Ano 29
N° 62
Maio de 2013
ISSN 2175 - 5485
Genisson Chaves
Informativo do Museu Paraense Emílio Goeldi
Vida nas águas Peixe, camarão, caranguejo, mandioca, farinha e açaí. Antes de ganharem o mundo da gastronomia, esses produtos são fruto da natureza e do labor de populações amazônicas. Elas e eles tratam o peixe, catam o caranguejo, fazem o paneiro, colhem e batem o açaí, plantam e processam a mandioca para fazer a farinha. Pescar, remar, plantar e colher são os verbos da vida de trabalho, produção e sabedoria no interior da Amazônia. Assim, comunidades garantem a subsistência e revelam um cotidiano em que dividem o trabalho e compartilham os recursos e produzem conhecimento, pois que canoa, remo, rede, máquina de açaí e roça, são testemunhos da tecnologia de gerações e gerações de amazônidas.
Trabalho, recursos naturais e conhecimento Pesquisas antropológicas do Museu Goeldi capturam o cotidiano de comunidades que vivem das atividades extrativistas na Amazônia. Da Grande Belém ao Rio Tocantins, estudos do projeto Renas revelam as relações de trabalho, as estratégias de consumo do que a floresta oferece e as trocas humanas.
Genisson Chaves
Mais que alimentos
Fotos: Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos da Amazônia (Gemam), Denize Adrião, Genisson Chaves, Pedro Lisboa e Silvia de Souza Leão 8
Destaque Amazônia
Ano 29
N° 62
Maio de 2013
ISSN 2175 - 5485
A dieta alimentar rege parte da vida porque sustenta o corpo e a comunidade. O açaí compõe a alma amazônica ao fornecer a energia que move populações humanas para trabalhar e produzir e viver daquilo de que dispõem na natureza. Assim é também com a mandioca e o peixe. Desde o plantio até o processamento que gera a farinha, as comunidades produzem alimento e para obter do excedente vendido, a renda para suprir demandas outras. É assim em Curuçá, no nordeste do Pará; na Ilha do Combu, na Belém metropolitana; e na Ilha Saracá, no Rio Tocantins.
Denize Adrião
Denize Adrião
Educação familiar e a transmissão da cultura à beira do rio Um rio que guarda recursos, transporta gente e ajuda a transmitir conhecimento de geração à geração Júlio Matos, Agência Museu Goeldi Cenário que demonstra o modelo da vida ribeirinha na comunidade do Igarapé do Combu
A
travessando o rio Guamá, em frente a Belém, cerca de dois quilômetros ao sul da cidade, encontra-se a bela e bucólica Ilha do Combu. Uma comunidade onde prevalecem meio ambiente, vizinhança e solidariedade. Assim, a bolsista Thainá Nunes descreve o lugar escolhido para desenvolver sua pesquisa sobre “A transmissão geracional da cultura ribeirinha: a educação familiar na comunidade do Igarapé do Combu/PA”. Para Thainá, o rio é sinônimo de via de transporte, de sustento e de diversão. “Entre uma estrada, uma fonte de alimento e de produção e um lugar de lazer, o rio é da comunidade e sem ele esta não seria o que é”, revela a estudante de Ciências Sociais.
Estudos etnográficos produzem conhecimento sobre comunidades ribeirinhas da Amazônia Bolsistas do Museu Goeldi do Projeto Renas desenvolvem pesquisas Júlio Matos, Agência Museu Goeldi ão mais de 40 anos de trabalhos dedicados a identificar, descrever, analisar e disseminar as relações do homem com o seu meio ambiente. O Projeto Recursos Naturais e Antropologia das Sociedades Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas (Renas) iniciou, em meados dos anos de 1960, pesquisas realizadas por antropólogos do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) sobre populações pesqueiras da Amazônia. Mas foi a partir de 1990, quando a antropóloga Lourdes Gonçalves Furtado deu inicio ao processo de captação de recursos que o projeto pôde se desenvolver.
S
O trabalho de Thainá foi premiado dentre os melhores da iniciação científica das Ciências Humanas do Museu Paraense Emilio Goeldi no ano de 2012. A pesquisa, orientada pela antropóloga Lourdes Furtado, fundamentou-se no modus vivendi de uma comunidade na qual a educação do cidadão baseia-se no conhecimento transmitido de geração a geração. Um exemplo fiel das zonas ribeirinhas da Amazônia.
Estudos realizados no âmbito da antropologia da pesca levaram os pesquisadores a conhecer, a partir das narrativas de moradores de diversas comunidades, como a de Marapanim e Quatipuru, no nordeste paraense, o universo ímpar de cada uma delas: seus recursos naturais, conflitos e gestão na pesca, organização social e perspectivas para o desenvolvimento sustentável.
Muitos estudantes escolhem o Renas para desenvolver projetos, orientados por mestres ou doutores. Estagiários e bolsistas que demonstram interesse pela pesquisa científica sobre populações ribeirinhas se envolvem no Projeto e, sob orientação, iniciam os trabalhos a partir de um referencial teórico adequado ao que se propõem estudar. Denominados subprojeto, cada estudo é desenvolvido pelo estudante em atividade científica que atua de forma integrada com a comunidade, resultando em estudos etnográficos de relevo sobre a sociedade amazônica.
Desde 2002, o Projeto Renas trabalha com base nas “Populações tradicionais haliêuticas em comunidades ribeirinhas e costeiras da Amazônia brasileira”. Comunidades em evidência - Ilha Saracá e Ilha do Combu. Duas localidades distintas, aproximadas por suas culturas, seus valores e suas economias advindas do extrativismo. Dois exemplos de comunidades amazônicas, onde nitidamente notam-se as relações do homem com a natureza na luta pela sobrevivência de ambos, e as relações do homem e seu semelhante que permitem traçar um retrato de parecença. As comunidades em destaque foram cenários que contribuíram para o desenvolvimento dos trabalhos realizados por Genisson Chaves e Thainá Nunes, estudantes de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA) e bolsistas do Projeto Renas, no Museu Paraense Emílio Goeldi: Genisson pelo Laboratório de Meios Aquáticos (LAMAq) e Thainá, pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq).
Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Marco Antônio Raupp Museu Paraense Emílio Goeldi Diretor Nilson Gabas Júnior
Serviço de Comunicação Social Lilian de Amorim Bayma
Editora Jimena Felipe Beltrão, 728 DRT-PA
Edição Agência Museu Goeldi Serviço de Comunicação Social do Museu Paraense Emílio Goeldi Av. Magalhães Barata, 376, 66040-170 Belém - PA – Brasil Tel.: + 55 91 3219-3312
Diagramação e arte final Sílvia de Souza Leão
Coordenador de Comunicação e Extensão Wanda Okada
Ano 29
Participaram desta edição Júlio Matos, Lilian Bayma e Silvia de Souza Leão Fotografias Denize Adrião, Francisco Rente Neto Genisson Chaves, Pedro Lisboa, Silvia de Souza Leão Grupo de Estudos de Mamíferos Aquáticos da Amazônia (Gemam)
Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Ulisses Galatti
Destaque Amazônia
No igarapé do Combu, os mais antigos detêm os “saberes” referentes a tudo em relação à comunidade. Como dever, transmitir aos mais jovens os ensinamentos adquiridos, pois dessa forma aprenderam com a geração anterior. O respeito aos mais velhos é nítido e regra. Suas experiências de vida os dão maior poder de decisão sobre a família e a comunidade. Indagada sobre que aspectos da cultura local estão mais presentes na educação familiar dentro da realidade pesquisada, Thainá Nunes afirmou que sua pesquisa enfoca a relação da comunidade com o rio. “Esses ribeirinhos demonstram uma profunda ligação com o rio, a começar pelo seu entendimento do mesmo como sua “rua”, já que é pela via fluvial a única maneira de se locomoverem, à exceção de curtas distâncias como o trajeto entre as casas que são vizinhas, e pode ser percorrido a pé”. Ainda de acordo com a bolsita, o rio é utilizado no ato de lavar roupas e louças, e para o lazer principalmente dos mais jovens, além de meio de subsistência e renda, através da pesca.
Outro estudo, esse de autoria de Francisco José dos Santos Rente Neto, bolsista do Museu Goeldi, explora aspectos da relação de uma comunidade em Curuçá, no Nordeste paraense, no cultivo à mandioca.
Governo do Brasil Presidente da República Dilma Vana Roussef
2
Os moradores da Ilha do Combu perpetuam as tradições culturais nas suas práticas diárias, nas quais transparecem as características da uma cultura ribeirinha, desde as “atividades de casa”, passando pelas suas atividades econômicas, seu lazer e principalmente a alimentação que levam. “Na vida cotidiana ribeirinha é salutar observar todos os seus aspectos: sua individualidade, a personalidade, as ações sobre os objetos que se encontram ao redor para uso e benefício. Tudo contribui para o processo de reprodução para sua efetivação”, enfatiza a jovem pesquisadora.
Reprodução
Formação e Conhecimento
N° 61
Maio de 2013
ISSN 2175 - 5485
Uma estrada de água leva às casas no Combu
Foto aérea mostra a localização da Ilha do Combú: do outro lado do rio Guamá, Belém
Como na Ilha Saracá, alvo de estudo de outros participante do Renas, além da pesca outra atividade responsável pela geração de renda à Ilha do Combu é a extração e venda de frutos, principalmente do açaí. Aqui novamente é notório o envolvimento de toda a família – homens, mulheres, jovens e adultos, a partir da produção, da coleta, do transporte fluvial e da comercialização em Belém. “As crianças acompanham os pais durante todo o processo para aprenderem e mais tarde, além de contribuírem na renda familiar e dar continuidade ao modo como desenvolver a atividade”, declara Thainá.
Com base na observação da comunidade do Igarapé do Combu, Thainá mostra que a transmissão geracional da cultura local no contexto familiar, ocorre tanto conscientemente quanto inconscientemente. Regras estabelecidas pelos mais velhos, assim como a conscientização sobre algo específico que estes decidem, e as etapas de aprendizado de trabalho exercido pelos pais, elucidam o primeiro modo de transmissão. A observação e convivência das crianças perante os adultos e a comunidade em geral enfatizam como se dá o modo inconsciente da relação.
ISSN 2175 - 5485
Maio de 2013
N° 62
Ano 29
Destaque Amazônia
3
Ilha de Saracá: entre o casco e o paneiro na região de Tocantins Homens e mulheres são agentes produtivos na coleta de recursos naturais em atividades de subsistência como a pesca e o extrativismo do açaí
ssociar pesca e açaí (Euterpe oleracea Mart.) no dia-a-dia de uma comunidade da Ilha Saracá levou Genisson Chaves até o município de Limoeiro do Ajuru, distante aproximadamente 200 km da capital paraense. Segundo o bolsista, existem referências que conectam tanto a atividade pesqueira como o extrativismo do açaí. Elementos de tecnologia tradicional como casco e paneiro permitem tal conexão já que são utilizados em ambas atividades, ao que se deve somar a indiferença de gêneros enquanto participantes das cadeias produtivas.
Genisson Chaves
A
peixes. E como na época do inverno há uma queda natural da produção do açaí, a atividade que mais se destaca no período é a pesca. Dessa forma observa-se a chamada economia mista da qual vive a comunidade.
Genisson Chaves
Silvia de Souza Leão
Júlio Matos, Agência Museu Goeldi
“O casco é utilizado para que os moradores possam se deslocar tanto aos locais de pescaria quanto aos locais de extração de açaí. O paneiro armazena o peixe e o camarão, mas também o açaí, além de outras frutas, entre elas cacau, manga e jambo após a coleta”, ressalta Genisson. Na Ilha Saracá, homens e mulheres participam das atividades que geram renda e movimentam a economia do local. De forma geral, independente de gênero e faixa etária, todos na localidade buscam contribuir ativamente na efetivação das tarefas.
Com pesquisa sobre “As Interfaces da pesca e do açaí no cotidiano da comunidade da Ilha Saracá/PA”, Genisson, bolsista de iniciação científica da área de Ciências Humanas do Museu Paraense Emilio Goeldi, estudou a pesca e o extrativismo do açaí, principais atividades e fonte de renda dos moradores do local.
São os homens adultos os maiores responsáveis pela coleta do açaí, mas recebem o auxílio de suas esposas e filhos, que atuam na “disbulha”, momento quando os caroços são retirados dos cachos. Há momentos em que as mulheres adultas e os próprios meninos e meninas coletam o fruto para o consumo familiar e comercialização. Também há casos em que as mulheres são as únicas responsáveis pela coleta do fruto, seja para consumo ou comercialização. Alguns idosos ainda coletam açaí, principalmente para o próprio consumo.
Seguindo o curso das estações do ano, a região também passa pelos períodos de inverno e verão amazônicos. No primeiro, há maior intensidade de chuvas; já, no segundo, há menos influência das águas. Entre julho e dezembro, ocorre o verão amazônico e na Ilha Saracá o momento é propício para uma maior produtividade do açaí. Durante os meses de novembro a fevereiro a atividade pesqueira é proibida por ser o período de reprodução dos
Com relação à pesca, os dois gêneros também participam das atividades, como na pesca de malhadeira e na despesca de matapi. Esta última é uma armadilha utilizada para a captura do camarão. A presença masculina é mais evidente no tipo de pesca chamado “borqueio”, quando grandes redes são expostas para bloquear a passagem dos peixes. As crianças buscam o pescado nos cascos ou mesmo na despesca das redes e do matapi e colaboram também no preparo da comida. Aqui os idosos participam consertando as redes de pesca danificadas pelo contínuo uso e no preparo da comida.
Disbulhando o açaí e a tecnologia ancestral da peconha para subir na palmeira
Sobre a coleta do açaí Técnica e trabalho na extração e tratamento do açaí Genisson Chaves detalhou em sua pesquisa as etapas em que consiste tal atividade. O apanhador é o responsável em subir na palmeira para retirar os cachos repletos do fruto. Para tanto, se faz necessário o auxílio da “peconha” instrumento confeccionado por sacos que anteriormente serviram para depositar açúcar, trigo, batata, entre outros. A “peconha" também pode ser confeccionada por folhas do próprio açaizeiro, nas vezes em que o apanhador não dispõe do outro tipo. Entre homens, mulheres e crianças, todos utilizam o instrumento para a coleta do fruto. No alto da árvore, o apanhador com um facão ou terçado em uma das mãos, ou apenas contato com as mãos, corta/retira o cacho e desce para entregar a outra pessoa, que, ao receber, irá ‘disbulhar’, enquanto o apanhador repetirá a ação tantas vezes quanto houver fruto no pé.
A pesca de borqueio reúne moradores das comunidades da Ilha Saracá, assim como a despesca do camarão dos matapis – as armadilhas utilizadas para pescar o marisco, ocupam pescador nas águas do Rio Tocantins no Pará 4
Destaque Amazônia
Ano 29
N° 62
Maio de 2013
ISSN 2175 - 5485
ISSN 2175 - 5485
Maio de 2013
N° 62
Ano 29
Destaque Amazônia
5
Mandioca, uma trajetória do plantio e da colheita à farinha
Produção, natureza e trocas sociais Pesquisa realizada no município de Curuçá/PA descreve a produção e cultivo da mandioca Júlio Matos, Agência Museu Goeldi
Francisco Rente Neto
Em um ambiente pouco propício à diferenciação de culturas, onde o produtor não dispõe de métodos modernos para a produção, a atividade tem características fundamentais de subsistência. A mandioca não depende sequer da meteorologia. O regime de chuvas que se interpõe no desempenho de outras culturas e reduz as chances de produtividade,não ameaça a mandioca. Cultivada em pequenas propriedades, com uso de tecnologia simples, a mandioca que é resistente, tem produção garantida e garante alimento para a comunidade. Segundo Francisco Rente Neto, a região que possibilitou o exercício de sua pesquisa – Curuçá localiza-se na microrregião do Salgado, no nordeste paraense, apresenta, em algumas áreas, solo do tipo latossolo amarelo, pobre em nutrientes. De acordo com o bolsista, embora a região apresente boas condições físicas em termos de profundidade e aeração - melhora na qualidade do solo, o teor de elementos químicos é baixo. Mas, a mandioca consegue ultrapassar mais esse que seria um empecilho, e adapta-se facilmente. “Além disso, os pequenos produtores encontraram nela um fator coadjuvante de inestimável valia, pois a sua rusticidade, a simplicidade de cultivo e as inúmeras formas de aproveitamento na culinária fizeram dela o principal elemento de subsistência”, destaca Francisco. Comunidades ribeirinhas apresentam uma alimentação basicamente composta por farinha e pescado. A farinha é pobre em termos de potencial proteico e vitamínico. Porém, como afirma o bolsista: “pelo menos com a mandioca eles podem ter uma fonte segura de calorias, visto que tanto na farinha seca quanto na d'água verifica-se um elevado teor de carboidratos, o que torna esse alimento como a mais rica fonte desse elemento calórico”. Forno de fazer farinha
Além do estudo etnográfico in loco Francisco Rente Neto realizou também consulta à bibliografia de Charles Wagley, Eduardo Galvão e Lourdes Furtado, que estudaram comunidades no Baixo Amazonas. A maior diferença desta região, para a microrregião do Salgado, está na fertilidade de suas terras. No Baixo Amazonas, as terras são firmes e férteis, quanto no litoral da zona do salgado o inverso é verdadeiro. A mandioca, todavia, desenvolve-se bem independente de clima, tropicais e subtropicais, e, tipos de solo.
Muito mais que um alimento, uma fonte de vida ”Mesmo sem nenhum trato e completamente abandonada à sua sorte em terrenos de fertilidade medíocre, ela sempre produz alguma coisa”. A mandioca, assim descrita por Francisco José dos Santos Rente Neto, foi alvo da pesquisa realizada pelo bolsista do Museu Goeldi. Francisco, que tem bolsa mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria do Projeto Recursos Naturais e Antropologia das Sociedades Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas da Amazônia (Renas) se propôs a estudar e conhecer como se dá a produção agrícola da raiz no nordeste paraense. Cultivada em terrenos rústicos, em solos com baixo teor de elementos químicos e sem o auxílio de tecnologias para o melhoramento da produtividade, a mandioca representa muito mais que um alimento: na cultura de muitas localidades ela gera economia de subsistência, sendo até elemento de festas de celebração.
6
Destaque Amazônia
Ano 29
N° 62
Francisco Rente Neto enfocou a produção agrícola de mandioca no nordeste do estado a partir de comparações com a mesma produção no Baixo Amazonas. Um estudo in loco foi desenvolvido a partir da descrição e análise da organização da produção comunitária de farinha na comunidade de Piquiateua, no município de Curuçá, distante aproximadamente 140 quilômetros, de Belém, no Estado do Pará: as técnicas, os instrumentos, as relações com o meio ambiente, os saberes tradicionais, as relações de gênero e a participação das crianças. As populações tradicionais haliêuticas que constituem comunidades ribeirinhas e costeiras da Amazônia brasileira são a base dos trabalhos realizados pelo Projeto Renas há mais de dez anos. Nessa perspectiva o trabalho de Francisco Rente Neto - “Agricultores do litoral: Um estudo etnográfico sobre a produção de farinha no município de Curuçá/PA” se reporta aos agentes produtores e suas relações com a mandioca do ponto de vista econômico e do convívio social.
Maio de 2013
ISSN 2175 - 5485
Genisson Chaves
F
Júlio Matos, Agência Museu Goeldi odos os membros de uma mesma família participam do cultivo e do beneficiamento da mandioca e seus derivados. Na comunidade de Piquiateua, no município de Curuça (PA), a organização do trabalho, liderado pelos pais de cada família, não é apenas um momento de produção material, mas um ensejo para fortalecer os laços sociais com os vizinhos.
T
Na preparação do solo, acontece o chamado “mutirão”. De acordo com informações do pesquisador, este é um momento quando o dono de um roçado comunica que dará início aos trabalhos, e quando não convida diretamente as pessoas vizinhas, estas comparecem espontaneamente para auxiliar no trabalho do outro, em resposta à ajuda que também lhe foi prestada pelo proprietário do roçado atual.
Dieta alimentar: açaí e peixe Cinco a seis meses após a preparação do roçado para o plantio é hora da colheita. O trabalho exige descascar a mandioca e produzir a farinha de cada dia. Mulheres e crianças participam ativamente do trabalho, que inclui lavar as raízes e remover a cutícula externa escura e a parte da entrecasca. As raízes, então, são processadas em raladores manuais ou motorizados. Uma vez processada, a massa ralada segue para a prensagem no tipiti – instrumento feito em palha e que faz o papel de coador do tucupi – líquido amarelo. O tucupi sofre decantação e gera um amido que, misturado á água, produz a goma do tacacá. Estão prontos dois dos ingredientes de iguaria típica do Pará, o tacacá: a goma e o tucupi. A farinha surgirá da massa ralada, que depois será prensada, esfarelada, peneirada e por fim torrada em grandes fornos de chapa de ferro ou de cobre a fogo direto. “Durante esse processo, parentes e vizinhos se aproximam seja para colaborar ou apenas observar. Esse é outro instante de socialização da comunidade”, destaca o pesquisador Francisco Rente Neto. Em quase todas as casas, ao fundo, existe o tradicional forno de torrar farinha, onde ao redor, reuniões são regadas a muita conversa sobre o cotidiano daquela comunidade.
Francisco Rente Neto
atores naturais e socioculturais destacam a mandioca como o principal produto da agricultura das populações ribeirinhas tanto do nordeste do Pará, quanto do Baixo Amazonas, constituindo a farinha, portanto, o principal elemento da dieta dessas populações. As regiões em questão, ainda que com limitações naturais existentes, permitem que a mandioca se destaque no cenário agrícola, pois ela é adaptável às condições ambientais tropicais, condições estas que, via de regra, limitam a disponibilidade de diversas culturas cultiváveis.
Trabalho familiar que resulta em refeição compartilhada
Casa de Farinha Saberes acumulados e adaptação ao ambiente físico Os membros da comunidade de Piquiateua carregam um “saber tradicional”, herança de conhecimentos e costumes de seu ancestral indígena, o qual se expressa na relação existente entre passado e presente. Daí resulta o conjunto de conhecimentos acumulados secularmente sobre os habitat naturais, espécies de plantas, de animais de caças, de peixes, técnicas de manejo de solo e da agricultura. Esse legado do ancestral ameríndio é perceptível quando se analisam as técnicas agrícolas como a derrubada da mata e as queimadas, assim como o domínio de culturas alimentícias como feijão e milho, além da própria mandioca. Francisco afirma que a exploração do espaço amazônico ocorre graças aos saberes acumulados sobre o ambiente e as diferentes formas pelas quais há a adaptação à natureza. Casa de farinha típica
ISSN 2175 - 5485
Maio de 2013
N° 62
Ano 29
Destaque Amazônia
7