PUBLICAÇÃO COMIDA & MEMÓRIA
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PUBLICAÇÃO, COMIDA & MEMÓRIA
PROMOÇÃO Governo do Estado do Ceará por meio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará – SECULT REALIZAÇÃO Biblioteca Pública Estadual do Ceará – Bece GESTÃO Instituto Dragão do Mar – IDM EDIÇÃO Bianca Ziegler e Vanessa Moreira PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Bianca Ziegler ILUSTRAÇÃO Raisa Christina Débora Santos (p. 156) Gabriel Ubatuba (p. 58) A imagem da capa é uma representação, em aquarela, a partir do relato de memória de um dos participantes do curso, Ranieri Nogueira, com o fim de homenagear a sua mãe. REVISÃO Raisa Christina & Fábio Limaverde Forte Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Regina Célia Paiva da Silva CRB – 1051 L123 Publicação, Comida & Memória/ organizador Bianca Ziegler... [et al.], ilustração de Raisa Christina. – Fortaleza: Secretaria da Cultura do Ceará/ Nadifúndio, 2022. 224 p.il. ISBN: 978-65-89464-13-6 1. Cozinha - Memória. 2. Literatura Cearense - Memória. 3. Comida - Ceará. 4. Vieira, Carla 5. Ribeiro, Rodrigo. 6. Moreira, Vanessa. I. Título. CDD 643.3
Fortaleza Março de 2022 Secretaria da Cultura do Ceará Editora nadifúndio nadifundio.com
[Orgs.] Bianca Ziegler, Carla Vieira, Rodrigo Ribeiro & Vanessa Moreira
PUBLICAÇÃO, COMIDA & MEMÓRIA
GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ Camilo Sobreira de Santana Governador do Estado do Ceará Maria Izolda Cela de Arruda Coelho Vice-Governadora do Estado do Ceará SECRETARIA DA CULTURA DO CEARÁ Fabiano dos Santos Piúba Secretário da Cultura Luísa Cela de Arruda Coelho Secretária Executiva da Cultura Mariana Braga Teixeira Secretária de Planejamento e Gestão Interna da Cultura Goreth Albuquerque Coordenadora do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas Aparecida Lavor Coordenadora do Sistema Estadual do Ceará INSTITUTO DRAGÃO DO MAR Rachel Gadelha Diretora-presidenta Adriana Victorino Diretora de Planejamento e Gestão Elisabete Jaguaribe Diretora de Formação e Criação Lenildo Gomes Diretor de Articulação Cultural BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL DO CEARÁ Enide Vidal Diretora
Rodrigo Ribeiro Coordenador de Acervo, Pesquisa e Conhecimento Fernanda Meireles Coordenadora de Ação Cultural e Educativa Ivy Ariane Teixeira Assessoria de Comunicação CURSO PUBLICAÇÃO COMIDA E MEMÓRIA COORDENAÇÃO Carla Vieira Rodrigo Ribeiro Coordenação de Acervo, Pesquisa e Conhecimento APOIO TÉCNICO Verônica Lima Batista Nataniel Andrade, Bethe Gondim Clinton Simplício, Adairton Rodrigues Laboratório de Conservação e Restauração de Papéis Regina Célia Coleção Ceará Isabela Araújo Setor de Obras Gerais Daniel Neves Uli Batista Assessoria de Comunicação Marta Pinheiro Produção Amanda Bessa Rebeca Carneiro Priscila Costa Administração
Suzete Nunes Gestora Executiva
Zildélia Castro Ranilson Rodrigues Logística
Lúcia Cidrão Assessora de Planejamento e Gestão
Madalena Carneiro Estagiária em Pedagogia
Aníbal Chaves Jr. Gerente Administrativo-financeiro
PUBLICAÇÃO, COMIDA & MEMÓRIA
MAIS QUE UM LIVRO DE RECEITAS Depositária oficial do Patrimônio Bibliográfico do Estado do Ceará desde a sua criação, a Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece), é a maior, mais antiga e mais importante biblioteca do Estado, sendo a sétima biblioteca mais antiga do Brasil. Como equipamento da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, agora gerido em parceria com o Instituto Dragão do Mar, constitui-se como espaço de acesso aos livros, à informação, às artes, à cultura e ao conhecimento. Lugar de encontro de todos os perfis de público, após um longo período de reformas, e nos mais diversos âmbitos, a Bece reabriu recentemente suas portas sob um novo conceito: o de uma Biblioteca-Parque, ou seja, instituição dedicada à diversidade no mais amplo sentido do termo. Dessa forma, todas as suas atividades convidam a população cearense à partilha e à fruição de experiências na criação, no pensamento, na leitura, na escrita, no diálogo e na escuta sensível. Na Bece, podemos ler, estudar, brincar, navegar na internet e desenvolver novas habilidades de leitura e escrita em múltiplos processos. A diversidade na Bece está presente também, e com enorme força, em sua nova estrutura formativa, que ramifica sua atuação em inúmeras direções, exercendo importante papel social e educativo na promoção de oficinas e cursos - como o ministrado pelas professoras Vanessa Moreira e Bianca Ziegler: Publicação, Comida e Memória: construção de livros artesanais de receita, rico processo gerador do produto que hoje felizmente temos em mãos. O curso enveredou pelo rico campo da Memória Social, espraiando-se pelas memórias pessoais dos participantes, das professoras e também pela memória de nosso acervo. Na Literatura Cearense e nas rememorações de cores, cheiros e sabores da vida de cada um, conseguimos encontrar as linhas que preenchem as páginas deste livro: uma linda aventura que a Bece tem o prazer de compartilhar. Mais que um livro de culinária, o livro “Publicação, Comida e Memória” é um registro cultural e histórico do ser cearense. Enide Maria Chaves Vidal Diretora da Biblioteca Pública Estadual do Ceará Maria Suzete Nunes Gestora Executiva da Biblioteca Pública Estadual do Ceará
SUMÁRIO
1COMIDA RECEITAS DE COMO MISTURAR PUBLICAÇÃO, & MEMÓRIA A feitura da memória tem saberes, sabores e afetos (Rodrigo Ribeiro) Receitas em papel, letras da memória à mesa (Carla Vieira) Escrever receitas e costurar livros - A produção de elos de afeto da memória social através do fazer manual (Bianca Ziegler e Vanessa Moreira)
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2 RECEITAS DE FAMÍLIA ESPALHADAS PELO CEARÁ - AS MEMÓRIAS QUE MAREJAM A BOCA E OS OLHOS
Do parapeito da janela em que debruço o olhar (Roberto Araújo) Saudade das viagens a São Gerardo (Jéssica Pereira) Uma espécie de receita (Ranieri Nogueira) As latadas de chuchu da vó Hilma (Gabriel Ubatuba) Receitas que contam histórias do Serrote (Patrícia Oliveira) O cheiro do cominho (Rosemeri Dantas)
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A saudade que tenho da comida da minha mãe (Luzineide Andrade) O gosto que tem o meu Icaraí (Francisco Anderson da Silva) A mesa festiva dos Caenga (Karoline Oliveira) As receitas da minha avó que alimentam e curam (Larissa Baía)
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3 RECEITAS DE UM CEARÁ QUE NÃO PAROU NO TEMPO Comida para celebrar todos os dias (Samila Paiva) Cozinheira sem memória? (Vitória Albuquerque) Cartas temperadas para uma neta (Célia Augusta) Receitas desenhadas para provar o Ceará (Débora Santos) Como um abraço numa tarde que corre à brisa do mar (Ruan Moura) Misturando Pará, Ceará e Minas Gerais (Andyara Caetano)
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4 RECEITAS DE BOLOS & OUTRAS GULOSEIMAS QUE COMEMORAM A VIDA Os Bolos das tardes de verão com cheiro de jasmim (Ewerton Reubens)
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RECEITA DE COMO MISTURAR PUBLICAÇÃO, COMIDA & MEMÓRIA
Não se contentou a minha família em ter um quinhão anônimo no regozijo público; entendeu oportuno e indispensável celebrar a destituição do Imperador com um jantar, e tal jantar que o ruído das aclamações chegasse aos ouvidos de Sua Alteza, ou, quando menos, de seus ministros. Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1998. O futuro a ser dado pretérito depende não só do que é escolhido para ser lembrado. É preciso perguntar sobre os critérios da escolha. Mas, além disso, torna-se necessário entender como se tornou possível a própria invenção do verbo selecionar para caracterizar a existência da memória. Manoel Luiz Salgado Guimarães, Futuro do pretérito..., 2010. O passado não é livre. Nenhuma sociedade o deixa à mercê da própria sorte. Ele é regido, gerado, preservado, explicado, contado, comemorado ou odiado. Quer seja celebrado ou ocultado, permanece uma questão fundamental do presente. Régine Robin, A memória saturada..., 2016. 14
A FEITURA DA MEMÓRIA TEM SABERES, SABORES E AFETOS O futuro, nas palavras do Historiador Manoel Luiz Salgado, é uma projeção. Logo, todo e qualquer exercício de feitura, ou melhor, de construção/invenção da memória realiza-se mediante a seleção, a escolha daquilo que é indicado como relevante para ser lembrado, reivindicado, perpetuado. Isto é: memória é o futuro do hoje. Nesse sentido, a memória é uma dimensão da ordem social que se impõe como uma necessidade primaz à constituição de identidades individuais e coletivas. Por outro lado, a memória também supõe embates, rupturas, sobreposições de estratos sociais que requerem o estabelecimento de suas convenções, consoante registrou Machado de Assis no seu modo de inventar e prover literatura. As receitas, assim como os preparos de comidas e/ou bebidas de famílias, reclamam sensações e impulsos do palato que articulam papéis sociais e suas atribuições sociais: receitas da vovó, da mamãe, da titia, por exemplo. Sendo assim, as receitas têm autoria e autoridade. São o futuro do pretérito das memórias de netos[as], de filhos[as] e de sobrinhos[as]. Entretanto, conforme nos alerta Régine Robin, o pretérito é passível de manipulação, de controle, de adequação às necessidades daqueles que o [re]clamam, daqueles que o evocam. Os saberes da ancestralidade têm sabores. São tecidos na articulação das relações sociais e simbólicas. Representam efeitos estéticos dos atos de comer e de beber. Indicam formas e meios de emulação da memória. À referência feminina, muitos relatos do bem comer e do bem beber estão associados. Afinal, conforme nos aplaina Carlos Drummond de Andrade em seu poema Para Sempre, tratando do alicerce afetivo que as mães erguem em favor dos filhos, a memória traz consigo o medo da perda, o desejo de preservação e o sentido de existência e concretude dos momentos mais privados airados pelo perfume dos temperos e da sonoridade do tilintar dos utensílios equilibrados pelas mãos hábeis de mulheres chefes de famílias: “mãe não tem limite/É tempo sem hora/Luz que não apaga…” E mais: em O Bolo, o poeta mineiro traduziu os efeitos que o ethos da prática alimentar impõe aos nossos desejos da gula e do gosto. Cabe sublinhar, a propósito, que gula e gosto são aquisições culturais que operam na esteira dos 15
sistemas das trocas simbólicas, das simulações e dissimulações do real. Os atos de comer e de beber indicam confluências sociais, mas, também, apontam para as sublimações humanas do prazer, da fartura e do afeto, claro. Na mesa interminável comíamos o bolo interminável e de súbito o bolo nos comeu. Vimo-nos mastigados, deglutidos pela boca de esponja. No interior da massa não sabemos o que nos acontece mais lá fora o bolo interminável na interminável mesa a que preside sente falta de nós gula saudosa. O comer e o beber, por certo, convertem-se em devaneio. Carlos Drummond de Andrade sabia que o bolo não se resumia à necessidade primária, funcional de dirimir a fome, mas sim, inversamente, de prenunciar o deslumbramento de sensações naquele(s) que degusta(m) uma guloseima preparada sob a saga do açúcar e, de pronto, é reconhecida como um motivo para o evento da partilha. O ilustre poeta ratificou a relevância da memória social aparada nos preparos e pratos forjados na alquimia cujas medidas e volumes atendem por “pitadas” e “punhados”. O curso ministrado por Vanessa Moreira e Bianca Ziegler fez valer os sobressaltos da memória, ou melhor, da(s) memória(s) do cotidiano presentificadas. E, por isso, não finda, inacabada, furtiva. A Coordenação de Acervo, Pesquisa e Conhecimento – CAPC dedica-se a estabelecer e promover estudos temáticos a partir do diversificado acervo da Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece), bem como promover ações de pesquisa e análise documental hemerográfico e bibliográfico da Bece e, por conseguinte, difundir atividades e informações através de seminários, colóquios, palestras, cursos, exposições e publicações impressas e/ou digitais acerca do acervo da instituição que dialoguem com a Antropologia, a Sociologia, a História, a Biblioteconomia, a Ciência da Informação e a Literatura, por exemplo, no que tange à interpretação e à análise em torno da memória e da cultura do Ceará.
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O curso Publicação, Comida & Memória: Construção de Livros Artesanais de Receita expressou importantes matrizes da CAPC: a produção e difusão de conhecimento. Trata-se de uma iniciativa cuja perspectiva foi relacionar o acervo bibliográfico da Bece às memórias dos participantes do curso relativas às receitas de famílias com os processos de encadernação com o intuito de compilar sensações e afetos advindos do sentar-se à mesa. A carta náutica da Biblioteca Pública, reitero, Pública, Estadual do Ceará tem mudado as suas coordenadas. Há, na sua condução e condição atuais, uma feição de centro cultural. Uma Biblioteca, portanto, (re)afirmada na e pela diversidade e no empenho para e pela cidadania. E a memória, ou melhor, as memórias, sobremaneira, (res)guardadas e/ou provocadas nela, são audivelmente anunciadas nos vãos ou estantes de uma instituição que se impõe altiva e necessária nos tempos turvos e ruidosos pelos quais estamos passando. Aqui, reafirmo os meus agradecimentos ao Secretário de Cultura do Estado do Ceará, Fabiano Piúba; à Enide Vidal, Diretora da Bece; à Suzete Nunes, Gestora Executiva da Bece; à Ivy Ariane, Coordenadora de Comunicação da Bece; à Carla Vieira, Analista de Gestão Cultural da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará/ Coordenação de Acervo, Pesquisa e Conhecimento da Bece; às Bibliotecárias Isabela Araújo e Regina Célia, diretamente envolvidas no levantamento bibliográfico ao curso Publicação, Comida & Memória: Construção de Livros Artesanais de Receita; à Fernanda Meireles, Coordenadora de Ação Educativa e Cultural da Bece; à Amanda Bessa, da Coordenação de Ação Educativa e Cultural da Bece; a Daniel Neves, Designer Gráfico da Bece; à Uli Batista, Mídias Sociais da Bece; à Verônica Batista, Bibliotecária e Restauradora responsável pelo Laboratório de Conservação e Restauração de Papéis da Bece; à Aparecida Lavor, Gerente do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas e Comunitárias do Estado do Ceará; à Rebeca Carneiro, Auxiliar Administrativa da Bece e à Priscila Costa, também Auxiliar Administrativa da Bece. Nomes que, diariamente, fazem a nossa pueril e pulsante Biblioteca de 155 anos existir. Rodrigo Ribeiro
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REFERÊNCIAS BARROSO, Gustavo. Memórias de Gustavo Barroso. Fortaleza: Governo do Estado do Ceará, 1989. CAMINHA, Adolpho. A Normalista. Rio de Janeiro: Magalhães & C. Editores, 1893. OLÍMPIO, Domingos. Luzia-Homem. São Paulo: Ática, 1996. QUEIROZ, Rachel de. O Não Me Deixes: suas histórias e sua cozinha. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. TEOPHILO, Rodolpho. Historia da Secca do Ceará (1877 a 1880). Fortaleza: Typ. do Libertador, 1883. 18
RECEITAS EM PAPEL, LETRAS DA MEMÓRIA À MESA Pertencimento e afetividade; binômio, neste livro, elaborado em projeções de memórias de tempos, experiências e origens que não se querem esquecidos; quotidianos vividos que explicitam as múltiplas conexões entre o individual e o coletivo na complexidade da vida social, em especial articulação com os usos possíveis de passados que também não se querem esquecidos. Memória e esquecimento são prazerosamente trabalhados em operações de recordação e reconstrução de memórias familiares e comunitárias que permeiam os simples atos do cozinhar e do comer, tão corriqueiros e ao mesmo tempo tão importantes para as dinâmicas identitárias que fazem de nós o que somos. Num movimento de desejo de tornar tais memórias perenes, a construção de narrativas é uma das formas por meio das quais indivíduos, grupos e comunidades identificam laços, passados em comum e elaboram ferramentas para a compreensão de seus presentes. As narrativas de memórias neste livro foram criadas a partir de relatos de vivências alimentares quotidianas que passeiam entre passado e presente, da eleição de receitas de comidas afetivas que permeiam trajetórias de vida. As narrativas que apresentam as receitas rememoradas acionam lugares de origem, heranças culturais, aspectos que contribuem para a dinâmica de identidade de cada autor e conduzem-nos ao imaginário acerca do “ser cearense”, evidenciando a medida comunicativa de nossa cultura alimentar. O acervo da Bece, ponto de partida do curso Publicação, Comida & Memória: construção de livros artesanais de receita (mote para a elaboração e produção deste livro), é imensamente povoado por esses lugares, heranças e aspectos da cultura alimentar cearense. Da comida de todos os dias, à alimentação associada a rituais e ocasiões festivas (como batizados, aniversários, casamentos ou mesmo velórios), muito 19
se pode perceber acerca de nossa história e nossa cultura por meio das falas de autoras e autores como Rachel de Queiroz, Rodolpho Teophilo, Domingos Olímpio, Juvenal Galeno, Gustavo Barroso, Eduardo Campos e tantos outros. Seja nos jornais, na literatura de ficção ou na crônica memorialística, registrouse muito da memória de nossa alimentação, mormente a sertaneja, uma vez que boa parte dos autores que habitam o acervo da Bece, assim como os autores deste livro, têm origem não em Fortaleza, mas Ceará adentro; e é de lá que colhem a matéria para muitas de suas narrativas. Não obstante, a capital cearense é tão bem representada. Nas obras, podem-se colher ricos detalhes acerca das sociabilidades urbanas e da alimentação fora do lar em Fortaleza, ajudando-nos a enxergar grupos identitários, fossem esses formados por laços familiares, econômicos, profissionais ou de outro tipo. Nos “azuis da memória” de Gustavo Barroso, a exemplo, estiveram, em suas lembranças de Coração de Menino, no início do século XX, mulheres que, na calçada da Santa Casa, em frente ao Passeio Público, “com suas lanterninhas acesas ao cair da noite”, “alinhavam os tabuleiros de geropiga, gengibirra, roletes e guloseimas”, onde a meninada comprava “os mais deliciosos doces do mundo, saídos das hábeis mãos das coringuinhas ou das Bacuraus: pastéis de carne e de nata, doces-secos temperados com gengibre, suspiros, alfenins, filhoses, quindins, bons-bocados, queijadinhas, bolo de milho, pão-de-ló fresco ou torrado.” (1989, p. 103-104). Na ficção de Adolfo Caminha, encontramos detalhes de que ocasiões festivas, ainda que especiais, poder-se-iam limitar à simplicidade dos convivas. No casamento de Lydia e Loureiro, do romance A Normalista, os curiosos da rua “assistiam em pé, ao redor da mesa, àquella scena banal, de doze pessoas que comiam bôlo à guisa de pirão de farinha; ao todo eram quatorze, mas o Loureiro e a Lydia, por um escrúpulo mal entendido, apenas provaram o delicioso manjar e cruzaram o talher.” (1893, p. 179-180). Já em outras ocasiões, o luxo e o requinte eram enaltecidos, como nas “boasvindas” ao jornalista e político João Brígido, em regresso do Rio de Janeiro, noticiadas pelo Jornal do Ceará de 26 de setembro de 1904, também pertencente ao acervo da Bece. No registro das festividades, públicas e privadas, destacouse a “farta mesa ricamente adornada”, onde se serviu o seguinte “buffet e botequim”: 20
BUFFET Canja de galinha Peixe a escabeche Peixe em molho branco Peru recheiado Macarrão á brasileira Leitão assado Vatapá á bahiana Fiambre BOLOS E DOCES Diversas Qualidades BOTEQUIM Cerveja, Vinhos, Licôres, Cognac, vermouth, Champagne, etc. SORVETES E GELADOS Chá, café e chocolate
Uma diversidade de opções que contrastava em muito com a realidade de boa parte das personagens, inventadas e reais, retratadas pela Literatura Cearense, tanto na capital, quanto sobremaneira na dinâmica cultural alimentar sertaneja, o que nos ajuda, inclusive, na compreensão dos efeitos sociais e endêmicos das secas. Na cidade de Sobral dos idos finais do século XIX, Domingos Olímpio, em LuziaHomem, narra como “vinham de longe aqueles magotes heróicos, atravessando montanhas e planícies, por estradas ásperas, quase nus, nutridos de cardos, raízes intoxicantes e palmitos amargos, devoradas as entranhas pela sede, a pele curtida pelo implacável sol incandescente” para construir a penitenciária da cidade (1996, p. 13), cenas bem parecidas com as narradas por Rachel de Queiroz n’O Quinze, por Juvenal Galeno em suas Lendas e Canções Populares e por tantos outros autores. No contexto da produção cearense, literatura e ciência aparecem como parceiras históricas, convocadas, a exemplo, para o rigor de descrição que encontramos no naturalismo de autores como Rodolpho Teophilo, que nos trazem, com riqueza de detalhes, informações sobre a produção e, em consequência, o consumo de víveres pelo sertanejo cearense: 21
(...) o milho, o feijão, o gerimum e a melancia são consumidos até agosto, guardando-se sómente o sufficiente para plantar no anno seguinte. Em setembro começam a desmanchar a mandioca, a fazer a farinhada. E que alegres dias e festivos serões na humilde casa de palha dò pequeno lavrador! Parentes, amigos e visinhos, no mais cordial adjuctorio, com elle arrancam, raspam, cevam a bemdita raiz. Levam-na à prensa, à peneira, ao forno. [...] Feita a farinha, é recolhida em saccos que guardam sobre giraus, na pequena casa de taipa. Deve chegar para a alimentação até abril, tempo em que o roçado começa a dar algum gerimum, poucas vagens de feijão e melancias (TEOPHILO, 1883, p. 78).
Quando a seca permitia, a fartura dos roçados ia direto para as cozinhas e mesas sertanejas, que, em casas de famílias mais remediadas, traduziam-se em profusos cardápios com toda sorte de delícias possíveis! Da Fazenda Não me Deixes, propriedade rural pertencente à família de Rachel de Queiroz, a autora relembra e registra quitutes, como queijo de coalho, requeijão, baião-de-dois, canjica, pamonha, munguzá, cuscuz, panelada, buchada, sarrabulho, paçoca, carne assada, peru, galinha de cabidela, galinha cheia, capote, peixe, pirão, malassada, frigideira de siri, pato com arroz, carnes de caça e muitos doces, como a espécie de gergelim, de castanha de caju, o doce de caju, o jerimum de fogueira, bolo de milho, pé de moleque e bolo Luiz Felipe, além das bebidas, como o café, o aluá e a cajuína (QUEIROZ, 2000). Na apresentação de tamanha fartura que compõe parte importante do repertório de nossa cultura alimentar, Rachel de Queiroz detalha cores, sabores e sensações das comidas que saboreou naquele espaço de afeto, registrando, inclusive, puxadas de suas memórias, as receitas e as motivações para boa parte dos preparos que cita, lembrando-nos, inclusive, que, ainda que “sóbrio”, sempre que pode, o cearense abandona frugalidades “nas ocasiões consideradas de ‘festa’”. Conta que, “mesmo em muitas famílias de recursos modestos abrem-se exceções; fazem-se até dívidas, para comemorar devidamente um casamento, um batizado ou umas bodas de ouro.” (2000, p. 25). Da mesma forma que Rachel (tomando já aqui a liberdade de tratá-la pelo primeiro nome, por partilharmos de sentimentos e sensações repartidos no consumo comum de nossa culinária, eu, que, embora fortalezense, de alma sertaneja que sou) apresenta suas memórias como contexto para as receitas que apresenta em seu O Não me Deixes: sua história e sua cozinha, autoras e autores deste livro também o fazem. Cada receita escolhida e aqui relembrada e fixada em papel, dentre tantas que se 22
poderiam contar, traz muito do que se pode denominar “ser cearense”, pelo que comemos, como e por que comemos. Essa identificação facilmente relacionada à cultura alimentar, em todos os seus aspectos, da escolha dos alimentos, aos modos e motivos para prepará-los, relaciona-se forte e estreitamente a valores comportamentais comunitários, e os laços familiares são apresentados em unanimidade. A Coleção Acervo Cultural, que ora se apresenta ao público da Biblioteca Pública Estadual do Ceará em seu primeiro número, constitui-se da reunião de publicações como esta, cujas atenções estarão sempre voltadas à ampliação dos conceitos e sentidos sociais atribuídos aos entendimentos possíveis de Acervo e de Cultura. Considerando as práticas da pesquisa, da formação e da escrita promovidas e fomentadas pela Bece, equipamento de guarda e acesso, a coleção propõe-se a agrupar conhecimentos adquiridos mediante a experiência social e surgidos a partir de atividades focadas em reconhecer as diversidades, as pluralidades e as potencialidades de nosso público. Dessa forma, as experiências dos inúmeros cotidianos também podem e deverão ser referendadas como parte integrante de nosso acervo, ansioso por acolher histórias e memórias dos mais heterogêneos grupos que participam de nossas atividades de formação, pesquisa e difusão. Logo, são histórias sociais do viver, do experimentar, do saber e do fazer culturais que estarão aqui reunidas, a exemplo das que compõem o livro Publicação, Comida & Memória. Carla Vieira
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REFERÊNCIAS AMON, Denise.; MENASCHE, Renata. Comida como narrativa da memória social. Sociedade e Cultura. v.11, n.1, jan/jun. 2008. p. 13-21. CANTON, Katia. Narrativas Enviesadas. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2009. CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade, uma história da alimentação. São Paulo: Campus, 2003 CONTRERAS, Jesús; GARCIA, Mabel. Alimentação, sociedade e cultura. Tradução de Mayra Fonseca e Bárbara Atie Guidali. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011. CORTÁZAR, Júlio. Histórias de cronópios e de famas. Rio de Janeiro: BestBolso, 2013. GONDAR, Jô. Quatro Proposições sobre Memória Social, in: GONDAR, Jô; DODEBEI, Vera. O que é memória social, Rio de Janeiro: UNIRIO, 2005. HARRIS, Marvin. Vacas, porcos, guerras e bruxas: os enigmas da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. 24
ESCREVER RECEITAS E COSTURAR LIVROS A PRODUÇÃO DE ELOS DE AFETO DA MEMÓRIA SOCIAL ATRAVÉS DO FAZER MANUAL Chamamos de mistura a carne que “dá liga” ao “prato feito” (carinhosamente conhecido como PF, cotidiano em muitos lares e cardápios de restaurantes do nosso estado). A mistura não tão somente mantém uma soberania sobre os acompanhamentos (o arroz, o macarrão, os legumes, a farofa e a salada), mas também consiste num elemento que produz um sentido e um discurso para aquele agrupamento de alimentos de diferentes sabores, texturas e riquezas nutricionais e culturais. É a partir da palavra mistura, que nos convida a lembrar de seus sinônimos e a ideia de agrupamento, complexo, conjunto, confusão e sistema, que podemos descrever a experiência de construção deste livro. Durante os meses de fevereiro e março de dois mil e vinte e dois realizamos o curso Publicação, Comida & Memória: Construção de Livros Artesanais de Receita. A partir de uma pesquisa sobre receitas culinárias no acervo da Biblioteca Pública Estadual do Ceará, propusemos um cruzamento entre as nossas áreas de conhecimento e atuação profissional - o livro, as publicações artesanais e independentes, a gastronomia e a cultura alimentar - para propor aos participantes a produção de uma publicação coletiva. Oferecemos momentos de diálogo e partilha sobre o conceito de memória social, além de promover a experimentação das diversas etapas relativas ao processo de produção de livros artesanais - escrita, edição, diagramação, impressão, montagem, costura e acabamentos finais. Na construção do livro, além de escreverem os textos, os participantes-autores apresentaram sugestões visuais - fotografias antigas ou relatos de imagens da infância - nas quais Raisa Christina mergulhou para compor as ilustrações. Utilizando a técnica da aquarela, com borrões e manchas de cor, a artista produz ilustrações que fazem referência ao aspecto muitas vezes vago da memória, à indefinição de certos elementos e à falta de exatidão de rostos e cenas. Como os relatos de experiências e as lembranças, a aquarela também se esvai, as imagens se diluem e são constantemente reinventadas no nosso imaginário. Além das ilustrações em aquarela, as imagens que acompanham algumas 25
histórias - desenhos, fotografias, colagens e páginas escaneadas de um caderno antigo - foram compartilhadas a partir do acervo pessoal de cada autor. Os fragmentos de histórias contadas aqui partem de narrativas pessoais e singulares em torno das lembranças de comidas, de bebidas, de cozinhas, de pessoas e de lugares, que se tornaram experiências capazes de atravessar o tempo, marejar o olho, encher a boca d’água e fortalecer laços de pertencimento. A comida rememorada conta para além da história de uma pessoa ou de uma família, fala também sobre a memória social de um grupo que mantém as mesmas práticas alimentares. Para Gondar (2005, p.), memória social “é a essência do conhecimento coletivo e culturalmente conhecido por determinado grupo balizado por um determinado contexto”, que complexa e constantemente se dilui no ato quase que inconsciente de preferir, escolher, preparar e comer um conjunto de elementos já configurados para serem comidos. Dessa forma, dependendo de onde os pés estejam fincados, não seria uma escolha merendar tapioca com café, devido a uma combinação de fatores que dependem de como a mandioca e o café figuram na cultura alimentar, no ecossistema, no agronegócio e na gastronomia local. A comida está repleta de significados que podem e devem ser narrados e registrados, movimentando sentidos dentro e fora da cultura onde acontece, já que contam para além de quais, como e com quem os alimentos serão consumidos, por possuírem a força de informar à historiografia sobre o cotidiano e as profundas estruturas culturais, sociais e ideológicas. Comer, necessidade básica do ser humano, é um ato que acontece de maneiras diversas dentro de uma mesma cultura: há quem conviva com a fome, há quem tenha o privilégio de fazer escolhas como status social. Por muito tempo, os registros encontrados sobre os hábitos alimentares detinham-se no alimento em si e nas receitas - que se restringiam à descrição dos ingredientes e modos de preparo - de grupos que tiveram acesso à escrita e aos mecanismos de sistematização do conhecimento e da tradição. Por sorte, o saber que envolve a culinária e a cultura alimentar é difundido também nas culturas orais, permitindo a manutenção de saberes tradicionais (CARNEIRO, 2003). Este livro de receitas, criado a muitas mãos, faz-se relicário da memória social da cultura alimentar do Ceará, ao passo que orquestra a polifonia de vozes 26
vindas de Quixadá, Jaguaretama, Iguatu, Guaraciaba do Norte, Madalena, Pacoti, Amontada, Icaraí e Fortaleza, ressoando o cotidiano do que é indelével quando se fala de comer. As receitas apresentadas estão acompanhadas de histórias, que evocam tempos e espaços. Isso acontece até mesmo quando as lembranças quase se esvaem e pedem a licença poética da imprecisão, mostrando a relação de confiança entre quem conta uma receita àquele que a realiza apenas com os dados ofertados. A riqueza dessas receitas não depende da quantidade exata dos ingredientes e dos pormenores do modo de preparo, mas da partilha do “saber fazer”, ameaçado de perder-se no tempo, o que nos possibilita refletir sobre nossa própria memória culinária. Jéssica, ao escrever as receitas que eram feitas em São Gerardo - lugarejo localizado na zona rural do município de Madalena -, anuncia a impossibilidade de indicar a quantidade utilizada dos insumos. As proporções, por exemplo, de carne seca, farinha de mandioca, cebola roxa e manteiga da terra para se fazer uma paçoca, perpassam o gosto que é reconhecido por todos, o gosto social, permitindo ao leitor da receita uma habilidade para compreender a forma da preparação, a textura e o sabor, mesmo sem o recurso das medidas. O resultado que deve atender ao gosto coletivo não precisa ser negociado, sabe-se como é o gosto da paçoca (AMON; MENASCHE, 2008). A receita, mesmo parecendo simples, ao transformar-se em escritos culinários revela o desejo de permanência da comida e registra o repasse oral dos saberes que envolvem o ato de cozinhar, sem a interferência da ciência gastronômica. A receita da sopa de feijão feita pela mãe de Rosemeri nos lembra a espontaneidade das anotações pessoais, revelando a admiração pela mulher que criava estratégias na cozinha para fazer a comida render. Como a maioria dos autores deste livro, Rosemeri revela o papel das mulheres na cultura alimentar, que aprendem a cozinhar sobre tamboretes, para alcançar a pia e o fogão, ao terem que assumir os cuidados da casa de forma estratégica, burlando as dificuldades econômicas e reinventando receitas. Assim, esse livro de receitas singelas de certa forma também fala da grandiosidade das mulheres na sociedade. A comida, assim como outros elementos culturais, está passível da paradoxa influência do conservadorismo e da inovação. O fato é que a alimentação sofreu transformações em todos os tempos e lugares, adaptando-se aos modos de vida, exigindo a criatividade das mulheres. A comida feita no fogão à lenha na 27
casa da família da Patrícia em Jaguaretama, que contribui no gosto especial das preparações que povoam suas memórias, não pode ser feita da mesma forma em sua casa no Eusébio, mas pode ser adaptada e reinventada no fogão a gás (CONTRERAS, 2011). Célia escreve cartas para a neta Maria Clara na tentativa de transpor distâncias e se fazer presente, partilhando receitas que contam histórias da família, que não se localizam somente num passado longínquo. Falar de história e tradição é também perceber o presente. Ao ensiná-la a fazer a salada de pote, conta do seu empreendimento de venda de comidas, registrando um tempo em que a comida também é mercadoria, que salada faz parte da demanda de mercado e que dietas sofrem os impactos do conhecimento nutricional. Nas continuidades e mudanças das culturas alimentares há espaço para a integração de novos modelos alimentares, diferentes ingredientes e modos de fazer, ao passo que as adaptações vão sendo incorporadas e legitimadas, integrando novos sentidos. Ruan, ao fazer a transição para um dieta vegetariana, sem o consumo de carne, não se desfaz das memórias que envolvem a comida da família, posto que as representações identitárias da família e da cultura alimentar cearense se fazem viva justamente por serem passíveis de transformações (AMON; MENASCHE, 2008). Apesar das muitas circunstâncias que porventura permitem as mudanças e a homogeneização nos hábitos alimentares, a comida que se reconhece como parte da própria história, que compõe o patrimônio alimentar, resiste nas memórias, nas mesas do povo e nas possibilidades de registros. Aqui, reúnem-se uma amostra da comida do dia a dia, comida de festa, comida do sertão, comida de rua, comida do piquenique na praia, comida que cura, comida em tempo de escassez, comida em tempo de fartura, que compõem a miscelânea da cultura alimentar cearense. No texto Fim do mundo do fim, Julio Cortázar apresenta um mundo tomado por livros, no qual os chamados escribas não conseguem parar de escrever e publicar livros. Espaços das cidades são derrubados para acolher novas bibliotecas que não são suficientes para dar conta da produção. “Os pobres aproveitam os livros como tijolos, grudam-nos com cimento e constroem paredes de livros e moram em casebres de livros” (CORTÁZAR, 2013). Podemos observar, neste pequeno conto distópico de Cortázar, a criação de uma 28
crítica ao seu reverso, que ressoa a dificuldade de publicação e disseminação de livros, e por consequência a redução de leitores e escritores. O conto nos faz pensar-desejar a ideia de equilíbrio, onde os livros, que dentro da lógica do capitalismo também são objetos de consumo, consigam instaurar situações de transformação da percepção do mundo e a forma como tudo nele está interligado. O verbo publicar reflete o desejo de abrir um meio de comunicação, de inventar espaços e formas de experimentar o que o livro representa em relação a sua localização fronteiriça entre diversas linguagens, sotaques, pessoas, culturas, lugares e visões de mundo. Resgatar memórias e receitas, publicar de forma independente, mergulhar nos processos de edição e de confecção de livros artesanais, são experiências que nos conectam de uma forma muito intensa com a nossa história, através do pensamento sobre o que move o desejo de deixar registros da nossa ação e do nosso pensamento no mundo. Cozinhar, imprimir, costurar, montar.. as ações manuais nos convidam a acessar lugares reais e inventados, promover discursos, dialogar e entender mais sobre a relação afetiva entre as palavras, as imagens, os lugares, os ingredientes, as pessoas, os utensílios, nosso corpo e o espaço que ocupamos no mundo, seja físico, político ou simbólico. Kátia Canton (2009, pág 37) diz que “no momento em que se perde a confiança no excesso de imagens que varre o mundo”, produzidas pelas campanhas publicitárias, nos outdoors que aos poucos vão tomando conta das cidades, “contar histórias se transforma em um jeito de se aproximar do outro e, na troca entre ambos, de gerar sentido em si e nesse outro.” Pudemos assim, nesse processo de publicar coletivamente, mergulhar nos relatos dos autores que gentilmente abriram a porta da cozinha das suas casas, de seus familiares e entes queridos para pensar sobre nossas raízes e nossas ligações com nossos antepassados. Diante do atual contexto ambiental, que nos aponta mudanças climáticas e sociais que poderão afetar consideravelmente nossas formas de alimentação, esse livro representa um registro do passado, do tempo presente e, mais que isso, uma forma de nos conectarmos com o que virá. Que possamos pensar juntos, no decorrer dessas páginas, também sobre a importância das ferramentas com as quais estamos construindo o futuro que queremos, sejam livros, afetos, enxadas, insumos, panelas ou colheres de pau. Bianca Ziegler & Vanessa Moreira 29
Eu sou de uma terra que o povo padece Mas nunca esmorece, procura vencê, Da terra adorada, que a bela caboca De riso na boca zomba no sofrê. Não nego meu sangue, não nego meu nome, Olho para fome e pergunto: o que há? Eu sou brasilêro fio do Nordeste, Sou cabra da peste, sou do Ceará. Tem munta beleza minha boa terra, Derne o vale à serra, da serra ao sertão. Por ela eu me acabo, dou a própria vida, É terra querida do meu coração. Meu berço adorado tem bravo vaquêro E tem jangadêro que domina o má. Eu sou brasilêro fio do Nordeste, Sou cabra da peste, sou do Ceará. Ceará valente que foi munto franco Ao guerrêro branco Soare Moreno, Terra estremecida, terra predileta Do grande poeta Juvená Galeno. Sou dos verde mare da cô da esperança, Que as água balança pra lá e pra cá. Eu sou brasilêro fio do Nordeste, Sou cabra da peste, sou do Ceará. Ninguém me desmente, pois, é com certeza, Quem qué vê beleza vem ao Cariri, Minha terra amada pissui mais ainda, A muié mais linda que tem o Brasí. Terra da jandaia, berço de Iracema, Dona do poema de Zé de Alencá. Eu sou brasilêro fio do Nordeste, Sou cabra da peste, sou do Ceará. Patativa do Assaré
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RECEITAS DE FAMÍLIA ESPALHADAS PELO CEARÁ - AS MEMÓRIAS QUE MAREJAM A BOCA E OS OLHOS
DO PARAPEITO DA JANELA EM QUE DEBRUÇO O OLHAR Roberto Araújo
DO VIVIDO “LEMBRADO” E DO VIVIDO “ESQUECIDO” Como signo de pertença, a comida nos toma e conduz por sendas onde confluem, mesclam-se e são postos à mesa das vivências os aromas de tempos pretéritos, os sabores experienciados, os contextos rememorados e as afetividades. Ato sensorial pleno. Comer, comemos com nossos sentidos, todos. Olhos e ouvidos atentos são vias comunicantes de nuances que instigam a pressagiar estruturas e morfologias, princípios e contornos do estético palatável. Tato, contato epidérmico desnuda fronteiras sensíveis e estruturantes do comestível. O senso olfativo rastreia, fareja aromas e temporalidades sensíveis que desembocam na gustação do palatável trazendo à tona suculências profundas e prazeres sápidos. Componentes de um léxico-gramatical de sentidos e afinidades, memórias gustativas alinham fronteiras de identidade e pertencimento. Irrigam o chão dos afetos sobre o qual são edificados os pilares do gosto, uma construção social. Não obstante, reminiscências não aquiescem ao livre arbítrio do desejo. Sob a batuta da ânsia de reter o tempo, afloram, mas também abrigam-se, por vezes, nos recantos enevoados do palácio de Mnemosine1, até que uma réstia de luminescência salpique as deslembranças trazendo-as à luz. Seus caminhos são labirintos, densas tramas tecidas no tear do tempo e dos afetos. Podem chegar como o sopro calmo do vento que anuncia a chuva ou num sobressalto no desvão temporal do espanto trazido por aromas, sonoridades e sabores, como as madeleines de Proust2. Garimpar, inquirir memórias, revolver delicadamente camadas de sedimentos ecoantes dos afetos e das afinidades eletivas que nos vestem de sentido. Íntimas, viscerais, únicas. Para alcançá-las, precisamos mergulhar em nossa imensidão semiplena para recolher pérolas, fragmentos de nós mesmos. Labor íngreme entrecortado pelo astucioso esconde-esconde dos sentimentos.
SER TÃO SERTÃO, SER! Por sorte ou nem tanto, vim ao mundo – um outro mundo, outro tempo por certo – em meio ao chão duro cercado de pedras – monolitos, no dizer popular - no Sertão Central do Ceará, o que deixou marcas indeléveis em um coração sertanejo que vaga por urbanidades a tanger sonhos e desejos. Em Quixadá – curral de pedras, em linguagem ancestral – dei meus primeiros passos rumo ao mundo, mas lá 1. Deusa grega das memórias e esquecimentos. 2. Talvez a mais famosa iguaria da literatura universal. Citada por Marcel Proust no romance “No Caminho de Swann”, o primeiro dos sete volumes que compõem a obra “Em Busca do Tempo Perdido”, e que passou a simbolizar a mola propulsora da memória involuntária.
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ficou enterrado meu umbigo, naquele chão, naquela terra que de alguma forma me estruturou como ser vivente, sobrevivente. Desse lugar afetivo, trago meu embornal3 de lembranças, meu rico tesouro de menino pobre. Jogar bila, brincar de seta, empinar arraia, banho de chuva na biqueira da casa, caçar passarim pra comer torrado, pescar no rio, subir em árvores para colher manga, goiaba, caju, ata, siriguela, pitomba, azeitona roxa ou outras que já não me lembro. Escalar perigosamente os gigantes de pedra espalhados por todos os cantos da cidade e em seu entorno. Esperar na estação a hora do trem passar e ficar imaginando para onde iria, os lugares que veria. Das férias escolares na serra do Estevão, no sítio Topé, visitava a bodega de meu tio Raimundo, onde pude provar o queijo coalho curado na farinha de mandioca do caixão de madeira, o mesmo em que conservava-se o pão. Na fazenda Santa Inês, eu acordava cedinho e, com a caneca na mão, sentava-me na porteira do curral, à espera do leite mugido ou para acompanhar o feitio do queijo coalho. Deste, retirava-se o soro na prensa de madeira. Por vezes, eu recebia o carinho gentil da trabalhadora, que me reservava um pouco do queijo ainda úmido antes de ir para a última prensagem. Sabor único. Lembranças e estimas. Do sertão, trago ainda juízos e valores com os quais entabulo diálogos com as coisas do mundo, particularmente no que se concerne aos saberes e sabores do “d’cumê”. Lá tenho minha janela. Em seu parapeito, debruço-me para intuir o mundo e dizer do meu universo de sertaneidades. Nem maior nem menor que o de outros, apenas o meu, à minha medida. Nesse espiar dos tempos idos, deparo-me com práticas que me sublimam. A lembrança de várias moradas, o lugar de viver, com seus quintais, árvores frutíferas, canteiros de hortaliças, ervas e legumes, poleiros para as galinhas e chiqueiros para os porcos. Tudo era cuidado por minha mãe, Dona Edna. Como a maioria das mulheres de seu tempo, ela era hábil nas artes de costurar em suas máquinas manuais, tecer imagens bordadas em bastidores4, fazer em crochê adornos de panos de prato. Mas suas virtudes mágicas revelavam-se no saber-fazer dos atos de cozinha. Transformar o simples, trivial e exíguo, em porções de muito aroma, sabor e carinho. Dos fogões à lenha e fogareiros, das panelas de barro ou alumínio, dos tachos metálicos ou dos “cacos de pote”, surgiam feijões cozidos, enriquecidos com toucinho ou banha de porco, fumegantes arrozes refogados, baião-dedois, mugunzá salgado, doces de frutas, cocadas, cafés aromáticos, tapiocas, 3. Saco, sacola que contém a comida do homem e de sua cavalgadura 4. Aros de madeira nos quais se fixava o tecido que se bordava à mão.
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paçoca de carne seca, carnes cozidas em bastante caldo para dar um bom “pirão escaldado”. Comida de “sustança” para o corpo e para a alma. Os produtos industrializados eram pouco acessíveis aos menos afortunados. As bodegas, assim como a feira, eram os centros de abastecimentos de víveres. O café era comprado em grãos, torrado em casa e pilado no pilão de madeira, o mesmo onde se moqueava a paçoca de carnes secas. O milho seco, após ter ficado de molho, era moído em moinho de ferro preso à mesa, em movimentos e ondulações ritmados, num verdadeiro balé culinário. Quando o inverno era bom, o feijão de corda, verde, maduro ou seco, chegava do sertão ainda na vagem. Era empilhado num canto da parede e, a depender do estágio de maturação, realizava-se a debulha. Tal trabalho exigia muitas mãos e podia envolver, além dos familiares, vizinhos. A essa lida seguia-se a partilha com colaboradores, amigos e demais envolvidos. Parecia haver um senso de coletividade que pouco se percebe hoje. Ainda ecoam as advertências de minha mãe, ignoradas por mim e pelos outros: “Num rão brincar nesse feijão que pode ter russara!” Essa “russara” era uma coceira provocada pelo contato com a palha do feijão. Junho era o mês da colheita do milho, que vinha do sertão, ainda empalhado. O milho era alimento base de inúmeras comidas das festas juninas, desde as pamonhas, as canjicas, os bolos até o próprio milho assado ou cozido. Um verdadeiro ritual era então perpetrado para aproveitá-lo ainda verde. As etapas eram as seguintes: despalhar o milho, selecionar as melhores espigas para ralar e fazer a canjica e as pamonhas, obviamente salgadas, que seriam consumidas e partilhadas como prova de estima. O ralador de milho era feito com uma lata de óleo aberta e perfurada, formada numa estrutura gradeada de madeira. Funcionava bem. Os sabugos cortados eram adicionados à comida dos porcos, a que chamávamos de “lavagem”.
VENDER COMIDA PRA PODER COMER Não há romantização nesse modo simples de subsistir. As condições de vida, sempre difíceis, por tantas vezes levaram minha mãe a realizar trabalhos diversos para complementar a renda familiar e não deixar os filhos passarem fome. Produzir e vender comida era um recurso oportuno. De pratos de comida, vendidos nas frentes de serviço do governo em épocas de seca, a café, bolos, tapiocas, cocadas, oferecidos nas portas das fábricas de redes do município: todos tratavam-se de serviços culinários realizados por Dona Edna, nos quais pude auxiliar, por diversas vezes, no preparo e na venda. 38
Pobre, semialfabetizada, não teve como companheiros os livros e os cadernos de receitas. Como tantas outras de sua geração, aprendeu as artes da cozinha simplesmente observando, inquirindo, testando. Da necessidade impositiva, advêm duas receitas e preparações singulares que são lembradas por ela: o filhós e o chapéu de couro. Ambos bolinhos fritos que integraram o cardápio de iguarias à venda, compondo par perfeito com o café quentinho.
As receitas lhe foram repassadas por uma vizinha. As primeiras porções foram produzidas com dinheiro doado por meu avô, o seu pai. Como não havia em casa fogão a gás com forno, nem mesmo recursos para fazer o forno de alvenaria, a solução eram receitas que prescindissem do forneamento. Com poucos ingredientes, eram de simples execução. Seguem as receitas das pequenas iguarias que povoam minhas memórias gustativas. 39
FILHÓS INGREDIENTES
3 ovos 3 xícaras de farinha do reino 2 colheres de manteiga (não especificou qual o tamanho dessa colher) Sal 2 colheres de café de pó Royal 5 colheres de sopa de leite Ninho Óleo
MODO DE PREPARO
Bater as claras em ponto de neve. Misturar as gemas. Juntar as gemas, as claras em neve, a farinha do reino, o leite ninho e o pó Royal. Colocar a manteiga e um pouco de sal Esquentar o óleo numa frigideira e fritar colheradas da massa. Para finalizar, salpicar açúcar por cima
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CHAPÉU DE COURO INGREDIENTES
4 ovos Duas xícaras e meia de açúcar Um coco ralado Uma xícara e meia de massa de milho Sal 1 xícara de leite 3 colheres de sopa de manteiga Óleo
MODO DE PREPARO
Misturar tudo numa bacia e colocar uma xícara de leite. Esquentar o óleo em uma frigideira e fritar colheradas da massa.
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SAUDADE DAS VIAGENS A SÃO GERARDO Jéssica Pereira
Para muitos, comida de infância é aquela que costuma ser preparada por uma avó jeitosa. Por mais que se tente realizar a mesma receita, o resultado não sai nada parecido ao dela. No meu caso, é diferente. Na verdade, não me lembro bem das comidas que minhas avós faziam, a não ser do lanche com pipoca e “ki-suco” que a avó materna preparava quando chegavam as visitas. Quanto à avó paterna, guardo poucas lembranças, dentre elas a imagem de seu cabelo enorme, sempre mantido preso, e do bombom azedinho que ela dava a mim e à minha irmã mais nova, Steffani. Sou a filha mais velha de Maria Estela, que é natural de Aracoiaba e a primeira filha mulher de Roberto Flavio, natural de Caucaia. Meu pai gostava de contar que, no jantar na casa de sua avó, servia-se arroz de leite e carne bovina com pirão. Tal refeição é considerada, hoje, muito pesada para se consumir à noite, porém, décadas atrás, esse menu parecia simplesmente normal. As vizinhas Sheiliane e Sheilane Tatiane recordam que, quando eu era bebê, meu pai costumava me deixar aos cuidados delas. Segundo as irmãs, eu era entregue muitas vezes agarrada a um pedaço de tripa de porco assada. A tripa já aparecia sem cor, de tanto que eu mordiscava e chupava o petisco. Ao lado da tripa, a mamadeira perdia toda a importância para mim. Tínhamos o hábito de viajar ao interior nos fins de semana. Cresci presenciando o plantio e a farinhada, brincando em rios e açudes, esculpindo em argila formas que mais pareciam panelinhas e bonecos desfigurados. Subia nas árvores e comia frutas direto do pé, um modo de provar a melhor culinária do mundo e observar os ciclos no sertão, entre a seca e a fartura. Um dos destinos mais frequentes das viagens era São Gerardo, lugarejo localizado na zona rural do município de Madalena, a mais ou menos setenta quilômetros de Canindé. Por lá, realizavam-se aniversários e outras comemorações da família, oportunidades para deliciosos banquetes. Mas a experiência gastronômica já começava no meio da estrada, pois era impossível passar pelo Bar da Farofa e não comer paçoca ou aqueles ovos coloridos, tão típicos das comidas de beira de estrada. Às vezes também parávamos na região das “Lages” e comíamos buchada. Sobrava tempo para um banho de açude e para a dose de cachaça de meu pai. Numa certa ocasião em São Gerardo, ficamos hospedados na casa de Dona Ignês e seu Leôncio, amigos de meu pai. Chegamos cedinho, pois ele gostava de participar do abate dos animais que, em seguida, eram preparados e servidos nas refeições. Mariana, minha sobrinha, e eu fomos observar Paulinha, a moça encarregada de limpar as tripas do carneiro abatido. No chão de areia, ela abriu dois buracos, um mais fundo que o outro, onde depositava as sujidades retiradas 44
com as mãos do intestino do bicho. Minha sobrinha berrava de nojo e, por azar do destino, acabou caindo sobre uma das cavidades. Essas tripas, depois de devidamente limpas, eram temperadas e serviam de recheio aos pedaços de bucho costurados, formando as deliciosas buchadas. Quando a comemoração se tratava de um casamento, geralmente era feito o abate de um boi. Das vísceras do animal, produzia-se a famosa panelada. Mas qual é a real diferença entre buchada e panelada? A buchada é feita do carneiro, cujas tripas são colocadas como recheio dos pedaços de bucho. Já a panelada é bovina: tripas e buchos são cortados em pedaços pequenos e cozinhados juntos. Já que o assunto é esse, como esquecer as tripas de porco sequinhas na companhia de uma boa farofa? Era maravilhoso estar presente na cozinha, acompanhar o preparo dos alimentos ao lado de pessoas tão queridas, com dedicação e afeto. Quando não estávamos no interior, meu tio George sempre encomendava a famosa buchada para amenizar a saudade. O sarrabulho e o mungunzá salgado eram outras preparações que meu pai gostava de fazer, ao reunir amigos em casa. Minha mãe não se interessava muito por cozinhar, já meu pai cozinhava divinamente, movido por amor. Inspirada por todo esse sentimento, decidi ser gastrônoma. Na faculdade, participo de um projeto de extensão chamado “Gastronomia social”, ao qual juntei o amor por cozinhar e ensinar, passando todo meu apreço pela prática culinária e formando profissionais excepcionais. As receitas que apresento não informam quantidade exata, já que tudo era feito no famoso “olhômetro”. Em relação ao sal, você pode acertar no final do preparo.
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ARROZ DE LEITE INGREDIENTES Arroz branco Água Leite Sal
MODO DE PREPARO
Cozinhe o arroz na água com o sal. Quando estiver quase seco, acrescente o leite e deixe cozinhar um pouco mais. Desligue o fogo, observando se o arroz ainda está com um tanto de leite para que pareça cremoso.
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PAÇOCA INGREDIENTES
Carne seca Farinha de mandioca Cebola roxa Manteiga da terra
MODO DE PREPARO
Deixe a carne de molho na água, de um dia para o outro, trocando a água algumas vezes. Cozinhe a carne na pressão por aproximadamente vinte minutos. Triture a carne e reserve. Refogue a cebola roxa na manteiga da terra, depois acrescente a carne e deixe fritar. Depois, acrescente a farinha e deixe mais uns minutinhos no fogo para conseguir uma paçoca bem crocante.
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COZIDO DE BOI COM PIRÃO INGREDIENTES
Carne bovina com osso Cebola Tomate Pimentão Cheiro verde Jerimum Sal Pimenta do reino Colorau Farinha de mandioca
MODO DE PREPARO
Corte as verduras, o cheiro verde e a carne. Numa panela de pressão, coloque a carne, as verduras, o sal, a pimenta e o colorau. Leve ao fogo. Quando ferver, tampe e coloque pressão, por aproximadamente vinte minutos. Retire da pressão e acrescente o jerimum cortado em pedaços médios. Leve novamente ao fogo para cozinhar o jerimum. Numa vasilha, espalhe um pouco de farinha e despeje o caldo de carne que estava na panela, ainda fervendo. O caldo deve cobrir totalmente a farinha. Misture bem até formar o pirão. Caso não fique na textura desejada, acrescente mais caldo.
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BUCHADA INGREDIENTES
Vísceras de um bode (bucho, tripas, fígado, pulmão, coração…) Pés de bode Cebola Pimentão Tomate Alho Cheiro verde Sal Pimenta do reino Agulha e linha
MODO DE PREPARO
Limpe as vísceras e corte-as em cubinhos. Pique as verduras e divida em duas partes. Uma delas acrescente nos miúdos. Tempere com sal, pimenta e colorau. Corte o bucho em mais ou menos 6 pedaços. Costure os lados do bucho formando um pequeno travesseirinho, deixe apenas um ladinho aberto. Preencha o bucho com os miúdos e costure a parte que estava aberta, fechando a buchada. Arrume as buchadas no fundo de uma panela, acrescente o restante das verduras, sal, colorau, pimenta do reino e os pés do bode. Cubra com água e leve ao fogo baixo por aproximadamente 1 hora.
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PANELADA INGREDIENTES
Bucho, tripa, unha de boi Cebola Alho Tomate Pimentão Cheiro verde Sal Pimenta do reino Colorau
MODO DE PREPARO
Comece limpando bem as vísceras, depois corte em pedaços pequenos e leve para escaldar. Deixe ferver por cerca de vinte minutos. Escorra a água, acrescente os temperos - cebola, alho, tomate, pimentão, cheiro verde, sal, pimentão e colorau -, coloque água até cobrir todos os ingredientes e leve novamente ao fogo. Deixe cozinhar até os pedaços ficarem moles, por, no mínimo, uma hora.
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FAROFA DE TRIPA DE PORCO INGREDIENTES
Tripas de porco Óleo Sal Farinha de mandioca
MODO DE PREPARO
Corte as tripas de porco e tempere-as com sal. Frite-as no óleo até elas ficarem sequinhas. Ao final, acrescente farinha e conserte o sal.
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SARRABULHO INGREDIENTES
Miúdos (Fígado, Coração, Garganta, Bofe, Toucinho) Sangue coalhado Cebola Pimentão Tomate Cheiro verde Alho Pimenta do reino Sal Colorau
MODO DE PREPARO
Corte o fígado, o coração, a garganta, o bofe e o toucinho. Tempere tudo com cebola, tomate, pimentão e alho. Numa panela, coloque os ingredientes cortados e temperados, depois cubra-os com água e leve ao fogo. Acrescente o cheiro verde picado, o sal, o colorau e a pimenta do reino. Deixe cozinhar por aproximadamente quarenta minutos e acrescente o sangue cortado. Deixe cozinhar por mais uma hora, até amolecer um pouco os ingredientes, porém, tendo cuidado para que o sangue não se desmanche.
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MUNGUNZÁ SALGADO INGREDIENTES
Milho para mungunzá Calabresa Toucinho, orelha e pé de porco Carne de charque Alho Cebola Tomate Pimentão Cheiro verde Sal Pimenta do reino Folhas de louro
MODO DE PREPARO
Coloque o milho de molho de um dia para o outro. Faça o mesmo com a carne de charque e os pedaços de porco salgados. No dia seguinte, comece por cozinhar, na panela de pressão, a carne e os pedaços de porco por cerca de vinte minutos. Em seguida, junte o milho, o alho, a cebola, o pimentão, o tomate, o cheiro verde, a calabresa, além do sal, a pimenta do reino e as folhas de louro. Ponha mais água e deixe cozinhar até os grãos de milho ficarem macios. Se necessário, corrija o sal. Pode servir com feijão cozido ou então colocar o feijão de corda para cozinhar no mesmo momento em que se acrescenta o milho na panela.
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UMA ESPÉCIE DE RECEITA Ranieri Nogueira
Outro dia, quando eu tinha sete anos, ou doze, ou vinte, ou na semana passada, estava sentado ao redor da mesa da cozinha com meu pai, minha mãe e meu tio Zilton - irmão da tia Zane, irmã da Zeumíria, irmã do Zilmar, irmão do Zilvan, irmão da Zezíria. Todos eram irmãos do Cavalcante, mais conhecido no Iguatu como Zé Nogueira, meu pai. A gente havia almoçado uma tilápia frita com baião de dois e macaxeira, refeição preparada por minha mãe especialmente para meu tio, que estava de visita. Veio até Fortaleza para resolver umas “coisas”, como ele dizia. Após um pedaço de silêncio que dizia da nossa satisfação em sentir a barriga cheia, meu pai se levantou, foi até a geladeira, sacou uma lata e disparou: “Sabe o que é isso, Ziltinho? Tá lembrado?” “Abra a lata que eu digo.” Ao abrir e despejar o conteúdo num prato, ele indagou: “E aí?” “Rapaz, parece ‘cachimbinho’, né não?” “Não, senhor, isso é espécie... Espécie de gergelim!” “Siiiim! Lembro demais! Onde é que você arranjou isso, Zé?” “Achei lá no mercado, perto da Lagoa da Telha, da última vez que andei no Iguatu. Comprei logo duas latas.” “Huuum... Mamãe fazia esse doce quando a gente era criança.” “A vovó? E tinha gergelim por lá? Como é que ela...” “Prova!”, meu pai disse estendendo uma colher cheia do doce que quase alcançou o meu rosto. Lambi a colher. “Que delícia! Não sou muito fã de doce, mas tá ótimo!”, exclamei. Eu nunca antes havia provado o doce, que tinha um aspecto de mel escuro e espesso, com pequenos grãos de tons mais claros, que se demoravam mais na boca ao mastigar. Meu pai serviu a sobremesa a todos e a conversa seguiu, enquanto comíamos lentamente o tal doce. “É bem facinho de fazer. Você pega meio quilo... ou litro... na época era litro... de farinha, meio litro de gergelim e uma rapadura. Tô mentindo, Ziltinho?” “Tá não.” “E tem gergelim no Iguatu? Tinha pra mim que o gergelim era um grão de outra região...” 56
“Ora, se não tem! O papai até plantava gergelim na época em que a gente morava do outro lado do rio, antes da cheia do Jaguaribe, nera, Zé?” “Depois ele passou a comprar na feira. Sabia escolher o melhor gergelim para fazer o doce. A mamãe dizia pra ele que ia fazer uma ‘espécie’ e ele saía para comprar os insumos. Num dava um pio.” Olhou para minha mãe e abriu um sorriso. Ela escutava a conversa com certa distância enquanto fazia uma ou outra coisa por ali. “Então você pega o gergelim, coloca na caçarola... mas é em fogo baixo... se bem que na época era fogão de lenha, né?”, meu pai parou alguns segundos, caçando alguma memória e disse: “Ajuda aí, Ziltinho!” “É isso mesmo, Zé. Ela colocava a panela no fogão à lenha e o gergelim ia torrando aos poucos, o cheiro subindo.” “Ficava cheiroso que só!”, continuava meu pai. “O gergelim ia estralando que nem pipoca. Quando ficava cheirando assim, já podia tirar do fogo. Mas pense num cheiro bom que ficava! Depois vinha a parte da farinha, que tinha que ser fina. Ou comprava uma fina, ou peneirava a grossa até afinar. Mamãe fazia com a fina, não gostava de farinha d’água.” “Essa farinha quebrava os dentes. Era cada pedra que vinha!”, recordava o tio. “Já eu gosto de farinha d’água! A farinha d’água boa mesmo, a do Pará, que vendia na avenida Sete de Setembro, em Porto Velho, não quebrava dente de ninguém lá em casa”, minha mãe comentou. Quando o assunto era farinha, ela tava dentro. “Mas, e o que acontecia depois?” perguntei. “Vamos ao processamento: mamãe pegava a torra do gergelim, misturava com a farinha fina e jogava tudo no pilão”, disse meu pai, projetando o corpo sobre a mesa. “O pilão era grande, eu quase não alcançava”, comentou o tio. “Pega a mão do pilão e amassa. Pode amassar! É tum tumm tumm amassando. É pamm pamm batendo. O grão é gordo, ele vai soltando um óleo e você vai amassando. Quando notar que o grão se desfez, você para. Tudo vira pó. Aquilo que dá o gosto no doce é o torrado. Você pode pegar também cinco cravos, enrolar numa trouxinha de pano, escorar num cepo e bater, bater, bater. Fica todo moído, todo amassado”, explicou meu pai. 57
“Num sei dessa história de cravo aí não! A mamãe nem de cravo gostava. Era cravo e erva-doce que ela não gostava, dizia que invadia a comida”, o tio interveio. “Tinha cravo sim que eu lembro!”, meu pai enfatizou. “Não sei disso não.” “É que tu não lembra.” “Lembro mesmo não.” Minha mãe, vendo que a peleja se arrastava, sugeriu com diplomacia: “Pois deixa o cravo como opcional. Se a pessoa gosta, ela põe; se não gosta, não põe. Pronto, resolvido!” “Depois, vem a rapadura!” “A tradicional, a escura, que tem cinco dedos de largura.” “Claro! Não pode ser aquelas lá de Aquiraz.” “O que que tem as rapaduras de Aquiraz?”, perguntei. “Meu filho, não sei hoje em dia, mas, naquela época, as rapaduras de Aquiraz eram fracas, diluídas, não sei explicar direito, mas não eram boas não. Não era rapadura mesmo, entende?” “Acho que sim.” “Você quebra a rapadura em alguns pedaços e coloca dentro da caçarola com um pouquinho de água para ajudar a derreter. E mexe. Quando começar a ferver, vai borbulhando pelos cantos e você vai adicionando aos poucos o pó do gergelim torrado com a farinha. Mas não coloca de punhado inteiro, vai afrouxando leeeeentameeeente os dedos para o pó cair até ir formando quase um mingau. E mexe. Vai mexendo, mexendo, mexendo..” “E pode mexer, viu! Até encontrar o ponto ideal que é nem muito fino, nem muito grosso. Se ficar fino demais, deixa apurar mais um pouquinho, senão vira garapa.” “Aí pode comer.” “Tem que esperar esfriar! Mamãe dizia que, se comesse quente, dava disenteria. Ela cobria com um pano e deixava esfriando em cima da cristaleira para ninguém mexer. Depois acabava sabendo quem mexeu pelo desarranjo intestinal de um ou outro. Eu, por exemplo, nunca mexi! Já a Zilca e a Zezíria...” “A Zezíria, ave maria! Mexia antes porque perdia o tacho. Era uma disputa. Mamãe fazia o doce num tacho – uma caçarola grande -, e o fundo da panela, o ‘pegado’, que era a melhor parte, sempre ficava com a Zilca.” 58
“Por quê?” “Ela era ruim de boca, não comia nada. Só banana, clara de ovo e arroz branco. Era uma luta pra ela comer. Por ser mais frágil, mamãe lhe dava a preferência. Doce, canjica, pamonha, baião-dedois, todo o ‘pegado’ que se fazia, a rapa do tacho, era tudo dela. Voltando ao doce, depois que esfriava, juntava todo mundo para comer, Vinha até algum vizinho atraído pelo cheiro que invadia a rua. Mamãe só fazia esse doce de muito e separava em latas de leite ninho. Os vizinhos queriam até comprar, mas ela acabava dando, não vendia. Uma parte também, depois de um tempo, mandava pro Zé Nogueira, que tinha ido estudar em Fortaleza.” “Eu estudava na estadual, morava na Casa do Estudante, ali perto do Mercado dos Pinhões. Mamãe mandava lata de todo tipo de doce pra mim, inclusive o de gergelim. Ganhei até um apelido na época por causa disso, mas é melhor deixar pra lá essa parte… Outra coisa, esse é um doce muito saudável! O gergelim é medicinal, como todo mundo sabe. A rapadura é rica em ferro, ‘sustança’ pura! O cravo, que na minha lembrança a mamãe botava, é natural também. A farinha é fécula de uma raiz. Ou seja: não tem contra-indicação. O doce é todo natural. Não tem química nenhuma”. A conversa seguia e eu, em meio às vozes que ficavam cada vez mais baixas, tentava relacionar as informações que ouvia, lembrar os procedimentos, enquanto imaginava cenas em diferentes épocas da vida de meu pai e dos tios. Eu conhecia a casa dos meus avós paternos e a cidade de Iguatu, mas não aquele tempo. Pequenos filmes se formavam rapidamente na minha cabeça e logo depois desapareciam para dar lugar a novos. Cores, cheiros, paisagens, vozes, sotaques, tudo ali revirado num tacho, apurando aos poucos. Restava uma espécie doce de outro tipo de “pegado”, aquele que não se deixa pegar. De que modo o sabor daquele doce era capaz de fazer tamanho festival em mim? “Ainda tem?”
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AS LATADAS DE CHUCHU DA VÓ HILMA Gabriel Ubatuba
Cresci com a vó Hilma cantando a saudade da infância, de quando ela viveu em Pacoti, no sítio Munguba. Da minha boca, não saía outra coisa senão “quero visitar a vó Hilma”, sabendo que ir para sua casa era sinônimo de comer comida gostosa e sempre ganhar um docinho de sobremesa. Pela tarde, a gente se reunia na sala e costumava receber a visita de alguns ex-alunos dela, que sentavam-se conosco para um café. Ouvíamos as famosas histórias da “Tia Hilma”, era assim que seus ex-alunos já adultos se referiam a ela, a senhora do sorriso bondoso e das narrativas cativantes. Orgulhosa de ser filha do Seu José Monteiro de Lima e da Dona Francisca Ninah Rocha Lima, os primeiros a subirem a serra com um caminhão, vovó ainda conta que lá no sítio se plantava de tudo e mais um pouco. Café, cana e chuchu para vender. Para comer, muitas frutas, legumes e verduras, uma pluralidade que faria inveja até mesmo às lojinhas de hortifrúti que vejo pela cidade grande. “Tinha jerimum pro feijão, jaca pro doce e um tantão de outras coisas que, só de lembrar, a saudade já aperta no estômago”, ela diz, sorridente. A gente ri junto e também saliva por causa da forma deliciosa com que ela fala das comidas. Conta sobre o terreno enorme que nem deu para aproveitar por inteiro. Somente quando o bisavô vendeu, descobriu-se por lá uma fonte de água mineral, onde hoje está instalada a empresa de água Pacoty. Eram vizinhos do Carlos Jereissati, mas amigos mesmo do Seu Zeca, que tinha um engenho três vezes maior do que o da nossa família. Então grande parte da cana produzida em nosso terreno era processada no engenho de Seu Zeca. A doçura das lembranças de vovó chegam a nossas bocas. Isso acontece toda vez que ela conta do caldinho de cana fresco que tomava quando moça e depois corria em volta pra casa com a sacola cheia de alfenim, batida e rapadura. 62
Podia chegar “bebinha” em casa, depois que o caldo havia se transformado em “cachaça no estômago por causa do sol quente”. A gente, que cresceu na cidade e só viu o caldo de cana no copo de plástico para acompanhar o pastel, muitas vezes nem imagina a riqueza em volta dos doces do engenho. Ao explicar que nada era magia, ela descrevia todos os processos de preparo das iguarias. Eu perguntava: “Como é que pode, vó, essa ruma de doce gostoso vir da mesma coisa e ainda assim ser diferente?” Ela respondia: “O alfenim dava calo na mão. Tua tia avó que se garantia e ainda dizia que deixava os braços fortes. Depois que o caldo secava e ficava só a massa, a gente passava uma ruma de goma na mão pra não queimar. Pegava um punhado que enchesse a mão e, daí em diante, era só puxar e torcer até chegar no ponto dele derreter na boca.” O caldo secava no tacho e só quem sabia o ponto de virar doce era o bisavô, pois ela sempre se distraía comendo. Um dia, Seu Zeca ensinou a ela a preparar a batida, pra que ela não reclamasse tanto quando puxava o alfenim. O processo era simples: pegava um punhadinho da massa, jogava um bocado de erva doce, cravo e canela em pó e aí batia tudo. “Tinha uma máquina que fazia isso pra gente, que ele me mostrou como ligava, mas - pra ficar gostoso mesmo - só no tacho com o seu Zeca batendo à mão.”
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AS LATADAS DE NINAH Dos prazeres da vida que ainda não tive, um deles é entrar numa fazenda com latadas de chuchu. Quando vovó falou que as tais latadas eram a coisa mais linda, eu me perguntei como latas com chuchu seriam bonitas. Logo depois pesquisei e entendi que as latadas são espécies de estruturas construídas para dar apoio à planta, um caramanchão, por onde os chuchus se desenvolvem. Bisavó Ninah era uma jardineira de mão cheia. Ela cuidava de todas as hortas e, principalmente, a dos chuchus. Tratava-se de um espaço comprido como uma vereda, onde a sombra vencia até o sol mais quente do verão. As flores penduradas de tantas trepadeiras ornamentavam o lugar, onde cada elemento tinha uma função. Aos pés das vigas, plantava-se cebola e cebolinha para afastar alguns insetos. Vovó dizia que a flor do maracujá era aquilo que fisgava o olhar, enfeitiçava e ajudava as abelhas do Seu Zeca. Um pouco escondidas, acima dos chuchus pendurados, as flores do maracujá produziam o contraste com o céu ao fundo. Nunca fui adorador de chuchu, pra ser sincero, até o dia em que vovó preparou uma receita especial que havia aprendido com sua mãe. Quando tento reproduzir a receita, ainda não consigo acertar. Talvez o encanto esteja apenas no tempero especial dela.
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RECEITAS QUE CONTAM HISTÓRIAS DO SERROTE Patrícia Oliveira
Filha de Cleide e Edmilson, irmã de Priscila e Paulo Ricardo, sou natural da cidade de Jaguaretama, Ceará, mais precisamente de um cantinho mágico chamado Serrote do Mato. Esse nome foi inspirado na serra pequena cheia de mato que se destaca na paisagem. Quando o inverno chega, é como se nevasse sobre o verde, pois as árvores de Pau Branco reinam soberanas e majestosas. O lugar da minha infância e dos meus antepassados fica na zona rural da cidade, onde o sol nasce cantando junto com os pássaros e o galo, alertando a todos que minha mãe já fez o café e que podem vir para o alpendre. O serrote sempre foi o cenário principal de muitas histórias contadas por minha vó Regina (mãe de meu pai). Segundo ela, o local já foi esconderijo de cangaceiros e palco de assombrações. Em mim, aquele lugar nutria apenas sentimentos bonitos, além do grande sonho de construir uma pequena casa de tijolos ao pé da serrinha, como na música de Victor e Leo: “Casa simplesinha/ Rede pra dormir/ De noite um show no céu/ Deito pra assistir /Deus e eu no sertão”. As receitas que faço são com ingredientes colhidos no Serrote: o milho cultivado para a fabricação do cuscuz, o feijão que me dá “sustância”. Também vêm de lá as melhores memórias de passeios matinais ao lado do meu inesquecível e amado Luck, o cachorro da raça Pitbull mais apaixonante e fiel que já conheci. Sou apaixonada por minhas raízes e muitas vezes até perco o sono imaginando o dia em que poderei viver debaixo do luar do sertão. Minha história com a culinária começou cedo. Quando criança, meus pais iam trabalhar na cidade e eu ficava em casa, tomando de conta dos meus irmãos e portanto tinha que aprender a cozinhar. Na ausência da minha mãe, as tias e a avó Regina eram meu socorro. Os programas de culinária na televisão prendiam minha atenção. Quando chegava do colégio, já ligava a TV e foi assim que escrevi meu primeiro caderno de receitas, aos onze anos, na companhia de minha 68
prima Rafaela. Além de alimentar o corpo, certa vez me disseram que cozinhar para alguém é temperar com afeto a vida do outro. Sou farmacêutica de formação. Após concluir os estudos em Brasília, voltei ao Ceará, para o município de Eusébio, onde me sinto bem acolhida. Ao escrever este texto, o ingrediente principal que utilizei na construção da narrativa foi a “tradição”, como possibilidade de inserção do passado no presente, ressaltando os costumes na cozinha da minha família. Meus familiares foram responsáveis por imortalizar os momentos em volta do fogão. Agora, percebo-me exercendo um papel importante: tornar acessíveis essas cenas de intimidade familiar, de valor simbólico e afetivo, a todos aqueles interessados pelas pequenas memórias sensoriais que marcam nossas experiências culinárias. A partilha destas memórias é também uma forma de conectar diferentes pessoas às nossas receitas, para que elas permaneçam encantando, dando sabor a outras existências. Uma das receitas mais tradicionais lá em casa é o “Bolo Preto de Milho da Minha Mãe”. Posso sentir o gosto dos ingredientes só de lembrar: o cravo, a erva doce, o melado de rapadura… Minha mãe costumava fazer esse bolo quando nos reuníamos em meados de dezembro, momento em que se festeja a padroeira da cidade. Cada um dos núcleos familiares fazia um prato diferente e levava para a casa de minha avó materna, onde nos encontrávamos. O bolo era sempre disputado.
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BOLO PRETO DE MILHO DE MINHA MÃE Há muito tempo que minha mãe não faz essa receita, pode ser que tenha algo no processo que ela esqueceu, algumas quantidades são de olho mesmo.
INGREDIENTES
1 rapadura preta 1 litro de água Margarina Cravo da índia Erva doce Coco ralado 3 copos de massa de milho
MODO DE PREPARO
Coloque a rapadura e a água numa panela e leve ao fogo para derreter. Depois, misture todos os ingredientes. Despeje a massa na assadeira e leve ao forno por trinta a quarenta minutos. Faça o teste do palito para se certificar de que está no ponto.
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O período de São João é, para mim, o mais repleto de sabores. Nessa época, em minha casa, fazemos o tradicional cuscuz de milho moído no moinho de ferro - de sabor inesquecível -, a pamonha doce e a salgada, a canjica, o mugunzá, além de atividades como a colheita do milho, reunindo toda a família, o que rende muita diversão. No início do processo, todos os homens se juntam para quebrar o milho, ou seja, colher o milho na roça. Depois, eles tiram a palha e separam os mais maduros para fazer pamonha e os mais secos para a massa de cuscuz. Para a pamonha, rala-se o milho e, para o cuscuz, o milho é moído no moinho. A moenda também fica a cargo dos homens que, além disso, já se adiantam em tirar o leite da vaca para acompanhar o cuscuz fresquinho. No meu caso, prefiro comer cuscuz com leite cozido, pois o sabor do leite cru é muito forte. Hoje, perceber a nova geração acompanhando todo esse processo, com olhos curiosos e ávidos em aprender, é indescritível. Luiza Regina, minha sobrinha mais velha, com onze anos, já gosta de cozinhar. Eu me vejo muito nela e guardo com carinho suas receitas, como a “Travesssa de Ninho”. Sinto orgulho e alegria quando experimento algo que ela mesma prepara. Acredito que o incentivo seja minha forma de contribuir para a construção de suas memórias culinárias afetivas.
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CUSCUZ DE MILHO MOÍDO NO MOINHO DE FERRO INGREDIENTES
6 espigas de milho zarolho (milho quase seco) Sal a gosto
MODO DE PREPARO
Tire a palha, limpe e debulhe o milho. Passe o milho no moinho de ferro por umas três vezes. Peneire a massa em uma tigela e reserve o xerém (a parte que não passa na peneira). Acrescente o sal a gosto. Misture e deixe inchar por aproximadamente cinco minutos. Coloque água na parte inferior de uma cuscuzeira ou de uma panela para cozimento a vapor e leve ao fogo por cerca de dez a quinze minutos. Antes de retirar do fogo, destampe a cuscuzeira ou desamarre o cuscuz da panela e introduza um garfo na massa para verificar se está realmente cozido. Se o garfo sair limpinho, a massa está pronta. Sirva com leite de vaca cozido e rapadura.
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Ao cozinhar, sempre estive rodeada de consideráveis referências na família. Tia Meire, por exemplo, teve um papel muito importante para mim, não só no aspecto culinário, mas também no sentimental, pelo seu sorriso largo e acolhedor, impossível de esquecer. Quando passei a morar em Fortaleza, toda vez que ia visitar a casa dos meus pais, trazia comigo um bolo mole da Tia Meire. Esse bolo é tão especial que nem consigo explicar com palavras, sou invadida pela saudade, talvez por imaginar que ninguém jamais conseguirá fazer como ela fazia. As experiências com a família em volta do fogão me renderam lembranças preciosas, como as visitas à casa da Titia Marilza, no interior de Russas. Era tão bonito poder acompanhá-la, aos 81 anos de idade, realizando seu ritual de acender o fogão à lenha, indispensável na produção de sua comida deliciosa e cheia de poesia. A meu ver, cenas como essa são fortes representações do afeto compartilhado entre aqueles que se amam. Aquilo que se come é tão importante quanto quando se come ou com quem. Hoje, considero a minha cozinha o lugar mais especial da casa, com uma decoração que me aproxima de muitas dessas referências e memórias. Recentemente, adquiri um novo item para o espaço: uma pintura em aquarela feita por Seu Joaquim, com quem tive o prazer de conversar sobre seu belíssimo processo criativo. Ele contou que mantém um diálogo com sua obra e que, em determinado momento, a própria obra lhe cobra para que o processo seja concluído. Entendo que, com a comida, acontece o mesmo. Vivemos o processo de cozinhar com tanta presença e tanto afeto que percebemos os elogios ao final, as conversas à mesa e todas as experiências originadas nas refeições como um diálogo que se perpetua para além de nós.
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BOLO MOLE DA MINHA TIA MEIRE INGREDIENTES
3 ovos 1 xícara e meia de açúcar 3 colheres de sopa de margarina 1 caixa de leite condensado 3 xícaras de massa de trigo sem fermento 1 litro de leite 1 pacote de coco ralado
MODO DE PREPARO
No liquidificador, bata os ovos, o açúcar, a margarina e o leite condensado. Acrescente a massa aos poucos e o leite. Despeje metade dessa massa na fôrma untada e, à outra metade, adicione o coco ralado e o restante do leite. Depois de misturar bem, despeje a outra metade da massa na fôrma. Leve ao forno por quarenta e cinco minutos. Com um palito, espete a massa para verificar se está no ponto (ele não deve sair melado).
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O CHEIRO DO COMINHO Rosemeri Dantas
Minha mãe, Dona Lourdes, é natural do Rio Grande do Norte, de uma pequena cidade chamada Macaíba. Meu pai, Seu Otoniel, é natural de Garanhuns, município de serra no agreste pernambucano. Eles se estabeleceram em Fortaleza na década de setenta do século passado, no bairro Mondubim. Minha infância foi muito simples, mas nunca passamos fome. Como tantas outras mulheres, minha mãe aprendeu a cozinhar e cuidar da casa ainda quando criança, então nunca teve tempo para brincar de fato. Já nós, seus filhos, fomos crianças na plenitude da palavra. Brincamos, estudamos e tivemos poucos afazeres domésticos. Eu gostava de ficar na cozinha, observando mamãe cozinhar e assim podia ajudar um pouquinho, pilando o alho e a pimenta. O cheiro do cominho é uma das mais fortes lembranças da infância. Além dele, o alho, a pimenta, o colorau, a cebola, o louro e o cheiro verde, todos temperos simples que, conduzidos pelas mãos de fada de minha mãe, até hoje produzem comidas maravilhosas e inigualáveis. Falo assim porque aprendi a cozinhar, mas, apesar da dedicação, não chego aos pés dela. Tudo que ela fazia e ainda faz é simplesmente divino: feijão, frango, peixe, macarronada, malassada, sopa, canja, até mesmo creme e torta de frango esses dois pratos, ela só veio a aprender bem mais velha. Sua sabedoria era transformar simples ingredientes em pratos inesquecíveis. Ela me contou que eu, quando criança, não gostava de comer feijão. Com medo de ficar anêmica, ela me obrigava a comer. O curioso era que, mesmo não gostando de comer feijão, eu adorava o cheiro dele cozinhando, aquele aroma do cominho impregnando o ambiente. Lembro que gostava de comer feijão com farinha, amassados na mão como bolinhos e passados no óleo que havia sobrado da carne frita.
FEIJÃO 1Kg de feijão Alho, cebola, coentro e louro Sal, pimenta e cominho Mamãe colocava o feijão de molho de um dia para o outro. Pela manhã, escorria o feijão e colocava numa panela, acrescentando uma cebola picada, coentro picado, duas folhas de louro, pimenta e alho batidos no pilão, um punhado de sal e cominho, cobria o feijão com três dedos de água e levava ao fogo mexendo de vez em quando até cozinhar, se necessário acrescentava mais água e ajustava o sal. Quando sobrava feijão mamãe fazia sopa para o jantar. Como éramos muitos, era uma boa estratégia já que a sopa rendia mais. Como o feijão era delicioso, a sopa ficava muito boa. 80
SOPA DE FEIJÃO Sobras do feijão Arroz ou macarrão Cebola, alho e cheiro verde picados Mamãe batia o feijão no liquidificador e colocava na panela junto com os temperos picados, levava ao fogo, quando fervia acrescentava o arroz ou macarrão, se eles estivessem já cozidos. Fervia por mais 10 minutos. Se eles estivessem crus, esperava até que eles cozinhassem e se necessário ajustava o sal.
FRANGO COZIDO COM BATATAS Lembro que mamãe fazia frango cozido com batatas, e eu adorava, me recordo de uma dia que estava jantando, e era frango, meus pais começaram a brigar e eu comecei a chorar, pois não gostava de vê-los brigando, e então o frango perdeu todo o seu sabor. Fiquei duplamente triste por meus pais estarem brigando e por que não era todo dia que tínhamos frango e eu havia perdido a chance de saborear meu prato preferido. 1 frango inteiro cortado em pedaços 2 batatas inglesas descascadas e cortadas em pedaços Cebola e coentro picados Alho e pimenta pilados Sal e cominho Ela colocava o frango e todos os temperos na panela, acrescentava água até cobrir o frango e levava ao fogo, esperava ferver e contava 20 min para acrescentar as batatas. Mexia de vez em quando, ajustava o sal, se necessário, e quando o frango estava macio estava pronto.
CANJA DE GALINHA A canja era um dos meus pratos favoritos para o jantar. Sempre torcia para sobrar frango do almoço, por que sabia que o jantar seria então uma deliciosa canja. Sobras de frango Uma xícara de arroz Cebola e coentro picados Alho e pimenta pilados Ela reservava os pedaços do frango e na panela que ele havia sido cozido acrescentava água e levava ao fogo para ferver. Quando havia fervido, acrescentava o arroz, a cebola, o coentro, alho e pimenta, sal e cominho. Quando o arroz estava quase cozido, retornava os pedaços de frango à panela, misturava, aguardava o arroz terminar de cozinhar e desligava o fogo. 81
A SAUDADE QUE TENHO DA COMIDA DA MINHA MÃE Luzineide Andrade
Ao lembrar a infância pelas ruas do bairro Jóquei Clube, em Fortaleza, logo abro um sorriso. Lembro-me das brincadeiras no final da tarde, na companhia de meus amigos. Brincávamos de carimba, bandeira e “cai no poço” - mas essa última era uma espécie de “brincadeira proibida”, não aprovada por muitos pais. Nos dias de chuva, era um sufoco ir para a escola, pois as ruas se transformavam em verdadeiros riachos. Mesmo assim, para nós, que éramos crianças, tudo era motivo de diversão. Na escola pública, onde estudei boa parte da vida, as merendas eram servidas em pratos e copos azuis. Quando o alarme para o recreio estava perto de tocar, já ficávamos tentando descobrir qual seria a merenda: canja, macarrão com sardinha, mingau (era amarelinho e muito gostoso) ou bolacha com suco (cujo sabor muitas vezes não conseguíamos decifrar). É certo que não houve apenas alegrias, já que a vida simples trazia algumas dificuldades, mas me orgulho dos aprendizados e da pessoa que sou hoje. Sou muito grata a Deus pelo presente que Ele me deu: minha família. Sou a quarta das cinco filhas de João e Francisca, que era mais conhecida como Dona Cleonice. Os dois trabalhavam muito. Ele era carregador numa empresa de transportes e ela, funcionária numa empresa de processamento de castanha de caju. Depois, ela passou a trabalhar em casa, lavando e engomando as roupas de algumas famílias. Meu pai trabalhava para nos alimentar e minha mãe, para nos vestir e calçar. Hoje já não os tenho fisicamente, mas a lembrança deles me habita. Ao pensar em nossas refeições, o primeiro prato que me vem à mente é o baião de dois com toucinho e ovo frito, nosso jantar de quase todos os dias, com exceção dos fins de semana. Nos almoços da semana, sempre havia feijão de corda, que era cozido no fogareiro para economizar o gás. Também havia arroz, macarrão e ovo. Para diversificar um pouco a “mistura”, minha mãe fazia malassada, farofa de ovos com torresmo e também pirão de ovos. No final de semana, a tal “mistura” mudava: podíamos ter frango cozido com batatas, carne ao molho ou peixe frito. De vez em quando, minha mãe também fazia o mungunzá salgado e o doce. Há muito tempo não como mungunzá. Só gosto do salgado, mas nunca me atrevi a fazer. Minha mãe usava poucos temperos, apenas sal, alho, colorau, pimenta e cheiro verde, mas tudo ficava gostoso. No jantar, podíamos nos deliciar com o cuscuz com leite, o arroz de leite salgado e a sopa preparada com as sobras de “mistura” do almoço. Das receitas que minha mãe fazia, aprendi a preparar o baião de dois com toucinho, a malassada e o arroz de leite. 84
BAIÃO DE DOIS COM TOUCINHO INGREDIENTES
Feijão de corda cozido e temperado (normalmente uso o que sobra do almoço) Arroz Toucinho Alho Cheiro verde Sal Colorau Pimenta
MODO DE PREPARO
Numa panela, coloque o feijão, o sal, o colorau, a pimenta, o alho, o cheiro verde e a água. Leve ao fogo até levantar fervura. Enquanto isso, em uma frigideira, coloque um pouco de óleo e, quando estiver quente, acrescente o toucinho cortado em cubos. Frite até que solte toda a gordura (banha). Quando o feijão estiver fervendo, coloque a banha, o torresmo e o arroz. Mexa e deixe cozinhar até secar. Caso seque e o arroz ainda não estiver cozido, ponha mais água. Como acompanhamento, sugiro um ovo frito. Fica uma delícia!
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ARROZ DE LEITE (SALGADO) INGREDIENTES
1 xícara de arroz branco 1 colher de sopa de manteiga 3 xícaras de água 3 colheres de sopa de leite em pó
MODO DE PREPARO
Lave o arroz e escorra. Em uma panela, derreta a manteiga e refogue o arroz. Acrescente o sal e duas xícaras de água. Deixe o arroz cozinhar até a água secar. Enquanto o arroz cozinha, ferva uma xícara de água e dissolva nela o leite em pó. Assim que a água do arroz secar, despeje o leite e deixe o arroz cozinhando no fogo bem baixinho. Quando estiver na consistência desejada, mais seco ou mais molhadinho, desligue o fogo e sirva a seguir. Prefiro o arroz mais molhadinho. Pode servir com carne.
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MALASSADA INGREDIENTES
Ovos Farinha de mandioca Sal Colorau
MODO DE PREPARO
Bata a clara em neve e depois junte a gema, incorporando levemente. Junte a farinha aos poucos e adicione em seguida os temperos a gosto. Em uma frigideira, coloque o óleo e deixe esquentar bem. Despeje a massa e deixe fritar. Depois vire a massa para fritar o outro lado. Sirva em seguida.
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O GOSTO QUE TEM O MEU ICARAÍ Francisco Anderson da Silva
Quando penso nas receitas de família, a memória sempre me leva aos almoços de domingo, quando minha mãe, Lúcia, estava de folga do serviço de diarista e podia preparar refeições um pouco mais elaboradas, como o frango cozido com batata, arroz, feijão, macarrão e farofa. Por ser o mais velho de cinco irmãos, durante muito tempo fui responsável por preparar refeições para os mais novos. Contava sempre com a supervisão da minha avó, dona Tereza, responsável por nós enquanto minha mãe trabalhava fora. Lembro do livro de receitas de minha mãe, que ficava no topo do armário da cozinha. Gostava de ler aquele livrinho no meu tempo livre. Fundamentado nele, testei várias receitas usando meus irmãos como cobaias. Em muitas delas, tive sucesso; em outras, como a de biscoito de maisena, ninguém se atreveu a provar. A simplicidade de nossas refeições estava diretamente ligada à nossa origem humilde. Morávamos em Icaraí, num conjunto habitacional sem água encanada, sob o sustento de minha mãe, diarista, de meu padrasto, caseiro, e de minha avó, aposentada. O Icaraí é uma vila localizada no litoral do município de Caucaia. O lugar sempre foi um paraíso pra mim. A escola ficava a alguns metros da praia, então, quando algum professor faltava e não havia aula, corríamos para o mar. Quando tias e primos vinham nos visitar no domingo, a família se reunia para um piquenique na praia, debaixo da sombra dos coqueiros. Minha mãe preparava o baião e a farofa bem cedo, pratos tradicionais que ela faz até hoje. Tias traziam outras comidas, refrigerantes e salgadinhos para as crianças. Passávamos o dia inteiro na praia, experienciando muitos momentos de felicidade. Só íamos embora no final da tarde. Sou corredor e iniciei meus primeiros treinos na praia como forma de meditação. Acordava por volta das cinco da madrugada e já ia correr descalço na areia, vendo o sol nascer e fortalecendo a conexão entre alma e natureza. Ao voltar da escola, costumava encontrar a bruaca sobre a mesa. Até hoje, essa espécie de panqueca cearense é minha merenda favorita, ainda mais se for acompanhada de um bom café. A receita é simples e prática, sem medidas exatas. Quando criança, aprendi a preparar a bruaca com água, em vez de leite, então de certo modo a minha receita é uma adaptação. Os ingredientes são: farinha de trigo, açúcar (o suficiente aos olhos para adoçar), ovo, margarina, sal e água. Misturo tudo e acrescento a água 90
aos poucos, mexendo até que a massa tenha uma consistência suave e uniforme. Frito porções da massa em óleo. O tempo de fritura costuma ser o mesmo tempo do preparo do café. Depois de fritas, basta jogar açúcar por cima. Naquele tempo, como havia boa parte da família morando por perto, normalmente aparecia algum primo para provar as bruacas e partilhar do café. Minha avó morava numa casa construída no quintal da nossa. Ela era muito presente no nosso cotidiano. Participava de farinhadas e voltava pra casa com beijus e tapiocas. Guardava a rapadura dentro da vasilha da farinha d’água. Muito religiosa, preparava o café, no domingo de manhã, enquanto assistia à missa do Padre Marcelo Rossi na TV. Eu era o responsável por acompanhá-la ao banco, todo início do mês, para retirar o dinheiro da aposentadoria e ajudar a trazer as sacolas de compras que ela realizava no mercado de Caucaia. O mungunzá, que ela adorava, era feito nesse período, pois demandava itens mais caros, como charque e toucinho. Ela utilizava um pacote de milho para mungunzá, carne de charque, toucinho, sal e pimenta. Como chegávamos do mercado pela manhã, ela já iniciava o preparo, deixando o milho de molho por seis a oito horas. Em seguida, o milho era cozido na panela de pressão, até ficar macio. Depois ela acrescentava carne de charque, toucinho, pimenta e sal. Todo o preparo ficava pronto no finalzinho da tarde, quase noite. Era servido na janta e, novamente, apareciam primos e tios para a ocasião. Minha mãe sempre gostou de cozinhar. Grande parte das receitas que aprendeu foi resultado de longos anos trabalhando como diarista e cozinhando para os patrões. Ela costuma cozinhar cantando. Entusiasmada, conta a receita do bolinho de arroz, uma comida gostosa, que ela, como boa dona de casa, faz também para reaproveitar o arroz guardado na geladeira.
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BOLINHO DE ARROZ DA DONA LÚCIA INGREDIENTES
½ xícara de leite 2 xícaras de arroz cozido 1 ovo 1 xícara de farinha de trigo 1 cebola picada 1 cenoura ralada Coentro Sal a gosto
MODO DE PREPARO
Junte todos os ingredientes e misture bem. Com ajuda de uma colher de sopa, faça bolinhos e friteos em óleo quente.
A COCADA DO EDMAR Outra receita marcante é feita pelo meu padrasto, Edmar. Trabalhando como caseiro numa residência de veraneio há mais de trinta anos, ele aprendeu muitos afazeres domésticos. O feijão de corda e o arroz soltinho são os pratos que ele faz até hoje, com características inigualáveis. Mas a cocada preparada por Edmar, ainda que ele o faça raramente, é o doce mais provocador de suspiros. No Icaraí, há coqueiros em abundância, então a cocada é muito popular. Entretanto, a de Edmar é especial. Sua cocada é macia, cheia de mística em torno do “ponto” que só ele sabe acertar. A receita é a seguinte:
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INGREDIENTES
2 cocos ralados 2 xícaras de leite 2 xícaras de açúcar 2 caixas de Leite Moça (leite condensado)
MODO DE PREPARO
Numa panela, junte o coco ralado, o leite e o açúcar. Leve ao fogo e vá mexendo até soltar do fundo da panela. Acrescente o leite condensado e continue mexendo por mais cinco minutos até dar o ponto. Despeje numa forma quadrada e umedecida, para evitar grudar na hora de cortar. Dica: Edmar recomenda usar Leite Moça, pois, segundo ele, o item é indispensável para o sucesso da receita.
Em 2014, nasceu minha filha Isabela. Compartilhar a vida com ela é uma sensação indescritível. Na cozinha, não é diferente. Já nos aventuramos juntos em alguns preparos, dentre eles, os doces, sobretudo. Bolo de cenoura, brigadeiro, mousse de maracujá. Receitas simples que, além de produzirem comidas gostosas, representam o amor de pai para filha, a partilha de experiências. Na companhia da pequena, tenho agora mais um capítulo para percorrer na estrada da vida, repleta de sabores.
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A MESA FESTIVA DOS CAENGA Karoline Oliveira
Nós, caengas, somos descendentes de José Sérgio de Oliveira, nascido na Messejana (pouco tempo antes de sua anexação ao município de Fortaleza) e de Antonieta Cruz de Oliveira, de origem desconhecida, ambos meus avós. Infelizmente, boa parte da história dos dois se perdeu, inclusive a origem do apelido dado à nossa família. Uma coisa é certa: todo caenga tem perna fina. Meus avós tiveram doze filhos: Sérgio (meu padrinho, que faleceu quando eu ainda era criança); Vandicles; Valdizia; Antônio; Fátima (minha mãe); José; Chico; João; Cícero; Joana; Cláudio e Raimundo. A maioria da família morava perto, no bairro José Walter ou em bairros adjacentes. As reuniões aconteciam prioritariamente aos domingos, na casa dos meus avós. Lembro-me bem dos meus tios bebendo cachaça e cerveja. Claro que sempre havia confusão, quando juntava “uma ruma de bebo”. Meu avô foi um ótimo cozinheiro e minha avó não cozinhava. Mas todos os filhos aprenderam a cozinhar e, por algum tempo, trabalharam vendendo bolos. Até hoje meu tio Raimundo tem uma lanchonete no José Walter. Talvez minha afinidade pela cozinha tenha a ver com toda essa história. Meu interesse pela Gastronomia surgiu na infância. Fui uma criança tímida. Brincava sozinha, dispondo bonecas e ursinhos de pelúcia ao redor de uma pequena mesa imaginária, enquanto preparava refeições para eles. Também gostava de brincar de lanchonete. Durante as brincadeiras ao longo da tarde, sentia o cheiro do café passado pela minha mãe. Era o momento em que ela parava as atividades do lar e sentava-se à mesa comigo. Nos fins de semana, geralmente uma prima dormia em nossa casa, então era tempo de bolo no forno. Podia aparecer bolo fofo, de milho, de coco, de chocolate, em diversos formatos: redondo de furo, retangular, cortado em pedaços e envolvido em papel alumínio. Nos aniversários das crianças, tínhamos bolo caseiro e docinhos bem diferentes dos de hoje. O leite condensado era produto caro. Por conta da minha timidez de criança e por ser a mais nova da família, eu era muitas vezes desprezada nas brincadeiras entre primas e primos. Diziam que eu era a “café com leite”, aquela que não participava de verdade dos jogos. Por isso, mais do que a festa em si, eu amava mesmo todas as etapas que antecediam o evento: preparar as comidas, enrolar os docinhos, decorar os bolos, separar tudo e realizar a decoração. Então eu tentava me desvencilhar das primas e passava o dia observando a movimentação das mulheres na cozinha, fazendo ou esquentando o arroz, acertando o creme de galinha, beliscando uma coxinha ou tomando café. 96
Aniversário, festa junina e Natal eram as principais celebrações da nossa família de onze tios maternos. Os almoços de domingo seguiam até o fim da tarde, regados com cerveja e cachaça para os mais velhos. No rádio, tocava Alípio Martins e muito carimbó. Acho que daí veio minha inclinação para as músicas paraenses. No prato, vatapá de sardinha “pelando” de tanta pimenta malagueta que meu tio Chico colocava. Havia muita carne assada e linguiça. Vez por outra, panelada e galinha a cabidela. O bolo toalha felpuda com café é a minha lembrança doce, além do popular “homem do sorvete”, que passava pela rua atraindo as crianças sedentas para provar aqueles gelados de corante rosa, amarelo ou azul. Não acontecia festa junina sem aluá. Esse fermentado alcoólico, geralmente de pão ou abacaxi, era servido às crianças. Paçoca - a carne de sol com farinha e cebola roxa - já era guarnecida com baião de dois e salpicão que, diferente do homônimo português, é uma salada de batata, cenoura, maçã, frango desfiado e maionese. No dia a dia, as refeições eram baião com ovo frito, malassada e ovo cozido com a gema mole. Também tenho a lembrança forte da “carne de lata” e das salsichas tipo Viena que, junto aos ovos trincados que eram vendidos de casa em casa, faziam parte da comida do cotidiano. Eram os insumos que podíamos comprar. Mais de vinte anos depois, descobri que as benditas salsichas Viena são valorizadas em Portugal. Mas, para mim, elas ainda remetem ao gosto da pobreza vivida na minha infância. Havia também as bruacas! Um nome estranho para algo delicioso. Talvez as massinhas de trigo fritas tenham parecido de mau aspecto para aquele que as denominou. Não esqueço o pão carioquinha com mortadela, o caldo de caridade feito com ovo e farinha de mandioca, as frutas que hoje já não encontro mais como antes, como a carambola (que adquiriu má fama após causar complicações em alguns portadores de doença renal crônica), o jambo, a pitomba… Minhas memórias culinárias são várias, então selecionei apenas algumas que mais marcaram momentos importantes em família.
VATAPÁ DE SARDINHA DO TIO CHICO A receita trata-se de um clássico do Natal. Ansiávamos pelo vatapá e todo o ardor na boca que ele nos causava. Éramos crianças, mas a receita não era pensada para estômagos sensíveis.
INGREDIENTES
4 latas de sardinha em óleo 97
3 cebolas picadas 2 pimentas malaguetas picadas e sem sementes Azeite de dendê a gosto 1 litro de leite integral Pão carioquinha dormido (quantidade suficiente para dar o ponto) Sal
MODO DE PREPARO
Liquidifique todos os ingredientes, exceto o dendê. Perceba se o pão adicionado atingiu a quantidade suficiente para dar consistência. Leve ao fogo, tempere com a quantidade de dendê que lhe agrade e adicione sal a gosto.
ALUÁ DA TIA VALDIZIA INGREDIENTES
4 pães carioquinhas 10l de água 2 colheres de sopa de cravo 6 a 8 rapaduras pretas 2 gengibres médios
MODO DE PREPARO
Importante: comece a preparar à noite. Coloque num pote de barro os 10l de água e os pães, em temperatura ambiente. No dia seguinte, pela manhã, torre o cravo em uma frigideira - apenas para soltar o cheiro -, e acrescente à mistura anterior, junto com o gengibre cortado em rodelas. Mexa para agregar bem o sabor. No terceiro dia, rale a rapadura preta e acrescente ao preparado, mexendo bem. No quarto dia, à noite, coe e guarde o aluá na geladeira. Dura pouco mais de uma semana. Beba gelado.
BOLO DE CUSCUZ COM IOGURTE Para muitos, o melhor bolo de milho que existe.
INGREDIENTES
Cuscuz (quantidade de acordo com o tamanho da sua cuscuzeira) Coloque queijo coalho e coco ralado no preparo. Se a cuscuzeira for pequena, reduza à metade os ingredientes seguintes: 3 ovos 1 xícara de açúcar 98
2 iogurtes gregos 3 colheres de sopa de manteiga 2 colheres de sopa de farinha de trigo 1 colher de sopa de fermento químico (pó)
MODO DE PREPARO
Bata tudo no liquidificador, mas acrescente o fermento por último. Despeje a mistura em forma untada e leve ao forno médio por trinta a quarenta e cinco minutos. Pré-aqueça o forno antes!
BOLO DE BATATA DOCE INGREDIENTES
3 ovos 3 colheres de sopa de manteiga 1 xícara de açúcar 2 xícaras de batata doce crua (300g) 1 xícara de leite 1 xícara de farinha de trigo com fermento 1 xícara de coco ralado (100g)
MODO DE PREPARO
Bata no liquidificador até virar um creme. Despeje em forma untada e enfarinhada. Asse em forno pré-aquecido a 180ºC, por trinta a trinta e cinco minutos.
SALPICÃO Receita de festas de Natal, que acompanha o creme de galinha ou os pratinhos típicos das festas juninas.
INGREDIENTES
1 e ½ kg de batata inglesa 1 kg de frango 250g de presunto 1 lata de ervilha 1 lata de creme de leite 1 vidro de maionese 1 vidro de azeitona 3 maçãs 300g de passas 99
MODO DE PREPARO
Cozinhe as batatas, corte-as bem picadas, como também as maçãs e o presunto. Desfie a galinha cozida ou assada e misture o resto dos ingredientes. Sirva gelado.
BOLO TOALHA FELPUDA Receita feita por minha mãe e suas irmãs, especialmente minha tia Joana. Sucesso do café.
INGREDIENTES
250g de manteiga 400g de açúcar 500g de farinha de trigo 5 ovos 1 xícara de chá de leite 1 colher de fermento 1 lata de leite condensado para a cobertura 1 coco ralado para a cobertura
MODO DE PREPARO
Bata o açúcar com os ovos e a manteiga na batedeira até formar um creme esbranquiçado. Acrescente a farinha de trigo alternando com o leite. Coloque o fermento por último. Despeje em uma forma untada e enfarinhada retangular e leve ao forno médio (180ºC). Após quarenta minutos de cozimento, faça o teste do palito e, se este sair já um pouco seco, cubra a massa com o coco e leite condensado e volte ao forno até concluir o assamento.
BEIJINHO DE COCO INGREDIENTES
1 copo americano de leite integral 6 gemas 1 coco ralado 500g de açúcar Cravo para enfeitar
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MODO DE PREPARO
Leve ao fogo todos os ingredientes. Quando estiver soltando do fundo, apague o fogo e deixe esfriar. Faça as bolinhas, passe no açúcar e ponha o cravo. Coloque na forminha de doces. Infelizmente, eu precisaria de mais outras tantas páginas para falar de todas as minhas lembranças culinárias. Assim como as madeleines de Proust, essas receitas me trazem memórias muito singulares, contam a história de uma família da periferia de Fortaleza com vocações culinárias, talvez vocações parecidas com as suas, que agora lê este livro, ou de algum amigo seu ou de alguém que você conheça.
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AS RECEITAS DA MINHA AVÓ QUE ALIMENTAM E CURAM Larissa Baía
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O cheiro do alho e da cebola refogando na panela é um dos melhores que existem. Quando eu era criança, amava ir à cozinha só pra sentir, de pertinho, o aroma das comidas. Ao lembrar, quase escuto o chiado do refogado fritando na panela. Na infância, eu gostava das panelinhas e dos fogões de brinquedo. Colhia folhas do jardim e fazia de conta que eram os ingredientes. Fui criada por minha avó paterna, Zilca. Éramos eu, ela, meus bisavós e meu pai, morando juntos numa casa na Barra do Ceará, com um quintal repleto de plantas. Minha avó era responsável pela cozinha. Cozinhava desde criança. Muito jovem, já observava as pessoas cozinhando e tinha vontade de aprender. Meu pai é filho único e ela sempre quis ter uma filha, então eu me sentia a filha que ela não teve. Sempre lembro das comidas que ela fazia para mim quando eu era criança, ela sempre preparava com carinho as coisas que eu gostava. Eu levava coisas tão gostosas para lanchar na escola que teve uma época que roubavam minha merenda, literalmente. Sempre gostei de bolo, eu era louca para aprender, mas nunca me deixaram fazer. Eu sempre pedia para mexer a massa, mas minha avó dizia que só uma pessoa podia mexer o bolo, que se mais de uma pessoa bater o bolo ou a mesma pessoa começar a bater em um sentido e depois mudar para outro sentido (horário ou anti-horário) a massa “desonera” e o bolo desanda. Então eu passei a ter um objetivo, que era aprender a fazer bolos, principalmente de chocolate, e como ninguém me ensinava, eu estava motivada a aprender sozinha. A primeira comida que eu aprendi a fazer não foi bolo, antes disso eu fui aprendendo a fazer coisas bem simples. A primeira comida que eu aprendi foi fazer arroz branco, foi meu pai quem me ensinou. Ele dizia que era essencial que eu aprendesse a cozinhar, ele sempre repetia: ‘’Todo mundo tem que aprender a cozinhar, pois todo mundo come.’’ Eu fiquei com isso na cabeça por muito tempo, então eu me sentia na obrigação de aprender, mas eu também já tinha interesse e fui pegando mais gosto pela culinária. Quando fui ficando maior, já com uns 11 anos é que fui ganhando aos poucos mais liberdade na cozinha. Depois de aprender algumas coisas, fiz o meu primeiro bolo. O primeiro foi daqueles de caixinha, o que pra mim já era uma vitória, mas com o tempo fui aprendendo outras receitas e fiz um bolo do zero. Na época, eu me interessava mais por doces, logo, era o que eu mais preparava. Foram muitas fôrmas queimadas. Eu adorava assistir programas de culinária. Infelizmente, muitos dos ingredientes que utilizavam estavam fora da minha realidade, mas ainda assim aprendi muita coisa observando a forma como preparavam, o que acabou ajudando nas receitas. 105
Com o passar do tempo minha avó foi parando de fazer bolos e outras receitas, meu bisavô adoeceu e então ela passou a fazer só o ‘’básico’’ na cozinha, pois cuidava dele. Aos poucos ela foi deixando de preparar muitas coisas e perdendo o gosto pela cozinha. Após o falecimento dele, ela passou a cuidar da minha bisavó até o falecimento dela. Então, ela foi cozinhando cada vez menos ao longo dos anos, isso também fez com que eu cozinhasse mais. Atualmente, ela elogia meus bolos e eu fico toda orgulhosa. Até hoje, é sagrado para mim lamber a vasilha da massa do bolo, lembro de quando minha avó terminava de bater o bolo me chamava para lamber a vasilha e esse costume eu tenho até hoje. Acho que às vezes faço o bolo já pensando nessa parte. É um dos meus gostinhos da infância, a minha lembrança mais doce.
BOLO DE CENOURA COM CHOCOLATE INGREDIENTES MASSA
2 cenouras grandes raladas 1 xícara de chá de óleo 3 ovos 3 xícaras de chá de farinha de trigo 1 colher de sopa de fermento em pó químico 2 xícaras de açúcar refinado
COBERTURA
4 colheres cheias de açúcar 2 colheres de chocolate em pó solúvel 1 colher de manteiga (para intolerantes à lactose, utilize a manteiga ghee) 1 colher de sopa de leite para desmanchar (pode-se utilizar leite sem lactose ou apenas água)
MODO DE PREPARO MASSA
No liquidificador, coloque a cenoura, os ovos e o óleo. Bata até a cenoura ficar bem triturada. Adicione o açúcar e bata por aproximadamente cinco minutos. Num recipiente, ponha a farinha de trigo e despeje o conteúdo do liquidificador. Misture bem com uma colher ou numa batedeira. Acrescente o fermento aos poucos e misture novamente. Unte uma forma e préaqueça o forno em 160° por dez minutos. Adicione a massa na forma untada e leve para o forno pré-aquecido. Quando o bolo começar a perfumar o ambiente, perfure-o suavemente com uma faca e observe se ela sai limpa. Se sim, o bolo está pronto. 106
COBERTURA
Numa panela em fogo baixo, coloque os ingredientes. Mexa até formar uma calda lisa. Faça furinhos no bolo e despeje a cobertura ainda quente sobre ele. Uma das primeiras receitas que me vem à cabeça quando lembro da infância é o bolinho de arroz, a comida preferida de meu pai. Ele e eu adorávamos quando minha avó fazia. Sempre que havia sobrado, do dia anterior, arroz e frango ou carne, ela resolvia fazer os bolinhos. Segundo ela, o ideal é utilizar o arroz do dia anterior, o que consiste numa excelente maneira de reaproveitar os alimentos. Hoje, entendo que ela também fazia os bolinhos de arroz como uma forma de expressar o amor por meu pai, pois era evidente o quanto ele ficava feliz nessas ocasiões. Encanta-me pensar que uma receita tão simples pode se tornar tão significativa, além de saborosa.
BOLINHOS DE ARROZ INGREDIENTES
2 xícaras de arroz (de preferência, do dia anterior) Sobras de frango ou carne 1 ovo Farinha de trigo ou maisena
MODO DE PREPARO
Desfie o frango ou a carne. Caso prefira pedaços menores, você também pode triturar no liquidificador. Misture a proteína com o arroz. Adicione o ovo cru e misture, de preferência com as mãos. Acrescente a farinha de trigo (ou a maisena) aos poucos. A função da farinha é apenas dar mais liga. Quando a mistura ficar homogênea, coloque o óleo para aquecer numa frigideira e vá moldando os bolinhos em uma colher. Frite-os. À medida que os bolinhos dourarem, vá virando até ficarem com a coloração uniforme. Quando estiverem prontos, coloque-os para escorrer em uma peneira de alumínio ou um recipiente com papel toalha. A peneira parece mais eficiente, pois os bolinhos ficam sequinhos e crocantes. A maisena não vai na receita original, mas é uma opção para aqueles que têm intolerância ao glúten. Essa receita é bem versátil, então você pode adicionar os temperos que desejar. A carne também não é essencial. Você pode adicionar queijo e quem sabe até um molho para acompanhar. Não se contenha. Use a criatividade! 107
CANJICA Se tem um prato que eu amo comer em qualquer época do ano é a canjica. Minha avó fazia sempre, então demorei para entender que se trata de comida de festa junina. A seguir, a receita dela.
INGREDIENTES
6 espigas de milho verde 1l de leite Açúcar refinado 1 colher de chá de sal Canela em pó à gosto
MODO DE PREPARO
Rale o milho em um recipiente e depois adicione o leite, o sal e o açúcar a gosto. Peneire a mistura, espremendo bem o líquido na panela. Leve a panela para o fogão e vá mexendo, em fogo baixo. É importante que não pare de mexer até chegar ao ponto, que é quando a mistura engrossa e se desgruda do fundo da panela. Quando estiver no ponto, desligue o fogo e coloque no recipiente desejado. Ao esfriar, a canjica endurece. Você pode cortar em pedaços quadrados. Salpique canela por cima.
CURIOSIDADE: Em alguns lugares do Brasil, chamam de canjica aquilo que
chamamos de mungunzá. Já a comida que conhecemos por canjica, é chamada de curau. Numa quermesse, em São Paulo, percebi a diferença das nomenclaturas e tive que raciocinar bem para não pedir o prato errado.
Desde pequena, eu gostava do quintal. Por lá e pelo jardim na frente da casa, havia diferentes tipos de plantas. Quando eu ficava doente, minha avó costumava me tratar com chás, banho de ervas e lambedores. Muitas das ervas utilizadas nas receitas eram colhidas em nosso próprio quintal. À medida que fui crescendo, fui me distanciando das ervas. Quando percebi essa distância, há alguns anos, senti a necessidade de fazer uma espécie de resgate desse conhecimento. Desde então, tenho utilizado as ervas tanto por questões medicinais, quanto para temperar, aromatizar ambientes e preparar saborosos chás. Minha avó era apreciadora de chás, principalmente o de capimsanto para acalmar os nervos. Além dele, usávamos boldo para tratar dores no 108
estômago, folha de pitangueira para gripes e outras diversas plantas. O lambedor também era algo bastante presente no nosso cotidiano. Existem vários tipos de lambedores, com diferentes preparos. Alguns passam por cozimento, outros não. Como ingredientes, costumam levar ervas, mel e açúcar. Os lambedores são xaropes naturais utilizados para tratar tosses, dores e inflamações na garganta. Além disso, possuem uma forte ação expectorante e são acessíveis. Mesmo quando eu precisava de medicamentos receitados pelo médico, ainda tomava o lambedor para alívio dos sintomas. Normalmente, tomase algumas colheradas por dia. Quando criança, eu fazia muita careta por conta do sabor forte do lambedor, mas depois fui me acostumando, já que a doçura do mel é preponderante. A malva é uma erva bastante comum no Ceará. A Malvácea tem diversos nomes dependendo da região do país, como malvariço, malvarisco, orégano-francês, hortelã-graúda, hortelã-da-folha-grossa, hortelã-da-bahia, malva-do-reino, malva-de-cheiro, hortelã-grande. Segue a receita de lambedor que minha avó aprendeu com a avó dela, quando viviam em Amontada, município do litoral oeste cearense.
LAMBEDOR DE MALVA E CEBOLA INGREDIENTES
8 folhas de malva Cebola branca Mel de jandaíra (ou outro mel disponível) Limão
MODO DE PREPARO
Num recipiente de vidro ou porcelana, de preferência com tampa, coloque aproximadamente oito folhas de malva, um punhado de cebola cortada e sumo de meio limão. Adicione o mel até deixar os ingredientes imersos. Tampe e deixe na geladeira até o dia seguinte. No outro dia, se preferir, passe todo o conteúdo por um coador. Se não, tome apenas a parte líquida. O xarope já está pronto! Tome uma colher de sopa três vezes ao dia ou quando tiver tosse. Mantenha na geladeira. A planta vai liberando suas propriedades no mel. O xarope pode permanecer na geladeira por cinco dias.
OBSERVAÇÃO
Essa é uma receita adaptada à minha realidade de hoje. Na época em que minha avó aprendeu, não havia geladeira em sua casa. De acordo com ela, o lambedor 109
ficava fora de casa, para “pegar o sereno da noite”. Além disso, o limão é um conservante natural. Portanto, caso queira seguir a receita tradicional, você pode deixar o lambedor fora da geladeira pelas primeiras doze horas. Depois, mantenha-o refrigerado.
LAMBEDOR DE ALHO Minha avó também gostava de preparar esse lambedor para mim. Na receita seguinte, tomei a liberdade de adicionar outros ingredientes, dos quais aprendi a gostar ao longo da vida.
INGREDIENTES
Mel de jandaíra (ou outro mel disponível) Limão Alho Extrato de própolis & Gengibre (opcional)
MODO DE PREPARO
Num recipiente de porcelana ou vidro, coloque a quantidade de mel desejada. No caso de 100ml de mel, adicione cinco cabeças de alho picado e sumo de meio limão. Minha sugestão é acrescentar ao preparo um pouco de gengibre ralado ou picado e cinco gotas de extrato de própolis. Tampe o recipiente e deixe descansar até o dia seguinte (ou pelo menos doze horas).
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RECEITAS DE UM CEARÁ QUE NÃO PAROU NO TEMPO
COMIDA PARA CELEBRAR TODOS OS DIAS Samila Paiva
Com as mãos untadas de margarina, eu recebia uma colherada de brigadeiro da minha mãe e ia modelando até formar uma bolinha bem redonda, jogava em um prato fundo repleto de granulado e depois finalizava em forminhas brancas de papel. Assim, os brigadeiros iam para as bandejas até a hora de arrumá-los na mesa da festa de aniversário. Eu devia ter uns cinco anos na época e, nas festas de aniversário, costumava estar sempre na cozinha ajudando, enrolando os doces, finalizando os beijinhos com os cravos em cima ou embalando os bombons no papel de seda, aproveitando a chance de lamber as vasilhas depois que eram usadas para bater a massa do bolo. Na minha família, comida sempre foi motivo de alegria e era raro não comemorarmos um aniversário, a visita de um parente, uma conquista ou o que quer que seja sem uma deliciosa refeição. Dessa forma, acredito que especial é todo dia que se vive. E nada melhor do que comemorar todas as ocasiões com comida. Não importa se é simples ou elaborada, o que importa é celebrar o momento, a vida, ao redor da mesa com a família e amigos, todos juntos, partilhando o pão, histórias e boas energias.
BOLO DE TRIGO OU LARANJA DA VÓ SALÓ Antônia Salomé Barros de Sousa era o nome da minha avó, mãe da minha mãe. E foi com ela, lá em Grajaú, no interior do Maranhão, que fui descobrindo o meu amor pela comida. Nós éramos cúmplices nas peripécias. Comíamos torresmo com farinha de puba (farinha d’água) escondidas na despensa. Ela confiou a mim o segredo do tesouro que guardava no seu baú: os biscoitos amanteigados de lata que os filhos lhe traziam de longe quando vinham visitála. Fazia comigo os seus bolos simples e deliciosos, tudo no instinto, seguia as medidas que aprendera com as suas irmãs mais velhas. O seu “Bolo de Trigo”, como ela chamava, era um dos nossos preferidos. Era um bolo fofo, amanteigado, simples, mas que se transformava quando ela colocava raspas de laranja, o suco da fruta na massa e uma calda por cima para torná-lo Bolo de Laranja. Esse era o preferido do meu avô, Joaquim Paulo Ferraz de Sousa, que era ajudante certo na hora de bater as claras em neve.
INGREDIENTES MASSA
(Xícara utilizada – 240ml) 116
5 gemas 5 claras 2 xícaras de açúcar 1 xícara de manteiga ou margarina 1 xícara de leite integral 3 xícaras de farinha de trigo sem fermento 1 colher de sopa de fermento Para transformar o Bolo de Trigo em Bolo de Laranja, acrescente raspas de 1 laranja à massa e faça a calda.
CALDA
Suco de 1 laranja 3 colheres de açúcar Raspas de limão
MODO DE PREPARO MASSA
Misture as gemas com o açúcar, acrescente a manteiga e mexa bem até formar um creme claro e fofo. Acrescente a farinha de trigo alternando com o leite integral, misturando bem. Com um ralador, raspe a casca da laranja sobre a massa com cuidado para não raspar a parte branca, pois pode amargar. Misture. Bata as claras em neve e misture delicadamente a massa com movimentos de baixo para cima. Por último, acrescente o fermento e misture rapidamente. Coloque em uma forma de buraco no meio de 25cm aproximadamente, untada e enfarinhada, leve ao forno pré-aquecido a 180°C por cerca de 40 minutos ou até que, enfiando um palito, ele saia limpo.
MODO DE PREPARO CALDA
Esprema a mesma laranja da qual foram tiradas as raspas e peneire para não deixar passar as sementes. Coloque o líquido em uma panela, acrescente as 3 colheres de açúcar e deixe ferver. Assim que ferver, apague o fogo e raspe o limão. Esse é o segredo do babado, as raspas de limão vão intensificar o sabor cítrico do nosso bolo. Coloque a calda sobre o bolo, decore com fatias de laranja e sirva.
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BOLO DE MACAXEIRA Na casa dos meus avós, no Maranhão, o café da tarde era motivo de festa. Geralmente, sempre eram feitos dois bolos para o café, um doce e um salgado, principalmente quando havia alguma visita prevista ou quando meus tios que moravam em Brasília estavam na cidade. O bolo salgado, que a minha avó chamava de “Bolo Pôde”, é feito de tapioca (goma) escaldada com leite quente, para ficar tal qual um grolado (encaroçado). Depois ela acrescentava óleo, ovos, sal e misturava com as mãos mesmo. A massa, que fica grossa e cheia de caroços, é modelada com as mãos, fazendo um único círculo, como se fosse uma rosca. O bolo era assado no fogo alto e ficava com uma casca crocante e o miolo liso que lembrava pão de queijo. Enquanto os bolos eram preparados, o café era passado e arrumávamos a mesa para o café da tarde. Às vezes, esse café saía depois das 17h e acabava que virava o jantar. Era comum a última refeição do dia ser um lanche, um cuscuz ou uma sopa. Se formos pela polêmica “sopa não é janta”, devo dizer que na casa dos meus avós sempre foi, assim como bolo com café. Era muito raro jantarmos arroz e feijão como no almoço. Dia de comemorar era o dia em que as macaxeiras que foram plantadas no enorme quintal da casa deles estavam prontas para a colheita. Era dia de Bolo de Macaxeira.
INGREDIENTES
(Xícada utilizada - 240ml) 1kg de macaxeira descascada e ralada no ralo fino 2 xícaras de açúcar ¾ de xícara de manteiga 1 xícara de coco ralado 200ml de leite integral (pode usar o de coco também) 5 ovos 1 colher de sopa de fermento 1 pitada de sal 1 colher de chá de canela Cravo a gosto Canela para polvilhar
MODO DE PREPARO
Em uma vasilha, coloque a macaxeira ralada, a manteiga e o coco e misture. Bata os ovos levemente e acrescente à mistura. Mexa bem. Adicione todos os 118
outros ingredientes, deixando o fermento por último. Misture até obter uma massa homogênea. Em uma forma retangular (uso uma de 33x24cm), untada e enfarinhada, coloque a massa, polvilhe canela por cima e leve para assar em forno pré-aquecido a 180°C por aproximadamente 35 minutos ou até que esteja levemente dourado. Corte em cubos e sirva.
BOLO DE CHOCOLATE DA MAMÃE É certo que o meu amor pela confeitaria começou ali, naquelas tardes na cozinha, observando e ajudando – quando minha vó permitia – a fazer os bolos, biscoitos e doces que seriam servidos no nosso café da tarde ou jantar. Mas foi com a minha mãe, Maristela Barros de Sousa Paiva, que o meu amor se consolidou e expandiu. Ela foi mais uma das muitas mães que abdicaram da carreira para cuidar dos filhos e da família. Passando mais tempo em casa com a gente, meus dois irmãos mais velhos, Michel e Higor, ela começou a se interessar mais pela culinária, assistia ao programa da Ana Maria Braga, o “Note e Anote”, comigo. Durante um tempo, quase todos os dias ela reproduzia alguma receita que tivesse aprendido pela TV. Sempre gostou de novidades. Lá em casa, todo dia era uma comida diferente. Mesmo que fossem sobras do dia anterior, a minha mãe transformava aquela comida e era como se fosse outra. Nada se perdia, tudo se transformava na cozinha da minha mãe. Ela investia em ingredientes diferentes, viajávamos para uma cidade vizinha que era mais desenvolvida e ela encontrava material para fazer sorvete, ovos de páscoa e bolos confeitados para os nossos aniversários. Lembro-me muito bem do meu bolo da Primeira Comunhão que minha mãe fez, ele era com a massa branca, o recheio de nozes e a cobertura de Pasta Americana que ela mesmo fez, sozinha. O seu Bolo de Chocolate era famoso entre os nossos amigos da escola. Os amigos do meu irmão Michel, assim que chegavam lá em casa, já perguntavam para ela se ia ter o bolo mais gostoso do mundo. Era um verdadeiro evento.
INGREDIENTES
(Xícara utilizada - 240ml) 1 e ½ xícara de açúcar 1 xícara de leite integral 4 ovos 9 colheres de sopa de chocolate em pó Dois Frades ou Nescau 4 colheres de sopa de manteiga 119
2 e ½ xícara de farinha de trigo sem fermento 1 colher de sopa de fermento
MODO DE PREPARO
No liquidificador, bata os ovos, o leite, o açúcar, o chocolate em pó e a manteiga por 5 minutos. Peneire a farinha de trigo com o fermento em um recipiente e reserve. Coloque um pouco do conteúdo do liquidificador em outro recipiente e acrescente um pouco da farinha com fermento. Vá alternando o líquido e a farinha até misturar tudo. Coloque em uma assadeira média (a que uso tem 33x24cm) untada e polvilhada, leve ao forno pré-aquecido a 180°C por aproximadamente 35 minutos, ou até que, enfiando um palito, ele saia limpo.
INGREDIENTES COBERTURA
2 colheres de sopa de manteiga ou margarina 2 colheres de sopa de leite 7 colheres de sopa de açúcar 5 colheres de chocolate em pó ou Nescau
MODO DE PREPARO
Coloque todos os ingredientes em uma panela, misture e leve ao fogo até ferver e engrossar um pouco, formando uma calda.
GELATINA COLORIDA Outro dia de comemoração eram os almoços de domingo. Quando um aniversário caía nesse dia, então, era um verdadeiro banquete com paçoca feita no pilão, galinha caipira criada no quintal da casa dos meus avós, arroz, fava, banana frita e, de sobremesa, a preferida da minha avó, o Mosaico de Gelatina que a gente chamava de Gelatina Colorida. Geralmente feita no sábado de manhã, para poder estar prontinha na hora do almoço do dia seguinte. É uma sobremesa super fácil e o resultado fica muito lindo e gostoso.
INGREDIENTES
5 caixinhas de gelatina de sabores diferentes 1 lata de leite condensado 1 caixa de creme de leite 1 envelope de gelatina incolor hidratada (seguindo as orientações da embalagem)
MODO DE PREPARO
Faça as gelatinas de acordo com a embalagem e leve para firmar na geladeira 120
pelo tempo indicado. Quando estiverem prontas, corte em quadradinhos e coloque em um refratário. Em outro recipiente, misture a gelatina já hidratada com o leite condensado e o creme de leite e coloque sobre as gelatinas cortadas. Leve para gelar até firmar.
SORVETÃO Meu pai, José Joareiz Paiva, é cearense e foi morar no interior do Maranhão quando passou num concurso do Banco do Brasil. Ele conta que passou muitas noites acordado estudando para conseguir. Chegando lá, ele conheceu a minha mãe e, um tempinho depois, já estavam casados. Na época, eu já tinha uns 10 anos e os funcionários do banco sempre se reuniam uma vez por semana ou semana sim, semana não para confraternizar em um jantar. Geralmente as esposas levavam alguns pratos ou sobremesas para compartilhar. Lembro-me bem das sobremesas que sempre tinham: pavê de sonho de valsa, mosaico de gelatina, pudim, mousse de maracujá. A hora que eu mais gostava, depois de brincar um monte com os meus amigos, filhos dos colegas de trabalho do meu pai, era a hora do jantar e da sobremesa. Uma das primeiras que acabavam era o Sorvetão, que era uma sobremesa gelada, um sorvete com bastante cobertura e confeitos de todo tipo. Essa receita minha mãe aprendeu com uma amiga quando morou uma época em Brasília.
INGREDIENTES CREME 1
1 lata de leite condensado 2 medidas da lata de leite 4 gemas passadas pela peneira
INGREDIENTES CREME 2
4 claras 4 colheres de sopa de açúcar 1 lata de creme de leite com soro
INGREDIENTES COBERTURA
1 xícara de açúcar 4 colheres de sopa de chocolate em pó ou Nescau 4 colheres de sopa de leite integral Flocos de arroz cobertos de chocolate e M&M’s para decorar 121
MODO DE PREPARO
Leve os ingredientes do creme 1 ao fogo em banho-maria, mexendo até engrossar um pouco. Reserve e deixe esfriar. Bata as claras com o açúcar até ficarem firmes, quase como suspiro, depois acrescente o creme de leite. Tem que ser o creme de leite de lata mesmo, pois ele tem o teor de gordura maior que os de caixinha. Caramelize uma forma média com o açúcar. À parte, faça uma pasta com o leite e o chocolate em pó. Passe na forma já caramelizada e depois coloque os dois cremes já misturados. Cubra com papelalumínio ou plástico-filme e leve para gelar por, no mínimo, 6 horas. Desenforme só na hora de servir. Para ajudar a desenformar, esquente rapidamente o fundo da assadeira na boca do fogão. Finalize com os confeitos e sirva. Tenho certeza que vai acabar num instante.
PAVÊ DE ABACAXI EM CALDA Ao pensar no Pavê é impossível não lembrar daquela tradicional pergunta que está no imaginário popular brasileiro desde que me entendo por gente: “É pavê ou Pacomê?”. A época certeira de produzir essa sobremesa sem dúvidas é o Natal, mas, lá em casa, para além dessa data, ela poderia surgir em qualquer almoço de domingo. E os nossos pavês sempre eram de frutas. O primeiro foi de abacaxi em calda, depois a gente foi inovando e fazíamos com pêssego em calda, ameixa, doce de goiaba e até um de doce de jaca que ficou na história. Fazíamos sempre com frutas em calda porque o biscoito era umedecido nessa calda, dando mais sabor à receita. Bem gelado, após um belo almoço ou a ceia de Natal, é imbatível.
INGREDIENTES CREME
1 lata de leite condensado 2 medidas da lata de leite integral 2 gemas peneiradas 1 colher de sopa de maisena 1 lata de abacaxi em calda 1 pacote de biscoito de maisena
COBERTURA
2 claras 2 colheres de sopa de açúcar 1 lata de creme de leite 3 gotinhas de essência de baunilha 122
MODO DE PREPARO
Em uma panela, coloque o leite condensado e o leite. Acrescente e dilua a maisena e as gemas peneiradas, misture bem e leve ao fogo baixo para não talhar, mexendo sempre até engrossar. Retire do fogo, adicione o abacaxi da lata bem picado, reservando a calda. Esfrie em um banho-maria invertido, que é quando colocamos a panela com o creme sobre um recipiente com água e gelo. Depois que o creme esfriar, monte em um pirex uma camada de creme e uma camada de biscoito de maisena umedecido na calda reservada. Ao final, bata as claras com o açúcar até ficarem firmes, misture com o creme de leite sem o soro e com as gotinhas de essência de baunilha e cubra o pavê. Leve à geladeira por, no mínimo, 6 horas e sirva gelado.
CREME DE GALINHA DO NATAL Ainda morando no interior do Maranhão, sempre que dava, nas férias escolares viajávamos para Senador Pompeu, aqui no Ceará, onde meus avós paternos moravam. Meu pai é natural de Quixeramobim, mas a família se mudou para Senador Pompeu quando ele era adolescente, com 14 anos. Sempre que chegávamos, éramos recebidos com comida. Minha tia Maria Zely Paiva, que morava e cuidava dos meus avós, fazia ótimas receitas. Ela não gostava de cozinhar todo dia, fazia mais por obrigação, mas, mesmo assim, cozinhava muito bem. Uma das suas receitas preferidas era o Creme de Galinha, que era prato certo no Natal quando passávamos por lá.
INGREDIENTES
1 galinha ou frango inteiro 2 xícaras de leite integral 5 colheres de farinha de trigo 1 colher de manteiga 1 lata de creme de leite
MODO DE PREPARO
Cozinhe a galinha ou o frango com as verduras e temperos da sua preferência e com bastante caldo. Depois de cozido, desfie e deixe de lado. Faça um creme com 3 xícaras de caldo de galinha, o leite, a manteiga e leve ao fogo para ferver e apurar, mexendo sempre. Junte a galinha desfiada e, por último, o creme de leite. Sirva quentinho. 123
SALPICÃO Salpicão, para a minha família, é uma comida de festa, prato certo no Natal, acompanhamento de um churrasco, seja almoço ou jantar. É festa? Tem salpicão. E o da minha Tia Zely era maravilhoso, algumas vezes ela também acrescentava presunto picado, uvas passas e maçã, que é problemática para alguns, mas, para mim, que sempre gostei de comidas agridoces, salpicão tem que ter passas e maçãs.
INGREDIENTES
1kg de batatas cozidas e cortadas em cubos 500g de frango cozido e desfiado (ou frango defumado ou 200g de presunto picado) 2 cenouras médias raladas 2 maçãs cortadas em cubos pequenos 1 limão 1 lata de milho verde 1 cebola pequena picada 1 xícara de azeitonas picadas 1 xícara de uvas passas 1 sachê de maionese (200g) 1 caixa de creme de leite (200g) ou requeijão Batata palha Sal
MODO DE PREPARO
Coloque as maçãs picadas em um recipiente com o limão espremido e reserve. Em uma travessa, coloque todos os ingredientes (exceto a batata palha) e adicione as maçãs com o limão. Misture tudo, tempere com sal. Cubra com plástico-filme e leve à geladeira até a hora de servir. Retire da geladeira, cubra com a batata palha e sirva. Dá pra fazer com repolho no lugar da batata, pode acrescentar ervilha, retirar as azeitonas, usar a imaginação e fazer o seu próprio salpicão.
FRANGO ASSANHADO Um dos pratos que a gente adorava comer quando chegávamos de viagem na casa dos meus avós paternos era o Frango Assanhado. Era assim mesmo que minha tia chamava, tem esse nome por conta da batata palha colocada por cima na hora de servir. Ela adorava tudo que tinha batata palha. Eu já era adolescente quando provei pela primeira vez. Até hoje me lembro da sua alegria contando que íamos ter Frango Assanhado para o almoço. 124
INGREDIENTES
1kg de peito de frango sem a pele 2 dentes de alho picados 1 cebola roxa 1 pimentinha-de-cheiro; 1 tomate 1 pimentão 1 cenoura pequena 250ml de água 1 lata de milho verde 1 lata de ervilha 200g de presunto em cubinhos 200g de queijo muçarela em cubinhos ½ xícara de azeitonas 2 pacotes pequenos de 70g de batata palha Sal Pimenta-do-reino Óleo Páprica defumada
MODO DE PREPARO
Em uma panela faça um refogado com um fio de óleo, o alho, a pimenta de cheiro, a cebola, o tomate, o pimentão e a cenoura. Você pode cortá-los em pedaços grandes, pois vamos liquidificar depois. Adicione o peito de frango temperado com sal, alho, limão, lemon pepper e o que mais gostar. Acrescente a água e deixe cozinhar. Geralmente cozinho na panela de pressão por 5 minutos. Se for na panela normal, vai demorar mais uns minutinhos, mas dá certo também. Apague quando estiver cozido. Desfie o peito de frango e liquidifique o caldo com as verduras do cozimento e acerte o tempero, caso precise de mais sal, pimenta-do-reino e páprica defumada. Misture o caldo do liquidificador com o frango desfiado, adicione o milho, a ervilha, o presunto, o queijo e 1 pacote de batata palha. Coloque em um refratário e cubra com o restante da batata palha. Leve ao forno pré-aquecido a 200°C por 10 minutos, só para dourar as batatas. Retire e sirva com arroz branco e uma saladinha de folhas.
LASANHA DE GELADEIRA DA TIA ZELY Leva-se tempo para conseguir tornar a cozinha da nossa casa prática. Deixar tudo pronto ou quase pronto na noite anterior faz com que possamos dormir tranquilos na véspera de um evento. 125
Uma receita que minha Tia Zely fazia muito nesses momentos, era a sua carta na manga para nos deixar despreocupados com a refeição do dia seguinte: a Lasanha de Geladeira. A praticidade desta receita está em não precisar cozinhar a massa da lasanha. Ela é montada com o macarrão cru, que vai hidratar a noite inteira na geladeira e, no dia seguinte, depois de assada, estará super suculenta e perfeita.
INGREDIENTES
500g de massa de lasanha crua 500g de queijo muçarela 500g de presunto 2 sachês de molho de tomate 1 litro de leite integral 1 caixinha de creme de leite 1 pacote de queijo parmesão ralado (50g)
MODO DE PREPARO
Em uma assadeira média (a que uso é retangular e mede 32x25cm) faça camadas, começando com o molho de tomate. Em seguida, o macarrão, o presunto e o queijo. Repita as camadas até encher a forma. Lembre-se de terminar com a camada de queijo. Coloque o leite sobre a lasanha e, com auxílio de um garfo, vá levantando para o leite penetrar melhor. Depois faça uma camada com o creme de leite e polvilhe o queijo parmesão ralado. Agora, cubra com plástico-filme e leve à geladeira para assar no outro dia. Quando for assar, tire um pouco da geladeira, enquanto pré-aquece o forno a 220°C. Cubra a lasanha com papel-alumínio e leve para assar por 30 minutos. Retire o papel-alumínio e deixe mais uns 10 minutos para gratinar. Retire do forno e já pode servir. Ela fica super suculenta e deliciosa. Dá para incrementar o molho também, colocando frango, carne moída, calabresa e o que mais sua criatividade e bolso permitirem.
MUGUNZÁ SALGADO DA DONA MARIA Já morando aqui em Fortaleza, conheci o meu marido, o Mozão, como o chamo carinhosamente. Nossa história é bem engraçada, nos conhecemos pelo Facebook, depois que curti umas fotos dele. Foi um encontro de almas e também de família e, hoje em dia, sempre que ele faz algo para me agradar, falo: “Que curtida bem dada que eu dei no Facebook”. 126
Na maioria dos finais de semana, eu estava lá com eles. A família toda adora festas, tanto por parte de mãe como por parte de pai. Aos domingos, sempre tem um almoço marcado para reunir a família. Com eles, conheci o “frango sentado”, que é um frango inteiro temperado e colocado em uma forma que parece uma forma de bolo, só que a parte do meio é mais alta, para que o frango fique sentado enquanto assa até ficar douradinho. Ouvi muitas histórias sobre a Dona Maria, avó do meu marido, Gilmar Rocha de Oliveira Júnior. Queria muito tê-la conhecido. Em algumas dessas histórias, a tia dele, Mirian, conta que a alegria da Dona Maria era abrir o armário das compras e vê-lo cheio. Saía para fazer compras no Mercado São Sebastião e pedia para o neto ir na frente para caso precisasse segurá-la, pois descia as passarelas íngremes cheia de sacolas, sendo puxada a correr por conta do peso das compras. Ela também fazia bolos, um pé de moleque que tinha um segredo que ela não contava pra ninguém. Sempre comprava frutas diferentes para os filhos provarem e os incentivava a provar novos sabores. Outra história é a que ela sempre dava um jeito de comemorar os aniversários dos filhos e dos netos, mesmo os que moravam do outro lado da cidade. Ela ia com o Júnior, levando o bolo para a casa do aniversariante para fazer a festa, de trem, de ônibus, do que fosse. No dia em que o Munguzá Salgado é o prato principal é um evento. A família toda se reúne em volta da mesa e a alegria é certa. Esse prato é como se fosse uma feijoada, só que no lugar do feijão preto é colocado feijão de corda e milho de canjica.
INGREDIENTES
1kg de feijão de corda 500g de milho amarelo de canjica 2 linguiças calabresas grossas 350g de bacon 500g de charque 1 cabeça de alho 2 cebolas picadas 6 pimentinhas de cheiro 1 pimentão 2 tomates 6 folhas de louro Cheiro verde Óleo 127
Se quiser, pode colocar pé de porco, orelha e todos os ingredientes que vão normalmente na feijoada.
MODO DE PREPARO
Afervente as carnes salgadas e descarte a água. Em uma panela, leve ao fogo o alho, com um pouco de óleo, até dourar. Acrescente o charque e as partes do porco que você quer colocar, deixe dourar um pouco e acrescente o feijão, o milho, o louro e a água até cobrir com sobra todos os ingredientes. Mexa de vez em quando e vá repondo a água sempre para que tudo fique imerso e o fundo não grude. São aproximadamente duas a duas horas e meia de cozimento nessa fase. Após esse tempo, refogue, em outra panela, as verduras, deixando o cheiro verde reservado e acrescente ao Mugunzá junto com o Bacon cortado em pedaços grandes e a linguiça calabresa cortada em rodelas. Deixe cozinhar por mais 40 minutos. Finalize com o cheiro verde, acerte o sal, se for preciso, e sirva.
FAROFA DE CUZCUZ Quando se fala de comidas do Nordeste, o cuscuz é o que me vem à mente. No Maranhão, consumia bastante o cuscuz de arroz, que também é delicioso, por sinal. Mas nenhum ganha do cuscuz de milho. Versátil, fácil de fazer, pode ser incluído em todas as refeições: café da manhã, almoço, merenda e jantar. Dá para usar em receitas doces, salgadas, bolos e tudo que você puder imaginar. E uma das minhas preferidas é a Farofa de Cuscuz, ideal para encher a barriga de todos os amigos reunidos numa sexta-feira para tomar uma cervejinha e curtir a vida.
INGREDIENTES
½ pacote de farinha de milho flocada (Flocão) 1 pacote de linguiça fininha cortada em rodelas 2 ovos 2 dentes de alho 1 cebola picada 1 pimenta de cheiro picada 1 pimentão picado Cheiro verde à gosto Salsinha à gosto Tomate picado Queijo coalho cortado em cubos Sal a gosto Um fio de azeite ou óleo 128
MODO DE PREPARO
Hidrate o Flocão com 250ml de água e tempere com sal. Coloque na cuscuzeira para cozinhar. Enquanto isso, faça um refogado colocando o azeite na panela, depois o alho, a cebola, a pimenta-de-cheiro e o pimentão. Deixe refogar por um minuto. Acrescente a linguiça, mexendo para que cozinhe uniformemente por uns 5 minutos. Adicione os ovos e mexa até estarem cozidos. Coloque o cuscuz cozido e mexa. Apague o fogo e finalize com o tomate picado, o cheiro-verde e a salsinha picados e o queijo coalho. Agora é só servir. Dica: Para não errar mais na hora de hidratar o flocão, use sempre 1 medida de flocão para ½ medida de água. É Festa!
TORTA CURINGA Não é à toa que dei esse nome a essa torta. Ela é mais uma carta na manga para aquela visita inesperada, para um almoço ou jantar às pressas ou para completar a mesa de salgados numa festa. É simples e rápida de fazer. E o melhor: o recheio pode ser o que tiver na geladeira. Hoje em dia, fazemos em qualquer ocasião e é sucesso absoluto.
INGREDIENTES
(xícara utilizada 240ml) 3 ovos ½ xícara de óleo de milho ou girassol 250g de iogurte OU 1 xícara com 1 pote de iogurte (170g) e o restante de leite integral OU 1 xícara de leite integral 2 xícaras de farinha de trigo sem fermento 50g de queijo parmesão ralado (1 pacotinho pequeno) 1 colher de chá de sal 1 colher de sopa de fermento 1 colher de chá de vinagre
MODO DE PREPARO
Coloque no liquidificador os ovos, o óleo, o iogurte ou o leite e bata por uns 2 minutos. Acrescente o queijo parmesão, reservando metade para a finalização, o sal e vá adicionando a farinha de trigo aos poucos. Se o seu liquidificador não der conta, pode misturar à mão mesmo, a massa fica consistente. Por último, acrescente o fermento, misture e depois o vinagre e misture rapidamente. Coloque metade da massa em uma assadeira de fundo removível ou não de 25cm de diâmetro untada e enfarinhada, recheie com o que você quiser e cubra com 129
o restante da massa. Polvilhe o restante do queijo parmesão e leve para assar a 200°C por aproximadamente 25 minutos ou até que esteja dourada. Desenforme se quiser e sirva. Quanto aos recheios, são infinitas as possibilidades, porém a regra é: não coloque o recheio quente. Assim, sua massa pode embatumar próximo ao recheio. A quantidade de recheio fica a seu critério, mas uns 300g é uma quantidade boa. Baseio-me nisso. Dá para fazer de frango, de 4 queijos, de salsicha, de ricota e tomate seco, de sobras do que tiver na geladeira e por aí vai.
CACHORRO QUENTE Festa de criança só é festa se tiver cachorro-quente, de preferência com aquele pão de leite pequenininho. Se for enrolado no papel-alumínio então, traz uma nostalgia que nos faz voltar ao passado, quando só depois de correr muito, brincar de esconde-esconde e tirar os sapatos é que íamos pensar em comer e sempre depois de roubar aquele brigadeiro que estava bem no cantinho da mesa, esquecido, implorando para ser comido na surdina.
INGREDIENTES
1kg de salsicha 3 dentes de alho 1 cebola grande 1 tomate 1 pimentão 2 sachês de molho de tomate 1 colher de chá de maisena 1 caixa de creme de leite Óleo Sal Pão de leite
MODO DE PREPARO
Pique as salsichas em pedacinhos pequenos e leve com água para ferver. Depois de ferver, descarte a água e reserve as salsichas. Em uma panela, leve ao fogo um fio de óleo e refogue o alho, a cebola, o tomate e o pimentão cortados em pedaços grandes. No liquidificador, passe o refogado com os 2 sachês de molho de tomate. Volte tudo para a panela e acrescente as salsichas. Tempere com sal, misture e deixe ferver. 130
Dilua a maisena no creme de leite e acrescente ao molho, deixando ferver novamente. Apague o fogo. Faça cortes na parte de cima dos pães de leite, bem no meio, e recheie com o molho de salsichas. Cubra cada cachorro-quente com papel-alumínio e monte uma cesta bem bonita para a festa.
BRIGADEIRO O que faz da comemoração “Só um bolinho” uma festa é o brigadeiro. E esse doce tem muita história na minha vida, desde quando eu comecei a ajudar a enrolá-los nas vésperas dos aniversários, com cinco anos de idade. Na adolescência, minhas amigas do colégio, Rejane, Patrícia e Thaynnara, e eu sempre inventávamos trabalhos escolares para irmos à casa umas das outras para fazer brigadeiro de colher. Lembro bem que a gente competia para ver quem conseguia abrir a lata mais rápido e eu sempre ganhava. Já tinha prática porque ajudava em casa. Meu primeiro emprego foi em uma brigaderia aqui em Fortaleza, onde fazíamos vários tipos de brigadeiros bem no auge, assim que surgiu o “brigadeiro gourmet”. Já fiz muitos brigadeiros nessa vida e espero continuar fazendo até a minha partida.
INGREDIENTES
1 lata de leite condensado 3 colheres de sopa de chocolate em pó 1 colher de sopa de manteiga Granulado de chocolate Forminhas de papel
MODO DE PREPARO
Em uma panela, coloque todos os ingredientes, misture muito bem, acenda o fogo baixo e mexa sem parar até engrossar e soltar do fundo da panela. Coloque em um prato e deixe descansar até esfriar. Com ajuda de uma colher de sobremesa faça as bolinhas, passe no granulado e depois coloque nas forminhas de papel.
OLHO DE SOGRA Nem só de brigadeiros vive uma festa. E a festa que tem olho de sogra tem lugar certo no meu coração. Amo tanto esse docinho que no meu casamento tive que fazer. E como é um doce um pouco esquecido atualmente, resolvi trazer essa receita para que vocês pudessem relembrar e se juntar a mim nessa paixão por ele. 131
INGREDIENTES
1 lata de leite condensado 100g de coco ralado 1 colher de sopa de manteiga 500g de ameixa sem caroço Açúcar cristal Forminhas de papel
MODO DE PREPARO
Em uma panela, coloque o leite condensado, o coco e a manteiga, misture bem, Acenda o fogo e mexa o tempo todo até engrossar e soltar do fundo da panela. Coloque em um prato e deixe esfriar. Se as ameixas estiverem muito secas, hidrate-as em um pouco de água quente por 5 minutos e depois descarte a água e corte as ameixas ao meio deixando o final ainda junto. Faça bolinhas com o docinho de coco e passe no açúcar, envolva as bolinhas com a ameixa e coloque nas forminhas. Sem as ameixas você terá um beijinho, só não esqueça de colocar o cravo bem no meio depois de enrolar e passar no açúcar, tá bom?
SURPRESA DE UVA A deliciosa sensação de morder o doce e a uva fazer uma pequena explosão na boca ao se partir, deixando aquela surpresa no ar. Mais um doce na minha lista de preferidos, outro que também não deixei de fazer no meu casamento. Sim, eu mesma fiz meus doces, bem-casados e bolos. E foi a realização desta confeiteira que vos escreve. Sendo assim, quero deixar mais um presente e um pedido: façam Surpresa de Uva para suas festas.
INGREDIENTES
1 lata de leite condensado 1 colher de manteiga 1 colher de sopa de leite em pó Uvas sem semente higienizadas Leite em pó para a cobertura Forminhas de papel
MODO DE PREPARO
Em uma panela, coloque o leite condensado, a manteiga e o leite em pó e misture bem. Acenda o fogo e mexa o tempo todo até engrossar e soltar do fundo da panela. Coloque em um prato e deixe esfriar. Faça bolinhas pequenas, achate-as na palma da mão e coloque a uva dentro. Feche a uva toda dentro do docinho e boleie novamente, passe no leite em pó e coloque na forminha de 132
papel. Hoje em dia, acrescento a todas essas receitas de docinhos 100g de creme de leite. Isso ajuda a conservar e retardar a cristalização, que é quando o doce fica com aquela casquinha mais dura por fora.
DOCINHO DE LEITE EM PÓ Há pouco tempo, eu resolvi resgatar alguns doces que há muito não fazia. Lembrei das frutinhas modeladas e pintadas a mão, feitas desse doce que não vai ao fogo e basta misturar e amassar os ingredientes. Tantas possibilidades podem surgir, que incorporei às nossas festividades nesse último ano. Em maio de 2021, em meio à pandemia, meu primeiro sobrinho e afilhado nasceu. O Arthur, filho do meu irmão mais velho, Michel, e da minha cunhada, Geise, chegou para nos encher de alegria, numa época de muitas perdas e tristezas para várias pessoas. Nossa família foi abençoada. Desde então, tenho me dedicado às comemorações dos seus “mêsversários”. Com a desculpa de fazer uma festa todo mês para comemorar mais um mês de vida, temos aproveitado e nos divertido bastante.
INGREDIENTES
1 xícara de leite em pó (Ninho, de preferência) 1 xícara de glaçúcar 3 colheres de sopa de leite de coco Corantes em gel Forminhas de papel
MODO DE PREPARO
Em um recipiente, coloque o leite em pó e o glaçúcar, misture e acrescente as colheres de leite de coco uma de cada vez misturando bem. Geralmente a massa já fica maleável com 3 colheres de sopa de leite de coco, mas se a sua ainda não estiver, continue adicionando 1 colher por vez até ficar maleável. Para tingir, é só pingar as gotas de corante em gel e amassar até homogeneizar. Faça suas modelagens e coloque em forminhas de papel.
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COZINHEIRA SEM MEMÓRIA? Vitória Albuquerque
MEMÓRIA Meu sonho de infância sempre foi ser chef de cozinha. Sim, chef. Naquela época, não existia a discussão – bastante válida – sobre a profissão ser “cozinheiro” e o cargo de “chef”. Então, quando se falava em trabalhar na cozinha, significava que uma pessoa queria ser chef de cozinha. O curso de bacharelado em Gastronomia não existia em Fortaleza, apenas em Recife, e me mudar não era uma opção, muito menos não fazer uma graduação. Então, encurtando a história, eu acabei me formando em Direito. Alguns anos se passaram e eu decidi que realizaria aquele antigo desejo de cursar Gastronomia. Entrei na nova graduação aos 31 anos, sem refletir bem sobre o que eu faria com essa formação. Para alguém que tem horror de falar em público, as tradicionais apresentações de cada disciplina eram um verdadeiro inferno. Em cada apresentação, deveríamos dizer o nome, a idade e qual motivo nos levava a estudar Gastronomia. O grupo de alunos era diverso, as idades iam de 17 a mais de 40 anos. Em comum, havia o encanto pela comida, que surgiu, para quase toda a turma, ao observar a avó cozinhando. Comigo não foi assim. Nunca fui muito fã da comida de minha avó paterna e nem dela, na verdade. Não existia nenhuma ligação forte de afeto que nos unisse. Já com a minha avó materna, não há nenhuma lembrança, nem boa nem ruim. Ela faleceu quando minha mãe era criança. Mamãe também não falava muito da própria infância, talvez não tenha sido um momento muito feliz. Voltando ao curso de Gastronomia. Na quarta apresentação sobre “como o seu amor pela gastronomia surgiu”, com tantas histórias ricas sobre aprender a cozinhar assistindo a avó alimentando a família toda e sobre entender a comida como reflexo do afeto, eu já estava quase inventando uma avó fictícia. Essa avó inventada serviria para que a minha apresentação ficasse mais interessante, e para que as minhas referências e raízes na cozinha fossem mais profundas, algo quase ancestral. Eu nunca pensei nos detalhes de como ela seria, se seria parecida fisicamente comigo ou não, eu só sei que ela seria “uma cozinheira de mão cheia”. A verdade é que eu sou de Fortaleza, completamente urbana e que eu aprendi a cozinhar assistindo “Note e Anote”, um programa de alcance nacional que passava à tarde. Quem o apresentava era a Ana Maria Braga, acompanhada do boneco Louro José, o já falecido ator Tom Veiga. Meus cozinheiros favoritos eram o padeiro Benjamin Abrahão e a boleira Isamara Amâncio. Esse programa passava nos anos 1990, época em que se falava bastante sobre empoderamento feminino e independência financeira. Os quadros do Note e Anote eram sobre culinária e artesanato e tinham como foco ensinar a mulher a conquistar a própria renda sem precisar sair de casa. Então muitas das receitas ensinadas eram pratos que podiam ser comercializados, como empadão, salgadinhos de festa, bolos 136
confeitados, panetones etc. Ou receitas de pratos mais elaborados para quebrar a monotonia do cardápio servido durante a semana. Não se ensinava o trivial, pois aprender a fazer arroz e feijão se aprendia com a mãe. Talvez por eu ter em minha memória receitas feitas por cozinheiros do Rio de Janeiro e São Paulo, eu não enxergava minha mãe como referência de cozinha. A cozinha dela era do dia a dia, não existia molho branco, deglaçar com vinho, muito menos risoto.
MAMÃE Minha mãe se chama Fátima. Por ser um nome relativamente comum na vizinhança, ela é conhecida como “Fátima Loira”. Mamãe é casada, maranhense, tem duas filhas, Catarina e Vitória, é a filha mais velha de 7 irmãos. Um traço importante sobre a minha mãe é que ela é uma pessoa do mundo, tem enorme facilidade em fazer amigos e vai dizer sim para todos os convites de eventos sociais, desde churrasco até aniversário da afilhada da cunhada da vizinha. Mamãe não teve oportunidade de desenvolver uma carreira profissional fora de casa e, aos 27 anos, quando se casou com papai, acabou sendo dona de casa em tempo integral. A cozinha não era o lugar da casa que ela mais gostava. Ela sempre dizia que cozinhava porque tinha que cozinhar. A técnica de cozinha dela era fogo baixo. Eu acho que era assim porque a temperatura mais amena permitia que ela vivesse enquanto a comida era feita. Viver era falar com as vizinhas, cuidar das filhas, aperrear o zelador para que ele tivesse cuidado com as plantas do jardim dela, ouvir música ou falar ao telefone. Quando eu penso no ambiente onde a comida era feita na minha infância, a janela da cozinha, que dava para o pátio, surge como parte integrante da memória. Era de lá que eu gritava vez ou outra para perguntar se já podia desligar a panela porque eu achava que o frango estava cozido ou que o arroz ia queimar. Não, minha mãe não era uma mãe relapsa, apenas cozinhar não era algo que ela fingisse gostar. Ela é uma mulher que gosta de ser mãe, o seu cuidado com as filhas é imenso. Tanto que ainda criança eu pensava “que sorte eu tenho de ser filha de minha mãe”. Faço essa elucidação porque sei que ainda se espera que uma mãe seja o símbolo da perfeição na execução de todos os trabalhos domésticos e que faça tudo com um sorriso no rosto, sob a penalidade de, se “falhar” em qualquer quesito, ser uma “mãe preguiçosa”. Acho que crescer vendo minha mãe sendo uma mulher que existia além da maternidade me fez crescer com menos pressão sobre qual papel social eu tenho que exercer como mulher. 137
AS RECEITAS Este pequeno livro de receitas é uma tentativa de construção de memórias da cozinha de minha mãe. O modo de fazer, os ingredientes e as quantidades serão descritos da forma que ela me passou numa visita que fiz para relembrar as receitas. Por isso não será um livro em que todas as quantidades são precisas, fiz o meu melhor na tradução das medidas, mas pode ser falho mesmo assim, porque algumas receitas, como a do pão caseiro, não são feitas há anos. Eu já trabalho como cozinheira profissionalmente e poderia fazer notas corrigindo a ordem dos ingredientes ou a temperatura do forno para ficar mais técnico. Mas não farei, porque eu sempre comento que, mesmo não havendo muito método na maneira de fazer as receitas, o que ela faz sempre fica mais gostoso que o meu. Deve ser a tal cozinha de afeto. As receitas podem ser temperadas com as verduras que você mais gostar. Se não gosta de cebolinha, coloca apenas o coentro, se não tem pimenta-de-cheiro, não precisa deixar de fazer o prato. Não há muita rigidez. Mamãe nunca foi metódica e nisso eu sou a cópia dela.
COXINHA DE FRANGO Eu lembro que a gente começou a fazer esse salgadinho em casa porque ela sempre reclamava que as coxinhas na rua eram feitas com frango desfiado sem sabor e massa muito branca. Então mamãe caprichava no tempero do caldo, pois ele seria o responsável pelo sabor da massa e do recheio. O acordo era: ela fazia a massa, mas eu tinha que fazer o formato da coxinha. O segredo, ou “ciência”, como ela fala, para a massa dar certo é não falar nem deixar ninguém falar na hora de adicionar a farinha de trigo.
INGREDIENTES
1kg de frango em pedaços, melhor que não seja o peito para dar mais sabor 1 cebola branca 2 dentes de alho picados ou amassados 2 tomates em cubos Quanto baste de cheiro-verde picado 1 ou 2 pimentas-de-cheiro em cubos 2 colheres de sopa de sal Pimenta-do-reino à gosto ⅕ colher de sopa de colorau 1kg de farinha de trigo 138
Óleo para fritar ½ kg de farinha de rosca ½ colher de sopa de margarina, manteiga ou azeite 2 ovos inteiros
MODO DE PREPARO
Pegue o frango em pedaços, coloque uma pitada de sal, colorau, cebolinha, um pouco do alho e deixe pegar gosto. Numa panela, coloque a margarina e todas as verduras, menos o cheiro-verde, para refogar. Depois de murchar um pouco, coloque os pedaços de frango com os temperos. Refogue por um minuto, coloque 1 litro de água e o restante do sal. Deixe cozinhar em fogo baixo, com a tampa semifechada até que o frango fique totalmente cozido. Retire os pedaços do frango e bata o caldo no liquidificador. Volte o caldo batido para o fogão e acrescente a farinha de trigo. Coloque farinha de trigo até formar uma massa homogênea e despregar do fundo da panela. Retire a massa da panela e deixe amornar numa travessa. Enquanto isso, desfie o frango e reserve. Bata os ovos com um garfo e deixe numa tigela. Pegue uma bolinha de massa e abra na mão, coloque o frango desfiado e faça o formato da coxinha. Passe a coxinha nos ovos e em seguida na farinha de rosca. Se quiser que a coxinha fique mais crocante, passe novamente no ovo e mais uma vez na farinha de rosca. Frite em óleo quente numa panela pequena e funda. Retire do óleo quando dourar.
TORRESMO O torresmo da mamãe é sequinho e, geralmente, serve de base para farofa de almoços comemorativos. Coloquei essa receita aqui porque, depois de fazer um curso de Comida de Boteco no Senac, descobri que não é tão fácil acertar o ponto sequinho do torresmo.
INGREDIENTES 1kg de toucinho ½ garrafa de óleo Sal
MODO DE PREPARO
Pegue o toucinho em pedaços e corte-o na longitudinal, para que a grossura do toucinho (a parte do couro e da gordura) não fique muito grande. Lave com água corrente, seque e coloque sal. Pegue uma panela pequena e funda e coloque o óleo e o torresmo e leve ao fogo médio. Mexa para não grudar. O toucinho, 139
quando começar a virar torresmo, vai salpicar bastante, é normal. O torresmo está pronto quando ficar todo estouradinho.
PÃO CASEIRO Eu quis registrar essa receita no livro, porque eu amava muito chegar em casa e saber que a mamãe tinha assado esse pão. Ele é um pão que não se modela, a massa dele fica bastante mole e quando assado se corta como um bolo. Eu costumo fazer pão em casa. E tenho que confessar que achei essa receita bastante estranha, mas a memória da minha mãe é quase fotográfica, então pode ser que esteja correta.
INGREDIENTES
2 ovos 1kg de farinha de trigo 1 sachê de fermento para pão um pouco de açúcar 1L de leite 1 colher de sopa de sal
MODO DE PREPARO
Numa cumbuca, misture o fermento, o açúcar e 2 colheres de leite, para acordar o fermento. Numa bacia, misture todos os ingredientes e a mistura do fermento. Misture tudo, a aparência fica quase como a de um purê, bastante mole. Cubra com um pano úmido e espere. Quando dobrar de tamanho está bom de assar. Pegue uma forma e unte com óleo, despeje a massa e leve ao forno pré-aquecido na temperatura média. Depois de mais ou menos 35 minutos, ele estará pronto. Deve ter uma crosta dourada quando assado.
COXAS DE FRANGO EMPANADAS Quando a gente era criança, a mamãe fazia bastante esse preparo, depois ficou cada vez mais raro. Decidi colocar aqui a receita, porque achei interessante o modo que ela calculava o tempo de preparo da fritura.
INGREDIENTES
Coxas de frango e coxinhas da asa de frango Alho picado Pimentão verde cortado 1 colher de chá de sal 140
Pimenta-do-reino a gosto 1 ovo 2 xícaras de farinha de rosca Óleo para fritar
MODO DE PREPARO
Numa panela, misture o frango, o alho, o sal, o pimentão e a pimenta-do-reino e refogue rapidamente, cubra com água. Quando o frango estiver cozido, apague o fogo e retire os pedaços de frango. Coloque o ovo numa tigela e misture rapidamente com um garfo, reserve. Passe as coxas e coxinhas no ovo batido e depois na farinha de rosca. Numa panela funda e pequena, com fogo médio, coloque o óleo para esquentar e, em seguida, os pedaços de frango para fritar. Quando perguntei para a minha mãe quanto tempo o frango deveria ficar em imersão no óleo fritando, ela me respondeu “quando o seu pai saía para pegar vocês no colégio, eu podia colocar a panela para esquentar e então começar a fritar”. Eu morava perto do colégio. Calculando, dá uns 6 minutos de fritura.
PIRÃO DE OVO/ CALDO DE CARIDADE Essa receita está aqui porque eu quis colocar algo que a minha mãe fazia para minha irmã mais velha, Catarina. Eu, quando criança, achava que essa receita tinha sido uma invenção da minha mãe. Depois, já na faculdade, descobri que é um prato muito consumido aqui no Ceará.
INGREDIENTES
1L de água Cheiro-verde a gosto Pimenta-do-reino a gosto 2 ovos ¼ de xícara de farinha de mandioca branca
MODO DE PREPARO
Coloque a água, o cheiro-verde, o sal e a pimenta numa panela, leve ao fogo e deixe ferver. Coloque um pouco de farinha e mexa até virar um pirão bem ralinho. Quebre os ovos dentro do pirão e está pronto. Ela não soube precisar a quantidade total de farinha de mandioca, mas eu imagino que seja ¼ de xícara.
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CARTAS TEMPERADAS PARA UMA NETA Célia Augusta
Sou uma avó carinhosa que curte muito cozinhar, conversar, estudar e degustar vinhos. Mas, principalmente, curtir os netos e acompanhá-los em suas trajetórias de vida. Tenho 70 anos e sou formada em Turismo e Hotelaria, pelo Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará-IFCE e mestranda pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro-UTAD, de Portugal. Estudei na Escola Panamericana de Artes-EPA, hoje chamada de Panamericana Escola de Artes e Design-SP. Lá, aprendi sobre artes e cultura, manipulando lápis, pincéis, bicos de penas, pranchetas, telas e tecidos. Trabalhei em hotéis, agências de viagens, operadoras de turismo, agência de navegação e me tornei professora de ensino técnico e universitário, intercalando com formações profissionais nos cursos do Senac e IDT/Sine no Ceará. Atuei como técnica no Departamento de Turismo Social do Sesc Brasília-DF. Meu início no setor de hotelaria foi em João Pessoa-PB, onde assumi o cargo de recepcionista ainda estudante do curso de engenharia mecânica da Universidade Federal da Paraíba-UFPB. Curso este que deixei de lado pela paixão que me rendeu um casamento. Então, fui viver em São Paulo e dei um tempo para cuidar dos meus filhos e estudar Artes. Ao retornar ao Nordeste, desta vez à Fortaleza, onde tive que lidar com uma separação dolorosa, a paixão se transformou em determinação e passei a atuar no mercado do turismo e da hotelaria decidida que era tempo de retornar à Academia, e assim fui estudar no IFCE. Sempre gostei de artes plásticas, de cultura e também de cozinhar. Um dia, disse cá com meus botões: vou estudar mais sobre gastronomia! Assim, fiz alguns cursos na área e me encantei! Na casa dos meus pais sempre havia boas cozinheiras. Eles trabalhavam, mas isso não impedia minha mãe de estar sempre de olho na cozinha, pois ela gostava de cozinhar. O vatapá dela era delicioso, o arroz doce também! Tinha um quibebe que no Rio de Janeiro ela ensinou à Dona Belcina e Dona Bernarda a fazerem que era uma gostosura! A palavra ‘quibebe’ tem origem no quimbundo kibebe e trata-se de um prato feito de purê de abóbora. Há variações, e uma delas mamãe fazia com outros legumes e agradava por demais ao meu pai porque ele era um vegetariano que não comia carne, nem peixe e nem frango. Mas gostava de ovinho cozido ou omelete de verduras. De vez em quando, eu podia ir à cozinha, mas eu não fazia muita coisa, apenas observava mais do que produzia. E eu aproveitava para aprender os quitutes de Dona Rosinha, minha mãe querida! Cresci, namorei, casei, larguei faculdade, descasei, voltei a estudar e não larguei mais e não deixei de aprender a cozinhar! Tenho quatro netos e uma neta. Ela e o irmão, são nascidos e moram em BrasíliaDF. Os outros netos são rapazes, e um deles, o Yan Luiz, me deu um bisneto que é uma gracinha de criança, o Heitor! Curte a comidinha da bisa Celinha (eu!). 144
Um dia, bateu saudades de Maria Clara, minha neta querida que, como eu, curte uma cozinha, gosta de fazer molhos para salada e de confeitaria! Como eu não sou confeiteira, eu disse a ela que iria ensiná-la a preparar algumas das receitinhas que eu admirava desde criança. E, como neste ano ela completará 10 anos, resolvi dar-lhe um mimo delicioso: Cartas Temperadas para uma Neta. Esse presente também é meu, pois estou lúcida, memória funcionando e tenho um coração que cabe o amor para todos os netos!
DOCE DE LEITE DA TRISAVÓ DONANA Olá Querida Clarinha! Como vai você nessa linda cidade? Já lhe falei que quando Brasília estava a ser inaugurada eu tinha 9 anos e meus pais (Bisa Rosinha e Biso Belino) foram convidados a trabalharem aí? E não deu certo porque a Bisa Rosinha teve medo de morar em Brasília por ter a pressão alta, e no Planalto Central há o perigo de ter picos de pressão (variação de aumento de pressão). Aí tem muitos nordestinos, sabia? Mas a maioria dos que vieram de fora é de mineiros, conterrâneos da sua mãe. Você sabe que a Vó Celinha, ama visitar as feiras permanentes. Eu curto muito a do Cruzeiro, pois lá tem a loja SOS Queijos, Doces e Frios e a Bel Queijos, lojas dos mineiros que vendem doces de leite de Minas, queijos saborosos e, entre eles, o da Canastra, um dos mais famosos queijos desse estado. Comer um doce de leite com um pedaço de queijo de Minas é delicioso e inesquecível! Quando eu tinha sua idade, fui passar umas férias no Piauí. Fiquei na casa de sua Trisavó Donana. Ela gostava de cozinhar, fazia maria-isabel (um arroz com carne de sol e abóbora), e o batidinho (um cozido de carne cortada em pedacinhos também com abóbora). Além dessas gostosuras, ela também fazia o licor de jenipapo (tinha um pé no quintal da casa dela), uma fruta muito cheirosa. Eu ajudava a colher no chão, porque ela caía no ponto de ser consumida. Mas minha Vó Donana fazia um doce de leite muito gostoso também. O leiteiro levava o leite em um latão grande e tirava alguns litros para ela e daí ela botava pra ferver. Tirava uma parte para guardar e separava um litro para espremer um limão. Com isso, ela cortava (talhava) o leite. Então, em uma panela, ela colocava o leite a ferver com 250 gramas de açúcar, que era a medida da caneca azul com bolinhas brancas que combinava com o açucareiro que eu achava lindo! Era um tom de azul royal salpicado com bolinhas brancas e florzinhas pequenas, de ágata (esmaltada). Nossa, era tão lindo! Mas, e o doce de leite da Trisavó Donana? Não tem mistério e nem segredos, a receita: 1 litro de leite cortado, 250g de açúcar e um limão. Levar ao fogo mexendo aos poucos até começar a escurecer e o leite ficar mais pastoso. O mais importante: mexer com atenção 145
para não grudar no fundo da panela. Experimente fazer e tome cuidado com o fogo, ok? Tão bem quanto o doce de leite, ela fazia um prato característico do Piauí, a maria-isabel. Prato que a minha irmã Marlene, a Tia Maninha, ama!! Era um dos quitutes da minha avó Donana! Como sempre morei longe dela, eu ficava muito feliz quando podia ir à casa dela. Ao retornarmos ao Nordeste, fiquei muito contente que ficaríamos no Ceará, porque ficava perto de Teresina-PI. Depois eu lhe envio a receitinha da Bisa Donana. Enquanto não te faço outra cartinha, vai estudando, brincando, sendo uma filha e irmã maravilhosa! Beijinhos no João Augusto, na mamãe e no papai! Te amo! Beijinhos da Vó Celinha. Julho de 2019.
SOBRE A TAPIOCA Olá, Clarinha! Que tal o inverno por aí? Está frio? Se agasalhe, viu? Sabia que aqui no Ceará, o inverno é quando as chuvas do verão caem? Eu achei muito engraçado quando eu voltei do Rio e vi que as pessoas chamavam de inverno quando chovia. Mas isso é da cultura cearense. No período de dezembro a março as chuvas visitam a Caatinga, o bioma que só existe no Brasil e se localiza no Nordeste. Pergunta para seu papai geógrafo o que é um bioma, tá certo? Você vive no bioma Cerrado. No Brasil, tem 6: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampas e Pantanal. Lembra que a gente provou o picolé de Frutas do Cerrado? Sabia que tem frutas que brotam no Cerrado que aqui no Nordeste também tem? Por exemplo: cajá-manga (aqui se chama cajarana), tamarindo e manga. Mas tem o caju, uma fruta que tem muito tanto no Ceará como no Piauí. Tem o buriti, tanto aí como aqui e no Piauí. Quando eu cheguei aqui no Ceará e provei o doce de caju, amei à primeira colherada! Veio-me à memória os doces da casa da Dindinha, irmã do Biso Belino. A minha avó Augusta, a primeira, mãe do Biso, fazia doces deliciosos, como o doce de limão e o doce de caju, segundo me contava a minha mãe. E mais: um dia ela fez um doce de goiaba somente para minha mãe que estava com desejo de comer esse doce… Ela pegou uma goiaba e fez o doce, e colocou um pouquinho de cravo, e mamãe adorou! Pena que eu não tenha conhecido minha avó Augusta, eu teria aprendido muitas receitas com ela. Mas, a Dindinha fazia uns quitutes que aprendeu com ela. Tinha um costume do café da tarde, na casa de meus avós paternos e nos maternos também. Penso que a Bisa Rosinha quis perpetuar esse costume. Eu 146
lembro que a gente morava no Rio e via quando ela ensinava as cozinheiras que passaram lá em casa a fazer o café da tarde, com tapioca e também com cuscuz. E esse costume ficou assim, para sempre! Bom demais tomar um cafezinho à tarde com uma tapioca!! Ainda bem que você gosta de comer tapioca. Que tal aprender a fazer, hein? A tapioca vem da mandioca. Os primeiros relatos de plantio vêm da Amazônia, mas já era conhecida em outras localidades da América do Sul, além da América Central. Fora o Brasil, que ocupa a segunda posição de maior produtor do mundo, atrás da Nigéria, com 10% do cultivo global, atualmente essa raiz é bastante cultivada em outros continentes, como África e Ásia. E ela tem nomes diferentes. No Rio, eu lembro que aprendi a chamar de aipim, aí em Brasília chamam de macaxeira, igual aqui no Ceará. A mandioca surgiu muito antes dos colonos portugueses aparecerem por aqui. Os índios a cultivavam e consumiam muito, até hoje! Quando estive numa tribo da Amazônia, eu comi o beiju de tapioca com eles. Da mandioca é extraída a fécula, a goma, o polvilho doce ou azedo e todos servem para fazer quitutes saborosos. Você notou que eu escrevi beiju? Pois é, eu aprendi com minha mãe a chamar beiju, como chamam lá em Teresina. Tapioca chamam aqui, e aí em Brasília também chamam assim. Independentemente do modo de chamar, a receita é fácil e você pode fazer sem medo de errar! Ponha uma frigideira no fogo e deixe esquentar um pouco, daí pegue um punhado de goma, que pode ser molhada ou seca com pitadinhas de sal e despeje nela. Com uma espátula junte bem direitinho para ficar o fundo da frigideira todo coberto de goma. Se você quiser que ela fique mais gordinha, ponha mais goma, se não, ponha menos. Espere um tempo para a goma ficar toda unida e formar um disco bem bonitinho, daí você vira e assa do outro lado! Retire da frigideira e coloque o recheio que você mais gosta. Penso que você vai fazer com queijo. Quando fizer tire fotinhas e mande para Vó Celinha! Lembre-se: não precisa pôr óleo! Depois é só dividir com o João ou então faça duas, uma para você e outra para ele! Bom, minha neta querida, vou ficando por aqui. Fique bem, beijinhos em todos e um especial em você! Te amo!! Vó Celinha Julho de 2019
FEIJÃO DA VÓ CELINHA Oi, Clarinha! Tudo bem por aí? Aqui estou me preparando para mais uma viagem. Não é porque eu sou 147
turismóloga (aquela pessoa que se forma em Turismo) que eu gosto de viajar. Mas é que, desde pequenina, eu viajo. Primeiro foi a viagem de Teresina para o Rio de Janeiro, depois viemos ao Ceará, depois fui morar em João Pessoa, que foi onde eu conheci o seu avô. De lá, seguimos para São Paulo, cidade onde seu pai nasceu. No Rio de Janeiro, aprendi a falar e a comer a “comida de panela”. Eu lembro que minha mãe fazia um feijão preto com carne dentro que acho que foi a coisa mais gostosa que comi em minha infância! Quem lhe ensinou a fazer esse feijão foi a Tia Mundoca, irmã de meu pai, que foi a primeira da família a se mudar para o Rio de Janeiro. Essa receita mamãe me ensinou bem direitinho e, aos poucos, eu fui tomando gosto pela maneira de fazer e também a curtir o feijão preto. Agora, para esse feijão ficar gostoso, tem que ter o temperinho da Vó Celinha! Olha a receitinha: Para 4 pessoas (você, João Augusto, mamãe e papai), você usa a metade do saco de feijão. Cada saco tem 1kg. Então você usa, ½kg de feijão. Em uma tigela (ball), você coloca esse feijão e começa a “escolher”. O que é isso? Às vezes, no feijão pode vir alguma pedrinha ou um caroço feio, daí você seleciona e vai separando se tiver algo assim. Você, então, lava o feijão algumas vezes e o deixa de molho na última lavagem. Com essa água, você o leva para a panela de pressão e acrescenta mais 2 litros de água e, junto a ele, uma beterraba ou cenoura e 2 folhas de louro. Ponha para ferver por 30 minutos. Isso é para o feijão ficar com mais nutrientes, que vão se soltando dos legumes durante a fervura. O louro dá um gostinho delicioso ao feijão. Por falar em louro, ele é muito bom para saúde. Sabia que, na Grécia Antiga, ele era usado como símbolo de vitória? Na Roma Antiga também. Os vencedores de qualquer competição eram coroados com uma coroa feita de folhas de louro. Voltando à receita do feijão: após o cozimento do feijão, você vai temperar. E como se faz isso? Em uma outra panela, você coloca duas colheres de azeite e põe o tempero pronto: aquele com salsa, alho, cebola e que se põe nos potinhos depois de pronto. Daí, você coloca aos poucos o feijão e refoga por último o caldo de feijão. Depois você pega linguiça paio, que é um tipo de linguiça que é usada em feijoada, corta em quatro pedaços e coloca na panela. E como eu sei que você curte bacon, você pode pôr pedaços dele cortados em quadradinhos, umas duas tirinhas de bacon, nesse caso. Você o corta em quadradinhos e o refoga no tempero e só depois que põe o feijão. Por último, ponha o paio ou a carne de charque e pedaços (pode ser para meio quilo de feijão, 150 gramas de charque) e pronto, daí você experimenta tudo para ver se está bom de sal. Não é uma feijoada, viu? Mas fica bem gostoso o feijão preto da vó Celinha. Qualquer dia vou aí experimentar. Tá certo? Fica bem, minha querida! Cheiros para você e João! Beijinhos no papai e mamãe. Amo vocês! Vó Celinha Agosto de 2019 148
PROMESSA Olá, Clarinha! Como foi de férias? Aproveitou Belo Horizonte bastante? O que vocês aprontaram por lá? Me contem, viu? Lembrei agora de um prato bem mineiro: galinha com quiabo! Mas aqui a gente usa o quiabo e o maxixe no feijão de corda, no feijão verde ou no marrom. Minha mãe e a sua bisa Rosinha, gostavam muito de maxixe, mas elas faziam questão de pôr no feijão o quiabo também. Mas, olha só, estive no Cariri cearense e é uma região muito bonita que fica no sul do estado do Ceará. Eu trabalhei em Juazeiro do Norte e no Crato. Sabia que morei dois anos lá? E lá, eles fazem o munguzá, que é um prato salgado à base de milho, costelinha de porco, charque, bisteca ou lombo de porco, feijão de corda ou fava branca. Parece um feijão temperado. Mas, munguzá ou mungunzá ou canjica, pode ser doce ou salgada. Tem origem na África e foi trazido pelos escravos que vieram para cá na época do Brasil Colônia. E prometo que quando eu for aí, a gente faz. O que você acha? Munguzá é um prato bem interessante! Beijinhos da Vó Celinha. Agosto de 2019
CHOCOLATE QUENTE PARA ESQUENTAR NO INVERNO Oi, Clarinha! Tudo bem por aí? E o frio? Sabe, hoje me deu uma saudade de vocês! Lembra quando eu fazia chocolate quente? Então, hoje me deu uma saudade, que me lembrei de enviar para você a receita do chocolate quente que eu tomava quando ia passear no Piauí. Em Teresina, eu também ficava uns dias na casa que foi dos meus avós (trisavós Augusta, a primeira, e o trisavô Heliodoro), e lá morava a irmã mais velha do meu pai, o biso Belino, e ela fazia chocolate quente para nós. Ela se chamava Idalina, mas a gente se acostumou a chamá-la de Dindinha porque ela era madrinha do seu bisavô. Ela fazia chocolate em pleno mês de julho em Teresina, uma cidade que sempre faz calor, que é conhecida pelas altas temperaturas. Mas, nesse mês, a temperatura ficava bem mais fria, com quase 20, 21 graus. Ela servia o chocolate na hora do jantar. A minha mãe me ensinou a fazer o chocolate quente da Dindinha. Acredito que foi minha tia quem ensinou a minha mãe. Você pode também fazer aí. Cuidado no fogão! Sabe aquele caixa de chocolate Nestlé, aquela caixinha vermelha que tem dois frades provando o chocolate com a panela na mão? Então, a gente usa essa. São três xícaras de chá de leite, quatro colheres de sopa de chocolate, uma lata de leite, uma colher de sopa de maisena e uma de manteiga. Modo de fazer: em uma panela, misture todos os ingredientes mexendo de vez em quando até ferver. 149
Apague o fogo e sirva à vontade naquelas canecas maravilhosas. Se quiser você pode polvilhar (espalhar) na xícara um pouco de chocolate em pó. Espero que você faça bem direitinho e sua mãe curta também. Como você não gosta de canela, põe na caneca da mamãe e do papai, eles curtem! Faça um pouco de chocolate quente para ter na memória essa delícia de receita! Te amo, Clarinha! Cheiros para você e para o João! Vó Celinha. Agosto de 2019
SALADA NO POTE Oi, minha neta querida! Vó Celinha está se preparando para ir a Portugal. Lá vou estudar um pouco e rever sua Dinda! Daqui uns anos você vai também, não é? Faz um bom tempo que fui à Europa, a Dinda era pequenininha; e agora ela é uma arquiteta em Portugal. Que bom, não é? Sabia que ela é uma das “filhas da mãe”? Já contei essa história para você? “Filhas da mãe” foi o nome que dei para a minha marca de saladas no pote. Olha só, salada no pote é uma boa refeição! Esse nome foi em homenagem às minhas filhas – suas tias, irmãs do seu pai: a Dinda Mariana, a tia Ana Paula e a tia Carla Augusta. Sabe aqueles potes lindinhos com tampas coloridas, com vidro transparente, que se enxerga tudo dentro? Iguais aqueles de palmito e azeitona. Pronto, era desse modelo de pote que a Vó Celinha usava para guardar as saladinhas deliciosas. Todas as pessoas que experimentaram, gostaram. Vou te passar a receitinha: 2 folhas de alface americana, 1 folha de repolho roxo, 4 tomates-cereja, 200g de frango em pedacinhos. Esse frango é temperado com tempero pronto e lemon pepper e o suco de 1 laranja. 2 ovos de codorna cozidos, 3 azeitonas, 4 folhas de rúcula, 2 ramos de brócolis, 2 colheres de sopa de grãode-bico e um molho feito com carinho. Para o molho, você pode fazer com duas colheres de azeite virgem, mel, mostarda e ervas finas com sal a gosto! Mas fica linda e gostosa essa salada! Você prepara as camadinhas e fica bem colorida! Assim: Primeira camada – o molho; Segunda camada – grão-de-bico; Terceira camada – tomate-cereja; Quarta camada – 2 ovos de codorna cozidos e 3 azeitonas; Quinta camada – 2 ramos de brócolis; Sexta camada – frango; Sétima camada – rúcula; Oitava camada – alface americana. Daí, você pode enfeitar entre uma camada e outra com castanhas de caju raladas. 150
Se quiser, pode trocar o brócolis por pepino ou rabanete, viu? Olha a foto! Fazer salada no pote é muito divertido. E depois que fica pronta, fica linda e toda colorida! Espero que você tenha aprendido e que faça com aquele molhinho que você gosta. Beijinhos para você e o João, outros para a mamãe e papai. Te amo! Vó Celinha Outubro de 2019
SALADA DE FRUTAS Olá, Clarinha! Tempo de secura por aí, não é? Nossa, é tempo de prestar muita atenção no narizinho e beber muita água. Essa época é boa para preparar uma saladinha de frutas também! Que tal uma saladinha com frutas deliciosas? Vamos à receita? Meio abacaxi cortado em pedacinhos, 2 kiwis, 1 manga cortada em quadradinhos, 6 morangos, 2 bananas, 2 maçãs, 10 uvas sem caroço, 2 laranjas e 2 mexericas. Essa salada se faz bem rápido, pois é só cortar as frutas em pedacinhos e juntar tudo, mas as uvas você corta pela metade, não esqueça! Você põe as laranjas e as mexericas descascadas com um pouquinho de água e bate até ficar um suco consistente. Daí você passa na peneira e põe em cima dos pedaços de frutas. Lembre-se que comer frutas só faz bem. Se você quiser, pode servir a salada com leite condensado por cima. Sabia que, quando eu trabalhava no Cariri, no Estado do Ceará, eu lanchava saladinha de frutas com um pouco de leite condensado e granola? Amava! Se você quiser também pode pôr na salada aveia ou granola, ok? Espero que você fique bem e passe essa temporada seca do Cerrado comendo bastante frutas e bebendo muita água e sucos. Te amo, neta minha! Cheiros no João, no papai e na mamãe Beijinhos da Vó Celinha! Outubro 2019
ARROZ DE LEITE Clarinha querida! Vó Celinha hoje vai falar do arroz de leite. Você já comeu? Na época das festas juninas, lá no Rio de Janeiro, onde eu passei minha infância, meu irmão, seu Tio Paulinho, vendia fogos. Eram as estrelinhas, bombinhas, estalinhos e balões pequeninos. Naquela época se podia soltar balões, não havia tantos fios, prédios e os perigos de hoje. Daí, tinha milho assado, batata-doce assada, canjica, pamonha e arroz de leite. 151
Então, aí vai a receitinha do arroz de leite que a bisa Rosinha aprendeu a fazer desde o tempo em que morava em Teresina, continuando esse costume no Rio de Janeiro. Aqui no Ceará, chamam arroz doce. Olha os ingredientes e o modo de fazer: 1 ½ xícara de arroz, 2 ½ xícaras de água, cinco xícaras de leite, 2 colheres de essência de baunilha, 1 lata de leite condensado, 1 lata de creme de leite e canela para pôr em cima do arroz na hora de servir. Para fazer o arroz doce, basta colocar a água na panela e ponha um pouquinho de canela nesta água. Junte o arroz e deixe ferver até secar. Daí, você coloca o leite, a baunilha e o leite condensado, mexendo. Você deixa ferver por 15 minutinhos e põe também o creme de leite e mexa bem! Assim está feito o arroz de leite da Bisa, que ensinou a Vó Celinha. Salpique a canela quando for servir. Sabia que o arroz doce ou de leite é de origem asiática? Nos casamentos hindus na Índia, por exemplo, era comum comer arroz com açúcar. Na Tailândia, ele leva coco e é servido com fatias de manga e um pouco de açúcar. Da Ásia, o arroz doce foi para a Europa e chegou no Brasil por meio dos ricos portugueses que traziam vários pratos de Portugal. Era uma das sobremesas preferidas deles. Espero que você faça esse arroz e fique bem gostosinho e que todos curtam! Beijinhos para você, João, papai e mamãe. Te amo! Vó Celinha Novembro de 2019
LASANHA DA VÓ CELINHA Clarinha, meu bem! Novembro chegou e estou a me arrumar para ir a Portugal. Já estou com saudades suas, do João e da mamãe e do papai. Você me disse outro dia que estava com saudades da Lasanha da Vovó Celinha e que tinha comido uma na escola, mas não era gostosa como a que eu faço. Pois bem, aí vai a receita da Lasanha da Vó Celinha: 1 pacote de massa para lasanha; 250g de queijo muçarela fatiado; 250g de presunto fatiado; 100g de queijo parmesão ralado; 500g de carne moída; 2 colheres de sopa de azeite; 2 xícaras de polpa de tomate. Você pode fazer o molho que já te ensinei, se quiser. Mas vale lembrar como se faz. Você vai precisar de 3 tomates cortadinhos, sal, pimenta calabresa, manjericão, salsa picadinha, azeite e dois dentes de alho amassadinhos. Ponha na panela o alho, o azeite e deixe refogar um pouco. Junte os tomates, o sal, a pimenta e as ervas. Deixe levantar fervura e depois ponha 250ml de água. Quando estiver bem cozidinho, retire do fogo. Aguarde um pouco e bata essa mistura no liquidificador. Passe na peneira e pronto! Continuando com os ingredientes da receita da Lasanha: 1 cebola cortada em 152
cubinhos; 4 dentes de alho; pimenta-do-reino a gosto; orégano a gosto; azeite a gosto (mais ou menos seis colheres de sopa). Modo de fazer: Ponha na panela o azeite, a cebola, o alho e, por último, a carne moída. Mexa de vez em quando e tome cuidado para a carne não ficar com bolinhas, daí você vai apertando para ela ficar soltinha. Deixe cozinhar bem até ela começar a fritar, daí você coloca a pimenta, o orégano, o manjericão, a polpa de tomate e a água. Deixe 10 minutos em fogo médio, do jeito que Vó Celinha lhe explicou: o segundo estágio do botão do fogão. Depois, monte a lasanha. Lembrando que, antes de você montar a lasanha, acenda o forno e pré-aqueça a 200°C. Para montar a lasanha: primeira camada de molho, segunda camada de lasanha mais o molho, terceira camada de presunto, quarta camada de queijo, até ficar com 2 cm do final do refratário (forma quadrada da mamãe) e, para finalizar, não esqueça de deixar um pouco de molho para colocar o creme de leite, misturando bem. Coloque o último molho (que ficou branco agora) e salpique queijo ralado, orégano e um fio de azeite e deixe no forno de 25 a 30 minutos. Não deixe de tirar uma foto e mandar para a Vovó Celinha. Ah! Pede para o João te ajudar na montagem da lasanha, vai ficar muito legal! Te amo, minha neta! Beijinhos da Vó Celinha Novembro de 2019
OMELETE Olá Clarinha! Aqui em Portugal faz um friozinho gostoso, o inverno chegou! Não tem neve aqui em Vila Real, mas faz um frio muito legal. Olha a vó de agasalho com capuz e corta neve! Você, quando vier para cá, vai adorar. Eu tomo vinho quase todos os dias. Uma garrafa custa em média um euro e 50 cêntimos. E olha que engraçado, o nome do vinho é Vila Real, pois é produzido aqui nesse município. Os Vinhedos aqui em Portugal são lindos, Clarinha! Eu fiquei encantada! Do jeito que eu gosto de vinhos, imagine minha alegria ao passear pelas vinícolas. E, ainda por cima, entrar nos restaurantes ou biroscas e sempre ter um vinhozinho para degustar! Estou com muitas saudades, mas sei que um dia a gente vai se encontrar de novo. Você tomando suco de uva com água com gás e a avó Celinha tomando vinho. Eu estou fazendo muitas omeletes por aqui. Lembra como eu fazia para vocês? Então, vou escrever aqui uma receita para vocês não esquecerem como faz: 153
Dois ovos, um punhado de ervas finas, sal, pimenta-do-reino e uma colher de azeite. Em uma tigela quebre dois ovos e misture as ervas finas. Se você quiser, ponha aquele tempero que sua mãe comprou no Mercadão de São Paulo, lembra? E o sal. Misture bem, batendo com fouet até a mistura ficar bem cremosinha. Depois, na frigideira, ponha o azeite e os ovos batidos. Dica da Vó Celinha: segure a frigideira e vá balançando devagar para a omelete cozinhar. Quando ela estiver bem densa, bem durinha, ponha o recheio. Dicas de recheio: queijo ralado, sardinha esfarelada, carne moída, presunto cortadinho em fatias finas, tomatinho-cereja cortado em 4 e bom apetite! Vou sair para caminhar um pouco, a avó tem umas botas maravilhosas, que me dão equilíbrio e são impermeáveis! São ótimas, e deixam meus pés aquecidos e daí não passo tanto frio. Fica bem por aí, que por aqui vó Celinha faz o possível para aproveitar da “Terrinha” de nossos ancestrais! Te amo, Clarinha! Cheiros no João, na mamãe e no papai. Beijinhos da Vó Celinha. Dezembro de 2019
RABANADAS Oi, Maria Clara! Tudo bem por aí? O Natal está chegando! Eba! O que você pediu ao Papai Noel? Sabe como ele se chama aqui em Portugal? Pai Natal. Legal, né? Apesar de, em Portugal, se falar o português, tem umas coisinhas diferentes do Brasil. Por exemplo: banheiro é ‘casa de banho’, geladeira é ‘frigorífico’, frigorífico é ‘talho’, garçom é ‘atendente de mesa’. Tem várias palavras que são diferentes do português daí do Brasil. E o que tem aqui que eu acho bom mesmo são os vinhos, os doces conventuais e os pães... São ótimos! Mas, como é Natal, vou te passar a receita da rabanada ou fatia dourada, como é chamada em Portugal. Muito consumida no Brasil na época natalina. Mas aqui o consumo já vem de muitos e muitos anos, lá pelo século XV. Dizem que foi criada para reaproveitar o pão amanhecido, alimento sagrado para representar o corpo de Cristo para os católicos. Sua origem sempre leva a Portugal, mas em todo mundo pode se encontrar algumas variações. Por exemplo: na Inglaterra, chama-se egg bread; na França, pain perdu; nos Estados Unidos, french toast. Para o Brasil, a rabanada veio pelas mãos dos colonos portugueses. Sabia que no Nordeste é também muito consumida? Mas, a primeira vez que eu comi, foi na casa da minha tia Mundoca, lá no Rio de Janeiro. Mamãe aprendeu com ela e me ensinou a fazer. Olha a receita: um pão bengala, aquele bem grande, açúcar, uma lata de creme 154
de leite, três ovos, canela e meio litro de leite. O modo de fazer é simples: corte as rodelas do pão bengala, molhe no leite, passe no ovo batido (igual como se bate para fazer omelete) e frite em óleo quente. Quando ficar dourada retire do fogo e ponha no papel toalha. Lembre-se de misturar o leite condensado com o leite. Depois de secar o óleo da rabanada, passe no açúcar e na canela. Observação: pode-se usar também as fatias molhadas no vinho do Porto (a cidade do Porto é onde a Mariana, sua Dinda, mora). Uma curiosidade: Em Portugal o pão bengala chama-se pão cacete. Penso que é assim porque ele é fino e comprido. Dizem que quando tinha briga entre as pessoas quando saíam da padaria metiam o pão na cabeça do outro. Mas, isso deve ser uma lenda urbana por aqui. Esquisito, não é? Bem, espero que seu Natal seja repleto de muitas alegrias e muitos presentes. Feliz Natal e Feliz Ano Novo para você, João, papai e mamãe! Beijinhos da Vó Celinha! Dezembro de 2019
HOMENAGEM À TIA MANINHA Olá, Clarinha! Esta é a primeira cartinha que faço para você depois que cheguei no Ceará, vinda de Brasília. Infelizmente, tivemos uma triste perda em nossa família. Como você sabe, a tia Maninha nos deixou. Ela era minha irmã mais velha. Era uma médica muito boa e muito conceituada aqui em Fortaleza. Tia Maninha era uma pessoa que amava muito o Piauí, nossa terra natal, e uma das coisas que ela gostava de comer era o arroz chamado de maria-isabel. A origem desse nome, segundo um amigo da Vó Celinha, o Enéas Barros, escreveu no livro dele, é que o Simplício, que era um negociante de escravos, herdou dos pais as charqueadas, que eram carnes prensadas. Ele exportava o couro do gado que criava e da carne ele fazia o charque. A mistura com o arroz surge naturalmente entre os escravos e, para homenagear o senhor, resolveram dar o nome de Maria Isabel, que era o da esposa do poderoso Simplício. Lembra que uma vez eu escrevi que minha avó Donana, sua trisavó, fazia bem legal o arroz maria-isabel? Então hoje, vou te ensinar a fazer esse arroz do Piauí, o maria-isabel, em homenagem à sua Tia-Avó Maninha, uma mulher que amava a família e a medicina, e que gostava muito de você, Clarinha. Todas as vezes que você comer arroz maria-isabel, lembre com carinho da Tia Maninha. A receita original, como eu escrevi lá em cima, leva carne de charque, mas, também se faz com carne de sol, pois lá na cidade de Campo Maior, no Piauí, que a Tia Maninha morou e ela amava essa cidade, se produz muito a carne de sol! Daí muita gente faz com a carne de sol substituindo o charque. Junto a esta cartinha, tem a foto do último arroz maria-isabel que eu fiz e foi na casa da Tia Maninha, ela adorou! 155
2 xícaras de arroz agulhinha, ½ cebola cortada em pedaços pequenos, 3 dentes de alho amassados, azeite ou óleo e 4 xícaras de água, sal a gosto e 200g de carne de sol ou de charque cortada em pedacinhos quadrados. Na panela, refogue no azeite ou óleo, a cebola e o alho. Coloque o arroz, para refogar também. Ponha o sal depois que puser a água toda no arroz. Lembrando que a carne de sol é muito salgada e, mesmo depois de bem lavadinha, ela fica ainda com sal. Daí, às vezes, nem precisamos pôr sal durante o cozimento do arroz. Quando estiver bem solto, despeje a água aos poucos e mexa. Deixe ferver em fogo brando até cozinhar a carne e o arroz. Sirva bem quentinho! Clarinha, não esqueça, receita de família a gente tem que sempre respeitar e passar para frente, e quando você crescer e tiver sua casa, leve consigo as receitas e no coração o amor que uma família como a nossa tem uns pelos outros. Cozinhar é uma maneira de pôr na mesa todo o nosso amor pelo outro! Te amo, minha querida! E salve Tia Maninha! Beijinhos da Vó Celinha pra você, João, mamãe e o papai! Fevereiro de 2022
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REFERÊNCIAS http://www.pi.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/PI/origem-do-arroz-maria-isabel-econtada-por-escritor-piauiense,f0c57b5ba5527510VgnVCM1000004c00210aRCRD. Acesso em: 10 fev. 2022. https://www.dicionariotupiguarani.com.br/dicionario/tapioca/. Acesso em: 14 fev. 2022. Artedoqueijo.com https://www.artedoqueijo.com.br/?gclid=Cj0KCQiA3rKQBhCNARIsACUEW_ Zn7Glq_SWnRubR19TzA1me-ZgS8MYOwQv-o1EXP-WIHmStaiNm4SQaAubQEALw_wcB. Acesso em: 10 fev. 2022. CARDOSO, Carlos Estevão Leite. Mandioca: o ‘Pão do Brasil’ faz parte da história da agricultura nacional. Disponível em: https://www.sna.agr.br/mandioca-o-pao-do-brasil-fazparte-da-historia-da-agricultura-nacional/. Acesso em: 19 fev. 2022. PESSOA, Antonio. A origem do arroz Maria Izabel do Piauí. Disponível em: http://www. pi.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/PI/origem-do-arroz-maria-isabel-e-contada-porescritor-piauiense,f0c57b5ba5527510VgnVCM1000004c00210aRCRD. Acesso em: 20 fev. 2022. 157
RECEITAS DESENHADAS PARA PROVAR O CEARÁ Débora Santos
BRUACA PARA MERENDA Aprendi a cozinhar com muitas pessoas e cada receita tem sua história. Maria José, minha avó materna, nunca gostou muito de cozinhar. Quem fazia o almoço geralmente era meu avô. Mas essa bruaca pra merenda da tarde que minha avó faz é um dos meus lanches preferidos. Com café ou chá de cidreira, sempre me faz lembrar dela.
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BAIÃO QUE SE MODIFICA Em Tarrafas, na época distrito de Assaré (década de 60 e 70), hoje município, minha bisavó, Maria Carmelita, fazia a seguinte receita, que era o prato preferido da minha mãe na infância: Torrava o porco e separava a carne da gordura. Essa gordura era armazenada em latas de alumínio e servia pra preparar todas as comidas salgadas da casa (galinha cozida, porco, mucunzá). Para fazer o Baião, ela torrava alho, sal e pimenta-do-reino (que ela mesma pilava) na gordura do porco e jogava o arroz cru pra refogar e depois adicionava conchas do feijão que estava cozido em outra panela com um pouco da água do cozimento e completava com água fervendo até o arroz cozinhar e secar a água. O baião geralmente era consumido com banana da casca verde e torresmo.
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A versão que minha mãe faz foi sofrendo várias mudanças com o tempo e foi ficando assim: ANOS 2000, FORTALEZA, BAIRRO SÃO GERARDO Cebola, alho e sal refogados com azeite ou óleo (o que tinha em casa no momento). Ela adicionava o arroz cru pra refogar um pouco e depois adicionava o feijão cozido. Em alguns momentos, também acrescentava pedaços de queijo coalho quando o Baião já estava pronto. Às vezes, minha mãe usa açafrão e pimenta de cheiro (refogados com cebola, alho e sal), mas ela começou a usar açafrão quando se mudou pro Monte Castelo, em 2012, que foi quando passou a encontrar facilmente esse tempero nos supermercados da região. O Baião com farofa de linguiça é um almoço muito apreciado na minha família e é a comida preferida da minha tia Maria Carmelita (nome que lhe foi dado em homenagem à minha avó). É a comida que minha mãe fazia aos domingos, quando íamos à praia na adolescência e levava em panelões pra família toda. A famosa farofada na praia.
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Farofa de linguiça (pode ser com linguiça toscana ou calabresa): corte a linguiça e refogue. Quando ela soltar água, jogue fora esse líquido. Depois jogue óleo ou azeite e deixe a linguiça dourar na panela. Quando estiver dourada, jogue cebola, alho, pimentão e quando soltar a gordura e estiver no ponto, apague o fogo e jogue a farinha de mandioca já com o fogo apagado. Depois joga coentro e cebolinha. Minha mãe passou a fazer essa receita no começo dos anos 2000 e me disse que só foi fazendo, ninguém a ensinou. Coincidiu com o momento econômico em que estávamos vivendo quando, pouco a pouco, passamos a comer mais carne vermelha e carne processada durante a semana. Todas essas receitas não têm quantidades definidas, depende muito da quantidade de pessoas que vão comer. Pra quarto pessoas, geralmente é usada uma xícara de arroz, 1 cebola, 3 dentes de alho, 1 xícara de feijão cozido. Para a farofa de linguiça, geralmente é usada uma linguiça por pessoa e farofa a gosto.
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COMO UM ABRAÇO NUMA TARDE QUE CORRE À BRISA DO MAR Ruan Cavalcante
Gosto de pensar na comida como aquilo que vai me conectar com as partes internas do meu corpo. A comida como extensão do meu corpo que ao ser ingerida entra acariciando as minhas vísceras, alimentando as minhas células. Então é isso que eu sou, a gente se funde em matéria cósmica falante movida a energia solar. Nesse sentido, seria a foto da comida um tipo de selfie? Talvez. Então cozinhar pra alguém é encontrar a pessoa por dentro da pessoa. Talvez por isso seja tão bom comer junto. Estar no mundo altera o paladar. Viver experiências é mudar por dentro, altera os sentidos. Talvez por isso, essa quarentena esteja me trazendo novos sabores. É tanta mudança. As informações vão se acomodando na maneira como devora o mundo. Cozinhar é acessar ideias. Cozinhar é pensamento. Pensamento é pra ser digerido. (A Cozinha Sensorial1 de Maeve Jinkings)
COMIDA COM CONEXÃO Papai, iguatuense, e mamãe, de raiz brejo-santense, me conceberam em Fortaleza, no ano de 1996. Apesar de meus pais terem tido uma infância árdua no sertão, batalharam para construir uma outra realidade para si, de forma que puderam oferecer muitos privilégios na minha criação e na da minha irmã. Para isso, o trabalho era intenso. Eles precisavam passar o dia em seus empregos, e a consequência disso foi que eu e minha irmã ingressamos cedo na creche. Além disso, investiram em ‘secretarias do lar’ que fizessem serviços de casa e cuidassem das crianças. Esse fato me proporcionou a experiência de ter tido contato com várias donas de casa no decorrer de minha vida. Aproveito este espaço para agradecer profundamente pelo zelo e amor de todas, tão verdadeiro quanto o dos meus pais. Naquela época, era bem comum mulheres de outros municípios virem à capital trabalhar integralmente nos serviços de casa. Tornavam-se parte da família pelo contato diário e pelo cuidado mútuo. Consigo, traziam saberes culinários regionais, culturais e afetivos e os implantavam em nossa cozinha. Resgato, então, na seguinte receita, uma iguaria apresentada pela Rosa à minha família, uma piauiense que proporcionou minha primeira memória gastronômica.
OS FILHÓS DA TITIA Embora esta iguaria tenha sido apresentada pela Rosa, quem costumava reproduzir a receita para comermos era a ‘Tia Lôra’ (apelido este que adotei desde criança, ou simplesmente, ‘Titia’). Não é à toa que muito do que aprendi na cozinha foi por observar a orquestra que essa mulher de sorriso doce e mãos carnudas tocava lá em casa.
1 https://www.youtube.com/watch?v=XFqd1lh8MkI
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Cresci assistindo minha tia e minha mãe conversando na cozinha. Entre o bate-papo e as risadas, cozinhavam para “encher o bucho” da criançada. A tia ‘Lôra’ ficava entre os pré-preparos e a boca do fogão, com toda sua intuição aguçada para a culinária, conhecida por toda a família. Minha mãe ajudava na organização da cozinha e dos ingredientes, além de escrever as receitas favoritas nos cadernos-agenda que compartilham entre si até hoje. Já a minha singela ajuda era enchê-las de beijos. Acredito que elas não imaginavam o que esses momentos na cozinha significavam para mim. O preparo de um prato para servir alguém é a represent(ação) física de um carinho, e, assim, o sentimento é de aconchego. É dessa forma que os filhós mexem comigo. Símbolo de acolhimento, criatividade, diversão, amor e expressão. O cheiro da goma misturada ao leite morno é como um abraço numa tarde que corre à brisa do mar.
A RECEITA LEVA
½ kg de fécula de mandioca (goma ou polvilho) 2 copos americanos de leite 1 colher de sopa bem cheia de margarina ½ colher de sopa de açúcar 1 pitada generosa de sal Óleo vegetal para fritar
MODO DE PREPARO
Leve uma leiteira ao fogo médio com o leite, a margarina, o açúcar e o sal. Espere a margarina derreter e apague o fogo, não deixando o leite ferver. Numa bacia, despeje metade do líquido sobre a goma e deixe descansar antes de mexer para não queimar a mão. Comece a misturar. Se preferir, pode usar uma colher no início. Despeje o restante do líquido aos poucos e ajuste o ponto da massa (que seria não grudar na mão). Se estiver grudando, adicione mais goma. Prove a massa e ajuste o sal, se necessário. Separe um espaço na mesa ou bancada para trabalhar a massa e fazer os filhós. Após higienizar a superfície, despeje farinha de trigo para lhe auxiliar na hora de fazer os formatos e não grudar. O formato clássico lá em casa era o trançado. Para isso, pegue um pedaço da massa, faça uma cobrinha com a mão e passe para a mesa, a fim de deixá-la mais fina. Vá rodando a massa contra a mesa e alongando as bordas. Depois dobre na metade e enrole uma na outra, cruzando como uma trança. Por fim, aperte as pontas. Use sua criatividade para fazer diferentes formatos e se expressar. Faça corações, letras, formas geométricas e até animais. Por que não? Essa é a hora da criançada participar com todo seu potencial de imaginação. 171
Para finalizar, aqueça o óleo em uma panela funda e disponha os filhós aos poucos, para não respingar. Deixe-os fritar, em média, por 2 minutos, virando-os na metade do tempo para garantir que todos os lados dourem. Reserve um prato com papel toalha para dispor os filhós e retirar o excesso de óleo. Eles devem ficar com uma leve crocância por fora e macios por dentro.
O CREME DE BATATINHA DA TIA CRISTINA Quando minha mãe veio para Fortaleza, morou com seu irmão (tio Elton), e sua cunhada (tia Cristina), em uma casa na Parangaba. Foi aí que a mãe pôde incluir no caderno-agenda uma nova receita que viria a ser muito querida. Também bastante reproduzida pela tia Lôra, esteve presente constantemente em muitos almoços de família na minha infância. Esta guarnição possui um lugar especial no meu coração e no meu prato. Poderia tranquilamente ser o protagonista da refeição, pois de coadjuvante não tem nem o cheiro. O sucesso do creme ou suflê de batatinha é indiscutível, sempre desejado por todos os familiares. A saída do forno anunciava a chegada das pessoas à mesa. E ai de quem não estivesse atento à hora de se servir… O segredo deste prato é a simetria dos cortes junto às texturas dos ingredientes, em perfeita sintonia com os sabores. As mãos são precisas e lúdicas nos cortes das batatas e do queijo coalho em formato de cubo. Sem mais delongas, vamos à receita, pois já sinto fome. Cozinhe quatro batatas numa panela com água e sal. O ponto de cozimento é uma coisinha a mais do al dente, pois, se cozer demais, tem chance de ‘empapar’ na finalização e não queremos que vire um purê, né mesmo? Enquanto isso, corte meio quilo de queijo coalho em cubos. Depois de cozidas, tire a pele das batatas e corte-as em cubos. Atente-se para deixar de tamanho parecido com os cubos de queijo. Misture o queijo com as batatas e reserve. Para o molho branco, leve à panela: 1 ½ copo americano de leite, 1 pitadinha de sal, 1 colher de sopa de margarina, 1 colher de sopa cheia de amido de milho e a gema de 1 ovo (reserve a clara). Em fogo baixo, misture os ingredientes com ajuda de uma colher, até chegar à consistência de mingau. Apague o fogo e despeje 1 lata de creme de leite. Misture até homogeneizar o molho. Junte a batata e o queijo ao molho branco e certifique-se de que os cubos estejam lambuzados no molho, como uma salada de batatas com maionese. Numa travessa de vidro retangular e funda (para evitar que transborde no forno) untada com margarina, coloque a mistura. Com a ajuda de uma colher, ajuste a mistura para que fique alinhada na travessa. Pegue a clara reservada e, com a ajuda de um fuê, bata até ter a ‘clara em neve’. Quando chegar no ponto, espalhe 172
sob a mistura da travessa. Com o forno pré-aquecido a 200ºC, coloque o creme de batatinha e deixe até dourar. Demora, em média, 20 minutos. Está pronto, bom apetite!
Quando criança meu paladar era significativamente ‘pescetariano’, pois apreciava frutos do mar em geral e não me agradava as outras carnes (seja porco, boi/vaca ou aves). Mas, de uma forma nada intencional, eram apenas minhas preferências alimentares. Eu nem sabia o que era vegetarianismo. Lembro-me de minhas viagens para visitar a família materna, em Brejo Santo, onde era comum meu avô mandar matar alguma galinha ou bode para servir no almoço. Enquanto eles discutiam a receita e o preparo, eu fazia companhia ao animal em suas últimas horas de vida antes do abate. Talvez esses episódios tenham me sensibilizado na questão da ética animal desde cedo. Mas com o passar dos anos, meu paladar foi sendo sequestrado pelas preparações super palatáveis como coxinha de frango, bolonhesa de carne moída, hambúrguer, estrogonofe etc., presentes em muitos contextos festivos e sociais. A indústria é esperta e habilidosa em fazer a gente desassociar aquele produto alimentício de sua matriz, dando outra nomenclatura ou fazendo um marketing de animais felizes e bem criados para alimentar a população. Já adulto, isso tudo começou a me incomodar quando me despertou o vegetarianismo, em 2017. Certo dia, uma amiga da faculdade de Nutrição me convidou para assistirmos juntos um documentário na Netflix que abordava a dieta baseada em vegetais. “What the Health” critica o impacto do consumo de carne, peixe, ovos e laticínios na saúde e questiona as práticas das principais organizações de saúde e farmacêuticas. Aquele foi um momento de reconexão, onde pude ter informações acerca de minhas possibilidades alimentares e repensar minhas escolhas. O cerne sobre o vegetarianismo e o veganismo é o respeito e as preocupações com o reino animal e os impactos socioambientais do sistema-carne. No geral, os cadernos-agenda de receitas da minha mãe eram cheios de leite condensado, creme de leite e temperos prontos. Mas que culpa ela tinha? Ao que tange a história do Brasil, muitos povos foram perseguidos, violentados e dizimados para dar origem ao que somos hoje. 173
Os europeus trouxeram tudo o que a gente mais valoriza na mesa: o trigo, as carnes, os laticínios, os tipos de corte, as técnicas, as sobremesas, os ovos. Os ingredientes que remetem às culturas indígenas e afrobrasileiras, como o milho, a mandioca, o coco, o feijão fradinho, o quiabo, etc, a gente chama de comida “de pobre”, de “rua”, de “herege”. (GOMES, 2022)
Levanto, nesse segundo momento do livro, um manifesto. Uma construção coletiva. Uma esperança de que a cozinha, nossa alimentação e o mundo possam ser diferentes. Mais sustentáveis. Melhores? Talvez.
O MEU CORAÇÃO (DE BANANEIRA) Em tupi-guarani ‘mangará’ significa coração. Mangará, umbigo ou coração da bananeira é a parte da planta onde se localizam as flores e nascem os cachos dessa fruta icônica. De cor vermelha, se parece com um coração suspenso. Essa iguaria é pouco conhecida e consumida no Brasil, por isso, pode ser classificada como PANC, acrônimo criado pelo biólogo Valdely Kinupp para designar as Plantas Alimentícias Não Convencionais, Muitas plantas são denominadas “daninhas” ou “inços”, pois medram entre as plantas cultivadas, no entanto, são espécies com grande importância ecológica e econômica. Muitas destas espécies, por exemplo, são alimentícias mesmo que atualmente em desuso (ou quase) pela maior parte da população.” (Kinupp, 2007)
Para se retirar o mangará, deve-se observar se as bananas já foram formadas, para que sua retirada não interfira no desenvolvimento dos cachos de bananas. Quanto ao valor nutritivo, o mangará é rico em carboidratos, cálcio, fósforo, fibras e antioxidantes (compostos que ajudam a combater inflamações no corpo, prevenir os sinais de envelhecimento e fortalecer o sistema imunológico). A parte que é consumida do mangará tem coloração branca e fica no interior, percebido quando descascado. Seu gosto é naturalmente amargo (porém quanto mais jovem o mangará, menos amargo será) e possui uma textura parecida com a do palmito. Devido ao sabor amargo, o preparo do coração de bananeira requer um passo a passo um pouco trabalhoso, mas vale muito a pena. Uma das indicações de consumo é fazê-lo refogado e utilizá-lo como recheio de tortas e pastéis. Mas a receita que trago remete a uma memória afetiva de meus domingos na praia com minha mãe, meu pai e minha irmã. Íamos todo final de semana tomar banho de mar, pegar sol e comer as iguarias que só na praia temos acesso, como a casquinha de caranguejo, que foi minha inspiração para a seguinte receita. Reproduzi em Brejo Santo e minha família ficou surpresa. Pela primeira 174
vez, encararam o mangará como alimento. O tio Didi adorou e, sempre quando vou visitá-lo, comenta o quanto gosta da receita e diz que vai me trazer mais mangará. E de fato ele busca para mim. Nota-se que eu lhe proporcionei uma memória afetiva, que o paladar foi além do gosto.
PARA A CASQUINHA DE MANGARÁ, VOCÉ VAI PRECISAR DE 1 coração de bananeira ½ xícara de vinagre 1 colher de sopa de azeite de dendê 1 cebola média picada 1 tomate médio picado ½ pimentão verde picado 1 colher de chá de colorau 1 pitada de cominho Sal a gosto Suco de ½ limão 1 xícara de leite de coco ½ folha de alga, em pedaços (opcional) ½ maço de cheiro-verde
PARA O PREPARO DO CORAÇÃO DE BANANEIRA
Para o pré-preparo do coração de bananeira, você precisará de uma tigela com 1 litro de água e meia xícara de vinagre ou suco de limão. Reserve. Retire as folhas roxas externas até chegar nas folhas mais pálidas e maleáveis. Leve a uma tábua e corte em lâminas. Rapidamente coloque todas as lâminas cortadas na tigela e, com as mãos, separe as lâminas em anéis e deixe de molho por aproximadamente 15 minutos. Essa etapa ajuda a tirar o amargor e evita que o coração escureça com a oxidação. Depois deixe ferver em água 2 vezes para diminuir o amargor. Enquanto isso, faça o mise en place: corte a cebola, o tomate e o pimentão. Leve a uma panela em fogo médio o azeite de dendê e junte a cebola, o tomate e o pimentão. Deixe-os refogar por 2 minutos ou até murcharem. Acrescente o colorau, o cominho e a alga em pedaços. Acrescente o coração de bananeira à panela, sem água. Coloque o suco de limão, o sal e o leite de coco e cozinhe por 5 minutos com a panela tampada. Apague o fogo, prove e ajuste o sal se necessário. Adicione o cheiro verde e misture. Porcione a preparação em tigelinhas ou cumbucas para uma experiência típica praiana.
HOMUS DE FAVA Durante o meu processo de transição para o vegetarianismo, sentia falta de algo para passar no pão ou na tapioca que fosse mais nutritivo que manteiga ou 175
margarina e que fosse de origem vegetal. Muitos falam sobre a dieta vegetariana ser restritiva. Mas não é uma restrição alimentar, é o contrário disso. Os vegetais são muitos e comumente injustiçados. Como diz o cozinheiro Ruan Felix: “Existe um mundo de novas texturas, novos pratos, combinações inovadoras para se testar, produzir, comer” (FELIX, 2018). Coloquei essa receita no meu dia a dia por ser muito saborosa e rica em proteínas. Após o falecimento do meu avô materno durante a pandemia, essa preparação me faz lembrar dele. Recordo-me bem de quando fui visitá-lo e, ao compartilhar a mesa, eu lhe servi essa pastinha clássica que, na cultura árabe, se faz com grão-de-bico. Vô Doca ficou encantado pelo sabor e, conhecido por ser ‘bom de garfo’, disparou logo que a quantidade feita era pouca. Foi a primeira vez que eu cozinhei algo para o meu avô comer. Nunca fomos muito próximos mas eu jamais vou esquecer desse momento com ele. Embora pareça um exagero, deixar os grãos de molho e depois tirar as cascas é um método que realmente vale a pena. A simplicidade peculiar do homus pede por uma dose de perfeccionismo na textura. O método mais demorado e trabalhoso rende um creme mais aveludado e autêntico.
INGREDIENTES
2 xícaras de fava cozida 1 colher (chá) de bicarbonato de sódio 4 dentes de alho assados 2 colheres de sopa de tahini Suco de 1 limão ½ colher (chá) de sal Páprica e azeite para guarnecer
MODO DE PREPARO
Coloque os grãos de fava de molho na véspera. Você pode remover as cascas depois de cozidos, mas pode ser mais trabalhoso. Aqui vai um truque: escorrer a água do demolho, despejar água fervente sobre eles e esperar alguns minutos. Dessa forma, as cascas transparentes se soltam facilmente dos grãos. Caso isso não aconteça, escorra novamente e repita o processo. Eu esfrego os grãos entre os dedos até não restar mais nenhum com casca. Dá trabalho? Sim, mas depois disso a receita é bem simples. Leve o grão-de-bico em uma panela, cubra com água, adicione o bicarbonato de sódio e cozinhe até ficarem macios, retirando a espuma da superfície de tempos em tempos. O bicarbonato de sódio é muito importante aqui, pois ajuda a amolecer os grãos de fava, criando uma ótima textura, perfeita para o homus. Escorra o grão-de-bico e reserve o líquido em uma tigela. Coloque os grãos no processador com os alhos assados e pulse até ficar homogêneo. A seguir, 176
acrescente o tahini, 1/4 de xícara do líquido do cozimento, o sal e boa parte do suco de limão. Processe e prove para ver se é preciso juntar mais suco de limão ou sal. Então vá adicionando o restante do líquido do cozimento dos grãos (ou água, caso não haja o suficiente) até atingir a consistência desejada. O suco de limão espessa o tahini, afetando a consistência final do homus. Assim, se você acrescentar mais limão, adicione mais água na sequência. Lembre-se que depois de esfriar, o homus fica mais firme e seu sabor se acentua. Então prefira deixar em um ponto um pouco mais líquido. Para servir, coloque em uma tigela rasa e nivele a superfície com as costas de uma colher. Depois faça uma pequena cavidade no centro e alise bem. Regue o homus com azeite extravirgem e salpique com páprica doce e/ou picante.
CURIOSIDADE
Você sabia que páprica é nada mais do que pimentões secos e moídos? Que vão do sabor doce ao defumado e picante. No caso da páprica picante, há o acréscimo da pimenta do reino e até de outras pimentas secas e moídas.
REFERÊNCIAS GOMES, Juliana. Descolonizar o prato. Comida Saudável pra Todos, 22 de maio de 2022. KINUPP, V. F. Plantas alimentícias não-convencionais da região metropolitana de Porto Alegre, RS. 2007. 562 p. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007 FÉLIX, Ruan. Os novos desafios da Gastronomia Vegana. Medium, 18 de fevereiro de 2018. 177
MISTURANDO PARÁ, CEARÁ E MINAS GERAIS Andyara Caetano
Minha família tem referências de cozinhas de Minas, Ceará e Pará. Sou acostumada com mesa farta, falta água mas tem queijo, sempre tem verduras, escuto a voz do meu pai falando onde estão as vitaminas, sempre tem queijo, arroz, feijão, salada e uma farofa geralmente feita do fundo que fica na panela e alguns pedacinhos de carne, temos o hábito de fazer as refeições juntos. Meu pai Valério é de família mineira, foi pra Altamira-PA já adulto no início dos anos 80, com a primeira proposta da construção da UHE Belo Monte. Por lá ficou, pois conheceu e casou com a mamãe. Minha mãe é de família cearense, foi pro Pará com 15 anos na década de 70, junto com toda a família. Meu avô, comerciante, foi fazer a vida lá. Ela é natural de Ipu. Meus pais sempre valorizavam uma alimentação mais saudável, priorizando frutas e verduras. Lembro de, na infância, ajudar o papai, junto com meu irmão a fazer bolinho de arroz com bastante queijo, pois a minha mãe ou estava na faculdade (a segunda que ela fez) ou estava viajando a trabalho (ela é agrônoma e trabalha na EMATERPA, que presta assistência aos agricultores). Logo, ficávamos nós três, e papai, sem tantos talentos, se virava pra gente comer. Pra fazer o bolinho, precisa de um moedor tipo de carne pra unir o queijo e o arroz. Não serve outra coisa... e era uma farra ajudá-lo, vamos à receita…
BOLINHO DE ARROZ INGREDIENTES
2 xícaras de arroz já cozido 2 xícaras de queijo 1 ovo Farinha de trigo, se precisar Sal a gosto
MODO DE PREPARO
Moa o arroz e o queijo e, numa vasilha, misture com o ovo. Caso precise ficar muito mole, coloque um punhado de farinha de trigo para dar liga. Depois modele os bolinhos e frite em óleo quente até dourar.
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PANQUECA Lembro perfeitamente de um livrinho de receitas da mamãe que era pequeno e vermelho que tem essa receita. Lembro também de ficar achando o máximo usar uma panquequeira. Inicialmente, só fazia doce com açúcar e canela, depois aprendi a colocar o recheio de queijo com orégano, como faço há bastante tempo. Tem mais nem receita, só coloco no liquidificador os ingredientes, bato e reparo o ponto.
INGREDIENTES
1 xícara de farinha de trigo 2 ovos 1 xícara de leite 3 colheres de óleo ou azeite Sal a gosto
MODO DE PREPARO
Bata tudo e distribua na panquequeira com uma concha, em fogo médio, até dourar dos dois lados.
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RECEITAS DE BOLOS & OUTRAS GULOSEIMAS QUE COMEMORAM A VIDA
OS BOLOS DAS TARDES DE VERÃO COM CHEIRO DE JASMIM Ewerton Reubens
NOTA INTRODUTÓRIA No fundo, eu sabia, um dia seria necessário revisitar o passado para resgatar algumas das minhas memórias afetivo-gastronômicas adquiridas ao longo dos meus movimentados anos de vida – que, ainda que não sejam muitos, são o suficiente para desencadear suspiros, sentir o gosto de situações que podem ser engolidas a seco ou saltarem com o descompromisso de uma boa gargalhada, com pitadas de sarcasmos; às vezes, até, acrescidas de lágrimas, mas sem acasos. Todas, porém, necessárias para me fazerem sentir vivo, com direito a todas as fragilidades e fortalezas de me compreender como humano; de saber que, às vezes, tenho muita coisa para dizer e pensar sobre muitas coisas, é verdade, mas sobretudo de perceber que gosto mais do observar. Nesse percurso de vida me descobri um apaixonado pelos estudos culturais, principalmente aqueles voltados para a alimentação. Esse é justamente o ponto que me traz até aqui: ter que falar sobre comida, essa parte da cultura das sociedades tão cara para mim e que ganha cada vez mais espaço no meu cotidiano. Isso me foi adquirido desde a infância, quando eu dividia meu tempo para assistir TV entre os desenhos animados da década de 1980 e aprender receita com a Ofélia Anunciato, pela Rede Bandeirantes de Televisão – época em que aquela senhora cozinheira e sua fiel ajudante, Aparecida, abrilhantavam com dicas de cozinha em sua ‘Cozinha Maravilhosa’. Apaixonei-me pelas técnicas de confeitaria assistindo aos programas da confeiteira argentina Marta Ballina. Sim, eu também tinha tempo para brincar com os amigos, e ainda arranjava tempo para ler. E lia muito. Confesso que até mais que hoje em dia. Foi com a leitura que adquiri a habilidade de me comunicar para repassar oralmente aos amigos, amigas, primos e primas, o que eu aprendi com os livros. A leitura me deu repertório e me fez despertar o bichinho da criatividade que me possibilitava criar minhas próprias estórias. Para a minha sorte, habitei uma casa onde havia grandes estantes recheadas de livros com temáticas variadas. E eu lia todos os títulos, e relia. Lá em casa, apesar de existirem muitos volumes, e de eu ter lido todos, alguns em especial me prendiam a atenção, ao ponto de eu estar sempre com algum deles nas mãos. Eram os casos de uma coleção de biografias de personalidades históricas em que eu fuçava sobre a vida de Cleópatra à Michael Jackson; dos volumes de filosofia de ‘Os pensadores’, da Editora Abril; das enciclopédias, como a Barsa e a Larousse, onde iniciei dez longos anos de pesquisas sobre mitologia, com destaque para a greco-romana. Até uma versão ilustrada da Bíblia para crianças eu lia. E, obviamente, não poderiam faltar os livros de receitas. Tínhamos uma coleção deles com belas capas duras... Mas o meu autor brasileiro preferido era Monteiro Lobato. Ele era um dos motivos de eu passar a frequentar a biblioteca 186
pública da cidade. Eu tinha uma amiga cuja mãe trabalhava na biblioteca. Logo, eu sempre estava por lá. Mas foi toda a coleção de Lobato, lançada pela Brasiliense, aqueles livros vintage que eu amo, que me levaram a visitar com mais frequência a biblioteca. Confesso que houve meses em que eu ia quase todos os dias. Frequentar bibliotecas é um hábito que eu ainda recomendo. Nelas, o mundo dos livros pode te mostrar coisas que às vezes passam desapercebidas. Essas minhas idas à biblioteca eram também uma desculpa para encontrar alguns amigos por lá. Vocês duvidariam se eu dissesse, logo de cara, que até aquelas “brincadeiras de uso de copos e tabuleiros” para falar com espíritos eu já fiz com meus amigos na biblioteca? Hoje posso até dizer que foi esse meu hábito de ir à biblioteca que me permitiu explorar a literatura juvenil (nacional e estrangeira) e ter acesso a algumas edições raras de diversas áreas, embora aquelas ligadas a conteúdos históricos tenham maior poder de atração sobre mim. Frequentar a biblioteca me deu também a possibilidade de conhecer a forma original de contos de fadas escritos sem as licenças poéticas e alterações de fantasias feitas pela Disney, me fazendo apreciar as obras clássicas dos irmãos Grimm, de Hans Christian Andersen, dentre outros tantos autores que li e reli. E assim, não custou até me tornar um “rato de biblioteca”. Adorava sentir o cheiro de obras raras, de pesquisar naquela mesa gigante e abrir dezenas de livros ao mesmo tempo, simplesmente para descobrir uma única coisa, e fazer anotações à mão. Hoje, num só clique, tudo pode ser resolvido. Esse poder de obter conhecimento na palma da mão foi levando as bibliotecas para o fundo da caixinha de brinquedos.... Monteiro Lobato virou um autor brasileiro que me conquistaria definitivamente, e mesmo sabendo sobre as atuais discussões que forças contemporâneas tentam sempre colocá-lo envolto em polêmicas, eu devo admitir que só aprendi coisas boas lendo Lobato – coisas boas para mim, ou pode ser que eu só tenha me detido a elas... Aprendi que deveria dar mais valor à criatividade; que deveria conhecer mais do meu país, para entendê-lo melhor e conhecer mais de mim; conquistei, com a leitura, autonomia para entender como as histórias do mundo também precisavam ser descobertas pela minha perspectiva, como se ligavam e influenciam na política, na cultura, na história, na vida. Apesar de aparentemente calmo, sempre tive um gênio espoletado – tal como a Emília de Lobato –, ao ponto de ter minha própria canastrinha cheia de coisas importantes, dentre as quais estava a comida, e especialmente os doces. 187
Igualmente a Emília, também gosto muito do faz de conta, da beleza da magia. E devo lhes afirmar que o que aparecerá aqui, será a mais pura realidade. Por isso, lhe convido a entrar em alguns lances das minhas memórias que lhe permitirão conhecer um pouco do que tem na minha canastrinha mágica. Ah, fica aí, que vai ter bolo! Aliás, foi justamente lendo os livros de Lobato, todas as obras que envolviam o Sítio do Picapau Amarelo com seus personagens peculiares e fantásticos, que aprendi a importância de recordar fatos, e que sem isso a humanidade não existiria. E, ao contrário do que possam lhe dizer, as pessoas comuns têm muitas coisas interessantes para ilustrar, dignas de volumes e mais volumes – o que falta, às vezes, é a oportunidade de acesso amplo a essas memórias. Eu lembro bem do trecho de uma conversa marcante entre a boneca de pano tagarela e a amável Dona Benta, em Memórias da Emília. Permitam-me citálo para não fugir nem um tiquinho do teor da conversa, na tentativa de que entendam o impacto dela em mim. Diz, assim: — Memórias são a história da vida da gente, com tudo o que acontece desde o dia do nascimento até o dia da morte. — Nesse caso – caçoou Dona Benta –, uma pessoa só pode escrever memórias depois que morre... — Espere – disse Emília. – O escrevedor de memórias vai escrevendo até sentir que o dia da morte vem vindo. Então para; deixa o finalzinho sem acabar. Morre sossegado. — E suas memórias vão ser assim? — Não, porque não pretendo morrer. Finjo que morro, só. As últimas palavras têm de ser estas: “E então morri...”, com reticências. Mas é peta. Escrevo isso, pisco o olho e sumo atrás do armário pra que a Narizinho fique mesmo pensando que morri. Será a única mentira das minhas memórias. Tudo mais verdade pura, da dura – ali na batata, como diz Pedrinho. Dona Benta Sorriu. — Verdade pura! Nada mais difícil do que a verdade, Emília! — Bem sei, – disse a boneca. – Bem sei que tudo na vida não passa de mentiras, e sei também que é nas memórias que os homens mentem mais. Quem escreve memórias arruma as coisas do jeito que o leitor fique fazendo uma alta ideia do escrevedor. Mas, por isso ele não pode dizer a verdade, porque senão o leitor fica vendo que era um homem igual aos outros. Logo, tem que mentir com muita manha, para dar ideia de que está falando verdade pura (LOBATO, 1994, p. 12).
A vida estava me revelando muitas coisas importantes e reflexivas pela leitura, desde criança. E agora, na minha vez de ter o domínio da escrita, de ser o escrevedor, me deram o desafio de revisitar minhas memórias para criar um livro de receitas. Para tanto, escolhi correr o risco de ser o mais eu possível, e decidi 188
usar o bolo como fio condutor. Afinal, essa iguaria multifacetada me conquistou desde criança, e segue me acompanhando trazendo deleite e delírios. Devo lembrar-lhes que não tenho a pretensão de fantasiar nada aqui, apenas de revelar minhas memórias a partir dos bolos que eu fazia ao longo das tardes de verão, quando sentia o vento soprar no alpendre da cozinha lá da casa de meus avós maternos, época em que eu ainda morava em Guaraciaba do Norte, na Serra da Ibiapaba (CE), aquele ventinho maroto que me trazia de presente o cheiro inebriante do jasmim da casa da vizinha de trás, que logo se misturava com a sedução irresistível do aroma do bolo assando no forno – puro delírio. Mas eu não poderia fugir da minha formação lobatiana, nem contrariar meu gênio de Emília. Depois, para não dizer que não menti em alguma parte desse resgate de memórias gastronômicas, resolvi incluir um dos contos que escrevi tempos atrás e publiquei no meu blogue – sim, eu mantenho um blogue sobre cultura gastronômica desde 2010, a Confraria Gastronômica do Barão de Gourmandise – e que justificaria com uma visão fantasiosa a presença de uma receita avassaladora que você irá descobrir mais à frente. No fundo, essa nota introdutória é, antes, convite explicativo e uma permissão de entrada às minhas memórias que lhes ofereço. Pelo menos, garanto que bolo aqui não vai faltar até a conversa terminar.
PARTE I - COM AÇÚCAR & COM AFETO A VIDA É CURTA DEMAIS PRA POUPAR NA COBERTURA - O BOLO DO ANIVERSÁRIO DE 3 ANOS Minha ligação afetiva-gastronômica com os bolos se iniciou a partir do bolo da festa de aviverário que celebrava meus três anos de vida. Desde então, de tanto gostar, fui impelido a prepará-los. Faz alguns anos, descobri uma frase de Will Cotton, conhecido cake design americano, que representa muito do real significado do bolo para mim. Ele disse: “comida, comida, pode dar prazer, mas a diferença extraordinária do bolo é que ele só existe por prazer, não há outra razão nutritiva para precisar comê-lo”. Embora eu ainda diria: pelo prazer e pela celebração – por considerar que bolos estão sempre presentes em eventos especiais, sendo usados para celebrar algo ou alguém e têm expressão máxima nos bolos de aniversários e de casamentos que vêm sempre carregados com desejos de felicidades. E isso não é algo novo, já que a ligação entre bolos e celebrações surge ainda na Antiguidade. Por isso, 189
antes de chegar até as minhas memórias, acredito ser necessário contextualizar essa questão. O termo em inglês para bolo, cake, tem origem viking, a partir da palavra nórdica antiga kaka. Mas hoje é escrito em inglês partindo da maneira nórdica antiga, em sueco, e com a mudança de vogal, como kake em dinamarquês e norueguês; enquanto o termo plural, cakes, foi uma derivação do norueguês kjeks [biscoito]. Além disso, faz-se necessário dizer que o termo “cake” foi mencionado, em inglês, pela primeira vez em um texto de 1230 chamado Hali Meidhad (Holy Maidenhood), que elogia as virtudes da virgindade sobre o casamento (BRANDY, 2014). De tal maneira, se percebe que o termo nórdico para bolo ainda influenciaria outras palavras em inglês, como kok (grumos, como de massa) que originaria a palavra holandesa koekje (pequeno bolo), que seria convertida na palavra inglesa cookie (biscoito). Quanto ao termo ‘bolo’, em português, surgiu mediante uma longa jornada com direito a associações que levariam uma simples bola de massa a se transformar no bolo como o conhecemos. A Antiguidade é responsável por isso, já que bolos feitos com a mistura de cereais, água e mel aparecem em algumas sociedades antigas. Os egípcios antigos foram os pioneiros em preparar bolos, e eles eram bem diferentes daqueles que estamos acostumados a comer: foram os egípcios antigos os primeiros a se exibir por desenvolverem habilidades de panificação, sendo que na antiguidade egípcia os bolos eram adoçados com mel e muito parecidos com pães. Na Grécia Antiga, os gregos chamavam o bolo de plakous, sendo uma mistura assada feita com farinha misturada com ovos, leite, nozes e mel. Eles também tinham o bolo satura, chato e denso. No Império Romano, placenta tornouse derivado do termo grego, mas servia para representar uma base de massa assada envolta em uma caixa de massa (MAYESKE, 1972). Também há outra teoria que diz que os deuses preferem bolos redondos. Nos tempos antigos, algumas civilizações assavam bolos como um gesto de bondade para seus deuses e espíritos. Um bolo redondo deveria simbolizar a natureza cíclica da vida, assim como o sol e a lua. Aliás, essa teoria poderia explicar por que servimos bolos em ocasiões especiais como aniversários, para simbolizar o ciclo da vida. Foram os antigos gregos que inventaram bolinhos de massa fritos em azeite e, ainda, desenvolveram a cheesecake (uma espécie de bolo de queijo). Algumas dessas preparações se mantiveram na Roma Antiga com nomes modificados. Os 190
antigos padeiros romanos produziam uma massa básica de pão enriquecida com ovos, mel e manteiga que resultava em um ‘bolo doce” que lembra, de alguma forma, o gosto do bolo que conhecemos (CASTELLA, 2010; COELHO-COSTA, 2013). Desde a Roma Antiga já existe referência a um bolo de aniversário, que aparece em Tristia (OVIDE, 2008), primeiro livro de exílio do poeta latino Ovidio (43 a.C. – 17 ou 18 d,C.), no qual a festa e o bolo de aniversário do irmão do poeta serviram como alvo de relato para a escrita. Há uma diferença inicial para entender pão e bolo na Antiguidade que poderia ser observada pela técnica do cozimento: ambos tinham forma redonda, que poderia ser até plana e achatada, mas o método de cocção pedia que o bolo fosse virado ao longo do cozimento, para cozinhar os dois lados por igual, enquanto o pão era mantido sem virar (AYTO, 2002). Obviamente que, até chegar ao Brasil, os bolos evoluíram e se sofisticaram. Por aqui, foi a presença do pão de ló português que deu início à ideia de bolo como o conhecemos. Esse foi o primeiro tipo de bolo feito no Brasil. Mas, para mim, bolo tem que ter alguma farinha, ovos e açúcar como base - o resto é incremento. No caso do pão de ló, ele veio apenas como uma mistura de farinha, muitos ovos e açúcar, mas aqui foi alterado até virar o bolo comum que conhecemos. O pão de ló, esse bolo macio e esponjoso, embora tenha vindo parar aqui pelas mãos portuguesas, foi inventado na Espanha Renascentista (CASTELLA, 2010), onde recebeu nome em italiano, pan di Spagna, que nada mais seria do que uma versão simplificada da Génoise – já que ambas as receitas levam os mesmos ingredientes. Porém, na génoise, a mistura de ovos com açúcar é batida até espumarem sob banho-maria. Para a feitura do pan di Spagna, esse processo de aeração é feito a frio (temperatura ambiente). Os nomes dessas preparações e suas alterações precisa ser esclarecida: as origens do pan di Spagna são encontradas num evento do século VXIII, quando um jovem pasticcere genovês chamado Giovan Battista Cabona, durante sua visita à Espanha a serviço do embaixador de Gênova, Marquês Domenico Pallavicini – um descendente de uma família rica que permaneceu em Madrid de 1747 a 1749 (RANGONI, 2013), preparou este bolo macio e dourado para um banquete real na corte do rei da Espanha. O bolo fez sucesso imediato e acabou com o nome italiano alterado, transformando-se de génoise (genovês) para pan di Spagna – pura homenagem à corte espanhola onde foi servido pela primeira vez naquela ocasião. Sobremesas semelhantes são encontradas em outros países banhados pelo mediterrâneo – na Espanha, ainda pode ser chamado bizcocho, ou pandišpanja, na Croácia. 191
Em Portugal, o pão de ló tem várias receitas modificadas que levaram esse bolo a se tornar símbolo de excelência de algumas regiões portuguesas, como o pão de ló de Guimarães, o de Alfeizerão, o de Arouca, e o de Ovar (LOPES, 2019). E por lá tem até uma receita chamada de pão de ló à brasileira, versão bastante alterada da original, especialmente por levar menos ovos. Além de trazer o pão de ló para o Brasil, os portugueses ainda o levaram consigo para o Japão, no século XVI, com o nome de pão de Castella, e que por lá virou um dos bolos mais típicos Nagasaki (Japão), o Kasutera (Castella) (DAVIDSON, A.; JAINE, 2014) – originalmente desenvolvido no Japão com base na confeitaria Nanban (confeitaria importada do exterior para o Japão durante o período Azuchi-Momoyama), e que se diferenciaria pela forma: enquanto em outros lugares a preparação aparecia no formato arredondado, no Japão era preparado em grandes formas quadradas ou retangulares. Daí, foi um pulo para os japoneses levarem a preparação para Taiwan, quando este último lugar foi dominado pelo Japão. Em 1968, uma padaria japonesa em Taipei, chamada Nanbanto, fez uma parceria com a empresa japonesa Nagasaki Honpu para estabelecer um negócio de castella: uma diferença entre a Kasutera e a Castella ao estilo taiwanês é que esta última é mais semelhante a um suflê do que com um pão de ló (YANG, 2019). Assim, observa-se que o bolo, enquanto produção culinária que pode ser encontrada em todos os continentes habitáveis, tem o ocidente como responsável por popularizar essa delícia. O século XVII surge como o período histórico no qual os bolos eram assados como resultado de avanços tecnológicos e do acesso aos ingredientes. A Europa leva o crédito pela invenção dos bolos modernos, que se apresentavam redondos e cobertos com glacê, cuja primeira cobertura era uma mistura fervida de claras de ovos com açúcar e essências. As massas dos bolos eram enriquecidas com cidra, frutas secas e groselhas. Isso só mudaria no século XIX, no instante em que se tornou popular o bolo como conhecemos: sendo, na ocasião, objeto de luxo e status, por conter ingredientes como açúcar e chocolate, os bolos já eram feitos com farinha refinada e os cozinheiros e cozinheiras tinha o fermento químico em pó à disposição – o que lhes facilitava a vida por não haver necessidade de preparar fermento biológico. Cremes de manteiga passaram a substituir as coberturas fervidas até que, finalmente, a Revolução Industrial viabilizaria que os ingredientes fossem vendidos a um custo mais baixo, permitindo que cada vez mais pessoas pudessem assar bolos em casa, ou mesmo comprá-los em lojas. A curiosidade sobre por que a maioria dos bolos é redondo me fez chegar a algumas conclusões: obviamente que os bolos, hoje, podem ter qualquer 192
formato, temos avanços tecnológicos que permitem isso, mas se você observar cuidadosamente vai ver que a maioria é tradicionalmente redondo. Isso faz sentido quando percebemos que os bolos iniciais eram parecidos com pão, moldados a mão e moldados em bolas arredondadas. Mas há quem diga e prefira acreditar numa antiga teoria que diz que os deuses preferiam bolos redondos: na Antiguidade, os bolos também eram oferendas para os deuses e espíritos, e os bolos redondos simbolizavam a natureza cíclica da vida, assim como o sol e a lua. Essa questão, inclusive, é um dos sustentáculos para a tradição de servir bolos em ocasiões especiais, como os aniversários e casamentos, para simbolizar ciclos da vida. É exatamente pela celebração de aniversário que o bolo entra definitivamente na minha vida para se tornar elemento bastante presente. E isso me liga ao passado, à Antiguidade. A tradição de comemorar aniversários surge com as celebrações no Antigo Egito pelo nascimento de faraós: a população acreditava que, com a coroação, o faraó se tornava um deus (FRAGA, 2018). Então, o dia da coroação era celebrado como sendo o dia do seu “renascimento como deus” em vez de seu nascimento real. Mas, àquele tempo, ainda não havia bolos de aniversário nas terras escaldantes dos faraós. Foram os antigos gregos, sempre eles, os primeiros a adicionar bolos às celebrações. Mas por que bolos? Eles precisavam de alguma coisa para oferecer à deusa Ártemis (Diana, no panteão romano), a deusa da lua, como homenagem em seus aniversários, de modo que os antigos gregos passaram a assar bolos na forma da lua (redondos) e não só isso, incluíram como decoração velas acesas para que eles brilhassem como a lua. Uma ideia fabulosa e que se sustenta desde então. Entretanto, Rusinek (2012) explica detalhadamente que os gregos colocavam as velas em bolos preparados no sexto dia de cada mês lunar para homenagear o nascimento de Ártemis. Por outro lado, é na Alemanha medieval onde o primeiro bolo de aniversário para aniversários infantis surge, no instante em que eles comemoram o Kinderfest, a festa de aniversário (MYRE, 2022): a cada ano, a criança receberia um bolo com uma vela para cada ano de vida, e uma vela extra para simbolizar o próximo ano. Essa celebração, fez com que, ainda no século XV, os alemães concebessem a ideia de comercializar bolos para aniversários (kinderfest) e casamentos. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, esse tipo de bolo se sofisticou, aparecendo em camadas, com coberturas e decorado. Sua massa contava com ingredientes cada vez mais doces, para diferenciá-los ainda mais dos pães – esses tipos de bolos eram chamados de Geburtstagorten pelos alemães. 193
Durante a Kinderfest, as crianças eram levadas para um salão de cerimônias onde estavam livres para comemorar seu aniversário: os alemães acreditavam que espíritos malignos podiam roubar a alma das pessoas durante os aniversários e, na tentativa de proteger o aniversariante, costumavam fazer um círculo em volta dele e comemorar e proteger; não existia a tradição de levar presentes de aniversário naquela época, bastava desejar votos de felicidade. Porém, quando surgia um presente inusitado levado por algum convidado, isso era visto como um bom sinal para o próximo ano do aniversariante (MYRE, 2022). Esse costume se estendeu para os adultos, como demonstra Lysaght (2002), ao expor o relato de Johann Wolfgang von Goethe sobre o 52º aniversário do príncipe alemão Augusto de Saxe-Gotha-Altemburgo. Goethe ficou de 24 a 30 de agosto de 1801 em Gotha, como convidado do príncipe, e escreveu: Eles queriam comemorar meu próximo aniversário com atenção graciosa em uma refeição tão fechada; você já podia ver alguma diferença nos pratos habituais; mas à sobremesa toda a libré do príncipe entrou em uma procissão majestosa, liderada pelo mordomo; ele usava um grande, um bolo flamejante com bastões de cera coloridos, cujo número era de meia centena ameaçava derreter e consumir um ao outro, em vez de deixar espaço suficiente para as próximas velas da vida nas festas infantis do tipo (LYSAGHT, 2002, p. 220.)
Quanto à tradição de soprar velas de aniversário, a primeira referência foi documentada na Suíça, em 1881: pesquisadores do Folk-Lore Journal (1883, p. 180.) registraram várias “superstições” entre a classe média suíça, dentre as quais conta o seguinte depoimento: “Um bolo de aniversário deve ter velas acesas dispostas em volta, uma vela para cada ano de vida. Antes de comer o bolo, a pessoa aniversariante deve soprar as velas uma após a outra”.
E O BOLO NO CEARÁ? Analisando relatos históricos cearenses do século XIX, especialmente a partir de 1859, percebe-se como o bolo era, de fato, um item de muito luxo em terras cearenses, no século XIX. Obviamente, bolos já eram conhecidos e saboreados por aqui, desde os tempos em que a colonização chegou ao Ceará. Os cearenses abastados que tiveram oportunidade de irem estudar Direito em Portugal foram apresentados aos bolos, principalmente ao pão de ló português, rico em ovos. Por aqui, as pessoas da classe abastada eram as que podiam se regalar com essa iguaria na medida em que sua condição financeira lhes permitia adquirir farinha de trigo para bolos.
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Pelo diário de viagem de Francisco Freire Alemão, que relata as viagens da Comissão Científica de Exploração no Ceará – registre-se que eu somente analisei o diário correspondente as viagens de Fortaleza ao Crato, em 18591 -, encontrei referências diretas sobre o que comiam os cearenses daquele período, onde fica nítida a relação entre alimentação e classe social. Por exemplo, entre os alimentos consumidos pelos menos favorecidos foram registrados carne com farofa, grude (solas), chá, água de café (aquele café feito muito, muito fraco), beiju e tapioca com coco, carne seca, paçoca de pilão, rapadura, farinha bem alva com café, ceias de peixe com café. Já uma família abastada, podia desfrutar de fatias de presunto assado, café com leite, pão, galinha ao molho pardo, bifes, torta de ostras, ovos estrelados, ovas de camurupim, sofrível vinho branco, chá, queijo assado na frigideira, linguiças, galinha guisada, frigideira de carne (ALEMÃO, 2006). De tal modo, observa-se que os bolos eram consumidos pelas famílias ricas cearenses, quando recebiam mercadorias vindas do estrangeiro ou conseguiam encomendar farinhas de outras partes do Brasil, já que este era um item caro e não tínhamos trigo disponível ou mesmo plantado no Ceará (COELHO-COSTA, 2019). Freire Alemão (2006) ainda relata que apesar de ter visto, ao longo do seu percurso, muitos coqueiros, romeiras (árvore de romã), goiabeiras, gravioleiras, figueira, pés de sapoti, melancias, maxixe, feijão, batata, cebola, abóboras e jerimuns, não se viam outros legumes e verduras. Preciso ressaltar que o diário de viagens analisado relata visitas a cidades na faixa litorânea, entrando pelo vale do rio Jaguaribe até o sul do Ceará. Muito provavelmente, nas visitas às cidades das serras cearenses, o contexto fosse diferente, mas ainda não pude me deter com afinco a esse estudo – quem sabe na próxima oportunidade –. Por isso, me abstenho de atestar mais alguma coisa a esse respeito.
1. Trata-se de uma expedição científica organizada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em 1856 e executada entre os anos de 1859 e 1861 que realizou pesquisas nas áreas de botânica, geologia, mineralogia, zoologia, astronomia, geografia e etnografia no território do Ceará. Foi composta por Freire Alemão, Guilherme Capanema, Manuel Ferreira Lagos, Giacomo Raja Gabaglia, Gonçalves Dias e José dos Reis Carvalho; que visitaram as cidades de Fortaleza, Maranguape, Aracati, Russas, Limoeiro do Norte, Pereiro, Icó, Iguatu, Lavras da Mangabeira, Milagres, Abaiara, Jardim, Barbalha, Missão Velha, Crato, Assaré, Saboeiro, Tauá, Mombaça, Crateús, Ipu, Sobral, Ubajara, São Benedito, Viçosa do Ceará, Granja, Canindé, Meruoca, Massapê, Santana do Acaraú, Amontada, Itapipoca, Itapajé, Uruburetama, Pacatuba, Acarape, Aracoiaba, Guaramiranga e Baturité. Os resultados dos estudos e os diários de viagens foram transformados em livros e textos sobre o Ceará e o material coletado durante as viagens foram incorporados ao acervo do Museu Histórico Nacional.
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A relação dos cearenses com o bolo, de fato, só mudaria quando o estado se moderniza e recebe os moinhos de trigo que foram fundamentais para mudar o panorama inicial. É sabido que, durante muito tempo, houve importação de farinha de trigo para o Ceará, e que a farinha que aqui chegava era destinada para o preparo de pães. Há registros de 1816 apontando que Campina Grande PB tinha uma pequena produção de trigo que, pela proximidade, favorecia o uso do trigo no Ceará (COELHO-COSTA, 2019). Em Fortaleza, no ano de 1936, a atual Fábrica Fortaleza tem origem com a Padaria Imperial, fundada por Manuel Dias Branco. A empresa cresce ao longo dos anos e, em 1992, é fundada uma unidade de moagem de trigo no Ceará, constituindo-se no maior moinho do Brasil em capacidade de armazenamento e derivados. Isso foi fundamental para expansão do uso de farinha de trigo no Ceará, colocando a empresa entre as maiores produtoras brasileira de farinha de trigo (COELHO-COSTA, 2019). Para contribuir com esse setor do trigo no Ceará, em 1952, o grupo cearense J. Macedo teve uma ideia audaciosa: para abastecer o mercado de trigo local, importou 80 mil sacas de trigo, ação que foi eficiente e mudou a relação dos cearenses com o trigo pela facilidade de encontrar o insumo nas prateleiras dos comércios cearenses. Até que, em 1955, o grupo J. Macedo coloca em funcionamento o Moinho Fortaleza, disponibilizando no mercado, em sacos de papel, a ‘Farinha de Trigo Fortaleza’ e, em seguida, lançaram a primeira marca nacional de farinha de trigo do Brasil, a farinha de trigo Dona Benta, uma homenagem direta à ilustre personagem de Monteiro Lobato, que ganhou muita visibilidade com o lançamento do livro de receita “Dona Benta Comer Bem”, que você encontra até hoje nas livrarias brasileiras. Essa jogada de marketing levou a farinha de trigo produzida aqui a se tornar uma marca líder de consumo no mercado nacional e logo seria destaque também por ser a primeira marca de farinha de trigo a ser vendida em embalagem de plástico e a primeira a ser vendida acrescida de fermento (COELHO-COSTA, 2019). Fica evidente que até os anos anteriores da década de 1940-1950 comer pão branco e bolos era para abastados, e foram justamente as ideias inovadoras de empresas cearenses as responsáveis por hoje haver facilidade de se encontrar farinha de trigo e poder comer seu bolinho, seu pãozinho. Então, no ano de 1982, quando nasci, a farinha de trigo já era um item bastante popular em todo território cearense. Três anos mais tarde, se daria a comemoração dos meus três anos de idade e resolveram fazer uma festa de aniversário 196
para mim. Por incrível que pareça, mesmo criança, eu tenho memórias muito particulares desse evento, principalmente do processo de feitura de algumas guloseimas, como os sonhos portugueses, também conhecidos como filhós de forma, um doce de massa frita em formatos variados – no meu aniversário eram estrelas e rosas – e eles foram feitos pela Fátima, da Dona Olindinha. Lembro perfeitamente da Fátima preparando a massa e fritando-a no fogão de lenha que tinha no alpendre do lado de fora da cozinha lá de casa – essa memória é tão importante para mim que, hoje, eu recebi uma forma de filhós vinda de Portugal, que me foi presenteada pela amiga portuguesa Maria José Araújo, pelo simples fato de amar filhós de forma – preparo-os sempre.
MEUS FILHÓS DE FORMA Aliás, era nesse alpendre onde se preparava tudo; ele tinha uma grande mesa de madeira, uma estante de ferro onde se colocam panelas grandes e latas de alumínio repletas de farinhas, rapaduras, frutas que vinham dos sítios de meu avô Mário Coelho (conhecido na cidade como Bidade). Também havia um cepo de madeira alto, no formato de bancada de onde pendia o velho moedor de ferro à manivela. Ali, ainda, foram preparados pastéis, coxinhas, os docinhos – como brigadeiros e aqueles lindos e deliciosos beijinhos – os beijinhos clássicos, na caixinha, enrolados com coco ralado bem branquinho e enfeitados com um cravo da índia no centro, e os sem o cravo, estes envoltos no açúcar cristal para serem embrulhados naqueles tradicionais papéis de seda com franjinhas que decoravam as festas e eram disputadíssimos na década de 1980. Também foram feitos muitos bolos: o fofo comum (bolo amanteigado), outros de chocolate, o bolo mesclado (mármore) e o bolo mole. Eu estive presenciando a feitura de todos, lambendo orgulhosamente as bacias das misturas depois de finalizados. Nasci no mês de abril, e, na época dos meus três anos, a Páscoa foi celebrada no início de abril, em 07 de abril. Mesmo assim, eu, que faço aniversário em 29 de abril, tive coelhos amarelos enfeitando a festa. As lembrancinhas eram caixinhas com coelhos repletas de doces e chocolates e foram feitas pela minha tia Márcia. Mas a estrela central da festa, o bolo, era lindo, todo decorado com muito glacê branco e amarelo, era delicioso e não fora feito em casa – essa é a grande incógnita pra mim, até hoje, pois nesse resgate de memórias descobri o óbvio: meu pai havia encomendado numa padaria de São Benedito e levado ele de carro até Guaraciaba. Aquele bolo foi o responsável por eu amar ‘bolos confeitados’ – é assim que eu chamava os bolos decorados na época – até hoje. 197
A MESA DA MINHA FESTA DE TRÊS ANOS. Daquele aniversário em diante, minha relação com bolos, especialmente os confeitados, se intensificaria. E quando meus pais se separaram, eu devia ter uns seis ou sete anos, eu tinha o privilégio de ter sempre dois bolos de aniversário: um, que era feito em casa, e que eu participava de todo o processo de feitura e decoração, o que era espetacular; o outro, era um presente que meu pai, como sempre, mandava vir de uma padaria/confeitaria que existia na cidade vizinha, São Benedito-CE, lugar onde nasci e de onde descende minha família por parte de pai. Eu amava ter dois bolos confeitados, quem não gostava muito era meu único irmão, mais novo, o Júnior, que, quando de seu aniversário, sempre havia algum empecilho que fazia com que ele só tivesse um bolo. O fato é que desde os três anos, os bolos, sobretudo os confeitados, me conquistaram. Por sorte, tive oportunidade de comer muitos bolos, não apenas os meus; comi muitos bolos bons e outros tantos ruins que não vale a pena lembrar. Descobri-me um comedor de bons glacês, uma arte que ainda hoje é difícil de ser encontrada, pois as pessoas usam produtos de não tão boa qualidade. Fazem glacês com gosto de gasolina, um terror. E para mim, além de um bom bolo, quanto mais glacê melhor. Por conta disso, aprendi a fazer duas coberturas coringas. A primeira foi o brigadeiro, que era usado como recheio e cobertura para bolos de chocolate que seriam enfeitados com granulados coloridos.
A segunda, não era o glacê real, este vim aprender tempos depois. Aprendi, no entanto, a preparar o que chamavam na época de cobertura de manteiga, um creme de manteiga (buttercream), só que esse era muito básico e feito com leite condensado, e servia para cobrir bolos brancos que seriam recheados com 198
goiabada amolecida, ou brigadeiro, ou simplesmente com leite condensado puro – isso era muito comum lá em casa –, que depois seria coberto com o creme de manteiga e decorado com granulados prateados – isso é tão vintage! Assim, a primeira receita, na realidade, será duas: a massa do bolo mais comum feita por mim lá em casa, que eu aprendi a fazer com minha mãe e replico até hoje e o glacê coringa, e rápido que vai te surpreender. Afinal, quanto mais glacê, melhor!
MASSA DE BOLO AMANTEIGADO INGREDIENTES
3 xícaras de chá (ou copo de vidro de requeijão) de farinha de trigo peneirada três vezes 1 e ½ xícaras de chá (ou copo de requeijão) de açúcar refinado 200g de manteiga 3 ovos 1 e ½ xícara de chá (ou copo de requeijão) de leite 1 colher de sopa de fermento em pó Raspas de limão ou essência de baunilha (opcional)
MODO DE PREPARO
Separe as gemas das claras. Bata as claras em neve até formar picos firmes, e reserve na geladeira. Numa tigela grande, junte a manteiga, o açúcar e as gemas, e bata até formar um creme claro e fofo. Junte a farinha de trigo peneirada, alternando com o leite. Misture bem até incorporar. Adicione a baunilha ou as raspas de limão e misture. Junte as claras em neve delicadamente. Por último, junte o fermento e misture bem. Coloque a massa em uma forma untada e polvilhada e asse em forno pré-aquecido a 180 graus por aproximadamente 40 minutos, ou até que espetando um palito na massa, ele saia sequinho. Deixe esfriar para rechear e decorar.
INGREDIENTES CREME DE MANTEIGA COM LEITE CONDENSADO
500g de manteiga sem sal em ponto de pomada, ou seja, em temperatura ambiente (use uma manteiga de boa qualidade, esse é o segredo) 1 colher (chá) de essência de baunilha (pode trocar por 2 colheres (de sopa) de leite em pó, ou por essência de sua preferência, mas lá em casa era sempre baunilha) 1 lata de leite condensado (395g)
MODO DE PREPARO
Bata a manteiga até ela ficar clarinha, uns 2-3 minutos na batedeira. Na mão, leva mais tempo, mas dá pra fazer igualmente. A manteiga às vezes pode talhar, mas não se preocupe, pare de bater, junte com uma colher e bata mais um 199
pouquinho. Daí você junta todo o leite condensado e bate por 5 minutos. A mistura vai montar e ficar firme, adicione a baunilha, bata rapidamente e está pronto pra uso. Lembre-se que, se não for usar imediatamente para cobrir o bolo, deixe na geladeira até a hora de confeitar.
DICAS
Existe uma variedade de formas de preparar glacês dos anos 80 (com claras de ovos e limão, merengue suíço, merengue italiano, chantilly) mas a grande maioria era preparada com o uso de gordura vegetal hidrogenada. Como no Ceará o clima é quente, o uso de gordura vegetal hidrogenada no lugar da manteiga tinha três finalidades: 1) dava estabilidade mesmo no calor, pois resistia mais tempo firme; 2) talvez esse fator fosse o mais levado em conta, a gordura vegetal hidrogenada era mais barata, isso reduzia o custo das receitas; 3) por ser branquinha, a gordura vegetal rendia um glacê muito branco, o que era perfeito para colorir mais facilmente. Assim, se você desejar substituir a manteiga da receita, você terá duas opções: uma, é usar a gordura vegetal, na mesma quantidade; a segunda opção, é usar uma margarina sem sal com 80% de lipídio, ela tem mais estabilidade para uso gelado e é mais rápida ao montar. Mas o gosto do glacê feito com uma boa manteiga é superior.
O PRIMEIRO BOLO A GENTE NUNCA ESQUECE! O meu fascínio por bolos veio muito cedo. Mas somente com 8 ou 10 anos eu fui, de fato, me arriscar a preparar meu primeiro bolo. E é essa a memória que seguirá. Eu sempre via minha mãe preparando bolos, pudins, cremes e outras sobremesas. Sempre disposto a auxiliar e a lamber as tigelas, obviamente. Mas, mais do que pegar e medir ingredientes, peneirar farinha, essas experiências do olhar foram importantíssimas para que eu aprendesse o “ponto certo” que diferenciam os preparos. Além disso, eu também assistia muito ao programa Cozinha Maravilhosa da Ofélia, onde se preparavam bolos deliciosos. E, um belo dia, eu cansei. Resolvi (risos) que estava cansado de só comer os bolos dos outros. Queria fazer meu próprio bolo. Mas também não queria comer os bolos que eu costumeiramente ajudava a preparar em casa (bolo fofo, bolo mole, bolo de chocolate e bolo mesclado – esse último era tradicional na mesa lá de casa). Aí, foi a minha oportunidade de usar aquela bela coleção de livros de receita da capa dura e chamativa que ostentávamos nas estantes de casa. Na realidade, eram quatro volumes onde muitas receitas escritas eram pinceladas com imagens deliciosas, mas em menor quantidade. Minha memória fotográfica na infância era ainda melhor que hoje, e recordei que, lendo aqueles livros de receita, lá constava a receita perfeita para mim: bolo de milho com calda de morangos – que na realidade era uma geleia. 200
Corri na estante, peguei o livro, conferi a receita pra ver se tinha todos os ingredientes e me mandei às carreiras pro alpendre da cozinha para pegar os ingredientes. Pra minha sorte no quintal de casa tínhamos algumas frutíferas e, bem no meio do quintal, próximo ao alpendre, bem no meio mesmo, tinha uma parreira de uvas que embaixo trazia pés de morango plantados. Já fazia algum tempo que aqueles danadinhos nos presenteavam com as suas flores branquinhas delicadas e morangos docinhos. Devo confessar antes que eu esperei estar só em casa para fazer minha arte. Minha mãe havia saído pra rua com minha avó e eu aproveitei a oportunidade pra fazer meu bolinho. Bom, fazer um bolo atualmente é uma coisa que eu já faço de olhos fechados, sem erros, sem acompanhar receitas. Mas, sendo criança e sem adultos por perto, tudo pode acontecer - inclusive nada. Separei o material em cima da mesa, li a receita e fiz tudo que ela me ordenava. Consegui ligar o forno sem me queimar ou causar acidente doméstico – usei o truque de pegar uma folha de jornal, enrolar em canudinho, colocar fogo na ponta e ligar o forno com ela. Foi moleza! Acontece que a massa do bolo não ficava como eu via a da minha mãe, muito menos parecida com as que a Ofélia preparava. Então, me dei o crédito de colocar mais uns poucos ingredientes até a massa ficar no ponto certo. Massa preparada, coloquei no tabuleiro untado e polvilhado e depositei no forno rezando para que ficasse pronto antes de minha mãe chegar da rua. Deu tempo. Enquanto o bolo assava eu preparei a calda/geleia de morangos. Depois de pronta como o livro mandava, lavei toda a louça para que ninguém reclamasse. Deu tempo de o bolo assar, esfriar, e eu colocar a calda em cima. Provavelmente você está achando que tudo deu certo. Mas, deu tudo errado, desde o começo! Veja bem: eu conferi a lista umas duas, três vezes, fui separando o que pedia a lista de ingredientes, e estava feliz pois tudo solicitado eu via em casa. De modo que, nunca entendia quando minha mãe falava que, nas raras vezes que ela pegava naqueles livros de receitas, ela reclamava que elas ou eram complicadas demais ou sempre pediam ingredientes que não tínhamos em casa. Mas eu achei todos os ingredientes da minha receita escolhida. Eu gargalhava, pois achava que minha mãe e avó iriam chegar da rua e me parabenizar pelo bolo prontinho, um bolo feito naquele tabuleiro enorme, pois minha receita quase dobrou de tamanho. Acredita que ainda deu tempo de lavar a forno em que assei o bolo, logo que eu estava guardando a dana, minha mãe e avó chegam e dão de cara com aquele bolo. Aí, começou a brigaiada, e as explicações. A conversa foi mais ou menos assim: 201
Mãe: — Menino, que arrumação foi essa? Eu: — Mãe, eu que fiz. É um bolo de milho com calda de morango. Eu já conseguia ouvir os risos da minha vó, atrás da minha mãe, até ela ver a quantidade de casca de ovos na lixeira e mudar de expressão. Avó: — Você gastou esses ovos todos? Eu: — Ora, vó, a massa ficou dura. Aí, o jeito foi colocar mais ovos pra amolecer. Assim que minha mãe percebeu as cascas de ovos ela foi na geladeira. Mãe: — Você gastou 10 ovos com isso? (Eu ria desgovernadamente sem saber o que fazer) A esta altura, minha vó saía da despensa, e soltou: — Mulher, ele usou dois quilos de açúcar. — Comecei a perceber que a coisa estava feia. Nada que não pudesse piorar. Minha mãe começava o discurso de que eu merecia uma pêia (pêia = a surra, no Nordeste). Mãe: — Me diz uma coisa, onde você arranjou farinha para fazer esse bolo? Eu: — Ah, mãe — eu respondi com desdém — Eu usei a farinha da lata. Foi o fim, ou quase. Minha avó rachava de rir. Ocorre que lá em casa, no alpendre havia uma estante de ferro onde se colocavam as panelas grandes e latas de alumínio da tampa dourada, nas quais eram guardados mantimentos. Na lata maior, era farinha. Mãe: — Seu louco! A farinha da lata é farinha de mandioca. Não se faz bolo com farinha de mandioca, se usa farinha de trigo! Eu: — Não, mãe, no livro, eu li direito. Lá só estava escrito farinha, nada de farinha de trigo (um taurino quer sempre ter razão, não insista. risos). Avó: — E o que é esse negócio meio verde em cima? – ela já estava experimentando o bolo. Eu: — É morango, vó. Já disse, a receita é bolo de milho com calda de morango. Minha avó saiu correndo pra ver os coitados dos pés de morango, e de lá mesmo gritou: — Mulher, ele arrancou todos os morangos verdes do pé. Jesus! O resultado foi que o bolo estava incomível, mãe jogou o bolo no lixo e me xingava nem lembro do quê e pedia pra eu nunca mais fazer aquilo. Eu, inocente, e não satisfeito soltei: Eu: — Tá mãe, juro que não faço mais bolo com farinha da lata. Mãe: — Não, senhor, você não vai mais fazer bolo aqui é de jeito nenhum. 202
Nisso, minha avó foi na geladeira pegar leite pra beber... putz. Avó: — Marcilene (esse é o nome de minha mãe), ele usou os dois litros de leite no bolo. — disse gargalhando, de ódio certamente. Eu: — Foi, vó. O bolo estava duro demais. Toda vez que juntava farinha tinha que colocar mais leite e ovos pra ele ficar mais molinho. Eu aprendi na TV. Resumo da ópera: meu primeiro bolo foi frustrante. Mas não me dei por vencido e virou questão de honra fazer um bolo que prestasse. Assim, fiquei na espreita de esperar uma farinha de trigo entrar lá em casa para eu poder praticar. E deu certo. Uma semana depois lá estava eu com um bolo pronto, lindo e gostoso. Nunca mais errei um bolo. Confesso que depois disso fiquei com trauma de bolos de milho, só comia os bolos de milho cremosos. Até que um dia resolvi refazer o bendito novamente. E deu certo. Ficou gostoso, mas eu já fiz alterações na receita pra deixar no meu gosto: diminuí as quantidades e coloquei milho em lata ao invés da farinha de milho. E a receita divido agora.
BOLO DE MILHO COM CALDA DE MORANGOS INGREDIENTES
3 ovos 1 xícara (chá) de açúcar 1 xícara (chá) de leite 1 e ½ xícara (chá) de fubá 1 lata de milho verde escorrido (ou três espigas de milho) ½ xícara (chá) de óleo 2 colheres (chá) de fermento químico
MODO DE PREPARO
Bata todos os ingredientes no liquidificador, menos o fermento. Por fim, incorpore o fermento delicadamente. Despeje em fôrma untada e polvilhada. Asse em forno médio pré-aquecido (180°C) por cerca de 40 minutos ou até dourar. Espere esfriar para desenformar.
INGREDIENTES CALDA DE MORANGOS
4 caixas de morangos picados 1 xícara de açúcar ¼ de xícara de água Suco de meio limão pequeno 203
MODO DE PREPARO
Retire os cabinhos dos morangos, pique grosseiramente e leve ao fogo todos os ingredientes. Mexa até o açúcar se dissolver. Deixe cozinhar por 20 minutos, mexendo de vez em quando. Depois de obter ponto de calda grossa, espere esfriar para colocar em cima do bolo. Servir em seguida.
ESTOU PRESTES A COLOCAR ESSE AMOR VINTAGE EM VOCÊ Lá em casa, o pessoal adorava queijo de coalho. Meu avô Mário Coelho, mais conhecido na cidade como Bidade – não sei até hoje o motivo –, sempre comprava peças grandes de queijo. Além disso, amigos da família também nos presenteavam com outras tantas peças de queijo, mas eu não era atraído por essa iguaria láctea. Não naquela época. Queijos só entraram no meu gosto como comida agradável depois dos doze anos, quando depois de comer muita tapioca com queijo, passei a saborear queijo “escoteiro” (puro). Eu não era atraído por queijo puro. Mas gostava de comer queijo nas comidas. Assim, amava pão de queijo na pamonha, pastel de queijo, queijo na macarronada, misto quente – eu comia queijo nisso tudo com frequência. Mas puro, puro mesmo, só depois dos doze anos. Porém, tinha uma maneira que o queijo era usado e me agradava muito ao ponto de querer comer só aquilo: era no bolo mole da minha mãe. Sempre tinha esse bolo lá em casa. Sempre era feito um bolo fofo e um mole. O bolo mole sempre acaba primeiro. Então, eu sabendo a receita de cor, fui esperto. Fiz meu bolo mole. Calma, deu tudo certo. A diferença é que eu fui esperto: pro bolo não acabar logo eu fiz dois; um pra todos da casa e um inteirinho para mim (risos). Esperei estar só em casa. Isso já era costume quando eu ia pra cozinha, não queria ninguém me perturbando. Até hoje é assim: fico estressado com gente transitando na cozinha e dando palpites quando eu estou cozinhando. O bolo mole lá de casa tinha uma casquinha de queijo bem dourada em cima, resultado do queijo caramelizado com a massa. E isso, depois de pronto, a gente quer comer aos quilos. Assim, a quantidade de queijo na receita é a gosto, quanto mais queijo melhor. Só atente para o fato de o queijo não ser muito salgado. Fiz, então, dois bolos. Esperei esfriar. Desenformei, coloquei um na mesa, que seria destinado a todos da casa e guardei o meu, inteirinho na minha canastrinha mágica – que na realidade era a cristaleira de uma das salas de jantar da casa. Essa cristaleira tinha muitas gavetas e todas eram minhas, com chave que eu escondia. Eu guardava de tudo nela, inclusive bolos. 204
Já ouviram a expressão “pudim de gabinete”? Pois é, ela é fruto exatamente de ações como essa minha. Nas Minas Gerais de antigamente, preparavam os pudins e bolos e guardavam nos gabinetes, que nada mais eram do que armários com gavetas com chave. O mais legal dessa história é que, como sempre, o bolo mole acabou rápido. E eu, percebendo, saia desfilando com minhas fatias de bolo com crosta dourada de queijo e a pessoas da família querendo saber onde eu havia arranjado aquele bolo que “nunca acabava”. Bobinhos, só agora estão sabendo o segredo.
BOLO MOLE LÁ DE CASA INGREDIENTES
4 xícaras de chá de leite integral 2 xícaras de açúcar 2 xícaras de farinha de trigo (sem fermento) 3 ovos inteiros 3 ou 4 colheres de sopa bem cheias de manteiga Queijo coalho picado (pelo menos 200g de queijo não muito salgado)
MODO DE PREPARO
Bate tudo no liquidificador muito bem. Leva pra assar numa forma untada e enfarinhada em forno pré-aquecido (180°C) até o topo dourar bem – aproximadamente entre 4o-50 minutos.
DICAS
A massa desse bolo é realmente muito mole, não se assuste depois que retirar do liquidificador. Evite queijos esfarelentos, esses não rendem boa textura. Se puder usar manteiga de boa qualidade, é melhor. A manteiga misturada com o leite forma a untuosidade perfeita, coisa que a margarina não consegue. Mas, sim, dá pra fazer com margarina.
PROVA DE AMOR É DAR BOLO A QUEM SE AMA Que ama, dá bolo. Quem ama, ensina a fazer bolos. Nessas duas sentenças eu poderia resumir essa memória afetivo-gastronômica que passo a registrar nestas linhas. Eu devo começar falando do apego do meu avô Mário (Bidade) por mim, seu primeiro neto – tive esse privilégio. Mas, com o nascimento de outros membros da família, eu ia percebendo que ele realmente gostava de crianças. Ele de fato tinha um carinho especial por mim. Lembro bem de ele todo orgulhoso toda vez que o carteiro ia lá em casa entregar a correspondência e surgiam um monte delas para mim, vindas dos mais variados lugares do Brasil e até do 205
“estrangeiro” – era assim que ele se referia a qualquer lugar fora do Brasil. Meu avô era um senhor de engenho e coronel de café no seu tempo. Tinha muitos sítios produtivos que ele cuidava com mãos de ferro – pena que nenhum de seus filhos (meus tios Mário, Márcia, Marcílio e minha mãe, Marcilene, a caçula dos quatro irmãos) tenha se interessado por seguir seus passos… Desde que eu nasci, embora meu avô fosse sempre aos sítios para ordenar afazeres, acompanhar retirada da cana, do café, das frutas, ir aos engenhos para o preparo dos derivados da cana (rapadura, alfenins, batidas, garapas, puxapuxa), do preparado da farinha de mandioca, ele sempre aparecia lá em casa – não morei com ele a vida toda, só mudamos pra lá depois que meus pais separaram. Mas a casa dos meus avôs sempre era um lugar onde estávamos. Contudo, meu avô, quando chegava dos sítios, sempre passava lá em casa para levar uma guloseima para mim e meu irmão. Os clássicos eram o picolé de cajá da Maguary, que depois virou Kibon; uns salgadinhos de vento, uma massa de pastel cortada em quadradinhos que inflavam na fritura; os bolinhos feitos em forma de sardinha, que ele comprava do tabuleiro da Dona Rosa, na feira, e um generoso pedaço de bolo manzape enrolado na folha da bananeira. Era uma festa. Quando ele não ia entregar as guloseimas lá em casa, era ainda melhor, pois ele nos pegava e levava para a feira com ele, para que pudéssemos escolher o que gostaríamos de comer naquele momento. E sempre, sempre mesmo, passávamos em frente ao tabuleiro da Dona Rosa, uma senhora bastante alegre, forte, de sorriso largo e fala alta que ostentava sempre uma dália grandona em um dos lados de seu coque de cabelos brancos feito no alto da cabeça. Acho que ela devia ter uma plantação de dálias na casa dela, pois sempre, todos os dias, elas estava usando aquela flor, no entanto eram de cores diferentes. No tabuleiro da Dona Rosa, sempre tinham os bolos manzape feitos com bastante coco babaçu, item abundante na serra da Ibiapaba e que por lá até chamava de coco de macaco; tinham também um bolinhos que eram os cupcakes do anos 80: uma massa simples de bolo só que enformadas em latinhas de sardinha – naquela época, em Guaraciaba do Norte-CE, não existiam muitas opções de formas. Assim, as pessoas tinham que se virar como podiam. Curioso como sempre eu fazia questão de perguntar tudo. Lembro uma vez que questionei aquela senhora com flor no cabelo sobre como ela fazia aqueles bolinhos pequenos, e ela respondeu que era fácil: ela juntava as latinhas das sardinhas que eram consumidas, lavava bem, deixava secar e depois – não riam, por favor – ela lixava na calçada! Naqueles idos, as latas de sardinha ainda não tinham aquele anel para puxar a tampa que hoje encontramos nos supermercados. Antes, as latas eram 206
inteiramente fechadas com o mesmo material da lata. Para abrir, era necessário ter um abridor daqueles pontiagudos que deixavam a lata com maiores riscos para cortes. Então, para retirar essa parte irregular e perigosa da latinha elas eram lixadas na calçada até que as imperfeições sumissem e a borda da latinha ficasse lisinha. Assim, Dona Rosa conseguia suas forminhas para seus bolinhos. Diga-se de passagem, que quando não íamos até seu tabuleiro é ela quem ia até nós, na casa do meu avô. Fosse para prosear ou para perguntar se ele desejava alguma coisa – ele sempre comprava o bolo manzape, pra nós e pra ele. Somente depois de anos, me dei conta da importância do meu avô na minha formação do gosto, sobretudo quanto à introdução aos sabores regionais. E teve um dia que. enquanto comia um pedaço de bolo manzape, ali mesmo em frente ao tabuleiro de Dona Rosa, e percebendo a quantidade de coco babaçu na receita, o que me agradava, fui vencido pela curiosidade e perguntei como aquilo era feito. Ela sempre rindo alto, com muito bom humor, não se fez de rogada e disse que me diria a receita, mas não sabia se eu ia entender – e começou o relato da preparação, que eu faço questão de manter como eu ouvi, para preservar a oralidade.
BOLO MANZAPE DA DONA ROSA Desmancha-se o bolão de puba, escalda com mel de rapadura preta ainda quente; põe um ovo inteiro e mais duas gemas, junta o coco de macaco bem quebradinho, tempera com cravinho (cravo-da-índia), um punhado de erva-doce, um tiquinho de sal e mistura tudo muito bem com as mãos pra desmanchar os bolões de massa puba. Se a massa ficar muito grossa, amolece ela com um tiquinho de leite; abre a folha de bananeira já passada pelo fogo, coloca os montinhos de massa. Se quiser pode botar umas castanhas em cima pra decorar – mas castanha é caro! Aí, embrulha direitinho com a folha da bananeira e amarra com tirinhas dela pra não vazar. Leva pra assar no forno à lenha já quente. Isso leva uns 30 a 40 minutos de relógio. A beleza da simplicidade como ela recitava a receita ficou impregnada em mim. Talvez ela tivesse feito aquilo só para me agradar. Dona Rosa não sabia, àquela altura, que eu já fazia bolos complexos em casa, muito menos desconfiava que teria uma memória consideravelmente boa para gravar receitas de cabeça. Tempos depois fiz esse bolo, mas não o preparei na folha de bananeira. Também acrescentei uma boa dose da manteiga de garrafa - que na serra chamam manteiga da terra – e como meu avô não tinha trazido coco babaçu dos sítios, eu comprei coco ralado e coloquei na massa que foi assada no forno a gás. E ficou 207
bom também, mas o bolinho feito na folha da bananeira é outro nível! Outro ponto crucial aqui, e que precisa ser ressaltado, é que ela não disse as quantidades de massa puba. Pois ela explica que você sabendo como fazer pode fazer com qualquer quantidade. E ela tinha razão. Naquele tempo – ainda hoje também encontramos na feirinha da cidade – a massa puba era vendida nos formatos de bolas, que eram secas ao sol e tinham aproximadamente 200 ou 250g cada. Era um formato comum, pois depois de seco ao sol, poderia ser facilmente esfarelado nas mãos, aos poucos ou por inteiro, para fazer papas e mingaus que eram comidos com uma névoa de canela em pó. Quem dominava os conhecimentos culinários poderiam fazer diferentes bolos de puba, além de biscoitos. Lá em casa, minha avó, Socorro, era quem mais gostava de puba. E sempre podíamos encontrar “bolões de massa puba” entre os ingredientes de casa. Ela gostava tanto, aliás, que um certo dia, mandou trazerem mandiocas do sítio do meu avô. Comprou um pote de barro grande na feira e foi me ensinar o processo de como é o preparo da massa puba. Levamos um pouco mais de nove dias nesse processo de colocar a mandioca pra fermentar em água dentro do pote de barro, para podermos preparar a massa, fazer os bolões de puba, secá-los e ter muita massa puba para os mingaus e bolos lá de casa. Anos mais tarde, soube por minha mãe, que aquela senhora faleceu velha, mas lúcida. Sempre lembrava de nós e contava histórias do nosso tempo.
AMOR É QUE NEM CUSCUZ, ÀS VEZES ENTALA, MAS É GOSTOSO E PODE VIRAR BOLO Eu também amo cuscuz – assim como amo bolos, pão de queijo, roscas de goma, chocolate e pamonha (salgada). Não sei desde quando eu passei a comer cuscuz, mas lembro de comer isso desde bem pequeno. O que mudou ao longo dos anos foi a forma como eu como cuscuz: primeiro, era um pouco de cuscuz, com muito, muito leite gelado e muito sal. Depois, comia só com nata – sempre recebia reclamações de que estava comendo com muito sal. Em seguida, resolvi experimentar cuscuz com manteiga, gostei – e a quantidade de sal já era bem menor. Teve também a fase de comer com queijo e um pouquinho de nata ou manteiga. Aí, passei a comer com manteiga e leite – iniciava só na manteiga, e quando restava umas quatro ou cinco colheradas eu adicionava quase meio litro de leite (risos). Aí, veio a fase de comer cuscuz com manteiga e só um pouquinho de leite quente – a essa altura ninguém mais reclamava da grande quantidade de sal que eu colocava na massa. Hoje em dia, eu como do jeito que eu tiver vontade. 208
Aprendi a preparar cuscuz direito lendo as instruções das embalagens. Obviamente, antes, eu via minha avó preparando, mas ela fazia um erro grave: ela molhava a farinha de milho para hidratar a massa, mas não deixava ela descansar – e esse período de descanso é fundamental para a massa absorver a água. Minha vó Socorro, sempre que ia fazer um cuscuz, molhava a massa e logo colocava na cuscuzeira – eu nem me atrevia a dizer que estava errado. O resultado era um cuscuz muito duro, sem graça. Uma coisa que nunca gostei é cuscuz com açúcar. Vez por outra, ainda comia cuscuz com leite de coco e um pouquinho de açúcar, mas isso não me agradava como as versões salgadas. E eu gosto tanto de cuscuz que, quando fui morar sozinho, a primeira coisa de casa que eu ganhei foi uma cuscuzeira. Eu amei! Foi lembrando dessa minha aversão ao cuscuz com açúcar que eu resolvi testar na cozinha – na época eu não fazia ideia de que outras pessoas tiveram a mesma ideia, feita de formas diferentes, obviamente, mas a mesma ideia: fazer um bolo de cuscuz. Só que eu tinha um objetivo: não deixar o bolo com gosto daqueles bolos de milho que ficavam secos, esfarelentos e que entalam a gente. Logo, a receita seguinte é desse bolo de cuscuz que eu fiz pra não entalar ninguém, ele é mais molinho e uma companhia perfeita para um cafezinho.
BOLO DE CUSCUZ DE MILHO INGREDIENTES
1 e ½ xícara de chá de flocão de milho ¼ de xícara de chá de água filtrada 1 xícara de chá de farinha de trigo 3 ovos inteiros 1 e ½ xícara de chá açúcar ½ xícara de manteiga em temperatura ambiente 2 xícaras de chá de leite integral 1 colher de sopa de fermento em pó
MODO DE PREPARO
Primeiro, misture o flocão de milho com a água, misture bem e deixe descansar pelo menos 15 minutos. Depois de passado o tempo, coloque a massa hidratada na cuscuzeira e leve ao fogo por mais 15 minutos. O segredo do ponto é sentir o cheiro do cuscuz no ar. Depois de pronto, desligue o fogo e deixe esfriar. No liquidificador, bata o leite, os ovos, a manteiga e o açúcar por 3 minutos, junte a farinha de trigo e bata até misturar bem e reserve. Esfarele o cuscuz com as mãos, junte na mistura batida, e bata por mais dois minutos. Junte o fermento 209
em pó, misture bem e coloque numa forma untada e polvilhada. Asse em forno pré-aquecido (180°C) até dourar.
A FELICIDADE É UM BOLO DE CASAMENTO SEM O SUSPIRO DO ALTAR - FIZ O BOLO DE CASAMENTO DO MEU AVÔ Como você imagina que é um bolo de casamento? Certamente, vai dizer que é um daqueles bolos de andares, bem decorados com desenhos intrincados feitos com glacês. Ou, como se for se referir aos bolos da atualidade, poderá dizer que parecem um jarro de rosas ou flores variadas, ou mesmo ramagens de plantas – tudo feito de açúcar por mãos habilidosas. Quando eu era convidado para casamentos e aniversários, a primeira coisa que eu reparava quando chegava nas festas era o bolo. Como amante de confeitaria, sempre tive as técnicas de confeitaria inglesa como o expoente da confeitaria para bolos. Eles foram muito habilidosos em desenvolver pontos de glaces e bicos que rendem verdadeiras maravilhas. Isso ajuda a construir o sonho que é o bolo. No entanto, a ideia do que pode ser um bolo de casamento na minha mente foi alterada duas vezes pelas simbologias das respectivas ocasiões. A primeira vez que essa ideia mudou, foi quando eu preparei o bolo de casamento do meu avô Mário. Como assim? Eu explico: meu avô não comia bolos, nunca. Eu já era adolescente preparando bolos, e sempre ouvia todos lá em casa questionando sobre o motivo pelo qual meu avô nunca comia bolos. Nunca descobrimos, aliás. Como já disse anteriormente, lá em casa sempre tinha dois bolos: um fofo (amanteigado) e um mole (com mais quantidade de leite). O tal do bolo fofo, quase sempre era um bolo mesclado, ou bolo mármore que, tempo depois resolvi me aprofundar e descobri trata-se de um bolo cujas origens são germânicas, do século XVII, que veio parar aqui graças aos judeus – e ao longo desse percurso histórico teve a receita alterada, recebendo, inclusive, a adição de chocolate na massa (COELHO-COSTA, 2021). Lá em casa, fazíamos bolo mesclado com dois ingredientes diferentes: um do cotidiano, com Nescau; e quando ia ter algo mais especial, era usado o chocolate Dois Frades, ambos produzidos pela Nestlé até hoje. Ocorre que meus avós Mário e Socorro, eram casados no civil. Tinham um casamento sólido, mas nunca casaram no religioso. Lembro que, muitas vezes, 210
via o Monsenhor Antonino, religioso ilustre da cidade e região, indo lá em casa na tentativa de realizar o casamento dos meus avós. Mas nada surtiu efeito, seu Mário não aceitava, sempre colocava o monsenhor para correr quando o assunto chegava nessa conversa de casamento. Até que, já perto dos anos 2000, eu era adolescente, o monsenhor Antonino já havia falecido há muito tempo e meus avós não se casavam no religioso. Eis que houve uma mudança na igreja matriz, a Ordem dos Agostinianos Recoletos responsável pela paróquia de Guaraciaba do Norte resolve mudar tudo e mandam vir do México os frades que tomariam a administração daquela que, na época, era a paróquia mais rica da região da Ibiapaba. Nisso acabamos conhecendo os freis Jesus e Gerardo – havia outro, mas não recordo o nome. Frei Gerardo era um galã, novo, bonito, causou muito alvoroço entre as senhoras da cidade. Passou um tempo trabalhando por lá até resolver abandonar o hábito e casar com uma freira da cidade. Quanto ao frei Jesus, era o amor em pessoa. Gentil, muito educado – e já me fizera passar um dos vexames mais hilários da minha vida: houve um tempo em que minha tia Márcia me chamava de Amor, raramente pelo meu nome. Então, certa feita, frei Jesus tomou amizade com meu avô e, vez por outra, ia lá em casa e sempre ouvia minha tia me chamando de Amor. Logo, ele deduziu que meu nome era AMOR. Um belo dia, estava eu conversando numa roda de amigos próximo da casa paroquial – junto, inclusive, estava uma amiga de longa data que se tornou freira, irmã Mônica Veloso –, eis que de repente o frei Jesus, começa a gritar por mim, me chamando e AMOR! Nem preciso dizer a palhaçada em que virou minha vida depois daquilo. Mas tudo foi explicado, tá tudo certo. E o frei continuou frequentando lá em casa. Não sei como eles soube da história do meu avô com o monsenhor Antonino, pois já fazia muito tempo que aquele religioso falecera, mas ele sabia e se propôs a tomar pra si a ideia de realizar o casório. E conseguiu, o danado. Um dia, meu avô estava acamado, pois tinha machucado a canela no arame farpado das cercas de um dos sítios, e o frei Jesus chegou e foi pro quarto. Eles conversaram e, de repente, o frei disse que o casamento seria celebrado em dois dias, lá em casa mesmo. Minha avó, não sei como reagiu, mas eu corri pra pensar no bolo. Imaginei muita coisa. E acabou que não fiz nada do que havia pensado tanto. O que saiu foi o velho e bom bolo mesclado, feito com chocolate Dois Frades para a ocasião. Meu avô casou deitado na cama, ainda estava prejudicado da perna. Eu assinei como testemunha, padrinho, sei lá o que estava escrito naquele papel – também não importava. Meu avô estava feliz, minha avó também, o frei 211
mais ainda. Eu saí do quarto e voltei com o bolo grandão, parti-o e entreguei um pedaço para cada um dos presentes. O frei Jesus se deliciou, se interessou pela receita – que tentou desvendar como era feito, cismou que tinha caramelo misturado. E o resultado disso, além do casamento, obviamente, é que eu ainda fui para a casa paroquial fazer o mesmo bolo uma duas vezes para provar ao frei que não levava caramelo algum. E assim, a minha ideia de bolo de casamento mudou pela primeira vez. Já a segunda vez que mudou a minha concepção sobre o que pode ser um bolo de casamento, foi mais impactante, mais recente também. Em 2018 eu publiquei uma imagem na minha página do Facebook que consiste em diversas camadas de fatias de pão, montadas como se fosse um bolo, diante de um casal de noivos. À época escrevi o seguinte relato sobre a imagem: “Esse casal não podia comprar um bolo de casamento. Em vez de pedir dinheiro emprestado para comprar um bolo e impressionar as pessoas, eles podiam comprar pão e manteiga. E assim fizeram, para ficar livres de dívidas e manter as coisas reais... não foi o bolo mais lindo que eu vi, certamente não foi o mais gostoso (senti um soco no estômago quando vi). Mas foi o bolo mais real, mais simbólico, mais humano, mas sem a pompa desnecessária que as pessoas compartilham. Foi lindo – parece cruel. Mas foi real! Espero que os boleiros de plantão vejam isso. E que já tenham feito um bolinho para quem não podia pagar por ele. Se não, observe ao seu redor e faça a oportunidade acontecer”.
BOLO MÁRMORE INGREDIENTES
3 ovos inteiros 200g gramas de manteiga 1 ½ xícara de chá de açúcar 1 ½ xícara de chá de leite integral 3 xícaras de chá de farinha de trigo 1 colher de sopa de fermento em pó Meia xícara de chocolate Dois Frades 1 colher de sopa de café solúvel (Nescafé)
MODO DE PREPARO
Separe as gemas das claras. Bata as claras com uma pitada de sal até obter o ponto de neve, picos firmes e reserve. Numa tigela grande, bata as gemas com o açúcar e a manteiga até formar um creme clarinho e bem fofo. Junte, alternadamente, a farinha com o leite, misturando delicadamente. Após isso, junte metade das claras em neve, mexa vigorosamente e, em seguida, junte o 212
restante das claras e mexa delicadamente de baixo pra cima. Por último, junte o fermento e misture rapidamente. Divida a massa em duas. Numa das porções, misture o achocolatado. Coloque a massa branca numa forma untada e polvilhada, e por cima vá despejando a massa com chocolate de maneira aleatória, para dar um efeito de mármore. Se desejar pode usar um palito de churrasco para dar uma leve misturada na massa. Leve para assar em forno quente (180°C) durante 30 a 40 minutos ou até fazer o teste do palito e sair sequinho.
PARTE II - E UMA PITADINHA DE SAL, PRA REALÇAR BOLO QUENTE É MELHOR QUE MUITA GENTE Nas notas introdutórias, mencionei que os gregos foram os responsáveis por criar bolinhos fritos. E uma coisinha frita parece sempre um pitéu, uma perdição! Pelo menos para mim, é. E, como os gregos já inventaram tudo, ou quase tudo no passado, a gente fica até sem graça de achar de criar alguma coisa. Pois, quando vê, quando olha o passado, lá estavam os helenos com o pensamento sempre à frente. Ocorre que bolinhos fritos só passaram a estarem presentes nas mesas lá de casa por minha causa. E tudo isso, graças ao Lobato, ou seria a Tia Nastácia? Foi por causa da Tia Nastácia, com seus bolinhos famosos que eu desencavei uma receita de bolinhos de chuva, que nos primeiros testes ficaram uma porcaria. Foi preciso uns três testes para deixar a receita num ponto perfeito, comível. Mas, eu sempre tinha a impressão de que os bolinhos da Tia Nastácia eram feitos com milho. Lembro que eu lia e relia o Minotauro (LOBATO, 2019), a história relatava justamente o episódio no qual a cozinheira do Sítio do Picapau Amarelo, Tia Nastácia, foi raptada, só sendo encontrada justamente pelos bolinhos que fazia, e que eram inigualáveis. Mas, na minha cabeça, eu tinha uma ideia de que aqueles bolinhos eram sempre de milho e salgados. Isso se explica pelo fato de eu gostar muito dos bolinhos de milho salgados que a minha tia Cida, casada com meu tio Mário, o irmão mais velho da minha mãe, preparava. Eles eram deliciosos, simples, e perfeitos para acompanhar refeições ou simplesmente servir de belisquete a qualquer hora. Assim, essa é a receita que ficou gravada na minha cabeça ao longo dos anos. Talvez existam melhores, com mais ingredientes ou até menos. Mas essa funciona bem. 213
BOLINHO DE MILHO SALGADO E FRITO INGREDIENTES
5 espigas de milho verde 1 ovo inteiro Cheiro-verde (coentro e cebolinha) picado a gosto Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto 2 ou 3 colheres de farinha de trigo, se precisar
MODO DE PREPARO
Aqui existem duas maneiras de fazer: ralar o milho num ralo, ou bater no liquidificador. A diferença é que, se fizer no liquidificador, para bater você vai precisar colocar um pouco de água, e com isso terá de acrescentar mais farinha de trigo na mistura. Logo, o ideal é fazer com milho ralado. Você se resolve na hora de preparar e depois segue direitinho o recomendado. Tendo o milho sido ralado, sem adição de líquido como água ou leite, veja a massa que se formou. Se ela estiver de pastosa para grossa, esse é o ponto certo. Assim, misture o ovo, tempere com sal, a pimenta-do-reino moída na hora – pimenta comprada não renderá o mesmo gosto do que aquela moída para o preparo, pois ela geralmente é adicionada amido de milho e perde muito dos seus óleos essenciais. Misture bem, adicione o cheiro verde picado, misture e veja se com a ajuda de uma colher você consegue tirar bocados da massa que caem de uma vez. Assim, estará bom. Se não, adicione farinha de trigo, uma colher por vez, e vá vendo o ponto. Tem que ser uma massa densa. Massa pronta, coloque o óleo para aquecer, frite até dourar. Escorrer em papel toalha. Servir imediatamente.
DICA
Para variar os sabores, você pode incluir ingredientes como bacon frito, queijo ralado, talos de couve etc.
O AROMA DO BOLO NO FORNO É MELHOR DO QUE PERFUME Saudades do tempo em que eu me encantava com as receitas, com as comidas. Hoje em dia, parece que as pessoas fazem sempre as mesmas coisas. Os gostos estão se tornando cada vez mais homogeneizados, tudo tem que aparecer com leite ninho e Nutella, aff! Quem irá nos salvar de nós mesmos? Eu sou de uma época onde a gente era convidado para almoços, festas de aniversários, batizados e casamentos, e a gente sempre se surpreendia com alguma comida que era servida, fosse pela decoração ou pela inovação da receita. 214
E eu me recordo uma vez, de quando um bolo em particular gerou impacto e muita curiosidade sobre mim: era adolescente, e tinha amigos na rua atrás da minha casa, o Robinho e o Marcelinho, eram irmãos. Sempre estava lá nos finais de tarde para brincarmos seja lá do que fosse. Numa dessas idas à casa do Robinho e Marcelinho, a Tia Marcília, que era a mãe dos meninos e minha professora de catecismo, perguntou se eu queria uma fatia de bolo. Certamente que eu me empolguei, era bolo. Só que o Robinho soltou que era um bolo diferente, era salgado! Eu fiquei tão impactado quando ouvi que o bolo era salgado, que fiquei meio sem reação; até então eu nunca tinha ouvido falar em bolos com sal; sequer tinha visto um. E, agora, lá estava eu de frente para um bolo salgado. Provei. Gostei. Era macio, cheiroso, uma massa neutra, sem recheio algum, alguém poderia até se assemelhar a um pão, mas era um bolo, só que salgado. Saí de lá e fiquei imaginando como seria fazer aquilo. Fiquei pensando em como deixar aquele bolo fofinho. Eu não tive coragem de perguntar a receita. Mas fui fazer meus testes, e cheguei na receita que compartilho, que ainda vem com o adereço do queijo coalho pra ter um diferencial. Para chegar numa massa fofinha, lembrei dos conselhos que minha mãe me dava quando eu fazia bolos com ela: se você quiser um bolo ainda mais foro, use maisena. Foi o que eu fiz! E o danado do bolo saiu bom, e conquistou muita gente. Permita-se comer um bolo salgado.
O BOLO SALGADO DE QUEIJO INGREDIENTES
3 ovos 1 e ½ xícara de chá de farinha de trigo 1 e ½ xícara de chá de amido de milho (maisena) ½ xícara de chá de óleo ¾ xícara de chá de leite 1 xícara de chá de queijo coalho ralado 1 colher de sopa de fermento químico em pó Tiras de queijo coalho para finalizar Sal a gosto
MODO DE PREPARO
Bata por três minutos no liquidificador o leite, o óleo, os ovos e uma pitada de sal. Em seguida, adicione o queijo ralado e continue batendo para incorporar tudo. Junte o amido de milho e bata por mais um minuto. Coloque a mistura 215
numa tigela e misture a farinha de trigo com a ajuda de uma colher de pau – isso pode ser feito no liquidificador, mas a massa fica mais densa. Unte e enfarinhe a forma de buraco no meio, coloque a mistura e afunde algumas fatias de queijo na massa. Leve para assar em forno pré-aquecido a 180 graus por cerca de 30-35 minutos até dourar bem – ou faça o teste do palito. Servir frio, mas quentinho também é vida. Pra comer com uma geleinha, com presunto, puro, hummmmm!
SE A PALHA É ROUPA DA PAMONHA, SEM ELA O MATUTO FAZ BOLO Pamonha é outro caso sério na minha vida. Gosto imenso, mas tenho preferência por pamonha salgada – embora não me furte de comer pamonha doce. Lá em casa, sempre fizemos pamonha a muitas mãos, geralmente eu, minha mãe e minha vó. As pamonhas lá de casa tinham as suas particularidades. A primeira delas é que isso era uma das poucas comidas que eu via minha avó Socorro fazer (depois da paçoca de carne no pilão e do arroz maria-isabel, não me recordo dela cozinhando outras coisas. Afinal, era sempre minha mãe, a responsável pela comida da casa). Outra particularidade era que as pamonhas eram feitas com milho ralado em um ralo que foi feito pra isso – uma lata de óleo foi furada com pregos e pregada em pedaços de madeira que formavam um arco, e logo tínhamos um ralador de milho grande. Tínhamos liquidificador, mas foram muitos anos até que minha avó aceitasse que o milho fosse liquidificado. E, por último, na hora de cozinhar, a massa da pamonha era colocada em saquinhos de algodão que minha avó costurava, e que depois da pamonha comida eram lavados e guardados até a próxima feitura – sustentabilidade é o nome! As pamonhas da minha avó foram as primeiras que eu comi na vida. Depois, vieram as da Tia Cida, muito especiais até hoje. A tia Cida é nascida entre Goiás e Tocantins, terra onde as pamonhas são muito famosas. E ela não negava as origens e preparava umas deliciosas, das quais até hoje eu me lembro. O segredo era um pouco de óleo fervente que era adicionado à massa, e fazia tudo mudar. Eu, mesmo morando fora de casa, nunca larguei o hábito da pamonha. E por nem sempre ter milho com palha ou pedaços de algodão pra fazer de invólucro, resolvi fazer minha própria receita de pamonha, só que assada no forno. Assim, um belo dia, testando, como sempre, cheguei no resultado que eu esperava: uma pamonha de forno cremosa e sem muitos fiapos de milho. E a receita tanto pode ser feita com milho verde ralado quanto com milho de lata, aliás faz muito tempo que eu só faço com milho de lata. 216
A PAMONHA SALGADA DE FORNO INGREDIENTES
3 latas de milho verde em conserva (aquela com a aguinha) 1 caixa de creme de leite (200g) 3 ovos inteiros 1 ½ xícara de farinha de trigo com fermento peneirada 4 colheres de sopa cheias de manteiga Sal a gosto Queijo coalho picado a gosto
MODO DE PREPARO
Coloque no liquidificador as 3 latas de milho verde com a água da conserva, o creme de leite, os ovos e o sal e bata bem por 5 minutos. Coloque numa tigela e junte a farinha de trigo com fermento aos poucos e vá incorporando bem. Reserve. Numa frigideira, coloque a manteiga e leve ao fogo até derreter e ferver. Retire do fogo e junte à massa, misturando bem. Coloque a massa numa forma untada e enfarinhada e leve para assar em forno a 180 graus por 50 minutos, ou até dourar. Deixe esfriar bem para servir.
NÃO DEIXE PARA PREPARAR AMANHÃ O BOLO QUE VOCÊ DESEJA COMER HOJE Desde que eu me entendo por gente, lá em casa sempre comíamos roscas de goma assada ou fritas – eu gostava de ambas. Mas era sempre divertido quando minha mãe fazia roscas fritas, pois eu achava graça dos gritos e dos pulos que ela dava à medida em que as roscas estouravam no óleo quente – um verdadeiro perigo. Assim, só fui fazer sozinho roscas fritas quando eu devia ter uns quinze anos. Quanto às roscas assadas, todas chamadas de grudes, elas se apresentavam de duas maneiras: uma mais seca, de casca grossa – que surgia quando a quantidade de líquidos era diminuída para que a massa fosse amassada; a outra maneira rendia num miolo mais pegajoso, o meu preferido, e também a mais parecida com um bolo, tanto que era apelidado de bolo de goma. A receita era simples: goma seca (polvilho) escaldado com água ou leite quente, adicionado de sal, manteiga e queijo. Acontece que na cidade existia uma senhora que era bastante conhecida pelas roscas de goma deliciosas e ninguém descobria o segredo dela, muita gente já havia tentado e falhado. Olgarina era amiga da minha avó, e vez por outra andava lá em casa para papos longos. Às vezes, levava a bendita e famosa rosca de sua produção para que nós 217
apreciássemos a delícia. Realmente era muito boa. Daí, numa dessas conversas eu fui puxando o assunto, e quando ela menos esperou, tinha revelado o segredo: ovos batidos. Depois ela tentou desconversar, mas estava feito. Comecei então a preparar a receita acrescentando os ovos, como a mestra recomendara durante a conversa, e ficou bom, realmente. Mas não era a mesma coisa, pois não tinha saído das mãos dela. Tem coisas que ficam ainda mais especiais pelos toques das mãos do cozinheiro ou da cozinha. De toda forma, esse bolo de goma podia ser costumeiramente encontrado lá em casa. Às vezes, ainda acrescentava um pouco de queijo para dar uma variada no sabor. Mas sempre era servido com um cafezinho para acompanhar.
O BOLO DE GOMA INGREDIENTES
3 xícaras de chá de goma seca (polvilho – pode ser doce ou azedo, ou usar metade da medida de polvilho doce e a outra metade de polvilho azedo) 1 e ½ xícara de chá de água (ou leite, ou leite de coco) ½ xícara de chá de óleo de soja ou de milho Sal a gosto 3 ovos 1 pacote de coco ralado
MODO DE PREPARO
Colocar a água (ou o leite, ou leite de coco) pra ferver junto com o óleo e o sal. Tomar cuidado pra não derramar e ferver bem. Escaldar a goma seca com a mistura fervente, misturar bem com uma colher de pau. Reservar. Separar as gemas das claras, bater as claras em ponto de neve bem firmes, depois juntar as gemas e bater mais até ficar um creme fofo. Juntar essa mistura na goma escaldada, misturar bem, juntar o coco ralado. Assar em forma untada e enfarinhada até dourar. Resolvi trazer algumas receitas emblemáticas e que carregam uma força pelas lembranças que sustentam.Foi uma experiência interessante escrever tendo o fio da alimentação como elemento condutor. Que seja doce vida e até o nosso próximo encontro! que tenha também uma pitadinha de sal para temperar tudo...
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Andyara Caetano tem 32 anos, é paraense de Altamira e está concluindo o curso de Gastronomia na Universidade Federal do Ceará - UFC. Ana Karoline de Oliveira Costa é uma taurina curiosa. Achava que ia virar paleontóloga quando crescesse, mas acabou estudando comida. Comida essa que, desde criança, aprendeu a amar, desde os cheiros aos preparos, observando as pessoas e os comportamentos que se desenvolviam diante do fogão ou da mesa. Formada em Nutrição pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR, Gastronomia pela Universidade Federal do Ceará - UFC, com mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos também pela UFC, é atualmente doutoranda em Patrimônios Alimentares, Culturas e Identidades pela Universidade de Coimbra - UC. Já trabalhou como Nutricionista de Alimentação Escolar, Auxiliar de Cozinha de Restaurante Vegano, Professora e Coordenadora de Curso Superior de Gastronomia, com capítulo de livro e artigos publicados nas suas áreas de atuação. Bianca Ziegler é editora, designer, professora e artista. Mestre em Poéticas da Criação e do Pensamento em Artes pela UFC e Graduada em Artes Visuais Pela UFPel. Criou, em 2013, a nadifúndio, uma editora independente por meio da qual vem pesquisando e experimentando formatos de publicações que dialogam com a literatura e as artes visuais, além de realizar diversas ações educativas, cursos, oficinas e proposições artísticas nas quais procura constantemente reinventar formas de estar junto e de pensar as relações entre processo de produção, livro, artista e público. Carla Manuela Vieira é historiadora pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Especialista em História da Arte e Mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Analista de Gestão Cultural da Secretaria da Cultura do Ceará, com atuação na Coordenação de Acervo, Pesquisa e Conhecimento da Biblioteca Pública Estadual do Ceará. Célia Augusta Lopes Ferreira é mestranda em Ciências da Cultura pela Universidade de Trás os Montes e Alto Douro - UTAD, especialista em Políticas Educativas e Docência do Ensino Superior pela Faculdade de Formação de Professores de Araripina - Pernambuco, especialista em Políticas Públicas de Turismo pelo IFCE, graduada em Gestão de Turismo e em Hotelaria pelo IFCE. Atuou como Professora horista do MBA em Hotelaria e Eventos Turísticos do Instituto Ateneu e dedica-se aos estudos da cultura gastronômica, turismo enogastronômico e vitivinicultura. Membro da Fundação Cariri - FUNCAR.
Débora Cristina Lima dos Santos é ilustradora e quadrinista cearense que ama explorar novas possibilidades narrativas. Já ilustrou novelas gráficas como Luzia (Editora Draco, 2021) e Gringo Love (2020, ainda inédito no Brasil). Atualmente vive em Fortaleza. https://www.deborasantosart.com/ Ewerton Reubens Coelho Costa, também conhecido como Reubens Frost nas redes sociais, nasceu no Ceará. É formado em Turismo - IFCE, com Mestrado em Gestão de Negócios Turísticos - UECE, e atualmente doutorando em Sociologia - UECE. Tem se dedicado com ênfase aos Estudos Culturais da Alimentação, concentrando-se principalmente nas seguintes temáticas: Gastronomia e História da Alimentação, Gestão do Turismo, Gestão do Luxo, Gestão de A&B (alimentos e bebidas), Cultura Gastronômica, Turismo Gastronômico e Enogastronômico, Indicações Geográficas Brasileiras, Patrimônio Gastronômico, Cozinhas Patrimoniais e Gastrodiplomacia. É criador e editor do blog de cultura gastronômica Confraria Gastronômica do Barão de Gourmandise (http:// confrariadobaraodegourmandise.blogspot.com/), que existe desde 2010 e é lido em mais de 167 países. Francisco Anderson da Silva é graduando no curso de Artes Visuais pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. De família humilde e coração cheio de amor pela filha, Isabela, com quem divide grande parte das aventuras de vida desde 2014, quando ela veio ao mundo. Observador e aprendiz do mundo da gastronomia, sempre com disposição de sobra. Gabriel Ubatuba é filho mais velho dos quatro “Joãos” de Dona Stela. Cozinheiro, formado em Gastronomia pela Unichristus, atualmente faz pós-graduação em História da Arte. É apaixonado por arte, comida e cultura. Já se arriscou na produção de jogos digitais e hoje se interessa por documentar a estética relacionada à alimentação do nosso povo. Jéssica da Silva Pereira é graduanda em Gastronomia pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Participa do projeto de extensão da UFC - Gastronomia Social. Também é confeiteira, pesquisadora cultural, jurada junina e auxiliar veterinária. Larissa Baía Balbuena nasceu em Fortaleza, com raízes cearenses e paraenses. Tem 28 anos. É artista visual, professora e terapeuta holística. Ama escrever, cozinhar e fazer todo tipo de arte manual. Encontrou-se pesquisando a sabedoria ancestral do uso das plantas, tanto para fins terapêuticos, quanto cosméticos e alimentícios. Acredita na importância da preservação da memória social.
Luzineide Andrade é bibliotecária por formação e encadernadora por paixão. Gosta de costurar papel e fica maravilhada com tudo aquilo em que ele pode se transformar: álbuns e cadernos que guardam memórias. Seu trabalho formal também é com papel, cuidando de arquivos. Nas horas vagas, junta o scrapbook e a encadernação artesanal para contar lindas histórias que você pode conhecer através do instagram @lu.andrade.feitocomamor. Patricia Oliveira tem 33 anos, é católica e formou-se em Farmácia na Universidade Paulista - UNIP, Campus Brasília. Atua na área desde então. Natural de Jaguaretama, atualmente mora e trabalha em Fortaleza - Ceará. Tem realizado, com paixão, cursos na área da fotografia. Adora ler e escrever. Além do marido Paulo, sua família é composta pelas cachorras Lady e Pequena, pelos gatos Branco, Spock, Pirata e Pedrito Coelho. Adora viajar e colecionar receitas que contam histórias. Ranieri Nery Nogueira mexe e é mexido pela literatura, a escrita e a psicanálise. Roberto Araújo chegou ao mundo no dia treze de janeiro de 1965, uma quartafeira, pouco depois das cinco da manhã, em uma casa simples de dois (in) cômodos e chão de terra batida, na Rua das Pedrinhas, em Quixadá. Deram-lhe o nome Roberto, cartorialmente: Roberto José de Araújo. Perto da estrada de ferro, enterraram seu umbigo. Está umbilicalmente preso ao sertão e o sertão a ele. Viu o mar em fins dos anos setenta e nunca mais voltou ao sertão. Mas permanece lá. Atrevidamente é professor de História e de Gastronomia, e, como tal, cumpre a maldição bíblica de ganhar o pão com o suor do rosto. Por escolha, afeto, necessidade de viver e expressar-se, é uma traça literária. Por começo, meio e fim, é cozinheiro, logo existe! Rodrigo Alves Ribeiro é historiador, doutor em História Social pela Universidade Federal do Ceará - UFC, mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará - UFC, com período sanduíche na Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, pós-doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Atualmente é Coordenador de Acervo, Pesquisa e Conhecimento - CAPC da Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece). Rosemeri Dantas Gomes nasceu na Paraíba, tem 54 anos e é formada em Administração de Empresas pela UNIFOR. Desde jovem, gostava de ler livros de receitas e tentar reproduzi-las, mas só aprendeu a cozinhar mesmo quando sua filha nasceu. A paixão pela cozinha, no entanto, só aconteceu há uns quinze
anos, quando foi morar em São Paulo, desempregada. Com tempo sobrando, conseguiu fazer cursos e aperfeiçoar suas técnicas culinárias. Descobriu-se apaixonada pela diversidade gastronômica. Ruan Moura Cavalcante é nordestino, nascido na Terra do Sol, libriano, irmão caçula, cozinheiro, entusiasta da natureza e da alimentação saudável à base de plantas. Nutricionista pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR, especialista em Nutrição Vegetariana e pós-graduando em Nutrição Clínica Funcional. Acredita que o veganismo nos apresenta novas possibilidades no prato e que, para termos saúde e bons horizontes no futuro, precisamos fortalecer a educação nutricional, a leitura de rótulos, a autonomia alimentar e a agricultura familiar. Samila Paiva é formada em Gastronomia pela FATECI e Confeiteira pelo SENAC. Apaixonada por comida e livros de receita, adora passear por mercados, especialmente pelo São Sebastião. Mantém um perfil no instagram, o @contosecozinha, onde conta de tudo um pouco sobre suas experiências culinárias. Vanessa Moreira é antropóloga, pesquisadora da cultura alimentar e professora. Doutoranda pela UFBA, mestre em Antropologia pela UFPE e Graduada em Ciências Sociais pela UECE, também é graduanda em Gastronomia, com formação complementar em audiovisual. Atualmente, é parecerista de assuntos de Gastronomia Cultural da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo, membro do Observatório Cearense de Cultura Alimentar - OCCA e do Slow Food. Colabora com a Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, onde já coordenou o Laboratório de Criação em Cultura Alimentar e Gastronomia Social. Vitória Albuquerque Peres é cearense de 34 anos, ex-advogada, atualmente cozinheira e estudante de Gastronomia.
Impresso, costurado e montado de forma artesanal no Laboratório de Conservação e Restauração de Papéis da Biblioteca Pública Estadual do Ceará. Fortaleza, Março de 2022.
Este livro é um produto do curso Publicação, Comida & Memória: confecção de livros artesanais de receita, realizado entre os meses de fevereiro e março de 2022 na Biblioteca Pública Estadual do Ceará.