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Editorial

Que ousadia! Uma Lei da República cria o Museu do Douro

“No Douro, é assim: tudo é difícil e demora tempo”. Com esta afirmação termina António Barreto o seu editorial na newsletter do Museu do Douro de fevereiro passado. Pois é! E aos obstáculos inerentes às demoras que refere acrescem os que resultam de um país muito centralista, em que o Terreiro do Paço tem dificuldade em ver estruturas culturais, ou outras, a contribuir para o desenvolvimento das regiões. Muitas vezes vai mais além, criando todo o tipo de obstáculos. O espírito mantém-se. A atitude perdura”.

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O caminho para a criação do Museu do Douro foi difícil. Por vezes, mesmo penoso. Para que conste, devem reconhecer-se as dificuldades e os escolhos encontrados no percurso, mesmo que tenham permitido levar a bom porto essa ousadia. A ideia vinha de trás e fora avançada por muitos. Mas nunca se concretizou. Reaviva-se num programa eleitoral, ganha expressão com a 10ª medida da Proposta de Intervenção Integrada no Douro, aprovada em Convenção Regional, dia 5 de dezembro de 1992, em Vila Real e corporiza-se no Projeto de Lei nº 287/VII (PS), com data de entrada de 6/3/97, subscrito por mim próprio e pelo Deputado Eurico Figueiredo, eleitos pelo distrito de Vila Real e dinamizadores da Convenção do Douro, pelos Deputados Manuel dos Santos, Vice-presidente do Grupo Parlamentar, Marques Júnior e Artur Penedos, com ligações à região, bem como Fernando Pereira Marques, coordenador da área da Cultura, entre outros. Nós sabíamos que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português havia preparado e entregue um outro Projeto de Lei, o nº 249/VII (PCP), subscrito pelo Deputado Lino de Carvalho, João Amaral e José Calçada. Por uma questão de estratégia parlamentar, o nosso Projeto de Lei devia entrar na data limite. Lino de Carvalho teve o cuidado de me alertar para a data de subida a Plenário. E assim foi. Pôde ser debatido no dia 12 de março de 1997, sem a oposição do Ministro da Cultura, que, como se viu mais tarde, não gostava muito da ideia de criar um Museu que interpretasse a Região do Douro, na sua identidade, na sua unidade à volta da produção do vinho – a 1ª região demarcada e regulamentada do mundo - e na sua diversidade.

A preparação do Projeto de Lei que coordenei pôde contar com a prestimosa colaboração do Professor Luís Gonçalves, do Instituto Politécnico de Setúbal, especialista em Museologia, amigo do Deputado Pereira Marques. Com o seu saber e apoio técnico foi possível dar corpo a uma ideia de museu diferente, um museu que não fosse um simples depósito de memórias, mas um fator de desenvolvimento, dinâmico e polinucleado, que assumisse a região do Douro como um todo e se constituísse num verdadeiro fator de desenvolvimento da região. Um museu exequível, mas também capaz de perdurar. Como escrevi em A Voz de Trás-os-Montes e no meu livro “Do Parlamento, o meu testemunho” (2004: 80): «Não foi fácil

fazer valer a ideia de que o Museu do Douro podia ter um figurino diferente do habitual. Com atribuições na área da museografia propriamente dita, mas também na da investigação, incluindo a publicação e edição de estudos de caráter científico ou divulgativo da Região e na dinamização cultural. Ainda era estranho falar-se de museu polinuclear. Muito menos percetível era falar-se numa tutela que não fosse a do Ministério da Cultura, a de uma Autarquia ou a de um privado. Por isso gerou tanta polémica no debate em Plenário». A figura de “sociedade” para o gerir suscitou interessante debate para se esclarecer o que se pretendia significar com tal palavra. Parecia de difícil aceitação o que, afinal, era uma palavra com significado tão abrangente. E tínhamos razão. Se fora deixado simplesmente à responsabilidade do Ministério da Cultura, a ideia podia ter ficado pelo caminho. É que foi difícil aceitar no Palácio da Ajuda – não lhes foi dada a oportunidade - que o nosso Projeto de Lei subisse a debate sem parecer do Ministério. Na sequência do mesmo, os dois projetos foram trabalhados em sede da Comissão de Educação, Ciência e Cultura por um Grupo de Trabalho, que coordenei. Ainda se levantou um outro obstáculo. O haver um museu em Lamego! Podia ser o Museu do Douro, alvitrou-se. A natureza diferente de cada um depressa fez desvanecer tal obstáculo. Do trabalho desenvolvido resultou uma proposta que fundiu devidamente o articulado dos dois projetos. O relator desse trabalho foi o então também Deputado Luís Pedro Martins, atual Presidente da Entidade Regional de Turismo do Porto e Norte. A proposta que subiu a Plenário para ser votada foi aprovada por unanimidade em votação final global no dia 9 de outubro de 1997.

As coisas do Douro, para além de difíceis e morosas, deparam-se, muitas vezes, com outros problemas. O da “burocracite” é mais um. No caso presente, «verificou-se uma maleita, porventura, ainda mais grave, a da prepotência egocêntrica de alguns detentores do poder na Administração Central lisboeta», como registei no livro citado acima (2004: 79). Efetivamente, para além de declarações à comunicação social pouco abonatórias por parte de dirigentes de instituições da Administração Central da área da cultura e que desdenhavam de uma Lei da República aprovada por unanimidade e promulgada pelo Presidente da República, a que me senti obrigado a reagir – a comunicação social da época deu o devido eco -, verificou-se resistência ao avanço da instalação do Museu. É o que se pode constatar no ofício de 13-899 da Diretora do instituto Português de Museus, Dr.ª Raquel Silva, com um «sim, mas… Mais os “mas” do que os “sims”» e num outro enviado pela mesma, a 28 de março de 2000, mas enquanto membro de um Grupo de Trabalho, em que são propostas alterações (?) à Lei oportunamente aprovada, promulgada e publicada no Diário da República de 2 de dezembro de 1997.

Entretanto, porventura, com alguma premunição, em abril de 1997, senti que devia dar a conhecer à Comissão Parlamentar do Poder Local, Administração do Território, Equipamento Social e Ambiente, em visita a Peso da Régua, que os Projetos de Lei nºs 249/ VII (PCP) e 287/VII (PS) tinham baixado à Comissão e era importante que o processo legislativo avançasse, também pelo papel do Museu do Douro no desenvolvimento da região. Aliás, personalidades do Douro não se inibiam de me lembrar que o Museu não podia ficar na gaveta do esquecimento. Foi o que fez o Professor João Rebelo, da UTAD, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Peso da Régua, aquando da apresentação das conclusões dos Encontros da Casa da Calçada, uma iniciativa do Círculo Cultural Miguel Torga. Entretanto, e aprofundando os argumentos que haviam levado à aprovação da Lei fundadora do museu, reuni de novo com o Professor Luís Gonçalves, recebi e li o relatório da Comissão Instaladora e reuni com o Professor Gaspar Martins Pereira. Senti-me à-vontade para confrontar o Ministro da Cultura em reunião do Grupo Parlamentar. E os obstáculos só começaram a desaparecer em abril de 2000 após a mesma se ter verificado. É verdade que o Ministro Manuel Maria Carrilho aceitou as nossas razões, minhas e da Comissão Instaladora. Viria a ser substituído no mês de julho seguinte. José Sasportes, que lhe sucedeu, dedicou mais atenção ao assunto e visitou mesmo a região dia 12 de dezembro desse ano. Mas seria o Professor Augusto Santos Silva, que assumira a pasta da Cultura em julho de 2001, a nomear os membros da Unidade de Missão, presidida pelo Professor Gaspar Martins Pereira, empossada a 28 de fevereiro de 2002. Senti, então, que a ousadia em aprovar na Assembleia da República uma Lei para a Criação do Museu da Região do Douro poderia ter sucesso.

ANTÓNIO MARTINHO

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