Matos António José da Silva e Maria teresa da Silva
[ 247 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
José Maria da Silva Vieira, cº
29
Sabia escrever, pescador
José Maria de Matos, cº
27
Moliceiro
José Maria Fernandes Rendeiro, cº
37
Pescador
José Maria Martins, cº
27
Sabia escrever, moliceiro
José Maria Ribeiro de 24 Morais
Sabia escrever, marítimo
José Vicente Lopes, cº 26
Sabia escrever, pescador
Lázaro Pereira, cº
29
Pescador
Leandro José Vaz, cª
26
Pescador
Manuel
7m
Manuel Augusto Afonso Lopes, cº
28
Negociante
Manuel Caetano Vaz
25
Pescador
Manuel João Bicho, cº
38
Pescador
Manuel João de Oliveira, cº
27
Moliceiro
Manuel João Marques 26
Moliceiro
António Joaquim Vieira e Ana Maria da Silva Manuel José de 29-10-1907, Matos e Maria Rosa Pará, nº 1643 da Silva João José Fernandes Levou seu filho João 31-08-1907, Rendeiro e Apolónia Maria Fernandes Pará, nº 909 Maria Fernandes Rendeiro António Maria 14-10-1907, Martins e Maria Pará, nº 1322 Marcelina Manuel Joaquim 07-11-1907, Ribeiro de Morais e Manaus, nº 1798 Maria José João Caetano Lopes 05-06-1907, e Maria Luísa da Pará, nº 204 Silva 17-05-1907, José Maria Pereira e Pará, nº 81 Maria Custódia 02-12-1907, Gonçalo António Vaz Pará, nº 2137 e Maria José Manuel Luís de 19-12-1907, Miranda e Mariana Foi com seus pais e Pará, nº 2305 Henriques da Fonirmã Maria seca João Agostinho 08-02-1907, Afonso Lopes e MaPará, nº 1943 ria Teresa de Pinho 08-06-1907, Gonçalo António Vaz Pará, nº 236 e Maria José António Joaquim 25-05-1907, Bicho e Maria AgosPará, nº 122 tinha Ruela Francisco José de 29-11-1907, Oliveira e Maria Pará, nº 2100 Teresa Lopes João Luís Marques 28-12-1907, e Mariana de OliPará, nº 2372 vceira Joaquim Maria 25-11-1907, Cascais, “o Calado” e Manaus, nº 2046 Mariana Rosa 05-11-1907, Pará, nº 1751
Manuel Joaquim Cascais
28
Sabia escrever, pescador
Manuel Joaquim da Silva, cº
26
Sabia escrever, pescador
02-11-1907, Pará, nº 1700
João Domingues da Silva e Joana Augusta da Silva
Manuel Joaquim da Silva Campos, cº
32
Pescador
28-12-1907, Pará, nº 2371
Manuel Joaquim da Silva Campos e Mariana Soares
[ 248 ]
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Manuel Joaquim Gomes da Cruz
22
Pescador
04-12-1907, Pará, nº 2166
Manuel Joaquim Rebelo, cº
37
Pescador
12-01-1907, Pará, nº 1743
Manuel Joaquim Rebelo dos Santos, cº
41
Manuel Joaquim Soares Carinha, cº
José Joaquim Gomes da Cruz e Cristina Rosa Soares de Oliveira Agostinho José Rebelo e Maria Rosália da Silva Manuel Luís Rebelo dos Santos e Apolónia Rosa de Oliveira António Maria Soares Carinha, “O Campeiro” e Maria Luísa Rebelo João Maria Valente, “0 Alho” e Maria Caetana Valente Francisco Maria da Silva e Ana Rosa Henriques Manuel Joaquim da Silva Alho e Ana Maria da Silva João José de Oliveira e Maria Rosália de Oliveira Joaquim António Marques e Joana da Silva Domingos Maria Marques e Maria Antónia Gonçalo António Pereira Água Lusa e Ana Rosa Manuel José Rendeiro e Luís Maria Esteves António Barroqueiro e Joana Esteves da Cruz Manuel Tavares Ruela e Maria José Fernandes Ruela
Moliceiro
06-05-1907, Pará, nº 2721
29
Sabia escrever, mercantel
18-11-1907, Pará, nº 1956
Manuel Joaquim Valente
28
Pescador
12-06-1907, Pará, nº 489
Manuel José da Silva, cº
27
Sabia escrever
02-12-1907, Pará, nº 2124
Manuel José da Silva Alho, cº
31
Sabia escrever, marítimo
03-08-1907, Pará, nº 673
Manuel José de Oliveira Eusébio
25
Sabia escrever, lavrador
28-12-1907, Pará, nº 2375
Manuel José Marques
21
Sabia escrever, pescador
21-08-1907, Pará, nº 840
Manuel José Marques
22
Pescador
02-08-1907, Pará, nº 663
Manuel José Pereira, cº
29
Pescador
02-05-1907, Pará, nº 2696
Manuel José Rendeiro, cº
22
Sabia escrever, negociante
21-10-1907, Pará, nº 1424
Manuel José Soares dos Santos
27
Sabia escrever, negociante
11-11-1907, Pará, nº 1867
Manuel José Tavares Ruela
25
Lavrador
22-10-1907, Pará, nº 1439
Manuel Luís Afonso, cº
41
Sabia escrever, comerciante
03-08-1907, Pará, nº 674
João Agostinho Afonso e Maria José
Manuel Luís Alves Valente, cº
50
Sabia escrever, negociante
21-05-1907, Pará, nº 97
Domingos António Alves Valente e Mariana Rosa Fidalga
Proprietário
[ 249 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
Manuel Luís Barbosa, cº
36
Manuel Luís de Miranda, cº
33
Manuel Luís Pereira, cº
42
Manuel Luís Soares da Silva, cº
45
Manuel Maria Amador, cº
31
Manuel Maria da Conceição, cº
33
Manuel Maria da Silva Bispo
24
Manuel Maria da Silva Cascais
21
Manuel Maria de Freitas Guimarães
49
Manuel Maria Evaristo, cº
32
Manuel Maria Fernandes Rendeiro
17
Manuel Maria Fernandes Tavares, cº
28
Manuel Maria Fernandes Tavares, cº
31
Manuel Maria Nunes
34
Manuel Maria Nunes da Silva
13
Manuel Maria Rendeiro, cº
28
Manuel Maria Rodrigues Brandão, cº
47
[ 250 ]
Moliceiro
12-11-1907, Pará, nº 1868
Manuel José Tavares e Maria Rosália Barbosa
Levou sua mulher Manuel José de MiMariana Henriques randa e Maria Teresa da Fonseca e filhos de Oliveira Maria e Manuel Francisco António 14-10-1907, Levou seu filho João Pereira e Maria RoNegociante Pará, nº 1321 de Jesus Pereira sália de Miranda Manuel Joaquim 02-11-1907, Soares da Silva e Pescador Pará, nº 1697 Maria Rosa Sabia escrever, 22-10-1907, Francisco Amador e mercantel Pará, nº 1454 Maria Luísa António João da Sabia escrever, 12-01-1907, Conceição e Rosalipescador Pará, nº 1741 na Maria da Silva José Maria da Silva Sabia escrever, 10-10-1907, Bispo e Francisca lavrador Pará, nº 1250 Caetana Manuel José da Silva 29-10-1907, Moliceiro Cascais e Maria Rosa Manaus, nº 1640 da Silva 04-11-1907, Sabia escrever, Cristina Maria de Rio Grande do Sul, carpinteiro Freitas Guimarães, sª nº 1724 Manuel Evaristo da Sabia escrever, 03-08-1907, Cunha e Maria José pescador Pará, nº 680 Nunes Manuel Fernandes Sabia escrever, 21-12-1907, Rendeiro e Ana empregado do comércio Pará, nº 2313 Marcelina José Manuel FernanSabia escrever, 06-11-1907, des Tavares e Carolicomerciante Pará, nº 1770 na Augusta José Maria FernanSabia escrever, comer30-12-1907, des Tavares e Perpéciante Pará, nº 2382 tua Rosa Afonso Domingos António Sabia escrever, comer23-10-1907, Nunes e Ana Maria ciante Manaus, nº 1466 Valente de Almeida 31-08-1907, Pedro José Nunes da Foi com seu pai Pará, nº 910 Silva, cº José Fernandes Levou sua mulher Sabia escrever, 01-07-1907, Rendeiro e Rosália Amélia de Castro de comerciante Manaus, nº 410 Maria da Silva Jesus José João Brandão e Levou seu filho Antó21-08-1907, Pescador Maria Joana nio Maria Rodrigues Pará, nº 841 Marques Brandão Sabia escrever, serralheiro
19-12-1907, Pará, nº 2305
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Manuel Maria Tavares
13
Sabia escrever
Manuel Maria Tavares, cº
37
Pescador
Manuel Pedro da Cunha
23
Lavrador
Maria
3
Maria do Céu, cª
26
Sabia escrever, doméstica
Maria Rosa da Silva
24
Costureira
Maria do Rosário, cª
39
Maria Rosa da Silva
24
Costureira
Gabriel Fernandes Tavares e Maria Rosália Venâncio António 11-07-1907, Tavares e Apolónia Manaus, nº 474 Maria 04-11-1907, José Maria da Cunha Rio Grande do Sul, e Maria José Fernannº 1725 des Ruela Manuel Luís de 19-12-1907, Miranda e Mariana Foi com seus pais e irmão Manuel Pará, nº 2305 Henriques da Fonseca Gaspar Rodrigues 30-11-1907, Levou seu filho AntóBrandão e Maria Pará, nº 2112 nio Maria Rosária da Silva 05-09-1907, Pantaleão José e Manaus, nº 945 Rosa Joana Foi com seu marido 12-07-1907, Domingos José de Pará, nº 496 Campos e filha Antónia Luísa 30-12-1907, Pará, nº 2388
05-09-1907, Manaus, nº 945
Pantaleão José e Rosa Joana Foi com seu marido Manuel Luís de Miranda e filhos Maria e Manuel Foi com sua mãe e Antónia Joaquina irmãos António e Fernandes Ruela, cª Henrique Marcelino José Amador e Rosália Maria da Silva Manuel José da Cruz e Maria Luísa da Silva
Mariana Henriques da Fonseca, cª
32
19-12-1907, Pará, nº 2305
Miguel
7
13-08-1907, Pará, nº 756
Miguel José Amador, cº
29
06-11-1907, Pará, nº 1764
Miguel José da Cruz, cº
47
Pescador
14-12-1907, Pará, nº 2261
Pedro José Fernandes Rendeiro, cº
35
Moliceiro
03-12-1907, Pará, nº 2163
Manuel Joaquim Fernandes Rendeiro e Maria José da Silva
Pedro José Nunes da Silva, cº
38
Mercantel
31-08-1907, Pará, nº 910
Manuel Joaquim Levou seu filho MaNunes da Silva e Ma- nuel Maria Nunes ria Delfina Vieira da Silva
Rodrigo José da Cunha, cº
37
Sabia escrever, pescador
05-02-1907, Pará, nº 1908
António Joaquim da Cunha e Ana Maria da Silva
Rodrigo Maria Marques
26
Sabia escrever, marítimo
28-10-1907, Pará, nº 1629
Manuel José Caseiro e Maria José
[ 251 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
Rosalino Augusto da Silva Belo
21
Sabia escrever, mercantel
Salvador Maria Fernandes de Oliveira, cº
39
Lavrador
Sebastião António Dias Rendeiro
21
Sabia escrever, pescador
Sebastião José Fernandes de Oliveira, cº
60
Sabia escrever
Sebastião José Rebelo, cº
35
Negociante
Venâncio José da Cunha
17
Sabia escrever, pescador
Venâncio José de Matos Costeira, cº
27
Pescador
Joaquim Manuel da Silva Belo e Maria Joana João Pedro Fernan29-11-1907, des de Oliveira e Manaus, nº 2109 Maria José da Cruz Gonçalo Dias Ren19-08-1907, deiro e Maria RosáPará, nº 813 lia de Jesus António Joaquim 03-08-1907, Fernandes Rendeiro Pará, nº 677 e Agostinha Maria João Serafim Re08-01-1907, belo e Mariana de Pará, nº 1691 Campos João Agostinho da 23-12-1907, Cunha e Rosália Pará, nº 2330 Maria José Maria de Matos 02-05-1907, Costeira e Emília Pará, nº 2694 Ferreira da Costa 18-12-1907, Pará, nº 2297
Proprietário
PARDILHÓ Nome e estado civil
Idade
Escolaridade e profissão
Data, destino e nº de passaporte
Agostinho da Silva Valente
21
Sabia escrever, caixeiro
23-08-1907, Pará, nº 850
Agostinho Lopes Valente, cº
21
Moliceiro
17-10-1907, Pará, nº 1377
António Joaquim da Silva Pinho
12
Sabia escrever
António Lopes, cº
36
Pescador
António Lopes Valente, cº
19
Lavrador
07-11-1907, Pará, nº 1801
António Maria Teixeira de Pinho, cº
38
Sabia escrever, carpinteiro
05-09-1907, Pará, nº 953
Frederico da Silva Amaro
20
Sabia escrever, carpinteiro
04-02-1907, Pará, nº 1893
Ildefonso António Teixeira de Pinho
13
Sabia escrever
05-09-1907, Pará, nº 953
[ 252 ]
04-02-1907, Pará, nº 1895 04-02-1907, Pará, nº 1894
Filiação Manuel da Silva Moço e Ana Rosa Valente Serafim Lopes Valente e Ana Maria da Silva Manuel Maria da Silva Pinho, cº
Notas
Foi com seu pai
Rosa Lopes, vª Serafim Lopes Valente e Ana Maria da Silva Manuel António Levou seu filho IldeTeixeira e Maria de fonso António T. de Pinho Pinho Joaquim da Silva Amaro e Ana Rosa da Silva Vigária António Maria TeiFoi com seu pai xeira de Pinho, cº
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
João da Fonseca, cº
33
Serrador
04-05-1907, Pará, nº 2709
José da Fonseca e Maria Albina
João Maria da Silva Godinho
40
Lavrador
09-02-1945, Pará, nº 1945
José da Silva Godinho e Joana Maria da Silva
Joaquim da Silva Pereira
20
Carpinteiro
19-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1807
José António da Silva Pereira e Ana Luísa da Silva
Joaquim Dias Ministro, cº
21
Moliceiro
02-01-1907, Pará, nº 1628
António Maria Dias e Maria Dias de Vivia no Bunheiro Matos
José da Silva Froxo
20
Lavrador
07-02-1907, Pará, nº 194
Manuel Lourenço da Silva Froxo e Ana da Silva Amador
José Maria da Fonseca
26
Sabia escrever, serrador
12-10-1907, Pará, nº 1305
Manuel Lourenço da Fonseca e Maria Albina da Silva
José Maria da Silva Godinho
40
Lavrador
09-02-1907, Pará, nº 1945
José da Silva Godinho e Joana Maria da Silva
Julião Rilho, cº
29
Trabalhador
07-11-1907, Manaus, nº 1800
Manuel Rodrigues Rilho e Maria Rosa Pereira
Julião Valente Podão, cº
22
Sabia escrever, lavrador
Luís Valente Estrela, cº
33
Sabia escrever, moliceiro
11-10-1907, Pará, nº 1256
Joaquim Maria Valente e Maria Rosa Marques
Manuel António Pereira Tavares, cº
36
Sabia escrever, comerciante
27-08-1907, Rio de Janeiro, nº 877
Manuel António da Silva Tavares e Ludovina Pereira da Silva
Manuel da Silva
23
Jornaleiro
02-07-1907, Manaus, nº 420
Manuel José da Silva e Joana Rodrigues
Manuel Maria da Silva, cº
33
Moliceiro
17-10-1907, Pará, nº 1362
Domingos Luís da Silva Campos e Joana Maria da Fonseca
Manuel Maria da Silva Pinho, cº
38
Sabia escrever, negociante
04-02-1907, Pará, nº 1895
Joaquim Maria da Silva Pinho e Maria Albina Valente
Manuel Valente de Almeida
24
Trabalhador
07-11-1907, Pará, nº 1802
Joaquim Valente de Almeida e Maria Rosa da Silva
22-10-1907, Manuel Valente Rio Grande do Sul, Podão e Maria Rosa nº 1446 da Silva
Levou seu filho António Joaquim da Silva Pinho
[ 253 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
SALREU Nome e estado civil
Idade
Abel Augusto da Costa, cº
37
Escolaridade e profissão Sabia escrever, carpinteiro
Agostinho da Silva Valério, cº
32
Trabalhador
Alípio Marques Nogueira
20
Sabia Escrever, lavrador
António Augusto Marques, cº
33
Trabalhador
António Fernandes
27
Sabia escrever, lavrador
António Gomes da Luz
36
Lavrador
António Rebelo dos Anjos
21
Sabia escrever, lavrador
António Valente Virgem, cº
29
Sabia escrever, carpinteiro
Custódia da Silva e Costa, cª
40
Sabia escrever, tecedeira
Filipe José Bandeira, cº
47
Sabia escrever, jornaleiro
Francisco Marques Nogueira
25
Sabia escrever
Francisco Rodrigues de Oliveira
20
Sabia escrever, trabalhador
Francisco Tavares, cº
25
Sabia escrever, negociante
João Maria Marques, cº
28
Pintor
João Valente Rebelo
24
Sabia escrever, lavrador
02-12-1907, Pará, nº 2136
João Valente Rebelo e Maria Marques
Lavrador
31-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1878
António Joaquim Marques de Resende e Raquel Maria Bandeira
Joaquim António Marques de Resende
[ 254 ]
37
Data, destino e nº de passaporte
Filiação
Notas
19-01-1907, Pará, nº 1805
José Luís da Costa Casado com Custódia Lavoura e Joana da Silva e Costa Maria de Freitas
31-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1879
Joaquim da Silva e Maria do Rosário
Abílio Marques Nogueira e Maria da Costa 14-08-1907, José Marques ParRio Grande do Sul, raco e Maria Bona nº 774 de Jesus 27-07-1907, Filipe Fernandes e Manaus, nº 619 Maria Rodrigues 24-04-1907, António Gomes da Manaus, nº 2626 luz e Maria Marques 18-07-1907, Joaquim Rebelo dos Rio de Janeiro, Anjos e Maria do nº 532 Rosário Valente 19-11-1907, Francisco Valente e Rio de Janeiro, Rita da Silva nº 1958 Joaquim da Silva 22-07-1907, Casada com Abel Rebelo e Maria da Pará, nº 577 Augusto da Costa Silva Alexandre José Ban03-05-1907, deira e Margarida Pará, nº 2701 Valente 18-10-1907, Margarida Marques Proprietário Pará, nº 1388 Nogueira José Rodrigues de 05-12-1907, Oliveira e Maria do Pará, nº 8169 Carmo Rodrigues 06-08-1907, João Maria Tavares e Pará, nº 697 Maria da Silva Manuel Maria Mar03-05-1907, ques e Ana Maria Pará, nº 2703 da Silva 03-12-1907, Pará, nº 2144
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Joaquim da Silva Pereira
20
Carpinteiro
19-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1807
José António da Silva Pereira e Ana Luísa da Silva
Joaquim Marques Aleixo
32
Sabia escrever, lavrador
04-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1657
Francisco Marques Aleixo e Ana da Fonseca
Joaquim Martins, cº
31
Lavrador
04-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1655
António Martins e Ana Marques
Joaquim Tavares
21
Lavrador
16-05-1907, Rio de Janeiro, nº 58
António Tavares e Ana Rosa
José da Silva Valério, cº
36
Trabalhador
31-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1875
Joaquim da Silva e Maria Rodrigues
José Maria da Silva Santos, cº
33
Moliceiro
03-12-1907, Pará, nº 2143
Manuel José da Silva Santos e Maria Luísa de Miranda
José Maria Marques Nogueira
37
Sabia escrever, padeiro
24-12-1907, Pará, nº 2345
Maria Marques
José Maria Valente Rodrigues
24
Lavrador
07-02-1907, Pará, nº 1925
Manuel Joaquim Valente Rodrigues e Ana Figueira
José Valente Rodrigues, cº
32
Jornaleiro
17-05-1907, Pará, nº 75
Manuel Joaquim Valente Rodrigues e Ana Figueira
Manuel da Silva, cº
21
Jornaleiro
29-01-1907, Pará, nº 1864
Dionísio da Silva e Ana Marques Petisca
Manuel de Matos, cº
30
Sabia escrever
11-01-1907, Pará, nº 1731
Gonçalo de Matos e Ana de Sousa
Proprietário
Manuel Joaquim Afonso da Silva
48
Sabia escrever
02-12-1907, Pará, nº 2134
Domingos Afonso da Silva e Ana de Almeida
Proprietário
Manuel Rodrigues, cº
54
Lavrador
31-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1876
António Rodrigues e Maria de Oliveira
Manuel Valente de Matos, cº
54
Sabia escrever, lavrador
16-05-1907, Rio de Janeiro, nº 56
Francisco de Matos e Maria Josefa
Raul Marques
26
Sabia escrever, lavrador
18-01-1907, Rio de Janeiro, nº 1792
José Joaquim Marques e Maria de Jesus
[ 255 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
VEIROS Nome e estado civil
Idade
Escolaridade e profissão
Data, destino e nº de passaporte
Alfredo Augusto Ferreira da Silva
23
Sabia escrever, empregado do comércio
13-08-1907, Pará, nº 761
Alfredo Rodrigues de Oliveira
22
Sabia escrever, comerciante
16-08-1907, Pará, nº 782
António
12
Sabia escrever
25-11-1907, Pará, nº 2041
António José Afonso Pires, cº
32
Sabia escrever, carpinteiro
20-07-1907, Pará, nº 573
António José da Fonseca Ramos, cº
33
Sabia escrever, alfaiate
06-08-1907, Pará, nº 698
António José Rodrigues de Oliveira, cº
20
Sabia escrever, jornaleiro
05-06-1907, Pará, nº 210
António Maria da Silva, cº
23
Alfaiate
11-10-1907, Pará, nº 1281
Francisco Joaquim de Matos, cº
33
Sabia escrever, alfaiate
25-11-1907, Pará, nº 2041
Francisco José Ferreira, cº
34
Lavrador
20-07-1907, Manaus, nº 572
Francisco Marques, cº
27
Alfaiate
11-10-1907, Pará, nº 1282
Filiação Joaquim Maria Nunes Ferreira e Silva e Tomásia Valente de Almeida António Vicente Rodrigues de Oliveira e Maria Valente de Almeida Francisco Joaquim de Matos, cº
Foi com seu pai
Manuel Maria Afonso Pires e Maria Agostinha da Silva Joaquim da Fonseca Ramos e Cecília Rosa Nunes Manuel Rodrigues de Oliveira e Maria Agostinha Henriques Gonçalo Valente da Silva e Maria Antónia da Silva Ana Joaquina de Matos, sª Inácio Joaquim Ferreira e Ana Maria Pereira da Silva João José Marques e Maria José Nunes
João Maria Pires e Brízida Ermelinda de Jesus Gonçalo Antão da 25-07-1907, Silva e Maria AntóPorto Alegre, nº 597 nia da Silva 03-05-1907, Manuel Marques e Pará, nº 2703 Ana Maria da Silva
João Augusto Pires, cº 31
Sabia escrever, estucador
João da Silva Campos
57
Sabia escrever, lavrador
João Marques Couto
28
Pintor
João Maria Marques Couto, cº
26
Sabia escrever, carpinteiro
22-11-1907, Pará, nº 2008
Manuel Maria Marques Couto e Ana Rosa da Silva
Joaquim Maria Marques Couto, cº
39
Sabia escrever, carpinteiro
22-11-1907, Pará, nº 2010
António Luís Marques Couto e Maria Joana Antão Dias
[ 256 ]
Notas
06-08-1907, Pará, nº 702
Levou seu filho António
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Joaquim Maria Nunes Guiomar, cº
29
Carpinteiro
João Maria Pereira, cº 39
Sabia escrever, carpinteiro
Joaquim Maria Afonso da Silva
23
Sabia escrever, carpinteiro
Joaquim Rodrigues dos Santos
33
Sabia escrever, marítimo
José Maria Vieira de Sousa, cº
39
Sabia escrever, lavrador
Manuel Joaquim Pereira de Sousa
28
Lavrador
Manuel Joaquim Valente da Fonseca, cº
41
Sabia escrever, lavrador
Manuel Maria Antunes, cº
33
Sabia escrever, alfaiate
Manuel Maria Ferreira, cº
31
Lavrador
Maria Emília Pereira
14
Manuel Maria Guiomar e Maria do Rosário José António Perei25-11-1907, ra e Maria José da Manaus, nº 2043 Fonseca Manuel Joaquim 18-05-1907, Afonso da Silva e Pará, nº 92 Maria Pereira de Sousa Manuel José Rodri09-08-1907, gues dos Santos e Manaus, nº 742 Josefa Victorina da Silva Agostinho Maria 22-08-1907, Pereira de Sousa e Levou sua filha Maria Rio de Janeiro, Antónia Maria de Emília Pereira nº 844 Oliveira António Joaquim 30-10-1907, Pereira de Sousa e Pará, nº 1657 Maria Rosa Pais 22-08-1907, João Agostinho Rio de Janeiro, Valente da Fonseca e nº 843 Maria Antónia Antão António Maria Antu13-09-1907, nes e Maria João Pará, nº 1008 Nunes da Silva Joaquim Maria da 14-09-1907, Silva Garganta e Pará, nº 1028 Isabel Bernardina Ferreira 22-08-1907, José Maria Vieira de Rio de Janeiro, Foi com seu pai Sousa, cº nº 844 06-08-1907, Pará, nº 703
ESTARREJA, sem indicação da freguesia Nome e estado civil
Idade
Escolaridade e profissão
Data, destino e nº de passaporte
Filiação
António José, cº
33
Trabalhador
07-03-1907, Santos, nº 1114
António Joaquim Pereira de Lima
António José da silva, cº
41
Negociante
31-12-1907, Manaus, nº 386
António José da Silva
Custódio Marques, cº
39
12-07-1907, Rio de Janeiro, nº 187
Manuel Marques
Trabalhador
Notas
[ 257 ]
TERESA CRUZ TUBBY | VALTER SANTOS
Fernão Maria Nunes
31
Negociante
06-05-1907, Pará, nº 611
Sebastião Nunes
José Valente Assumpção, cº
34
Padeiro
05-09-1907, Manaus, nº 853
Joaquim Valente
Manuel Luís Ferreira, cº
23
Pedreiro
25-11-1907, Manaus, nº 58
António Luís
Manuel Tavares Cunha, vº
39
Trabalhador
07-11-1907, Manaus, nº 886
Francisco Tavares
[ 258 ]
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
SAUDADES - 50 ANOS DA CASA MUSEU EGAS MONIZ
Rosa Maria Rodrigues * Não se compreende a educação mesmo rudimentar de um povo, desde que ela ande alheada da Arte. O culto do Belo que é a sua finalidade é também a suprema aspiração dum povo culto, nas suas múltiplas manifestações. Basta olharmos para o passado para o reconhecermos! Olhar para o passado! É dele que nos falam essas tapeçarias, esses quadros, esses barros, essas esculturas, essas porcelanas, esses móveis e esta casa tão gloriosa de tradições! Nem doutra maneira poderia eu dizer-vos o que é a Arte! É que a vida é curta e a Arte eterna! As grandes escolas de Artes Plásticas são os Museus: Quisera um em cada cidade, em cada vila e em cada aldeia, para que o povo se elevasse na comunhão espiritual do Belo. Egas Moniz
Casal Egas Moniz
Pelas 15 horas do dia 14 de Julho de 19681, concretizaram-se os desejos do casal Egas Moniz, relativos à instituição da «Fundação Egas Moniz»2 e da sua «Casa Museu» em Avanca, que haviam sido expressados em testamento de 17 de janeiro de 1951, onde se lê: * Licenciada em História. Diretora da Casa Museu Egas Moniz. Com investigação e trabalhos publicados na temática Moniziana. 1 - Esta data tinha um elevado significado para o casal Egas Moniz, pois assinalava o Nascimento de Elvira Macedo Dias e o Doutoramento de Egas Moniz. 2 - Os estatutos da Fundação Egas Moniz foram aprovados por Despacho Ministerial de 15 de março de 1966, publicados no Diário do Governo de 28 de março de 1966 e posteriormente extinta, por despacho ministerial de 23 de Maio de 1985, sendo o seu património integrado no Município de Estarreja.
[ 259 ]
SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
Ele e sua esposa muitas vezes têm falado sobre o destino a dar à Casa do Marinheiro, em Avanca onde passavam e passam, longas temporadas, sobretudo desde o ano mil novecentos e quinze, no qual a modificaram, tornando-a vivenda confortável, casa à qual o prendem em especial a recordação da sua infância, pois ali nasceu e ali passou os seus primeiros anos (…) Que decidiram, por isso, que se criasse um Museu, - ideia que aceitou com júbilo. (…) Que será denominado conforme desejo de sua esposa, «Casa Museu Egas Moniz», para que fique assim, ligado à sua querida aldeia esta recordação da sua vida, como recordação de apreço pelos amigos e conterrâneos dos Concelhos de Estarreja e Murtosa, pois aproveitará a toda essa região ribeirinha, cujas populações sempre o acompanharam nas suas horas de alegria e momentos de tristeza, seguindo-o em boa camaradagem e dedicação. Após a morte do Casal Egas Moniz3, concretizam-se estas vontades e toma posse a Comissão Dirigente que programa a abertura deste espaço museológico, onde não foram deixadas ao acaso todas as indicações do seu patrono, quer em relação à disposição dos objetos quer à sua proveniência. Foram corporizadas as vontades de Egas Moniz, pelo que foi convidado o Diretor do Museu de Aveiro para colaborar com Boaventura Pereira de Melo e sua esposa Maria Odete, Pedro Almeida Lima, António Macieira Coelho e Joaquim Rosado entre outros. Para a realização da sessão solene, levantou-se grandiosa tribuna e dispôs-se ampla plateia de cadeiras em aprazível local, ou seja junto à varanda nascente da «Casa do Marinheiro», onde sob as frondosas tílias que aí se levantavam, constituiu-se tribuna de honra da sessão e ouviram-se discursos de circunstância.
Chegada dos Convidados à Casa Museu Egas Moniz 3 - António Egas Moniz (1874-1955) e Elvira Egas Moniz (1884-1965).
[ 260 ]
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Convidados
[ 261 ]
SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
[ 262 ]
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
Mesa de Honra da Inauguração Com a presença entre outos do representante do presidente da República, Boaventura Pereira de Melo, António Manuel Gonçalves e António Almeida Lima
Boaventura Pereira de Melo no usa da palavra
[ 263 ]
SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
Boaventura Pereira de Melo, na qualidade de Presidente da Fundação Egas Moniz, abriu a sessão4 saudando as individualidades presentes na Inauguração e deixou esta mensagem5. Esta obra destina-se a fins culturais, científicos e educativos, que através dos tempos recordará a nacionais e estrangeiros o valor e o labor dum avancanense que muito honrou e glorificou a Pátria e por isso se tornou um dos seus filhos mais ilustres (…). Figura prestigiosa da sociedade portuguesa deixou bem marcada a centelha do seu talento como orador, parlamentar, diplomata e homem de letras. Espírito sempre renovado e criador conservou até ao fim a sua forte vontade e o vigor pleno das suas faculdades mentais, como confirmam alguns escritos que deixou datados da véspera do seu falecimento. Conservou até ao fim a grandeza de alma e a magnanimidade que ficou provada quando ferido de morte e a caminho do hospital, pediu que perdoassem ao louco que sobre ele descarregara oito balas, quando, no consultório passava uma receita. Trabalhador infatigável e sempre enamorado das belezas desta região, as férias que nesta cas passava, ocupava-as também no estudo e na preparação de conferências sobre arte, ciência, literatura e dissertações académicas. Afervorados amigos da nossa região ribeirinha, deixaram-nos nesta Casa tudo o que mais estimaram e os prendei à vida. E nesta boa terra, que se orgulha de ser o seu berço, quiseram os dois repousar modestamente o sono eterno. Curvo-me perante a memória de quem nesta Casa soube criar felicidade e beleza.
António Manuel Gonçalves no uso da palavra 4 - Seguiram-se os discursos do Dr. António Manuel Gonçalves – Museu de Aveiro e do Dr. Almeida Lima em representação da Academia de Ciências d Lisboa e na qualidade de Presidente do Centro de Estudos Egas Moniz. 5 - TAVARES, JOSÉ – Inauguração da «Casa Museu Egas Moniz» em Avanca. Aveiro 1968. P.11- Separata do Vol. XXXIV do Arquivo do Distrito de Aveiro. p. 9 e 10.
[ 264 ]
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
António Manuel Gonçalves6 dissertou acerca do espólio artístico da Casa e da mentalidade epicurista e apurado sentido estético de Egas Moniz, bem como da forma como se integra no panorama da Museologia nacional. Assim: Não receemos certo arranjo e modo de apresentação que se estadeia nesta Casa Museu, porque se a qualidade revigora as vezes pela quantidade, é lícita exposição de conjuntos e obedecemos a cuidadosas prescrições do colecionador que denunciam um pendor humanístico de Egas Moniz, Ele, que evocou um dia o Papa João XXI, o primeiro médico e humanista da dilatada plêiade dos pares no tempo que glorificou como o nosso Prémio Nobel, ao colecionar objectos artísticos, afirmava uma humaníssima faceta da sua personalidade. Disse Brimo que o colecionador é um artista que procura uma obra de arte, mas esta tem de satisfazer plenamente ao seu anseio pessoal e de ajudar a perfazer a sua própria obra: a sua colecção. Cada Galeria de obras de Arte, cada biblioteca, cada colecção denuncia as paixões, os sonhos, as ambições, contingências, virtudes e a capacidade do homem que pôde ajuntá-la – é sempre a sua colecção e, por isso, uma colecção viva, obra de selecção e contiguidade vincadamente pessoal.
Pedro Almeida Lima no uso da palavra
6 - Diretor do Museu de Santa Joana.
[ 265 ]
SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
Segue-se o discurso de Pedro Almeida Lima7, que evoca o Mestre dizendo: Devemos todos ter presente, no momento actual, este grande exemplo. Os múltiplos interesses culturais de Egas Moniz levaram muitos dos seus biógrafos a compará-lo a uma figura renascentista (…) amador esclarecido das artes plásticas, de cujo gosto esmerado é testemunho permanente esta maravilhosa Casa Museu, que pelo seu amor à Pátria legou aos seus conterrâneos e a todos os portugueses (…). Encantadora faceta de seu génio, elevado recreio do homem dedicado à fria exactidão do sábio, necessário correctivo emocional ao esforço intelectual da investigação científica. Esta Casa Museu, que hoje tão acolhedoramente nos recebe, não é, porém, apenas o escrínio das joias da colecção artística reunida pelo Mestre, a dar-lhes uma unidade a imprimir – lhes um calor humano contrastar com a frialdade dos grandes museus, mas é também uma varanda debruçada sobre a paisagem que Egas Moniz tanto amou(…). É o nosso maior preito, a nossa maior vaidade, o nosso maior desejo imaginar que ele hoje, aqui se olhasse e nos visse repetiria contente: a minha gente.
7 - Discípulo e seu sucessor na cátedra de Neurologia e que se encontra nesta sessão em representação da Academia de Ciências de Lisboa e na qualidade de Presidente do centro de Estudos Egas Moniz.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
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SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
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SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
Terminados os discursos, o Presidente da Fundação Egas Moniz, declarou encerrada a sessão. O representante do Chefe de Estado, Dr. Alberto Carlos Brito na qualidade de Subsecretário da Administração Escolar, passou a guarda de honra, formada pelos Bombeiros Voluntários, cortando de seguida a fita simbólica, que marcou a inauguração deste espaço. Seguiu-se demorada visita às instalações da Casa Museu Egas Moniz.
Guarda de Honra
Abertura simbólica da Casa Museu Egas Moniz
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Visita à Casa Museu Egas Moniz
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SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
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SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
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E terminadas as cerimónias foi servido um beberete à volta do aprazível parque que circunda a Lagoazinha dependente do rio Gonde, que corre a pouca distância da Casa do Marinheiro
[ 275 ]
SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
Hoje a Casa Museu Egas Moniz, representa um facto eminentemente cultural, pois permite, através do seu acervo museológico e do seu espólio documental, uma homenagem constante ao homem que lhe deu alma, grandeza e consequentemente vida. Cada sala é como que um palco onde foi encenada pelo Génio uma “vida” repleta de amor, comunhão, singeleza, nostalgia, beleza e espiritualidade. Neste ambiente de extremado gosto que criou, os objetos equilibradamente ordenados “representam” três origens bem caracterizantes de Egas Moniz - a família, a investigação científica e a arte, que nos permitem, hoje, relembrar o homem que nela passava grandes temporadas. Em cada pormenor, deixou explicitamente marcados os seus gostos e predileções, possibilitando por isso, um diálogo íntimo e tranquilo com Egas Moniz, num ambiente místico, envolvente e pleno. Neste espaço, sente-se a harmonia e um equilíbrio ímpar que num relance dá ao visitante a certeza de que nada de banal faz parte deste ambiente, e que Egas Moniz teve necessidade de dar a tudo o que o rodeou um “bocado de si”, envolvendo-se por isso de tudo aquilo, que porque Belo, imortalizava no tempo a sua obra, tornando-a um facto vivo e à dimensão do Homem, que ligado umbilicalmente ao passado se projetou através dela no futuro. Exigente e atento, com o seu bom gosto e perspicácia conseguiu ao longo da sua vida adquirir peças de raridade e beleza, antiguidade e minúcia, que passam por coleções como a cerâmica, o vidro, a ourivesaria, a aguarela, a pintura, a gravura entre tantas outras e que acima de tudo revelam um prazer incontido, a alma e o coração do seu patrono, que estabeleceu com elas um diálogo e que faz com que hoje, ao percorrer-se a sua Casa Museu, se sinta a presença do homem, uma paz infinita e por isso é de justiça afirmar que ela é um ato de amor em relação à vida, à esposa, à família e ao mundo. Vislumbram-se a todo o momento, fragmentos da vida de um homem amante das coisas belas, pressente-se o requinte e a fidalguia com que sabia receber, a influência das viagens, das pessoas com quem privou, sente-se o cheiro das flores, o aroma da terra e a alegria da vida animal. Adivinha-se como seria privar com Egas Moniz, que nela deixou pedaços da história que hoje contamos. Nesta sua e também agora nossa casa, permanece tudo aquilo que mais estimou, amou e o prendeu à vida, e quase que nos segreda “Percorrer estas salas é recordar um passado de trabalho sereno, é sublimar, na admiração destes quadros, a sentimentalidade estonteante da hora presente; é instruir-se, é educar-se, é olhar sobranceiro a vida, de forma a divisar nela o que ela tem de mais encantador - a Arte”.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
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SAUDADES | ROSA MARIA RODRIGUES
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
[ N.º1 | Ano I | 2007 ] SUMÁRIO: HOJE, POR ONTEM, PARA AMANHÃ, José Eduardo de Matos; EDITORIAL, Delfim Bismarck Ferreira; ARTIGOS: EM SALREU, A “CASA DO SANTO” OU “A CASA DO FERRAZ”, Amaro Neves; O PATRIMÓNIO NAVAL NA FREGUESIA DE PARDILHÓ, Andreia Vidal Leite; CARTOFILIA ESTARREJENSE - A 1.ª metade do século XX, António Augusto Silva; DIVAGAÇÕES A PROPÓSITO DE UM VELHO RETRATO - Rostos da Fontinha, António Pedro de Sottomayor; MOINHOS E MOLEIROS DO CONCELHO DE ESTARREJA, Armando Carvalho Ferreira; A INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA NA CAPELA DE SANTO AMARO, Beduído - Estarreja, Carlos A. Brochado de Almeida e Pedro Brochado de Almeida; OS REGEDORES DAS FREGUESIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA, Delfim Bismarck Ferreira; UMA FAMÍLIA DE ESTARREJA - Notas genealógicas sobre o ramo materno da família de D. Frei Caetano Brandão, Bispo do Pará e Arcebispo Primaz de Braga, Francisco M. Ponces de Serpa Brandão; HISTÓRIA DO ENSINO PRIMÁRIO NO CONCELHO DE ESTARREJA, Marco Pereira; O COUTO DE ANTUÃ E AVANCA NO FINAL DA IDADE MÉDIA - O impacto da crise dos séculos XIV e XV segundo três cartas de sentença, Rafael Marques Vigário; A IMPORTÂNCIA DA REDE VIÁRIA NA ESTRUTURAÇÃO DA DIOCESE VISIGÓTICA DE COIMBRA: Antuane como uma das suas paróquias, Sónia Filipe; SAUDADES.
[ N.º2 | Ano II | 2008 ] SUMÁRIO: COMO É RICA A NOSSA HISTÓRIA, José Eduardo de Matos; EDITORIAL, Delfim Bismarck Ferreira; ARTIGOS: O BISPO DE COCHIM - Alguns apontamentos para o seu conhecimento, António Augusto Silva; LEITURA DE FEIRA E NÃO SÓ, António de Pinho Nunes; ESTARREJA NA IDADE MÉDIA - Documentação dos séculos X a XIII, Delfim Bismarck Ferreira; O LIVRO DE EXCOMUNGADOS E LEMBRANÇAS DA IGREJA DE SÃO MIGUEL DE FERMELÃ, Hugo Calão; OS MEUS ANTEPASSADOS DE ESTARREJA, José Manuel Nunes Liberato; O ASSOCIATIVISMO AGRÁRIO NA SUB-REGIÃO DE AVEIRO (1854-1923) - Contributo para o seu estudo, Manuel Ferreira Rodrigues; MONARQUIA DO NORTE [ou Traulitânia] - Ocupação monárquica de Estarreja (24.1.1919-11.21919), Marco Pereira; O ESTÁBULO DA IGREJA PAROQUIAL DE BEDUÍDO, Maria Clara Paiva Vide Marques; LIVROS PAROQUIAIS DE AVANCA - Uma fonte por explorar, Maria Palmira da Silva Gomes; BANDA BINGRE CANELENSE: PELA MÚSICA HÁ 140 ANOS, Teresa Bagão; O CONCELHO DE ESTARREJA E OS SEUS EMIGRANTES ENTRE OS ANOS DE 1900 E 1905, Valter Santos; SAUDADES, ADENDAS E CORRECÇÕES: Novos Subsídios para a História da Capela de Santo António, Marco Pereira.
[ N.º3 | Ano III | 2009 ] SUMÁRIO: A AVANTURA CONINUA, José Eduardo de Matos; EDITORIAL, Delfim Bismarck Ferreira; ARTIGOS: JORNAIS E JORNALISTAS NA TERRA DA MADEIRA ATÉ 1925, António Augusto Silva; A CONSTRUÇÃO NAVAL NO NORTE DA RIA DE AVEIRO: DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DO CONCELHO DE ESTARREJA AO BICO DA MURTOSA, António Vítor N. de Carvalho; CASA DOS MORGADOS DE SANTO ANTÓNIO DA PRAÇA, EM ESTARREJA, Delfim Bismarck Ferreira; A CHEGADA DA ENERGIA ELÉCTRICA AO CONCELHO DE ESTARREJA: 1925-1930 - BREVES APONTAMENTOS HISTÓRICOS, Diana Cunha & Susana Temudo Silva; EPISÓDIO DA VIDA PLOÍTICA DE HÁ CEM ANOS, José Augusto Tavares Gurgo e Cirne; INVASÕES FRANCESAS NOS CONCELHOS DE ESTARREJA E MURTOSA, Marco Pereira; AS CONVERSAS COM A TIA ROSA, Margarida Castro; RETÁBULO DA CAPELA DE SANTA BÁRBARA EM BEDUÍDO, Maria Clara Paiva Vide Marques; MANUEL FIRMINO D’ALMEIDA MAIA (1824-1897), Maria Manuel de Vilhena Barbosa; EGAS MONIZ - O PRÉMIO NOBEL, Rosa Maria Rodrigues; FAMILIARES DO SANTO OFÍCIO RELACIONADOS COM ESTARREJA, Teresa Cruz Tubby; O CONCELHO DE ESTARREJA E OS SEUS EMIGRANTES ENTRE OS ANOS DE 1882 E 1887, Valter Santos; SAUDADES.
[ 289 ]
MUNICÍPIO DE ESTARREJA
[ N.º4 | Ano IV | 2010 ] SUMÁRIO: CEM ANOS DA REPÚBLICA E MAIS DE MONARQUIA, José Eduardo de Matos; EDITORIAL, Delfim Bismarck Ferreira; ARTIGOS: ALBERTO FERREIRA VIDAL - Notável Estarrejense, António Augusto Silva; EGAS MONIZ, das origens telúricas à celebração internacional, António Macieira Coelho; “MULTIPLICAR OS PEIXES E POUPÁ-LOS QUANDO SE REPRODUZEM…” - O debute parlamentar de um filho de Estarreja, António Pedro de Sottomayor; O “RESTAURO” DA BANDEIRA DA MONARQUIA - Tratamento de Conservação e Restauro da bandeira da Câmara Municipal de Estarreja, Eva Armindo; OS INVENTÁRIOS DAS IGREJAS E CAPELAS DAS PARÓQUIAS DOS CONCELHOS DE ESTARREJA E MURTOSA, Hugo Calão; OS ÚLTIMOS TEMPOS DA MONARQUIA E A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, com as suas consequências em Estarreja, de acordo com as memórias de Francisco de Moura Coutinho de Almeida d’Eça, Luís Augusto Eça de Matos; NOTAS PARA A HISTÓRIA DA PRIMEIRA REPÚBLICA NO DISTRITO DE AVEIRO: Alberto Souto administrador do concelho de Estarreja, Luís Souto de Miranda; DA COBERTURA DE COLMO À TELHA DE FONTELA, Marco Pereira; SÃO MIGUEL ARCANJO - PADROEIRO DE FERMELÃ, Maria Clara Paiva Vide Marques; OS CAMINHOS DA CIRES - o seu 50.º aniversário, Maria Elvira Callapez; DOMINGOS JOAQUIM DA SILVA, Visconde de Salreu (1854-1936) - Parte I, Maria de Jesus Sousa de Oliveira e Silva; INTERVENÇÃO DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DA PEDRA DE ARMAS DO BISPO DE COCHIM, Patrícia Mestre Marques de Carvalho; RECUPERAÇÃO DOS MOINHOS DE MEIAS - Quinta do Marinheiro, Casa-Museu Egas Moniz, Ricardo Matos, Luís Loureiro e Nuno Matos; AVANCA - DOS ÚLTIMOS ANOS DA MONARQUIA ATÉ À IMPLEMENTAÇÃO DA REPÚBLICA, Telma Marília Assunção Correia; O CONCELHO DE ESTARREJA E OS SEUS EMIGRANTES (1888-1892), Valter Santos; SAUDADES, ADENDAS E RECTIFICAÇÕES. [ N.º5 | Ano V | 2011 ] SUMÁRIO: NÃO REFORMAMOS A HISTÓRIA!, José Eduardo de Matos; EDITORIAL, Delfim Bismarck Ferreira; ARTIGOS: A SAGA DO NAVIO MARIA DAS FLORES, O Lugre Maria das Flores - o bota-abaixo, Ana Maria Lopes; CAETANO FERREIRA - Notável Estarrejense, jornalista errante e viajante, António Augusto Silva; PASSADO PATRIMÓNIO E FUTURO - Primeiros elementos para uma carta arqueológica do concelho de Estarreja, António Manuel S. P. Silva & Gabriel Rocha Pereira; CASA DO OUTEIRO DE PAREDES EM AVANCA, Delfim Bismarck Ferreira e Maria Palmira da Silva Gomes; A ARQUEOLOGIA NA REDE PRIMÁRIA DE TRANSPORTE DE GÁS: A passagem pelo distrito de Aveiro, João Muralha; O FUNDADOR DE ESTARREJA, Joaquim Lagoeiro; ORIGEM DA CASA DO COUTO, SALREU, ESTARREJA, Jorge Barbosa Montenegro; CONSELHEIRO FRANCISCO LOURENÇO DE ALMEIDA - Participante na transição da Monarquia Absoluta para a Monarquia Liberal, na primeira metade do século XIX, Marco Pereira; OS VALENTES DE ALMEIDA DE PARDILHÓ, Maria Helena Valente Pinto; AS ELITES LOCAIS E SUA INFLUÊNCIA NOS FINS DO SÉCULO XIX E PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX - UM EXEMPLO: Domingos Joaquim da Silva, Visconde de Salreu (1854-1936) - Parte II, Maria de Jesus Sousa de Oliveira e Silva; AFORAMENTOS DE SANTO AMARO, TORREIRA E OUTROS (1780 a 1950) - PROCESSOS EM ARQUIVO, Norvinda Leite; O PAPEL DAS MULHERES NA VIDA DE EGAS MONIZ, Rosa Maria Rodrigues; OS CINETRATOS NO DISTRITO DE AVEIRO - Materialização de um programa em Rodrigues Lima, Susana Constantino; O CONCELHO DE ESTARREJA E OS SEUS EMIGRANTES (1893-1894), Valter Santos e Teresa Cruz; SAUDADES; NOTAS SOLTAS: ORDENANÇAS E MILÍCIAS NO CONCELHO DE ESTARREJA (1866); ARQUITECTURA NA FEIRA DE SANTO AMARO; ADENDAS E RECTIFICAÇÕES [N.º6 | Ano VI | 2012 ] SUMÁRIO: A IMPORTÂNCIA DO RITUAL, José Eduardo de Matos; EDITORIAL, Delfim Bismarck Ferreira; ARTIGOS: EMBARCAÇÕES TRADICIONAIS DE CANELAS, Ana Maria Lopes; Dr. TAVARES DA SILVA - Figura incontornável do Desporto Nacional do séc. XX, António Augusto Silva; O PATRIMÓNIO CINÉFILO DO CONCELHO DE ESTARREJA, António Costa Valente; O CASTRO DE SALREU (ESTARREJA): RESULTADOS DA PRIMEIRA CAMPANHA DE ESCAVAÇÕES ARQUEOLÓGICAS, António Manuel S. P. Silva, Gabriel R. Pereira & Paulo A. P. Lemos; ANTÓNIO MOTA GODINHO MADUREIRA - Um esboço biográfico, Delfim Bismarck Ferreira; MIGRAÇÕES ARQUITECTÓNICAS - O popular e o histórico na hora de Francisco Farinhas, Domingos Tavares; O PATRIMÓNIO E O SEU PAPEL CULTURAL NO CONTEXTO LOCAL E REGIONAL, José Mattoso; FÁBRICAS DE LACTICÍNIOS NOS CONCELHOS DE ESTARREJA E MURTOSA, Marco Pereira; SACRÁRIOS DAS IGREJAS PAROQUIAIS DO CONCELHO DE ESTARREJA, Maria Clara Vide Marques; ESTARREJA - Sua origem como topónimo, Maurício António Fernandes; O CONCELHO DE ESTARREJA E OS SEUS EMIGRANTES (1895), Teresa Cruz Tubby e Valter Santos; SAUDADES; NOTAS SOLTAS: ESTARREJA E AS SUAS ACTUAIS FREGUESIAS (1853); CONCELHO DE ESTARREJA (1875); ESTADO ACTUAL DA INDÚSTRIA CERÂMICA (1905); ESTARREJA (1912); ANTUÃ: Paróquia Sueva; 8 DIAS DE “LIBERDADE” … CONDICIONADA; REVISTAS TERRAS DE ANTUÃ.
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TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
[ N.º7 | Ano VII | 2013 ] SUMÁRIO: EU SOU QUE SEI, José Eduardo de Matos, A HISTÓRIA VAI-SE FAZENDO, Diamantino Sabina, EDITORIAL, Delfim Bismarck Ferreira, ARTIGOS: HENRIQUE LAVOURA - construtor naval de nomeada, Ana Maria Lucas, CÓNEGO REBELO DOS ANJOS - Capelão de militares e Civis, António Augusto Silva, O CÓNEGO BARBOSA E O DOGMA DA IMACULADA CONCEIÇÃO, António Pedro Sotto Mayor, O VINCULO DA CASA DO COUTO EM SALREU (1755), Delfim Bismarck Ferreira, MEMÓRIAS DO QUOTIDIANO - os Painéis dos Barcos Moliceiros, José Gurgo e Cirne, INVENTÁRIO DO ESPÓLIO DE CONSTRUÇÃO NAVAL DO MESTRE HENRIQUE LAVOURA - PARDILHÓ, Juliana Cunha, REVOLTAS POPULARES EM ESTARREJA E MURTOSA, Marco Pereira, FRANCISCO MARQUES RODRIGUES, Maria Almira de Oliveira Rodrigues Barata e Manuel Oliveira Rodrigues, RETÁBULOS DA IGREJA DE SÃO BARTOLOMEU DE VEIROS, Maria Clara Vide Marques e António Cruz Leandro, OS ELEITOS DA CÂMARA DE ESTARREJA REFERÊNCIAS NAS ATAS DE 1860-1910,Norvinda Leite, NOTA SOBRE A IDENTIFICAÇÃO DE UMA PEÇA ARQUEOLÓGICA DE VALE CASTANHEIRO, SALREU, Paulo Morgado, MEMÓRIAS DA CONSTRUÇÃO NAVAL, Sérgio Paulo Silva, A EMIGRAÇÃO NO CONCELHO DE ESTARREJA (1896), Teresa Cruz eValter Ramos, SAUDADES, REVISTAS “ TERRAS DE ANTUÔ [ N.º8 | Ano VIII | 2014 ] SUMÁRIO. VIAJE COMIGO POR TERRAS DE ANTUÃ, Diamantino Sabina, EDITORIAL, Rosa Maria Rodrigues, ARTIGOS: AS DESCOBERTAS DE EGAS MONIZ E O SEU CONTEXTO HISTÓRICO, Álvaro Macieira Coelho, A CONSTRUÇÃO NAVAL LAGUNAR E A MUSEOLOGIA - Mestre Esteves - Pardilhó Ana Maria Lopes, OS 90 ANOS DOS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS DE ESTARREJA, Andreia Tavares, PATRIMÓNIO MUSICAL DE ESTARREJA - Um contributo, António Augusto Silva, A FAMÍLIA BANDEIRA EM ESTARREJA E SALREU DESDE O SÉCULO XVIII, Delfim Bismarck Ferreira, MEMÓRIAS DO QUOTIDIANO - Os Painéis dos Barcos Moliceiros, José Gurgo e Cirne, CRÓNICAS DE UM PASSADO PRESENTE - Alguns apontamentos para o estudo geral deste Concelho de Estarreja, José Teixeira Valente, OS ACTUAIS CONCELHOS DE ESTARREJA E MURTOSA NO SÉCULO XIII, Marco Pereira, PINTURAS DEVOCIONAIS DOS ALTARES- MORES DO CONCELHO DE ESTARREJA, Maria Clara Paiva Vide Marques e Sylvie Ferreira, FRANCISCO AUGUSTO DA SILVA ROCHA E A CASA DE FRANCISCO MARIA SIMÕES - Um novo padrão de Beleza, Maria João Fernandes, OS ELEITOS DA CÃMARA MUNICIPAL DE ESTARREJA - REFERÊNCIAS NAS ATAS (CONT) - 1910-2013, Norvinda Leite, DEAMBULANDO PELAS RUAS, Sérgio Paulo Silva, O CONCELHO DE ESTARREJA E OS SEUS EMIGRANTES - ANO DE 1897 TRILHOS DOS AMAZONAS, Teresa Cruz e Valter Santos, SAUDADES - OS 50 ANOS DO MERCADO MUNICIPAL DE ESTARREJA João Alegria REVISTAS “TERRAS DE ANTUÔ [ N.º9 | Ano IX | 2015 ] SUMÁRIO, E VÃO NOVE, Diamantino Sabina, EDITORIAL, Rosa Maria Rodrigues, PINTORES DE EMBARCAÇÕES LAGUNARES, Ana Maria Lopes, 150 ANOS DEDICADOS À MÚSICA, OS EXECUTANTES DA BANDA BINGRE CANELENSE DESDE A SUA FUNDAÇÃO, Ana Paula Almeida, CARNAVAL DE ESTARREJA: DAS COMEMORAÇÕIES POPULARES ÀS BATALHAS DAS FLORES, Andreia Tavares, DR. MANUEL FIGUEIREDO. MÉDICO DE LARGO SENTIDO HUMANO, António Augusto Silva, A OBRARETABULAR DA IGREJA DE SÃO PEDRO DE PARDILHÓ, António Cruz Leandro e Maria Clara de Paiva Vide Marques, PATRIMÓNIO - LUGAR DE MEMÓRIA E DE IDENTIDADE, Carla Ferreira, O DESEMBRAGADOR DR. JOSÉ HOMEM CORRÊA TELES, Delfim Bismarck Ferreira, CONTRIBUTO PARA UM INVENTÁRIO HISTÓRICO DA COLETIVIDADE CONCELHIA” O CENTRO” - CENTRO RECREATIVO DE ESTARREJA CRE NA CELEBERAÇÃO DOS 105ºANIVERSÁRIO, José Fernando Correia, MEMÓRIAS DO QUOTIDIANO. OS PAINÉIS DOS BARCOS MOLICEIROS, José Gurgo e Cirne, A LEITURA PÚBLICA EM ESTARREJA, Juliana Cunha, PRIMEIRA REFERÊNCIA ESCRITA A SALREU (1076/1106), Marco Pereira, FRENTE LAGUNAR DE ESTARREJA E OS SEUS TESOUROS, Norberto Monteiro, JORNAL “ O CONCELHO DE ESTARREJA” 1901-2014 DO SOTÃO PARA O MUNDO DIGITAL, Norvinda Leite, BANDA VISCONDE DE SALREU, 1 DE OUTUBRO DE 1925-1 DE OUTUBRO DE 2015 DO PASSADO AO PRESENTE UM SÓ CAMINHO, A MESMA ENTREGA À MÚSICA E À ARTE DE BEM FAZER, Raquel Maria Rodrigues de Jesus, SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ESTARREJA 80 ANOS AO SERVIÇO DO CONCELHO DE ESTARREJA, Rosa de Fátima Figueiredo, CASA MUSEU EGAS MONIZ - RECANTOS DO MARINHEIRO, Rosa Maria Rodrigues, ESCOLA SECUNDÁRIA DE ESTARREJA: UM PERCURSO COM MEIO SÉCULO, Teresa Bagão, EMIGRAÇÃO ESTARREJENSE NO ANO DE 1898, Teresa Cruz Tubby e Valter Santos, SAUDADES - CINE TEATRO DE ESTARREJA 65 ANOS DE HISTÓRIAS E MEMÓRIAS, João Carlos Alegria
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MUNICÍPIO DE ESTARREJA
[ N.º10 | Ano X | 2016 | A NOSSA CASA BRANCA, Diamantino Sabina, EDITORIAL, Rosa Maria Rodrigues, ROTA LAGUNARES, Ana Maria Lopes, CARNAVAL DE ESTARREJA:1930 A 1974, Andreia Tavares, RANCHO FOLCLÓRICO DE VEIROS - AS PRIMEIRAS DANÇAS: 1939-1947, António Augusto Silva, TRABALHOS ARQUEOLÓGICOS EM 2016 NO CRASTO DE SALRE ESTARREJA - BREVE NOTÍCIA António Manuel Silva, Gabriel R. Pereira, Paulo P. Lemos e Sara Almeida e Silva, A PEDRA DE ARMAS DA CASA DA FONTINHA, EM BEDUÍDO, ESTARREJA, Delfim Bismarck Ferreira, CASAS COM TORRE, Domingos Tavares, MEMÓRIAS DO QUOTIDIANO - OS PAINEIS DOS BARCOS MOLICEIROS José Gurgo e Cirne, A BIBLIOTECA PRIVADA DE EGAS MONIZ - CASA DO MARINHEIRO EM AVANCA, Juliana Cunha, O VÍNCULO DA CAPELA DE S. SIMÃO DO BUNHEIRO NO CONCELHO DE ESTARREJA, DISTRITO DE AVEIRO, Luís Miguel Pulido Garcia Cardoso de Menezes, PESOS E MEDIDAS NA HISTÓRIA DE ESTARREJA E MURTOSA, Marco Pereira, PINTURAS DE MILAGRES, HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE ESPERANÇA E FÉ…, Maria Clara de Paiva Vide Marques e António Cruz Leandro, EDIFÍCIO DOS PAÇOS DO CONCELHO DE ESTARREJA - UM PERCURSO PELAS FONTES DE 120 ANOS DE HISTÓRIA, Norvinda Leite, UM OUTRO OLHAR SOBRE O PATRIMÓNIO EDIFICADO DA ANTIGA FREGUESIA DE BEDUÍDO: A TERRA COMO FORMA DE CONSTRUÇÃO Susana Temudo e Diana Cunha Santos EMIGRAÇÃO ESTARREJENSE NO ANO DE 1899, Teresa Cruz Tubby e Valter Santos SAUDADES - NOS 20 ANOS DO FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DE AVANCA, António Costa Valente e Rita Capucho
[ N.º11 | Ano XI | 2017 | “ROSTO EDIFICADO”, Diamantino Sabina, EDITORIAL, Rosa Maria Rodrigues, CARLOS PINTO DE SOUSA - Um autodidacta do crescimento cultural, António Augusto Silva, UMA ALDEIA DE HÁ DOIS MIL ANOS UM SÍTIO ARQUEOLÓGICO E A SUA INVESTIGAÇÃO, António Manuel Silva, Gabriel R. Pereira, Sara Almeida e Silva e Paulo. P. Lemos, A PEDRA DE ARMAS DA “CASA DO COUTO”, EM SALREU, Delfim Bismarck Ferreira, PALACETES EM ESTARREJA, Domingos Tavares, MEMÓRIAS DO QUOTIDIANO - Em busca do tempo perdido, José Gurgo e Cirne, O PATRIMÓNIO BIBLIOGRÁFICO DE ANTÓNIO MADUREIRA - Casa-Museu Marieta Solheiro Madureira em Estarreja, Juliana Cunha, TAVARES RESENDE DA CASA DE S. BERNARDO DA CONGOSTA EM AVANCA - Estarreja, Aveiro, Luís Cardoso Menezes, OS CONCELHOS DE ESTARREJA E MURTOSA NA PRIMEIRA GRANDE GUERRA (1914-1918), Marco Pereira, ESCULTURA DEVOCIONAL NA IGREJA MATRIZ DE AVANCA, Maria Clara de Paiva Vide Marques, António Cruz Leandro e Luís Alberto Casimiro, FORAL DO ANTUÃ: DOCUMENTOS AUTÊNTICOS QUE O TROUXERAM ATÉ HOJE, Norvinda Leite, UMA CARTA, Sérgio Paulo Silva, JOAQUIM MARIA LEITE, Teresa Cruz Tubby, EMIGRAÇÃO ESTARREJENSE NO ANO DE 1906, Teresa Cruz Tubby e Valter Santos, SAUDADES - EGAS MONIZ - UM PERCURSO - 90 Anos da Angiografia Cerebral (1927-2017), Rosa Maria Rodrigues
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MUNICÍPIO DE ESTARREJA
AUTORES
TA 1
TA 2
TA 3
TA 4
TA 5
TA 6
TA 7
Alvaro Macieira Coelho Amaro Neves
TA 8 X
X
Ana Maria Lopes
X
X
X
X
X
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X
X
X
X
X
X
X
Ana Paula Almeida Andreia Vidal Leite
X
António Augusto Silva
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X
António Costa Valente
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X
X
António Cruz Leandro
X
X
X
X
António Manuel S. P. Silva
X
António de Pinho Nunes
X
X
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X
X
X
X
X X
X
Carla Ferreira
X
Carlos A. Brochado de Almeida
X
Delfim Bismarck Ferreira
X
X
Diana Cunha
X
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X
X
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X
X
X
X
X
X
X
Etelvina Resende Almeida
X
Eva Armindo
X X
Gabriel Rocha Pereira
X X
X
X
João Muralha
X
Joaquim Lagoeiro
X
José Fernando Correia
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
José Gurgo e Cirne
X
X
X
X
José Mattoso
X
José Teixeira Valente
X
Juliana Cunha
X
Luís Augusto Eça de Matos
X
Luís Loureiro
X
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X
X
Jorge Barbosa Montenegro
Luís Cardoso Menezes
X
X
João Alegria
José Manuel Nunes Liberato
X
X
Domingos Tavares
Hugo Cálão
X
X
António Vítor N. Carvalho
Francisco M. Pontes de Serpa Brandão
X
X X
António Macieira Coelho
Armando Carvalho Ferreira
X
X
Andreia Tavares
António Pedro de Sottomayor
TA 9 TA 10 TA 11 TA 12
TERRAS DE ANTUÃ | HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DO CONCELHO DE ESTARREJA
AUTORES
TA 1
TA 2
TA 3
Luís Souto de Miranda
TA 4
TA 5
TA 6
Manuel Ferreira Rodrigues
TA 8
TA 9 TA 10 TA 11 TA 12
X
Manuel de Oliveira Rodrigues Marco Pereira
TA 7
X
X X
X
Margarida Castro
X
X
X
X
X
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X
Maria Almira de Oliveira Rodrigues Barata
X
Maria Clara Vide
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X
Maria Elvira Callpez
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X
X
X
Maria Helena Valente Pinho
X
Maria de Jesus Sousa de Oliveira e Silva
X
X
Maria João Fernandes
X
Maria Manuel de Vilhena Barbosa
X
Maria Palmira da Silva Gomes
X
X
Maurício Antonino Fernandes
X
Norberto Monteiro
X
Norvinda Leite
X
Nuno Matos
X
X
X
X
Paulo A. P. Lemos
X
Paulo Morgado
X
Patrícia Mestre Marques de Carvalho
X
Pedro Brochado de Almeida
X
Rafael Marques Vigário
X
Raquel Rodrigues de Jesus
X
Ricardo Montes
X
Rita Capucho
X
Rosa Figueiredo
X
Rosa Maria Rodrigues
X
X
X
Sara Almeida e Silva
X
Sérgio Paulo Silva
X
Sylvie Ferreira Sónia Filipe
X
X
X X
Susana Constantino
X
Susana Moncóvio
X
Susana Temudo Silva
X
Telma Marília Assunção Correia Teresa Bagão
X X
Teresa Cruz Tubby Valter Santos
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X X
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