Revista Projeto Ilusão Ótica - UNESPAR/FAP-IPC

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Projeto Ilusão ÓtIca: que falta nos faz a Palavra! esPetÁculo teatral: “tuDo que vI De olHos fecHaDos” Projeto de extensão do Campus de Curitiba II - Faculdade de Artes do Paraná (FAP), da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). Publicação especial do Instituto Paranaense de Cegos.


Dados Internacionais de catalogação na Publicação (cIP) (câmara Brasileira do livro, sP, Brasil) Oliveira, Ana Luiza Valente de Espetáculo teatral: “tudo que vi de olhos fechados” / Ana Luiza Valente de Oliveira, Enio Rodrigues da Rosa, Nadia Moroz Luciani; [organização dos textos Juliana Partyka]. - Curitiba: Instituto Paranaense de Cegos, 2016. “Projeto Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!”. Bibliografia ISBN 978-85-67908-01-4 1. Artes cênicas 2. Arte e pessoas com deficiência 3. Pessoas com deficiência visual - Teatro 4. Dramaturgia inclusiva 5. Inclusão social 6. Pessoas com deficiência visual 7. Projeto Ilusão Ótica 8. Peças de teatro 9. Teatro 10. Teatro brasileiro 11. Teatro para pessoas com deficiência visual I. Rosa, Enio Rodrigues da. II. Luciani, Nadia Moroz. III. Partyka, Juliana. IV. Título.

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Índices para catálogo sistemático: 1. Deficiente : Produção artística : Teatro : Literatura brasileira 869.2

Todos os direitos reservados. Organização dos textos: Juliana Partyka Revisão: Valnísia Mangueira Projeto gráfico e diagramação: Editora ARDesign Impressão: Corgraf

CDD-869.2


Ana Luiza Valente de Oliveira Enio Rodrigues da Rosa Nadia Moroz Luciani

Projeto Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra! esPetÁculo teatral: “tuDo que vI De olHos fecHaDos”

INSTITUTO PARANAENSE DE CEgOS Curitiba - Paraná 2016



Espetáculo Teatral:

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a nova ÓtIca Do IPc Nesta apresentação, pretendo passar em revista alguns pontos e aspectos do processo de criação e realização de dois projetos: “Teatralizando a educação” e “Ilusão ótica: que falta nos faz a palavra!”. Os dois projetos foram desenvolvidos pelo Instituto Paranaense de Cegos (IPC) e concretizados com o patrocínio financeiro da Embaixada da Finlândia no Brasil e do Ministério das Relações Exteriores do mesmo país, respectivamente. O texto acha-se organizado em cinco pontos:

Por Enio Rodrigues da Rosa [Formado em Pedagogia, mestre em Educação e diretor do IPC]

a) breve introdução teórica; b) alguns elementos sobre o projeto do Novo IPC; c) relato das experiências dos projetos, particularmente do projeto “Ilusão Ótica”; d) dificuldades enfrentadas; e) considerações finais. Breve introdução teórica Com o propósito de destacar os conceitos chaves com os quais pretendo operar neste exercício, inicio lançando luzes num artigo de Vigotski, intitulado: “O coletivo como fator de desenvolvimento da criança com deficiência”. Trata-se de um material que faz parte da coletânea de artigos presentes na obra “A defectologia” (1997). Logo no início, Vigotski indica seu método e demonstra a importância do coletivo na formação do pensamento das crianças, jovens e adultos, com ou sem deficiência. Embora o autor esteja falando do desenvolvimento de crianças com deficiência, ele enfatiza que trata-se de um método de investigação da psicologia geral, válido no exame de questões relacionadas com aspectos específicos de crianças com deficiência, como também dos aspectos das crianças sem deficiência. Nesta perspectiva,Vigotski afirma que: “Somente no processo da vida social coletiva criaram-se e de-

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senvolveram-se todas as formas superiores da atividade intelectual próprias do homem. No aspecto da ontogênese, no aspecto do desenvolvimento da criança, somente nos últimos tempos, devido a uma série de investigações, consegue-se estabelecer que aqui a estrutura e a formação das funções superiores da atividade psíquica se realizam no processo de desenvolvimento social da criança, no processo de sua inter-relação e de sua colaboração com o meio social circundante” (1997). Leontiev, um dos mais destacados colaboradores de Vigotski, no seu livro “O desenvolvimento do psiquismo” (1978), realiza um estudo interessante e demonstra que são as atividades qualitativas superiores (pensamento, linguagem, consciência, emoções, memória, etc.), aquelas que precisamente distinguem os homens (trata-se do gênero humano, necessariamente compreendido e constituído por homens e mulheres) dos demais animais.

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como uma fotografia, como uma cópia da realidade, meramente. “Ali onde perante nós há lugar um desenvolvimento atípico que se desvia da norma, as mesmas regularidades ao realizar-se em um conjunto de condições completamente diferentes, adquirem uma expressão específica, qualitativamente peculiar, sem ser uma cópia absoluta, uma fotografia do desenvolvimento infantil típico” (VIgOTSKI, 1997). Do ponto de vista do método de investigação utilizado por Vigotski, todo o conteúdo necessário no desenvolvimento infantil encontra-se presente na materialidade exterior, quer dizer, no coletivo. Entretanto, seria um equívoco considerar o conteúdo exterior, presente no coletivo, sem considerar e enfatizar os sujeitos ativos (as crianças) que chegam no mundo e estabelecem relações ativas e criativas com outros sujeitos ativos que já estão no mundo. Por isso, de acordo com Vigotski,

Trata-se de uma investigação bastante completa demonstrando que, enquanto os animais são determinados e guiados por leis biológicas, o determinante do destino dos homens são as suas relações histórico sociais. As atividades humanas superiores, qualitativamente diferentes das dos animais, não são dadas pela natureza e precisam ser formadas através de processos educativos, sempre mediatizadas por pessoas mais experientes, signos, símbolos, objetos, instrumentos, linguagem, etc. Este processo de formação das atividades psíquicas não segue leis regulares e pode variar, de pessoa para pessoa, dependendo de um conjunto de fatores e características biológicas e sociais. Embora o meio social (coletivo) exerça influências na formação das estruturas e funções psicológicas, é sempre interessante destacar as singularidades individuais. As representações sociais não são reproduzidas nas consciências das pessoas

“... a observação do desenvolvimento das funções superiores demonstra que a estrutura de cada uma delas se subordina estritamente a mesma irregularidade, a saber: cada função psíquica superior se manifesta no processo de desenvolvimento da conduta duas vezes; a princípio como uma função da conduta coletiva, como uma forma de colaboração ou de interação, como um meio de adaptação social, quer dizer, como uma categoria inter-psicológica e a seguir, pela segunda vez, como um modo da conduta individual da criança, como um meio de adaptação pessoal, como um processo interno da conduta, ou seja, como uma categoria intra-psicológica” (1997). Para sustentar seu postulado, Vigotski afirma que “observar a conversão das formas coletivas de colaboração nas formas individuais da conduta da criança significa captar o princípio da estruturação das formas psíquicas superiores em seu processo


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de formação.” Ele ainda acrescenta: “A fim de que este postulado abstrato e demasiado geral sobre a origem coletiva das funções psíquicas superiores não ficasse somente como uma formulação verbal confusa, e com a finalidade de completar seu conteúdo concreto, devemos esclarecer com exemplos como se manifesta na psicologia do desenvolvimento da criança esta grande lei fundamental da psicologia” (1997). Já na conclusão do artigo sobre a importância do coletivo, Vigotski (1997) conclui sustentando que “A pedagogia comunista é a pedagogia do coletivo”. Por certo, trata-se de uma conclusão que não agrada os autores e defensores das pedagogias liberais, ainda dominante no campo da educação (não apenas especial) brasileira e muito presentes nos currículos das escolas. A despeito de um preconceito quase que generalizado e das más interpretações (inclusive acadêmica) amplamente difundidas sobre as reais e verdadeiras bases científicas do Comunismo, todas as minhas próprias experiências e exemplos já vivenciados, na relação com pessoas com e sem deficiência visual, demonstram de forma ampla e inquestionável a importância do coletivo como fator de desenvolvimento e formação da humanidade. Efetivamente falando, segundo Leontiev (1978), todas as crianças nascem como candidatas ao gênero humano. Todos os aspectos biológicos dados pela natureza, como base primeira de sua existência, por mais importantes e indispensáveis que sejam, não são suficientes para elas viverem no mundo humanizado. Para tornarem-se humanas, elas precisam apropriarem-se dos legados culturais das gerações precedentes, objetivados nos instrumentos, nos objetos, nos signos, nos símbolos, na linguagem, etc.

Este processo de apropriação da cultura, só pode efetivar-se através da mediação das pessoas mais experientes e é obra da educação familiar, social e escolar. Todas as crianças (com ou sem deficiência visual) nascem e desde os primeiros instantes de suas vidas estão submetidas a processos educativos. São esses processos educativos, mediatizados por pessoas mais experientes, que vão introduzindo as crianças no mundo da cultura e tornando elas seres humanos preparados para viverem no mundo humanizado. Por isso, resumindo, educação, antes de mais nada, é precisamente processo de humanização. De acordo com Vigotski, “O fato de que o cego pode formar conceitos totalmente adequados com os videntes e totalmente concretos sobre os objetos que ele não pode perceber com a vista, é um fator de uma importância de primeira ordem para a psicologia e a pedagogia do cego”. (1997). O fato de uma pessoa não poder perceber com a sua própria vista, quer dizer, não conseguir ver com os seus próprios olhos, não significa dizer que ela não possa compreender, formular e apropriarse de conceitos científicos. A perda das percepções sensoriais visuais diz respeito apenas a um dos órgãos dos sentidos, no caso em tela, o da visão. Embora seja um dos sinalizadores mais importantes, do ponto de vista da formação do pensamento superior, a visão pode limitar em certos aspectos, mas efetivamente não impede o aparecimento e desenvolvimento do pensamento nas crianças, jovens e adultos cegos. O teor da próxima redação de Vigotski é muito elucidativo e só confirma o que tenho insistentemente afirmado sobre as possibilidades reais do pleno desenvolvimento da personalidade integral das pessoas cegas.

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“... a cegueira, que priva somente do ‘estímulo físico puro’, não fecha hermeticamente as janelas do mundo e não priva de ‘a realidade total’. Ela somente obriga a mudar a interpretação social destes estímulos físicos a outros estímulos e a vinculá-la com eles. A cegueira pode ser compensada em grande medida com outros estímulos. É importante aprender a ler e não simplesmente a ver as letras. É importante conhecer as pessoas e compreender seu estado e não ver os seus olhos. O trabalho dos olhos, em resumo, desempenham o papel subordinado de instrumento para alguma atividade e pode ser substituído pelo trabalho de outro instrumento. É totalmente correta a ideia de A. V. Biriliev acerca de que o cego pode utilizar a vista de outra pessoa, a experiência do outro como instrumento da vista. Aqui o olho estranho desempenha o papel de aparato ou instrumento, como de microscópio ou telescópio. Quando nos dizem que o estudo dos fenômenos menos ópticos para o cego ‘é possível com a condição de que se utilize a outra pessoa como instrumento da experiência, para a familiarização com o fenômeno investigado’ (A. V. Biriliev, 1924, p. 90), então aqui se confirma uma verdade muito mais ampla e importante que a regra, somente metodológica, de como estudar um dos capítulos da física nas escolas para cegos. Aqui se estabelece independentemente das conclusões práticas mais imediatas, a importante ideia de que estas questões que parecem não ter no absoluto solução, no círculo da educação individual da criança cega resultam ter solução tão pronto se incorpora outra pessoa. Nisto consiste o salto saudável (salto vital) da tiflopedagogia e de qualquer classe de pedagogia especial, isto é, a saída dos limites da pedagogia individualista, de “duo” entre o professor e o aluno que constituía a base da educação tradicional. Tão pronto se incorpora ao processo tiflopedagógico um novo elemento, isto é, a experiência de outra pessoa, a utilização do olho alheio, a cola-

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boração com o vidente, e nesse mesmo momento nos encontramos em um terreno novo, em princípio, e o cego adquire seu microscópio e o telescópio que ampliam imensamente sua experiência e o entrelaçam estreitamente no tecido geral do mundo”. (VIGOTSKI, 1997, grifos do autor). Vigotski também demonstra que a questão fundamental das pessoas cegas não está na esfera das sensações e das percepções. Mesmo os cinco sentidos sensoriais são insuficientes quando penso na formação do pensamento superior, a esfera dos conceitos mais complexos, dos conceitos científicos. “... a investigação psicológica da personalidade da criança cega convence cada vez mais de que a verdadeira esfera da compensação das consequências da cegueira não é a esfera das representações ou das percepções, quer dizer, não é a esfera dos processos elementares, mas sim a esfera dos conceitos, quer dizer, a esfera das funções superiores. A. Petzeld formulou isto no conhecido postulado sobre a possibilidade de princípio do conhecimento ilimitado para o cego. O investigador demonstrou que os cegos, em um grau superior limitado em suas representações, não estão limitados na esfera do conhecimento abstrato” (VIGOTSKI, 1997). Ele ainda afirma, “... tanto o cego como o vidente sabem, em geral, muito mais do que se pode imaginar, conhecem muito mais do que podem perceber com a ajuda dos cinco sentidos. Se soubéssemos em realidade tanto como podemos perceber diretamente nossos cinco sentidos, nenhuma ciência, no verdadeiro sentido da palavra, seria possível, já que os anexos, relações e dependências entre os fenômenos que formam o conteúdo do conhecimento científico, não são qualidades perceptíveis visualmente, mas se descobrem com a ajuda do pensamento. Deste modo, para a criança cega o pensamento


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é uma esfera fundamental da compensação da insuficiência das representações. Os limites do desenvolvimento na esfera do conhecimento superior superam o exercício senso motores que é possível na esfera dos processos elementares. ‘O conceito é a forma superior da compensação da insuficiência das representações’. (VIGOTSKI, 1997, grifos do autor). Nesta perspectiva, a falta do órgão físico da visão pode ser compensada pelos outros e principalmente, pelo uso da mesma palavra comum entre pessoas cegas e pessoas videntes. Numa passagem do artigo intitulado “A criança cega” (1997), Vigotski afirma que “a palavra vence a cegueira”. O fato de que as pessoas cegas e as pessoas videntes utilizam-se da mesma palavra comum, coloca ambas as pessoas, cegas e videntes, numa condição de igualdade do ponto de vista da comunicação verbal. Portanto, do ponto de vista específico do uso da mesma palavra, não existe diferença entre as pessoas cegas e as pessoas videntes. Os prejuízos específicos decorrentes da falta da visão podem ser relativamente compensados com a colaboração das pessoas videntes. Mesmo quando considero apenas os cinco sentidos, devo compreender que eles também precisam ser educados. Lukács, apropriando-se de uma elaboração de Marx, demonstra isso ao falar da evolução histórica da humanidade. “Este modo de conceber a evolução histórica está presente em toda a visão marxista da sociedade e, também, na estética marxista. Marx diz, em uma passagem, que a música suscita no homem o senso musical; e essa concepção, igualmente, é uma parte da concepção geral do marxismo no que concerne a todo o desenvolvimento social. Marx concretiza deste modo a abordagem do problema: “Somente através do desenvolvimento objetivo da riqueza da essência humana pode ser

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primeiramente parte criada a riqueza da sensibilidade subjetiva humana, isto é, um ouvido musical, um olho capaz de colher a beleza da forma; em suma, sentidos pela primeira vez, capacitados para um desfrute humano, sentidos que se afirmam como faculdades essenciais do homem”. Tal concepção assume uma compreensão do papel histórico e socialmente ativo do sujeito, mas porque nos esclarece quanto ao modo pelo qual o marxismo enxerga os períodos da história da humanidade considerados em si mesmos, e como encara o desenvolvimento da civilização, os limites, a problemática e a perspectiva desse desenvolvimento. Marx conclui da seguinte maneira o raciocínio acima citado: “A educação dos cinco sentidos é trabalho de toda a história universal até os nossos dias. O sentido subordinado a exigências práticas animais é um sentido limitado” (LUKÁCS, 1961, grifos do autor). De fato, as ideias de Lukács expostas acima, ancoradas nas teses do marxismo, não são apenas reflexões teóricas abstratas. Elas são demonstradas e comprovadas todos os dias nas minhas experiências práticas no convívio com outras pessoas cegas ou com baixa visão. Eu mesmo, após ficar cego, precisei reeducar os meus sentidos remanescentes, para poder dar conta de lidar e enfrentar os novos desafios que vieram junto com a cegueira. E isso não acontece assim, digamos, naturalmente, se não a partir de um processo de reorganização do sistema nervoso central e do aparato psicológico. Com o aparecimento da cegueira, metaforicamente falando, há quem diga que é preciso morrer como alguém que enxerga para renascer como cego. O primeiro impacto negativo ocasionado pela cegueira na vida das pessoas que perderam a visão, notadamente, é o sentimento de invalidez social, na maioria das vezes e dos casos, reforçado pelo coletivo do entorno mais imediato. Esta-


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mos, pois, mais uma vez diante da principal tarefa da educação (familiar, social e escolar). Todavia, é realmente muito triste constatar que a educação das famílias, a educação social e, principalmente, a educação escolar brasileira, pela sua concepção já caduca, muito pouco tem contribuído para retirar a grande maioria das pessoas com deficiência visual deste país do seu estado de invalidez social. Por isso, as atividades artísticas, culturais e educativas, quanto mais ricas e significativas, mais contribuem no despertar e no aperfeiçoamento da sensibilidade humana. Os sentidos humanos, diferentemente dos sentidos animais, de fato, são obra e estão subordinados aos processos educativos, artísticos e culturais. As atividades artísticas do teatro são, portanto, atividades com grande potencial de fazer despertar nas pessoas com deficiência visual, um gosto estético mais apurado, em termos de possibilidade de captar, através dos sentidos remanescentes educados/reeducados, as verdadeiras riquezas da sensibilidade humana presente na arte e na cultura. Com o uso da mesma palavra comum, entre pessoas cegas e videntes, as experiências testadas no projeto “Ilusão” (também em outros casos e situações), só confirmam que as dificuldades de compreensão e comunicação, na relação entre pessoas cegas e videntes, são mais das pessoas videntes do que das cegas. Nesse sentido, parece possível concluir esta fundamentação teórica, sustentando que as pessoas cegas compreendem melhor as pessoas videntes, do que estas as pessoas cegas. alguns elementos sobre o projeto do novo IPc Depois de lançar as bases teóricas desta apresentação, parto do pressuposto que nenhum ser humano nasce, desenvolve-se e vive em sociedade sem depender e ser, digamos, moldado pelo coleti-

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vo de sua época. Da mesma forma, parto também do pressuposto que não seria possível a concretização do conjunto das atividades dos dois projetos sem considerar a participação do coletivo de pessoas envolvidas no seu processo de realização. Como não tenho aqui neste espaço restrito como citar o nome de todas as pessoas que participaram deste processo, inclusive como forma de não reforçar ainda mais a ideia do individualismo e da competição, só vou fazer menção a nomes de pessoas individuais em casos e situações muito específicas. Trata-se de uma opção minha, individual (olha o individualismo presente), em face de uma ideia central que tenho defendido na construção do Novo IPC. Tenho dito que o projeto estratégico do Novo IPC, para poder vingar e ser bem sucedido, precisa avançar para além do individualismo e da competição. Na minha perspectiva teórico/ prática, é necessário cada vez mais compreender e reforçar a ideia do coletivo e da cooperação. Trata-se, pois, de dois conceitos chaves, com os quais pretendo operar no esclarecimento sobre o que é o Novo IPC. Quando assumi o Instituto no final de 2009, encontrei uma situação verdadeiramente caótica, com muitas dívidas e outros tantos problemas. Hoje, refletindo, tenho comigo que parte de tudo o que herdei, foi em consequência de gestões anteriores desastrosas (para não dizer outra coisa). Entretanto, buscando compreender um pouco melhor a história, também devo considerar o esgotamento de um modelo institucional secular, surgido na França, quando Valentin Hauy, em 1784, criou o Instituto de Jovens Cegos de Paris. Fundado em 1939, como representante deste modelo francês, o IPC ainda hoje vive, por assim dizer, entre o passado e o futuro. Se continuar pri-


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sioneiro do que já foi, não conseguirá compreender o que é no momento e muito menos ainda, qual o rumo deve seguir. É dentro desta contradição que surge a ideia do Novo IPC. O Novo IPC não pretende negar o passado, mas compreender que nada é eterno, de acordo com uma frase que eu gosto muito e é atribuida a José Saramago. “O bom das vitórias é que elas não são eternas. O bom das derrotas é que elas também não são eternas.”

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Este é, precisamente, o objetivo do Novo IPC: atuar como referência na formação de novos valores, não apenas em relação às pessoas com deficiência visual, mas de todas as pessoas comprometidas com a construção de uma nova sociedade, mais justa e igualitária. Uma organização moderna, preocupada com uma formação crítica e ética de seus militantes e usuários, com ou sem deficiência visual, precisa estar preparada para enfrentar os novos desafios da sociedade contemporânea. Breve relato das experiências dos projetos

Quando decidi colocar a palavra novo na frente da sigla IPC, criei a marca Novo IPC. Isso abriu uma nova e promissora perspectiva, do ponto de vista conceitual e organizacional. É neste contexto de mudanças significativas que surge três projetos novos com características inovadoras, em comparação com as atividades educacionais tradicionais que já vinham sendo ofertadas pela Escola Especial Osny Macedo Saldanha, também mantida pelo IPC. Por isso, a ideia central deste novo projeto social, sintetizada na expressão Novo IPC, está presente na nova missão e visão da organização. De acordo com a missão, o IPC pretende “Possibilitar o desenvolvimento integral e a inclusão social das pessoas com deficiência visual”. Trata-se de dois conceitos chaves: desenvolvimento integral e inclusão social. Os dois conceitos estão diretamente imbricados, já que não é possível pensar no desenvolvimento integral de uma pessoa sem pensar também na sua verdadeira inclusão social. Na mesma direção, a ideia da visão está amarrada na missão. “Atuar como referência na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde as pessoas com deficiência visual possam viver de forma plena e livre de preconceito no exercício de sua cidadania”.

Os projetos “Ver com as mãos”, “Teatralizando a educação” e “Ilusão ótica: que falta nos faz a palavra!”, estão articulados e buscam, através de atividades culturais e artísticas, contribuir com o processo de formação e inclusão de crianças e jovens com deficiência visual, na sociedade e nas escolas onde estão matriculadas. Através do projeto “Teatralizando a educação”, o IPC recebeu da Embaixada da Finlândia no Brasil, aproximadamente R$ 90.000,00, investido na realização de atividades relacionadas com as diversas formas de manifestações, expressões e vivências inseridas no campo das artes cênicas. Durante nove meses, um grupo de 30 pessoas cegas ou com baixa visão, (crianças e adolescentes), participaram de duas oficinas por semana organizadas e ministradas por professor de teatro contratado com recursos do projeto. Além das oficinas ofertadas na própria sede do IPC, os participantes também tiveram a oportunidade de presenciar outras experiências fora do espaço institucional, através de visitas em museus, peças de teatro, concertos musicais e outros espetáculos artísticos e culturais. Como conclusão das atividades do projeto, houve a apresentação de uma peça de teatro, constru-


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ída a partir de relatos e experiências trazidas pelos próprios participantes. Esta experiência, juntamente com outra que já havia acontecido, também no IPC, com um grupo menor de jovens com deficiência visual, serviu de subsídio na proposição do projeto: “Ilusão ótica: que falta nos faz a palavra!”

xos: a) realização de oficinas e, ao final, a montagem e apresentação de uma peça teatral, encenada por pessoas videntes e cegas, atuando no mesmo instante; b) a realização de dois seminários, objetivando refletir temas relacionados com a arte e c) a publicação de um livro com os resultados do projeto.

Como produto final do projeto “Teatralizando a educação”, foi organizada, e publicada, uma revista, contendo alguns textos e o relato das experiências. Este material foi amplamente divulgado e também contribuiu na formação de uma imagem afirmativa do Novo IPC.

Inicialmente, estava previsto na elaboração e aplicação das atividades correspondentes as artes cenicas, o mesmo professor que trabalhou no projeto “Teatralizando a educação”. Contudo, devido a demora na liberação dos recursos, em face de ser dinheiro vindo do Ministério das Relações Exteriores da Filândia e, por isso, segundo informações obtidas no próprio banco, o processo burocrático é mesmo grande e demanda mais tempo de análise, não foi possível contar com o professor previsto, já que ele havia assumido outros compromissos.

De acordo com a declaração da gerente de projeto da Embaixada da Finlândia, “o projeto Teatralizando a Educação”, foi “amor à primeira vista.” De fato, as ideias formuladas e contidas neste projeto são ideias inovadoras inspiradas por pessoa de muita criatividade, inclusive com experiências trazidas do teatro, do curso que participou. Além dos valores já mencionados repassados pela Embaixada da Finlândia e utilizados na realização das atividades do projeto “Teatralizando a educação”, o IPC ainda recebeu mais R$ 10.000,00. Para conseguir esses valores, a coordenação do projeto “Ver com as mãos” elaborou uma proposta com a finalidade de proporcionar aos participantes dos dois projetos uma visita ao Museu de Artes Modernas em São Paulo. A visita foi feita e de acordo com os relatos, as experiências foram muito ricas e valiosas na formação cultural dos participantes. Crianças e jovens cegos ou com baixa visão, através desta iniciativa, realmente puderam vivenciar experiências únicas que certamente ficarão marcadas em suas memórias pelo resto de suas vidas. Já, o projeto “Ilusão ótica: que falta nos faz a palavra!” foi estruturado por sua criadora em três ei-

Esta nova realidade colocou o IPC diante da necessidade de encontrar outro profissional da área, ou buscar parceria com alguma Universidade, para executar as atividades do projeto. Também depois de um certo tempo de articulação e detalhamentos, o IPC firmou uma parceria com a Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Desta forma, as atividades do projeto “Ilusão ótica” foram coordenadas e realizadas por professores e acadêmicos/acadêmicas da UNESPAR, através de um projeto de extensão. As oficinas (depois denominadas de vivências) foram organizadas e ministradas por um grupo de acadêmicas do Curso de Teatro e Artes Cênicas da mesma Universidade. Para participar das oficinas e, posteriormente, da elaboração, montagem e apresentação da peça, o IPC selecionou e indicou um grupo de pessoas cegas, composto de homens e mulheres, já com mais experiências de vida (diferente do projeto “Teatralizando a educação”). O conteúdo da peça, resume-se nas próprias experiências vivenciadas pelos participantes cegos e cegas.


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Nesse sentido, talvez seja possível dizer que eles foram os autores (a matéria prima, por assim dizer) e os principais intérpretes das suas próprias histórias de vida. É claro que nada disso teria acontecido sem a importante participação e direção dos professores e acadêmicos da UNESPAR. Se as pessoas cegas forneceram a “matéria prima”, com a supervisão da professora Nadia Moroz (coordenadora da Extensão) e do professor Carlos Mosquera (coordenador do projeto “Ilusão” pela UNESPAR), coube a um grupo de acadêmicas do Curso de Teatro e Artes Cênicas lapidar o material e definir o roteiro do espetáculo intitulado: “Tudo o que vi de olhos fechados”. No dia 6 de dezembro de 2015, data da apresentação da peça, no teatro laboratório da própria UNESPAR, choveu torrencialmente em Curitiba. Mesmo assim, mais de 200 pessoas compareceram e presenciaram o espetáculo. Foi uma data e uma experiência ímpar para muitas pessoas, mas, sobretudo, para as próprias pessoas cegas que foram as principais protagonistas da noite. Além de um roteiro muito bem escrito, dirigido e interpretado, a peça contou com tudo o que um espetáculo profissional precisa: cenário, figurinos, som, iluminação e outros recursos e preparativos. De fato, foi um belo espetáculo, marcado por muitas emoções, sensações e vibrações. No lugar da publicação do livro, previsto no “eixo c” do projeto, decidimos mudar (após consulta ao financiador) para dois filmes: a gravação integral da peça e um menor, contendo um panorama geral do projeto. Assim, os últimos ensaios da peça e outras atividades preparatórias, foram gravadas por uma empresa contratada. Desta forma, o resultado deste processo encontra-se registrado num filme contendo a íntegra da peça, com os devidos créditos e o recurso da áudio-descrição. Também como resultado da cole-

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ta das imagens, um filme mais curto de apresentação da peça também foi produzido. Quanto aos seminários, o primeiro deles foi realizado em junho de 2015, com o título: “Arte e formação humana em Lukács e Vigotski”. Ocorrido no auditório da APP-Sindicato, o evento contou com a presença do professor doutor Newton Duarte, um dos principais pesquisadores e divulgadores da obra de Vigotski e seus colaboradores. Além de Duarte, explorando o tema: “O significado da palavra na formação do pensamento da criança cega ou surda”, participaram também o professor Mestre Enio Rodrigues da Rosa e a professora doutora Sueli Fernandes, representantes do IPC e da UFPR (Universidade Federal do Paraná), respectivamente. O segundo seminário foi realizado no dia 3 de novembro, também no auditório da APP. Com o tema: “Arte e deficiência visual”, a palestrante convidada foi a professora doutora Lucia Reily, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). No mesmo dia, explorando temas específicos, mas relacionados e articulados com o tema geral, o evento contou com mais quatro participações: professora Mestre Diele Pedrozo, coordenadora do projeto “Ver com as mãos”, Juliana Partyka, acadêmica e uma das coordenadoras das oficinas e da peça, a professora Mestre Nadia Moroz, coordenadora de extensão da Unespar e o professor doutor Carlos Mosquera, coordenador do projeto “Ilusão ótica” e professor da Unespar. Somando o público dos dois seminários, foram mais de 300 pessoas participando. As inscrições foram gratuitas e os certificados foram expedidos pela UNESPAR. Para o projeto “Ilusão ótica: que falta nos faz a palavra!”, o IPC recebeu do Ministério das Relações Exteriores da Finlândia 21 mil Euros. Convertidos


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em reais, na ocasião, representou pouco mais de R$ 63.000,00. No entanto, como havia uma sobra de recursos do projeto “Teatralizando a Educação”, de R$ 20.000,00, e este valor juntou-se com o valor recebido pelo projeto “Ilusão”, o total de recursos disponíveis para a realização das atividades, fechou em pouco mais de R$ 80.000,00. Com esses valores, além dos filmes da peça, já relatado, foram realizadas as oficinas, os seminários, os materiais de divulgação e esta revista. Um dos aspectos mais importantes no projeto “Ilusão” consiste no fato dele ter sido realizado através de um projeto de extensão universitária. Assim, ao mesmo tempo que o IPC ganhou com a presença de acadêmicos e professores justamente do Curso de Teatro e Artes Cênicas, além de outros, esses acadêmicos e professores, também tiveram a oportunidade de vivenciar novas experiências e ampliar os seus conhecimentos na relação com pessoas cegas ou com baixa visão. Estreitar e aprofundar relações com as universidades, públicas e privadas, faz parte do projeto estratégico do Novo IPC. O Novo IPC já tem sido e pode tornar-se ainda mais um importante campo de estágios, estudos e pesquisas sobre assuntos relacionados com as necessidades específicas das pessoas com deficiência visual.

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c) A falta de pessoas com tempo disponível na dedicação da coordenação dos projetos. d) A falta de tradição de participação das pessoas cegas nessas atividades. Na realidade, cada um desses pontos demandaria uma análise mais aprofundada. Como não existe espaço para isso neste escrito, dedico algumas linhas, fazendo apenas alguns comentários mais gerais. Sem a pretensão de generalizar, mas tanto a equipe técnica do IPC como os professores e professoras da escola Osny, pela sua formação e pelas características da organização do trabalho pedagógico nesta instituição, ainda possuem uma compreensão fragmentada e uma concepção tradicional sobre a Educação Especial e outros assuntos relacionados com as pessoas com deficiência visual. Não se trata de uma simples crítica sem razão e fundamento, mas de uma constatação que fez diferença na execução do projeto “Ilusão”. Ao dizer isto, parece importante também deixar claro que as dificuldades foram mais com o “Ilusão”. Mas, de uma ou de outra maneira e por uma ou mais razões, elas são visíveis e foram encontradas nos outros dois projetos: “Ver com as mãos” e “Teatralizando a Educação”.

As dificuldades de execução dos projetos Se eu tivesse que resumir, diria que foram quatro as principais dificuldades na execução dos projetos. Todos os pontos destacados estão atados em torno do mesmo nó: o processo de transição do velho para o novo modelo institucional. Os pontos são: a) A própria condição histórica do IPC e a dificuldade de enfrentar os novos desafios. b) Por decorrência, a falta de pessoas preparadas, com experiências na elaboração e coordenação de projetos.

Uma organização estruturada com base no velho modelo institucional fundado entre o final do século XVIII e o início do século XIX, por certo, encontrou e continuará encontrando dificuldades ao lidar com determinadas mudanças. Hoje, na condição de dirigente do IPC e depois de acumular uma certa experiência, posso dizer que muitas vezes o problema maior das organizações sociais sem fins lucrativos, no Brasil, não é necessariamente a falta de dinheiro. São inúmeras as fontes e as possibilidades de viabilizar recursos públicos e privados para a realização de projetos, nas mais diversas ações.


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Desta constatação, duas questões aparecem como desdobramento no IPC: a) Falta de quadros profissionais efetivamente preparados, com conhecimentos técnicos, jurídicos e políticos no levantamento das fontes e elaboração dos projetos técnicos. b) Quando chega o dinheiro, aparecem as dificuldades na execução dos projetos. E isso tem a ver com a falta de profissionais preparados e, por conseguinte, também com certos conflitos de interesses que estão presentes nas organizações (não é um problema isolado somente no IPC). Ao lado dessas observações de caráter mais gerais, destaco outras três dificuldades que contribuíram na execução do projeto “Ilusão”: a) Quando o projeto Ilusão” foi pensado, quem deveria organizar, ministrar as oficinas e tocar a montagem da peça seria o mesmo professor que trabalhou no projeto “Teatralizando a Educação”. Como depois isso não se confirmou, uma dificuldade a mais acabou aparecendo. b) Com a mudança de Curitiba da criadora e coordenadora do projeto, o processo foi ainda mais retardado e, com isso, aumentaram-se as dificuldades de execução. c) Dificultou na formação do grupo uma tradição de não participação das pessoas cegas em atividades não ofertadas pela escola, nos finais de semana e sem o uso do transporte especial.

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Contudo, é importante ressaltar que mesmo assim, todos os produtos previstos no projeto “Ilusão Ótica” foram realizados e constam do relatório final de prestação de contas. Aliás, também parece importante ressaltar que do ponto de vista financeiro, tanto no caso do projeto “Teatralizando a Educação”, como também no caso do projeto “Ilusão Ótica”, conseguimos realizar todos os produtos e, mesmo assim, ainda sobrou algum recurso. Talvez isso possa parecer, ao juízo de alguns, um indicativo de que os projetos teriam sido superestimados em termos de valores. Todavia, um aspecto como este que pode parecer negativo, particularmente, eu considero positivo e explico: se tivéssemos que realizar todas as ações previstas nos projetos sem a contribuição de parceiros, talvez os recursos fossem insuficientes. Somente com a contribuição decisiva de alguns importantes parceiros, em especial, no caso do projeto “Ilusão Ótica”, foi possível entregar todos os produtos previstos e, ainda assim, sem gastar todos os recursos. Destaco este aspecto como positivo porque isso demonstra que o Novo IPC já conseguiu recuperar sua imagem e atingiu um grau de confiança de tal sorte que não tivemos dificuldades de encontrar parceiros. Para uma organização social do porte e da representatividade do IPC, talvez, mais importante do que o dinheiro, é a sua credibilidade perante a sociedade. Isso não é pouca coisa e precisa ser muito valorizado por todos aqueles que lutam e acreditam no projeto do Novo IPC. Considerações finais

É claro que nada do que foi aqui destacado, ou mesmo outros elementos, serve de desculpa para justificar as dificuldades enfrentadas. Elas existiram e em condições semelhantes ainda vão continuar por um certo tempo, até que as mudanças estruturais e conceituais modernizadoras surtam seus efeitos práticos.

Desejo utilizar o espaço dessas considerações finais para fazer alguns agradecimentos. Se “a pedagogia comunista é a pedagogia do coletivo”, como destaquei logo no início, então, por uma questão de coerência pedagógica, meu primeiro agradecimento só pode ser feito aos muitos cole-


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tivos que contribuiram na concretização dos dois projetos: “Teatralizando a Educação” e “Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!” Quando penso nos coletivos, estou precisamente lembrando das pessoas que formam os coletivos das instituições parceiras que estiveram diretamente juntas na execução dos dois projetos. Falo do IPC e sua escola, da Embaixada da Finlândia e o Ministério das Relações Exteriores do mesmo país, da Unespar, da APP-Sindicato e do CIANEE/UNINTER. Todas essas organizações sociais, indistintamente, tiveram importante contribuição na execução dos projetos em questão. Entretanto, desejo fazer um agradecimento muito particular à mentora intelectual dos dois projetos: “Teatralizando a Educação” e o “Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!”. As ideias inovadoras de Ana Luiza Valente de Oliveira, são próprias de quem também já passou pelos palcos do teatro, como aluna de Artes Cênicas.

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Contudo, eu não poderia concluir esses agradecimentos sem fazer uma menção muito honrosa às pessoas cegas que participaram do projeto. Cada uma delas, com suas respectivas histórias e vivências, não só ofereceram a “matéria prima” do espetáculo, como também saíram-se muito bem na interpretação dos seus respectivos papéis. A ideia original de Ana Luiza, de colocar em cena no mesmo palco e no mesmo instante, participando e interpretando juntos, pessoas cegas e videntes, revelou-se uma interessante experiência. Isso é muito significativo na desconstrução da falsa ideia segundo a qual pessoas cegas só podem participar de peças com pessoas cegas. Antes de arrematar esta apresentação, deixo aqui um grande agradecimento ao governo da Finlândia, pelo voto de confiança dedicado ao IPC, justamente num momento que a organização estava saindo de uma de suas piores crises. Muitas vezes,credibilidade é mais importante e vale mais do que o próprio dinheiro.

Meus agradecimentos também vão para duas pessoas que conheci e aprendi admirar. Trata-se de Raisa e Marja, ambas da Embaixada da Finlândia no Brasil. Mais do que grandes profissionais, são duas pessoas adoráveis e muito sensíveis. Também, agradeço Nadia Moroz e Carlos Mosquera, respectivamente, coordenadora de extensão da Unespar e coordenador do projeto “Ilusão”, pela mesma universidade. Ainda da UNESPAR, eu jamais poderia deixar de agradecer Juliana Partyka, Natália Favarin, Mariane Laurentino e Luan Felipe de Lima. Essas pessoas tiveram participação decisiva na realização das oficinas (vivências) e na criação e apresentação do espetáculo: “Tudo o que vi de olhos fechados”.

referências: LEONTIEV, Aléxis. o desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte, 1978. VIgOTSKI, L. S. fundamentos de Defectologia. Obras completas. Tomo V. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1997. LUKÁCS. georgi. IntroDuÇão aos escrItos estÉtIcos De MarX e enGels. Ensaios sobre literatura edição civilização brasileira, 1968.


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apresentação

Ana Luiza Valente de Oliveira [Psicodramatista, Psicóloga, Terapeuta de família e casal, Especialista em Educação Especial: Ênfase em inclusão]

Apresentar o projeto “Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!”, deve suscitar no leitor a curiosidade sobre a escolha do nome, uma vez que, para alguns, parece não fazer sentido (sob a perspectiva de que a visão é o órgão de comunicação com o mundo e a possibilidade de conhecê-lo), que a palavra possa superar a visão, como sugere o nome do projeto. O título procura evidenciar uma temática recorrente na prática junto às pessoas com deficiência visual: as pessoas com deficiência visual podem participar ativamente da construção do conhecimento, e da vivência da inter-subjetividade, através da palavra. É na palavra que há a superação da ausência da visão e a possibilidade de instauração da atividade relacional, científica, social, etc. Em segundo momento, ressaltar e questionar as pessoas que enxergam e dão a visão como meio seguro de relacionamento com o mundo sobre as peças que esta nos prega: e quando percebemos que fomos enganados pelas ilusões de ótica? Sob o ponto de vista do nome do projeto, afirmamos que não é somente pela visão que se pode estar no mundo. Mas que a palavra pode ser o maior facilitador para as pessoas com deficiência visual no que tange seu desenvolvimento em todos os aspectos e complexidade. Obviamente que com este conceito não queremos reduzir os demais sentidos e as demais possibilidades. Mas, sim, ampliá-las colocando no espaço vivencial das pessoas cegas, ou com baixa visão, o gesto, o toque, o corpo e a possibilidade intensa de produtividade criativa. A ideia de produção de uma peça de teatro em que haveriam atores cegos e videntes iniciou-se bem antes, com o projeto “Teatralizando a Educação”. Proposta que estabeleceu a parceria entre o Instituto Paranaense de Cegos e a Embaixada da Finlândia. Este projeto aconteceu no início de 2013, com finalização em 2014, onde alunos com deficiência visual passaram pela experiência de vivenciar técnicas teatrais voltadas ao desenvolvimento criativo, concepção corporal e espaço temporal. Além de jogos teatrais, contação de estórias, vocalização e outras tantas oficinas. O intuito deste primeiro projeto foi utilizar as técnicas de teatro como facilitadores da relação ensino aprendizagem em sala de aula, apostando nas oficinas que


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visavam explorar as competências e capacidades de cada aluno. As mudanças que desejávamos operar nos alunos, através deste arcabouço de vivências, não eram somente comportamentais e individuais, mas acima de tudo, uma mudança na relação consigo mesmo e com o outro. Retirá-las do papel passivo em que muitos foram colocados pelas interpretações equivocadas da sociedade dita “normal” em relação às pessoas com deficiência de maneira geral. E possibilitá-las um encontro consigo mesmas, com suas potencialidades e poder criativo, a fim de transformarem-se em sujeitos ativos e protagonistas das próprias vidas. Pretendeu-se através deste paradigma, mais focado na ampliação da consciência, que os alunos pudessem perceberem-se como dando sentido às sua experiências: “Esta dinâmica natural de integrações e apreensão do conhecimento é o que o torna um instrumento vivo, parte íntima do processo transformador e revelador da vida humana, contribui no nível social e coletivo, ao mesmo tempo que dá sentido à existência” ( Saldanha, 2014 ) O esforço empreendido em direção a este objetivo foi, para todos os participantes do projeto, parte alcançada da meta.

Marja suhonen, representante da embaixada da finlândia, recebendo sua placa de homenagem.

Ao final do projeto “Teatralizando a Educação”, parece ter ficado uma pequena lacuna a ser preenchida, como se ainda tivesse um passo a mais a ser dado. E este passo seria, justamente, a montagem de uma peça teatral. Como se soubéssemos antecipadamente que poderia haver um novo olhar e um novo fazer a partir de onde tudo começou. Assim foi que surgiu a idéia do projeto “Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!”. Ao apresentarmos a nova proposta à Embaixada da Finlândia, o movimento iniciou-se e, novamente, pudemos ter nestes parceiros o estímulo necessário para tecermos esta rede.

atores e atrizes do espetáculo festejando no palco após a apresentação.


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Buscamos, então, pela equipe do curso de Licenciatura em Teatro da FAP, hoje Unespar, a fim de construirmos esta parceria. E o resultado não poderia ter sido mais proveitoso! Abraçaram este projeto como uma mãe abraça o filho que veio ao mundo, e a dedicação foi total. Por tratar-se de um projeto que visava a montagem de peça de teatro e sua possível inclusão no Festival de Teatro que ocorre em Curitiba, optamos, de acordo com a natureza da iniciativa, por abrir vagas para pessoas com e sem deficiência visual e que, de fato, desejassem viver a experiência de estar em cena. Assim sendo, foram abertas as inscrições e planejadas as oficinas. Desta forma iríamos verificando a vontade e desejo dos participantes durante a caminhada, pois seria importante que a experiência ocorresse de forma sistemática e real, com objetivos claros e participação que estimulassem as pessoas a, de fato, abraçar o projeto como objetivo e metas individuais e coletivas. Não se podia ignorar os aspectos oscilantes que pudessem esvaziar o projeto, como, por exemplo, ausências continuadas dos atores nas oficinas, falta do entendimento de grupo e coletivo por parte dos participantes, desvinculação dos participantes com os objetivos finais e outras tantas variáveis. Surpreendeu-nos que do projeto anterior, mesmo com a avaliação positiva dos participantes, não obtivemos a presença de nenhum deles, e baixíssima presença do público jovem do grupo de pessoas com deficiência visual. A relevância deste fato nos levou a perceber que as artes, de maneira geral, ainda encontramse um pouco afastadas do campo de experiências rotineiras do grupo de jovens e crianças com deficiência visual. Por outro lado, os novos participantes adultos, revelaram um novo grupo motivado à participação. Sabemos que nem sempre poderemos alcançar uma mudança total em todas as esferas desejadas, mas fica a reflexão sobre a necessidade de melhor compreendermos de que maneira as artes cênicas

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na foto, momento em que ana valente recebe das mãos de natália favarin a sua placa de homenagem. À esquerda, o presidente do Instituto Paranaense de cegos, professor Ênio rodrigues da rosa que também recebeu a homenagem.

são compreendidas como meios de mudança e construção do indivíduo e do coletivo. E, principalmente, como podem fazer parte das experiências sensoriais de pessoas com deficiência visual, a ponto de construírem-se como aspectos experienciais. De qualquer maneira, dos atuais participantes, a partir do depoimento obtido, pudemos perceber que após as etapas vivenciadas durante o projeto houve uma expansão da consciência naquilo que diz respeito ao próprio poder de criar, individualmente e no coletivo. A narrativa dos depoentes sobre a importância do projeto em suas relações pessoais e de grupo, bem como a revelação de um talento que não imaginavam possuir, apontam para a constatação de que houve a abertura para uma dimensão maior do ser e do estar no mundo e consigo mesmo. Neste sentido, podemos sentir-nos satisfeitos com os resultados obtidos, tanto em cena, no palco, como subjetivamente, em cada um dos integrantes, com deficiência visual ou não. Todos entendendo-se como diferentes em alguns aspectos, porém semelhantes em tantos outros!


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extensão em artes cênicas como atividade socializante no IPc Me apresento aqui muito mais como extensionista e orientadora de um projeto de encenação e dramaturgia do que como alguém com qualquer especialidade no trabalho com pessoas que possuam algum tipo de deficiência visual, cegueira ou baixa visão. Eu atuo na Divisão de Extensão e Cultura da FAP há muitos anos, inicialmente como coordenadora de projetos de extensão e depois, também, como membro do Comitê de Extensão e Cultura. Ao longo desse período em que compus o CEC, tive contato com os diversos cursos, projetos e eventos de extensão universitária desenvolvidos pela Faculdade sobre o tema da acessibilidade, ou melhor, do que entendemos como acesso à arte e inclusão social de pessoas e grupos excluídos através da arte. Ao assumir a chefia da Divisão de Extensão e Cultura da FAP, tive a oportunidade de estruturar, junto com as professoras Andréa Serio e Cinthia Kunifas, o Programa de Acessibilidade da Unespar, um trabalho abrangente que deve atingir, nos próximos anos, um grande número de pessoas, projetos e ações sociais e humanitárias. Nosso Programa de Acessibilidade surgiu com o desejo de formatar uma política de extensão universitária para a instituição que permitisse trabalhar, de forma mais específica, a inclusão e o acesso à arte. Entendemos, nesse caso, a inclusão como algo não necessariamente direcionado à pessoas com algum tipo de deficiência, mas também a todo indivíduo ou grupo social com pouco ou nenhum acesso à arte. Quando falamos em “política de acessibilidade”, não estamos nem incluindo ou excluindo, como muitas políticas que acabam sendo mais exclusivas do que efetivamente inclusivas, mas o que pretendemos, com o que chamamos de acessibilidade, é possibilitar o acesso à arte para todas as pessoas, inclusive aquelas com algum tipo de deficiência.

Nadia Moroz Luciani [Professora de Iluminação Cênica e Chefe da Divisão de Extensão e Cultura da UNESPAR – Campus de Curitiba II – Faculdade de Artes do Paraná – FAP. Texto elaborado a partir da apresentação homônima no Seminário “As Linguagens da Arte e a Deficiência Visual” realizado em outubro de 2015 em Curitiba.]


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O primeiro encontro para a idealização do projeto se deu na FAP, entre professores da instituição interessados e dois representantes do IPC, o professor Ênio da Rosa, diretor do IPC, e a professora Ana Valente, idealizadora desse projeto e coordenadora do projeto que deu origem a ele, o “Teatralizando a Educação”. Foi justamente um argumento muito marcante desta professora que inspirou meu desejo de concretização desta iniciativa e me motivou a trabalhar com afinco para possibilitar a sua realização. Ela se referia ao que chamou de “real inclusão”: real inclusão à arte, real inclusão à educação, às atividades sociais e culturais de uma forma geral, tratando-se de pessoas com deficiência ou não. Ela expôs muito claramente sua opinião de que só quando se integra realmente, ou seja, quando é criada uma inter-relação entre pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência, é que se pode falar em inclusão. Desta forma, não se está apenas criando uma brecha para inserir essa pessoa em um novo ambiente, no qual ela talvez se sinta tão excluída quanto fora dele, mas realmente desenvolvendo uma atividade que proporcione essa interação, que oportunize a relação entre essas pessoas. Ela citou, com pesar, a situação de crianças cegas ou com baixa visão que frequentam escolas normais, junto com outras crianças que não apresentem essas deficiências, mas que, na verdade, não interagem com elas, não brincam ou são convidadas para ir em festas ou frequentar suas casas, o que resultava em mais exclusão ao invés de que algum tipo efetivo de inclusão. Com base nisso alcancei o conceito que dá nome a esse texto e que se refere à possibilidade do emprego das artes cênicas como atividade socializante. O termo socializante surgiu em uma discussão sobre a elaboração do trabalho previsto no projeto, suas reais expectativas e conquistas pretendidas para cada atividade. Descobri mais tarde, ao desenvolver o tema, um trabalho de pesquisa realizado pela professora Sueli Maria de Menezes

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e publicado no livro “Didática e Docência – Aprendendo a profissão”, da professora Isabel Maria Sabino, a respeito da atividade de aprendizagem socializante como método de ensino. Entendendo o método como forma de assegurar o processo de ensino e sistematizar a ação docente na prática de uma ação educativa, ela divide estas atividades socializantes, ou métodos de ensino, em três categorias: expositivo, socializante e individualizante. Em seguida, classifica a categoria do método chamado de socializante em quatro procedimentos de ensino e aprendizagem: o uso de jogos, a dramatização, o trabalho em grupo e o estudo de caso. Segundo ela, o uso de jogos prevê, no processo de ensino, a criação de situações com regras e formatos pré-definidos; a dramatização propõe trabalhar em uma representação programada ou improvisada de situações; o trabalho em grupo sugere a interação entre as pessoas; e o estudo de caso considera a busca de soluções para problemas e situações reais da vida cotidiana. Nesse formato, apresentado como método de ensino e aprendizagem socializante, encontrei a projeção de todos os desejos e de todas as propostas idealizadas no início da elaboração deste projeto, surgido, sim, da vontade do professor Ênio e da professora Ana em dar continuidade ao Projeto Teatralizando, mas também do desejo de ampliar suas atividades para um universo multidisciplinar que fosse além da atividade teatral desenvolvida pelo ator e diretor Adriano Esturrilho no Teatralizando, envolvendo mais e diferentes professores, estudantes e pesquisadores em arte. Foi justamente a característica multidisciplinar nas artes que a Unespar, através do Campus de Curitiba II, oferece, que os levou a procurar a Faculdade de Artes do Paraná, através de sua Divisão de Extensão e Cultura. O entusiasmo com que eles nos apresentaram o projeto me fez desejar muito ver a sua concretização e realização. Sondamos, dentro dos diversos colegiados da instituição, alguns professores que


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pudessem integrar e coordenar o projeto. Além do coordenador, o professor Carlos Mosquera, do colegiado de Musicoterapia, muitos outros, oriundos dos colegiados de Teatro, Dança, Artes Visuais, Música e Cinema, desenvolveram atividades vinculadas ao Projeto. Entendo a universidade como instituição sustentada por um tripé formado pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão, igualmente. Em um Seminário de Extensão realizado recentemente na UTFPR, um diretor de campus foi questionado se é necessário, para um professor universitário, fazer extensão como parte de sua atividade docente. Sua resposta foi enfática e talvez exagerada ao afirmar que o professor que não faz extensão não é professor universitário, mas entendo que, mesmo que ele não formalize sua atividade ou realização como projeto de extensão, a atividade de extensão é um procedimento natural, uma continuidade daquilo que desenvolve na atividade docente, por que se o ensino e a pesquisa não são focados, se não visam sua implicação para a sociedade, que está além dos muros da universidade, perdem seu sentido maior. O nosso objetivo é sempre alcançar essa sociedade, o objetivo da universidade é chegar até essa sociedade, tanto pela formação do profissional que nela atuará, quanto pela geração do conhecimento, tão oriundo do ensino e da pesquisa quanto do exercício e aplicação prática deste conhecimento nas atividades de extensão. Eu havia, na época, recém assumido a Divisão de Extensão, então este projeto representava, para mim, a realização do que eu realmente entendo por Extensão Universitária, que é o caminho mais curto traçado entre a universidade e a sociedade, realizada de forma integrada e multidisciplinar. Quando o professor Ênio nos apresentou o projeto Ilusão Ótica e nos convidou para fazer parte deste trabalho maravilhoso, ele configurou, aos meus olhos, a estabilização ideológica de tudo que eu vinha concebendo como conceito de extensão, que marca a consolidação de todo conhecimento,

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ensino e pesquisa produzidos dentro da instituição acadêmica ao alcance da sociedade lá fora, principalmente com esta característica de multidisciplinaridade nas artes que a FAP pode proporcionar. A Faculdade de Artes do Paraná, hoje Campus de Curitiba II da recém criada Unespar, oferece cursos de licenciatura e bacharelado em Música, Dança e Teatro, licenciatura em Artes Visuais e bacharelado em Cinema e Musicoterapia. Com o Campus de Curitiba I, a Embap, que compõe a mesma instituição de ensino superior e oferta cursos de licenciatura em Música e Artes Visuais e bacharelado em Canto, Instrumento, Composição e Regência, Pintura, Gravura e Escultura, contamos com uma multidisciplinaridade artística e a capacidade peculiar de contemplar o ensino de todas as artes, dispondo de um corpo docente e discente capaz de corresponder às demandas do IPC e do projeto. Ouso dizer que esse fruto, plantado no convênio deste ano com o IPC, têm me feito vislumbrar um horizonte muito mais amplo e a realização de muitos outros projetos e atividades similares. Já temos vários alunos desenvolvendo suas pesquisas, projetos e trabalhos de conclusão de curso na área, tanto em uma sede quanto na outra, e tantos outros em fase de elaboração. Eu vejo com muito otimismo essa relação profícua entre a Faculdade de Artes do Paraná e o Instituto Paranaense de Cegos, principalmente considerando o público atingido pelos seminários promovidos pelo projeto como artistas, professores e estudantes ligados à licenciatura e à docência da arte para pessoas com deficiência. Sinto que estamos traçando o esboço de um processo realmente socializante através da arte com diversas possibilidades de ampliação deste universo, criando finalmente a interação prevista pelo Projeto Ilusão Ótica: socializar, incluir e, efetivamente, fazer interagir cegos e videntes num mesmo espaço, palco e plateia.


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O projeto “Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!” foi estruturado em três etapas: a primeira etapa refere-se aos seminários nos quais foram levantadas discussões, com um enfoque mais acadêmico, e apresentadas pesquisas relativas ao tema; em seguida, a segunda etapa previa uma montagem cênica que envolvesse participantes cegos e videntes sob a coordenação de professores e estudantes de artes da FAP e, por fim, a publicação de artigos e depoimentos que atestassem o resultado de todo o projeto em uma publicação impressa. Falando especificamente da parte do projeto coordenada por mim, a montagem teatral, cabe esclarecer que por artes cênicas entendemos não apenas o teatro, mas todas as artes envolvidas e constituintes do que Richard Wagner chamava de arte total, como a música, a dança, as artes plásticas e a literatura. Desde o início, tínhamos como objetivo final uma montagem cênica, queríamos levar ao palco um espetáculo teatral, mas não tínhamos a menor ideia de como isto seria feito. Inclusive, uma das primeiras expectativas é que o projeto fosse muito mais voltado ao público infantil e adolescente, o que, na verdade, acabou não acontecendo, pois acabamos conquistando um elenco de participantes exclusivamente adulto. Inicialmente pensávamos em montar um texto pronto, selecionar e escolher um texto dramático já existente, conhecido pelo público. Abandonamos esta ideia ao perceber que uma dramaturgia própria, criada juntamente com os participantes do projeto, criaria um engajamento maior e traria um resultado mais coerente com os objetivos do projeto, o que deu início ao desenvolvimento das aulas. No formato original, essas atividades foram propostas como “oficinas” a serem desenvolvidas com os participantes, o que depois acabamos substituindo pelo conceito de “vivências”. Em seguida, fomos elencando novas possibilidades, abandonando outras que talvez venham a se realizar numa futura continuidade deste projeto e, pouco a pouco, delineando o resultado final.

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Com o trabalho de corpo, o trabalho de voz, de musicalização, de representação física de emoções e sentimentos, a dramaturgia do espetáculo foi sendo construída através de um processo de musicalização, expressão corporal e representação física e plástica de histórias, emoções e sentimentos. Nesse conjunto complexo de diferentes expressões artísticas, as artes cênicas, construímos uma atividade integrada e socializante que deveriam culminar no espetáculo final. É nesse contexto que inserimos a ideia dos jogos, da dramatização de situações reais, do trabalho em grupo desenvolvido no processo de contação e dramatização das histórias e o estudo de caso na busca de soluções para a criação de situações cênicas extraídas do cotidiano dos participantes do projeto. A proposta dramatúrgica do espetáculo foi resultante destas vivências, verdadeiras experiências sensoriais compartilhadas entre cegos e videntes e orientadas por alunos e professores da faculdade, monitores e participantes de outros projetos de extensão e colaboradores do próprio IPC. As vivências em contação de histórias e dramaturgia deram origem ao texto, mas houveram também as vivências de interpretação e expressão corporal; as vivências com iluminação cênica, desenvolvidas por um monitor do projeto de extensão Labic – Laboratório de Iluminacão Cênica, cujo objetivo foi aguçar a percepção da luz por outros sentidos que não o visual; as vivências com musicalização, ambientação sonora e preparação vocal do elenco, aplicadas pelo grupo Plexo Sonoro, outro projeto de extensão da FAP; vivências de maquiagem, com exercícios de auto maquiagem; e, de certa forma, uma experiência plástica com o figurino e o cenário, cujas formas, cores e composição foram elaboradas conjuntamente entre monitores e participantes de acordo com suas aspirações e percepções do espetáculo criado. Esse trabalho de criação foi integralmente desenvolvido em conjunto pelos monitores do projeto, todos alunos da faculdade, e


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na foto acima, nádia ajudando na produção do espetáculo teatral.

alguns professores, além dos próprios participantes do projeto. As decisões sempre foram tomadas coletivamente e a equipe sempre colocou-se receptiva à sugestões dos participantes. Uma grande demanda surgida no processo foi a questão da áudio-descrição e de como seria elaborada a representação cênica considerando a presença, tanto no palco quanto na plateia, de pessoas com e sem deficiência visual. A intenção do projeto, desde o inicio, por parte da Ana e do Enio, foi não propormos algo exclusivo, ou seja, não termos apenas pessoas com deficiência atuando ou na plateia, mas justamente criar esta interação entre cegos e videntes. A ideia era que o espetáculo fosse montado tanto por e para cegos quanto videntes e que construíssemos, efetivamente, esta interação. Começamos a pensar, então, em como construiríamos a visualidade do espetáculo considerando essas questões. Como designer cênico, eu trabalho esse conceito de visualidade, que vem sendo ampliado para um conceito de sensorialidade da cena e seus elementos. O desafio agora era o de pensar em como trabalhar esta sensorialidade cênica para permitir tanto a expressão quanto a recepção pelos dois grupos de pessoas de uma forma homogênea. Uma das ideias surgidas nesse processo foi a de produzir os mesmos estímulos para cegos e videntes, elenco e plateia, numa experiência cênica compartilhada numa mesma

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intensidade. Como eu estimulo uma pessoa que não enxerga a imaginar o que deveria ser visto num espetáculo? E, ao mesmo tempo, estimular uma pessoa que enxerga da mesma forma? Seria possível dar estímulos da mesma dimensão tanto para quem vê quanto para quem não vê? Ou seja, como reduzir o estimulo visual de videntes e ampliar o das pessoas cegas, como motivar igualmente a imaginação de ambos? Foi um pouco por este caminho que a concepção do espetáculo foi construída e resultou no trabalho apresentado com muita energia e vontade por todo o elenco e equipe técnica. O texto dramático, desenvolvido pelas alunas Juliana Partyka e Natália Favarin foi complementado pelo trabalho de interpretação e voz realizado pelos alunos Luan Felipe e Mariane Laurentino, pela iluminação criada e trabalhada com o elenco pelo aluno Ike Rocha, pela preparação musical e ambientação sonora do alunos Leandro Discacciati e seu grupo e pela criação coletiva de caracterização (cabelo, maquiagem, figurinos) do personagens e cenários. Todas as etapas do projeto, coordenado pelo professor Carlos Mosquera, foram acompanhadas por professores das diversas áreas trabalhadas e a montagem final assistida por professores e técnicos do TELAB/FAP. O espetáculo estreou no dia 6 de dezembro de 2015 e foi apresentado novamente nos dias 31 de março, 1º e 2 de abril de 2016, durante a Mostra Fringe do Festival de Curitiba. Imagem do ensaio telaB visto de cima.


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concePÇão e DIreÇão

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JULIANA PARTYKA [Estudante de Licenciatura em Teatro na FAP, monitora do projeto LABIC, representante discente na Divisão de Extensão e atriz no espetáculo “Tudo que vi de olhos fechados”]

entarei, do ponto de vista de uma estudante de Licenciatura em Teatro e monitora extensionista universitária, resumir a experiência vivida no ano passado com o projeto de extensão “Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!”. Tudo começou com o convite para integrar o projeto, que parecia, ao mesmo tempo, maravilhoso e assustador. Era encantador pensar em fazer parte de um projeto tão amplo e importante, mas o desafio soava maior ainda. Seria possível realizar um espetáculo que juntasse cegos e videntes dividindo o mesmo palco? Seria possível trabalhar todas as linguagens artísticas previstas com esse público? O produto final deveria ser uma montagem teatral, então todo o processo de vivências deveria culminar em uma peça de teatro. Como poderíamos, então, trabalhar essa demanda e chegar a esse resultado? Como desenvolver isso? Por onde começar? A proposta era interessante, mas não nos sentíamos preparados e o fato, desde o início, era que tínhamos receio de como agir, não sabíamos como proceder. A equipe foi composta e descomposta várias vezes até que fechássemos o grupo definitivo para empreender a tarefa. Era preciso planejar e conduzir as atividades, mas não tínhamos a menor ideia de como fazer, de que maneira pedir, não sabíamos nem como nos relacionaríamos, a respeito do trabalho, com os participantes. O nosso instinto natural e o que nos ensinam em nossa formação é aprender fazendo, imitando, utilizando-se da mimese. Na prática, eu faço o movimento, você imita. Fazer igual? Mas fazer igual como, se o outro não vê? Iniciamos, então, o trabalho corporal tentando outras formas, experimentando com uma vivência, primeiramente entre os monitores, e depois também com os participantes. E acabou sendo algo muito bacana, porque pudemos aprender coisas novas, investigar e descobrir, com eles, as melhores maneiras de conduzir o trabalho. Uma das participantes, que é cadeirante também, durante essa vivência em que o exercício “massa e modelador” tem como objetivo explorar o trabalho de toque, de sentido mútuo, expressou de forma muito interessante o que sentia: “Eu convivo há 20 anos com fulano de tal, e não sabia que ele era tão alto! Achei também que ele era mais gordinho...”. Este primeiro toque e as reações que tinham foi muito importante para nós, pois percebemos naquele momento que, juntos, conseguiríamos e poderíamos fazer o que estava proposto. Cada nova descoberta fazia nossos olhos brilharem. A vontade e entrega com que cada um correspondia às propostas era sempre algo muito admirável.


Espetáculo Teatral:

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Projeto Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!

Nos sentimos arrebatados por este projeto, e quando nos perguntam se estamos ensinando teatro para os participantes, prontamente respondemos que estamos, antes, aprendendo teatro com eles. Este processo no IPC nos permitiu uma experiência singular, ensaiávamos todos os finais de semana, e cada sábado era um dia novo, um trabalho novo, uma nova experiência, um espetáculo novo, novos desafios, novas descobertas. Tudo mudava a cada semana e tínhamos que reestruturar tudo, rever nossos conceitos e os planos que fazíamos. Surgiam inconformidades, rebeldias, colaborações e reações que algumas vezes esperávamos ou noutras nos surpreendiam incrivelmente. Nada parecia definitivo ou permanente. Começamos com um grupo de participantes, de repente dois não podiam mais, na outra semana dois, três novos integrantes começavam a vir aos ensaios e em seguida abandonavam. A ideia original era trabalhar com um texto teatral pré-existente, algo significativo da dramaturgia brasileira. No entanto, quando pensávamos em como desenvolver o trabalho ou qual texto escolher, nada parecia possível ou adequado. Finalmente decidimos trabalhar uma vivência dramatúrgica para entendermos por qual caminho seria feita a escolha desse texto, que tema interessava ao grupo e do que eles gostariam de falar. Iniciamos, então, uma vivência de “contação de histórias”, na qual cada participante deveria relatar, e expressar corporalmente, alguma lembrança ou fato

Durante as vivência, verdadeiras experiências sensoriais, participantes cegos e videntes tiveram a oportunidade de aprender coisas novas.

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relevante, da sua própria vida, ou outra que quisessem contar. Todos sentiram muito receio quanto a compartilhar suas histórias, afirmando, no momento que que a proposta foi lançada, “Mas eu não tenho nada que possa interessar para alguém” ou “Ninguém vai gostar da minha história”. Esse foi outro trabalho muito intenso, aumentar a autoestima de cada participante e convencê-los do contrário, por que eles têm muito material, eles têm muito potencial, muita coisa para contar. Vencidas as resistências, muita coisa boa apareceu e nos surpreendíamos mais a cada encontro, com cada relato. Esse caminho, que deveria conduzir à escolha de um texto dramatúrgico, acabou por nos levar à decisão de desenvolver uma dramaturgia própria a partir dessas histórias. No entanto, as pessoas que chegaram até o final do processo tinham muita desconfiança quanto à elaboração do texto final e a maneira como suas histórias seriam reunidas e contadas. Tivemos um trabalho de criação e adaptação das histórias pessoais que levou um mês a mais do que o previsto, devido, em princípio, a este bloqueio de “minha história não é interessante”, “eu não sei se quero falar sobre isso”, “a plateia não vai gostar ou querer ouvir minha história” e, depois, sobre a estrutura que o texto ia assumindo e as estratégicas cênicas que iam sendo empregadas. Por fim, quando estas histórias finalmente surgiram e foram levadas à cena, tinha gente chorando nos bastidores, por que são

as histórias contadas no espetáculo foram adaptadas das experiências pessoais dos participantes. apesar da resistência inicial sobre falar da própria história, o grupo encontrou a conexão entre as experiências.


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ensaio Geral

histórias lindas, emocionantes, e que deram origem ao nosso trabalho de dramaturgia. O que fizemos, afinal, foi juntar todas estas histórias e tentar achar um elo comum entre elas. Histórias pessoais já tem uma conexão natural, todas falam de sentimentos, de percepções, emoções, de experiências de vida. Há uma linearidade, uma sequência, algumas são mais tristes, outras mais alegres, mas sempre que você relata ou ouve uma história dessas, você parte do coração. Além disso, cada história era repleta de detalhes contados pelos próprios personagens, que descreviam figurinos, cenários e todos os elementos sensoriais das cenas que narravam e que trouxemos para a dramaturgia. Como vinha surgindo então uma questão relativa à preocupação com o público com deficiência visual e com o uso de áudio-descrição, decidimos construir a narrativa considerando tanto as histórias quanto suas ambientações visuais e sonoras, além da interação delas em um contexto maior. O texto foi escrito, então, com essas descrições inseridas, ou seja, decidimos fazer uma descrição narrativa dos elementos da cena, tanto como solução de encenação quanto de descrição oral para o público cego ou com baixa visão. Também percebemos que seria uma ideia inovadora dar ao público vidente o mesmo estímulo à imaginação que daríamos ao público com deficiência visual e ficamos muito empolgados com essa solução como recurso alternativo à áudio-descrição. Foi um processo muito difícil, e foi mais difícil ainda

encaixar e adaptar algumas coisas, embora todos tenham se colocado em um conjunto admirável de responsabilidade e esforço! Os atores deste espetáculo foram muito críticos, perguntavam entre si e aos outros se estava bom, bonito, e também questionavam a todos que, esporadicamente, assistiam os ensaios. Sempre em busca de dar o seu melhor, de corresponder às demandas e expectativas, tantos nossas quanto dos colegas. A motivação deles nos motivava mais ainda, e os resultados nos conduziram, finalmente, à pergunta inicial: “Seria possível realizar um espetáculo que juntasse cegos e videntes dividindo o mesmo palco?”. Resposta: o produto final estreou no dia 6 de dezembro como, além da gratidão que podíamos sentir à flor da pele, uma enorme onda de orgulho tomando conta de todos nós! Orgulho de ter proposto, orgulho de ter acreditado, orgulho de ter conseguido! Este projeto foi e é uma importante conquista, não apenas para o grupo acadêmico, para o IPC ou para a comunidade, mas para o coletivo, para que todos possam vislumbrar um mundo de igualdade e tolerância, no qual a arte faz a diferença e todos fazem a sua parte, um mundo melhor! Há algo que sempre repetimos no processo: “Não estamos sós, se um errar a deixa, todos se atrapalham. Se um errar a entrada da fala, todos se atrapalham. Somos um coletivo e é só no coletivo que podemos dar certo”. E foi neste impulso do coletivo que nosso espetáculo superou todas as expectativas!


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concePÇão e DIreÇão

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NATÁLIA FAVARIN [Estudante de Licenciatura em Teatro na Faculdade de Artes do Paraná e atriz no espetáculo “Tudo que vi de olhos fechados”]

er convidada para contribuir com um projeto da dimensão do “Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!”, não possibilitou apenas um acréscimo positivo no currículo, o que é de grande relevância para a carreira futura de um acadêmico licenciado no campo artístico, mas proporcionou, além de tudo, uma experiência humanitária. No primeiro encontro já foi possível ter uma pequena noção das possibilidades e dificuldades que teríamos em questões cênicas, como lidar com a desenvoltura, projeção vocal, criatividade e, fundamentalmente, a disposição em realizar algo conjuntamente. Havia também o deslocamento inseguro com a ausência da bengala, desconhecimento corporal, vícios comportamentais e vocais, além da pouca familiaridade com a atividade teatral em si. Com base nas primeiras impressões, revisamos o cronograma de oficinas feito inicialmente em reunião e elaboramos uma sequência de vivências teatrais, cujo objetivo seria aprimorar as habilidades particulares de cada participante e, principalmente, auxiliar no rompimento de barreiras e das resistências que fomos encontrando pelo caminho. Três aspectos marcantes das vivências realizadas merecem destaque, seja por motivos cênicos ou, até mesmo, emocionais, e pelos resultados alcançados por meio deles. Em primeiro lugar, o potencial vocal dos participantes, especialmente dos cegos. Na execução dos exercícios propostos era possível perceber a qualidade da projeção vocal de alguns e, até mesmo certa habilidade para o canto, quando propusemos que cada um cantasse, de improviso, uma canção que lembrasse. O objetivo da prática era simplesmente avaliar o grau comportamental sob a exposição de si perante os demais, no entanto fomos surpreendidos por lindas vozes, não digo tecnicamente, pois minha formação não é em música, mas por impressionar os ouvintes e, na estreia, render aplausos emocionados. Destaco, em segundo lugar, a conquistada integração entre cegos e videntes, pois foi através dessa relação de cumplicidade e confiança, tanto nas vivências como nos ensaios, que alcançamos êxito e concluímos o trabalho com a apresentação da peca teatral “Tudo que vi de olhos fechados” no dia 06 de dezembro de 2015. Todos temos limitações, mas é no trabalho coletivo de cooperação mútua que o fazer teatral se concretiza. Augusto Boal cita, no livro “Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas”,o Sistema Trágico Coercitivo de Aristóteles, no qual


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as peças objetivavam distrair os espectadores para que não dificultassem o desenrolar do sistema político, ou seja, o teatro usado como ferramenta de poder, mas o que de fato necessitamos é de um teatro que valorize a relação de igualdade e concretize o verdadeiro sentido da inclusão social. Embora muito em voga atualmente, a inclusão vem sendo modestamente aplicada nos teatros brasileiros. A audiosdescrição tem sido apresentada como alternativa para o público cego poder acompanhar a narrativa de espetáculos, por exemplo, mas não existe, porém, muitas iniciativas de montagens com cegos, e menos ainda integrando cegos e videntes em uma mesma experiência, seja atuando nos palcos ou em outra atividade do fazer teatral. Desejamos, com o Ilusão Ótica, a partir dos resultados positivos que obtivemos, um acesso progressivo de grupos excluídos dos palcos teatrais. Por fim, destaco a dramaturgia do espetáculo. Por se tratar de amadores, queríamos encontrar um meio para que todos os participantes se sentissem à vontade e felizes por estar no palco. Em uma determinada vivência, pedimos para cada um lembrar e relatar algum mo-

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mento marcante de suas vidas, positivo ou negativo. Em um segundo momento, espalhados pela sala de ensaio, solicitamos que tentassem contar a mesma história sem verbalizar, utilizando apenas a expressão corporal. Muitos deles se emocionaram, riram, ficaram inquietos, desviaram o olhar, mas cientes das histórias, pudemos perceber a coerência entre as ações e as situações representadas. Deste modo, acessamos empiricamente a “memória emotiva” empregada pelo método de Stanislavski, cuja técnica consiste em trazer para a cena emoções oriundas de acontecimentos vividos anteriormente pela lembrança e imitação de movimentos e gestos que as sustentaram. Assim, quando estas ações são repetidas, o sentimento daquilo que foi vivenciado é revivi-

a conquista da integração entre cegos e videntes, através da convivência oportunizada pela realização deste projeto, foi um dos êxitos alcançados na montagem do espetáculo “tudo que vi de olhos fechados”.


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do de maneira orgânica, evitando a superficialidade e atingindo a “verdade cênica” pregada por Stanislavski. Acreditamos que, mesmo sem aprofundamento ou conhecimento real da técnica e apesar das adaptações necessárias para a composição dramatúrgica do texto, essa verdade foi alcançada pelos atores do espetáculo “Tudo que vi de olhos fechados”. Chego ao fim deste breve relato com a certeza de haver ainda inúmeros fatos dignos de serem compartilhados aqui, mas limito-me a estes três específicos, fundamentais para que todo o resto fluísse positivamente. Houveram, é claro, dificuldades pessoais e coletivas durante o processo: frustrações, medos, ansiedades e

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desgastes nos acompanharam em toda trajetória, considerando que a atividade teatral envolve pessoas com personalidades, estilos de vida e anseios distintos. No entanto, todos os obstáculos foram vencidos pela integração, solidariedade, cumplicidade e aproveitamento das habilidades e referências individuais e coletivas. Vale lembrar ainda a dedicação e o carinho que todos, sem exceção, depositaram neste projeto, incluindo coordenadores, orientadores, colaboradores e participantes. Sinto-me extremamente grata pela confiança dada a mim e aos meus colegas para a execução deste trabalho e lisonjeada por fazer parte de um projeto de tamanha dimensão.

ensaio da peça. na foto, o ator Maycon lorkievicz e as atrizes solange Pudanoschi e carolina antunes ribeiro.


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MARIANE LAURENTINO [Estudante de Licenciatura em Teatro na Faculdade de Artes do Paraná e atriz no espetáculo “Tudo que vi de olhos fechados”]

s oficinas ou vivências, como optamos por nomear, tinham o objetivo de propiciar aos participantes do projeto “Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!” novas experiências, relacionadas com ações rotineiras agregando uma nova perspectiva à vida destes indivíduos. Deste modo, a vivência de maquiagem, inicialmente pensada para a montagem do espetáculo “Tudo que vi de olhos fechados”, tornou-se uma experiência capaz de propiciar aos participantes uma autonomia também em suas vidas pessoais. Algumas não utilizavam maquiagem no dia a dia por receio de utilizar os produtos de maneira incorreta. O primeiro passo, então, consistiu em encontrarmos formas e materiais que possibilitassem a auto maquiagem, assim como o uso de técnicas básicas, não somente pelos pessoas com deficiência visual, mas também aos participantes videntes e leigos em relação à maquiagem artística. Para facilitar o manuseio os produtos foram separados por ordem de utilização e cor, a base espalhada numa superfície plana de metal possibilitou sua mistura para adequarmos ao tom de pele de cada participante, assim como facilitou a dispensa do uso de pincéis, pois a intenção era aplicar o produto com os dedos, para que o participante pudesse sentir a textura do produto, quantidade e o contato com a pele. Percebemos logo de início o receio de alguns participantes em relação à utilização dos produtos: alguns estavam nervosos e tinham dificuldades em perceber o formato do próprio rosto, onde começava e terminava a pálpebra, sobrancelha e até mesmo o desenho dos lábios. Iniciamos, então, um reconhecimento facial de cada indivíduo, estes deveriam passar os dedos por toda a extensão do rosto e procurar perceber as suas características. Os monitores, então, iniciaram o processo de auto maquiagem explicando qual seria o produto utilizado, qual sua função e objetivo, procurando elencar de forma prática como se desenvolveria a ação. O participante assumia a tarefa, tendo todas as suas dúvidas supervisionadas e respondidas pelo monitor ao longo do processo. O resultado fez-se surpreendente e inspirador, foi nítida a confiança desenvolvida ao longo da vivência e em cada passo dado, os participantes se arriscavam e se entregavam mais, fazendo desta experiência, não somente o desenvolvimento de uma habilidade, mas também um momento de diversão, onde cada um


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Oficina de maquiagem

a vivência de maquiagem tornou-se uma experiência capaz de propiciar aos participantes uma autonomia também em suas vidas pessoais. na foto, sonia Myszkowski colocando em prática o que aprendeu na oficina.

pôde colocar de lado seus receios e simplesmente se entregar à experimentação. Se faz importante ressaltar aqui que esta vivência utilizou as habilidades já desenvolvidas dos participantes, principalmente sua sensibilidade, para criar uma nova relação e percepção não somente com a maquiagem, mas também com o seu próprio corpo. É interessante elencar, que anterior ao inicio desta vivência, os participantes foram questionados sobre a participação de cursos que tinham como assunto a auto maquiagem, alguns alegaram que já haviam participado, mas o assunto havia sido abordado ou de forma superficial ou de maneira ineficiente em relação aos seus receios, a partir destes pontos levantados, optou-se por desenvolver um método capaz de oferecer aos participantes uma maior e melhor interação com os produtos e permitir que os mesmos desenvolvessem as técnicas repassadas, porém observando também, novas formas que facilitassem e os deixassem à vontade. Percebemos, então, assim como em todas as outras vivências realizadas, que o mais importante é dar voz para os questionamentos de cada indivíduo e procurar

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na imagem, as participantes aprendendo algumas técnicas de auto maquiagem. atender suas necessidades, se mostrando aberto para críticas e indagações, que são capazes não somente, de criar um relacionamento simétrico entre monitores e participantes, como também validar e reconhecer que o conhecimento se trata de uma via de mão dupla e que a partir dele, pode-se construir uma vivência rica de novas experiências e capaz de desenvolver habilidades no grupo como um todo.

vera cristina dos santos após a maquiagem

foto da exposição


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LUAN FELIPE DE LIMA [Estudante de Licenciatura em Teatro na Faculdade de Artes do Paraná e ator no espetáculo “Tudo que vi de olhos fechados”]

projeto “Ilusão Ótica: que falta nos faz a palavra!”, desde o início, foi repleto de desejo e esperança. Tivemos nossos receios em trabalhar com o público cego com o qual nunca tivemos contato prolongado durante a academia. O medo de fazer ou dizer algo “errado” era muito grande, fazendo com que algumas vezes os tratássemos como crianças frágeis. No decorrer do processo, aprendemos muito sobre eles, mas, acima de tudo, aprendemos muito sobre nós mesmo. O trabalho realizado com o grupo do IPC foi uma experiência difícil de ser expressada em palavras, pois cada dia era uma emoção diferente. Em todos os encontros tínhamos nossas surpresas: vozes maravilhosa, química divertida no palco, uma garota que no começo não falava quase nada e no decorrer da montagem já estava cobrando texto decorado. A evolução era evidente em cada um. Com uma resposta positiva em cada reunião, o processo foi ficando cada vez mais denso. Então, uma pergunta surgia em meio aos encontros: o que iremos apresentar? A dramaturgia foi baseada na história pessoal de cada participante, utilizando de momentos, falas e ações que cada um dividiu conosco. Eles conseguiam se encontrar na história que contavam, e essa proximidade fazia com que tudo aquilo ganhasse mais vida. No decorrer dos ensaios, percebemos que o grupo possuía grande facilidade com música. Pouco a pouco tentamos acrescentar elementos musicais na peça. Nesse momento, recebemos uma ajuda muito bem vinda de outro Projeto de Extensão da Unespar Campus II, Plexo Sonoro, que se tornou essencial em relação ao ritmo da peça e em cada música presente. A apresentação foi espetacular em todos os níveis. O grupo se apresentou maravilhosamente, lembrando perfeitamente de todo o trabalho feito em cada encontro. O público os recebeu de braços abertos. Houve uma lotação que não era esperada, quase ultrapassando o limite máximo do teatro. O feedback do público foi extremamente positivo, elogiando todos os aspectos da peça, acima de tudo o texto criado no intuito de ser auto descritivo. Assim, conseguimos passar todo a compreensão da história para os que possuem necessidades visuais sem a necessidade de usarmos o recurso da áudio-descrição, pois o texto já foi feito com o intuito de ser autoexplicativo (em cenário, figurinos e momentos).


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na foto, momento da apresentação onde o ator luan felipe de lima contracena com as atrizes solange Myszkowski e carol ribeiro. Aprendi muito sobre eles, não em questão de ter ou não deficiência visual, mas por conhecer um pouco da vida de cada um. Conheci histórias que irei levar pelo resto da vida. Lições que nunca pensei em aprender e, agora, agradeço muito por ter aprendido. O tempo que tive com eles foi excepcionalmente único, e os obstácu-

“aprendi muito sobre eles, não em questão de ter ou não deficiência visual, mas por conhecer um pouco da vida de cada um. conheci histórias da qual irei levar pelo resto da vida.”

los foram quase esquecidos durante o processo. Eles tinham tudo que se precisa para realizar atividades assim: a vontade de fazer.

Da esquerda para a direita, carol, luan e Maycon.


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aMBIentaÇão sonora Do esPetÁculo LEANDRO DISCACIATTI (PLEXO SONORO) [Formado em cinema. Estudante de Artes Visuais e coordenador do Projeto Plexo Sonoro]

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ou aluno de artes visuais da FAP, formado em Cinema. Quando surgiu esta proposta, eu já estava fazendo um estudo de performance sonora com Artes Visuais, e sempre foi um pouco complicado essa ideia de o que poderia ser esta performance sonora, porque é uma união entre Música, Teatro, Artes Visuais. Então, quando comecei estudar neste campo de Eletroacústica foi quando eu percebi que poderia explorar o som para criar este conceito de paisagem sonora. Quando você consegue trabalhar a música, mais que um processo narrativo, mas como uma construção de realidade por camadas, você consegue construir um trabalho artístico um pouco mais complexo. Este convite para participar juntamente com o pessoal do IPC e do curso de Teatro foi muito bom, porque depois de três anos de extensão veio como novos desafios que, até então, não tinha enfrentado. Começa pelo simples fato de como reger um espaço sonoro com pessoas com deficiência visual. Normalmente, a regência é sempre orientada pelas mãos. Fico no processo onde tento me manifestar menos possível. Como fazer este processo quando as pessoas não podem ver minhas mãos? Então, uma das soluções encontradas foi trabalhar a base rítmica pelo som do pé batendo ao chão. Assim, eu não preciso mais ficar preso a estas questões rítmicas da mão para contagem de tempo, entrada e saída de algum bloco. Quando fala em objetos sonoros para uma peça de teatro com cegos, ficamos pensando quais seriam as funcionalidades do som. Linhas melódicas, composição, mas, ao mesmo tempo, em objetos sonoroso onde cada som define uma característica para aquele espaço. A física do som é muito interessante porque ela te dá uma orientação espacial, e isto em uma peça onde se tem o levante da visão é uma construção sonora muito interessante.Pensar em


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objetos com personalidade, e estes objetos dentro do espaço físico, serve de apoio para uma compreensão e localização no meio. Quando me foi exposto estas histórias, eu encontrei um material muito rico. A partir daí, tentei fazer algo pensando no cinema em que existe uma cena de quadro. Mesmo que tenha um evento de

Integrantes do Plexo sonoro. Da esquerda para a direita Bárbara virgínia, lucas araújo Moraes, rafael zeni, thauy cabral.

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narração em um primeiro plano, o cenário de fundo não para. Uma linguagem cinematográfica. Então, o objetivo seria colocar em primeiro plano algo fundamental e diluir planos. Quando se pensa assim, o plano sonoro deve estar muito encaixado na imagem sonora, e este som vem como orientação para o que se está idealizando.


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aMBIentaÇão sonora Do esPetÁculo

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BÁRBARA VIRgINIA (PLEXO SONORO) [Formada em musicoterapia, pela FAP, e integrante do Plexo Sonoro]

oi uma pressão danada. Correria. E conseguimos. Foi incrível. No início, pensei: “O que vou ensinar a eles?”. E, no fim, quanto aprendi com eles! Pessoas esplêndidas, corajosas, maduras e sonhadoras. A determinação, esforço e persistência em dar o melhor de si a todo o momento, seu senso crítico, demonstraram para mim o quanto são pessoas batalhadoras. Em nenhum momento a deficiência visual mostrou-se maior que a autenticidade deles. Cada um com sua personalidade, sua história, suas canções, sua voz e interpretação. Cada um, cada escolha. Pessoas memoráveis numa geração em que se vive muito para a imagem, para o outro. E nós, e eu? Fomos convidados para sonorizar a peça. Primeira vez com o grupo de atores, primeira vez com a equipe técnica e primeira vez no grupo Plexo Sonoro. E agora? O trabalho colaborativo do Plexo Sonoro e toda a equipe, a abertura para trocas, sugestões, respeito, humildade, honestidade, escuta de todos ali e principalmente, carinho, senso de humor e alegria por estarem ali, foram essenciais para que eu me sentisse abraçada pela equipe e me sentisse encorajada para somar forças no último capítulo desse projeto que durou 1 ano. Nunca fiquei tão contente ao trabalhar nos sábados e domingos!! De verdade! Fiz muitos amigos e quero continuar produzindo com este grupo. Só tenho a agradecer. Que venham mais e mais espetáculos dessa turma corajosa e especial, que na primeira canção já emocionou todo o público e lotou pioneiramente todo o Barracão Cênico da Universidade Estadual do Paraná – Campus II Curitiba. A deficiência nunca é maior que um sonho. Um sonho sonhado por todos se torna uma realidade. Agradeço aos estudantes de Teatro da UNESPAR por terem encarado esse projeto, a Embaixada da Finlândia por incentivar financeiramente esta ideia, aos professores, costureiras, cozinheiros, atores, IPC e ao grupo Plexo Sonoro pela coragem, dedicação nessa reta final. Grata pela experiência. Inesquecível! Vamos fazer mais?


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omo participante da peça, foi uma honra, uma experiência única e muito gratificante, pois pude perceber a importância da colaboração e interação da equipe que é composta por pessoas com deficiência e as ditas normais. Principalmente pela movimentação no palco e com a expressão corporal que, para uma pessoa com deficiência visual, apresenta muitas dificuldades neste item. Apesar de todas as dificuldades de adaptação e inconvenientes (chuva no dia da apresentação), nós, mesmos sem ver, podíamos notar a enorme quantidade de pessoas que vieram nos prestigiar. E, assim, nos transmitiram uma grande confiança e respeito pelo trabalho realizado. Não posso esquecer-me da colaboração e participação do artista Leo Fressato, dos incentivadores e promotores do projeto e a valorização sociocultural em nossas vidas. Foi de extrema importância a utilização dos narradores e dos recursos usados de áudios e de sonoplastia, tais como: barulhos de copos, talheres, etc, os quais possibilitaram um bom entendimento da peça. Conforme relatos por parte de algumas pessoas que foram assistir, e que possuem a deficiência visual, foi possível ter uma boa assimilação do conteúdo da peça. Uma peça de teatro deve ser vivenciada e imaginada pela plateia, tem que se perceber a essência, tal como a leitura de um livro, devendo-se usar a imaginação para uma melhor interpretação.

SOLANgE PUDANOSCHI [Professora da educação especial e atriz no espetáculo “Tudo que vi de olhos fechados”]

Momento da peça “tudo que vi de olhos fechados” onde solange (à esquerda) contracena com sergio rene assis (centro) e erenise Mendes (à direita).


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MAYCON LORKIEVICZ [Estudante da Faculdade de Artes do Paraná - ator no espetáculo “TUDO QUE VI DE OLHOS FECHADOS”]

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ou apaixonado por improviso e este é um dos motivos pelos quais escolhi o teatro para meu futuro profissional. Este era meu foco dentro da Universidade, mas logo que recebi o convite para este projeto, meus focos de pesquisa e atuação todos mudaram. Foi uma das coisas mais maravilhosas que fiz em 2015. Assim como todos eles, foi a minha primeira peça profissional com direção, figurino, cenário, tudo o que se tem direito. E me enche o peito de orgulho saber que foi com eles em que atuei pela primeira vez num palco e a primeira vez que meus pais me assistiram. Foi tudo muito lindo, porque senti e vivi com eles a grande emoção que essa arte ofereceu a nós. Eu cresci com eles e sou grato por não me deixarem esquecer que o melhor da vida tem um pouco do jeito de cada um de nós.

Maycon lorkievicz em cena com a também estudante de teatro Mariane laurentino: experiência de atuar em um espetáculo com cegos proporcionou, inclusive durante vivências e montagem, um crescimento, uma mudança na relação com o outro e com eles mesmos.


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eu nome é Sandro Ferreira Alves, eu assisti à peça “Tudo que vi de olhos fechados” e fiquei fascinado! Uma peça muito bem feita contando uma história muito interessante que é inter-relacionar os fatos do passado com o presente, também tiveram histórias para se recordar sobre a vida dos participantes, lembranças de entes queridos, etc. Histórias de vida fascinantes! No meu modo de ver a peça em si teve muitos pontos positivos. E com relação a não áudiodescrição a peça contou com interlocutores que faziam a explanação de cada cena e, antes mesmo da peça ter o seu dito “início”, todos os participantes se portaram de forma esclarecedora ao dizer seu nome e suas vestimentas, e isso faz parte de uma áudio-descrição prévia. Vale lembrar que tinha ali os interlocutores que contavam, do alto do teatro, com uma voz vindo de cima, a base do que estaria acontecendo no próximo ato da peça, era muito informativo para quem prestasse atenção no que estava sendo colocado por eles durante o espetáculo. Para mim, uma peça e uma interlocução muito bem feitas. Eu sempre penso que o teatro é um livro falado, ele tem que ser imaginado, como um livro para as pessoas cegas. O cego ouve e imagina a cena, já que ele não pode ver. Isso é uma forma interessante de interpretar para as pessoas com deficiências. A imaginação do ouvinte é imprescindível. É importante mostrar para a sociedade que as pessoas, embora tenham necessidades diferenciadas, são capazes! Eu fiquei emocionado, achei muito legal a coreografia, a roupa, a peça em si. Tudo lotado, não tinha espaço para nada, ficou muito bonito mesmo! Eu agradeço por ter o privilégio de presenciar isto.

sonia e cayo durante apresentação

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SANDRO FERREIRA [DV - Expectador do espetáculo “Tudo que vi de olhos fechados”]


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DraMaturGIa teatral: “tuDo que eu vI De olHos fecHaDos” Histórias de vida dos participantes

concePÇão DraMatÚrGIca: Juliana Partyka, Natalia Favarin, Mariane Laurentino e Luan Felipe.

aPresentaDora: Olá, boa noite! (interage com a plateia sobre venda de joias) Em nome da produção do teatro eu gostaria de falar com vocês (improvisa sobre celular). Sobre essa peça, falaram que vocês irão assistir uma comédia, né?! Bom, o povo fala que é uma comédia, (em tom de segredo) eu particularmente não gosto! Mas se falam que é uma comédia, dê risada, gente! (improvisa sobre a peça, conversa com um espectador). Mas o que eu ia falar para vocês é o seguinte: sabem que este espetáculo está sendo preparado há quase um ano? E vocês sabem que crítico fala, né?! Teve um crítico que falou que este é o melhor espetáculo que ele já viu. Teve outro crítico que falou que nunca viu nada igual. Um é o pai do ator, outra é a mãe da atriz. Agora vou pedir aplausos para uma convidada especial, uma pessoa que todos nós ficamos muito contentes em tê-la conosco. Com vocês, nossa estrela! (SAI DE CENA E VOLTA) Obrigada, gente! Sou eu mesma! Eu gostei muito dessa recepção, mas vamos chamar agora os astros e estrelas desse espetáculo. Lembrando que ao meu lado esquerdo, à direita de vocês, ao fundo, está o pessoal do Plexo Sonoro, que é quem fez e quem fará toda a parte musical de nosso espetáculo. O nosso cenário é composto por quatro mesas, sendo que duas delas têm uma toalha vermelha, e as outras duas com toalhas amarelas. Eu estou como uma princesa, com um vestido rosa pink, como uma linda menininha. E em todas as mesas há um foco de luz. Agora, os momentos de nossas apresentações, com

vocês “El Español”, o galã deste espetáculo: com vocês, Cayo! caYo: Holla! Buenasnoches, mi nombre es Cayo Miguel Angel, estoy artista en esta pieza de teatro... aPresentaDora: Ei, espera um pouco, a tecla SAP. Por favor, Cayo?! caYo (levanta Perto Da Mesa 1): Boa noite, eu me chamo Cayo Miguel Angel, estou artista nessa peça de teatro, e sou artista no teatro da vida Espero que vocês gostem e se divirtam. aPresentaDora: Uma das damas de nosso teatro, a Miss Maquiagem. A pele sempre lisinha, brilhante, sempre com seu batom maravilhoso! Com vocês, Solange! solanGe (sentaDa À Mesa 2): Olá, eu sou a Solange, mãe do Pedro e da Carol e tia do Maycon. Sou esposa do Luan Jossafá II. Estou vestida com meu lindo vestido laranja e sapatilhas pretas. Hoje vocês vão ouvir belas histórias! Coração de mãe sempre cabe mais um! aPresentaDora: Como o já mencionado: Luan Jossafá II. luan (LEVANTA NA FRENTE DA MESA 3): Boa noite! Eu sou o Luan Jossafá II, pai de Carol,


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marido de Solange, linda! Hoje, vocês vão conhecer um pouco sobre a história da minha querida falecida mãe, nesta festa que comemora o aniversário da nossa vovó. Estou vestido com camisa branca, calça social preta, suspensório e gravata azul, e cabelo com muito gel!! aPresentaDora: Agora, com vocês, nossa Miss Sertaneja Universitário, que no decorrer deste espetáculo sofreu uma leve adaptação para Miss Bolero. Com vocês, nossa ruiva maravilhosa, Sônia. sÔnIa (LEVANTA PERTO DA MESA 1): Boa noite, pessoal! Sejam bem vindos à nossa festa!! Eu estou com um vestido lilás, uma linda maquiagem e alguns cachos, feitos especialmente para essa ocasião especial. Estou um sapato preto, e com meu leque na mão, né?! Esse eu não largo de jeito nenhum! Bom espetáculo para vocês! aPresentaDora: Agora, outro galã do nosso espetáculo, Sergio, mas aqui conhecido como Pedro Gabriel. Seja muito bem vindo, Sergio Pedro gabriel. sÉrGIo (LEVANTA PERTO DA MESA 2): Boa noite pessoal! O Pedro Gabriel é filho da mãezona Solange, mas não é filho nem do Jossafá I nem do Jossafá II. Segredos de família. Ele é meio atrapalhado, mas no final da história ele termina muito bem! Estou vestido para a festa em homenagem à Vó Vera, com calça social preta, camisa manga longa de seda branca, suspensório azul e uma linda gravata borboleta, como todos os homens na festa. Estou como o verdadeiro doutor Pedro Gabriel da Rosa Rodrigues Martins! aPresentaDora: Crianças são alegres, muito divertidas, e fofinhas não é mesmo? Agora vou apresentar pra vocês uma criança à frente do seu tempo, uma criança inteligentíssima, que hoje pretende ensinar seu primo Maycon como jogar capoeira. Será mesmo? Conta pra gente, Carol!

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carol (SENTADA À MESA 3): Oi, plateia bonita, tudo bom com vocês? Pra quem não me conhece sou Carol, e jogo capoeira. Meu vestido é compridinho e verde. Meu brinco verde, para combinar com o vestido, claro. Meu cabelo, bem, ele não é muito bom. Estou com um rabo de cavalo e o lacinho é preto, para combinar com a rasteirinha preta, claro. Minhas unhas estão decoradas, tem que andar chique né gente?! Hoje, eu vim aqui para contar muitas histórias legais, e vou tentar ensinar meu primo a fazer alguma coisa que preste, né?! Eu sempre tento ensinar esse garoto fazer alguma coisa, mas ele nunca aprende nada. Hoje, vou ensinar ele a jogar capoeira e é bom que ele aprenda logo, pois eu já estou perdendo a paciência. aPresentaDora: Mais uma das crianças do nosso espetáculo. Dando direito de resposta, agora, para seu primo Maycon! MaYcon (SENTADO À MESA 3): Eu sou o Maycon, tenho 10 anos e gosto muito de leões. Ganhei este carrinho da minha tia Solange e ela também comprou uma linda roupa social para mim: uma calça, uma camisa, junto com... Esqueci o nome disso... Ah! É um suspensório azul. E uma gravata borboleta azul marinho. Essas festas de família até que são legais, mas eu queria mesmo é estar brincando com este lindo carrinho verde, com meus amigos na rua. Minha prima Carol disse que ia me ensinar a jogar capoeira, mas eu acho que eu prefiro brincar de carrinho com os meus amigos na rua. aPresentaDora: Temos agora uma pessoa que o que tem de pequena, ela tem de fofinha! Com vocês, nossa tia Mariane Elisabeth! MarIane elIsaBetH (LEVANTA NA FRENTE DA MESA 4): Obrigada gente, vocês são uns lindos, sabia?! Eu sou a Elisabeth, tia do Maycon, essa coisa fofiiiinha, querida da tia. Não dá vontade de apertar?


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Hoje, é um dia muito especial. E esta festa é muito chique. É tão chique que eu mandei fazer um vestido especialmente para esta ocasião, ele é azul escuro, coisa mais linda desse mundo! Deixa-me perguntar uma coisa para vocês: eu já contei a história do meu cachorro, o Tomatinho? (TODOS RESPONDEM QUE SIM) Não! Eu não contei direito! Então, hoje que temos mais convidados, eu contarei toda a história de novo para vocês! aPresentaDora: Para encerrar as nossas apresentações, nada mais, nada menos que a nossa homenageada da noite. Recebam, com muito carinho, a nossa vovó Vera! vera (SENTADA À MESA 4): Boa noite, plateia querida! Primeiramente, quero dizer para vocês como estou aqui no teatro: meu cabelo é preto, estou com uma tiara preta, vestido rosa, minha cor preferida, é claro. Sandália branca de pedrinhas. Queria dizer que sou uma vovó muito feliz, gosto de festas, de muitos tipos de celebrações, inclusive familiares! Tenho uma família muito grande e sempre gosto de estar com eles! Acredito que vocês vão gostar muito desta festa! Muito obrigada pela presença de todos! narraDor 1 (Da PlatÉIa): Tudo que eu vi de olhos fechados! Não te parece estranho essa coisa de ver para dentro? De reviver memórias, de lembrar-se do passado como se as coisas estivessem acontecendo no agora? Não te parece estranho isso de ter sentimentos ligados às lembranças que você só guarda aqui, dentro do peito? Tudo é mágica! Tudo é o que você vê, não diante dos olhos, esquece isso! A mágica acontece aqui dentro, e o que fica aqui, é o que vale a pena ser vivido! narraDora 2 (Da PlatÉIa): Tudo que eu vi de olhos fechados!

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Como em um flash back, a história de hoje será revivida, lembrada, saudada! Aqui, neste pequeno espaço de uma festa, juntos vamos rir e chorar com histórias de todas essas pessoas! Mulheres colocaram seus vestidos coloridos, homens, muitíssimo elegantes, usando roupa social e gel no cabelo. As crianças? Ah! Elas estão alegres demais, correndo atrás de seus brinquedos, fazendo travessuras enquanto essa festa é organizada para todos nós! narraDor 1 (na PlatÉIa): (Falando para Narradora 2) Ei! Olhe! Aqui de cima já dá pra ver a movimentação! Vovó está se posicionando! Tenho certeza que ela vai contar mais uma daquelas histórias maravilhosas que ela sempre conta! Vamos começar no três? Um...Dois...Três! narraDor 1 e narraDora 2 juntos (na PlatÉIa): Sejam todos muito bem vindos à nossa festa! Divirtam-se!!

(SOM ALTO – INÍCIO DA FESTA – VERA INICIA CANTANDO ROMARIA)

cena 1 toDos eM cena

vera: Doar, é doar amor, carinho, compreensão. Termos diálogo, ouvirmos, sermos ouvidos, entre pais e filhos, irmãos, avós e gerações inteiras! E viva a vida!

cena 2

julIana juliana: Uma história de vida não é feita só de momentos felizes, riso ou choro extremo. Quando eu nasci, chorei. Quando eu nasci, minha mãe sorriu, embora, até hoje, eu não saiba dizer com certeza se ela sorriu chorando ou chorou sorrindo.


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Uma história de vida é feita de memórias que são acumuladas até o fim de nossos dias. Há quem diga, também, que elas podem passar por vidas e mais vidas até chegar aqui. Hoje. Esta história de vida é minha, mas também pode ser tua. narraDora 2 (Da torre À esquerDa): Aiiiiiiii que lindo! Não é lindo quando os netos demonstram amor assim por seus avós? narraDor 1 (Da caBIne): Não só por avós, né?! Por mãe, pai! Ai ai! (suspira!) Pelo jeito essa festa será tão, mas tão linda! narraDora 2 (Da torre): Shiiiiiiiiiu! Olha lá! Um pedacinho da memória da vovó! O dia que ela e vovô se conheceram em um baile no maior Teatro da Cidade! Tô arrepiada! (Narradora 2 continua falando enquanto a música sobe)

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caYo e sÔnIa (no centro) cayo: Olá! sonia: Oi! cayo: Você vem sempre aqui? sonia: Ah! (suspira) Eu venho! Meu sonho é fazer teatro aqui neste lugar maravilhoso! cayo: (sedutor) É mesmo gracinha? sonia: Seria maravilhoso! Sempre quis rodar o mundo, me tornar uma grande musa inspiradora de algum poeta famoso (suspira). cayo: Que coincidência! Hoje mesmo estava à procurar por alguma moça, tão bonita quanto você, para que fosse aquela a inspirar meus poemas... sonia: Acaso estás a brincar com meus sentimentos, cavalheiro? cayo: De maneira alguma, senhorita! Vê só: (Recita a música “Esla história de um amor de Luis Miguel)

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Esla historia de un amor como no hay otro igual que me hizo comprender todo el bien, todo el mal que ledio luz a mi vida apagándo la después hay que vida tan obscura sin tu amor no viviré. Siempre fui stela razón de mi existir adorarte para mi fue religión en tus besos yo encontraba el calor que me brindaba el amor y lapasión. sonia: (Encantada) Esta foi a coisa mais linda que já me disseram... cayo: Ótimo! E o que a senhorita pretende fazer neste exato momento? sonia: (Desconcertada pela quebra de romantismo) Nada...Por que? cayo: (Malandro e sedutor) Acompanha-me, então, nesta dança? (MÚSICOS TOCAM BOLERO PARA QUE ELES DANCEM)

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serGIo, carol, MaYcon e solanGe (no centro Do Palco) (Vera canta a música Fascinação) Mãe: - E foi assim que seus avós se conheceram. Maycon: - Num baile, tia? Não imaginava carol (entre risinhos): - Nossa, como o vovô aprontava! Mãe: - Mas respeito com seu avô, menina. Pedro Gabriel (rindo): - Você adora me contar essa história, não é mesmo?! Mãe (sonhadora): - Aqueles eram outros tempos. Tempos românticos, boêmios. Ah! (suspirando). Mas, outro que aprontava bastante, quando era pequeno, foi o Pedro Gabriel. E esta é outra história que eu gosto de relembrar.


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Pedro Gabriel: - Já vi: vai sobrar para mim... carol: - Conta, mãe. Adoro saber as coisas erradas que o Pedro fazia. Mãe: - Você se lembra, filho, quando te pedi para ir comprar sabão e você perdeu o dinheiro e, ainda por cima, caiu num buraco? Pedro Gabriel (rindo): Claro que eu me lembro. A senhora me mandou parar de brincar e ir à venda. E eu acabei perdendo o dinheiro no meio do caminho. Era tão criança, provavelmente me distraí com algo enquanto caminhava. Mãe: - Eu fiquei tão brava com você. Onde já se viu, perdeu o único dinheiro que a gente tinha?! Pedro Gabriel: - E eu não lembro? A senhora estava uma fera... Me mandou voltar e procurar o dinheiro. Mãe: - E fiz bem, afinal, você encontrou o dinheiro. Maycon: - Mas o que o buraco tem a ver com a história? Pedro Gabriel (rindo): - Foi o bendito buraco que guardou o dinheiro, se eu não tivesse caído nele, não teria achado até hoje. Mãe (brincalhona): - Ah! Mas até hoje eu não recebi o meu sabão. Pedro Gabriel: - Mas não se preocupe, eu trouxe hoje. Mãe: - Mas agora, filho? 20 anos depois? Agora quem irá lavar a roupa será você. Pedro Gabriel (rindo): Mas mãe, já perdi o dinheiro, caí num buraco para achar de novo e a senhora ainda quer que eu lave a roupa? Não vejo mais a roupa? Como vou saber se consegui tirar todas as manchas? Mãe: - Filho, na vida você vai encontrar muitos buracos. Algumas vezes você irá cair, mas o mais importante é se levantar, se achar e seguir em frente. E quanto às manchas da roupa, isso não tem importância nenhuma. As manchas que você precisa tirar, são as da alma. Aquelas que são causadas pelos ressentimentos, mágoas e mentiras que acumulamos ao longo da nossa jornada. Maycon: - Que bonito, tia. Mãe: - E que isso sirva de lição para vocês dois, também. carol: - Isso mesmo, mãe! Coloca o Pedro para trabalhar. Mãe: - Mas seu irmão já trabalha, e trabalha muito por sinal. 20 anos se passaram desde o dia que ele

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perdeu o único dinheiro que tínhamos. E agora, está formado e muito bem formado, Tenho muito orgulho de dizer que meu filho é o Doutor Pedro Gabriel. Pedro Gabriel: - Mãe, você se lembra daquela música que a senhora cantava quando lavava roupa? Mãe: - Claro que eu me lembro. a Mãe inicia a música Juventude Transviada, de Luiz Melodia, Pedro Gabriel a acompanha. narraDor 1 (na caBIne): Sabe que eu adoro cenas com crianças? Elas parecem tão animadas, tão contentes, tão... narraDora 2 (na torre): Tão lindas! Você já viu uma criança jogando capoeira? Senta aí e sinta esse gingado! Não parece que a gente dança por dentro? narraDor 1 (na caBIne): Hahaha! Que mágico! (MÚSICA TRAZ SONS DE BERIMBAU PARA A CAPOEIRA)

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carol e MaYcon, crIanÇas MIMaDas e IntelIGentes (no centro Do Palco) (Carol entra em cena cantando capoeira, começa a gingar sozinha). Maycon: O que você está fazendo? carol: (finge que não ouve e continua cantando) Maycon: Ei! Tô falando com você! carol: Ai que menino chato (pausa dramática). Tô jogando capoeira, não tá vendo? Maycon: Prefiro jogar bola a ficar dançando igual um boneco de posto! carol: (se irritando) Senta aqui! Maycon: Eu não! (com medo) Você vai me bater, e me dar um chute e puxar meu cabelo. Só porque eu


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falei que capoeira dança igual um boneco de posto... carol: (Mais irritada) Senta aqui, agora! Maycon: (Tentando consertar) Tá bem, eu sento... Só porque você é linda, legal, simpática... carol: Tá bom, obrigada! Agora senta aqui e presta atenção! A capoeira é muito legal! Maycon: Sério? carol: É! Você sabia que a capoeira surgiu na época dos escravos? Maycon: Até que não é teu chato assim... Maycon: Escravos! Por que escravos? carol: Por que eles eram roubados da África. Seus donos traziam eles para cá e maltratavam os coitadinhos. Então, eles usavam a capoeira para se defender dos donos de engenho. Entendeu? Maycon: Entendi. carol: E existem dois caras muito legais na capoeira: o Mestre Bimba e o Mestre Pastinha! Maycon: Mestre Pastinha? carol: É que na capoeira todo mundo tem apelido! Mas vamos deixar de papo! Quer aprender? Maycon: Eu quero! carol: Então bora lá! Mãe (Ao fundo): Filha vem jantar! carol: Já vou, mãe! (Para Maycon) Olha, preste atenção! Primeiro você vai gingar! O bom capoeirista é aquele que sabe gingar. Desce na paralela, mão sempre protegendo o rosto. Um, dois, três. Agora faz a meia lua. Maycon: Meia lua?? carol: Preste atenção. Você abaixa, perna pra frente, e gira pro lado. Maycon: (Sem querer bate com o pé no braço dela) Ah! entendi. Mãe (Ao fundo): Filha vem jantar! carol: Já vou, mãe! Maycon:Te machuquei, Carol? carol: Não! Se tivesse me machucado você ia ver! Preste atenção! Coloca as duas mãos no chão, ergue um pé para trás. Sabe como o compasso faz? Maycon: Sei, Carol! carol: Então, você vai girar assim! Maycon: Gostei! Até que não é teu chato assim... carol: Mas agora chega, minha mãe está chamando para jantar!!

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Maycon: Tá, então te levo lá! (Saem de cena em direção à mesa onde está a mãe) narraDora 2 (na torre): E não é que ele aprendeu rápido a gingar capoeira? Até euzinha senti vontade de ir com eles! narraDor 1 (na caBIne): Você não conseguiria acompanhar aquela menininha! Movimentos rápidos demais para uma senhora da sua idade! narraDora 2 (na torre): Eiii!!! (vendo a tia entrar em cena) Só não vou responder à altura por que estou muito curiosa para saber o que acontecerá nesta cena! Ahhh! Será que aquele pestinha vai mesmo fingir que não viu a própria tia no meio da rua??

cena 6

MaYcon e elIsaBetH (Maycon está saindo de cena e vê a tia entrando). Maycon: Ai, meu deus! Minha tia! elisabeth: Ei, menino! Volta aqui! Estou ouvindo sua voz, sei que é você, meninão lindo da tia! Maycon: (Disfarçando) Oi, tia... elisabeth: Não ia me cumprimentar, não? Não ia conversar com a tua tia preferida? E esse barulho aí? O que você derrubou? Maycon: É um anel! (viajando) Anéis são poéticos! elisabeth: Que história é essa, menino? Deu pra ser poeta agora? Maycon: Não, tia...Errr...Veja bem...Eu estava conversando com uma amiga... elisabeth: (Cortando ele) Amiga??? Sei! Maycon: Não, tia! Errr! Calma, vou te contar... Essa minha amiga tinha um monte de anéis e um relógio, mas aí eu pensei: como ela pode saber que horas são se ela não enxerga? E é isso! Ela usa o relógio e os anéis porque é um presente do namorado dela. Ele é importante pra ela, e não as horas em si, entende?


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elisabeth: (Não deu moral para o que ele falou) Falando em importante, já te contei a história do meu cachorro Tomate? Maycon: Já tia, mil vezes! elisabeth: Não, menino! Não te contei a história inteira... Escute, o Tomatinho fugiu de casa e ficou vários dias fora, eu já tinha perdido as esperanças de vê-lo voltando, mas um dia, quando olhei da janela, lá estava ele no portão. Magro e machucado. Então, eu percebi que ele só não tinha voltado antes porque estava muito machucado e doente. Agora, estou feliz, por que o Tomatinho voltou. O tomatinho voltou! (Sacudindo o sobrinho) Maycon: Já sei! Não importa se são anéis, relógios, laços de cabelo, sapatos sem pé... O valioso mesmo é QUEM. E não O QUÊ. A pessoa é pessoa, entende? (Eufórico) Lição número dois: e os cachorros também são poesia! Preciso contar isso para minha mãe! Tchau, tia! (Transita por todas as mesas repetindo a frase “Cachorros também são poesia!”) elisabeth: Ei, menino! Espera! Eu vou com você... (MÚSICA AMBIENTE) (Elisabeth volta para sua cadeira) narraDor 1: Ora, ora! Quem chegou! narraDora 2: Ué! Não era você que estava achando lindo ela ficar lá na rua, jogando capoeira? Será que a mãe dela vai brigar com ela? narraDor 1: Acho que não! Ela só estava preocupada! Reuniões de família e festas de aniversário são cheinhas de alegria! O resto, bem, isso não tem problema! narraDora 2 e narraDor 1 riem.

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Mãe solanGe, luan jossafÁ II e carol (na Mesa 3) Mãe: Que demora, filha! carol: Desculpa mãe! Estava jogando capoeira com meu primo, lá na rua! Mãe: Ai, ai, ai. O jantar quase esfriou... luan: Se fosse no meu tempo, minha mãe teria ido até lá com um chinelo na mão... Mãe: (Com sinceridade) Ainda bem que não é, né pai. Ufa! Que alívio! Mãe (Para Luan Jossafá II): Do jeito que você fala, até parece que você sente saudades de levar umas chineladas, meu bem... (Carol e Mãe Solange riem) carol: Como a vovó era, pai? luan: Ah, filha! Sua avó era uma mulher incrível! Trabalhadora, desde sempre com a mão na massa. Ela e papai sustentaram a mim e meus irmãos. Uma mulher muito, muito incrível! carol: Nossa... E quantos anos você tinha quando ela morreu? luan: Eu tinha quinze anos... Eu me lembro como se fosse ontem: estava trabalhando, me ligaram falando que ela tinha falecido. Fui até o hospital, e lá estava ela, na pedra fria. carol: Pedra fria, pai? Que nome esquisito! luan: É que não é do seu tempo! Pedra fria é o lugar onde deixam os mortos, lá no hospital. Eu chorei muito. Cheguei em casa e chorei mais ainda. Chorei tanto que até dormi. Quando acordei papai e mamãe estavam em casa A gente jantou e eles começaram a falar da mamãe. Eu não me aguentei e chorei mais ainda. Eles não sabiam que mamãe tinha morrido. Foi muito triste. (Juliana canta “Canção para não voltar” de Leo Fressato, enquanto transita pela cena). narraDor 1 (na caBIne) Uau! Tá inspirada, hein?!


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narraDora 2 (na torre) Hoje, está realmente muito difícil de manter um diálogo decente com você! Me erra! Eu hein?! Para tua sorte, estou de excelente humor, e para tua sorte maior ainda... narraDor 1 (na caBIne) O que foi? narraDora 2 (na torre) Acho que chegou a hora! Que decoração fabulosa! UAU! Olha esta festa! Olha este lugar! Estou me sentindo na Broadway! Este tapete persa, as cortinas de linho, as toalhas de cetim! O lustre quase alcança a mesa dos convidados! Escuta só o som dos talheres de prata, das taças de cristal! E essa plateia? Cada um mais lindo que o outro! Olha a roupa dessas pessoas! Quantos bordados, quando brilho, que luxo! E os cabelos, maquiagens, as joias? Que festa estupenda! narraDor 1 (na caBIne) (Com cara de sem paciência) Já deu, né?! narraDora 2 (na torre) Ai! grosseirão!

cena fInal

anIversÁrIo Da avÓ – toDos eM cena. MuIta conversa, tuMulto, rIsos. carol: Mããããããe... Hoje é aniversário de quem? Mãe: Da sua avó, meu amor! Maycon: Prima! Vamos jogar capoeira? carol: (Ignorando Maycon) Mas a vó já morreu, mãe! Mãe: Aí que está! Ela não está aqui conosco, mas a sua memória faz e sempre fará parte de um pedaço do nosso coração, da nossa família! carol: (Pensativa) Hummm... Acho que entendi... juliana: (Cortando Carol) Pessoal! Todos prontos? Vamos lá! Nosso último ensaio para a homenagem à vovó, ok?! No três. Um...Dois...Três... (Todos cantam música “Oração” de Leo Fressato)

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aPresentaDora Gente espera! Espera! Olha quem veio fazer parte de nossa festa, um convidado muito especial, o autor da nossa música, Léo Fressato! Vamos começar de novo? Só que desta vez quem começa é o Leo, ok? No três? Um. Dois. Três. (Todos cantam juntos, montam uma linha imaginária à frente do palco, agradecem). fIM

assista a peça teatral e o documentário especial acessando os links abaixo: Peça teatral: https://youtu.be/fxhQL3TfnrI

Documentário: https://youtu.be/Z_ebcQaDbT0

acesse também: canal novo IPc https://goo.gl/DQNWZq


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Concepção (dramaturgia, direção e oficinas teatrais) Juliana Partyka Natália Favarin Mariane Laurentino Luan Felipe de Lima coordenação Carlos Mosquera Nadia Moroz Luciani Iluminação e Oficina de Iluminação Programa de Extensão LABIC Ike Rocha Oficina de Cinema Janaína da Veiga Murillo Marchesi costureiras Sueli gabriel Favarin Janice Martins Maquiagem Jeniffer Anhaia e giulia Louise Martins sonoplastia Projeto de Extensão Plexo Sonoro Leandro Discacciati Bárbara Virgínia Cardoso Faria Thauy Cabral dos Santos Ribeiro de Jesus Lucas Araújo Moraes Yara Beduschi Erenise Mendes Sandra Lorenzoni Brandão Rafael Zeni elenco Carolina Antunes Ribeiro Cayo Martin Vera Cristina dos Santos Sergio Rene de Assis Juliana Partyka Mariane Laurentino Natália Favarin Luan Felipe de Lima Maycon Lorkievicz Fabio Costa Solange Pudanoschi Sonia Myszkowski Participação especial Leo Fressato

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