Jimena Felipe Beltrão
Uma busca e um encontro Como a Floresta Nacional de Caxiuanã foi escolhida para abrigar uma frente de pesquisa e se transformou no mais importante território avançado da Ciência na Amazônia Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi
N° 64
Setembro de 2013
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ma Vieira, ecóloga, pesquisadora e ex-diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi, participou da identificação e seleção da área que abriga infraestrutura da mais alta qualidade, a Estação Científica “Ferreira Penna”, construída com recursos do Governo Britânico, através da extinta Overseas Development Agency (ODA), hoje Department for International Development (DFID), e mantida há 20 anos pelo Museu Goeldi.
“Considero a Estação importante para o avanço do conhecimento sobre a região, mas o custo de manutenção é muito elevado e requer constante avaliação do custo-benefício e busca de parcerias acadêmicas capazes de dar sustentabilidade a esta que é a mais bem estruturada base de pesquisas dos trópicos!”, diz a pesquisadora Ima Vieira. Segundo Ima Vieira, “A escolha da área foi feita pelo Dr. João Murça Pires, que era profundo conhecedor da biota amazônica. Ficamos mais de um ano procurando uma área no interior da região para implementação de uma estação científica e que cumprisse os critérios como o de estar localizada no estado do Pará; de dispor de florestas e outros tipos de vegetação bem conservados; de ter boas condições de acesso; de permitir estudos de longo prazo; de ter um entorno livre de problemas fundiários e conflitos de terra; além de poder ser adquirida pelo poder público ou em comodato”.
Silvia de Souza Leão
“Dr. Murça, que já conhecia bem a Flona Caxiuanã e a achava uma das florestas mais bonitas por onde tinha andado, apontou-a como adequada aos nossos objetivos. Em pouco tempo marcamos a excursão e fomos todos lá. Assim que voltamos, elaboramos um substanciado relatório, que foi traduzido para o inglês, e após a entrega do mesmo ao Dr. Guilherme De La Penha (então Diretor do Museu Goeldi) e a ODA, ficou definida a aquisição, neste caso, em forma de comodato com o Ibama”. Mas o projeto de estabelecer uma estação científica em meio à Floresta Nacional de Caxiuanã, unidade de conservação ambiental na Amazônia brasileira, esbarrou em diversos desafios. Ima Vieira destaca algumas dificuldades enfrentadas por ocasião das negociações: “Muitos técnicos do Ibama foram contra a parceria, mas os entendimentos do alto escalão decidiram assumir o risco de uma parceria nunca d'antes experimentada entre órgãos de gestão ambiental e de pesquisa científica”. “Um concurso público realizado pela Associação dos Arquitetos do Brasil para escolha do projeto arquitetônico da sede da Estação Científica. Rafael Salomão, pesquisador da Botânica do Museu Goeldi, ficou responsável pela parte técnica e acompanhou o certame e estabeleceu as bases de implantação da mesma”. Na qualidade de coordenadora científica, Ima Vieira era responsável pelo Programa de Ciência & Tecnologia. Apesar de não ter feito sua carreira científica estudando Caxiuanã, Ima Vieira teve maior contato com a Estação “como Coordenadora de Pesquisa e PósGraduação e depois como Diretora do Museu Goeldi, estabelecendo programas e projetos na Estação, como Team (Tropical Ecology, Assessment and Monitoring Initiative, em português Iniciativa para Avaliação e Monitoramento da Ecologia Tropical), LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia), PPBio (Programa de Pesquisa em Biodiversidade), PARAMA, Rainfor (Rede Amazônica de Inventários Florestais), Programa de Apoio a Teses e Programa de Residência em Caxiuanã, além de melhorias na base física e acompanhamento administrativo”. Projetos de integração são as mais eficientes estratégias científicas, pois têm produção e publicação de resultados que se constituem em “referência mundial”, diz Ima Vieira. Isso é particularmente verdadeiro em se tratando de estudos desenvolvidos em um ambiente físico privilegiado que é a Amazônia preservada. 12
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Destaque Amazônia
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Antônio Fausto
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Informativo do Museu Paraense Emílio Goeldi
História e Ciência que vêm da Floresta Nacional de Caxiuanã
História e realizações
Pesquisas em Caxiuanã
O Destaque Amazônia reconta uma trajetória de 20 anos do Museu Paraense Emílio Goeldi na Floresta Nacional de Caxiuanã
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Esta edição de setembro circula pelo cronograma normal do jornal do Museu Goeldi, que, em 2014, completará 30 anos. Já a edição de outubro é extraordinária e participa das comemorações dos 20 anos da Estação Científica.
Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Marco Antônio Raupp Museu Paraense Emílio Goeldi Diretor Nilson Gabas Júnior Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Ulisses Galatti Coordenadora de Comunicação e Extensão Wanda Okada Serviço de Comunicação Social Lilian Bayma Edição Agência Museu Goeldi Serviço de Comunicação Social do Museu Paraense Emílio Goeldi Av. Magalhães Barata, 376 CEP 66040-170/ Belém - PA - Brasil www.museu-goeldi.br Tel.: +55 91 3219-3312
Nessa empreitada, fomos a campo, consultamos um sem-número de publicações impressas e eletrônicas, contatamos algumas dezenas de fontes de informação especializada e com atuação na gestão e na pesquisa em Caxiuanã. Trabalhamos com centenas de imagens e contamos com o apoio inconteste de Pedro Luiz Braga Lisboa e Maria das Graças Ferraz Bezerra. Incansáveis, Pedro e Graça - o primeiro Chefe da Estação em seus primeiros dez anos e a segunda, atual Chefe -, nos ajudaram em todas as etapas de produção, da seleção de fontes à obtenção de informações e dados. Sem eles e todos os entrevistados não nos teria sido possível cumprir com os propósitos de cobrir minimamente o que se faz em Caxiuanã. À equipe da Assessoria de Comunicação Social e da Agência Museu Goeldi, em associação a voluntários que, aqui e nas demais edições, assinam matérias conosco, nossos agradecimentos. Jimena Felipe Beltrão, Editora
Caxiuanã no Destaque Amazônia 2008 (Novembro) - 15 anos de ECFPn 2009 (Janeiro) - Estudo sobre formigas porínes da ECFPn (Novembro) - Dieta de peixes e a dispersão de sementes na Flona 2010 (Janeiro) - Formigas de Caxiuanã (Maio) - Abelhas na ECFPn 2011 (Março) - Rios e a Emissão de gases estufa (Maio) - Aves frugívoras de Caxiuanã 2013 (Março) - Edição especial de Caxiuanã
Reprodução
Governo do Brasil Presidente da República Dilma Vana Roussef
Veja todas as edições no site http://www.museu-goeldi.br
Um pouco de história
Editora Jimena Felipe Beltrão, 728 DRT-PA
Ricardo Sousa, Agência Museu Goeldi
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Diagramação e arte final Silvia de Souza Leão Participaram desta edição Jimena Felipe Beltrão Júlio Matos Lucila Vilar Ricardo Sousa Revisão Final Alice Martins Morais, Julio Matos Lilian Bayma de Amorim, Lucila Vilar
Floresta Nacional de Caxiuanã é unidade de conservação federal criada em 28 de novembro de 1961, por meio do Decreto Federal nº 239. Com extensão de aproximadamente 300 mil hectares, sua área se extende aos municípios de Melgaço, Gurupá, Portel e Porto de Moz. Situa-se a 300 km da cidade de Belém, às margens da Baía de Caxiuanã, um alargamento do baixo rio Anapu que desemboca na foz do rio Amazonas. É a Floresta Nacional (Flona) mais antiga da Amazônia Legal com representantes de populações tradicionais cuja subsistência se baseia no agroextrativismo, e onde a mandioca, castanha-dopará e o açaí se destacam. É na Floresta Nacional onde se encontra a base de pesquisas do Museu Paraense Emilio Goeldi, a Estação Científica “Ferreira Penna”.
Fotografias Acervo ECFPn, Acervo Pedro Lisboa, Acervo TEAM - Tropical Ecology, Assessment and Monitoring Network, Antônio Fausto, Dirse Kern,Jimena Felipe Beltrão, Reprodução das imagens do livro Caxiuanã: desafios para a conservação de uma Floresta na Amazônia, 2009 e Silvia de Souza Leão
No século XIX, Emílio Goeldi, então diretor do ainda Museu Paraense, já procurava área preservada que se destinasse à pesquisa. Mas foi só em 1988 quando, sob a chancela do então Diretor do Museu Paraense Emilio Goeldi, Dr. Guilherme de La Penha, equipe coordenada pelo botânico, João Murça Pires, e composta pelos pesquisadores Ima Vieira e Rafael Salomão, empreendeu busca por área com essas características. Antes, Murça Pires, renomado botânico paulista, já havia procurado uma área propícia ao desenvolvimento de pesquisas científicas. Porém a escolha da Área de Pesquisa Ecológica do Guamá (Apeg) não atendia aos critérios devido à sua proximidade a Belém.
Nossos leitores
A Floresta Nacional de Caxiuanã foi identificada pela equipe de Murça Pires e escolhida para sediar a Estação Científica. Parte da floresta foi cedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), através do convênio nº 065/1990 e a construção da Estação foi financiada pelo Governo Britânico através da Overseas Development Agency (ODA) – hoje Department for International Development (DFID) – com o compromisso de estabelecer estudos científicos em caráter cooperativo. Em outubro de 1993, uma das mais conceituadas bases científicas instaladas em áreas florestais no mundo tropical, foi inaugurada, sob o nome do fundador do Museu Paraense: Domingos Soares Ferreira Penna. Primeira base científica do Museu – A decisão de estabelecer a base em Caxiuanã foi tomada pelo Dr. Guilherme Marcos de La Penha, diretor da instituição na época em negociações junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Grã Bretanha. O coordenador de Botânica do Goeldi à época, Dr. Pedro Luiz Braga Lisboa, pesquisador titular foi o primeiro coordenador da Estação Científica Ferreira Penna.
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Estação Científica Ferreira Penna, ao longo de 20 anos de funcionamento, tem como principal finalidade apoiar programas de pesquisa de curto, médio e longo prazo, tanto do Museu Goeldi quanto da comunidade científica nacional e internacional. Ela oferece aos cientistas excelentes condições para a elaboração de projetos experimentais, dissertações de mestrado, teses de doutorado, cursos de campo em nível de pós-graduação, seminários e reuniões científicas.
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Pesquisas – Mais de 100 projetos científicos foram ou estão em desenvolvimento na ECFPn, nas áreas de botânica, zoologia, ciências da terra e ciências humanas. Atualmente, existem três grandes projetos de pesquisa – envolvendo fauna, flora e dados abióticos (pesquisas em que não há participação de organismos vivos) – que estão em andamento na Flona de Caxiuanã, são eles: TEAM (Tropical Ecology, Assessment and Monitoring Initiative); PPBio (Programa de Pesquisa em Biodiversidade) e Esecaflor/LBA (Experimento em Grande Escala da Biosfera – Atmosfera na Amazônia). Por causa desses projetos, a Flona de Caxiuanã recebe um grande número de pesquisadores e cientistas de diversas partes do País e do Mundo. TEAM - A Tropical Ecology, Assessment and Monitoring Network, que, em livre tradução, lê-se Rede para Avaliação e Monitoramento da Ecologia Tropical, é um projeto da Conservação Internacional (CI), que tem por objetivo o desenvolvimento de pesquisas para avaliação e monitoramento de diversos grupos biológicos, visando subsidiar políticas e ações de conservação da natureza na Amazônia e nos trópicos. Acervo ECFPn
obre os 20 anos de atuação do Museu Goeldi em Caxiuanã, o Destaque Amazônia circula este ano com três edições especiais: em março, na edição nº 61, os aspectos humanos a partir da atuação do Programa Floresta Modelo ganharam as páginas do jornal. Agora, em setembro e outubro são duas as edições dedicadas à organização da pesquisa e à produção de conhecimento científico sobre a Flona.
Área preservada é campo fértil para a Ciência Ricardo Sousa, Agência Museu Goeldi
PPBio - O Programa de Pesquisa em Biodiversidade é um programa coordenado pela Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que adota um modelo descentralizado de gestão, composto por Núcleos Executores (NEs), responsáveis pelas atividades de pesquisa, capacitação e gerenciamento da informação das redes e por Núcleos Regionais (NRs), que desenvolvem as pesquisas e a manutenção das coleções. Sua abrangência é nacional e tem o propósito em ser executado em todas as regiões e biomas brasileiros. Sua implementação tem início nas regiões da Amazônia e do Semiárido. Em 2004, o programa foi instituído no bioma amazônico. As atividades do programa vão desde pesquisa científica em taxonomia, ecologia de espécies e ecossistemas e conservação; capacitação de recursos humanos através de programas de bolsas, apoio a treinamentos e ofertas de curso; e a sistematização, gerenciamento e divulgação da informação. Os Núcleos Executores são divididos em: Amazônia Oriental, coordenado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG); Amazônia Ocidental, coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa); Semiárido, coordenado pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); e Mata Atlântica, coordenado pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). Protocolo Científico - Os protocolos científicos do Programa de Pesquisa em Biodiversidade são descrições detalhadas de como foi concebida a pesquisa. São disponibilizados para que outros grupos possam ter acesso às técnicas utilizadas na pesquisa. Esses protocolos foram traçados para serem executados em todos os sítios de coleta do PPBio. Os protocolos devem apresentar suas atividades bem definidas para que seja executado um levantamento rápido e um aproveitamento integral da descrição do sítio, de modo que se permita futuramente outros estudos de monitoramento. Todos os projetos de pesquisa são encaminhados para elaboração de Protocolos científicos para que os mesmos possam ser executados por todas as áreas de coleta do PPBio.
Biodiversidade garante estudos
Estudo da Seca na Floresta (ESECAFLOR) - Projeto multinacional vinculado ao Programa LBA é um experimento em grande escala cujo objetivo principal é o entendimento das alterações nos ciclos da água, de carbono e nutrientes, e os balanços de energia solar. Sua principal função é entender a relação entre o clima, o solo, os gases atmosféricos e os impactos do uso da terra na Amazônia. Funciona como uma simulação prolongada do fenômeno El Nino. Por meio destes trabalhos foram identificados na ECFPn diferentes tipos de ambientes, como: floresta densa e firme, florestas inundáveis (igapó e várzea), vegetação savanóide (campo hidromórfico), vegetação secundária (capoeira) e alguns sítios de plantações remanescentes. Além disso, foram identificadas e registradas novas espécies de plantas e animais que até então eram desconhecidas pela comunidade científica. ISSN 2175 - 5485
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Acervo Pedro Lisboa
Nos rios de fome, gente que viveu e vive na Amazônia Oriental Ocupação humana pouco ortodoxa na foz do Amazonas Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi ma península de três quilômetros de diâmetro, cercada pelas águas em tempos de cheia amazônica. Assim é a localidade Ilha de Terra, cercada pelo Furo Camuim, por áreas de várzeas e pelo igarapé Santa Júlia, na Floresta Nacional de Caxiuanã. Chamada assim pela população contemporânea, Ilha de Terra é um sítio arqueológico representativo da ocupação humana pretérita nessa região da foz do Rio Amazonas, no Pará. Com formato de elipse, a ponta mais alongada que se estende de leste para oeste permite supor como a aldeia se expandia entre 2150 e 1000 anos antes do presente
Dirse Kern
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Achados cerâmicos são testemunhos de ocupação em áreas pesquisadas pelo Museu Goeldi
Fertilidade e abundância Ricos, os solos de Terra Preta são fonte segura de nutrientes Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi onhecidos das populações ribeirinhas na Amazônia, os solos de Terra Preta têm alta fertilidade mesmo no ambiente de floresta tropical, pouco afeito à riqueza de nutrientes. Quando comparados a outros às proximidades, alguns sítios arqueológicos encontrados em Caxiuanã são, segundo a equipe de pesquisa, fonte segura de nutrientes pelos “altos teores de cálcio, magnésio, fósforo, zinco, manganês e carbono”.
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Ilha de Terra guarda peculiaridade e relevância para a arqueologia amazônica por ser “o primeiro sítio localizado Conformação do solo fora do arquipélago do Marajó que mostra a presença de de Terra Preta Arqueológica populações cuja cultura material guarda semelhança com a Cultura Marajoara, apesar de apresentar datações mais antigas (1000 a 2150 AP) que as datações encontradas para a ilha do Marajó (500 a 1500 AP)”. A intensa presença de populações pretéritas nessa região contradiz os rios de fome, rios de água preta, ácida, que seriam marcados pela falta de alimentos. Arqueólogos do Museu Goeldi encontraram em Caxiuanã, região plena de águas escuras e translúcidas, cerca de 30 sítios indicativos de ocupação humana antiga. As razões deste fato ainda não estão esclarecidas.
Com base em minucioso trabalho de investigação, pesquisadores do Museu Goeldi elegeram o sítio Ilha de Terra, localizado no furo do Camuim, para analisar a ocupação humana pré-histórica em Caxiuanã.
Segundo estudo coordenado pela arqueóloga Dirse Kern, os cerca de 30 sítios arqueológicos estão localizados às margens de rios e igarapés, ocorrendo em maior número a oeste da baía de Caxiuanã.
A atualidade demonstra que “Esses locais muitas vezes são reutilizados pelas populações contemporâneas para moradia e/ou roçado”, indicando que um uso ancestral hoje se repete dadas as condições favoráveis de solo, por exemplo. Mas a população que habita a região da hoje Floresta Nacional de Caxiuanã em nada se compara ao contingente populacional do século XIX, conforme narrava Domingos Soares Ferreira Penna, que dá nome à Estação Científica que o Museu Paraense Emilio Goeldi mantém há 20 anos naquela área. Eram então mais de 300 famílias. Depois da criação da Unidade de Preservação Ambiental, na categoria Floresta Nacional, este contingente ficou reduzido a pouco mais de 400 habitantes, dos quais mais de 70% são jovens e crianças.
Acervo Pedro Lisboa
Kern e seus colegas pesquisadores afirmam que “Os locais de ocupação humana pré-colonial estão em áreas mais elevadas na paisagem [...] que provavelmente atendiam às estratégias de proteção do grupo e disponibilizavam recursos de alimentação, água e matéria-prima para a fabricação de cerâmica”.
Através de imagens de satélite, estudos geofísicos e análises de laboratório como geoquímica, mineralogia e datação do material coletado, os investigadores adotaram metodologia interdisciplinar e cruzaram dados antropológicos e geológicos, além das informações acerca dos solos da região de Caxiuanã, para reconstituir a trajetória da presença humana pretérita.
Terra preta, terra mulata, Ilha de Terra A terra preta é solo caracterizado por vestígios arqueológicos, rico em nutrientes e próprio para cultivo. Encontrados em abundância em sítios descobertos e estudados por arqueólogos na Amazônia Brasileira, ela é prima da terra mulata assentada em formações e relevos da região de Belterra no Baixo Amazonas. As mulatas foram descritas inicialmente, como ocorrendo em latossolo amarelo sobreposto a uma crosta ferruginosa, que foram áreas enriquecidas por populações précoloniais com fins de cultivo agrícola. Em Ilha de Terra, uma pequeníssima península na Floresta Nacional de Caxiuanã estudada por arqueólogos do Museu Goeldi, o solo circundante à área de Terra Preta se assemelha às terras mulatas estando assentadas na Formação geológica Alter do Chão, como aquelas encontradas na região de Santarém, no oeste paraense.
Desde análise da cerâmica, análise da composição química-mineralógica das amostras de solo, trabalho de datação com Carbono 14, até sofisticadas técnicas de microscopia eletrônica de varredura em microfragmentos de cerâmica arqueológica e espectrometria de absorção atômica, foram usadas para compreender a passagem humana pela Ilha de Terra. Gente ou sedimento de rio - Os sítios estudados por Dirse Kern e sua equipe têm características de elevação em relação às margens dos rios. Seja pela ação natural ou pela ação humana, com o acúmulo de sedimentos oriundos dos movimentos dos rios, ou pela combinação das duas, a forma dos sítios corresponderia aos conhecidos tesos marajoaras, áreas elevadas onde foram encontradas evidências de atividade humana. No caso de Ilha de Terra, no entanto, trata-se mesmo de relevo do terreno, característica geológica.
Escavações iniciais em Caxiuanã
A exemplo das cidades modernas, as áreas dos sítios de menor ou maior extensão eram dedicadas principalmente à moradia e produção agrícola, mas também atuavam como espaço de manifestação política e ritual. “Cidade” de ontem e de hoje
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Em sua maioria os sítios são pequenos, quase sempre áreas de antigas habitações ocupando área de meio a três hectares e localizados em Terra Preta Arqueológica (TPA) – solo rico em nutrientes, encontrado em sítios arqueológicos, que guarda a memória da ocupação humana que lhe deu origem. Com base nos achados de carvão vegetal, cerâmica, matéria orgânica de origem vegetal ou animal e na sua localização, os sítios foram, segundo os arqueólogos, habitados por diferentes grupos.
Se o sítio arqueológico Ilha de Terra foi para ancestrais dos habitantes marajoaras, uma área propícia à vida em comunidade, na atualidade essa verdade é reforçada por uma localidade que se assenta sobre ele e faz uso muito aproximado do território.
terreno, com espaços comuns para eventos é semelhante. Objetos utilitários como vasilhas de uso cotidiano estão entre os principais achados arqueológicos e são também encontradas em áreas correspondentes da ocupação contemporânea.
Com vestígios de fragmentos de cerâmica e fragmentos de rocha polidos, os sítios de Caxiuanã apresentam grande densidade de material que permite, por exemplo, constatar que lá se produziu cerâmica de pouca decoração. Mas os fragmentos decorados o são com pintura nas cores vermelho, preto e laranja, apresentando características das culturas Marajoara e Santarém.
Confirmando a necessidade das populações humanas de se estabelecerem às proximidades das fontes de água, a parte leste é a que hoje, como ontem, concentra o maior número de habitantes. O arranjo físico das casas no
Como viver e morrer fazem parte da vida, as urnas funerárias são outros dos achados arqueológicos. Apresentam pintura da Cerâmica Marajoara e elementos zoomorfos, revelando animais importantes na cultura local.
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Acervo ECFPn
Florestas e infraestrutura de qualidade compõem um cenário propício a realizações científicas na Amazônia
Pesquisar, monitorar e preservar A Floresta Nacional de Caxiuanã é um dos sítios do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração, Peld. Iniciativa pioneira do Governo Federal que integra diversos projetos para monitorar e preservar a Amazônia. Júlio Matos, Agência Museu Goeldi
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Criado pelo Governo Federal em 1997, o Peld traz consigo, além do desenvolvimento de estudos científicos acerca do bioma Amazônia, relevante componente para formação de recursos humanos. O Programa é aplicado em aproximadamente 30 sítios de pesquisas com presença em todos os biomas do Brasil.
passou a ser um dos três sítios existentes no bioma Amazônia, sob a coordenação do pesquisador Leandro Valle Ferreira do Museu Goeldi e parcerias com outros pesquisadores do Museu e de outras importantes instituições de ensino e pesquisa com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).
na Estação Científica Ferreira Penna, sejam eles nacionais ou internacionais, a exemplo do Projeto TEAM – Ecology Assessmente and Monitoring, do Estudo da Seca na Floresta (Esecaflor), do Programa de Pesquisa em Biodiversidade no Bioma Amazônia (PPBio) e do Projeto Dinâmica das Florestas Inundadas de Caxiuanã (PDFIC).
A Floresta Nacional de Caxiuanã, onde o Museu Goeldi mantém base científica desde 1993, é uma unidade de conservação que integra o Sistema Nacional de Unidades de Conservação do Brasil (SNUC) do grupo de Unidade Sustentável com cerca de 330 mil hectares. A Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn) tem como objetivos apoiar estudos científicos sobre a sóciobiodiversidade amazônica e promover atividades de educação em ciências e educação ambiental.
Objetivos - Avaliação de impactos antrópicos e simulação de “secas prolongadas”; Monitoramento de biomassa e dinâmica florestal; Monitoramento ambiental em longo prazo; e Educação ambiental e formação de recursos humanos são os eixos que estruturam o Programa.
A parceria entre o Peld e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) tem elevado, consideravelmente, o número de pesquisas desenvolvidas pelo Museu Goeldi em Caxiuanã.
Desde 2009, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), instituição com quase 150 anos dedicados à pesquisa na Amazônia, teve o privilégio de transformar sua base de pesquisas científicas localizada na Floresta Nacional de Caxiuanã em um dos sítios do Peld. Assim, a Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn), por sua localização, sua infra-estrutura e pelos pesquisadores que nela atuam,
O sítio do Programa Pesquisas Ecológicas de Longa Duração na Floresta Nacional de Caxiuanã apoia os principais projetos de pesquisa desenvolvidos
Em Caxiuanã, o Peld visa desenvolver análise a partir da simulação de secas prolongadas, dando apoio para a continuidade do que foi iniciado pelo Projeto LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). O experimento avalia o impacto que a seca, pela exclusão de água no solo, causaria à dinâmica física e biótica na floresta tropical amazônica. Também é propósito do Peld a avaliação da dinâmica florestal amazônica em escala regional e local, correlacionando processos localizados com as mudanças climáticas de escala mundial.
Pesquisa de longa duração na floresta Cerca de 30 projetos de pesquisa são financiados pelo Peld-Caxiuanã com resultados fundamentais para a conservação da Amazônia. O Peld implantou, pela primeira vez na região, parcelas permanentes para monitorar a dinâmica vegetal em florestas sujeitas à inundação sazonal. O Peld apoia estudo para determinar o impacto da extração madeireira da Virola surinamensis, uma das espécies de mais alto valor comercial na região. O sítio Peld-Caxiuanã contribuiu para a produção de duas monografias de graduação, sete dissertações de mestrado e uma tese de doutorado
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em andamento. Duas teses de doutorado resultarão do Peld-Caxiuanã no âmbito do Programa de Pós-Graduação Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (PPG-BIONORTE).
Acervo ECFPn
om alta identificação aos objetivos de integrar pesquisas científicas em ambientes preservados, o Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração – Peld em Caxiuanã recebeu do seu financiador, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), avaliação em que a Agência reconhece que se constitui em iniciativa “sustentável, plenamente instalada e produtiva em termos científicos e de formação de recursos humanos com apropriada transferência de informação para a sociedade”.
O Peld fortalece formação de recursos humanos em níveis de graduação, mestrado e doutorado e subsidia a inclusão de populações ribeirinhas que vivem no entorno da Floresta Nacional, apoiando ações como as Olimpíadas de Caxiuanã e as Feiras de Ciências das Escolas da Flona. É na Estação Científica Ferreira Penna, onde são oferecidas disciplinas ligadas à pósgraduação em Zoologia, Botânica e Ciências Ambientais. As Universidades Federais do Pará (UFPA) e Rural da Amazônia (UFRA), bem como a Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal, são parceiras do Programa.
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Mamíferos são indicadores de grau de preservação Monitoramento em unidade de conservação no Pará aponta excelentes condições ambientais em área ainda imune à atividade humana Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi studos desenvolvidos desde 2010, na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará, apontam alta riqueza de espécies de mamíferos de grande e médio porte. Ambientes conservados como os de unidades de preservação são importantes para estudos científicos de caráter contínuo como o que uma equipe de biólogos do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) desenvolve para monitorar esses animais. A pesquisa se utiliza da infraestrutura da Estação Científica “Ferreira Penna” para se lançar a campo.
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Animais estão entre as primeiras vítimas de ambientes ocupados por gente. Eles fogem e dependendo do espaço onde se encontram não têm refúgio. Por isso mesmo, a pesquisa científica se ocupa de verificar a ocorrência de animais como forma de medir índices de conservação. Mamíferos de médio e grande porte como a anta ou tapir e a onça pintada são excelentes indicadores de preservação da natureza. Imagem retirada a partir de armadilhas com dispositivo fotográfico
Com um monitoramento sistemático realizado desde 2010, as pesquisadoras Marcela Lima e Fernanda Santos, do Projeto TEAM - Tropical Ecology, Assessment and Monitoring Network, em português, Rede para Avaliação e Monitoramento da Ecologia Tropical, um projeto da Conservação Internacional (CI), se dedicam a caracterizar a riqueza e a composição da comunidade de mamíferos de médio e grande porte na Flona de Caxiuanã. Para saber mais sobre o projeto Team em Caxiuanã, conferir nesta edição, página 3.
Cateto, caititu, porco-do-mato ou Pecari tajacu
Investigação - “Estudos sobre a comunidade de mamíferos são fundamentais para a compreensão sobre a ocorrência e distribuição das espécies”, explicam as pesquisadoras. Além disso, os resultados se prestam à “elaboração de estratégias de conservação, principalmente, em regiões sobre constante impacto antrópico – de ocupação humana - como o Estado do Pará”, informam.
A área de estudo localizada no município de Melgaço (Pará), no centro de endemismo Xingu, compreende 330.000 ha. São 60 armadilhas com dispositivo fotográfico cada uma instalada a quase 1,5 km de distância uma da outra. Com um banco de dados que guarda 21 mil imagens, Fernanda e Marcela já identificaram 22 espécies de mamíferos de grande e médio porte. De 13 famílias diferentes e sete ordens distintas, seis estão ameaçadas de extinção e compõem a chamada lista vermelha elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente. São elas: Myrmecophaga tridactyla, Priodontes maximus, Leopardus pardalis, Leopardus wiedii, Panthera onca e Puma concolor. Com achados desse tipo, a riqueza de carnívoros, animais de topo de cadeia, em Caxiuanã está comprovada e demonstra o bom estado de conservação da área. O isolamento geográfico e a baixa densidade populacional são fatores que contribuem, segundo as pesquisadoras, para esse grau de conservação. O estudo fez um importante registro de Atelocynus microtis - cachorro-do-mato-de-orelhas-curtas ou raposa-deorelhas-pequenas, é um mamífero da família Canidae - espécie que ocorre em baixa densidade em toda a sua área de distribuição e pouco conhecida quanto à sua biologia. A continuidade do monitoramento permitirá o aumento no número de espécies registradas, reforçando ainda mais a importância desta área para a conservação da biodiversidade amazônica. A pesquisa sobre mamíferos em Caxiuanã é financiada pela Rede TEAM/Conservation International (http://www.teamnetwork.org) e Museu Paraense Emílio Goeldi / Estação Científica Ferreira Penna.
Espécies ameaçadas encontradas em Caxiuanã Das seis espécies observadas no monitoramento e ameaçadas de extinção, quatro são felinos Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi
Onça Pintada - Panthera onça - também conhecida por pintada, onçaverdadeira, jaguar, jaguarapinima, jaguaretê, acanguçu, canguçu, tigre e "onça-preta", é uma espécie de mamífero carnívoro da família Felidae encontrada nas Américas.
Suçuarana - Puma concolor - também conhecido como puma, onça-parda, onça-vermelha, jaguaruna, leão-baio e leão-da-montanha, é um mamífero da família Felidae nativo das Américas. Grande e solitário, esse felino se espalha desde o Canadá até os Andes do Sul na maior área de distribuição entre todos os grandes mamíferos terrestres do hemisfério ocidental.
Gato maracajá - Leopardus wiedii - felino nativo de América Central e América do Sul. Tem como característica uma cauda mais longa do que seus membros posteriores. Os pêlos são amarelo-escuros nas partes superiores e na parte externa dos membros.
Jaguatirica - Leopardus pardalis - ocelote ou gato-do-mato é um felino originariamente encontrado na Mata Atlântica e outras matas brasileiras.
Tamanduá - Bandeira - Myrmecophaga tridactyla - também chamado iurumi, jurumim, tamanduá-açu, tamanduá-cavalo, papa-formigasgigante e urso-formigueiro-gigante, é um mamífero xenartro da família dos mirmecofagídeos, encontrado na América Central e na América do Sul.
Duas pesquisadoras na floresta Fernanda Santos é bióloga e mestre em Zoologia pelo Museu Paraense Emílio Goeldi/UFPA. Seu trabalho de Mestrado se concentrou no estudo da diversidade de mamíferos de médio e grande porte e o potencial desses animais em auxiliar na regeneração de clareiras antrópicas na Base Petrolífera de Urucu (Coari, AM) - conferir no jornal do Museu Goeldi, Destaque Amazônia, de Janeiro de 2010*. Atualmente é gerente do Projeto TEAM – Caxiuanã.
Marcela Guimarães Moreira Lima, Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Piauí (2007) e Mestre em Zoologia no Museu Paraense Emílio Goeldi/ Universidade Federal do Pará (2009), estuda ecologia animal desde 2007. Sua experiência em Zoologia dá ênfase a Ecologia e Biogeografia de Mamíferos, com temas como Cerrado, Amazônia, Mamíferos médio e grande porte, Armadilhas fotográficas e ecologia de vertebrados.
*http:/www.museu-goeldi.br/sobre/NOTICIAS/destaque/2010/janeiro2010.html
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Destaque Amazônia
Ano 29
N° 64
Setembro de 2013
ISSN 2175 - 5485
Tatu-canasta - Priodontes maximus - também conhecido como tatuaçu, é uma espécie de tatu de grandes dimensões, encontrado na maior parte da América do Sul cisandina. Pode medir até mais de 1 metro de comprimento. Imagens retiradas a partir de armadilhas com dispositivo fotográfico ISSN 2175 - 5485
Setembro de 2013
N° 64
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Destaque Amazônia
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Reprodução do livro Caxiuanã, 2009
Pesquisadores fazem uso de diversos métodos de captura Uns métodos se provam mais eficientes que outros. Uma parte essencial do trabalho científico é feito em campo. Júlio Matos, Agência Museu Goeldi esquisadores do Museu, Gleomar Fabiano Maschio, Maria Cristina dos Santos-Costa e Ana Lúcia Costa Prudente, utilizam uma variedade de métodos de captura de animais com o objetivo de verificar a composição e a riqueza de espécies de serpentes. Em Caxiuanã foram quatro os tipos de metodologia aplicados. Saiba mais sobre o trabalho científico em meio à floresta nas páginas 3, 6 e 7 desta edição. A Procura Visual Limitada por Tempo (PLT) consistiu no deslocamento a pé à procura de serpentes em todos os microambientes visivelmente acessíveis, nos seis pontos de amostragem. Para cada indivíduo capturado com a utilização deste método foi registrado, em formulário previamente preparado, o maior número de informações possíveis, contendo espécie, sexo, local, data e horário de coleta, atividade, tipo de ambiente, substrato e comportamento da serpente no momento da coleta.
Herpetofauna e condições ambientais Em obra clássica para o tema “Ofídios da Amazônia”, o pesquisador Oswaldo Rodrigues da Cunha já evidenciava a necessidade de mais pesquisas para que, em novos estudos continuados em toda a região da Floresta Nacional de Caxiuanã, fossem registradas novas espécies Júlio Matos, Agência Museu Goeldi
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egundo dados divulgados pela Sociedade Brasileira de Herpetologia em 2012, o Brasil apresenta 744 espécies de répteis e 946 espécies de anfíbios, sendo um dos países com maior diversidade destes animais. A herpetologia é um ramo da zoologia dedicado ao estudo dos répteis e anfíbios.
A unidade de conservação Floresta Nacional de Caxiuanã é área privilegiada para pesquisa e identificação de novas espécies; Quando comparada a outros ecossistemas tropicais, evidencia essa vocação. Há mais de 20 anos, a herpetofauna da Floresta Nacional de Caxiuanã vem sendo alvo de estudos que contribuem para a ampliação do conhecimento sobre répteis e anfíbios, bem como à promoção e ao estímulo de mais investigações sobre a ciência da herpetologia e, claro, ao zelo pela conservação da herpetofauna da região. É da Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn), base mantida pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) na Floresta Nacional de Caxiuanã, que partem os pesquisadores em busca de identificar novas espécies entre esses animais para que venham a ser catalogadas. Entre os anos de 2001 e 2007 foram desenvolvidas duas teses de doutorado, cujos resultados foram imprescindíveis para a compreensão dos processos que são responsáveis pela estruturação da comunidade de serpentes da Flona de Caxiuanã e áreas vizinhas. Publicou-se um checklist registrando 63 espécies de serpentes; um artigo ampliando a distribuição geográfica de Atractus major; descrição de duas novas espécies de Atractus, A. natans e A. caixiuana, e uma nota sobre comportamento reprodutivo de Imantodes cenchoa. Expedições – Foram realizadas expedições para a Flona de Caxiuanã e áreas vizinhas onde se puderam coletar amostras de animais que seriam utilizados posteriormente nos estudos de Gleomar Fabiano Maschio, Maria Cristina dos Santos-Costa e Ana Lúcia Costa Prudente.
Reprodução do livro Caxiuanã, 2009
Entre os anos de 2001 e 2006 foram realizadas expedições para a Flona de Caxiuanã e áreas vizinhas onde foram coletadas amostras de animais que seriam utilizados posteriormente nos estudos. Ao todo foram quase 300 dias de estudos de campo, nos quais os pesquisadores selecionaram seis pontos de amostragem denominados: Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn); Ibama; Caquajó; Marinaú; Enseada e Mojuá, cada uma com suas especificidades.
Siphlophis compressus
Baldes de 90 litros foram enterrados ao nível do solo, unidos por uma cerca-guia de tela plástica de 1,5 metros de altura e enterrados a aproximadamente 20 centímetros. Trata-se das Armadilhas de Interceptação e Queda (AIQ). Os Encontros Ocasionais (EO) corresponderam a todas as serpentes encontradas ocasionalmente, mortas ou vivas, pela equipe nas áreas que serviram como amostragem. Estes encontros ocorreram durante deslocamentos entre as áreas ou durante outras atividades em que não houve limitação por tempo. Já as Coletas por Terceiros (CT) foram realizadas por moradores da região. Para o acondicionamento e preservação das espécies que por esta metodologia foram coletadas em oito recipientes plásticos de 15 litros contendo aproximadamente dez litros de formol a dez por cento. É válido ressaltar que em nenhum momento foi estimulada a coleta de serpentes. Para as populações das áreas apenas foi solicitado o depósito nos recipientes dos animais que normalmente são mortos durante a realização das atividades cotidianas de tais moradores.
Registro eficiente: cara a cara com as serpentes Reprodução do livro Caxiuanã, 2009
Helicops angulatus, Clelia clelia e Xenodon rhabdocephalus
Reprodução do livro Caxiuanã, 2009
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Foram registrados um total 679 espécimes de serpentes por meio da utilização conjunta das quatro metodologias utilizadas no trabalho de campo. A partir desta amostragem, e com base em estudos anteriores, a região de Caxiuanã apresenta 70 espécies de serpentes distribuídas em seis famílias: Leptotyphlopidae, Aniliidae, Boidae, Colubridae, Elapidae e Viperiadae. O método da Procura Visual Limitada por Tempo (PLT) fez o registro de 321 serpentes, sendo as espécies mais acessadas Imantodes cenchoa e Corallus hortulanus. As Armadilhas de Interceptação e Queda (AIQ) permaneceram abertas por mais de 6 mil horas, sendo uma serpente capturada a cada 220 horas, apresentando os menores números de animais coletados: 16 espécies e 33 espécimes. Ainda que com a baixa taxa de captura atingida por este método, se foi possível alcançar 23,8 por cento da riqueza total amostrada. Quatro espécies foram coletadas exclusivamente por este método: Atractus caxiuanã, A. schach, A. snethlageae e Micrurus filiformis. Como consequência deste estudo, constatou-se que a Procura Visual Limitada por Tempo (PLT) é o método mais eficiente e adequado, em período noturno, para a captura de serpentes nos inventários da região amazônica. Ainda que com menor eficiência, porém não menos importante, o método Armadilhas de Interceptação e Queda (AIQ) foi imprescindível para coletar espécies com hábitos secretivos, geralmente de difícil detectabilidade em trabalhos de levantamentos de serpentes como A. schach e A. snethlageae. Também foram capturadas com o uso desta metodologia as espécies conhecidas como falsa coral Micrurus filiformis e M. paraensis, com registro para Caxiuanã, o que reforça a importância deste método em trabalhos em inventários.
Micrurus filiformis
Xenopholis scalaris; Siphlophis cervinus e Taeniophallus occipitalis 10
Destaque Amazônia
Ano 29
N° 64
Setembro de 2013
ISSN 2175 - 5485
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