Saúde bucal de crianças indígenas Parkatêje Uma estudante de Odontologia, pesquisadora iniciante do Museu, foi até a tribo dos Parkatêjê estudar a saúde bucal das crianças Alice Martins Morais, Agência Museu Goeldi
Uma das principais perguntas que faz o estudo desenvolvido na Iniciação Científica do Museu Goeldi se refere à relação entre aleitamento materno e saúde bucal. Um projeto de pesquisa da estudante de Odontologia e bolsista do Programa Institucional de Iniciação Científica do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Dimitra Castelo Branco, relaciona a saúde bucal das crianças da etnia Gavião com determinantes socioeconômicos, históricos e culturais.
Dimitra Castelo Branco
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Informativo do Museu Paraense Emílio Goeldi
Ano 30
N° 68
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ISSN 2175 - 5485
Danilo Gustavo Asp
udanças na dieta alimentar das populações indígenas como a inclusão de alimentos oriundos de uma cultura não indígena podem representar risco para a saúde dos dentes dentre crianças da etnia Gavião que residem no sudeste do Pará. Como resultado de entrevistas com 20 mães habitantes da aldeia Parkatêjê, além de um levantamento odontológico junto a 34 crianças, estudo desenvolvido no Museu Paraense Emilio Goeldi revela, que, apenas metade delas, já havia recebido orientação odontológica em sua vida.
Crianças da tribo dos Parkatêjê em atividade bucal
O estudo da acadêmica do quarto ano do curso de odontologia da Universidade Federal do Pará, Dimitra Castelo Branco, integra o projeto “Estudo de Antropologia da saúde-doença para atenção á saúde indígena”, coordenado pelo pesquisador Antonio Maria de Souza Santos, orientador de seu trabalho e pesquisador do Museu Goeldi. Motivações para a pesquisa – Em 2009, Dimitra ingressou no curso de odontologia da UFPA e era estágiária voluntária na área de Antropologia da Saúde Indígena no MPEG. Nesse mesmo ano, ela participou da Conferência de Educação Escolar Indígena em Marabá (Aldeia Kyikatêjê) e Belém e pôde ter seu primeiro contato em campo com povos indígenas, em especial com a etnia Gavião. A cultura indígena tem sofrido diversas alterações com o contato com a sociedade não-índia, aí incluída a alimentação, num rompimento da dieta tradicional e a incorporação de alimentos industrializados. Esses fatores têm levado a uma crescente deterioração dos dentes dos indígenas, ocasionando perdas e a necessidade de uso de prótese dentárias. Dentre as variáveis estudadas por Dimitra estão: tempo de aleitamento materno, dieta cariogênica (rica em açúcar que facilite e funcione como um fator de desenvolvimento de cárie) e hábitos de higiene bucal em crianças indígenas.
Para Dimitra, “além das atividades educativas, algo explicitado como necessidade pela comunidade, os dados relacionados à higiene e à dor obtidos a partir dos questionários nos mostraram que há a necessidade de realizarmos levantamento epidemiológico da condição de saúde bucal”, o que fica para uma segunda fase do estudo. Três projetos sobre antropologia da saúde-doença indígena são referência para a pesquisa desenvolvida por Dimitra Castelo Branco. – “Valorizando Talentos na Área Indígena”; “Etnicidade Humanização e Saúde Indígena” e “Família Indígena Brasileira Fortalecida” compõem quadro de cooperação científica entre o Escritório da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em Belém; o Museu Goeldi e a FUNASA (Fundação Nacional de Saúde).
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Dimitra Castelo Branco
Também foi verificado que a orientação de escovação (limpeza) da boca e dentes por profissional de saúde foi relatada por metade das crianças, deixando a outra sem atendimento odontológico. Relatos entre as crianças revelam dor de dente como uma constante ainda que a ingestão de alimentos do tipo (doces, salgadinhos, biscoitos recheados, entre outros) entre as refeições tem freqüência limitada com consumo verificado de 1 a 3 vezes por mês.
Pg. 4 e 5
Camila Travassos
Dimitra conta ainda que “após as visitas, as crianças foram reunidas para a realização de atividade de educação em saúde bucal”, onde foi possível verificar “os conhecimentos relacionados à higiene bucal, bem como orientar sobre a prática de escovação e escovação supervisionada com a presença e participação das mães”.
No nordeste paraense, a área de exploração de sal no início do século XX, constitui hoje sítios históricos - São Roque e Ilha do Jabuti, na estrada da bela praia de Ajuruteua, em Bragança. História oral e documentos compõem estudo do Goeldi.
Antônio Carlos Lobo Soares
Em campo, Dimitra foi até as aldeias do povo Parkatejê, da etnia Gavião, Terra Indígena Mãe Maria, no município de Bom Jesus do Tocantins, sudeste do Pará. Lá, Dimitra contou com a ajuda de uma estudante de odontologia da tribo, Inara Totoré. Juntas, aplicaram questionários para levantar informações socioeconômicas, dados sobre a dieta, os hábitos de higiene e sobre amamentação. Foram entrevistadas 20 mães da Parkatêjê que receberam orientações sobre higiene, entregando, inclusive, material visual demonstrativo das práticas.
Das marés amazônicas, o sal da vida regional
Som nas cidades
A flora da urbana
Cuidados e saúde
Medição do barulho em parques e praças da cidade de Belém é essencial para identificar paisagens sonoras e maneiras de garantir sossego e saúde. Pg. 6 e 7
Estudo de espécies vegetais em áreas de preservação é indicativo de sustentabilidade ambiental no entorno de grandes centros urbanos como Belém. Pg. 2 e 3
Pesquisa investiga como manter a saúde bucal entre indígenas Parkatejê diante da introdução de alimentos estranhos à sua cultura original. Pg. 8
Botânica na cidade
O Parque e a sua importância para a vida urbana
Pesquisas sobre a flora de ambientes urbanos confirmam riqueza e diversidade de espécies na capital paraense
Pesquisas indicam a relevância da conservação de áreas nas cidades. Parque representa qualidade de vida
Júlio Matos, Agência Museu Goeldi
Camila Travassos
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Entre as pesquisas desenvolvidas pela Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), está o estudo da flora de áreas urbanas, que busca conhecer e identificar espécies nestes remanescentes florestais. Muitas vezes o locus da pesquisa está associado a algumas espécies, a exemplo do Parque Ecológico Gunnar Vingren, área com aproximadamente 35 hectares localizada entre os bairros da Marambaia e de Val-de-Cans, na Grande Belém, onde pode ser encontrada diversidade de vegetais, principalmente de samambaias.
Em campo
As licófitas e samambaias, plantas sem sementes e que, hoje, representam quatro por cento das plantas vasculares – são vegetais que apresentam vasos condutores de nutrientes da raiz às folhas, mundiais, têm como principal característica a produção de esporos para a reprodução, dependentes da água para sua reprodução. Muitas das vezes essas plantas requerem um nível maior de umidade e sombra para sobreviver, características essas comuns de ambientes inalterados ou pouco alterados. Por esta característica, muitas espécies são indicadoras de qualidade ambiental.
Foram seis excursões de coleta entre fevereiro e setembro de 2013. Nesse período foi observada a forma de vida das espécies, que, no Parque Gunnar Vingren, apresentam-se como terrícola, epífita (foto) e hemiepífita. Segundo a autora do estudo, terrícolas são as plantas que passam todo o seu ciclo de vida em contato com solo. Já as epífitas nunca entram em contato com o solo e passa o seu ciclo de vida nas cascas de árvores ou troncos caídos na floresta, enquanto que as hemiepífitas iniciam seu ciclo de vida no solo, porém, acabam crescendo em outras plantas e conforme vão se desenvolvendo, raízes e/ou caule vão se degenerando até que perdem totalmente o contato com o solo.
Dados apontam que são aproximadamente 12 mil as espécies de licófitas e samambaias distribuídas mundo afora. No Brasil, podem ser encontradas 1.197 espécies, das quais mais de 200 só no Estado do Pará. A importância em se estudar – Licófitas e samambaias foram objetos de pesquisa realizada por Camila Travassos, como parte de sua formação em nível de iniciação científica e hoje é mestranda em Botânica. Para ela, “estudar licófitas e samambaias se torna importante, uma vez que conhecemos pouco sobre esses vegetais, embora já estejam presentes na Terra há mais de 390 milhões de anos”.
De acordo com Sebastião Maciel, pesquisador da Coordenação de Botânica do Museu Goeldi e orientador da pesquisa, apesar da importância medicinal, econômica e ecológica, na atual fragmentação de habitat e desflorestamento de florestas pluviais, temperadas e tropicais, e dado os nichos ecológicos especializados requeridos por licófitas e samambaias, facilmente muitas espécies poderão se extinguir antes mesmo de serem descritas. “O conhecimento das espécies desses grupos vegetais é importante para a Ciência, pois estas plantas integram a flora de nossa região, logo conhecer sua diversidade e entender sua importância ecológica significa reconhecer seu papel nas florestas e sua interação com a biota”, complementa Camila Travassos. Governo do Brasil Presidente da República Dilma Vana Roussef Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Marco Antônio Raupp Museu Paraense Emílio Goeldi Diretor Nilson Gabas Júnior
Serviço de Comunicação Social Joice Santos
Editora Jimena Felipe Beltrão, 728 DRT-PA
Edição Agência Museu Goeldi Serviço de Comunicação Social do Museu Paraense Emílio Goeldi Av. Magalhães Barata, 376, 66040-170 Belém - PA – Brasil Tel.: + 55 91 3219-3312
Diagramação e arte final Silvia de Souza Leão
Revisão Lilian Bayma de Amorim
Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Marlucia Martins
Fotografias Antônio Carlos Lobo Soares Camila Travassos, Danilo Gustavo Asp Dimitra Castelo Branco
Coordenador de Comunicação e Extensão Maria Emilia Sales
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Participaram desta edição Alice Martins Morais, Júlio Matos Lucila Vilar e Silvia de Souza Leão
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Parque Ecológico Gunnar Vingren, escolhido para realização do estudo, é parte de uma Unidade de Conservação (UC) de uso integral, unidade esta que não pode ser habitada pelo homem, onde é permitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, como na pesquisa científica. Camila Travassos explica que uma Unidade de Conservação desse tipo tem como principal função a preservação da biodiversidade, diferentemente de uma UC de uso sustentável que admite a presença humana na área protegida, conciliando a conservação dos recursos naturais, junto às atividades de desenvolvimento sustentável.
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Camila Travassos
lantas milenares, indicativas de qualidade e grau de conservação do ambiente onde se encontram, assim são as samambaias e as licófitas (antes chamadas de pteridófitas) muito conhecidas por serem espécies ornamentais. Em ambientes próximos a centros urbanos podem representar as boas condições ambientais do lugar onde crescem. Grupos vegetais como esses têm ainda especial relevância para manejo e conservação de áreas.
Júlio Matos, Agência Museu Goeldi
O Parque Ecológico tem área de aproximadamente 35 hectares, com predominância de floresta de várzea, e localizase entre os bairros Val-de-Cans e Marambaia, na capital paraense. Entorno - Camila Travassos explica que o Parque é um fragmento de floresta inserido no meio urbano e vem sofrendo pressão desde a sua criação. Por essas razões foi escolhido para lócus de pesquisa. Segundo a bolsista do Museu Goeldi, os impactos ambientais são notórios: o Parque Gunnar Vingren já perdeu sete hectares de sua vegetação original. Além de seus igarapés estarem poluídos e assoreados, há outro grave problema: o acúmulo de lixo depositado por moradores do entorno. Conhecer as espécies de licófitas e samambaias ocorrentes no Parque Gunnar Vingren, bem como suas peculiaridades - tipos de formas de vida, substratos de preferência e ambiente de ocorrência, são base para se pensar em soluções para graves problemas ambientais, como os que afetam o Parque, tendo em vista a preservação destas espécies e consequentemente de outras espécies botânicas e faunísticas. Camila Travassos enfatiza que a comunidade precisa acompanhar e participar de trabalhos como este, pois deve se tomar conhecimento da importância do Parque para o meio ambiente e, principalmente, para a vida de cada um. “Por isso, acredito que através desse estudo é possível se pensar em programas de educação ambiental voltados, principalmente, para os moradores do entorno, os quais precisam primeiramente saber o que é uma samambaia e uma licófita e a partir daí, entender o papel desses vegetais para a natureza”, complementa. Resultados – De acordo com o estudo de Camila Travassos, foram 28 espécies (de 22 gêneros e 13 famílias) encontradas no Parque Ecológico Gunnar Vingren, das quais 27 espécies pertencem às samambaias e uma é licófita. É diversidade baixa se comparada a outros inventários realizados em parques urbanos e áreas de proteção ambiental na Microrregião de Belém. No entanto, as espécies apresentaram uma grande variedade de formas de vida, formas de crescimento e a preferência por três tipos de substratos, principalmente das espécies epífitas. Tais estratégias adaptativas estão intimamente relacionadas às modificações de forma que as samambaias adquiriram durante seu longo período de evolução, garantindo o sucesso de sua existência no período atual.
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Muitas utilidades São muitos os usos de plantas como a que o pesquisador Sebastião Maciel estuda. Segundo ele, por apresentarem folhas finamente divididas, samambaias e licófitas são, frequentemente, utilizadas na ornamentação. O biólogo revela que o tradicional xaxim, usado como substrato, nada mais do que uma porção caulinar: pedaços do caule do vegetal, envoltos por uma trama de raízes adventícias, originadas nas partes aéreas a partir de caules subterrâneos, e extraída de um feto arborescente, conhecida como samambaiaçu-imperial (Dicksonia sellowiana). Várias espécies de licófitas e samambaias são empregadas também na medicina popular. No conhecido mercado Ver-OPeso, em Belém, fragmentos desidratados de “cavalinha”, que o saber popular indica para o tratamento de problemas renais, são comercializados. A cavalinha, segundo Sebastião Maciel, é planta do gênero Equisetum, uma samambaia, que muito se assemelha a um bambu. Outras espécies de licófitas são utilizadas no artesanato e como plantas ritualísticas, e outras ainda se prestam a indicar tipos de solos.
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Danilo Gustavo Asp
O por do sol na frente da Salina do Roque, na estrada PA 458 [Bragança-Ajuruteua]
Pedras de sal no nordeste paraense O uso doméstico, a produção natural e a falência da produção desse produto que trouxe desenvolvimento, mas, também muitos problemas sociais à região
Danilo Gustavo Asp
Silvia de Souza Leão, Agência Museu Goeldi rupos humanos, nos anos 20 do século XX, encontravam pedras de sal, formadas naturalmente, após a enchente da maré, no nordeste paraense. Com a água presa, até a chegada do verão, o sol evaporava a água e o sal podia ser Camada de sal sobre folha da vegetação do mangue retirado das represas naturais com as próprias mãos. Assim era o sal produzido, sem fins comerciais, no Km 20 da estrada de Ajuruteua, onde fica a 'Salina dos Roque' e a “Ilha do Jabuti”, hoje sítios históricos, na área da Reserva Extrativista da Marinha, no município de Bragança.
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Localizada na região bragantina, no nordeste paraense, a Salina do Roque era propriedade do tipo fazenda, distante cerca de 20 metros a direita da estrada PA 458 [Bragança-Ajuruteua], no sentido da cidade em direção à praia. Sua contextualização cronológica se dá em três fases distintas: na primeira o proprietário da fazenda foi Thomaz Martins - sujeito que ocupou o cargo de secretário municipal de Bragança na gestão do prefeito Augusto Corrêa -, a segunda etapa que se caracteriza pela administração do próprio Roque, e a terceira e última, na qual este cidadão repassa essa demanda para seu filho Victor até a falência da propriedade. A informação cronológica foi obtida por Danilo Gustavo Asp, bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), do Museu Paraense Emílio Goeldi, em estudo sobre grupos humanos de meados do século XX [décadas de 20 a 90]. Os informantes da pesquisa são moradores da
região onde o sal era encontrado de forma natural. O trabalho de pesquisa de Danilo que tem orientação acadêmica do arqueólogo do Museu Goeldi, Fernando Marques, faz uma análise das relações humanas ligadas à produção de sal. “O sal, que era o principal mote, tornou-se apenas um pequeno detalhe dentro de um universo de história social da região não contada jamais: maconha, guerra mundial, furtos de gado forjados, promessas ao santo não cumpridas, empréstimos bancários fraudulentos, búfalos que vieram do Marajó pra Bragança e depois foram para o Maranhão, lendas e mitos, famílias com mais de vinte filhos, guerra pelo monopólio da venda do sal, apicultura, porcos e bodes selvagens, jacarés, imensa variedade de frutas, etc...”, relata o bolsista. Uma história oral dos hábitos alimentares – “A data de 1920 se refere ao primeiro registro [oral] sobre a instalação de moradia fixa na região até o momento e a data de 1999 é o registro oficial de abandono da propriedade por parte dos seus donos, segundo relatos dos informantes”, ressalta Danilo. A partir dessas histórias coletadas em seu exercício de jovem pesquisador, Danilo determina o período dos anos 20 aos 90 como o tempo de análise da pesquisa. O bolsista procurou descobrir como habitavam e trabalhavam estes grupos humanos; suas atividades, suas estratégias de subsistência e seus hábitos alimentares e, principalmente, os motivos que conduziram ao declínio, e consequente abandono da área. Danilo também enfrentou uma mudança do tipo de técnica usada para a pesquisa. Dada a escassez de materiais disponíveis, impressos ou digitais, a pesquisa se voltou para a história oral, para coletar as informações junto aos sujeitos sociais, ainda viventes, e que estiveram de alguma maneira, envolvidos com o objeto da análise. Assim, seu método era lidar, interpretativamente, com os depoimentos contidos em entrevistas sonoras. Os relatos coletados pelo bolsista apontaram referências à caça de jabutis, pacas, cutias, tatu-peba e algumas espécies de lagartos para alimentação. Todos esses animais também forneciam ovos, o que complementavam a
alimentação daquele grupo. Eram criados soltos, porcos e bodes. Capturados em redes ou com armas de fogo, os jacarés, e, na década de 1990 foi relatada a presença de capivaras na região. “Havia também currais para o gado, alguns canteiros de hortaliças, galinheiros, chiqueiros, poços, tanques e lagos; estes últimos que ainda podem ser visualizados. Foram construídos para acumular água da chuva para o gado beber”, conta Danilo. A mudança da produção do sal – Danilo relata em entrevista à Agência Museu Goeldi, que a construção da estrada é um divisor de águas para as mudanças da produção do sal na região da Salina do Roque. O sítio histórico está localizado no Km 20 da PA 458 [Bragança – Ajuruteua]. No início da década de 1970, foram iniciadas as obras da estrada que só pôde ser inaugurada em 1997, dois anos antes do total abandono do sítio. Segundo o bolsista o ambiente natural do sítio histórico, Salina do Roque, começou a ser alterado quando a estrada, que corta a propriedade, trouxe muitas mudanças para as atividades desenvolvidas na fazenda salineira, pecuária, agrícola, além de alterações paisagísticas. “A falta de estudos e planejamento para a execução do projeto geraram inúmeros problemas ambientais para a região, principalmente em relação às dinâmicas de marés e circulação das águas que foram cortadas pela estrada. Mortes dos mamíferos por atropelamento são abundantes e óbvias. A facilidade de acesso aumentou a caça predatória e prejudicou os ambientes de reprodução das aves”, relata Danilo. Outra mudança gerada com a construção da estrada foi o tráfego humano na região, o que causou necessidade de mudanças no cotidiano dos moradores. “Transeuntes começaram a extrair e até a furtar os produtos agrícolas, pecuários, pesqueiros da propriedade”. O que, num primeiro momento pensouse seria um fator para propiciar “progresso” à região, ao contrário, foi uma das principais causas da falência do empreendimento.
O fim da atividade salineira De acordo com Danilo, o uso do sal quando sua produção ainda era de forma natural é reforçado nos depoimentos feitos por atores sociais da região sobre as atividades salineiras na propriedade. “A represa enchia no inverno e no verão a ´água se virava sal preso, então o patrão pagava pessoas para carregar o produto e estocá-lo”, disse Pedro da Gama Ferreira, conhecido como Pedoca, em umas das entrevistas conduzida a por Danilo na região da Salina do Roque. Seu Pedoca era pescador, apicultor e agricultor familiar e foi o penúltimo capataz da fazenda Salina do Roque.
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Seu Pedoca relatou que, além de ser obtido de forma natural, o sal atingia índices de produção altos. “Mais de uma tonelada era estocada para consumo, para o gado e, também para escambo”, contou Seu Pedoca a Danilo. O escambo era a prática da troca de certa mercadoria por outra. O sal, na região, era alvo de troca por camarão e peixe. O sal também tinha uso exclusivamente doméstico na propriedade. Sem energia elétrica e recursos de armazenagem refrigerada, há relatos de uso do sal na conservação de peixes e outros mariscos.
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Para armazenar o sal em grandes quantidades, após sua coleta, o produto era guardado nos campos. Outros depoimentos feitos ao bolsista dão conta de que, por volta da década de 1960-70, a produção de sal na Salina dos Roque foi proibida e, principalmente, que a comercialização deste produto no município não teria o licenciamento liberado. “Consta no depoimento que esta proibição aconteceu em nível federal, motivada pela falta de assepsia e más condições sanitárias, pouco higiênicas, na linha de produção daquele sal, nos processos de extração, armazenamento, embalagem e transporte do produto”, relembra Danilo.
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Atualmente, a região da Salina do Roque foi anexada a RESEX [Reserva Extrativista Marinha, Caeté-Taperaçu], sob administração do ICMBIO - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. O sítio histórico está abandonado. “Ninguém mais vive na região. Não há nenhum tipo de fiscalização institucional. O que ocorre esporadicamente é extrativismo de frutas, catação de caranguejo e pesca no entorno do local”. O bolsista relata que se caça muito tatu e outros mamíferos como pacas, cutias, macacos e até tamanduás, além das aves, num cenário que se mostra social e ambientalmente conflituoso.
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Antonio Carlos Lobo Soares
Paisagens sonoras: uma avaliação necessária Investimentos serão necessárias para limitar o uso indiscriminado de fontes sonoras nos centros urbanos. Da educação às sanções, cidadãos ficarão mais protegidos de possíveis efeitos negativos à saúde causados pelo excesso de decibéis. Lucila Vilar, Agência Museu Goeldi
Pesquisas de iniciação científica realizadas pelo Museu Paraense Emílio Goeldi analisaram a paisagem sonora das Praças da República e Batista Campos, do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi e do Bosque Rodrigues Alves e os resultados são preocupantes. Lucila Vilar, Agência Museu Goeldi rânsito caótico, compromissos mil, estar sempre antenado com as novidades da internet, são tantas as preocupações do belenense que podemos acabar cegos em alguns aspectos. Uma das cegueiras momentâneas é em relação ao cuidado e preservação das nossas “áreas tranquilas”, e isso incluiu a paisagem sonora de parques e praças da cidade. Pensando nesse contexto, o arquiteto e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Antonio Carlos Lobo Soares, que desenvolve estudos sobre o assunto desde a sua dissertação de mestrado, em 2009, orientou pesquisas de iniciação científica entre 2012 e 2013.
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Antonio Carlos Lobo Soares
A bolsista Thamys da Conceição Costa Coelho desenvolveu o projeto “Análise de nível de ruído e qualidade ambiental da paisagem sonora de quatro parques públicos de Belém”, onde analisou a relação entre urbanização versus planejamento e manutenção de espaços verdes em Belém. Para a pesquisa, Thamys selecionou quatro parques públicos, com áreas entre 2.6 e 15 hectares, onde predominam elementos naturais, principalmente expressiva massa vegetal, além da oferta de espaços de lazer, cultura e educação. O estudo mensurou os valores dos níveis de pressão sonora equivalente (LAeq) de dois tipos de parques públicos, com visitação controlada e sem visitação controlada: o Bosque Rodrigues Alves (BRA), o Parque Zoobotânico (PZB), a Praça da República e a Praça Batista Campos, e verificou se há coerência entre os níveis de ruído medidos e a percepção dos usuários desses parques. Resultados – A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1999, e a Norma Brasileira 10151, de 2000, determinaram os níveis de pressão sonora equivalentes permitidos (LAeq) para vários espaços públicos, onde espaços como o PZB, BRA e a Praça Batista Campos não devem passar de 55 decibéis (dB) durante o dia, e ambientes com extensões como as da Praça da República não devem ultrapassar 60 dB. Contudo, todos os parques analisados apresentaram medições acima desses valores. O Parque Zoobotânico do Museu Goeldi, que tem ao seu redor 78,95% do uso do solo por espaços residenciais e 19,40% por comércios e serviços, contou com 12 pontos de medição nas trilhas e perímetros internos. Os níveis de pressão sonora variaram entre 53 (apenas uma vez) e 72,50 dB. No Bosque Rodrigues Alves, onde 90,43% do seu entorno é de uso residencial e 8,10% de uso de comércios e serviços contou com 19 pontos de medição. Por ter um alto índice de circulação de veículos ao seu redor, principalmente na Avenida Almirante Barroso, os níveis de pressão sonora chegaram a 77,60 dB. Praça da República
A Praça Batista Campos contou com 9 pontos de medição e tem em seu entorno 56,27% de uso residencial e 40,48% de uso comercial e de serviços. Nessa praça não foram detectados níveis de pressão sonora abaixo do valor estipulado pela OMS e o registro mais alto detectado foi em uma medição de domingo que registrou 77,4 dB. Na Praça da República, que teve 10 pontos de medição e apresenta 60,17% de uso residencial, os níveis observados, principalmente aos domingos, apresentaram altos valores, que foram de 62 a 79,7 dB, todos acima do permitido pela OMS. De acordo com a pesquisa, que entrevistou visitantes de todos os parques analisados, 73% dos visitantes do Bosque Rodrigues Alves, 70,8% do Parque Zoobotânico, 58,9% da Praça Batista Campos e 56% da Praça da República consideram a natureza como o aspecto mais agradável, seguida do clima, tranqüilidade e os demais aspectos em conjunto. E para muitos desses visitantes não há sons desagradáveis nesses parques. Outra questão é que a análise subjetiva da qualidade sonora dos quatro parques mostrou que o principal interesse em frequentá-los é o lazer e as entrevistas mostraram que a avaliação subjetiva não é coerente com os resultados das medições sonoras, pois as pessoas acabam se acostumando com o “barulho”.
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Para o arquiteto a informação mais preocupante é o grau de influência do ruído urbano nos quatro parques públicos analisados, mas especificamente o ruído produzido pelo tráfego rodoviário e obras de construção civil. Antonio Carlos Lobo Soares durante as medições
A exposição prolongada à poluição sonora pode causar conseqüências negativas para a saúde humana, uma vez que “o som é uma vibração no ar e a transmissão sonora pode ser aérea ou por percussão. As vibrações de ondas sonoras acontecem quando o som encontra obstáculos. O nosso corpo é um obstáculo, por isso vibra também”, explica Antonio Lobo Soares. Entre os malefícios da poluição sonora estão distúrbios do sono, digestivos, irritação, perda de concentração e da capacidade auditiva, contração dos vasos sanguíneos, e estresse, que podem gerar várias doenças.. Sugestões – Para melhorar as condições sonoras ao redor dos parques públicos analisados, o pesquisador sugere que haja mais investimento do poder público na fiscalização das leis existentes, sobre a circulação na cidade de motocicletas e automóveis com descarga livre e carros-som; a proibição do uso no interior e vias de entorno direto dos parques de Belém de buzinas, trios elétricos ou carros de propaganda que se utilizem de alto-falantes; a restrição da circulação no entorno doestes parques de veículos com peso acima de 3,5 toneladas, motocicletas e veículos em alta velocidade; o tratamento do pavimento das vias de entorno dos parques com pavimentos que sejam mais absorventes acústicos; incentivar o uso do transporte público, aumentando o conforto e regulando os horários de circulação dos veículos; realizar campanhas educativas de informação, sensibilização e redução de ruído nas escolas e parques públicos da cidade. Outra solução é o afastamento de algumas paradas de ônibus que ficam localizadas muito próximas aos parques, como é o caso de uma parada de ônibus da Avenida Almirante Barroso, que está localizada na frente do Bosque Rodrigues Alves. No aspecto da construção civil Antonio Lobo Soares sugere a eliminação do uso de equipamentos de perfuração do solo do tipo “bate-estacas” num raio de 500 metros ao redor das áreas dos parques públicos de Belém, ele explica que há “vários métodos de cravar uma estaca para construir os prédios, mas não precisa ser aquela que bate e produz ruídos perceptíveis há vários metros de distância”.
Antonio Carlos Lobo Soares
Parques públicos de Belém sofrem com o barulho
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Antonio Carlos Lobo Soares
Praça Batista Campos: área de lazer, cultura e educação no centro da cidade
ara o coordenador da pesquisa de iniciação científica, o arquiteto e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano, Antonio Carlos Lobo Soares, é importante compreender o que é a paisagem sonora de lugar, pois é a partir da paisagem sonora que se pode avaliar se os sons considerados negativos estão à cima do permitido pelos órgãos reguladores. A paisagem sonora “é a composição de todos os sons presentes em uma determinada área ou região, constituída dos níveis medidos, da percepção do ambiente pelas pessoas, do levantamento de sons agradáveis e desagradáveis e dos fatores espaciais”, explica Antonio Carlos.
Para o pesquisador é fundamental que a população da cidade comece a tratar com mais carinho e cuidado dessas áreas sensíveis para que aconteça na cidade de Belém o que já é uma prática em várias partes do mundo, a valorização das “áreas tranquilas” das cidades metropolitanas, onde além da preservação há ações para replicá-las em outros espaços. Aprofundamento - Antonio Carlos Lobo Soares dará continuidade às suas pesquisas de doutorado ainda em 2013, na Universidade Técnica de Lisboa, em Portugal. Lá, Lobo Soares estudará metodologias de análise da paisagem sonora que melhor atendam as condições brasileiras. Além disso, o pesquisador fará um estudo comparado entre os parques públicos de Belém e Lisboa, onde observará de que maneira aspectos culturais e ambientais contribuem para a manutenção destes e produção, ou não, de poluição sonora. O estudo é realizado com o apoio do Conselho Nacional Exposição prolongada à poluição sonora pode causar distúrbios à saúde humana de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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