Uma torre dentro d’água Clima e mudanças climáticas orientam pesquisas numa das últimas fronteiras preservadas do Trópico Úmido Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi José Henrique Cattanio
I
Para o professor Dr. José Henrique Cattanio, da Universidade Federal do Pará, a Estação é responsável por “elevar o progresso da ciência na região Norte, no Brasil e no Mundo”. As pesquisas desenvolvidas em Caxiuanã, de acordo com a experiência do pesquisador que se dedica a estudos sobre manejo de solo, ciclos biogeoquímicos, microbiologia de solo, mudanças climáticas e biodiversidade, e ecologia de ecossistemas, “divulgam a Estação Científica Ferreira Penna para o mundo e, desta forma, se atrai mais pesquisadores para realizarem seus estudos”.
Geração de informação José Henrique Cattanio
Dados precisos de fluxo de calor e CO2, coletados a cada segundo, a partir de uma torre dentro da baia de Caxiuanã, registram informações sobre qual a importância da baia para manutenção do clima regional e global. Sob a responsabilidade do pesquisador Cattanio está o gerenciamento desses instrumentos de investigação e de muitos instalados na região (ver fotos ao lado). A exemplo de outras instituições, a UFPA faz uso da infraestrutura da Estação Científica “Ferreira Penna”, mantida pelo Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), como sendo uma área de trabalho privilegiada com grande facilidades e disponível na Floresta Nacional de Caxiuanã, no Pará. Segundo Cattanio, dos fluxos de calor, água e gás carbônico trocados entre o ambiente aquático e atmosfera vêm informações que podem permitir a análise do papel da baia como sumidouro de carbono da atmosfera, e desta forma indicar qual a participação da baia na diminuição do efeito estufa e minimização das mudanças climáticas globais. Dados sobre balanço de radiação, chuva, temperatura e umidade relativa do ar, temperatura da água, vento (quantidade e direção) são outros que subsidiam estudos. Mas a instalação da torre é recente: data de outubro de 2012 e ainda está por render frutos científicos na forma de trabalhos, dissertação, teses. Independente da torre, o professor já orientou inúmeros trabalhos na região. Ele considera que a FLONA de Caxiuanã é “extremamente importante para estudos de biodiversidade e clima tendo em vista que é uma área relativamente intocada e que deverá passar por um processo de exploração madeireira”. E Cattanio vai além: “Sem a Estação Científica Ferreira Penna, minhas pesquisas seriam impossibilitadas ou teriam grau de dificuldade muito maior, além de ter um custo muito maior”.
Destaque Amazônia
Ano 29
N° 65
Outubro de 2013
Ano 29
N° 65
Outubro de 2013
ISSN 2175 - 5485
Natureza faz de Caxiuanã território do conhecimento
É essa Estação, como poucas do seu gênero – há também na América Central La Selva, na Costa Rica e Ilha de Barro Colorado, no Panamá - que com a sua infraestrutura, atrai cientistas do mundo todo e permite a construção de uma ciência que será herança quando não mais se tiver preservada esta e outras parcelas da floresta tropical úmida no Planeta Terra.
12
Informativo do Museu Paraense Emílio Goeldi
ISSN 2175 - 5485
Maria das Graças Ferraz
nvestigadores daqui e de fora lançam mão de recursos científicos diversos para produzir conhecimento sobre uma importante parcela da Floresta Amazônica, a unidade de conservação brasileira, a Floresta Nacional de Caxiuanã. É lá que o Museu Paraense Emilio Goeldi, instituto de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, mantém uma Estação Científica, a “Ferreira Penna”, justa homenagem ao idealizador da Associação Philomática que nos idos de 1860 deu origem ao, hoje, Museu Paraense Emílio Goeldi.
Acervo ECFPn
Nossos leitores Li no Destaque Amazônia de janeiro uma reportagem especial sobre a arte rupestre de Monte Alegre. Gostei bastante do conteúdo e parabenizo sua equipe pelo excelente resultado. Ana Carolina Pimenta Assessoria de Comunicação da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação - Ascom/Secti
A natureza pode acolher gente que precisa de qualidade de vida. Ciência ainda tem muito a contribuir.
Território de Ciência Fonte de inúmeros benefícios para a pesquisa, Caxiuanã é uma floresta de oportunidades
Endereço para correspondência Serviço de Comunicação Social Av. Magalhães Barata, 376 66040-170 - Belém - PA - Brasil www.museu-goeldi.br
Silvia de Souza Leão, Agência Museu Goeldi pesquisa gera o conhecimento e este, por sua vez, traz o benefício para melhor conservação da natureza e melhora da qualidade de vida do homem em escala local, regional e global”, relata Dr. Pedro Luiz Braga Lisboa, pesquisador titular da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Área de ciência, pesquisa e diversas descobertas naturais e vivas, a Floresta Nacional de Caxiuanã, no município de Melgaço, Estado do Pará, funciona como uma fonte inesgotável de novos trabalhos para a pesquisa e conservação.
‘‘A
E-mail destaqueamazonia@museu-goeldi.br
Pedro Lisboa ressalta “...a importância indiscutível...” da Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn). A ECFPn, como espaço da ciência, é espaçosa e confortável, tendo sido planejada para acomodar grupos de até 45 pesquisadores e estudantes. “Pode-se medir a biodiversidade de Caxiuanã em diversas escalas e variáveis, e compará-la com outros locais bem estudados em toda a região dos trópicos americanos”.
E, assim, já são 20 anos de Ciência em Caxiuanã Conhecimento, recursos humanos e muitos desafios: o que a Floresta provê e ainda proverá
Governo do Brasil Presidente da República Dilma Vana Roussef
Museu Paraense Emílio Goeldi Diretor Nilson Gabas Júnior Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Ulisses Galatti Coordenadora de Comunicação e Extensão Wanda Okada Serviço de Comunicação Social Lilian Bayma Edição Agência Museu Goeldi Serviço de Comunicação Social do Museu Paraense Emílio Goeldi Av. Magalhães Barata, 376 CEP 66040-170/ Belém - PA - Brasil www.museu-goeldi.br Tel.: +55 91 3219-3312 Editora Jimena Felipe Beltrão, 728 DRT-PA Diagramação e arte final Silvia de Souza Leão Participaram desta edição Jimena Felipe Beltrão, Júlio Matos, Lucila Vilar, Silvia de Souza Leão Revisão Final Alice Martins Morais, Julio Matos, Lilian Bayma de Amorim, Lucila Vilar Fotografias Acervo ECFPn, Acervo Pedro Lisboa, Antônio Carlos Lola da Costa, Antônio Fausto, Hilton Silva, Ima Vieira, Jimena Felipe Beltrão, José Henrique Cattanio, Maria das Graças Ferraz e Revista Brasileira de Entomologia
2
Destaque Amazônia
inte anos depois, mais de 100 novas espécies depois, dezenas de teses e dissertações, centenas de artigos publicados, quatro projetos de longa duração em andamento, parcerias institucionais consolidadas e muito campo de trabalho científico para desenvolver o conhecimento sobre a Amazônia. Assim, o Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) comemora a instalação da Estação Científica “Ferreira Penna” localizada na Floresta Nacional de Caxiuanã, um território de ciência que muito conhecimento gera e ainda pode gerar sobre a sócio-biodiversidade da Amazônia.
V
Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Marco Antônio Raupp
Ano 29
Da busca por uma área preservada que fosse representativa da natureza física amazônica até hoje se passaram duas décadas e os desafios ainda são grandes e de longo prazo. Uma Floresta Nacional como a de Caxiuanã representa o sonho de área de estudo para pesquisadores mundo afora. A infraestrutura estabelecida nos anos 90 e hoje mantida pelo Museu Goeldi tem sido de benefício para quem a estuda e também para quem nela vive. Da fauna e da flora até os estudos sobre clima, Caxiuanã é um repositório de informações de que a Ciência pode se alimentar. Com a possibilidade de se transformar em área de exploração madeireira através de concessões florestais, essa Floresta Nacional deixaria de ser uma área intacta e resguardada para o benefício da humanidade, mas não se inviabiliza como território de geração de conhecimento. Parcelas resguardadas para estudos integrados ainda garantem conhecimento e constituem áreas de estudos segundo os protocolos científicos estabelecidos por iniciativas de longa duração.
Organizador das quatro coletâneas de artigos científicos publicados entre 1997 e 2013, Pedro Lisboa faz um rápido balanço das conquistas da Ciência em Caxiuanã e dá conta de que: “São 108 espécies novas para a Ciência; 290 organismos da fauna, flora e fungos registrados como ocorrendo pela primeira vez no estado do Pará; 141 são novos registros para o Brasil; 153 são novos registros para a Amazônia brasileira; além de alguns gêneros novos da fauna descobertos para Caxiuanã”. O pesquisador destaca a inevitável atração da região em que fica a ECFPn para os próprios pesquisadores. Local de pesquisa com logística de qualidade são condições favoráveis para se devolver um trabalho que se aproxima do ideal. A única preocupação é com a pressa em conquistar mais e mais descobertas científicas antes da destruição desse meio ambiente. “Todas essas frentes de conhecimento continuarão a ser exploradas à medida que os estudos avançarem por toda a área geográfica da Floresta Nacional de Caxiuanã. E tudo isso vem ocorrendo porque a região tem sido conservada por meio século, antes que a exploração do pólo madeireiro de Breves pudesse se expandir em direção à Caxiuanã”. Vantagens da Floresta - E os benefícios de Caxiuanã são inúmeros. “Se a pesquisa está viabilizada em Caxiuanã, ela gerará resultados importantes para o conhecimento científico da Amazônia”, destaca Pedro Lisboa. A floresta cria oportunidades para que os pesquisadores explorem cientificamente a região, dando margem para que projetos de longo prazo sejam implementados. “Só com uma infraestrutura do porte da Estação Científica do Museu é possível realizar pesquisas com segurança e conhecer detalhadamente a região de Caxiuanã.” Pelo isolamento e inexistência de linhas fluviais, acontece uma contínua descoberta de novos organismos desconhecidos da ciência. “Plantas, animais e fungos têm sido descritos para aquela região como novos, e outros, que antes nem sequer eram registrados para o Brasil ou para a Amazônia, foram encontrados em Caxiuanã”.
Contribuições e parcerias
Antônio Fausto
A Estação e a floresta: vista aérea registrada por Pedro Lisboa
A Estação Científica Ferreira Penna é uma base de pesquisas científicas do Museu Goeldi/MCTI implantada em 1993, na Floresta Nacional de Caxiuanã, no município de Melgaço, no Estado do Pará. Sua contribuição ao avanço do conhecimento científico sobre a Amazônia é valiosa, pois inúmeras publicações científicas, pedagógicas e de divulgação nessas duas décadas de trabalho relatam os avanços em diversas áreas do conhecimento.
Os desafios, porém, não residem apenas na preservação da capacidade de prover informação para a Ciência, mas, sim, na competência de parcerias que viabilizem recursos humanos e financeiros para dar continuidade às pesquisas nesse recanto na imensidão amazônica, para muitos, desconhecido, mas, para outros tantos, um território de saber a ser conservado.
Parceiros indispensáveis para a realização das atividades na Estação Científica Ferreira Penna, são o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), gestor da Flona Caxiuanã e as Prefeituras de Melgaço e Portel, dado que a Flona está localizada 30% no município de Melgaço e 70% no município de Portel.
A Flona Caxiuanã se localiza nos municípios de Melgaço e Portel, o primeiro dos quais relacionado, em levantamento divulgado recentemente, como o de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. Isso torna o desafio de produzir conhecimento e transformá-lo em desenvolvimento ainda maior e mais estratégico.
Nilson Gabas Jr., Diretor do Museu Paraense Emilio Goeldi N° 65
Outubro de 2013
ISSN 2175 - 5485
ISSN 2175 - 5485
Outubro de 2013
N° 65
Ano 29
Destaque Amazônia
3
Antônio Fausto
Preservação da floresta referenda dados científicos Ecossistemas em Caxiuanã ainda têm muito a oferecer para aqueles que estudam o ecossistema amazônico
Condições de logística são atrativos para estudos a partir da Estação Científica Ferreira Penna
Floresta é laboratório natural Condições ambientais e infra-estrutura auxiliam o desenvolvimento de pesquisas científicas em Caxiuanã Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi m excelente ”laboratório natural preservado” ainda pouco explorado cientificamente. Assim define a completude da Floresta Nacional de Caxiuanã para a pesquisa científica, o meteorologista e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Antonio Carlos Lôla da Costa. Para ele, a Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn), mantida pelo Museu Paraense Emilio Goeldi no norte do Brasil, tem um papel fundamental e, em 20 anos de existência, gerou vários trabalhos aumentando consideravelmente o conhecimento de diversas frentes de pesquisa nacional e internacional.
U
“A Estação é um laboratório “ímpar”, que reúne todas as condições científicas e de infraestrutura para o bom desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares”, reitera o pesquisador. Um dos principais benefícios da Estação e da Floresta Nacional reside nas “condições ambientais ideais para o desenvolvimento das pesquisas, tanto no aspecto científico, como de logística e infraestrutura”, destaca Lôla da Costa. Ainda segundo o pesquisador, ao longo de duas décadas, foram muitos os acordos de cooperação firmados entre diferentes instituições de pesquisas nacionais e internacionais. O resultado foi a disponibilização de uma estrutura de pesquisa operacional fantástica, disponível a toda a comunidade científica que nela pretenda desenvolver seus trabalhos.
Antônio Carlos Lola da Costa
Uma simulação do “El Niño”
Silvia de Souza Leão, Agência Museu Goeldi
‘‘U
ma referência, Caxiuanã é uma referência”. Assim se reporta à Estação Científica “Ferreira Penna”, Marlúcia Martins, doutora em Ecologia, pesquisadora do Goeldi e Coordenadora do Programa de Pesquisa em Biodiversidade PPBio - da Amazônia Oriental.
Mesmo com muitas dificuldades, Caxiuanã é uma dos locais mais bem catalogados da Amazônia brasileira. Segundo Marlúcia Martins, já são 2.280 espécies identificadas e listadas de Caxiuanã. “O PPbio é responsável por 78% dessa lista. O PPbio acrescentou à lista de Caxiuanã 1779 espécies”. Para a Coordenadora do PPBio, área com características peculiares, Caxiuanã é campo fértil para pesquisas inéditas sobre a Amazônia: “Por ser um ´lago de rio´, ou seja ambiente fluvial, mas com características mais próximas de ambientes lacustres, Caxiuanã, para Marlúcia, ‘possui características biológicas peculiares que têm oferecido oportunidades inéditas de pesquisa’”. O grau de preservação da floresta e dos demais ambientes de Caxiuanã também oferece uma oportunidade importantíssima à pesquisa. Benefícios mútuos - “A pesquisa se beneficia da Estação e a Estação se beneficia da pesquisa”, afirma a pesquisadora. Um exemplo disso, na opinião de Marlúcia, é que “O conhecimento acumulado sobre Caxiuanã faz com que a Estação seja mais atrativa para a oferta de cursos”. E num contínuo de produção, “Os cursos de campo desenvolvidos em Caxiuanã contribuem para aumentar o conhecimento” completa Marlúcia. O grau de preservação da floresta e dos demais ambientes também oferece um amplo leque de possibilidades para os pesquisadores. Importantes descobertas da fauna e flora beneficiam tanto o meio ambiente quanto a população que depende desse ecossistema.
O principal projeto coordenado por Lôla da Costa em Caxiuanã é o Estudo da Seca da Floresta (Esecaflor - ver foto), que tem como objetivo “entender as reações da floresta se submetida a condições de estresse hídrico prolongado”. Segundo Lôla da Costa, trata-se de algo semelhante a uma simulação do efeito “El Niño”. O Esecaflor compõe o Programa LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia).
Para além da natureza, a infra-estrutura é um dos aspectos que, para a Coordenadora do PPBio, se destaca em pesquisas em biologia e áreas afins. “Nessa infra, pode-se incluir tudo: deslocamento de pessoas, de equipamentos, alojamento, segurança. E a Estação Científica Ferreira Penna, mantida pelo Museu Goeldi, oferece tudo isso e muito mais”, aponta Marlúcia Martins. “Não podemos negar que o maior ponto de atração de Caxiuanã é a infra-estrutura, e isso deve ser mantido, ampliado e sustentado”.
Cooperação científica se traduz em resultados os mais diversos. De trabalhos publicados à qualificação de recursos humanos especializados, o Esecaflor já produziu mais de uma centena de resultados entre artigos, capítulos de livro, dissertações, teses e trabalhos de conclusão de cursos. Mais precisamente 137 trabalhos científicos resultaram, desde 2001, da cooperação.
Entre muitas descobertas, Drosophila caxiuana
Detalhe da anatomia de Drosophila caxiuana
Espécie denominada de Drosophila caxiuana (ver foto) foi encontrada na Floresta Nacional de Caxiuanã pelos pesquisadores Marco Gottschalk, Marlúcia Martins, Hermes Medeiros e Catarina Praxedes que descreveram a nova espécie no artigo “A new Amazonian species from the Drosophila annulimana species group” publicado na Revista Brasileira de Entomologia, em dezembro 2012. A descoberta teve o apoio do Programa de Pesquisa em Biodiversidade - PPBio Núcleo Amazônia Oriental, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Imagens dessa página originalmente publicadas na Revista Brasileira de Entomologia 56(4): 431–435, dezembro, 2012.
4
Destaque Amazônia
Ano 29
N° 65
Outubro de 2013
ISSN 2175 - 5485
ISSN 2175 - 5485
Outubro de 2013
N° 65
Ano 29
Destaque Amazônia
5
Pesquisadores: ao longo dos 20 anos de Estação Científica, monitora, conserva e estuda o funcionamento da Amazônia
riqueza da biodiversidade da Floresta Nacional de Caxiuanã favorece o desenvolvimento de investigações científicas de grande envergadura. Projetos de pesquisa que visam ao monitoramento da floresta, a busca por investimentos científicos e tecnológicos, e, claro, a geração de novos conhecimentos para a compreensão dos processos climatológicos, ecológicos, biogeoquímicos e hidrológicos da Amazônia já são desenvolvidos em Caxiuanã.
A
O Governo Federal criou no ano de 1997 uma iniciativa pioneira de financiamento de pesquisa a longo prazo no país. Surgia o Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração, o Peld. A relevância do programa na formação de recursos humanos faz com que ele se destaque no cenário de pesquisa ecológica nacional. O Peld é aplicado em aproximadamente 30 sítios de pesquisas em todos os biomas brasileiros. Na Amazônia, a Estação Científica Ferreira Penna, base científica mantida pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, localizada na Flona Caxiuanã, é um destes sítios. Recursos advindos do Peld em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) têm elevado o número de pesquisas científicas na Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn). O Peld-Caxiuanã dá ânimo para que estudantes de graduação, mestrado e doutorado possam encontrar temas e parâmetros para suas pesquisas, além de subsidiar a inclusão das pessoas que vivem na Floresta sobre a importância da biodiversidade para o cotidiano de todos. Quatro eixos compõem o Peld-Caxiuanã: Avaliação de impactos antrópicos e simulação de “secas prolongadas”; Monitoramento de biomassa e dinâmica florestal; Monitoramento ambiental em longo prazo, e Educação ambiental e formação de recursos humanos. O Peld-Caxiuanã contribui para integrar outros projetos que ali também são desenvolvidos, como o Tropical Ecology Assessement and Monitoring (Team), o Estudo da Seca na Floresta (Esecaflor) e o Programa de Pesquisa em Biodiversidade no Bioma Amazônia (PPBio).
Clima em mudança
Estação Científica abriga projetos integrados Projetos científicos monitoram, buscam a preservação e geram novos conhecimentos sobre o funcionamento da Amazônia Monitorar para preservar – O monitoramento a longo prazo dos grupos da fauna, flora e variáveis ambientais é a proposta do projeto “Iniciativa para Avaliação e Monitoramento da Ecologia Tropical”, livre tradução do inglês Tropical Ecology, Assessement and Monitoring Initiative (Team). O Projeto Team é uma iniciativa da Conservação Internacional (CI), organização privada, sem fins lucrativos, que se dedica à conservação e utilização sustentada da biodiversidade. Fundada em 1987, em poucos anos a CI cresceu e se tornou uma das maiores organizações ambientalistas do mundo. Seu atual trabalho foca no tripé: conservação da biodiversidade, serviços ambientais e bem-estar humano, estando presente em mais de 40 países ao redor do globo. Na Amazônia brasileira duas áreas integram o Team: uma no Amazonas e outra, no Pará. Em 2002, quando a Conservação Internacional firmou parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi, tradicional instituto de pesquisa da região amazônica, a metodologia do Team passou a ser aplicada para a análise, avaliação e monitoramento das Florestas da Estação Científica Ferreira Penna. A Floresta Nacional de Caxiuanã ocupa parte dos municípios de Melgaço e Portel. A base científica mantida pelo Museu Goeldi localiza-se na parte que cabe a Melgaço. Na Flona Caxiuanã, pesquisadores do Projeto Team coletam dados sobre o clima, solo, sensoriamento remoto, insetos, aves, mamíferos e vegetação das áreas de terra firme. Com os resultados da pesquisa será criado um banco de dados público sobre a biodiversidade da floresta que, em constante atualização, tornará pesquisas acessíveis à todos.
Júlio Matos, Agência Museu Goeldi
Pesquisas - Com gestão feita pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) proporciona a realização de pesquisas científicas em taxonomia, ecologia das espécies e ecossistemas e conservação; a capacitação de recursos humanos através de programas de bolsas, apoio a treinamentos e oferta de cursos, e a sistematização, gerenciamento e divulgação da informação. O PPBio possui quatro núcleos executores: Mata Atlântica, sob responsabilidade do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ); Semiárido, sob tutela da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); Amazônia Ocidental, sob responsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), e Amazônia Oriental, sob responsabilidade do Museu Paraense Emílio Goeldi. Na Estação Científica Ferreira Penna, em Caxiuanã, a equipe de pesquisadores do Museu Goeldi, no âmbito do PPBio, direciona suas atividades à realização de inventários florísticos e fitossociológicos – atividade que estuda as comunidades vegetais, suas inter-relações e relações com o meio; ao levantamento etnobotânico da flora medicinal e da utilizada no artesanato; a caracterização morfológica com ênfase nas estruturas secretoras; e ao estudo químico de óleos essenciais, além de subsidiar testes de atividade biológica em extratos e óleos essenciais. Crédito para fotos: Acervo ECFPn, Antonio Carlos Lola da Costa e Ima Vieira
Simulando a seca na floresta A simulação de um longo período de seca na floresta amazônica é o que faz o experimento Estudo da Seca na Floresta (Esecaflor) (ver foto). Seu objetivo é tão claro quanto o nome que o programa leva: entender o comportamento da floresta quando induzida à redução hídrica. Meteorologia, fisiologia vegetal, temperatura e umidade dos solos e as trocas gasosas, o crescimento e o fluxo de seiva das árvores, dinâmica de raízes e as propriedades dos solos são estudos de pesquisadores que se estabeleceram em Caxiuanã.
6
Destaque Amazônia
Ano 29
N° 65
Outubro de 2013
Semelhante à influência do “El Ninõ” – responsável por alterações de curta alteração na distribuição da superfície da água do Oceano Pacífico, é o que propõe o Esecaflor.
Um monitoramento de longo prazo das alterações nos ciclos das águas, de carbono e nutrientes, e os balanços de energia solar, em função das modificações verificadas na cobertura vegetal da região, caracterizando diferentes interações biosferaatmosfera, é um dos mecanismos utilizados pelo Projeto LBA para gerar conhecimento sobre o uso da terra e o clima na região amazônica. A Flona Caxiuanã, área de floresta primária de terra firme em excelente estado de conservação, é um dos sítios de estudo do Experimento, que integra estudos de ciências físicas, químicas, biológicas e humanas para compreender os processos ecológicos, hidrológicos e da biogeoquímica da Amazônia, dos impactos dos diferentes usos da terra nesses processos, e das interações da Amazônia com o sistema biogeofísico do planeta. Em 2007, de um experimento, o LBA passou a programa de governo, que sob a coordenação científica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, se tornou uma das maiores experiências científicas do mundo na área ambiental. Mais de 150 projetos de pesquisa desenvolvidos por aproximadamente 280 instituições nacionais e estrangeiras. A publicação dos resultados de pesquisa faz parte da história de sucesso do LBA. O LBA tem contribuído para o melhoramento de modelos de previsão climática, assim como tem permitido uma melhor medição das emissões de carbono das hidrelétricas na Amazônia e o potencial uso do metano para geração de energia elétrica adicional nas usinas.
Do projeto se pode tirar conclusões como: a redução hídrica implicará em maior mortalidade das árvores; a redução da absorção de carbono atmosférico; intensificação do efeito estufa, e as mudanças climáticas poderão ser intensificadas e aceleradas.
ISSN 2175 - 5485
De que modo as mudanças dos usos da terra e do clima afetarão o funcionamento biológico, químico e físico da Amazônia? Essa é a pergunta científica pelo qual se pauta o Projeto LBA - Experimento de Grande Escala da Interação Biosfera-Atmosfera na Amazônia desenvolvido, desde 1998, na Amazônia brasileira.
ISSN 2175 - 5485
Outubro de 2013
N° 65
Ano 29
Destaque Amazônia
7
Com a floresta preservada
Caxiuanã em revista
Publicação lançada nas comemorações dos 20 anos da Estação Científica “Ferreira Penna” apresenta dezena de artigos que não somente contribuem ao avanço da ciência, mas fornecem informações sobre um último refúgio para pesquisas: a Floresta Nacional de Caxiuanã
Produção científica revela os tesouros da sociobiodiversidade amazônica Lucila Vilar e Jimena Felipe Beltrão, Agência Museu Goeldi
Júlio Matos, Agência Museu Goeldi á são três as coletâneas dos resultados científicos sobre as pesquisas desenvolvidas na Floresta Nacional de Caxiuanã: Caxiuanã, de 1997; Caxiuanã: Populações Tradicionais, Meio Físico e Diversidade Biológica, de 2002; e Caxiuanã: Desafios para a conservação de uma Floresta Nacional na Amazônia, de 2009. Agora em 2013, quando se completam 20 anos da instalação da Estação Científica Ferreira Penna, o Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) lança Caxiuanã: Paraíso ainda prservado. Confira resenha na página 11.
C
A obra é organizada pelo Dr. Pedro Luiz Braga Lisboa, da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Pedro Lisboa foi o primeiro coordenador, cargo que ocupou por dez anos, da Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn), base do Museu Goeldi em Caxiuanã, onde dezenas de pesquisadores das mais variadas áreas do conhecimento atuam produzindo e comunicando ciência. Paraíso ainda preservado é a quarta publicação organizada a partir de pesquisas realizadas na Flona de Caxiuanã e compõe série com publicações datadas de 1997, 2002 e 2009.
Mas além dos volumes da coleção Caxiuanã, há uma produção recente lançada nesse ano de comemorações. Explorando aspectos humanos e do meio físico, dois volumes se destacam e abordam aspectos da natureza, da ecologia e da vida de populações humanas da Floresta. Um desses livros é didático e apresenta atividades para professores e alunos. Caxiuanã: História natural e ecologia de uma floresta nacional da Amazônia reúne informações e resultados de pesquisas desenvolvidas de forma contínua ao longo de 20 anos por zoólogos, botânicos, ecólogos e muitos outros profissionais que focaram os seus projetos em Caxiuanã.
Graça Ferraz, que coordena o Núcleo de Inovação e Transferência de Tecnologia (NITT) do MPEG, assina o prefácio do livro e ressalta a “árdua, porém gratificante tarefa” de Pedro Lisboa em organizar e levar a público resultados das pesquisas realizadas na ECFPn. Segundo Graça Ferraz, esta obra mostra o comprometimento de Pedro e de outros cientistas com as pessoas que na Flona de Caxiuanã vivem, com a floresta em si e com o Museu Goeldi, centenária instituição parceira da floresta.
O livro reconta uma importante parte da história das Unidades de Conservação Brasileiras, desde o crescente interesse pelo meio ambiente, que culminou com a Conferência das Nações Unidas para o Ambiente Humano, realizada em 1972, em Estolcomo, na Suécia, até a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em 28 de agosto de 2007.
A publicação traz resultados de pesquisas sobre a Floresta Nacional de Caxiuanã: em particular sobre a diversidade florística na zona neotropical e a sua riqueza de espécies; as similaridades e diferenças florísticas entre algumas unidades de conservação neotropicais e Caxiuanã; as populações humanas sob influências da Floresta Nacional; a conservação da diversidade biológica da região, entre outros assuntos. Vida na Floresta - São em número de 24 as famílias que vivem na Floresta Nacional (Flona) de Caxiuanã, no Pará. Em 20 anos de presença do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) na região, com uma base avançada de pesquisas, a Estação Científica “Ferreira Penna”, a instituição contribui para o conhecimento da sócio-biodiversidade da primeira unidade de conservação criada pelo Governo Federal, na Amazônia, mais especificamente no município de Melgaço, em 1961. Somadas às inúmeras pesquisas desenvolvidas, da geração de emprego e renda dentre os moradores em atividades de manutenção da Estação e atuação nos quatro programas de pesquisa que lá são desenvolvidos (para conferir, veja página 11), as contribuições do Museu se materializam em publicações. O livro Floresta Nacional de Caxiuanã: Patrimônio Biológico e Cultural da Amazônia é uma delas. Na categoria de livro didático, o volume apresenta a diversidade da região para uso por crianças, jovens e professores em escolas de Caxiuanã. Organizado pelos pesquisadores Maria das Graças Ferraz Bezerra, Pedro Luiz Braga Lisboa e André Luiz Rezende Cardoso o livro aborda em mais de 100 páginas, aspectos físicos da Flona Caxiuanã e os municípios onde o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e a Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn) se localizam. Uma linha do tempo e um glossário com 50 termos, além de passatempos na forma de caça-palavras e cruzadas, acompanham textos sobre as pesquisas científicas; as comunidades; a pré-história da região; a biodiversidade; e as perspectivas para o futuro da Flona com a implementação de Plano de Manejo recém-aprovado. Os livros Floresta Nacional de Caxiuanã: Patrimônio Biológico e Cultural da Amazônia, de autoria de Graça Ferraz, Pedro Lisboa e André Cardoso; e Caxiuanã: História natural e ecologia de uma floresta nacional da Amazônia, de Pedro Lisboa, Graça Ferraz e André Cardoso podem ser adquiridos através da editora do Museu Goeldi. Para informações: editora@museu-goeldi.br
8
Destaque Amazônia
Ano 29
N° 65
Outubro de 2013
ISSN 2175 - 5485
Sobre a obra – Estruturada em seis capítulos, Caxiuanã - Paraíso ainda preservado contém história e características da floresta que muito instiga estudiosos na busca em decifrá-la. O ambiente físico e o monitoramento ambiental bem como as populações humanas, a fauna, a flora e os fungos são grandes temas presentes na obra.
Reprodução
Para os autores – Segundo Pedro Luiz Braga Lisboa, Maria das Graças Ferraz Bezerra e André Luiz de Resende Cardoso - que desenvolvem pesquisa de campo na Unidade de Conservação, sob a jurisdição do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), já são mais de uma centena de espécies novas encontradas, um número significativo de espécies raras e desconhecidas à Ciência todas elas encontradas em Caxiuanã. Mas só quando toda a área for coberta por pesquisas de campo é que se terá a real dimensão da riqueza biológica da região. “Muitos ambientes peculiares de Caxiuanã ainda não foram visitados”, dizem Lisboa, Ferraz e Cardoso.
Reprodução
Reprodução
J
axiuanã - Paraíso ainda preservado é um livro sobre os resultados de pesquisas realizadas na Floresta Nacional de Caxiuanã, que aborda a ciência sob vários enfoques e divulga o conhecimento científico sobre essa parcela da floresta amazônica.
O artigo Floresta Nacional de Caxiuanã, assinado por Pedro L. B. Lisboa, Maria das Graças Ferraz Bezerra e André Luíz de Rezende Cardoso, debate conservação, riscos e possibilidades que a floresta oferece. Trata-se de um apanhado da biodiversidade e uma mostra de como se dá a ocupação humana, o manejo da floresta em pé e o potencial econômico de espécies não madeireiras. Plantas que sustentam e curam - Em oito artigos sobre a diversidade vegetal da floresta, há contribuições aos estudos de plantas e suas características gerais desde a fenologia - relativa aos processos ou ciclos biológicos e ao clima; morfologia ou sua aparência externa, à forma e à configuração das espécies; bem como da anatomia ou da organização interna de um dado corpo físico. Sabe-se que os povos tradicionais da floresta possuem vasta experiência na utilização e conservação da biodiversidade e quase sempre é essa diversidade biológica a única fonte da qual provém recursos para sua sobrevivência. Já existem estudos sobre o uso de recursos biológicos na Flona de Caxiuanã, como, por exemplo, as plantas medicinais que pautam Farmacopeia vegetal da comunidade Caxiuanã, na Floresta Nacional de Caxiuanã, assinado por Márlia Coelho Ferreira, Silvana Rodrigues Rocha e Maria das Graças Pires Sablayrolles. O estudo valoriza o conhecimento local e contribui para a conservação e uso sustentável da floresta, enfocando os moradores locais que encontram em plantas o tratamento para doenças e atributos para uma melhor saúde. Mundo animal A fauna da Floresta Nacional de Caxiuanã se constitui em riqueza biológica incontestável. Na mais recente publicação da série Caxiuanã, Pedro L. B. Lisboa reuniu 14 artigos científicos que tratam, entre outros, de artrópodes, peixes, aves e mamíferos. Atividade reprodutiva, distribuição, riqueza, composição e variação sazonal de espécies são destaques na edição. Registros que incentivam - Fungos causadores de ferrugem são parasitas ecologicamente abrigados de plantas. Das 729 espécies de fungos Pucciniales
existentes no Brasil, 111 apresentam registro para o estado do Pará. Os pesquisadores Helen Maria Pontes Sotão, Joe F. Hennen, Érika S. Freires, Fernanda Mendonça, Fabiano Brito, Isadora França, Carla Castro pesquisaram e detectaram 67 espécies de fungos da ordem Pucciniales, que parasitavam 56 gêneros de plantas. Mesmo com tais levantamentos, ainda são necessários mais estudos sobre a diversidade de fungos da Flona de Caxiuanã, no entanto o trabalho Novos registros de fungos (Pucciniales) para a Floresta Nacional de Caxiuanã, Amazônia e Brasil representa
ISSN 2175 - 5485
Outubro de 2013
incentivo para novas pesquisas sobre o tema. Para a história – O volume organizado por Pedro Lisboa presta homenagem ao pesquisador britânico, Sir Ghillean T. Prance, por suas contribuições na botânica tropical e na criação da Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn). Outras personalidades que contribuíram para a consolidação e fortalecimento da ECFPn, como Guilherme de La Penha, João Murça Pires e Guilherme Maia, receberam homenagens em publicações anteriores organizadas por Pedro Lisboa.
N° 65
Ano 29
Destaque Amazônia
9
Hilton Silva
Vivendo na floresta Pesquisa aponta condições sanitárias e qualidades das moradias das populações de Caxiuanã: verdadeiros catalisadores de doenças.
Antônio Fausto
Silvia de Souza Leão, Agência Museu Goeldi s domicílios têm, em média, dois cômodos, não há eletricidade a não ser por umas poucas casas que dispõem de painéis solares adquiridos através de um projeto do Museu Paraense Emílio Goeldi, e todos os domicílios são de madeira, palha, estuque ou uma combinação desses materiais, e cobertos de palha ou telhas de barro”, descreve Hilton Silva, que é professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), em trabalho de investigação entre a interação dos seres humanos e o meio ambiente da Amazônia.
‘‘O
Moradores do Rio Caria em dois momentos: 1996 e 2009. Estudo acompanha parte da trajetória familiar.
A saúde humana em Caxiuanã Professor da UFPA mostra a importância da Estação Científica Ferreira Penna para a pesquisa de campo e a saúde das populações ribeirinhas que vivem dentro e no entorno da floresta. Silvia de Souza Leão, Agência Museu Goeldi
Floresta Nacional de Caxiuanã (Flona) é região que representa de forma significativa a flora e fauna da Amazônia, mas também é terra de gente. Complexas pesquisas de estudos de insetos, répteis e mosquitos foram realizadas para coletar características do comportamento dos grupos que vivem nessa Unidade de Conservação (UC) localizada entre os municípios de Portel e de Melgaço, no Pará. Mas a Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn), mantida pelo Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) na Flona, serviu de base para o desenvolvimento de pesquisa relacionada à qualidade de vida da gente que vive na floresta. “Considero a Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn) uma área de pesquisa de campo com a melhor infraestrutura nas Américas”. Com essa afirmação, o médico e bioantropólogo Hilton P. Silva, professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) destaca a importância de uma base de pesquisas em uma das principais áreas de conservação da Amazônia Brasileira. Segundo Hilton Silva, a área conhecida como a Flona de Caxiuanã era ocupada populações indígenas no passado. As populações ribeirinhas, originadas da mistura dos europeus, índios e escravos africanos, hoje, moradoras das proximidades da Estação Científica Ferreira Penna e dos municípios de Portel e Melgaço são o público das suas pesquisas. O desconhecimento sobre as populações da floresta foi o que levou Hilton a desenvolver a pesquisa. “Na Amazônia, apesar da grande área ainda ser preservada (85%), a quantidade de informações disponíveis sobre a biodiversidade e sobre as populações rurais ainda é muito limitada”, destaca o professor. Ao redor da Estação existem três comunidades: o Laranjal, a Pedreira e Caxiuanã com mais de 190 habitantes e com estrutura populacional que indica alto índice de jovens. Hilton Silva, responsável por uma investigação dos aspectos sociais, ecológicos, do estilo de vida e saúde dos residentes nas áreas de influência da Flona de Caxiuanã, coletou diversos dados que mostraram como vivem esse contingente populacional, qual a situação fundiária, e em que tipos de moradia e condições sanitárias.
10
Destaque Amazônia
Ano 29
N° 65
Outubro de 2013
Graça Ferraz
A
Em sua avaliação, a qualidade das moradias, o reduzido número de espaços privados e a concentração populacional nas casas agem como catalisadores de doenças contagiosas. “Conjuntivites, escabiose, pediculose, dermatoses, gripes e outras doenças respiratórias agudas, e tuberculose, tendo sido afecções registradas durante as pesquisas de campo”, destaca Hilton.
Moradia, saúde e saneamento em análise
As condições sanitárias também são consideradas precárias pelo professor. Apenas 7,1% das casas têm sanitários, que são externos, de madeira ou palha, e sobre buracos escavados no chão, onde os dejetos são depositados sem tratamento. “A totalidade das famílias da Flona usa água diretamente dos rios e igarapés, locais para todos os usos diários. Ninguém usa qualquer tipo de tratamento para a água consumida, e todo o lixo é queimado nos quintais, ou lançado nos rios”, relata Hilton. Para o professor, essa situação favorece o desenvolvimento de doenças infecciosas e parasitárias transmitidas pela água como diarréias de diversas origens, amebíase, giardíase, cólera, hepatite, etc. “Apesar de casos de cólera não terem ocorrido na região durante o trabalho de campo, foram registrados hepatite e grande incidência de parasitoses intestinais na população estudada”.
Saúde na floresta Hilton Silva, que é professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), do Programa de PósGraduação em Antropologia (PPGA) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), coordena um projeto desde 1997 sobre a saúde, o crescimento e a evolução de doenças em populações ribeirinhas, que entre outros, envolve os grupos de Caxiuanã. Para o professor, a riqueza de Caxiuanã é incontestável. Atualmente, Hilton desenvolve projetos de análise do crescimento populacional e da saúde das populações da Flona Caxiuanã e entorno que já resultaram em diversas publicações e agora orienta a aluna de doutorado Lígia Filgueiras, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA.
ISSN 2175 - 5485
Os dados foram obtidos em levantamentos realizados para sua tese entre 2003 e 2005 em projetos voltados para a saúde e as interações entre os seres humanos e o meio ambiente da Amazônia. A investigação apontou os tipos e os padrões de moradia, as condições sanitárias, o número de pessoas por domicílio seus graus de parentesco, situação educacional, ocupações, situação fundiária, tipos de cultivos mais freqüentes, insumos utilizados, renda doméstica, tipos de uso do solo e condições ambientais da propriedade. Hilton destaca em artigo publicado em 2006 que são aproximadamente 206 pessoas que, à época, viviam nessas comunidades, divididas em 35 famílias e 28 domicílios. Os moradores da Flona são “posseiros”. Nenhum deles tem título de propriedade oficial da terra, embora os moradores considerem que têm direitos adquiridos pelo tempo de uso das áreas ocupadas, situação freqüentemente questionada pelo então Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), responsáveis pelas unidades de conservação brasileira, que passou a jurisdição para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Complexidade da vida e da saúde ribeirinhas Não só as condições ambientais e de saúde e saneamento foram investigadas. Hilton Silva estudou aspectos referentes ao crescimento físico e nutricional infantil que estavam diretamente ligados às atividades econômicas. Os moradores da Flona cultivam mandioca, feijão, tabaco, milho e frutas. “Subsistem principalmente da agricultura familiar, caça e coleta”, que não usa fertilizantes industriais ou pesticidas, informa o professor. A população fez da mandioca (Manihot esculenta) o mais importante produto: elemento básico para a alimentação local, a mandioca é responsável pela fabricação da farinha, muito consumida ao lado do açaí (Euterpe oleracea), principal produto do extrativismo local.
ISSN 2175 - 5485
Dentre outros produtos, estão a castanha-do-pará (Bertholletia excelsa), o palmito, a madeira e pedras da baía de Caxiuanã. “As atividades agrícolas podem ser sazonais, como a coleta de açaí (feita de julho a dezembro)”, mas também ocorrem ao longo do ano, como é o caso da extração de palmito. “Nas comunidades de Laranjal e Pedreira, a caça e a pesca também são praticadas durante o ano todo, enquanto, na comunidade de Caxiuanã, ficam mais intensas no verão”, ressalta Hilton. Para o pesquisador “estudos sobre a saúde humana são fundamentais para garantir a proteção ambiental, pois somente pessoas saudáveis podem promover uma relação saudávcel com o ambiente natural”.
Outubro de 2013
N° 65
Ano 29
Destaque Amazônia
11