Revista Atua

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ATUA REVISTA ATUA : FEMINISMO | ARTE |MODA | CULTURA | VIDA | FOTOGRAFIA |LUTA | SEXO | AMOR | MULHER

2015 | R$15,00




ATUA UMA REVISTA PARA A MULHER QUE LUTA ATUA É UMA REVISTA QUE TEM POR OBJETIVO UNIR AS MULHERES PARA UMA LUTA COMUM A TODAS NÓS. O FEMINISMO. ALÉM DE REFLETIR AS MUDANÇAS DO PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, ATUA CONVIDA A MULHER A REFLETIR SOBRE DIVERSOS ASSUNTOS DO MUNDO COMO ARTE, DESIGN, COMIDA, AMOR. NESTA EDIÇÃO ESPECIAL, ABRIMOS A REVISTA COM UMA HOMENAGEM A SIMOBE DE BEAUVOIR, A MULHER QUE ABRIU PORTA PARA UMA LUTA QUE CADA VEZ MAIS ESTÁ GANHANDO ESPAÇO. NO ÂMBITO ARTÍSTICO, FRIDA KAHLO E CHRIS BIERRENBAH REPRESENTAM, ATRAVÉS DA ARTE QUESTÕES DE GÊNERO E SOFRIMENTO EM MEIO A UMA SOCIEDADE ONDE, OS HOMENS SÃO PROTAGONISTAS.

4 / EDITORIAL


MANIFESTO ATUA: O QUE É SER MULHER? (HOMENAGEM)

ENSAIO FOTOGRÁFICO: FIRE, DE CHRIS BIERRENBAH

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COME-SE: COFFE LAB

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MODA CONSCIENTE: MULHERES MUDANDO A MODA

SEXO E AMOR: ENTREVISTA COM REGINA LINS

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CULTURA: FRIDA E SUAS MULHERES

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EXPEDIENTE

CONHEÇA A NOSSA EQUIPE!

NADIRA RUMAN DESIGNER E EDITORA

BEATRIZ CARDOSO REDAÇÃO MANIFESTO ATUA

EDER CHIORETTO REDAÇÃO ENSAIO

CAMILA MORAES REDAÇÃO CULTURA

SHOICHI IWASHITA REDAÇÃO COME-SE

BRUNA MIRANDA REDAÇÃO MODA CONSCIENTE

VLADIMIR MALUF REDAÇÃO AMOR E SEXO

TERRY RICHARDSON FOTOGRAFIA CAPA E EDITORIAL

LUIZA MAGALHÃES FOTOGRAFIA

CHRIS BIERRENBAH ARTISTA E FOTO ENSAIO

GUTO LINS FOTOGRAFIA

MIRANDA AZEVEDO FOTOGRAFIA

6 / EXPEDIENTE

A REVISTA ATUA É PUBLICADA MENSALMENTE PELA EDITORA ATUA PRESS. ATUA É AUDITADA PELO IVC. O LOGOTIPO É UMA CRIAÇÃO DA DESIGNER E EDITORA DE ARTE NADIRA RUMAN CENTRAL DE ATENDIMENTO: 35122434/ ATENDIMENTO ATUA/ PRESS EDITORA: 39456724/ NÚMEROS ATRASADOS: CIRCULAÇÃO@ ATUA.COM.BR/FALA COM A GENTE: CARTAS@REVISTAATUA. COM.BR/ VISITE NOSSA COZINHA: WWW.REVISTAATUA.COM.BR/ A EDITORA ATUA, CONSCIENTE DAS QUESTÕES AMBIENTAIS E SOCIAIS, UTILIZA PAPÉIS SUZANO COM CERTIFICADO FSC (FOREST STEWARDSHIP COUNCIL) PARA A IMPRESSÃO DESTE MATERIAL. A CERTIFICAÇÃO FSC GARANTE QUE UMA MATÉRIA-PRIMA FLORESTAL PROVENHA DE UM MANEJO CONSIDERADO SOCIAL, AMBIENTAL E ECONOMICAMENTE ADEQUADO. IMPRESSO NA PLURAL INDUSTRIA GRÁFICA - CERTIFICADA NA CADEIA DE CUSTÓDIA - FSC/ PARA ANUNCIAR: PUBLICIDADE@ATUA.COM.BR (11) 3898-8277/ JURÍDICO: ADVOGADO VITOR PARDO, ESTAGIÁRIO LUCAS BORBA/ RELAÇÕES PÚBLICAS: ANALISTA RP MONALISA DE OLIVEIRA MONALISA@ATUA.COM. BR. ASSISTENTE DE RP: JULIO. HERCOWITZ@ATUA.COM.BR. ESTAGIÁRIA: LUIZA NASCIMENTO RP@ATUA.COM.BR/ MÍDIAS DIGITAIS: ATUAONLINE@ATUA. COM.BR. COORDENADORA DE MIDIAS ELETRÔNICAS: JULIE TEIXEIRA JULIE.TEIXEIRA@ATUA. COM.BR. EDITOR: CLEITON CAMPOS CLEITON.CAMPOS@ ATUA.COM.BR. ASSISTENTE DE MÍDIAS DIGITAIS: CAMILA EIROA CAMILAEIROA@ATUA.COM.BR. RÁDIO PRODUÇÃO: ALEXANDRE POSTACHEFF ALE@ATUA.COM. BR. DESELVOLVEDOR RAPHAEL OLIVEIRA RAPHAELOLIVEIRA@ ATUA.COM.BR/ NÚCLEO DE VÍDEO E TV ATUA: COORDENADORA JOANA COOPER E LUIZ ANDRADE.. ASSISTENTE DE COORDENAÇÃO: CLARA RUIZ LACERDA E CAIO MENDES MAGALHÃES.


TÍTULO SECÇÃO

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8 / MANIFESTO ATUA


O QUE É SER MULHER? A REVISTA ATUA HOMENAGEIA OS 104 ANOS DE SIMONE DE BEAUVOIR Escrito por Beatriz Cardoso/ foto: Luiza Magalhães

Hoje é o aniversário de Simone de Beauvoir. Se estivesse viva, ela faria 104 anos. É dela uma das principais frases do movimento feminista: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. A mulher não tem um destino biológico, ela é formada dentro de uma cultura que define qual o seu papel no seio da sociedade. As mulheres, durante muito tempo, ficaram aprisionadas ao papel de mãe e esposa, sendo a outra opção o convento. Porém, a própria Simone rompe com esse destino feminino e faz de sua vida algo completamente diferente do esperado para uma mulher.Nascida em uma família da alta burguesia francesa, Simone era a mais velha de duas filhas. Durante sua infância a família faliu e, por considerar que as filhas não conseguiriam bons casamentos, pois não havia dinheiro para um bom dote, George de Beauvoir se convenceu de que somente o sucesso acadêmico poderia tirar as filhas da pobreza. De fato, Simone de Beauvoir teve mais poder de escolha que muitas mulheres de sua época. A educação e o desenvolvimento acadêmico são até hoje maneiras de forjar mulheres mais independentes, que rompem com os padrões de sua época. Ela faz uma crítica aos valores burgueses nos quais foi criada no livro “Memórias de uma moça bem comportada”.Simone de Beauvoir tinha 41 anos quando publicou “O Segundo Sexo”, em 1949. Já naquela época a obra levantou inúmeras polêmicas. Uma das principais acusações é que Simone ridicularizava os homens. Isso é uma acusação que muitos usam contra o feminismo. Porém, as pessoas parecem não querer compreender o que realmente se passa na vida das mulheres e como todo o poder está concentrado nas mãos dos homens. “O Segundo Sexo” não é uma fonte historiografica para conhecer a história da mulher desde a antiguidade. É uma obra de inspiração, fundamental para descortinar a maneira pela qual as mulheres são criadas justamente para serem menos que os homens.

Lendo algumas das críticas que foram feitas a “O Segundo Sexo”, muitas parecem absurdas, mas ainda lemos opiniões conservadoras e moralizantes em diversos cadernos de opinião da mídia brasileira, especialmente quando se trata da sexualidade feminina. Entre seus críticos estava François Mauriac, escritor francês, que em uma de suas enquetes no Figaro Littéraire perguntou: “Estaria a iniciação sexual da mulher no seu devido lugar no sumário de uma revista literária e filosófica séria?” A questão dividiu os intelectuais. Para muitos “O Segundo Sexo” é um “manual de egoísmo erótico,” recheado de “ousadias pornográficas”; não passa de “uma visão erótica do universo”, um manifesto de “egoísmo sexual.” Jean Kanapa insiste: “Mas sim, pornografia. Não a boa e saudável sacanagem, nem o erotismo picante e ligeiro, mas a baixa descrição licenciosa, a obscenidade que revolta o coração.” A polêmica mistura tudo. A contracepção e o aborto são ligados nas mesmas frases às neuroses, ao vício, à perversidade, e à homossexualidade. Segundo uma carta da enquete, “a literatura de hoje é uma literatura de esnobes, de neuróticos e de impotentes.” Claude Delmas deplora “a publicação por Simone de Beauvoir dessa enjoativa apologia da inversão sexual e do aborto.” Pierre de Boisdeffre em Liberté de l’ésprit assinala “o sucesso de O Segundo Sexo junto aos invertidos e excitados de todo tipo.” Leia mais em O Auê do Segundo Sexo de Sylvie Chaperon, publicado no Cadernos Pagu 12, de 1999. Nenhuma obra, literária ou acadêmica, de Simone de Beauvoir foi recebida com indiferença. Sua principal contribuição é sempre propor a discussão democrática e as rupturas das estruturas psíquicas, sociais e políticas. Por ser escrito por uma mulher e para mulheres, “O Segundo Sexo” levanta diversas questões, até mesmo no meio literário. Há muito tempo a literatura classificada como feminina é sinônimo de textos sem grande aprofundamento teórico. Além disso, não era comum tratar de assuntos como sexualidade, maternidade e identidades sexuais, mesmo na França do pós-guerra. FOTO: SIMONE DE BEAUVOIR, FRANÇA, 1920

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10 / ENSAIO FOTOGRテ:ICO


FIRED ENSAIO FOTOGRÁFICO DE CHRIS BIERRENBACH ABORDA A UNIFORMIZAÇÃO E NEGAÇÃO DA IDENTIDADE Escrito por Eder Chiodetto/ fotos: Chris Bierrenbach

Uniformizar implica, necessariamente, em deformar. Essa deformação do estado original de algo atua no sentido de criar um padrão. Quando aplicado a profissionais, a uniformização visa priorizar uma função social em detrimento da identidade individual. A pessoa deixa de ser uma referência única, para encarnar um coletivo. Logo, um uniforme deflagra a mutação de um protótipo em um arquétipo. Assim como as ordas de torcedores de futebol, que no ambiente de um estádio, subitamente encarnam uma potente identidade coletiva,

Cris Bierrenbach envereda, com seus arquétipos femininos da série Fired, pelo falso apaziguamento da ideia de pertencer a um grupo social bem demarcado. O eu plural. Segundo o psicanalista alemão Erich Fromm, em sua obra A arte de amar, “a sociedade contemporânea prega esse ideal de igualdade não individualizada porque necessita de átomos humanos, cada um idêntico a outro, pra fazê-los funcionar em massa, suavemente, sem atrito. Todos obedecendo aos mesmos comandos, embora todos estejam convencidos de que estão seguindo seus próprios desejos. Do mesmo modo que a moderna produção em massa requer a padronização das mercadorias, o processo social também requer a padronização do homem, e sua padronização é chamada de ‘igualdade’(...)”. É contra esse homem-massa, que funciona dentro da lógica das mercadorias, que a artista irá investir. Como é recorrente em sua produção, Bierrenbach aponta para a falibilidade desses ambiciosos projetos de felicidade de consenso, como já havia sido apontado, por exemplo, na série Noivas - aluguel e venda (2004). Ao adquirir o arquétipo do coletivo, algo parece não funcionar. Há uma falta, um vazio, um personagem que não se encaixa. É preciso destruí-lo na tentiva de resgatar a singularidade perdida. A artista se vê, então, diante da representação desse eu coletivo. Pausa a respiração. Faz a mira. O gestual de empunhar uma câmera e fotografar está em total sincronia com o ato de segurar uma arma e atirar. Fired sobrepõe esses dois atentados: o primeiro que identifica e aprisiona um padrão robotizado, e o segundo que o elimina.

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FRIDA E SUAS MULHERES EXPOSIÇÃO EM SP “CONEXÕES ENTRE MULHERES SURREALISTAS” TRAZ UMA NOVA REFLEXÃO DO FEMININO NA ARTE Escrito por camila moraes/ foto: Luiza Magalhães

Frida Kahlo foi, por um lado, uma esposa apaixonada pelo marido – o muralista mexicano Diego Rivera –, além de devota ao (conturbado) casamento dos dois, como poucas pessoas encontrariam forças para ser. Foi, por outro, uma mulher que amava outras mulheres, sua natureza de sensibilidade aguçada e inesgotável fonte de energia. Também teve relações físicas e sentimentais com elas, já que era bissexual, e usou todas essas facetas de sua personalidade como inspiração na pintura, em obras que falam, através de sua história, sobre o poder feminino. Por tudo isso, as mulheres amavam a pintora mexicana – por quem a admiração mundial só aumenta – e a continuam amando. Da admiração de pintoras surrealistas por Frida (19071954) e também da influência artística da mexicana sobre elas trata a exposição Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas no México, que abre suas portas neste domingo, 27 de setembro, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, onde fica até 10 de janeiro de 2016. Com curadoria da pesquisadora mexicana Teresa Arcq, a mostra foi criada especialmente para o Brasil, por encomenda da casa que a abriga, e reúne 100 obras produzidas no México por 15 artistas mexicanas e estrangeiras – a grande maioria delas inédita aqui. Delas, 20 são pinturas e 13, desenhos de Frida – representação razoável de alguém que produziu em vida apenas 143 telas. Junto com manequins

com os trajes típicos que ela usava e fotografias feitas por Nickolas Murray (que foi seu amante e responsável por seus retratos mais famosos), Bernard Silberstein, Martin Munkácsi e Héctor García, essa seleção pictórica faz um belo repasso pela intimidade da artista.E Frida, em uma palavra, era isso: intimidade. Expunha as passagens mais dramáticas de sua vida marcada por uma poliomielite na infância, um acidente de carro na adolescência e as traições de Rivera e um aborto quando adulta em pinturas que, paradoxalmente, exalam beleza e alegria de viver. Para representar isso, estão lá no Tomie Ohtake as telas El abrazo de amor del universo, la tierra (México), Diego, yo y el senõr Xóloti (1933) e Diego em mi pensamiento (1943), além de uma litografia, Frida y el aborto (1932). Aparecem também os autorretratos – são 10 os de Frida, dos 55 que ela chegou a pintar –, que exploram a identidade jogando com mitos pessoais, indo muito além da fronteira de uma autofotografia.

“A questão do autorretrato é interessante, porque podemos perceber que, enquanto os homens se representam em estúdios ou em seus ambientes de trabalho, as mulheres, quando se pintam, colocam-se em situações de empoderamento. Usam adornos e elaboram o discurso de uma mulher poderosa”, explica Teresa. CULTURA /13


As diferenças entre a arte de homens e mulheres não é uma pauta da mostra, mas é possível percorrê-la buscando particularidades do universo feminino. Na única peça de autoria de Diego Rivera incluída na exposição – um desenho chamado Desnudo (Frida Kahlo) – o pintor representa sua esposa nua, sentada numa cama, sem nenhuma imperfeição e em uma pose erótica. Sabe-se que Frida tinha, por exemplo, as pernas finas (e uma diferente da outra) por conta da poliomielite. “No surrealismo, os homens erotizavam o corpo feminino”, explica a curadora. Sem deixar de se empoderar, Frida fazia o contrário: jamais tratava de ocultar sua verdade.

SURREALISTA, EU? Apesar de que Frida Kahlo nunca tenha se considerado uma surrealista, é inegável a passagem do surrealismo pela sua arte, graças à amizade com o escritor francês André Breton, o grande teórico do surrealismo. Foi ele quem fomentou sua carreira internacional, primeiro apoiando uma exposição de Frida em Nova York e depois organizando sua famosa mostra individual em Paris. Foi nessa ocasião que a mexicana lançou a várias pintoras europeias desanimadas com os anos cinzentos que a Europa vivia então o convite para que se exilassem no México. Muitas aceitaram e lá ficaram, outras passaram apenas uma temporada descobrindo a cultura popular mexicana, de quem Frida e Diego eram grandes difusores, mas todas se renderam ao discurso dela, especialmente. Ao lado de criadoras como a inglesa Leonora Carrington, a espanhola Remedios Varo, as mexicanas María Izquierdo e Lola Álvarez Bravo e a francesa Alice Rahon, a obra de Frida ganha potência. A relação entre elas – umas mais radicais, outras menos, mas todas ícones do feminismo – foi dada pelos temas que Frida tratou em sua obra, como o autorretrato, a natureza morta, o corpo e o fascínio por magia e crenças populares, assim como pela carga surrealista da artista. Tudo carregado de erotismo, emoção e, especialmente, empoderamento.

Essa força feminina fica evidente, ao final, com os figurinos de indígena tehuana que Frida adotou a certa altura da vida, inspirada pelo fato das tehuanas serem a única sociedade matriarcal do México (e uma das raras no mundo). Não são as roupas dela, mas peças similares selecionadas de um acervo do Museu de Arte Popular do México, que ela ajudou a fundar. Isso, porque, explica Teresa, “por de-

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terminação expressa de Rivera, nada que pertenceu a Frida pode sair da Casa Azul”, onde ela viveu, no hoje bairro de Coyoacán, reduto de artistas da Cidade do México.A famosa casa, que era azul porque os mexicanos acreditam que essa cor espanta os maus espíritos, pode ser vista em um dos documentários (A vida e os tempos de Frida Kahlo – para a curadora, o melhor material de vídeo existente sobre a artista, com imagens de arquivo) que fazem parte de uma pequena mostra cinematográfica que faz parte da exposição. Na segunda semana de visitação, haverá também uma instalação sobre o lugar, La Casa Azul, com o objetivo de aproximar as crianças do repertório da artista. Segundo Teresa, não foi fácil reunir de museus mexicanos e também de coleções privadas tantas obras de Frida para esta exposição (que em 2016 viajará ao Rio de Janeiro e a Brasília), mas valeu a pena, pois os brasileiros andam cada vez mais apaixonados por ela. A curadora corrige a afirmação da repórter e diz logo que o boom ao redor de Frida é mundial. “Frida Kahlo pintava o que via e sentia, e sua obra fala muito de emoções e sensações. Todos nos rendemos a isso”, decreta.

FOTO: FRIDA KAHLO, 1960/ PINTURA: LAS DOS FRIDAS, 1939, POR FRIDA KAHLO

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COFFE LAB: CAFETERIA EM SP O AMBIENTE DÁ A SENSAÇÃO DE ESTAR TOMANDO UM BOM CAFÉ COADO Escrito por Shoichi Iwashita/ foto: Guto Lins

Assim como o Suplicy e o Octavio Café, o Coffee Lab é uma central do café: um lugar onde se torra, se mói e se extrai — através de vários métodos: espresso, coado, aeropress — o melhor dos grãos na forma desse líquido preto que a gente ama. Mas, vai além: é uma escola de baristas (todos os atendentes o são e conseguem esclarecer suas dúvidas) e é único lugar de São Paulo que, além de degustar, te convida a aprender mais sobre café. São doze rituais, custando entre R$ 11 e R$ 13, em que você pode comparar, lado a lado, um café desses que a gente compra no supermercado (que eles chamam de café terror cujo pote tem uma caveira desenhada) e um café de qualidade especial; o mesmo café preparado nos métodos coado e espresso; e até o impacto de moagens diferentes no mesmo café coado. Vale a pena quando você tiver tempo.A sensação é a de que você está

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na copa da casa de alguém. Hipster que é (atendentes vestidos com uniformes de mecânico e lenços coloridos na cabeça; mesas e cadeiras de formatos, tamanhos e alturas diferentes; cardápios em pastas suspensas de plástico colorido), é a cara da Vila Madalena e poderia estar em Williamsburg. E tudo está à mostra: da cozinha onde são preparados os cafés e as comidinhas (poucas, mas saborosas opções) à torrefadora, que está na passagem entre o salão e o deck, não há separação entre stage e backstage.O café espresso só pode ser tirado com o blend da casa, criado pela Isabela Raposeiras, idealizadora e dona da casa. Já os cafés especiais, seis opções entre catuaís e bourbons vermelhos e amarelos, de microlotes vindos de Minas Gerais e Espírito Santo, podem ser preparados — sempre na mesa, na sua frente — coado (usando as peças japonesas da Hario), com o aeropress, com o French press ou pelo método Clever (infusão seguida de filtragem). Como gosto de espresso, gosto dos cafés especiais feitos com o aeropress, que deixa o café mais encorpado que o coado (o coado desses cafés especiais, de tão leve, lembram mais um chá do que café). O único porém é com relação ao [não] serviço. Não importa se você está no jardim, no salão ou no deck, você terá de ir até a cozinha para fazer o pedido (e eles entregam na mesa). Se você quiser água (que é gratuita), também terá de ir até à torneira que


está ao lado da escada (devidamente abastecida com copos e um balde de gelo). O que é sempre um problema quando se está sozinho e estiver com mochila, computador, caderno e já instalado na mesa. Se você levar tudo com você, perde a mesa. Se deixar sua mochila num lugar meio escondido, mas numa cadeira, não raro você volta e já tem outra pessoa sentada na sua mesa (por isso, se estiver sozinho e com computador, prefira sempre sentar na cozinha, onde você consegue fazer o pedido e manter o olho nas suas coisas).Crítica e público têm contribuído para a consolidação do Coffee Lab como referência essencial para os apreciadores de café na capital paulista.

FOTO ESQ: CAMILA, FUNCIONÁRIA, PREPARANDO OS CAFÉS/ FOTO FOTO DIR: ISABELA RAPOZEIRAS, DONA E BARISTA, 2013

Considerado o Melhor Café da cidade pela revista Época São Paulo em 2010, 2011 e 2012, foi vencedor também do prêmio Melhores do Ano, do Guia da Folha de S. Paulo em 2011. No mesmo ano, recebeu pela primeira vez o título de Melhor Cafeteria da VEJA São Paulo Comer & Beber. A conquista foi repetida na edição seguinte, de 2012/2013, quando a casa foi eleita por unanimidade como a melhor da categoria. O espaço também conta com uma equipada sala de aulas, onde Isabela dá cursos sobre torra e especialização de baristas e amadores.

COFFEE LAB Rua Fradique Coutinho, 1340. Tel.: 3375.7400, São Paulo, SP, Brasil COME-SE /17


MULHERES MUDANDO A MODA MULHERES ESCOLHEM O CAMINHO MAIS LONGO NO MUNDO DA MODA, O DA RESISTÊNCIA E DO ENGAJAMENTO Escrito por Bruna Miranda/ foto: Miranda Azevedo

Desde o início da conquista de espaços no mercado de trabalho, as mulheres vêm se destacando em cargos importantes, mesmo com as dificuldades e as desigualdades de gêneros impostas pela sociedade. Com a moda, desde sempre, não foi diferente. Basta pensarmos por alguns segundos que nos vem à cabeça nomes como Gabrielle Chanel e Mary Quant, revolucionárias em adequar, à beleza e estilo das roupas que criaram, uma necessária e já tardia liberdade.Décadas mais tarde, com o avanço do fast-fashion e de suas enormes corporações, a consciência de uma moda mais justa, humana e ambientalmente eficiente começou a ganhar força no trabalho desenvolvido por mulheres. A britânica Vivienne Westwood, que, desde a época do punk incorporava às suas coleções mensagens de ativismo e insatisfação com as regras de conduta de uma sociedade desigual e intolerante, começou a agir com o

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mesmo entusiasmo em prol de uma moda menos insustentável. Ela passa a questionar o consumo desenfreado, criar e apoiar campanhas ambientais – como sua Climate Revolution e outras tantas em defesa ao meio ambiente.

Fashion Initiative e o PETA – People For The Ethical Treatment of Animals (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais). Em seu site, é possível acompanhar todas as ações e projetos que recebem seu suporte.

Sua frase “Buy Less, Choose Well, Make It Last” (Compre Menos, Escolha Melhor, Faça Durar), já é lema entre os defensores da moda slow e do consumo consciente.

As duas estilistas, que se encontram no topo da pirâmide da moda consciente, são, felizmente, inspirações e incentivo para a criação de uma moda com responsabilidade harmonizada ao estilo, elegância, identidade, estética e luxo – características que fizeram com que a área se transformasse, ao longo dos anos, nessa arte notória. No Brasil, já temos nossas representantes, exemplares da moda consciente. Designers que inovaram com coragem e persistência e agora, mais do que nunca, começam a se destacar e ganhar reconhecimento, também inspirando novas gerações de profissionais.

Também de Londres e igualmente renomada, a designer Stella McCartney praticamente dispensa apresentações de seu “ativismo fashion”. Vegetariana convicta e defensora da causa, assim como seu pai, o Beatle Paul McCartney, deixa claro que não usa matéria prima animal, como couro e peles. Frequentemente participa de eventos e campanhas pela moda cruelty free, apoiando ONGs como o Fashion Revolution, ITC Ethical


ANA SUDANO Gaúcha que mora no Rio de Janeiro, Débora escolheu trabalhar com o upcycling em sua marca Lusco Fusco para colocar em prática a consciência para questões ambientais. Sua base é o aproveitamento total de tecidos e retalhos vindos de confecções, para o mínimo possível de desperdício e o apoio à mão de obra local. Além das roupas, ela mantém um blog da marca onde escreve sobre os conceitos da moda sustentável e o consumo consciente. Nesse ano, lançou também o FanZine Semente, uma publicação independente que aborda moda, design e sustentabilidade mostrando projetos sustentáveis que estão fazendo a diferença pelo Brasil. É gratuito para os assinantes de sua newsletter.

GABRIELA MAZEPA Estilista há 15 anos, a mineira de Nova Lima, logo ao lado de Belo Horizonte, já trabalhou com profissionais e marcas de renome, como Graça Ottoni, Printing, Patricia Motta, Alphorria, Gilda Midani e Animale. No ano passado, seguindo a proposta consciente da moda em que acredita, lançou sua própria marca, a Grama Roupas Ecológicas, onde ações e políticas empresariais socioambientais são o foco. Atuam com diversas comunidades e ONGs em Nova Lima, incluindo um grupo carcerário, para empoderamento e comércio justo. A marca já participou, com premiações, do Minas Trend Preview e do Paraty Eco Fashion. Também desfilou seu Inverno 2015 no Vancouver Fashion Week, em março desse ano, no Canadá.

FERNANDA CANNALONGA Nós já falamos aqui do trabalho com upcycling dessa estilista curitibana, que, em seu ateliê no Rio, onde mora, (des)costura e transforma com sua marca Gabriela Mazepa, reaproveitando o que já está pronto e “abrasileirando” suas criações, para que cada uma delas carregue sua própria história. Ela já chegou a fazer parceria com uma das maiores facções do Sri Lanka, transformando peças com pequenos defeitos e coleções passadas em roupas e acessórios novos. Seu talento com o reaproveitamento na moda foi reconhecido no Prêmio Brasil Criativo, onde foi semifinalista, e, atualmente, faz parte do movimento Roupa Livre.

MODA CONSCIENTE /19


ENTREVISTA COM REGINA LINS ENTREVISTA COM PSICANILISTA ANALISA OS RELACIONAMENTOS NA ATUALIDADE E PROMOVE UMA CONVERSA ABERTA SOBRE DESEJOS E MODERNIDADE Escrito por Vladimir Maluf/ foto: Guto Lins

VOCÊ SENTE CALAFRIOS SÓ DE PENSAR QUE NÃO TEM DOMÍNIO SOBRE A VIDA SEXUAL DO SEU PARCEIRO OU PARCEIRA? SEGUNDO A PSICANALISTA E ESCRITORA REGINA NAVARRO LINS, ACREDITAR QUE É POSSÍVEL CONTROLAR O DESEJO DE ALGUÉM É APENAS UMA DAS MENTIRAS DO AMOR ROMÂNTICO. “É COMUM ALIMENTAR A FANTASIA DE QUE SÓ CONTROLANDO O OUTRO HÁ A GARANTIA DE NÃO SER ABANDONADO”, AFIRMA ELA, QUE LANÇOU RECENTEMENTE “O LIVRO DO AMOR” (ED. BEST SELLER). DIVIDIDA EM DOIS VOLUMES (“DA PRÉ-HISTÓRIA À RENASCENÇA” E “DO ILUMINISMO À ATUALIDADE”), A OBRA TRAZ A TRAJETÓRIA DO AMOR E DO SEXO NO OCIDENTE DA PRÉ-HISTÓRIA AO SÉCULO 21 E EXIGIU CINCO ANOS DE PESQUISAS. REGINA, QUE É CONSULTORA DO PROGRAMA “AMOR & SEXO”, APRESENTADO POR FERNANDA LIMA NA REDE GLOBO, ACREDITA QUE, NA SEGUNDA METADE DESTE SÉCULO, MUITA COISA AINDA VAI MUDAR: “TER VÁRIOS PARCEIROS SERÁ VISTO COMO NATURAL. PENSO QUE NÃO HAVERÁ MODELOS PARA AS PESSOAS SE ENQUADRAREM”, DIZ ELA. LEIA A ENTREVISTA CONCEDIDA PELA PSICANALISTA AO UOL COMPORTAMENTO.

20 / AMOR E SEXO


Atua comportamento: Na sua pesquisa para escrever “O Livro do Amor”, o que você encontrou de mais bonito e de mais feio sobre o amor?

feitas pelo amado, que não é possível amar duas pessoas ao mesmo tempo, que quem ama não sente desejo sexual por mais ninguém.

Regina Navarro Lins: Embora “O Livro do Amor” não trate do amor pela humanidade, e sim do amor que pode existir entre um homem e uma mulher, ou entre dois homens ou duas mulheres, a primeira manifestação de amor humano é muito interessante. Ela ocorreu há aproximadamente 50 mil anos, quando passaram a enterrar os mortos –coisa que não ocorria até então– e a ornamentar os túmulos com flores. O que encontrei de mais feio no amor foi a opressão da mulher e a repressão da sexualidade.

“O Livro do Amor” (ed. Best Seller) é dividido em dois volumes: “Da Pré-História à Renascença” e “Do Iluminismo à Atualidade”

Atua comportamento: Como você imagina a humanidade na segunda metade deste século? Regina Navarro Lins: Os modelos tradicionais de amor e sexo não estão dando mais respostas satisfatórias e isso abre um espaço para cada um escolher sua forma de viver. Quem quiser ficar 40 anos com uma única pessoa, fazendo sexo só com ela, tudo bem. Mas ter vários parceiros também será visto como natural. Penso que não haverá modelos para as pessoas se enquadrarem. Na segunda metade do século 21, provavelmente, as pessoas viverão o amor e o sexo bem melhor do que vivem hoje.

Atua comportamento: Você fala sobre as mentiras do amor romântico. Quais são elas? Regina Navarro Lins: O amor é uma construção social; em cada época se apresenta de uma forma. O amor romântico, que só entrou no casamento a partir do século 20, e pelo qual a maioria de homens e mulheres do Ocidente tanto anseia, não é construído na relação com a pessoa real, que está ao lado, e sim com a que se inventa de acordo com as próprias necessidades. Esse tipo de amor é calcado na idealização do outro e prega a fusão total entre os amantes, com a ideia de que os dois se transformarão num só. Contém a ideia de que os amados se completam, nada mais lhes faltando; que o amado é a única fonte de interesse do outro (é por isso que muitos abandonam os amigos quando começam a namorar); que cada um terá todas as suas necessidades satis-

A questão é que ele não se sustenta na convivência cotidiana, porque você é obrigado a enxergar o outro com aspectos que lhe desagradam. Não dá para manter a idealização. Aí surge o desencanto, o ressentimento e a mágoa.

Atua comportamento: Por que você diz que o amor mântico está dando sinais de sair de cena? Regina Navarro Lins: A busca da individualidade caracteriza a época em que vivemos; nunca homens e mulheres se aventuraram com tanta coragem em busca de novas descobertas, só que, desta vez, para dentro de si mesmos. Cada um quer saber quais são suas possibilidades, desenvolver seu potencial.O amor romântico propõe o oposto disso, pois prega a fusão de duas pessoas. Ele então começa a deixar de ser atraente. Ao sair de cena está levando sua principal característica: a exigência de exclusividade. Sem a ideia de encontrar alguém que te complete, abre-se um espaço para outros tipos de relacionamento, com a possibilidade de amar mais de uma pessoa de cada vez.

Atua comportamento: E como fica o casamento? Regina Navarro Lins: É provável que o modelo de casamento que conhecemos seja radicalmente modificado. A cobrança de exclusividade sexual deve deixar de existir. Acredito que, daqui a algumas décadas, menos pessoas estarão dispostas a se fechar numa relação a dois e se tornará comum ter relações estáveis com várias pessoas ao mesmo tempo, escolhendo-as pelas afinidades. A ideia de que um parceiro único deva satisfazer todos os aspectos da vida pode vir a se tornar coisa do passado.

AMOR E SEXO /21


Atua comportamento: Só de pensar na possibilidade de ter um relacionamento em que a monogamia não é uma regra, muitos casais têm calafrios. Por que? Regina: Reprimir os verdadeiros desejos não significa eliminá-los. W.Reich [psicanalista austríaco] afirma que todos deveriam saber que o desejo sexual por outras pessoas constitui parte natural da pulsão sexual. Pesquisando o que estudiosos do tema pensam sobre as motivações que levam a uma relação extraconjugal na nossa cultura, fiquei bastante surpresa. As mais diversas justificativas apontam sempre para problemas emocionais, insatisfação ou infelicidade na vida a dois. Não li em quase nenhum lugar o que me parece mais óbvio: embora haja insatisfação na maioria dos casamentos, as relações extraconjugais ocorrem principalmente porque as pessoas gostam de variar. As pessoas podem ter relações extraconjugais e, mesmo assim, ter um casamento satisfatório do ponto de vista afetivo e sexual. A exclusividade sexual é a grande preocupação de homens e mulheres. Mas ninguém deveria se preocupar se o parceiro transa com outra pessoa. Homens e mulheres só deveriam se preocupar em responder a duas perguntas: Sinto-me amado(a)? Sinto-me desejado(a)? Se a resposta for “sim” para as duas, o que o outro faz quando não está comigo não me diz respeito. Sem dúvida as pessoas viveriam bem mais satisfeitas.

Atua comportamento: Como as pessoas poderiam viver melhor no amor e no sexo? Regina: Para haver chance de se viver a dois sem tantas limitações, homens e mulheres precisam efetuar mudanças na maneira de pensar e de viver.Acredito que para uma relação a dois valer a pena, alguns fatores são primordiais: total respeito ao outro e ao seu jeito de ser, suas ideias e suas escolhas; nenhuma possessividade que possa limitar a vida do parceiro; poder ter amigos e programas em separado; nenhum controle da vida sexual do parceiro, mesmo porque é um assunto que só diz respeito à própria pessoa. Poucos concordam com essas ideias, pois é comum se alimentar a fantasia de que só controlando o outro há a garantia de não ser abandonado. A questão é que não é tão simples. Para viver bem é preciso ter coragem.

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FOTO: RETRATO DA PSICANALISTA REGINA NAVARRO LINS, 2014


TÍTULO SECÇÃO

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