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EXPOSIÇÃO ECOA
from MURAL 86
Artista e designer, Ana Terra Vignes discute com recortes e dobraduras os impactos da violência contra a mulher
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Beleza pra quem?
Que direito o outro tem sobre nossos corpos?
A quem interessa a sua beleza?
textos MONIQUE VANDRESEN fotos SÉRGIO VIGNES
De desenhos dobrados a instalações imensas, a arte em papel é milenar, mas continua a inspirar os artistas até hoje. Uma prática que sempre surpreende é o paper cutting. A técnica de cortes minuciosos em papel produz obras incríveis e em dimensões bastante variadas. Em Santa Catarina, o destaque nessa área é sem dúvida alguma a artista e designer Ana Terra Vignes e sua capacidade de transformar folhas de papel inteiras em obras, com trabalhos que abusam da tridimensionalidade. Quer esteja usando uma tesoura simples, estilete ou bisturi, Ana Terra nos mostra as infinitas possibilidades oferecidas pelo papel.
O Projeto “Ecoa: Frases que Não se Esquece, Recortando a Dor”, em exposição desde o início de abril na plataforma Peopleartfactory, surgiu de uma vontade de criar iniciativas capazes de despertar a reflexão sobre violências desapercebidas no dia a dia. Ana Terra Vignes começou a coletar frases, muitas vezes brutais, que nem sempre são nomeadas como violência: “Vai sair assim?”, “Você só está mais inteligente porque eu te dou esta condição”, “Você está louca”. A ideia é mostrar, por meio da arte, que a violência contra a mulher alcança todas as idades, diversas classes sociais, raças, credos, níveis educacionais, profissões, e atinge mulheres urbanas e rurais.
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O projeto acabou sendo contemplado no edital da Lei Aldir Blanc de 2021. Executado com recursos do Governo Federal por meio da Fundação Catarinense da Cultura, Ecoa deve, em breve, circular pelo Estado como exposição individual. O trabalho de Ana Terra Vignes explora essas narrativas por meio de recorte de papel, utilizando a técnica paper cut.
Ana é formada em Design de Moda pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), e até o início da pandemia se dedicava à Ana Terra Acessórios, marca de joalheria e acessórios criada em 2012. Essa habilidade para o que é meticuloso, fundamental na joalheria e no paper cut, também esteve presente em alguns trabalhos na área de restauro. No projeto que recuperou o Palácio Cruz e Sousa, por exemplo, foram três anos de destreza testada diariamente.
Amém
Uma cruz e um confessionário representam também a opressão às mulheres no interior do matrimônio.
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Tradicionalmente, fazer arte cortando desenhos em papel é uma técnica presente em vários tempos históricos e em diversas regiões do globo. São lembradas especialmente as silhuetas de retratos da alta sociedade americana do século XIX e a tradição chinesa, que data do século VI. A técnica japonesa mon kiri – também conhecida como kirigami – envolve cortar e dobrar papel para criar formas tridimensionais. No México, o papel picado é usado em fileiras de faixas de papel cortadas e na construção de esculturas e enfeites que são pendurados para marcar feriados e outras ocasiões especiais. Na Polônia, os wycinanki apresentam padrões espelhados ou caleidoscópios de flores e pássaros.
Em 2020, influenciada pela pandemia e a necessidade de recolhimento, Ana resolveu abrir uma outra frente e deixar um pouco de lado a área da joalheria. Não foi uma decisão fácil: apesar de ser uma empresa pequena, a Ana Terra Acessórios ainda tem mercado estabelecido. Em 2021, a artista/designer mergulhou de cabeça no bisturi e nos papéis, estudando técnicas e conceitos. Acabou vendendo algumas obras e recebendo encomendas. Nos cinco painéis expostos em Ecoa, “Solidão”, “Fragmentos da Maternidade”, “Ego”, “Amém” e “Beleza pra Quem?” ela entalha meticulosamente o papel até criar padrões esculpidos e desenhos em espiral. Duas das obras chegam a ter 10 camadas de papel. O olhar mais atento vai perceber ritmo e fluxo nas frases de 94 mulheres, que na exposição virtual também viram trilha sonora para a apresentação.
Solidão
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Estar sozinha não é de solidão. Solidão é o abandono dos afetos.
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A delicadeza das formas aproxima o observador de frases muitas vezes naturalizadas, mas que têm um impacto tão negativo em crianças, adolescentes e adultos quanto outras violências que fazem parte de um ambiente abusivo. Além de um refresco desta sociedade cada vez mais digitalizada e de um alerta para a questão da violência de gênero, a técnica estimula a possibilidade de trabalhar com as mãos. Nos planos, além de circular a exposição, está uma parceria com a artista plástica Paula Schlindwein.
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Serviço
Acesse o link ou o QR Code ao lado https://url.gratis/fTNYZl Instagram da artista e do projeto @anaterravignes @projeto_ecoa
Fragmentos da maternidade
Quando o patriarcado transforma o que deveria ser uma rede de apoio em uma trama violenta.
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