Destaque amazonia julho 2013 final

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Janduari Simões

Na primeira, os pescadores de Canelas. Em seguida, despescando o muzuá. Por fim, a pesca artesanal. Informativo do Museu Paraense Emílio Goeldi

Ano 29

N° 63

Julho de 2013

ISSN 2175 - 5485 Stefanie Holanda

Um registro do modo de vida de populações litorâneas Livro esquadrinha patrimônio, usos do território e de recursos naturais, mudanças e manejo alternativo de conflitos na pesca no litoral amazônico. Júlio Matos, Agência Museu Goeldi poder das sociedades locais não pode ser subestimado. Para a antropóloga do MPEG, Dra. Lourdes Gonçalves Furtado, “A comunidade tem um papel decisivo nas mudanças. É dona de um poder crucial na discussão e implementação de metas sociais, culturais e ambientais. Não é amorfa, pensa e reflete sobre sua práxis social, tendo senso crítico para ajudar a combater desmandos, imposturas e ideias alienantes sobre seus territórios, seus valores e seus saberes”.

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Reflexões do trabalho “Populações Tradicionais Haliêuticas – impactos antrópicos, uso e gestão da biodiversidade em comunidades ribeirinhas e costeiras da Amazônia” empreendido na fase mais recente do Projeto “Recursos Naturais e Antropologia das Sociedades Marinhas, Ribeirinhas e Estuarinas da Amazônia” (Renas), originaram livro organizado por Lourdes Furtado, Isolda Maciel da Silveira e Graça Santana, intitulado Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande – Curuçá, Pará, Brasil: estudo etnoecológico e sociocultural.

Dos recursos naturais à cultura, paisagem e povo podem encantar. Estudos em Quatipuru, no Pará, discutem as contribuições do turismo para a conservação ambiental

Troca de saberes - Expedição científica do Museu Goeldi adentrou a Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande em 2003, cuja ação culminou com a realização de seminários, palestras e oficinas voltados à população local, levando pesquisadores das coordenações de Ciências Humanas e Naturais a interagir com a comunidade. Assim, informa, na apresentação do livro, a também antropóloga Dra. Denize Genuína da Silva Adrião.

Rafael Salomão

Com a divulgação dos resultados das pesquisas contidos no livro e se aproveitamento por instâncias políticas para considerar, rever e pensar o que defendem os autores sociais da comunidade, a obra contribuirá para a manutenção e preservação da Resex Mãe Grande, afirma a pesquisadora Dra. Lourdes Furtado, para quem é importante também que a comunidade entenda o que ela própria ajudou a construir ao lado dos pesquisadores.

Capa do livro

A pesquisa que originou o livro Reserva Extrativista Marinha Mãe Grande fez um caminho plural: “da associação de outros campos do conhecimento que viessem dar conta das questões antes identificadas”, diz Lourdes Furtado. Na obra se encontram antropologia, botânica, geologia e geomorfologia, educação, turismo, ornitologia, numa trama interdisciplinar da realidade do litoral do Pará, de um território de reserva extrativista marinha. Lourdes Furtado destaca na obra “a atenção para os saberes locais, para o conhecimento tradicional das populações, que merece ser concebido na avaliação de conceitos sobre a região, sobre a biodiversidade desta, seu meio ambiente. Espera-se que as ideias da população expressas na obra não sejam descartadas ou tidas como imaginário sem sentido; pelo contrário: sejam tidas como elementos institucionais capazes de desvendar situações”. Destaque Amazônia

Pag. 4 e 5

Janduari Simões

“Uma importante contribuição do livro é um estudo detalhado sobre os aspectos sociais, econômicos, ambientais e culturais da Resex Mãe Grande, e isso somente acontece quando se aliam políticas públicas e conhecimento tradicional científico, sem os quais o desenvolvimento da Amazônia torna-se inviabilizado”, destaca o Dr. Raul de Campos, da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), e colaborador do Renas.

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Costa Atlântica de muitos atrativos. No Pará, tem.

Adalberto Silva

Reprodução

Os estudos do Renas permitiram definir o que é uma reserva extrativista marinha em área do litoral paraense, que garante a conservação e preservação de áreas expostas a impactos humanos, assim como a posse territorial a quem nela trabalha – seja com a agricultura, com a pesca ou com o extrativismo marinho. Mas ainda “É muito pouco tempo entre a criação da Reserva Mãe Grande, em 2002, e o presente. A criação da Reserva veio configurar um movimento de organização política dos usuários para sistematizar idéias, agregar pessoas para refletir sobre a criação da reserva, seu destino, as suas conseqüências e fazer comparação entre o antes, o depois e o devir”, explica Lourdes Furtado que coordena o Renas.

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Retrato de uma Resex

Habitantes e paisagens

Espécie reencontrada

Poder local: em Mãe Grande não há lugar para “ideias alienantes sobre seus territórios, seus valores e seus saberes”. P. 8

Elementos humanos e naturais e sua interferência na paisagem. O território como lembrado e tratado pelos seus ocupantes. P. 6 e 7

Renascida, espécie foi encontrada pelo pesquisador Rafael Salomão em área da futura hidrelétrica de Belo Monte. P. 2 e 3


Pau-cravo e a herança de Belo Monte

Conservação permanente O que estava extinto renasceu e quem encontrou foi o pesquisador Rafael Salomão em área afetada pelo complexo energético de Belo Monte, no Xingu.

Graças aos estudos de impacto ambiental de Belo Monte realizados há mais de uma década pelo Museu Goeldi na região do Xingu, que hoje abriga as obras da Hidrelétrica, a ciência voltou a encontrar uma espécie de planta que pensava-se extinta: o pau-cravo, umas das drogas do sertão mais super-exploradas na era do Brasil Colônia.

Prezados, Agradecemos a excelência no trabalho! Att. Denize Adrião

Antônio Fausto, Agência Museu Goeldi

Antônio Fausto, Agência Museu Goeldi

Prezados colaboradores da equipe, Fico muito agradecido pela matéria e também confesso que estou bastante tocado pela mesma. Obrigado por todos os esforços e dedicação.

ambém conhecido pelos nomes populares de cravo-domaranhão, cravo-do-pará, cravo-do-mato e canela-cravo, o pau-cravo pode ser empregado na produção de perfumes, fármacos e alimentos, assim como na preparação de chás, em substituição às folhas do chá-da-índia. Registros históricos mostram que, no período colonial, a planta tinha usos medicinais, dificultando a formação de gases e facilitando a eliminação deles, além de fornecer um corante preto usado para tingir as roupas de algodão dos escravos. Por ser intensivamente extraído da floresta amazônica, à época conhecida como “sertão brasileiro”, o pau-cravo passou a ser considerado, tal qual outras especiarias como a pimenta, a castanhado-pará, o urucum, a baunilha, o cacau e o guaraná, uma droga do sertão.

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m 2002, durante a elaboração do primeiro Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) para a construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, uma equipe de botânicos do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) encontrou um exemplar de planta que se acreditava extinta há bastante tempo. Trata-se do pau-cravo (Dicypellium caryophyllaceum), árvore nativa da Floresta Amazônica, de cuja casca e inflorescência se retiram a canela e o cravo, respectivamente. Considerada uma droga do sertão, foi explorada quase à exaustão quando o Brasil era uma Exsicata de Pau-Cravo colônia de Portugal, na época das Entradas e Bandeiras. Daí o porquê de muitos dos botânicos da atualidade só saberem da existência dessa espécie por relatos da literatura científica, sem nunca terem conferido-a de perto.

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Rafael Salomão

Att.,Genisson Paes Chaves

Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Marco Antônio Raupp Museu Paraense Emílio Goeldi Diretor Nilson Gabas Júnior Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Ulisses Galatti Coordenadora de Comunicação e Extensão Wanda Okada Serviço de Comunicação Social Lilian Bayma Edição Agência Museu Goeldi Serviço de Comunicação Social do Museu Paraense Emílio Goeldi Av. Magalhães Barata, 376, 66040-170 Belém - PA - Brasil Tel.: +55 91 3219-3312 Editora Jimena Felipe Beltrão, 728 DRT-PA Diagramação e arte final Silvia de Souza Leão Participaram desta edição Antônio Fausto Júlio Matos Lilian Bayma Revisão Final Lilian Bayma Lucila Vilar Fotografias Adalberto Silva, Janduari Simões, Rafael Salomão, Stephanie Holanda MPEG/ LEM e Fidesa

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Foi devido a essa importância não apenas econômica, mas também histórica, que o Museu Goeldi sugeriu à Secretaria do Meio Ambiente (Sema), em março de 2011, a criação de uma Unidade de Conservação (UC) de Uso Sustentável na região de Juruti onde ocorrem, além do pau-cravo, a maçaranduba e a castanheira; todas espécies ameaçadas no estado do Pará. A proposição da UC se deu, sobretudo, pela ocorrência do pau-cravo no município. “Com a continuidade dos estudos na região, além do pau-cravo foram encontradas populações de castanheira e de maçaranduba; sendo que todas essas três populações são monitoradas através de parcelas permanentes de estudos desde 2010”, informa Salomão, “então é uma área de altíssimo interesse para a Ciência e para as populações locais para ser transformada numa Unidade de Conservação”.

Então sob a responsabilidade da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp), o EIA/Rima de Belo Monte foi cancelado pela Justiça e só foi retomado em 2008, pela Leme Engenharia. A empresa contratou o MPEG para o levantamento da biodiversidade da região, quando foram encontrados mais dois indivíduos de pau-cravo, aumentando para três o número de exemplares dessa espécie conhecidos pela ciência. ”As pessoas nem conhecem mais o pau-cravo”, afirma Rafael P. Salomão, pesquisador do Museu Goeldi. Para ele, houve uma "erosão" do conhecimento. Coordenador dos estudos que resultaram nos achados de 2002 e de 2008, Salomão destaca a relevância dessas descobertas para as pesquisas do Museu. “É importante por se tratar de uma espécie de alto valor comercial que só ultimamente foi reencontrada”. O pesquisador acredita que a população de pau-cravo remanescente de Vitória do Xingu, na área diretamente afetada (ADA) do empreendimento, na região do Xingu foi perdida com o início da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte sem que nada tenha sido feito para salvá-la, apesar do fato constar em relatórios institucionais do Museu, de estudos de impactos ambientais (EIA), de relatórios de impacto do meio ambiente (RIMA) e de matéria Pontos de Pau-Cravo na área publicada na revista Ciência Hoje (nº diretamente afetada (ADA) 289), em fevereiro de 2012. Espera que da UHE Belo Monte o mesmo não ocorra com as cerca de 250 árvores encontradas nos últimos cinco anos na comunidade de São Francisco de Aruã, em Juruti. Nessa área, o Museu Goeldi empreendeu estudos sobre o pau-cravo, a maçaranduba (Manilkara huberi) e a castanheira (Bertholletia excelsa) para atender orientações estipuladas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) do Pará para atendimento a condicionantes ambientais pela Alcoa Word Alumina Brasil Ltda. naquele município do oeste Paraense. “Essa era uma das áreas de ocorrência de paucravo, pau-rosa (Aniba rosaeodora), maçaranduba e castanheira, espécies ameaçadas do estado do Pará, de acordo com a Resolução SEMA 054/2007 e que constituíam o foco dos estudos solicitados pela Sema e realizados pelo Goeldi”, explica Salomão. N° 63

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Pau Cravo, em Vitória do Xingu

De acordo com o pesquisador, a Sema ainda não se manifestou sobre o assunto. As esperanças de preservação desses espécimes de pau-cravo residem, hoje em dia, no que Rafael Salomão define como “a preservação dos recursos genéticos dessa população em bancos de germoplasmas”. Só a produção e o plantio de mudas de paucravo nas áreas de restauração florestal, após a lavra da bauxita (matéria-prima para a produção de alumínio) que, segundo Salomão, deverá ser feito a partir deste ano pela Alcoa, em Juruti, pode garantir a preservação da espécie. MPEG, LEM E FIDESA

Governo do Brasil Presidente da República Dilma Vana Roussef

Rafael Salomão

Nossos leitores

Belo Monte “Uma hidrelétrica muito mais importante para o Brasil do que para a Amazônia”. Essa é a visão do pesquisador Rafael Salomão, do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) acerca da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. Para ele trata-se de um “projeto inteligente, sob a ótica ecológica, capaz de atenuar um iminente risco de carência hidroenergética”. Em se tratando da preservação da biodiversidade ameaçada pela UHE, Salomão diz que os programas de conservação dos recursos bióticos associados a Belo Monte existem para serem devidamente implementados e efetivamente executados. “De uma forma que se consiga preservar essa biodiversidade noutras áreas, mas, sobretudo, tendo recursos para que essa preservação possa ser feita e possam ser estudados os organismos apontados como importantes da biodiversidade da região”.

As áreas anuais de restauração florestal são aquelas oriundas dos locais onde foi suprimida a floresta para a extração da bauxita, que se encontra abaixo do solo, geralmente entre oito e dez metros. As mudas seriam plantadas pela Alcoa durante o processo de restauração florestal, quando são plantadas, todos os anos, cerca de 80 espécies do bioma Amazônia nas novas áreas de pós-lavra. “Tem que se fazer, sim, um resgate, coleta de sementes pra produção de mudas e introdução nas áreas anuais de restauração florestal”, destaca Salomão. Segundo o pesquisador, devem entrar ainda nas áreas de restauração da Alcoa, o pau-rosa, a castanheira e a maçaranduba. Moju – De acordo com Salomão, outros novos indivíduos de paucravo foram encontrados, em março de 2012, pela equipe do Museu Paraense Emílio Goeldi, na Comunidade Braulândia, no município de Moju, em área de expansão de plantio de dendê (Elaeis guianensis) - uma palmácea de altíssimo valor comercial na atualidade devido a produção em larga escala de biodiesel na região que abrange os municípios de Tailândia, Moju e Tomé-Açu. Obviamente, esta área de ocorrência da espécie certamente sofrerá pressão pela expansão da cultura da palma. Atualmente, foram registradas cerca de 259 árvores de pau-cravo, distribuídas em duas populações: uma em Juruti e a outra no Moju, cujas localizações são conhecidas pela ciência, daí já subtraídos os 20 espécimes que compunham a população de pau-cravo encontrada nos arredores da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Vitória do Xingu.

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Stephanie de Holanda

Na primeira imagem: Igreja de São Benedito. Na segunda: Igreja Nossa Senhora de Nazaré (Igreja Matriz), pontos turísticos localizadas em Quatipuru, na Costa Atlântica da Região Norte do Brasil

Turismo, instrumento de conservação ambiental e cultural Pesquisa de iniciação científica no Museu Goeldi sob orientação da Dra. Cristina Senna prova que o turismo pode ser utilizado a favor da conservação do meio ambiental, assim como da longevidade de manifestações culturais Antônio Fausto, Agência Museu Goeldi exemplo de tantas regiões mundo afora, o Nordeste paraense, na Costa Atlântica da região Norte do Brasil, apresenta uma riqueza cultural marcante, combinada a uma natureza física de beleza irrefutável. Festas populares como a da Gó (peixe muito apreciado na região), do Caranguejo e da Marujada são alguns dos exemplos mais óbvios de manifestações culturais já tradicionais do município paraense de Quatipuru, na costa do Pará.

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As festas são realizadas graças aos recursos oferecidos pela natureza. A gó é produto da pesca realizada tradicionalmente pelos quatipurenses; o caranguejo é tirado do mangue, ecossistema característico da região; e a Marujada, resultante do sincretismo entre cristianismo e umbanda, é embalada por instrumentos feitos do couro de animais silvestres, como tambores e cuícas. Porém, essas tradições correriam sério risco de desaparecer, junto com o patrimônio natural, caso houvesse uma intensificação da degradação ambiental, revela pesquisa Pibic orientada pela geóloga do Museu Paraense Emílio Goeldi, Dra. Cristina Senna. “O turismo como promotor da conservação ambiental nos ecossistemas da planície costeira do município de Quatipuru – Pará” é o estudo desenvolvido pela bolsista Stephanie Holanda sob orientação da geóloga. A iniciativa trabalha principalmente a desmistificação de uma atividade conhecida como prejudicial ao patrimônio natural, histórico, arquitetônico e até mesmo imaterial. “Temos que desmistificar a ideia de que o turismo é um segmento danoso ou degradante”, afirma a bolsista, “pois, para trabalhá-lo, deve ser elaborado um planejamento coeso e eficaz, partindo de informações locais, de cunho ambiental, social e econômico”. Em outra edição do Destaque Amazônia, matéria sobre Turismo em Terras Indígenas também aborda a necessidade de se estabelecer um planejamento condizente com a realidade das comunidades envolvidas na atividade*. Planejamento e participação - A valorização desse conhecimento tradicional elevaria, segundo as pesquisas do Museu Goeldi, a auto-estima dos moradores de Quatipuru, que passariam a zelar cada vez mais pelos recursos naturais para garantir a longevidade das tradições culturais que compõem a identidade deles. Um trabalho de valorização cultural aliado à educação ambiental que propõe o ecoturismo e o geoturismo, ramos turísticos assentados sobre os conceitos de natureza e sustentabilidade, como ferramentas de conservação ambiental. 4

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Mas, para isso, é preciso haver o engajamento da prefeitura municipal, principalmente no que se refere à oferta de uma boa infraestrutura turística para acolher pessoas dos quatro cantos do mundo interessadas em conferir os guarás e os exuberantes bosques de mangue, capazes de alcançar os 30 metros de altura. “Esses elementos naturais são considerados belezas cênicas com potencialidade paisagística para a atração do turista”, afirma Stephanie. Segundo ela, Quatipuru dispõe, atualmente, de hotéis e restaurantes considerados de pequeno porte e que não podem acolher um grande contingente de turistas. Roteiros de passeio – Além dos bosques de mangue, Quatipuru apresenta açaizeiros e buritis da várzea, os quais, em conjunto com as capoeiras formadas a partir da agricultura de subsistência, formam paisagens com grande potencial para atrair turistas. Até mesmo o pisoteio do búfalo, responsável pela diminuição da impermeabilidade do solo, segundo os dados levantados pelo colega de Stephanie, Adalberto Silva, forma espelhos d´água, também alimentados pelas cheias e pela subida e descida das marés, capazes de agradar os olhos de pessoas com os mais diversos perfis. A abordagem de paisagem feita pela futura bacharel em turismo também não descarta as pessoas enquanto agentes transformados pelo ecossistema na mesma medida em que o transformam. O rio é outro recurso utilizado no sustento do ribeirinho e integra paisagem cuja beleza cênica é intensificada pela ação humana, que deixa suas marcas como os currais de pesca e as canoas paradas defronte a pequenos caminhos d'água. Quadros que se constituem aos olhos em autênticas pinturas marinhas, tema tão presente nas Belas Artes. “Esses roteiros poderiam ser compostos de passeios de barcos ao longo do estuário do Rio Quatipuru, para observação da fauna e da flora e também da atividade ribeirinha”, propõe a bolsista a partir dos estudos empreendidos na cidade, incrementados com depoimentos de representantes da Secretaria de Desporto, Cultura e Turismo, responsável pelas ações ambientais no município, e com professor da rede municipal de ensino que planejava, à ocasião, realizar um roteiro ecociclístico. *Confira na edição de Novembro de 2012 do jornal Destaque Amazônia

Pesquisa em várias escalas Stephanie de Holanda inventariou as potencialidades turísticas naturais do município de Quatipuru a partir dos mapeamentos das paisagens da área feitos por Adalberto Silva e por João Silva Barbosa Junior, na pesquisa Ecologia de Paisagem, Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento Aplicados à Análise Ambiental da Planície Costeira do Município de Quatipuru, Pará, também orientada pela Dra. Cristina Senna dentro do projeto “Proxies Biológicos e biogeoquímicos para interpretação das variações climáticas holocênicas de curto e longo período na região costeira amazônica”, no Museu Goeldi. Para Stephanie, as pessoas atribuem a cada ambiente de Quatipuru, os quais compõem um complexo mosaico paisagístico, uma função específica. Conclusão semelhante à alcançada por Adalberto. Os trabalhos de João, Stephanie e Adalberto estão vinculados a estudo mais amplo desenvolvido no Museu Paraense Emílio Goeldi pela Dra. Cristina Senna. Geóloga da instituição, a pesquisadora se dedica à dinâmica ambiental desses ambientes costeiros durante o holoceno, era geológica de dez mil anos atrás, a partir das análises de sedimentos e de pólen. Além das informações reveladas nas pesquisas dos bolsistas Pibic, a pesquisa ambiental da Dra. Cristina é multidisciplinar e dialoga com os estudos desenvolvidos noutras áreas do Museu, como os esforços antropológicos empreendidos pela Dra. Lourdes Furtado, da Coordenação de Ciências Humanas, no projeto “Recursos Naturais e Antropologia das Sociedades Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas da Amazônia: Relação do Homem com o seu Meio Ambiente” (Renas).

http://www.museu-goeldi.br/sobre/NOTICIAS/destaque/2012/novembro2012.html

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Adalberto Silva

Adalberto Silva

Ecossistemas diversos permitem a criação de gado bubalino em campos alagados. Rebanho de búfalos em área de campos inundáveis.

Paisagem, sinônimo de vida e fruto do trabalho

Trabalho e impactos ambientais

Pesquisa descarta noção de paisagem física ao considerar as pessoas como agentes transformadores do ecossistema na mesma medida em que são por ele transformadas. Por meio da Geografia, a Geologia quer compreender como se formam as paisagens amazônidas ao equiparar gente, chuvas, ventos e relevos.

Para além da natureza, a definição da paisagem também tem a contribuição humana. Antônio Fausto, Agência Museu Goeldi

Antônio Fausto, Agência Museu Goeldi

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em só de impactos negativos se constitui a herança desses diversos ciclos econômicos para as comunidades da Taperinha e do Borges, em Quatipuru. Exemplo disso é a barragem construída por morador conhecido como Seu Poroba há aproximadamente quatro anos, na comunidade da Taperinha, com o propósito de evitar a salinização da água de uma nascente onde o gado mata a sede e de onde os comunitários retiram o pescado para saciar a fome e garantir o sustento. Ao evitar a salinização desse olho d'água, protegendo-o do contato com o sal oriundo do encontro do rio com o mar, a barragem resguarda, também, a vegetação campestre.

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rês tipos de formações vegetais compõem o ambiente físico do município paraense de Quatipuru: mangues, campos inundáveis e terras firmes preenchidas por matas secundárias, fazendo deste município do Nordeste do Pará uma área complexa e rica em informações naturais.

Em meio a ecossistemas tão diversos, situam-se duas comunidades, a do Borges e a da Taperinha, cujos moradores imprimem suas presenças nos ecossistemas por meio, principalmente, do trabalho – a exemplo da criação de gado bubalino - que se beneficia dos campos alagados - e também da pesca. Numa região como a Amazônia, considerada despovoada ao longo da sua história, é de suma importância compreender como as mudanças provocadas pelo elemento humano se inscrevem, assim como as chuvas, as alterações de relevo e as secas e cheias de marés, em um novo conceito de paisagem, conceito esse responsável pela equiparação das dinâmicas humanas aos fenômenos naturais.

Porém, essa mesma necessidade de sobrevivência faz as pessoas deixarem, nesses ambientes, impactos considerados pela comunidade científica como negativos. A manutenção do rebanho de búfalos à época da seca e o conseqüente pisoteio da terra por parte desse gado causam o que a ciência chama de compactação da estrutura física do solo. Assim, a porosidade desse chão é reduzida e a capacidade de absorção da água, prejudicada. “Isso ocasiona a formação de verdadeiros canais nessa área de campos inundáveis que vão facilitar a entrada da água salgada”, acrescenta Adalberto. A pesca, por sua vez, pode prejudicar a reprodução dos peixes, pois esses animais sobem as áreas de campo na época da cheia para realizarem a desova.

Essa é a abordagem proposta pela pesquisa de Adalberto Silva, estudante do 7º semestre de Geografia, da Universidade Federal do Pará (UFPA), intitulada “Memória, percepção e conhecimento das populações locais do município de Quatipuru sobre a dinâmica natural e antrópica dos ambientes costeiros e subcosteiros”. Orientado pela geóloga Cristina Senna, da Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia (CCTE), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), o estudo faz dos relatos dos moradores das comunidades do Borges e da Taperinha instrumentos de compreensão da dinâmica natural destes ambientes, ocupados desde a antiguidade. “A utilização do termo 'paisagem física' não é apropriada dentro desta abordagem”, destaca Adalberto.

Esses impactos foram constatados nas observações de campo de Adalberto e estão por serem detalhados noutro momento de pesquisa. O trabalho de coleta de informações junto aos moradores e a posterior comparação desses dados com a literatura científica e com imagens de laboratório fizeram o bolsista constatar que, apesar de o desmatamento ser um resultado natural dos ciclos econômicos impostos historicamente pelas pessoas à região, já há nesses amazônidas certo grau de responsabilidade ambiental. “Moradores relataram a existência de áreas com resquícios de mata original”, diz o bolsista, “nas quais houve uma intervenção, mas não tão forte, devido exatamente à preocupação em preservá-las”.

Diversidade - Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), Adalberto explica que a região de Quatipuru é muito diversificada tanto do ponto de vista ambiental quanto do social, pois apresenta um conjunto de ecossistemas diferenciados, como manguezais, campos inundáveis e salinos, várzeas de marés e restingas, que exigem dos comunitários diferentes técnicas e habilidades de trabalho. Os campos inundáveis, por exemplo, se prestam à alimentação e à manutenção do gado no período de seca, durante o primeiro semestre. Já na estação chuvosa, na outra metade do ano, quando inundam, esses campos fornecem o pescado, empregado principalmente na subsistência dos moradores, assim como acolhem o mesmo rebanho de búfalos.

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Os campos inundáveis constituem-se em ambientes vitais para esses comunitários, pois oferecem a vegetação de gramíneas necessárias à alimentação do gado na seca. No período chuvoso, tornam-se ambientes de circulação dos peixes egressos do encontro e da posterior subida das águas rios Japerica e Quatipuru. “Mas, por meio de levantamento bibliográfico e dos depoimentos dos moradores, foi possível identificar também atividades produtivas desenvolvidas antigamente pelas comunidades em contato direto ou às margens desses campos inundáveis, como o cultivo do arroz, da malva e do tabaco”, conta Adalberto. Segundo o estudante, esses ciclos econômicos perderam a razão de existir quando deixaram de ser interessantes para o mercado – o que comprova a comercialização da produção excedente nas comunidades do Borges e da Taperinha.

Ineditismo – Isso prova que impactos nem sempre são negativos, e também que, quando o são, funcionam como instrumento de sobrevivência para as pessoas, tão influenciáveis para a terra quanto por ela influenciadas. A abordagem geográfica de paisagem confere, na opinião da Dra. Cristina Serra, orientadora do estudo desenvolvido por Adalberto no Pibic, um caráter inovador à iniciativa. “O conceito de paisagem já pressupõe a ação antrópica como um dos agentes de transformação desse ambiente paisagem, além do processo natural” afirma a pesquisadora do MPEG, “e isso é novo, inédito na pesquisa dele”.

Paisagem que também acolhe As matas secundárias da região de Quatipuru também são espaços de trabalho, mas, sobretudo, de sociabilidade, segundo Adalberto Silva. Nesses ecossistemas, elevados a uma altura de quatro a seis metros em relação aos campos inundáveis, o labor adquire ainda mais o contorno de atividade de convívio e se traduz, por exemplo, no trato das plantas e dos animais domesticados, feito nas áreas externas das casas. Depois da jornada diária, é hora de se reunir na varanda para as refeições e diálogos, proporcionados pela segurança do solo de terra firme, que protege das cheias, serve de refúgio para o descanso e abriga os instrumentos de trabalho.

Elementos espaciais importantes foram identificados pelo estudante nos quintais de Quatipuru, a exemplo da realização da atividade conhecida como “barraca”. Nela, informa o bolsista, são guardados os instrumentos de trabalho empregados na lavoura, na pesca, na coleta e no trato dos animais. Na barraca, é possível encontrar o “catitu”, utilizado para ralar a mandioca, e as casas de farinha, além do poço. O cultivo da melancia é uma das atividades realizada pelos quatipuruenses nesses ecossistemas onde o chão é mais firme. “O espaço do quintal se apresenta como um dos principais espaços de trabalho e de socialização das comunidades estudadas”, acrescenta Adalberto.

Vegetação gramínea necessária para os búfalos

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