Copyright © Megan Maxwell, 2014 Copyright © Editorial Planeta, S.A., 2014 Copyright © Editora Planeta do Brasil, 2015 Título original: Melocotón loco Todos os direitos reservados Preparação: Paula Nogueira Revisão: Fernanda Iema Diagramação: Vivian Oliveira Capa: Marcos Gubiotti Imagem de capa: ©Udra 11/Shutterstock e freepik. adaptação para eBook: Hondana Os personagens e eventos apresentados nesta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou falecidas é mera coincidência.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
ZZZZ M419p Maxwell, Megan Pela lente do amor / Megan Maxwell; tradução Sandra Martha Dolinsky. – 1. ed. – São Paulo: Planeta, 2015. Tradução de: Melocotón loco ISBN 978-85-422-0586-2 1. Ficção americana. I. Dolinsky, Sandra Martha. II. Título.
15-24682
2015 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA. Rua Padre João Manoel, 100 – 21º andar Edifício Horsa II – Cerqueira César 01411-000 – São Paulo – SP www.planetadelivros.com.br atendimento@editoraplaneta.com.br
CDD: 813 CDU: 821.111(73)-3
Este livro é dedicado a todas as pessoas que acreditam em amor à primeira vista. Não há nada mais bonito que esse momento mágico. A nós! Beijinhos, Megan
Sumário
Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Epílogo
1
Londres, 22 de junho de 2005 — Pato... Venha aqui! Quero te mostrar uma coisa! — gritou Lucy, abrindo a porta do quarto de sua irmã. — Que saco, Nana! Por que você entra sem bater? — reclamou a outra com expressão de torpor, largando o espelho que tinha nas mãos. Lucy, ao ver o que sua irmã estava fazendo, aproximou-se e disse com carinho: — Não se preocupe. Amanhã você estará ótima! Certeza que o doutor Jacobs fez um bom trabalho e não vai ficar cicatriz. Pato, cujo nome era Ana Elizabeth, sorriu. O que menos a preocupava era usar um curativo na testa no dia do casamento de Lucy; nem mesmo se a cicatriz se notasse com o passar do tempo. Sua preocupação era como havia se ferido. Algo que não havia contado. — Venha, ande! Acabaram de trazer o vestido de noiva e quero que o vejamos juntas. — Agora? — Sim, agora — exigiu Lucy. — Mamãe e Elsa o levaram ao meu quarto e... e... Ande, vamos! Deixando-se levar pela euforia de sua irmã, Ana sorriu e correu para o quarto de Lucy. Ao chegar diante da porta, esta última parou e, cobrindo os olhos, disse em tom suplicante: — Abra você, e antes de eu olhar, diga se é tão bonito quanto da última vez que o provei em Paris. — Mas, Nana... — protestou Ana. — Ande, ande, ande... Pato, por favoooor! Ana, suspirando com resignação diante da insistência da irmã, abriu a porta. Diante dela, pendurado na cortina por um cabide, estava o objeto de adoração de Lucy. Seu vestido de noiva. Durante uns segundos o observou, e embora ela não gostasse muito dessas roupas tão pomposas, sorriu. Ela ficaria maravilhosa com aquele vestido de corte imperial off-white. — É maravilhoso. Você vai ficar linda. Então, a futura noiva tirou a mão dos olhos, entrou no quarto e, depois de dar uns pulinhos, bem típicos dela, começou a berrar. — Adorei, adorei! Oh, Deeeeeeus, vou ficar lindíssima! — Sem dúvida — sorriu Ana, que não partilhava do egocentrismo da irmã. Incapaz de conter a alegria, a jovem continuava pulando, até que disse: — Já falei que adorei, que fiquei maluca e que estou apaixonada por meu vestido Balenciaga? — Sim. — Stephanie e Myrian vão morrer de inveja quando o virem. Ana assentiu. Essas meninas eram as melhores amigas de sua irmã, garotas tão esnobes e superficiais quanto Lucy, que só pensavam em estar bonitas, em moda e em homens. Nessa ordem. — Ande, ponha a mão. Não é incrível? — Sim, incrível. — E veja o véu. Ohhh, vou ficar espetacular com esse véu! Durante mais de vinte minutos Lucy gritou e pulou diante de seu vestido de noiva enquanto Ana, sentada na cama, escutava e curtia aquela loucura. Lucy era escandalosa e, às vezes, estressante, mas Ana sabia que quando se separassem, incondicionalmente sentiria falta dela. Quando por fim a futura senhora Edwards se acalmou, sentou-se ao lado da irmã e perguntou:
— Pato, você vai ajeitar as coisas com Warren? — Não. — Caramba! Mas precisa. — Não — respondeu Ana, categórica. — E ele não vai ao casamento. Eu o proibi. De olhos arregalados, Lucy exclamou: — Mamãe vai ficar furiosa quando souber! Ela adora Warren. — Ouça, Nana, acabou. E por mais que mamãe adore Warren, não é ela quem tem que suportá-lo. —Coçou a orelha e, mentindo, disse: — Nós dois resolvemos terminar, e não quero mais vê-lo. — Mas pense, Ana — insistiu Lucy. — Warren é bonito e tem uma posição maravilhosa, e... — Warren não é o que eu quero para mim, Nana — suspirou Ana, incomodada. — Mas ele e os pais são nossos amigos da vida toda... — Espero que continuem sendo, mas eu não quero tornar a vê-lo — esclareceu. — E, por favor, ajude-me a fazer papai e mamãe entenderem. Apesar de que, bem, já conto com o histerismo de mamãe. — Mas o que aconteceu para você terminar com o Warren gatíssimo? — Nana — disse Ana, cravando os olhos na irmã —, não quero falar nisso. Lucy abraçou a irmã. Ela era a melhor, apesar de muitas de suas amigas a considerarem estranha porque não gostava de rosa nem de ir ao cabeleireiro todos os dias. — Tudo bem, estou sendo chata. Ana por fim esboçou um sorriso, e então Lucy perguntou: — Quando pretende contar seus planos a papai e mamãe? — Não sei. — Caraca, Patoooooo! — É que não encontrei o momento de falar, e não quero estragar seu casamento. — Você precisa contar já. Amanhã vou me casar e viajar em lua de mel, não estarei aqui para apoiá-la. — Eu sei. Ana sorriu de novo. Adorava a irmã, embora não tivesse nada a ver com ela e seu jeito de ver a vida. Pensou em lhe contar a verdade sobre Warren, mas no fim decidiu poupar-lhe o sofrimento. — Você tem que contar hoje. — Tudo bem, tudo bem... Lucy olhou para Ana e assentiu. — Não se preocupe, Pato, eles vão entender, tenho certeza. Mamãe vai nos deleitar com um de seus showzinhos histéricos cheios de soluços e expressões como “o que as pessoas vão dizer?”, mas papai vai compreender e acalmá-la. Você vai ver. — Espero que sim. — E após olhar de novo o vestido de noiva, perguntou: — Tem certeza de que Christopher é o homem de sua vida? — Sim, absoluta. Christopher Edwards, seu futuro cunhado, não era objeto de devoção de Ana. Era simples e dócil demais para Lucy. Nos dois anos de relacionamento, ela tentara falar disso com a irmã, mas Lucy estava encantada por aquele belo jovem que trabalhava com seu pai. Não havia nada a fazer. — Você só tem 21 anos, Nana. Por que tanta pressa em se casar? — Porque quero ser uma noiva jovem, linda e divina. Ana não se surpreendeu com a resposta, de modo que depois de virar os olhos, prosseguiu: — Você ainda está estudando. Não viajou, não viveu. Por que se casar tão cedo? — Mas você viu este vestido Balenciaga? Acha pouco cortar suas asinhas por um vestido desses?
— Oh, Deus, Nana... você não tem jeito! — Ande, vamos... eu o amo, amo minha festa grandiosa, a lua de mel, o vestido espetacular, minha independência de papai e mamãe... acha pouco? — E ele ama você? Sem sombra de ter se ofendido, a futura noiva se levantou da cama e, apontando para si mesma, sussurrou: — Como não vai me amar? Você já me viu? Já viu como eu fico neste jeans Versace com sapatos Jimmy Choo? — Sim, minha filha, sim. Já vi, mas quer fazer o favor de responder ao que estou perguntando? Afastando do rosto seus cabelos sedosos, tão diferentes do cabelo curto de sua irmã, a orgulhosa futura senhora Edwards respondeu: — Vou te responder como vejo isso. Sou filha do diretor geral da BBC, Frank Barners. Minhas medidas são perfeitas. Sou linda, jovem e tenho estilo. Minha pele é firme e sem um único poro aberto. Meu cabelo, sedoso e cuidado. Não tenho celulite, nem estrias, nem nada que destoe de meu corpo estilizado e bem cuidado. Uso o número 34 dos melhores estilistas e sou divertida e loquaz. Que mais ele pode pedir? Sem se surpreender com o discurso, Ana pensou: esqueceu de dizer que é modesta. Mas tocando o curativo na testa, sorriu. Ia responder quando a porta se abriu e seus pais, Frank e Teresa, apareceram. Lucy, esquecendo a conversa que mantinha com sua irmã, correu para seu pai e gritou: — Papai, amanhã vou ficar deslumbrante. O Balenciaga é o vestido de noiva mais bonito que já vi na vida! Frank Barners, um elegante e cavalheiro homem de negócios, trocou um olhar com sua filha Ana, que sorriu para ele. — Acho que, em beleza, você supera o vestido, Lucy — comentou ele. — Obrigada, papaaaai! — exclamou a moça. — Nana... não é por nada, mas você gosta de um elogio, não? — debochou Ana diante da lisonja de seu pai. — Está com ciúmes, Pato? — perguntou Lucy. Então Teresa Domínguez, olhando para sua filha mais velha, interveio: — Quando vão parar de usar esses apelidos horríveis? Pato e Nana! Quantas vezes já lhes disse para que se chamem pelo nome, Ana Elizabeth e Lucy Marie? — E sem esperar que respondessem, prosseguiu: — A propósito, Ana Elizabeth, você está bem, querida? — Sim, mamãe. Não se preocupe. — Que fatalidade! Cair dias antes do casamento... — lamentou a mulher. Preocupado, Frank se aproximou da filha e, tocando-lhe a cabeça enquanto observava o curativo na testa e o pequeno inchaço em sua bochecha, perguntou: — Não está tonta, não é? — Não, papai, sério. E você, mamãe, fique tranquila. Já falei com Karen, a maquiadora, e ela disse que irá camuflar toda e qualquer sequela do meu tombo. Ninguém vai notar nada. — Filha... o que importa é que você esteja bem — esclareceu seu pai. — Mas eu estou bem — respondeu Ana sorrindo. — E amanhã, para o casamento, estarei melhor. — Aliás, Ana Elizabeth — disse sua mãe mudando o tom —, acabei de falar com Warren Follen, e ele me disse que não vem ao casamento. Você tem algo a ver com isso? Afastando a franja para o lado, Ana olhou para sua mãe e disse, firme: — Claro que tenho a ver, mamãe. Nós terminamos, e eu lhe disse que não quero que venha ao casamento. Algum problema? — Algum não. Muitos!
— Querida... — advertiu Frank. Mas Teresa ignorou a chamada de atenção e gritou, encarando a filha: — Não sei o que você tem na cabeça além de vento! Warren e seus pais são gente influente aqui em Londres e amigos da vida toda e... e não acho certo que ele não venha. Além do mais, pense: sua irmã mais nova vai se casar antes que você! Esse comentário conseguiu fazer Ana soltar uma gargalhada e, sem se importar com a expressão da mãe, replicou: — Mamãe, eu sou só dois anos mais velha que Nana. Tenho 23! Se alguém a ouvir vai pensar que... — Exato! Vai pensar que você é uma jovem amargurada e uma futura solteirona. E assuma, você nunca teve a facilidade de Lucy Marie para se comunicar com os outros. — Sim, mamãe, eu sei. Ela é a filha linda e eu a feia. Eu sei... eu sei... — Você não é feia — protestou Lucy, intercedendo por sua irmã. — Mas que bobagem está dizendo, mulher! — gritou Frank ao escutar sua esposa. — Quem ousou dizer que minha Ana é feia? Simplesmente são duas mocinhas diferentes, só isso. — Papai, não se preocupe — disse Ana rindo. Mas sua mãe não se deu por vencida. — Eu não disse nem nunca direi que Ana Elizabeth é feia. Não é. Mas olhe para ela. Acha que alguém vai olhar para ela? Frank desviou a olhar para suas filhas e sorriu. Lucy era toda cor, feminilidade, cachos claros e sedosos, glamour e frisson num único pacote. Já Ana fazia o tipo jeans e camiseta, tinha o rosto miúdo emoldurado por cabelos curtos e escuros e óculos retrô. Dois estilos muito diferentes. Ana, divertindo-se com a expressão de seus pais, foi dizer algo, mas sua mãe se antecipou: — Como se atreve a terminar com Warren justo agora? Ele é um excelente partido. O pai dele é membro ativo da Câmara dos Lordes! — Mamãe, isso não me interessa. Quando você vai perceber que eu não dou a mesma importância que você para certas coisas? — queixou-se. — Warren é rico — continuou sua mãe —, de uma boa família, bem-apessoado, ama você do jeito que é e tem suas próprias empresas. O que mais você pode pedir? — Outras coisas, mamãe. Outras coisas — murmurou Ana, desencantada. Seu pai a olhou com carinho. Perceber tristeza nos olhos de sua filha o estava matando. O que estava acontecendo com ela? — Não sei por que você terminou com ele. Repito que Warren é um excelente partido; além do mais, nós o conhecemos da vida toda e sabemos que tratará você como uma rainha. Respirando fundo, Ana suspirou. O maravilhoso Warren de maravilhoso só tinha o nome. — Ouça, mamãe, esse maravilhoso Warren que você adora — sibilou com raiva — não entra em meus planos. Portanto, assunto encerrado, e não insista, porque não tem volta. Então, Teresa se sentou dramaticamente na cadeira que estava ao lado do vestido Balenciaga e gemeu. Warren era um candidato magnífico para sua filha e não pretendia deixá-lo escapar. Ana, ainda abalada pelo ocorrido, mas certa de que aquele era o melhor momento para dar a notícia que tinha que dar, olhou para sua irmã, e esta assentiu. Pôs-se a seu lado e lhe deu a mão. Para Frank, esse gesto não passou despercebido. — Agora que estamos os quatro aqui, quero lhes dizer uma cosa importante. — Você está grávida?! —interrompeu-a sua mãe. — Mamãe, por favoooor! — exclamou Ana. E olhando para ela, perguntou em tom de desafio: — E se estivesse, qual o problema? Seria um pecado? — Seria vergonhoso! — gritou a mulher, histérica. — Ora, mamãe, por favor. — Diga ao menos que é de Warren — rogou ela, esperançosa.
— Não, mamãe. Dramatizando como nas melhores tragédias de Shakespeare, Teresa berrou: — Pelo amor de Deus, Frank! Não é de Warren! A menina, grávida e solteira. É um desastre. Estaremos na boca de todo mundo em Londres. Ana sorriu. Sua mãe e seus histerismos... Mas, ao ver a expressão de seu pai, negou com a cabeça, e este, aliviado, assentiu. Lucy suspirou. Sua mãe era uma histérica, mas sua irmã era uma pentelha. Incapaz de ficar sem fazer ou dizer nada, olhou para Ana e sibilou: — Por favor, pare de jogar lenha na fogueira, bonitinha. Diga à mamãe que não é verdade, ou ela vai ter um troço, e em vez de ir a um casamento amanhã, iremos a um funeral. — Ouça, mamãe — esclareceu Ana —, não estou grávida. Eu só queria dizer a você e a papai que preciso fazer uma mudança em minha vida. E, por isso, no mês que vem vou me mudar para a Espanha. — Você vai para a Espanha?! — berrou Teresa, histérica. Frank balançou a cabeça e pegou a mão de sua mulher enquanto sua filha prosseguia: — Arrumei um emprego de fotógrafa por lá, em uma revista de moda. — Não pode ser! — gemeu Teresa de novo. — Você tem que se casar, ter filhos... — Chega, mamãe! — gritou Ana, cada vez mais irritada. — Você pretende chorar e fazer uma cena para tudo o que eu disser? — Ah, Ana Elizabeth, com esse seu jeito de ser está jogando por terra todos os planos que eu tinha para você! Achei que você se casaria com Warren, teria filhos lindos, tomaríamos chá juntas e você moraria em Kensington, em uma casa linda e luminosa. — Bem, sinto muito. Eu tenho meus próprios planos para minha vida — afirmou a jovem. Frank ia falar, mas sua mulher se antecipou aos gritos: — Você não precisa trabalhar em uma revista! Seu pai e eu lhe demos os melhores estudos! Você é advogada! Fala três idiomas. Por que vai trabalhar como fotógrafa? — Porque é o que gosto de fazer, mamãe. E se terminei a faculdade foi porque você queria, não eu. — Mas... mas você disse que gostava — insistiu a mulher. — E gosto, mamãe. Mas minha paixão mesmo é a fotografia. Quero ser fotógrafa. — Ah, não! Nem pensar! Primeiro você termina com seu namorado, e agora vai para a Espanha? Nem pensar! — Eu vou, mamãe. Quer você queira, quer não, vou morar em Madri. — Nem pense nisso! — opôs-se Teresa, gesticulando. — Não me importa o que você diga, mamãe. Tenho 23 anos, sou maior de idade e acho que já é hora de eu começar a tomar minhas próprias decisões. — Desgostos... Você só me dá desgostos. Por que não pode ser uma boa filha, como Lucy? Ana ia responder, mas sua mãe prosseguiu: — E como se não bastasse, quer morar em Madri, uma cidade que você sabe que não me traz gratas recordações, e... e... Ana suspirou. Sua mãe era espanhola, especificamente de Madri. Mas, depois de conhecer seu pai e se casar com ele, havia ido para Londres para viver em sua rica casa de Saint James, esquecendo que em sua juventude, depois de sair do orfanato, havia vivido em um apartamentinho de 70 m2 em Villaverde. — Mamãe, já chega. Por favor, quer escutar o que Pato tem a dizer? — Vocês sabem que sempre gostei de fotografia e que fiz vários cursos que me interessavam além do Direito. Tentei ser uma boa filha, embora mamãe pense o contrário, mas simplesmente preciso mudar minha vida. Quero recomeçar em outro lugar, por isso aceitei esse emprego em Madri,
porque minha intenção é ganhar experiência e tentar abrir meu próprio estúdio fotográfico. — Isso eu posso lhe proporcionar, meu amor — respondeu seu pai, emocionado. — Se quiser, posso lhe dar seu estúdio fotográfico sem que precise trabalhar para os outros, e... — Papai — interrompeu ela —, você sempre me falou da importância de lutar pelo que se quer. Sempre me disse que uma das coisas de que mais se orgulha pessoalmente é de ter chegado a ser quem é por seu próprio trabalho. E eu quero fazer isso. Quero conseguir as coisas por mim mesma, e não por ser a filha de... Por favor, entenda, preciso fazer isso e... e me afastar de Londres. Sabendo que havia algo de errado com sua filha, ele se afastou uns metros com ela e lhe perguntou: — Querida, o que aconteceu para que você queira ir embora? — Nada, papai — mentiu ela. — Não aconteceu nada. Mas quero começar de novo em um lugar onde possa ser eu mesma. “Afastar-me de Londres.” Essa frase tocara o coração de Frank. Sua filha não estava bem, e ele tinha certeza de que nem tudo se devia à separação de Warren. O que estava acontecendo? Não saber o inquietava, mas também não queria ser indiscreto e perguntar. Se Ana tinha algo para contar, ela mesma o faria. Mas ele não queria ver sua filha sofrer, e nos últimos meses, especialmente nos últimos dias, a garota não estava bem; via isso em seu olhar triste. Isso fazia seu coração sofrer. Ana era uma lutadora, não uma pessoa materialista como Lucy. Sempre havia tentado conseguir as coisas por seus próprios meios, e isso deixava Frank orgulhoso. Depois de olhar para sua mulher histérica, cravou os olhos em sua filha, e certo de que era o melhor, disse: — Tudo bem, Ana. Eu apoiarei sua decisão, mas prometa-me uma coisa. — O que, papai? — Que sempre que precisar de ajuda, seja para o que for, vai recorrer a mim, certo? — Claro, papai. Eu prometo. Dito isso, fundiram-se em um caloroso abraço enquanto Teresa, como era de se esperar, desmaiava diante da iminente partida de sua filha.
2
Madri, sete anos depois O ensurdecedor som das sirenes fez com que muitos dos moradores da Plaza de Santa Ana se empoleirassem em suas portas para ver o que estava acontecendo. Horrorizados, viram a fumaça sair de um dos apartamentos e os bombeiros tomando a praça. Instantes depois, a polícia começou a entrar pelas portas dos edifícios vizinhos ao incêndio para evacuar os moradores. Em um daqueles edifícios estava Ana, trabalhando no estúdio fotográfico. Alheia a tudo o que estava acontecendo, curtia a sessão de fotos que estava realizando para uma empresa de lingerie italiana. As modelos eram amigas, os maquiadores um doce e, pela primeira vez, todo mundo parecia relaxado e satisfeito. Com a voz de Prince embalando a sessão, Ana se dirigiu às modelos: — Meninas, mexam-se ao som da música e ergam os braços acima da cabeça enquanto olham para mim, ok? — As modelos obedeceram rapidamente e, enquanto apertava o disparador da câmera, Ana sussurrava: — Muito bem... muito bem... Estão lindíssimas. — Saí bem? Estou bonita? — perguntou uma das modelos. — Sim, Iris — assentiu Ana. — Ficou lindíssima. Nekane, a assistente de Ana, revirou os olhos. Iris era o suprassumo do egocentrismo. Depois de ter entrado na melhor agência de modelos da Espanha, achava-se a próxima Naomi Campbell. Depois de várias fotografias, Ana se voltou para sua assistente. — Neka, prepare o ob... Não pôde terminar a frase. Alguém estava socando a porta, e Nekane foi abrir. Dois segundos depois, com cara de assustada, entrou junto com um policial. — Temos que sair depressa. O prédio está pegando fogo. Foi ouvir a palavra “fogo” e as modelos e os dois maquiadores saíram voando; Iris foi primeiro, empurrando todo mundo. O policial, ainda surpreso pelo modo como os outros haviam saído, olhou para as duas garotas que permaneciam diante dele. — Moças — disse ele —, vocês precisam sair daqui já! Sem tempo a perder, Ana pegou alguns casacos e, com a câmera ainda na mão, alertou sua amiga. — Vamos, Neka! Temos que sair. Apressadas, abandonaram o apartamento acompanhadas pelo policial, e comprovaram que a escada estava cheia de fumaça. Isso as assustou! Aquilo parecia mais grave do que haviam pensado. Quando conseguiram sair pela portaria, ainda guiadas pelo policial, ficaram em uma lateral da praça. Segundos depois, ao ver que os policiais e os bombeiros olhavam para onde elas e as modelos estavam, Ana entregou os casacos às garotas a toda velocidade. Na pressa, elas haviam saído de calcinha e sutiã. — A fumaça está saindo da casa de Encarna — murmurou Neka, angustiada. — Espero que ela esteja bem — sussurrou Ana, aterrorizada. Se algo no mundo lhe dava pavor, era o fogo. E vê-lo tão perto e tão devastador a angustiava. Enquanto os bombeiros trabalhavam, Ana, de câmera na mão, começou a fotografar o que via. Imagens de gente assustada, fotos dos bombeiros em ação, até que, de repente, sua objetiva parou em um bombeiro que, no alto de uma escada móvel, aproximava-se de uma varanda. — Neka... Encarna está ali — anunciou, horrorizada.
A amiga tirou a câmera da mão de Ana, observou a situação através da objetiva e a seguir a devolveu com as mãos trêmulas. — Não se preocupe — assegurou. — O bombeiro vai ajudá-la. Você vai ver! Toda arrepiada e com o coração batendo a mil, Ana viu o bombeiro falar com Encarna; pelos gestos, devia estar pedindo calma. A mulher, no fim, obedeceu e, dois minutos depois, o homem chegou até ela, pegou-a no colo e a colocou na plataforma móvel da escada. Todo mundo que estava observando a ação boquiaberto irrompeu em aplausos emocionados. — Está vendo? — congratulou-se Nekane. — Eu disse que aquele “homão” ia salvá-la. Durante mais de uma hora os bombeiros trabalharam sem descanso, até que o pequeno incêndio que havia ocasionado uma grande fumaça foi extinto. Quando os paramédicos deixaram que Ana e Nekane se aproximassem de sua vizinha, ela gemeu ao vê-las. — Bendito seja Deus, meninas! Que susto! Que susto! — Você está bem, Encarna? — perguntou Ana, abraçando-a. — Sim, linda. Mas quase não estou aqui para contar. Ai, que angústia! — exclamou entre soluços, enxugando os olhos com um lenço. — Não pense nisso, Encarna. Não aconteceu nada e você está bem — afirmou Nekane sorrindo. — Mas o que aconteceu? Onde começou o fogo? — perguntou Ana, ainda abraçando a mulher. — Na cozinha. Eu estava fazendo as rosquinhas que prometi — explicou, e as garotas sorriram —, e como a novela estava começando, corri para a sala de jantar para não perder nem um segundinho. Achei que havia apagado o fogo, mas não. Quando me dei conta, a cozinha inteira estava em chamas e... — Sinceramente, Encarna, cada uma que você apronta só para que um bombeiro a pegue no colo... — debochou Nekane para fazê-la sorrir. Esse comentário, de fato, conseguiu arrancar um sorriso da mulher, que se aproximou ainda mais delas e murmurou: — Vocês viram que belos rapazes vieram? — Nem me fale! — sorriu Nekane ao ver vários bombeiros flertando com as modelos. — Estou vendo cada tordo que estou extasiada. Ana riu e bateu algumas fotos dos homens. Nekane era espirituosa. Mas Encarna não havia entendido o que a jovem havia dito. — Tordo? O que é tordo? — perguntou. Nekane, divertindo-se, olhou de cima a baixo um dos bombeiros que trabalhava diante delas. — É uma expressão de minha linda terra — esclareceu. — Quando alguém de Navarra, como eu, vê um homem bonito costuma dizer “que tordo!”. — Cada coisa que eu escuto... — disse Encarna rindo. E, indicando vários bombeiros, acrescentou: — Vejam como flertam com essas garotas. São as modelos de vocês, não é? — Ambas assentiram, e a mulher sussurrou: — Que linda juventude! Ana sorriu. Estava observando fazia um tempo os vários bombeiros e os policiais mais jovens se aproximarem das modelos. — Veja como Iris está contente — indicou, olhando para Nekane. — Ai, meu Deus! — riu Nekane. — Olhe só para ela, como está entregue à causa. — Posso dizer uma coisa? — perguntou Encarna. — Claro! — responderam as duas. — É sobre sua amiga, Nekane. — Bah! Digamos que é só uma conhecida. E se você vai dizer que ela é uma idiota, eu já sei! Encarna, sabendo o que Nekane pensava, assentiu, e tocando o queixo, acrescentou sem papas na língua:
— Essa sua amiga, para meu gosto, é uma vadia. — Nem me fale. Depois dizem que as piores são as que usam tatuagens e piercings — debochou Nekane, fazendo sua amiga rir. — Mas, bem — interveio Encarna de novo—, vocês viram como ela abre o casaco para mostrar as coxas? — E não só as coxas. Que vadia! — suspirou Nekane. — Neka! — protestou Ana. — Ah, nem vem! — cortou Encarna. — Que diabos ela está fazendo mostrando as coisas para esses homens? Que sem-vergonha! — Encarna! — exclamou Ana rindo. — É uma vadia mesmo — disse Nekane. — Mas quando ela me pediu com esses olhinhos que eu a acolhesse em minha casa por alguns meses, não pude dizer não. Mas faz tempo que me arrependi. Durante um tempo as três ficaram observando a moça enquanto ela mostrava todo seu amplo leque de piscadelas, beicinhos e poses sexy para todo bombeiro ou policial robusto que se aproximasse. Iris parecia estar se divertindo muito cercada por esses homens que babavam por ela. Estavam entretidas contemplando o espetáculo quando um dos bombeiros se aproximou delas. Era o que havia ajudado Encarna. Esta, ao reconhecê-lo, levantou-se e o abraçou. — Obrigada, meu lindo, por me tirar viva desse inferno. Ana, com aquele bombeiro a dois palmos dela, sentiu um estranho calafrio seguido de um nó no estômago ao vê-lo sorrir e revelar duas covinhas sensuais em seu rosto másculo. Ele era enorme e viril. Quando tirou o capacete, ela viu que ele tinha cabelos escuros, impressionantes olhos azuis, um nariz perfeito e lábios grossos e tentadores. Que gato!, pensou. A sua frente estava o mais tentador sonho para centenas de mulheres, certamente. Um bombeiro sexy e vigoroso de tirar o fôlego. Mas, mantendo a pose, ela nem se mexeu enquanto ele, sem olhar para Ana, respondia a Encarna. — De nada, senhora. É meu trabalho, e o faço com prazer. Mas tem que me prometer que vai ter mais cuidado a partir de agora quando cozinhar, e, especialmente, que vai se lembrar de tirar a frigideira do fogo, está bem? A galega assentiu e, segurando o braço dele, perguntou: — Você gosta de rosquinhas? A expressão do bombeiro se tornou risonha. — Claro. Adoro... Sem deixar que terminasse a frase, a mulher acrescentou: — Quando a cozinha estiver em condições de novo, vou fazer um pote para você e seus colegas, e vou levá-lo ao batalhão. — E olhando para as jovens que estavam a seu lado caladas, acrescentou: — E pedirei a estas duas preciosidades, aliás, solteiras e sem namorado, mas com empresa própria, que me acompanhem. As duas ficaram atônitas com o que Encarna havia acabado de dizer, e Ana sentiu um calor inesperado percorrer seu estômago. Antes que pudessem protestar, o impressionante sujeito de quase dois metros de altura olhou para elas e respondeu com um sorriso maroto: — Adoraremos recebê-las no batalhão. — Capitão! — gritou um dos homens de uniforme — Quando quiser, podemos ir. Enquanto o bombeiro assentia, outro companheiro se aproximou. — Rodrigo! Temos outro chamado — indicou. Ao ouvir seu nome, o jovem bombeiro deu meia-volta e, depois de piscar com cumplicidade para Encarna, disse, afastando-se: — Espero que cumpra sua palavra. Vou esperar essas rosquinhas! Uma vez que ele se afastou o suficiente, as garotas olharam para a mulher.
— Sua filha da mãe, Encarna! — Sibilou Nekane. — Que ideia a sua de dizer aquilo! — Meninas, vocês viram que capitão mais gato? — A propósito — protestou Ana enquanto acompanhava os movimentos do bombeiro —, por que disse aquilo? Agora ele vai se lembrar de nós como as solteiras e sem namorado. A mulher, com um sorriso maroto, olhou para elas e, deixando-as boquiabertas, murmurou: — Não sejam quadradas, garotas. Tordos como esse não se veem todos os dias. Naquela noite e nas seguintes Encarna dormiu no estúdio de Ana e Nekane. Sua casa, em especial a cozinha, não estava em condições de ser habitada, e embora realmente não houvesse acontecido nada, o cheiro de fumaça tornava impossível dormir ali. Enquanto jantavam na mesa da sala de jantar, Encarna, com sutileza, observava Iris enquanto ela falava pelo celular. Sem dúvida, a garota era lindíssima. Alta, cabelão louro de revista, olhos verdes rasgados, peitão duro e corpão, mas fora isso, era vazia. Mas não disse nada que pudesse ser ofensivo. Animada, Iris falava sem parar com uma amiga. Contava que no sábado havia combinado de jantar com um grupo de bombeiros madrilenses e depois ir ao Garamond, e incitava a outra a ir também. Sem se importar que a estivessem escutando, explicou que os bombeiros babaram olhando seus peitos e suas pernas, e que até a haviam cantado. Também não omitiu que vários deles eram escandalosamente bonitos. Após relatar a sua amiga o maravilhoso vestido que iria usar para impressioná-los, e os sapatos de salto de dez centímetros que iria calçar, desligou o celular. — Que foi? — Perguntou, colocando o cabelo atrás da orelha com o dedo mínimo ao ver que as outras a observavam. Ana e Encarna não responderam, mas Nekane não conseguiu se conter. — Evidentemente, você tem menos cérebro do que de um mosquito. Veio para Madri para trabalhar ou para dar bola para qualquer homem que olhe para você e diga que é linda de morrer? — As duas coisas. E desculpe, minha linda, mas eu tenho cérebro suficiente para fazer as duas coisas juntas. — Tem certeza? Mastigando um pedaço de peru, Iris olhou para Nekane. — Claro que sim — respondeu. — De qualquer maneira... — Cale-se, cale-se! — Eu só ia dizer que vocês também poderiam ir no sábado — acrescentou a modelo com uma cara séria. — Eu também? — Perguntou Encarna alegremente. Mas, ao ver a cara de Iris, dirigiu os olhos às duas garotas que tanto apreciava e disse com ironia: — Eu não vou, mas vocês duas vão. Vocês merecem sair com esses homões e se divertir. Nekane e Ana trocaram um olhar, e com um sorriso de cumplicidade assentiram. Por que não? No sábado à noite, um grupo de sete garotas chegou ao restaurante onde haviam marcado com alguns bombeiros. Os homens as receberam encantados, e depois dos beijinhos e apresentações, umas mais efusivas que outras, o grupo se sentou ao redor de uma enorme mesa e começou a jantar. Como Nekane e Ana já esperavam, os bombeiros se concentraram nas cinco lindas modelos. Não que elas fossem feias, mas é que as outras eram justamente modelos! E com sua aparência, seus olhares e suas insinuações, era difícil competir. — O que você acha de quando chegarmos ao Garamond nos separarmos do grupo? — Perguntou Nekane. — Ótimo! — Assentiu Ana, encantada.
— É que se eu continuar muito mais tempo com essas aí, juro que no fim vou sair nas páginas policiais dos jornais. Você viu quanta bobagem? Ana sorriu. De certo modo, o egocentrismo e o jeito de ser das garotas lhe recordavam sua irmã, e isso a divertia. Mas decidiu mudar de assunto. — Andrés ainda trabalha no Garamond? — Sim. — Legal! Bebidas grátis! — Aplaudiu Ana. Quando acabaram as sobremesas, todos foram, em diversos carros, ao Garamond. Ali os bombeiros encontraram outros amigos, e o grupo aumentou. Ana e Nekane se olharam. Era hora de fugir e ir em busca do amigo delas. Andrés adorou vê-las, e rapidamente lhes ofereceu dois drinques. Ele era louco por Nekane, mas ela não queria nada com o rapaz. Um tempo depois, as garotas começaram a conversar com um grupo. Ana reparou em um jovem, um suíço de cabelo claro, olhos azuis e sorriso cativante. Chamava-se Orson. Estava na Espanha a passeio e aquela era sua última noite no país. Ana ficou conversando animadamente com ele até que Nekane lhe deu uma cotovelada para atrair sua atenção. — Meu Deeeeeeus! Esse com quem a tonta da Iris está falando é de verdade ou é um manequim? Voltando-se, Ana notou uns sujeitos enormes que conversavam com Iris do outro lado da sala. — Qual dos armários? — O tordo moreno de calça preta, polo clara e bundinha arrebitada. Ana o observou. — Nossa, que bundinha mais linda! — Sussurrou. Mas, vendo seu acompanhante, acrescentou: — O sujeito que está ao lado desse que você falou, de jeans escuro e blusa cáqui de tricô... de onde eu conheço? Durante uns instantes ambas olharam para o rapaz, até que recordaram quem era. — Rodrigo! O bombeiro! — Sim... é ele. Mãe do céu, que gostoso! — Exclamou Ana, e seu estômago se contraiu. — Que tordo! — Assobiou Nekane. — Mas eu gosto mais do outro. É tão sexy! Ouça: e se formos lá cortar o barato da diva e fazer que ela nos apresente? Animada pelo momento e pela presença daquele homem que a atraía, Ana disse a Orson que logo voltaria. O suíço assentiu e continuou falando com o resto do grupo enquanto as duas garotas iam até onde estavam os outros. — Iris — disse Nekane com uma expressão divertida —, não vai nos apresentar? Ao ouvir seu nome, a jovem se voltou, olhou para elas e, com um falso sorriso, assentiu: — Estas são Nekane e Ana. Estes são Calvin e Rodrigo. Sem demora as jovens ficaram na ponta dos pés, decididas a dar-lhes um beijinho no rosto. Eles trocaram um olhar, divertidos. Depois que se cumprimentaram, Ana se apoiou no braço de Rodrigo para não cair e comentou com fingida descontração: — Você nós já conhecemos. O homem cravou seus espetaculares olhos azuis nela e, imediatamente duas maravilhosas covinhas marcaram suas faces. — Ah, é? De onde? Ana engoliu em seco enquanto aquele homem impressionante a olhava, e instintivamente umedeceu os lábios. Rodrigo era um homem sexy, e ela gostava muito disso. Mas, por alguma razão inexplicável, a presença daquele homem de arrasar fazia que se sentisse desajeitada e excessivamente nervosa. O que estava acontecendo com ela? Finalmente, como pôde, afastou a franja escura do rosto com um gesto divertido e respondeu: — Outro dia estávamos falando com você, quando salvou nossa vizinha, aquela cuja cozinha
pegou fogo. — Sim! Encarna lhe será eternamente grata — acrescentou Nekane. — A galega das rosquinhas? — Perguntou Rodrigo divertido. — Sim! — assentiram as duas em uníssono. — Então, vocês devem ser... as duas solteiras e sem namorado, mas com empresa própria, é isso? Diante do comentário, e vendo a ironia no olhar de Rodrigo, Ana deu um passo para trás e pensou: Sexy, mas imbecil. — Temos um estúdio fotográfico — esclareceu Nekane ao ver o gesto de sua amiga. O moreno de bundinha arrebitada que acompanhava Rodrigo ficou por um momento contemplando a garota de grande coque na cabeça, estilo anos 1960, laço rosa e cinto largo. — Posso perguntar que fantasia é essa? — Perguntou. Nekane cravou seus olhões escuros nele e sibilou: — Posso lhe perguntar em que mundo você vive, seu grosso? Boquiaberto, Calvin replicou: — Não, desculpe. Eu não quis ofender, mas é que aqui poucas garotas se vestem como você. — Ouça, bonitão, primeiro, não estou fantasiada; segundo, esta é minha maneira de vestir; e terceiro, você não manja nada de moda ou saberia que meu estilo retrô e irreverente se deve ao movimento dos anos 1950 e 1960. — Agora entendi — respondeu ele com um sorriso espetacular. — Você se veste como aquela cantora britânica que morreu. Sim, aquela que... — Amy Winehouse — sibilou Nekane. — Exato! — exclamou ele rindo. E, se aproximando dela, disse: — Vamos fazer as pazes. Assumo que sou grosso. Permita que lhe ofereça uma bebida. A navarra sorriu e deu de ombros. — Tudo bem... mas que fique registrado que só não vou discutir com você porque estou com sede. Rodrigo, ao ver que os dois se afastavam, olhou para a jovem morena que permanecia a seu lado, calada, e perguntou, aproximando-se mais: — Ana, você é fotógrafa? — Sim. Concentrando-se naquela moreninha de cabelos lisos, apoiou o ombro na parede e perguntou de novo, com voz melosa: — E que tipo de trabalho realiza? — De tudo um pouco — e, ao ver que ele a olhava diretamente nos olhos, esperando algo mais, continuou sem engasgar. — Com esta crise não se pode ser muito seletivo, mas não temos do que nos queixar. Temos bons clientes, e a maioria dos trabalhos que realizamos são para revistas de moda ou catálogos. — Que interessante! — Disse Rodrigo, e Ana sorriu. — Como se chama seu estúdio? — Objetivo 2. Durante um bom tempo os dois ficaram falando de fotografia. Rodrigo gostava dessa área, e Ana lhe explicou várias técnicas para tirar boas fotos, apesar de o nervosismo fazer seu estômago revirar. Meia hora depois, quando Iris se tocou de que os dois ainda continuavam conversando e de que seu alvo se aproximava cada vez mais de Ana, decidiu acabar com aquilo. Aproximando-se com passo seguro, pôs-se entre eles, e com voz cativante, dirigiu-se ao bombeiro: — Eu já lhe disse que sou modelo? Você é uma vadia, isso sim, pensou Ana, incomodada quando viu que Rodrigo parou de olhar para ela e respondeu em tom insinuante: — Sim, linda, eu sei.
— Trabalho para a agência Woman Perfect, e no outro dia estávamos em uma sessão fotográfica de lingerie feminina quando aconteceu aquele incêndio horrível — e fez biquinho. — Por isso eu estava só com aquele casaco... sem nada por baixo. Rodrigo sorriu como um lobo faminto. Cinco minutos depois, Ana se sentiu deslocada. Homens! Rodrigo não olhou para ela nem uma única vez mais. Ela se tornara invisível para ele, que só tinha olhos e palavras para a modelo. Decidiu voltar para o suíço, que sorriu encantado ao vêla de novo. Uma hora mais tarde, enquanto tomava um drinque, observou disfarçadamente Nekane, que conversava com o jovem bombeiro de bunda arrebitada, e sorriu. Sua amiga havia pegado um belo tordo. Depois, olhou com desdém para a idiota da Iris. Vadia! Com suas posezinhas e suas insinuações, havia capturado absolutamente toda a atenção do único homem que atraíra Ana no salão. Mas como ela era uma mulher prática, decidiu esquecer aquilo e se concentrar no suíço. Ele era muito agradável e simpático. Às cinco da manhã, os grupos começaram a dispersar, e quando Nekane lhe fez um sinal indicando que ia embora com o bombeiro, Ana assentiu. Ambas eram mulheres liberais e decidiam quando e com quem queriam estar. Atrás deles viu Iris sair com Rodrigo, e vinte minutos depois, o suíço de lindos olhos azuis sugeriu a Ana que fossem para seu hotel. Ela aceitou. A noite prometia ser excitante. E assim foi. Orson se mostrou um amante magnífico, e ambos passaram uma noite maravilhosa. Às nove da manhã, Ana chegou em casa. Estava cansada e feliz. Depois de deixar a bolsa em cima do sofá, tirou os sapatos de salto e os deixou na sala. Descalça, foi até a cozinha, separada da sala por um balcão, e fez um café com leite. Depois de aquecê-lo no micro-ondas, tirou-o e se sentou no encosto do sofá confortável, disposta a apreciá-lo com uma madalena antes de ir para a cama. Estava exausta. Mas, de repente, a porta do banheiro se abriu e o doce escorregou de seus dedos quando viu Rodrigo, o bombeiro, sair dali nu! — O que está fazendo aqui?! — Gritou, perplexa. Aquele homem impressionante olhou-a surpreso, e Ana sentiu a boca seca. Ele exalava poder, sensualidade e desejo por todos os poros da pele, e não escondia nem um centímetro do corpo. — Era o que eu ia perguntar — respondeu ele, franzindo o cenho. Ana, de pernas bambas, desceu do encosto do sofá e deixou a xícara na mesinha antes que caísse de suas mãos. O que aquele gostosão estava fazendo nu em sua sala? De algum jeito, pegou uma almofada do sofá, e, jogando-a para ele com maus modos para que cobrisse suas intimidades, berrou com cara de poucos amigos: — Esta é minha casa, este é meu banheiro e o que está cobrindo sua coisinha é minha almofada! — Tome, eu não pedi — disse ele, entregando-lhe a almofada. Boquiaberta com o descaro de Rodrigo, a jovem tapou os olhos com as mãos, fazendo drama. — Pelo amor de Deeeeus, quer fazer o favor de se cobrir? — Insistiu. Embora achasse a situação divertida, ele lhe obedeceu e, suspirando, disse: — Já me cobri. Pode olhar. Ana desobstruiu primeiro um olho e depois o outro. Ele se cobrira. E depois de reavaliar aquela figura imponente, perguntou: — Iris trouxe você aqui, não foi? — Ele assentiu, e ela gritou: — Iris! Saia agora mesmo do quarto, porque se eu tiver que tirar você daí, juro que vai se arrepender. Dois segundos depois, a modelo apareceu com cara de espanto e vestindo só uma camisa aberta. — Que ideia foi essa de trazer um homem para casa?! — Vociferou Ana, fora de si. — Você é
tonta, ou o quê? De onde você o conhece para enfiá-lo em minha casa? Rodrigo quis dizer que não era qualquer um, mas não pôde; primeiro, porque Ana estava furiosa, e segundo, porque, de certo modo, ela tinha razão. Elas não o conheciam. — Quer parar de berrar para que eu possa explicar? — respondeu Iris sem alterar a cara de espanto. — O que tem para explicar? Que você foi para a cama com ele em minha casa? Ouça, linda, isso já deu para notar. Rodrigo, antes que uma ou outra tornasse a gritar, disse olhando para Iris: — Ela tem razão. Se você me houvesse dito que aqui não era sua casa, eu não teria vindo. — Você cale-se e cubra-se — ordenou Ana. — Não se meta onde não foi chamado. — Mas eu... achei que... — insistiu a modelo. — Não me interessa o que você achou! — Gritou Ana sem que pudesse evitar notar a tatuagem que o bombeiro tinha no braço e que subia até o pescoço. Sexy, pensou. Mas fechou os olhos e prosseguiu: — Ouça, aqui não entra nenhum homem mais, entendeu? Porque se eu não trago para minha casa os homens com quem vou para cama por uma noite, por que você traria os seus? — Ela tem razão de novo — assentiu Rodrigo, surpreso com a sinceridade daquela moreninha irritada. — Que saco, desculpe! — Soltou Iris, indignada, e desapareceu no quarto deixando os dois sozinhos na sala. Mal-humorada, Ana se voltou para ele e o olhou com desdém. — Ela?! Essa ela sou eu? — perguntou. — Sim. — E posso saber por que não me chama pelo nome? — Porque não lembro seu nome. É uma boa resposta? — Confessou ele, erguendo a voz. Isso doeu em Ana. Horas antes haviam conversado um bom tempo sobre fotografia. Ela até achou que ia perder a compostura quando ele tocara seu cabelo e o bagunçara. E ele não recordava seu nome? Ofuscada pelo ocorrido, deu meia-volta disposta a ir para seu quarto, mas antes de abandonar a sala voltou-se, e apontando-lhe o dedo, disse: — Você... fora... quero... Digo, quero você fora de minha casa em cinco minutos. Se eu sair de meu quarto e você continuar aqui plantado, não me interessa se estiver nu ou vestido, vou expulsá-lo daqui! Ah! E deixe a almofada no banheiro, para lavar, entendeu? Depois de dizer isso, desapareceu no corredor, e a próxima coisa que o bombeiro ouviu foi uma incrível batida de porta. Rodrigo, ainda surpreso, sorriu. Aos 34 anos, era a primeira vez que lhe acontecia algo parecido. Mas como não estava disposto a permitir que aquela fera o expulsasse de casa nu, entrou no quarto de Iris e, depois de resistir aos biquinhos e às insinuações absurdas da modelo, vestiu-se e foi embora. A situação na casa de Ana ficou mais relaxada depois de alguns dias. Nekane explicou a Iris que não podia levar nenhum desconhecido para dormir lá. Uma coisa era alguém passar para buscá-la, ou para tomar um café, e outra muito diferente era um indivíduo que elas não conheciam andar pela casa com total liberdade. O tempo foi passando e Nekane, incentivada por sua amiga Ana, começou a sair com Calvin, o bombeiro de bunda arrebitada. Divertiam-se muito juntos, e apesar da vida dos dois não ter nada a ver uma com a outra, atraíam-se como dois ímãs. Um dia, uma grande nevasca surpreendeu a cidade de Madri que, logicamente, entrou em colapso. Já à noite, enquanto Ana e Nekane assistiam à televisão debaixo de suas mantinhas, tocou o interfone.
Ana se levantou para atender. — Quem é? — É Rodrigo. Pode pedir para Iris descer? Ao ouvir aquela voz, Ana não pôde evitar que surgisse em sua mente o momento em que o havia visto nu. Apoiando-se na parede, acalorada, respondeu: — Um momento. Quando desligou o interfone, foi até o banheiro e bateu na porta. — O bombeiro está ali embaixo esperando. Depressa. — O capitão? — E eu sei lá! — Protestou Ana, não disposta a lhe dar corda. Iris abriu a porta, ainda sem se arrumar e de cabelo molhado. — Não me maquiei ainda. Diga que espere — disse, e fechou a porta. Ana, enquanto caminhava de novo para a porta para dar o recado, olhou pela janela e sentiu frio ao ver a neve. Como ia deixá-lo na rua enquanto a outra acabava de se arrumar? — Rodrigo, você está aí? — Disse no interfone. — Sim. — Vai ter que esperar um pouco. Ela não está pronta. Ouviu-o blasfemar, e isso a fez sorrir, mas ficou perplexa quando ele perguntou: — Posso subir e esperar aí em cima? — Não. — Está um frio terrível, e nevando. — Pior para você — respondeu Ana, erguendo o queixo. Boquiaberto, Rodrigo assentiu. — Obrigado, simpática. Quando desligou o interfone, Ana voltou à sala. — Quem era? — Inquiriu Nekane. — Rodrigo — sibilou Ana, sentando-se na frente da tevê. — Veio buscar Iris, mas como ela ainda não está pronta, mandei-o esperar lá embaixo. Nekane olhou para a janela e intuiu o frio que devia estar fazendo debaixo da neve. — Coitadinho. Vai pegar uma pneumonia. — Não é problema meu. Ele que se agasalhe. Mas, vinte minutos depois, a consciência de Ana fez que se levantasse e pegasse de novo o interfone. — Rodrigo, ainda está aí? Ninguém respondeu. Tornou a perguntar, mas também não houve resposta. Sentia-se péssima, de modo que assim que desligou calçou umas galochas e vestiu um casaco comprido, sem pensar duas vezes. — Aonde você vai com essa neve? — perguntou Nekane. — Buscá-lo. Não suporto pensar que está passando frio por minha culpa enquanto a tonta da Iris continua se arrumando sem nenhuma pressa. Quando o elevador chegou ao térreo, Ana sentiu o frio glacial que fazia, e abrindo a porta do edifício, comprovou que Rodrigo não estava ali. Onde havia se metido? Olhou para a direita e não viu ninguém. Em seguida, olhou para a esquerda, e um movimento dentro de um carro chamou sua atenção; depois de limpar os flocos de neve do rosto, constatou que era ele. Com passo rápido, foi até o veículo e bateu na janela. Ele, ao vê-la ali parada, abriu o vidro. — Está a fim de pegar uma pneumonia? — Disse o homem. — Vamos, suba — respondeu ela séria.
Imediatamente, Ana deu meia-volta e começou a correr pela calçada. Rodrigo, atônito em um primeiro momento, saiu do carro e apertou o controle para travar as portas. Então, ouviu um barulho. Ao se voltar, encontrou a jovem esparramada no chão. Rapidamente se aproximou. — Machucou? — Ai! Deus... minha bunda! — queixou-se. — Que pancada! Não sabe que quando o chão está coberto de gelo não se pode correr? Ela ia responder, mas uma pontada em seu santo traseiro a fez calar. Dolorida, e não só pela queda, quis se levantar quando sentiu que ele a erguia do chão no colo. — O que está fazendo? Solte-me! Rodrigo não lhe deu ouvidos. Como se fosse uma pluma, ele a carregou até a portaria, e quando chegou, olhou-a com expressão inflexível e disse: — Abra a porta e a deixo no chão. Estar tão perto dele, sentir seu cheiro, sua força e suas poderosas mãos segurando-a atordoaram todos os seus sentidos. Mas, voltando a si, pegou as chaves no bolso e, atrapalhada, abriu a fechadura. Uma vez dentro, Rodrigo a soltou. Sem olhar para ele, ela se dirigiu ao elevador, e quando as portas se fecharam, sentiu-se pequenininha a seu lado. Quando o elevador começou a subir, o homem foi dizer algo, mas Ana lhe apontou o dedo, e levantando a cabeça, fixou seus olhos nele e sibilou: — Não se atreva a me dirigir a palavra, entendeu? — O que é que há com você? — Rodrigo estava cada vez mais surpreso com o modo como ela falava com ele. Como não queria continuar contemplando aqueles olhões, e em especial as covinhas sexy que a torturavam, Ana baixou a vista. — Você é surdo, ou o quê? Rodrigo franziu o cenho e decidiu não abrir a boca. O que é que estava acontecendo com essa malhumorada? Quando entraram no apartamento, o calorzinho da lareira fez que ambos suspirassem, deliciados. Nekane o cumprimentou e dois minutos depois os três estavam sentados na sala vendo um filme. De repente, ouviu-se o canto de um pássaro, e Rodrigo notou que havia uma linda gaiola redonda branca em cima do balcão. — Ora, não sabia que vocês tinham um passarinho. — Pois agora já sabe — respondeu Ana sem olhar para ele. Que moreninha grossa! Mas ele não estava disposto a se calar, de modo que, sorrindo, perguntou: — Como se chama? Nekane foi responder, mas Ana segurou seu braço, e dessa vez olhando para ele, respondeu: — Pío. — Pío?! — Sim. Ele achou o nome engraçado, e ainda mais a expressão da jovem. — Seu pássaro se chama Pío? — Exato — replicou Ana. — Alguma objeção? Rodrigo levantou as mãos e negou com a cabeça. Qual era o problema daquela garota com ele? Dez minutos depois, sentindo-se incapaz de continuar calado, disse: — Esse Resident Evil é muito bom. Ambas assentiram com um gesto, mas sem acrescentar nada mais. — A trilha sonora é impressionante, não é? — Insistiu. — Demais — concordou Nekane. — Vocês gostam de Metallica? As duas tornaram a assentir. — Que bom saber que vocês gostam de boa música — continuou ele, cada vez mais surpreso. —
Não como a maioria das mulheres, que gostam de cantores bonitinhos e delicados que estão na moda e que gorjeiam entoando canções de amor ridículas. Nekane ia dizer algo, mas Ana se antecipou. — Quando você se refere a bonitinhos e delicados, de quem está falando? Rodrigo sorriu e passou a mão por seu cabelo escuro curtíssimo. — De qualquer um desses que cantam baladinhas meladas. — Por exemplo? — Perguntou Nekane, rindo. Ao ver como olhavam para ele, especialmente Ana, Rodrigo intuiu que havia pisado na bola e preferiu se calar. Mas Ana contra-atacou com o cenho franzido. — Embora não acredite, nosso cérebro é capaz de processar que gostemos de Marilyn Manson, Method Man ou Depeche Mode, e também das baladinhas meladas cantadas, por exemplo, por Alejandro Sanz e Luis Fonsi, ou os boleros de Luis Miguel. Algum problema? — Você gosta de Luis Miguel? — Debochou o bombeiro. Ana suspirou, mas não respondeu, e Rodrigo, cansado de discutir com ela, acrescentou: — Não sei por que você fica desse jeito. Mas é melhor deixar para lá. — Sim, cale-se — sibilou Ana, enfiando um punhado de pipoca na boca. Nekane olhou para sua amiga. O que estava acontecendo? De repente, o telefone tocou, e Ana estendeu a mão para atender. — Alô? — Olá, Pato! Como vai minha irmã preferida? Ao ouvir a voz de sua irmã, Ana mudou de expressão e sorriu, e esquecendo-se de tudo, levantouse e foi para seu quarto para falar. Rodrigo a seguiu com o olhar até que ela desapareceu pelo corredor, e voltando-se para Nekane, sussurrou: — Nunca imaginei que em um corpo tão pequeno coubesse tanto mau humor. A navarra sorriu, mas como não queria criar polêmica, continuou vendo o filme. — Por que ela não gosta de mim? — Perguntou o homenzarrão. Nekane colocou um punhado de pipoca na boca e olhou para ele. — Se você não gosta de Luis Miguel, ela não gosta de você — afirmou, deixando-o perplexo. Já dentro do quarto, Ana passou a mão na bunda, onde havia batido, e se sentou com cuidado na cama. — Tudo bem? — Perguntou à irmã com um sorriso. — Tudo... ótimo. E você? Vem para o Natal? — Claro, sua chata — respondeu Ana, fechando os olhos. — Já disse a papai outro dia que comprei passagem para o dia 24, e que vou ficar até dia 2. — E com você, tudo bem? Algo importante para me contar? — Não. — Tem certeza, Pato? Surpresa com a pergunta, Ana respondeu: — Tudo bem, já entendi. Você é que tem algo para me contar, não é? — Sim! — Gritou Lucy do outro lado da linha. — Quero muito vê-la para lhe contar bilhões de coisas. Aliás, cortei o cabelo como Scarlett Johansson na propaganda do The One, de Dolce & Gabbana, e estou divina. Ah, e outra coisa: quando vier, vou levá-la a um novo spa que uma amiga minha abriu. É demais. — Tudo bem em casa? Mamãe e papai estão bem? — Sim, dentro do possível — respondeu Nana. — Mamãe, toda tensa como sempre, mas, de resto, tudo bem. — Ande, diga logo. O que está acontecendo?
— Está preparada? — Ai, mãe do céu, não sei! — Debochou Ana. — Ande, diga logo o que quer me contar. — Vou me casar! — Vai se casar? — Sim. — De novo? — Sim — assentiu Nana de novo, emocionada. — Com quem? — Perguntou Ana, espantada. — Com um homem. — Caraca, Nana! Isso já imagino. Você não vai se casar com uma amêijoa — debochou. — O nome dele é Tom Billman. É um jogador de polo que conheci, e, oh Deus, estou louca por ele! Ana suspirou. Nos sete anos que haviam se passado, sua irmã havia se separado de Christopher, tivera um romance escandaloso com um jogador de futebol e vários namorados de todo tipo. Tudo isso estava enlouquecendo sua mãe. — Vejamos, Nana, por que você vai se casar outra vez? — Porque eu gosto muito de Tom e porque vi um vestido maravilhoso Rosa Clará que vai ficar lindíssimo em mim. — E, sem lhe dar tempo de dizer nada, disse com um gemido: — Mas estou com medo de contar a mamãe. Com certeza ela vai aprontar umas das suas. — Nana... ouça-me. Antes de mais nada, não chore... — Não consigo, Pato — disse ela soluçando. — Preciso que você venha no Natal para contar a papai e mamãe. Se você estiver a meu lado, sei que conseguirei e... — Fique calma, querida. Eu estarei aí para apoiá-la. Mas acho que você devia pensar bem. — Já está mais que pensado. Eu quero me casar com ele e ponto final. Ana suspirou. Sua irmã e seus caprichos nunca mudariam. — Tudo bem, tudo bem... Durante mais de uma hora ficaram conversando sobre essa nova loucura, até que por fim Ana desligou e voltou para a sala. Ao abrir a porta, viu só Nekane na frente da tevê. Onde estava Rodrigo? Quando se sentou ao lado da amiga, levou a mão à pipoca, e a outra, sem que ela perguntasse, disse: — Calma, eles já foram. Ana assentiu e colocou outro punhado de pipoca na boca, mas um estranho amargor fez seu estômago se retorcer ao pensar que Rodrigo havia ido embora. O que estava acontecendo? A partir desse dia, tudo começou a ir de mal a pior. Cada vez que Rodrigo aparecia por ali para buscar Iris, algo acontecia com ela. A presença dele a abalava tanto que ela ficava nervosa como uma adolescente, esbarrava nas coisas e estava com as pernas cheias de hematomas. Disfarçadamente o observava. Aquele bombeiro que mal olhava para ela conseguia fazer seu estômago se apertar e seu coração palpitar descontroladamente. Por que ele tinha que ser tão sexy? Até que um dia, depois de quase cortar o dedo ao ouvir sua voz enquanto cortava presunto, foi ao banheiro, olhou-se no espelho e sussurrou, convicta: — Tudo bem, eu me rendo. Gosto de Rodrigo. Alguns dias depois, Ana e Nekane estavam fazendo uma sessão de fotos com um publicitário que chamavam de Popov; riam enquanto trabalhavam. A indústria de sorvetes Caracola havia encomendado umas fotografias para seu novo catálogo. Sorvetes de baunilha, de pistache, de torrone, morango ou chocolate tinham que essencialmente extrapolar a imagem e atrair o comprador. Com cuidado, as jovens preparavam purê de batata, e depois acrescentavam diversas cores até obter uma textura similar à do sorvete. Depois, elaboravam bolas generosas e com delicadeza as colocavam em lindas taças de cristal enfeitadas com flores frescas.
— Adoro essa canção da Amy — disse Nekane, começando a dançar ao ritmo de Rehab. — É muito boa — assentiu Popov. — Esmeralda, minha namorada, adora. — Minha preferida da Amy é Me and Mr Jones— interveio Ana. — Adoro o jeito como ela a cantava, em especial a parte que diz “What kind of fuckery is this”. É ótima! — Nossa, que romântica! — Popov debochou. Todos riram. — É uma canção de despeito total — apontou Nekane. — Cantar essa canção para um sujeito é acabar com ele. Mas é excelente. Durante um bom tempo ficaram escutando o CD de Amy Winehouse, até que acabou, e Popov rapidamente colocou outro. Era hora de ele curtir. — Ufa! Estou com uma fome atroz — reclamou Ana enquanto passava o dedo pela panela para comer o resto de purê. — Ultimamente você anda comendo como um leão — disse Nekane, sorrindo. — Come tudo. Ana achou o comentário divertido, mas se distraiu ao ver o que seu amigo estava fazendo. — Popov, não ponha tanto verde. Vai parecer sorvete de musgo, não de pistache. O jovem gargalhou e respondeu: — Calada, Plum Cake, este verde dá uma tonalidade muito fraca e temos que pôr a quantidade certa para obter a cor desejada. Vocês vão ver como vai ficar bom. — Mas quando começou uma nova canção, parou de fazer o que estava fazendo e perguntou, olhando para Ana: — Quer dançar, Plum Cake? A jovem assentiu. — Legal! Começaram as breguices — queixou-se Nekane alegremente, olhando para o teto. Instantes depois, estavam cantando enquanto dançavam. Se te olvida que me quieres a pesar de lo que dices pues llevamos en el alma cicatrices imposibles de borrar. Se te olvida que hasta puedo hacerte mal si me decido pues tu amor lo tengo muy comprometido, pero a fuerza no será... — Ah, caramba! Acabei de ver que temos que preparar pistache com pedacinhos de chocolate — disse Nekane, parando a música. — Vou ralando o chocolate, e quando me passar o purê verde, misturo tudo, okay? — Maldita navarra, como você é desmancha-prazeres! Não vê que estamos curtindo com Luis Miguel? — Reclamou Popov, sorrindo. — Não... Hoje não estou para romantismos. — Isso é porque você não se apaixonou, ou nunca ficou com um homem romântico — apontou Popov. — Se essa batata frita que você tem no lugar do coração alguma vez houvesse sentido alguma coisa, garanto que quando ouvisse uma canção de Luis Miguel ia ficar tontinha. — Chega disso! — Exclamou Nekane rindo. Mas, aproximando-se de Popov, acrescentou: — Confesso que de algumasmúsicas dele eu gosto. Masnunca admitirei isso fora destas paredes, ou meus amigos vão me chamar de freak. Ana riu com gosto. — O que acham de terminarmos com isso e depois vocês continuam com o bailinho? — Prosseguiu Nekane. — Tenho um compromisso e tenho que tomar banho e ficar linda, e essa restauração leva um tempo. — Mas você é tão linda ao natural... — brincou Popov. — Fico melhor com chapinha e maquiagem — debochou Nekane. — E posso saber com quem é esse compromisso? — Perguntou Popov, jogando um pozinho amarelo no purê. — Com um bombeiro — respondeu Ana, rindo.
— Dedo-duro! — Como é que é? — Isso mesmo, bonitinho. Ou você acha que o único aqui que pega gente bonita é você? Sua Esmeralda é muito bonita, tão moreninha, mas meu Calvin... é uma coisa divina. — Veja só a navarra... não é boba nem nada! — Exclamou Popov com um sorriso. — Ande, ponha a música romântica, senão eu travo e não consigo trabalhar. — Mas não comece a dançar — advertiu Nekane —, entendeu? — Tudo bem, prometo — disse Popov, gargalhando. Nekane deu play e a canção de Luis Miguel continuou. — Ande, vamos acabar com esses sorvetes, que quanto antes terminarmos, antes essa aí vai embora e nós poderemos dançar essa de que tanto gostamos. Si no exisitieeeeeras, yo te inventaríaaaa... — animou Ana. Rindo, continuaram fazendo as misturas até conseguir o que queriam. E então, depois de decorar as taças, levaram-nas para o estúdio, onde Ana acendeu as luzes e começou a fazer seu trabalho. Fez centenas de fotografias, e depois viram no computador para checar os resultados. Cada um dava sua opinião, e as fotos eram refeitas de ângulos diferentes. Duas horas depois, ouvia-se pelas caixas de som uma canção, e os três, esquecendo tudo, começaram a cantar no estúdio, sob as luzes, a plenos pulmões. Confidente de mi sueñosssssssss de mis pasos cada díaaaaaaaaa su mirada mi camino, y su vida ya mi vidaaaaaa o tú o ningunaaaaaaaaaa, no tengo salidaaaaaaaa pues detrás de ti mi amor, tan sólo algo más si no existierasssssss yo te inventaría pues sin duda algunaaaa o tú..., o tú, o ningunaaaaaaaa. Tão absortos estavam cantando que não notaram quando três pessoas entraram no estúdio. Iris, meio envergonhada, contemplou o espetáculo, enquanto Calvin e Rodrigo nem piscavam, espantados. Não se mexeram. Ficaram onde estavam até que a canção terminou, e então aplaudiram. Ao ouvir os aplausos, os três cantores se voltaram e ficaram boquiabertos. Ana, vermelha como um tomate, viu que Rodrigo a olhava e sorria. “Maldito!” E Nekane, que não sabia onde se enfiar pelo flagrante, ficou em choque quando Calvin se aproximou, e dando-lhe um beijo nos lábios, perguntou: — Sabia que eu adoro Luis Miguel? — Não — respondeu a navarra, acalorada. — Ele é meu amigo — afirmou ele. — Uau! — Disse ela, horrorizada. — Minha namorada também adora — disse o publicitário. E estendendo a mão, apresentou-se: — Sou Popov. E você? — Calvin Rivero, e antes que me pergunte, sim, nasci na Espanha. Meu pai é mexicano e minha mãe espanhola. — Prazer, Calvin — disse o jovem, sorrindo. — E já que nos abrimos, meu nome completo é Pepe Gómez Popov. Minha mãe é russa e meu pai espanhol. — E você se chama Pepe? — Sim; meu pai ganhou. Se fosse menino, ele escolheria, e se fosse menina, minha mãe escolheria. Mas todo mundo no trabalho me chama de Popov. É mais comercial e identificador.
Todos riram. — A propósito, vi que você é dos meus — acrescentou Popov. — Dia 11 de maio do ano que vem Luis Miguel vai cantar em Madri. Minha namorada, Ana e eu vamos. Quer ir? — Como vocês são freaks! — Debochou Iris, recebendo um olhar glacial de Ana. — Falou o Oráculo da sabedoria musical! — Respondeu Nekane. A modelo foi responder, mas Calvin, antecipando-se, olhou para sua garota e anunciou: — Eu vou! E, claro, minha princesa também. Nekane quis morrer. O que ela ia fazer em um show de Luis Miguel? De repente, todos os olhares se centraram em Rodrigo, que os observava calado. — Não contem comigo — esclareceu, levantando a mão. — Sou de outro tipo de música. — E cravando o olhar em Ana, asseverou: — Luis Miguel, doa a quem doer, não me agrada. Ana bateu o joelho em uma mesinha enquanto mordia a língua para não o insultar. Nesse momento, tocou o celular de Popov, mas, antes de atendê-lo, estendeu a mão a Rodrigo. — Meu nome é Popov, e embora não acredite, você não imagina o que está perdendo por não escutar esse tipo de música. As meninas adoram. — Rodrigo — respondeu o outro rindo e apertando-lhe a mão. Depois, o publicitário saiu da sala para falar ao telefone. Ana, que ainda se sentia envergonhada por ter sido surpreendida, foi dizer algo, quando Iris se antecipou: — Vou me trocar. Rodrigo, você vem? Ana olhou para eles. — Melhor eu esperar aqui — disse ele. Iris trocou um olhar assassino com Ana e desapareceu da sala. Nekane, encantada, estava mostrando o estúdio a Calvin quando começou a sair pelos alto-falantes La Bikina, interpretada por Luis Miguel, e o rapaz começou a cantá-la. Nekane olhou para ele de olhos arregalados e no fim sorriu. Rodrigo, por sua vez, revirou os olhos. Calvin e suas musiquinhas... Mas, ao olhar para Ana de novo, viu que a jovem dava meia-volta e não dizia nada, de modo que se aproximou e, agachando-se, disse em seu ouvido: — Olá, Ana. Dessa vez ela não tinha escapatória. Quando o ouviu dizer seu nome quis mandá-lo passear, mas contendo seus impulsos, apertou os lábios e respondeu: — Olá, Rodrigo. Durante alguns segundos nenhum dos dois disse nada nem se mexeu, até que ele quebrou o silêncio. — Você tem um belo estúdio. — Obrigada — respondeu ela secamente, tentando se concentrar nas fotografias que via no computador enquanto escutava Calvin cantar. Com curiosidade, Rodrigo se aproximou da mesa onde estavam as taças. — Sorvete? — perguntou. — Sim. Ao ver que ela continuava olhando o computador, insistiu: — E com a luz dos holofotes não derrete? — É purê de batata — confessou Ana. Atônito, Rodrigo o examinou de perto, e com um sorriso encantador, duvidou: — Sério? — Sim. Quando fazemos fotos de sorvetes utilizamos purê de batata e tingimos com corantes até obter o tom do sabor. Com as luzes, é impossível usar sorvete de verdade. — Nossa, que interessante! Eu nunca teria imaginado. — Essa é a ideia: que seu olho não perceba e você queira comer esse sorvete, mesmo que seja feito
de purê e corante. Ao ver que por fim Ana sorria, Rodrigo se aproximou dela, e agachando-se de novo para ficar mais perto, disse em seu ouvido: — Desculpe pelo que aconteceu aquele dia. Quis falar isso com você mil vezes, mas nunca encontrei o momento. Se eu soubesse que o apartamento não era de Iris, nunca teria entrado. De verdade, peço mil desculpas. Finalmente Ana claudicou. Por que continuar com raiva? Levantou o olhar. Diante dela estava o homem mais sexy que jamais vira na vida, usando jeans e uma jaqueta militar que se ajustava a seus ombros largos. Engoliu com dificuldade, e mexendo-se com cuidado para não derrubar nada, tirou os óculos, deixou-os ao lado do computador e se levantou do banquinho. Enquanto observava a tatuagem que ela recordava sair pelo pescoço da jaqueta cáqui, murmurou: — Tudo bem... eu também peço desculpas. — Lavou a almofada? — Perguntou ele com ironia. — Claro — e, sentindo-se como uma adolescente boba, acrescentou: — Eu me comportei como uma troglodita. Estava cansada, e não esperava ver um homem saindo nu de meu banheiro, entenda! — Eu entendo... eu entendo. — E, arqueando as sobrancelhas, estendeu a mão e perguntou: — Amigos? — Amigos — assentiu ela sem poder tirar a vista daquelas covinhas. — Mesmo que eu não goste do que ele canta? Ana riu ao escutar Luis Miguel, e com um sorriso encantador, respondeu, dando uma joelhada na mesa: — Tudo bem. Mas tenho que dizer que isso o faz perder muitos pontos. Rodrigo sorriu, e ela, ao tocar sua mão enorme, sentiu suas pernas se dobrarem enquanto ele dizia com voz melosa e cativante: — Promete que a partir de agora vai falar normal comigo e não vai fugir cada vez que me vir? — Prometo. Ela sorriu, segurando-se na cadeira com a mão livre. Se a soltasse, certamente cairia. Seu coração batia a mil por hora. Aquele homem a deixava cardíaca, e, como sempre, um calor súbito a invadiu. Seu corpo reagia diante dele de uma maneira estranha, e ela não conseguia controlar. Bastava vê-lo, e se não se segurasse, era capaz de despencar. Durante alguns segundos os dois, ainda de mãos dadas, olharam-se, até que Popov entrou e, ao ver Calvin cantando La Bikina, juntou-se a ele. — Vocês sempre trabalham assim? Ana soltou a mão dele, e tentando alinhavar uma frase inteira, respondeu: — Depende. Popov é um publicitário muito divertido. E se estiver tocando Luis Miguel, nem te conto! Ambos sorriram, e Ana se sentou no banquinho. De novo aquele homem forte e corpulento lhe dedicava toda sua atenção, e isso a fez sentir um nó no estômago. Tê-lo tão perto e sentir seu perfume a deixava louca. Louca de desejo. Durante um tempo ela ficou lhe mostrando no computador as fotografias que haviam feito naquela sessão, e ele ficou boquiaberto ao vê-las. Realmente pareciam sorvetes recém-saídos do congelador. Quando a canção acabou, Calvin, Nekane e Popov se aproximaram. — Plum Cake, vou indo. Esmeralda está doentinha, e quero chegar logo a casa. Ana se levantou e deu um beijo em seu amigo. — Ah, muito bonito! Agora fico eu sozinha aqui para arrumar tudo, não é? — Ao ver a cara de Popov, acrescentou, risonha: — Ora, vá embora... Vá e dê mil beijos em Esmeralda por mim. — Na segunda-feira às nove revisamos as fotos, pois temos que entregar na terça, tudo bem?
Quando Popov se foi, Rodrigo olhou para Ana e perguntou: — Ele chamou você de Plum Cake? — Sim — respondeu Nekane pela amiga. — Por quê? Nekane foi responder, mas Ana a interrompeu. — Porque um dia me deu um ataque e devorei um plum cake Nesse momento, apareceu Iris. Como sempre, estava impecável. Espetacular. Lindíssima com aquele vestido de lantejoulas prateadas e uns saltos de matar. Aproximando-se com sensualidade, pegou Rodrigo pelo braço de um jeito possessivo e disse fazendo biquinho. — Já estou pronta, vamos? — Claro, minha linda — concordou ele com admiração. Ana quis apagar aqueles sorrisos absurdos da cara dos dois. — Estou bonita, capitão? — Perguntou Iris, então. Rodrigo, sem olhos para mais ninguém, fez que desse uma voltinha e, quando a completou, deulhe um selinho. — Deslumbrante — sentenciou. — Eu sei — aplaudiu Iris, deixando-os sem palavras. Ana e Nekane se olharam, e a navarra fingiu enfiar os dedos na garganta. Sorriram. Mas, dois minutos depois, o semblante de Ana mudou quando Rodrigo olhou para ela, e com uma expressão cativante, deu-lhe uma piscadinha. Como era de se esperar, suas pernas travaram, e foi só graças aos rápidos reflexos dele, que a segurou, que não se estatelou no chão. Acalorada, olhou para o homem que a segurava pela cintura, e depois de balbuciar um “obrigada”, apoiou-se na cadeira e deu-lhe um sorriso. Nekane, que a conhecia, ao ver isso, suspirou. O que sua amiga tinha a lhe contar? Estava prestes a falar, quando Rodrigo disse: — Calvin, marquei com Fran, que veio de Múrcia. Vocês vêm? — Ah, é? — Disse Calvin, rindo. — Eu não perderia isso por nada. — Eu não vou — respondeu Nekane rapidamente; nem louca ia sair com a Iris. E ao ver que Ana olhava para ela, sem lhe dar atenção, acrescentou: — Calvin, de verdade, desculpe, mas estou com uma dor de cabeça horrorosa. Eu ia ligar para lhe dizer que não ia dar para sair, mas você apareceu aqui, e... — Mas não parecia, quando você estava berrando feito louca — apontou Iris. Nekane preferiu não responder e só pestanejou. — Não está se sentindo bem, princesa? — Perguntou Calvin, preocupado. A morena fez cara de coitadinha e assentiu. Ana cobriu a boca com a mão para não rir. — Ouça, Calvin. Primeiro, já lhe disse mil vezes para não me chamar de princesa. — Eu sei, princesa — admitiu ele. Nekane suspirou e prosseguiu: — Segundo. Saia com seus amigos. Amanhã nos falamos, e se eu estiver melhor, nos vemos, está bem? — Tem certeza? — Sim, absoluta. Além do mais, quero ajudar Ana a arrumar tudo isto. Dez minutos depois os três desapareceram, e enquanto arrumavam o estúdio, Ana, ainda espantada, perguntou a Nekane: — Mas você não havia marcado de sair com Calvin? — Sim, mas como vi que ia ter que aturar a idiota da Iris, desisti! Prefiro ficar aqui com você e ver um filme. — Super! — Além do mais, temos que conversar sério. 1
— Temos? — Perguntou Ana. — Que foi? — Vi algo que você não me contou. — O quê? — Você não tem nada para me dizer? — Não, princesa. — Não me provoque... não me provoque — debochou Nekane. E ao ver sua amiga rir, insistiu: — Vejamos, por que você falou essa bobagem de que Popov a chama de Plum Cake porque você devorou um bolo inteiro? — Porque foi a primeira coisa que me ocorreu. — Não quer que a relacionem a seu pai, não é? Depois de suspirar, Ana a olhou e disse: — Se você já sabe, por que pergunta? — Porque sou chata assim mesmo — ironizou. — Você sabe que quero ser simplesmente Ana — acrescentou, sorrindo. — Não quero que ninguém saiba quem é meu pai, ou vão começar a me tratar diferente. E eu preciso que as pessoas sejam normais comigo. Portanto, continue de boquinha fechada, okay? — Oooookaaay. Primeira questão solucionada. Agora vamos à segunda. — Segunda?! — Repito: algo a contar? — Não. — Tudo bem, então vou direto ao assunto. Há dias vejo como você se comporta cada vez que esse capitão chamado Rodrigo aparece aqui em casa, e não entendo nada. Mas, hoje, seu rosto e sua já descontrolada “desastrice” falaram por si sós. Você está a fim de Rodrigo. Ao escutar isso, Ana deixou cair um pote de purê. Dava para notar? — Mas que bobagem está dizendo? Nekane se aproximou da amiga e pôs a mão em seu ombro. — Ora, eu conheço você, como diria minha mãe, como se a houvesse parido! Há dias observo como você reage cada vez que esse tordo aparece aqui em casa. Quando não sai tropeçando ou batendo nos móveis, deixa cair o que tiver nas mãos, como agora — e apontou para a tigela no chão. — Ou então, como aconteceu outro dia, quase arranca um dedo cortando presunto ao ouvir a voz dele. O que é que há com você? Desanimada, Ana se sentou no chão, e Nekane a acompanhou. Para que continuar mentindo? Por fim, com sinceridade, confessou: — Juro que quando o vejo fico desastrada e idiota. Por que será? Sinto até um nó no estômago. — Eu sabia. A mim você não engana. — Minhas mãos suam. Minha voz treme. Meu coração palpita — prosseguiu Ana. — Já sonhei mais de uma noite que estava transando com ele. — Nekane gargalhou. — E não entendo, de verdade. Estou acostumada a trabalhar com modelos bonitos, com corpos perfeitos, sujeitos de parar o trânsito, mas... mas Rodrigo, com essas covinhas no rosto e esses olhões azuis que me deixam louca, e sua força tão viril, é... é diferente... e... eu... eu... — Reconheça que se sente atraída por esse sujeito todo macho e meio bruto. Você não gosta dos bonitinhos de revista, e ambas sabemos disso. — Reconheço... ele me atrai. — A propósito, o capitão tem alguma tatuagem? — Sim... uma muito sexy — assentiu Ana ao se lembrar do que havia visto. — E se Iris não houvesse se intrometido na noite em que o encontramos no Garamond, com certeza eu já a teria tocado e lambido.
— Isso é fácil. Fique com ele! — Ah, claro... superfácil. Se há algo evidente é que contra essas pernas quilométricas e esse corpo que ela tem, não há nada que eu possa fazer. — Se não tentar, nunca vai saber! Ana deixou escapar um suspiro. — A verdade é que pensar nele me deixa a mil. Adoraria jogá-lo em cima de minha cama, morder esses lábios, tirar sua roupa, e... — Eeeeeei, você está fora de controle, meninaaaaaa! — Sim! Pela primeira vez em muitos anos eu me sinto como um homem. — Ambas riram. — Eu o desejo, e estou ansiosa para tê-lo em minha cama. — Então vá fundo, porque para a caprichosa da Iris, Rodrigo é só mais um. E acha que ela reparou em qualquer bombeiro? Não, não; ela reparou no capitão do batalhão. Nem é seletiva, a maledeta! Mas também lhe digo uma coisa: assim que ela encontrar outro que a chame mais vezes de linda e maravilhosa, vai trocá-lo. Você a conhece. Ana assentiu. Nekane tinha razão. No tempo que Iris estava em Madri já havia saído com vários, e nenhum havia sido um quitandeiro encantador. — Vamos, arrisque. Ou pretende ficar na vontade de saber o que é ter um tórrido encontro sexual com esse tordo? Imagine esses músculos apertando seu corpo serrano enquanto ele olha em seus olhos e a leva direto para a cama... Ande, não negue, isso a deixa a mil! Depois de soltar uma gargalhada, Ana assentiu, e olhando para sua amiga, disse: — Não nego. Mas negarei que falamos sobre isso diante de qualquer um que não seja você. Com isso quero dizer que... — Com isso quer dizer que é segredo — interrompeu Nekane, e levantando-se do chão, estendeu a mão à amiga. — Fique tranquila, nossas confidências morrem aqui. Mas arrisque antes que vire uma vovozinha! Dito isso, ambas continuaram arrumando o estúdio e fazendo brincadeiras.
3
No dia 1º de dezembro, Ana e Nekane estavam no El Escorial fazendo uma sessão fotográfica com várias modelos para a Guess. Em princípio, o que parecia que seria fácil de fazer se tornava a cada instante algo mais tortuoso e difícil de suportar. Naquela manhã Ana não estava muito bem, e parecia que as modelos não queriam cooperar. — Por favor, Emma, mude essa expressão, mulher, e dê um sorriso inocente — estimulou Ana de câmera na mão. A modelo bufou e gritou: — Estou com frio! — E eu também! — Pulou Nekane. — Ou acha que minha mãe me pariu em um iglu? Portanto, sorria, olhe para a câmera e pare de reclamar de uma vez por todas! Ana sorriu e, aproximando-se dela, sussurrou: — Sua mãe a pariu em um iglu? Ambas riram. — Sei lá, menina... Tinha que dizer alguma coisa — soltou Nekane alegre. — Ande, dê um descanso a elas e vamos tomar um café. Quem sabe assim elas acordam um pouco. — Boa ideia! — assentiu Ana, e olhando para as modelos, disse: — Cinco minutos para tomar um café e se aquecer, e depois continuamos. Enquanto as seis modelos davam um jeito de correr até os carros para se proteger do frio, montadas em uns saltos impossíveis, Ana e Nekane foram até uma pérgula; ali se sentaram, e, de uma garrafa térmica, serviram-se de café. — Viu o novo número da revista de Raúl? — Sim — assentiu Ana, pegando-a. — As fotos de espectros são de arrepiar. Nekane se aproximou da amiga para folhear a revista. — Não sei se conseguiria trabalhar em uma revista assim — comentou. — Do jeito que sou cagona, ficaria o dia todo angustiada pensando que um fantasma de meu passado apareceria no meio da noite para me degolar. Ana esboçou um sorriso e deixou a revista em cima da mesinha. — Como você é boba! A propósito, Raúl está organizando uma exposição pelo sexto aniversário da revista. Disse que será ano que vem, e você sabe, não podemos falhar com ele. — Tudo bem, não falharemos. Mas esses amigos freaks e sinistros que você tem me deixam meio nervosa. — E mudando de assunto: — Vai comigo amanhã ao estúdio de Félix? Quero terminar a tatuagem. — Claro — assentiu Ana. — Estou pensando em tatuar um anel no dedo. Eu gosto. — Sua mãe vai matá-la — debochou Nekane, e ambas riram. Dois minutos depois, com as mãos e o corpo mais quentes, Nekane olhou para sua amiga, e ao vêla de cenho franzido, perguntou: — Que foi? Ana pôs a mão na cabeça. — Acho que estou pegando uma gripe daquelas. — Ah, que booooom! Pegou a mesma gripe de Esmeralda? — Ana gemeu. — A coitada ficou
péssima, vomitando e tudo. — Ai! Não diga isso! — Sim, querida, tenho que dizer. A gripe este ano veio forte. Ela não queria pegar essa gripe; olhou para sua amiga e disse: — O pior de tudo não é pegar a gripe; é levá-la para Londres. Se aparecer doente em casa, vou dar motivo para minha mãe falar durante todos os dias que eu passar lá. Haja paciência! Nekane sorriu. — Ela já vai ter o que falar por causa de sua irmã. Eu daria tudo para ver a cara de sua mãe quando ela lhe contar que vai se casar outra vez. — Afe! Cale-se! — Resmungou Ana, pegando sua bolsa para tomar um anti-inflamatório. — Eu daria tudo para não ouvir seus uivos agônicos. Porque lhe digo uma coisa: essa notícia vai matar minha mãe. — É que essa sua irmã, viu? Casar de novo! — Pois é... Parece que ela gosta de viver sempre no centro da polêmica — assentiu Ana, colocando o comprimido na boca. — E seu pai? O que ele diz? Ana, com um sorriso, pensou que se havia alguém paciente no mundo, esse alguém era seu pai. — Vai reclamar, mas assim que Nana der suas piscadinhas e disser “Papai, você é o melhor”, vai apoiá-la. Ele é um doce! — Bendito Frank! — brincou Nekane. De repente, Ana pegou sua amiga pelo braço, e curvando-se para frente, vomitou. Nekane, assustada, levantou-se e rapidamente apoiou-lhe a testa, como fazia sua mãe quando ela era pequena. Quando acabou e se endireitou, Ana estava pálida. — Ana... Ana... acho que você pegou a gripe de Esmeralda. — Água. Dê-me água. Sem tempo a perder, Nekane pegou uma garrafa, encheu um copinho e o entregou a Ana. — Beba devagar, para não fazer mal. Seguindo as instruções de sua amiga, ela bebeu aos golinhos, e depois deixou o copo em cima da mesa. — Você está bem? — Não, mas tenho que ficar. Acho que a gripe e este frio não são bons aliados. — E, levantando-se, acrescentou: — Vamos acabar com a sessão antes que eu piore e não possa nem apertar o disparador da câmera. De imediato Nekane reuniu as modelos, apertou o Play para tocar Coldplay e a sessão foi retomada. A partir desse momento, tudo começou a melhorar. As modelos, ao ver o estado em que Ana se encontrava, de repente cooperaram, e o que não haviam conseguido em quatro horas, conseguiram em duas. Aquela noite, quando chegaram a casa, estavam congeladas. Ana tomou outro anti-inflamatório e começou a se sentir melhor. Depois de tomar um banho, quando já estavam de pijama jogadas no sofá, tocou o telefone e Ana atendeu. — Olá, amiga Ana! Iris está? Esticando-se no sofá ao ouvir aquela voz varonil, a jovem sorriu. — Olá, amigo Rodrigo! Não, e não sei onde está. Ligou no celular dela? Nekane se alvoroçou e começou a fazer gestos para que atacasse, enquanto Ana negava com a cabeça. — Liguei, mas ela não atende. — Bem, rapaz, sinto muito. Mas se quiser conversar, estou aqui. Sou toda sua! Nekane levantou o polegar. Bela insinuação!
— Cuidado com o que diz, minha linda — debochou ele com voz profunda —, porque posso levar ao pé da letra essa “toda sua”, e depois você não vai poder dar para trás. Ao ouvir aquilo, o telefone caiu das mãos de Ana, mas rapidamente ela o pegou. Como podia ser tão desajeitada? De repente, toda a segurança que tivera segundos antes desapareceu. — Ainda está aí? — perguntou Rodrigo. — Sim... sim... estou aqui. Rodrigo, que havia notado a mudança na voz de Ana, sorriu. — Ei, linda, não se assuste. Falei brincando. É só garganta, coisa de homem. — Eu sei... eu sei... — murmurou ela, acalorada. Nesse momento ouviu-se a porta da rua, e um segundo depois apareceu Iris. — Rodrigo, Iris acabou de chegar; vou passar para ela. A modelo ficou alegre ao ouvir aquele nome e arrebatou o telefone de Ana. — Olá, capitão! Estava justamente pensando em você. E já não puderam escutar mais, pois ela foi para o quarto e fechou a porta. — Evidentemente, você não sabe lidar com uma fera como Rodrigo — disse Nekane olhando para a amiga. — Ele a devora! Assim que faz a mínima insinuação, você se caga toda! Como acha que assim vai poder levá-lo para a cama? Ana soltou uma gargalhada e se levantou. — Antes que você comece com suas perversões mais horrendas, vou para a cama. Minha cabeça vai explodir. Boa noite, Nekaaaaaaaaaaa. — Fuja, fuja... que quando você não quer falar de alguma coisa, faz isso muito bem. Depois de fechar a porta do quarto, Ana se olhou no espelho e fechou os olhos, horrorizada. — Que desastre! Deitou na cama e apagou a luz. Precisava descansar ou sua cabeça ia explodir. De madrugada, acordou sobressaltada. Estava suando e se sentindo péssima. Depois de procurar os chinelos no escuro, meio adormecida, vestiu o roupão e foi para a sala. Tudo estava em silêncio. Todos dormiam. Com os olhos quase colados, abriu a geladeira e pegou leite. Em seguida, pegou um copo, encheu-o e o colocou um minuto no micro-ondas. Quando acabou de tomar o leite, pôs o copo na lava-louça e voltou a seu quarto. Mas, antes de chegar, desviou e foi ao banheiro. Sentou-se no vaso, e instantes depois viu que o papel higiênico havia acabado. Como um autômato, levantou-se do vaso, abriu o armarinho e pegou outro rolo, mas ao fechar as portas, seus olhos quase colados viram algo que a deixou paralisada. De novo abriu a portinha do armário e pestanejou durante dois segundos. — Ai, meu Deus! Ai, meu Deeeeeus! Jogando o rolo longe, foi abrir a porta do banheiro para sair, mas a calça do pijama arriada fez que caísse de novo, batendo a bunda no vaso sanitário, e teve o azar de, com a queda, derrubar o pote onde ficavam as diversas escovas de dente e dois vidros de perfume. O estrondo do vidro batendo no chão foi apocalíptico, e antes que pudesse se levantar, Nekane, com o cabelo todo revirado, entrou, assustada. — Que aconteceu? Mas Ana, atônita, não respondeu, e levantando a calcinha e depois a calça do pijama, correu para seu quarto. Nekane foi atrás dela. O que estava acontecendo? Ao entrar no quarto, Ana foi até o calendário de Gerard Butler que tinha na parede, e depois de pousar o dedo sobre uma data e olhar outra, gritou: — Caraaaaca! Nekane, atônita, ao ver Ana pôr a mão na cabeça e começar a soltar uma horrível ladainha de palavrões em inglês e espanhol, um pior que o outro, pegou-a pelo braço e a sentou na cama.
— Tudo bem... chega! Que diabos está acontecendo? Pálida como cera e respirando com dificuldade, Ana olhou para Nekane. — Não sei, mas vista-se e vamos encontrar uma farmácia aberta. Às quatro e meia da manhã, as duas amigas, depois de voltarem da busca e apreensão de uma farmácia aberta, estavam sentadas no banheiro com uma expressão indescritível. — Já passou o tempo — disse Nekane. — Veja o resultado. — Não... não consigo. — Quer que eu olhe? — Não! Nekane assentiu, e passados mais dois minutos, insistiu: — Ana, se você estiver grávida, vai estar agora, daqui a cinco minutos e daqui a seis horas. Ou você olha, ou olho eu. Sentindo palpitações, a jovem estendeu a mão e pegou o teste de gravidez, e antes de olhar, sussurrou, lembrando-se de sua mãe: — Acho que vou ter um infarto. — Eu é que vou ter um infarto se você continuar dizendo bobagens. Olhe esse maldito teste de uma vez por todas. Ana virou o aparelhinho comprido que tinha nas mãos. Ao ver os dois risquinhos, assustada, e mesmo tendo lido o papelzinho vinte vezes, perguntou: — O que significa? Nekane, ao ver o que Ana lhe mostrava, mordeu o lábio. — Que você está grávida, querida. Jogando-o longe como se queimasse suas mãos, Ana exclamou: — Não pode ser! Impossível! Deve estar errado. Dê aqui outro. No terceiro teste positivo, Ana começou a chorar, e sua amiga a abraçou. Ficaram um bom tempo sentadas no chão frio do banheiro, até que Nekane disse: — Muito bem, querida... como diria nossa Encarna, sempre resolvemos todos os problemas que apareceram, e este também vamos resolver. — Ana, abalada, assentiu. — Primeiro de tudo, acalme-se e respire para não ficar roxa, ok? — Tudo bem. Depois de limpar com uma toalha molhada as trilhas de lágrimas que manchavam o rosto de Ana, Nekane deu-lhe um beijo doce na face e prosseguiu: — Segundo, vamos levantar do chão, que está gelado, está bem? Ambas se levantaram. — E terceiro, vamos para a sala. Vou fazer um chá de tília, porque precisamos. Dez minutos depois, no silêncio da sala, Ana estava sentada imersa em seus pensamentos quando sua amiga lhe deu uma xícara. — Beba, vai lhe fazer bem. A jovem a atendeu. Quando deixou a xícara em cima da mesa, seus olhos estavam inchados de tanto chorar. — O que vou fazer? — Não sei, querida. Acho que é a primeira vez que só você pode decidir o que fazer. — E com tato, perguntou: — Você sabe quem é o pai? Ana assentiu. Só havia um candidato. — Só pode ser o suíço que conhecemos na noite em que fomos ao Garamond. Fazia três meses que eu não transava com ninguém, e uma noite que me liberei, pronto! Grávida! Mas... mas, não entendo. Nós usamos preservativo.
— Essas coisas às vezes acontecem. O método falha... Você tem como localizar o suíço? — Neka... só sei que se chama Orson. Eu o conheci essa noite e não sei mais nada dele. — E, levando as mãos à cabeça, murmurou: — Meu Deus, estou grávida de um sujeito que nem sei quem é! O que posso dizer? Como vou explicar isso a meus pais? — Ei, relaxe — disse Nekane ao ver a cara de desespero dela. — Mas, Neka, o que vou dizer a essa criança no dia em que me perguntar pelo pai? Como vou explicar que foi uma transa de uma noite e nada mais? Ai, meu Deus! Agora todos vão pensar que sou uma desmiolada, uma frívola, uma idiota! Uma... — Ei, puxe o freio, Madalena, que está embalando! — Interrompeu Nekane. — Primeiro, essas coisas acontecem e o mundo está cheio de pessoas maravilhosas procedentes de uma transa de uma noite só. Meu sobrinho Carlos é um deles, e é o filho mais lindo, estudioso e responsável que minha irmã María tem. — Ana sorriu e Nekane prosseguiu: — Segundo, você tem trinta anos, e acho que seus pais têm que respeitá-la, faça o que fizer. E terceiro e muito importante: você pretende ter a criança? — Não sei. Você sabe que eu... eu... sou a favor de que as pessoas façam o que quiserem com seu corpo, mas agora que sei que dentro de mim há um bebê... — Uma ameba... Isso nem chega a ser um feto. — É uma vida, Neka. Dentro de mim pulsa uma vida, e eu... eu não sei se vou ser capaz de... de... de... — De quê? — Disso... — Diga a palavra. Durante alguns segundos Ana hesitou, mas ao ver os olhos fixos de sua amiga, murmurou: — Não sei se vou ser capaz de abortar. Nekane assentiu e secou uma lágrima que havia assomado em seus olhos. — Ana, quando precisei, você me apoiou, e aqui estou agora para apoiar cem por cento seja qual for sua decisão. Então, Nekane amoleceu e começou a chorar. Anos atrás, ela havia passado pelo mesmo e, no fim, havia tomado uma decisão drástica. Naquele momento não podia ter um bebê, e embora houvesse lhe doído na alma, havia abortado. Era um assunto que elas não abordavam. Evitavam-no. Mas, nessa noite, inevitavelmente, veio à tona. — Tome, beba isto — disse Ana, dando o chá a sua amiga. — Vai lhe fazer bem. Com um sorriso triste, Nekane pegou a xícara, e depois de dar um gole, assoou o nariz. — Nossa, estamos um caco, as duas! — Comentou Nekane, e a outra sorriu. — Decida o que decidir, estou com você. E se no fim decidir ter o bebê, conte comigo para tudo. Absolutamente para tudo. — E acrescentou: — Bem, sinto dizer, mas desta vez você mata sua mãe. Com essa última afirmação, Ana fechou os olhos, mas ao ouvir sua amiga rindo, foi incapaz de se conter e se juntou a ela. — Nem lhe conto o que minha mãe pode dizer se eu decidir ter o bebê — comentou Ana quando ambas se acalmaram. — Que desonra! Sua filha solteira grávida e a criança sem pai. Isso vai levá-la diretamente ao túmulo. E meu pai, não sei, não sei como vai reagir a uma notícia assim. — Você tem tempo para pensar — afirmou Nekane, sorrindo com aflição. — Eu sei... e é o que vou fazer. Em silêncio, ambas mergulharam em suas dores particulares. Ana olhou para sua amiga, e ao ver a tristeza em seu olhar, propôs: — O que acha, princesa, de dormir comigo em minha cama?
— Promete não mexer comigo? — debochou a outra. — Vou tentar — disse Ana rindo. Nekane se levantou e a ajudou a se erguer, e enquanto caminhavam para o quarto, sussurrou: — Então, acho uma ideia excepcional. Você sabe que meu negócio é homem.
4
O Natal chegou e Ana foi para Londres. Nekane, com dor no coração, pois gostava muito daquele homem engraçado, deixou Calvin em Madri e foi para Navarra. Inicialmente havia pensado em ficar com ele, já que Calvin tinha família no México e passaria as festas sozinho ou com amigos. Mas, por fim, decidira-se por ir; mais pelas reclamações de sua mãe, que achava inadmissível ela não estar no Natal. Quando Ana chegou ao aeroporto londrino, um homem uniformizado a cumprimentou e a levou até um carro luxuoso, onde colocou sua mala. Depois, conduziu-a até a casa de seus pais. Depois de beijar seus pais, Ana subiu a seu quarto. Estava exatamente igual a quando ela havia partido. Adorava voltar e encontrá-lo sempre idêntico. Tomou um banho, pôs um vestido para o jantar e, ao descer, encontrou sua irmã, que se jogou como uma louca em seus braços. — Pato, como você está linda! — Obrigada, Nana... você também está muito linda. Adorei seu cabelo! — E ao reconhecer o vestido da irmã, sussurrou: — E esse vestido da nova coleção Armani ficou lindo em você. Lucy sorriu e tocou alegremente o cabelo curto. — Antes de voltar à Espanha você vai comigo ao cabeleireiro de minha amiga Rachel, e ela vai deixar seu cabelo maravilhoso. E quanto ao vestido — baixou a voz —, Tom me deu de presente. Ele é muito liiiiiiiindo! Ana assentiu, e sua irmã, levando-a para um canto da sala enorme, murmurou: — Ai, Pato, estou preocupada! Há alguns dias que mamãe está abatida. Segundo papai, é porque o Natal a cada ano a deixa mais triste. E vou piorar tudo quando lhe contar de meu casamento. Minha mãe do céu! Ainda bem que do meu assunto não vão saber, pensou Ana. Durante aqueles dias havia pensado no que fazer, e, no fim, chegara à conclusão de que não havia lugar para um filho em sua vida. Ela era uma profissional independente que viajava muito, e um bebê só atrapalharia. Por isso, com toda a dor do mundo, havia marcado para 22 de janeiro, em Madri, um horário em uma clínica clandestina de aborto. Era o melhor, ela tinha certeza. Curtiu muito os dias que passou em Londres com sua família. Sair com sua irmã e seus amigos à noite era exaustivo, mas ela gostava. Uma daquelas noites encontrou Warren Follen, seu ex. Por sorte, ele não a viu, e Ana respirou aliviada quando viu que ele ia embora com uma garota, todo meloso. Passou várias tardes com seus pais diante da lareira jogando Monopoly, um ritual que desde menina os havia unido, e agora, evidentemente, ela não iria decepcioná-los. Na noite de réveillon, enquanto as duas irmãs jantavam com seus pais na bela sala inglesa, Frank Barners curtia o momento. Ter suas duas lindas filhas sentadas a sua mesa era algo que o regozijava e que em poucas ocasiões podia fazer. O fato de sua filha Ana estar tão longe dele era um espinho cravado em seu coração. Encantado, saboreava o jantar enquanto via as três mulheres de sua vida rindo e conversando. Depois de celebrar a entrada do novo ano, os quatro, emocionados, abraçaram-se. Então, Teresa sugeriu que fossem para a sala de TV para beber alguma coisa fresca antes que as garotas saíssem com os amigos. Elas aceitaram com prazer.
— Você está muito magra, Ana Elizabeth. Está comendo bem na Espanha? — Sim, mamãe. Como de tudo, mas você sabe: tenho que manter a linha! Nesse momento, uma propaganda na televisão atraiu a atenção de todos, e Teresa, tirando um lenço do punho da blusa, gemeu. — Quando vocês eram pequenas havia uma propaganda igualzinha. Lembro como Ana Elizabeth ficou contente no ano em que Papai Noel lhe trouxe a Nancy enfermeira e a cozinhazinha que até saía água da torneira! Lembra, Frank? — Sim, querida. Como poderia esquecer! — assentiu ele, orgulhoso. — Ah, que lembranças! E veja que propaganda mais doce! — gemeu Teresa, emocionada. — Ora, mamãe, não vai chorar por uma propaganda, não é? — Perguntou Ana, contendo o que aquela propaganda boba cheia de crianças sorridentes provocava nela. — Não, não estou chorando por isso. Choro porque tenho duas filhas saudáveis e bonitas, e nenhuma delas me deu netinhos para eu mimar e poder comprar brinquedos no Natal. Todas as minhas amigas têm netinhos, e eu... eu estou sozinha! E sem esperanças de ter um bebê em minhas mãos. Ah, que a terra me engula!, pensou Anna. — Mamãe! — exclamou Lucy, olhando para ela. — Teresa, querida — disse Frank, tomando a mão de sua mulher. — Os filhos são uma bênção de Deus, e chegam quando têm que chegar. — Mas eu quero ter netos — insistiu a mulher. — E vai ter, mamãe — assentiu Ana com o coração apertado. — Quando? — insistiu a mulher. — Algum dia, mamãe... algum dia — sussurrou Ana. — Só se for do Espírito Santo — brincou Lucy. Mas ao ver como sua irmã a olhava, esclareceu: — É que eu não pretendo deixar que um bebê estrague este corpo que malho na academia há anos. E você, não me parece feita para a coisa. Ora, não vejo você ou eu muito como mães. — Vocês só me dão desgostos! — Gritou Teresa, desconsolada. — Uma é a Lady Escândalo, e, a outra, a Lady Tatuagens. — Pelo menos somos ladies — ironizou Lucy de novo, ganhando um olhar seco de seu pai. — Mamãe, não exagere — protestou Ana. Ela só tinha duas tatuagens, e sua mãe só sabia da existência de uma. — Para que tive filhas? Para que me deixassem abandonada. — Mamãe! — Vocês nunca me dão uma alegria. — Tudo bem... começou a tragédia — debochou Ana, nervosa, olhando para seu pai. — Só desgostos! Vocês adoram me ver mal e deprimida... — Mamãe... mamãe, você vai passar mal — sussurrou Lucy, mas a outra continuou. — Eu me arrependo de não ter tido um filho homem. Com certeza ele teria nos dado mais alegrias que vocês, e provavelmente já teríamos um netinho correndo por esta sala. — Teresa — censurou seu marido —, não diga bobagens. As meninas são... — As meninas? Que meninas? Lady Escândalo e Lady Tatuagens já são duas mulheres que poderiam entender que estou ficando velha e que só quero o mesmo que todas as mulheres de minha idade: netos! — Mamãe! — Quero ter uma velhice tranquila e netinhos para beijar antes de morrer. Crianças pequenas para eu ensinar cançõezinhas infantis, para fotografar no último dia da escola com orgulho. Mas não, são duas egoístas que só pensam nelas e que nunca...
— Estou grávida! — gritou Ana. Ai, meu Deus, que foi que eu disse!, pensou assim que soltou aquilo pela boca. Todos a olharam, e um silêncio sepulcral tomou a sala; até que se ouviu um som oco. — Pelo amor de Deus, Teresa! — grunhiu Frank, correndo para ela. — Mamãe! — gritaram as jovens ao ver a mãe caída no tapete. — Traga os sais da segunda gaveta — indicou Frank a sua filha mais velha. Rapidamente, Ana abriu a gaveta que seu pai lhe indicou e lhe entregou um potinho. Ele o abriu, e colocando-o debaixo do nariz da esposa, conseguiu que ela reagisse. — Ah, Frank, acho que estou sonhando! Ouvi Ana Elizabeth dizer que estava grávida — articulou a mulher. — Não, Teresa, você não está sonhando — respondeu o marido. Com cuidado, sentaram-na em uma poltrona, e enquanto o homem se preocupava com o estado de sua mulher, Lucy olhou para sua irmã e gritou: — Muito bonito, Pato! Que notícia! E disse que não tinha nada de importante para contar! — É que eu não ia contar — balbuciou. — Perfeito! E agora, como vou lhes dizer que vou me casar com Tom Billman em maio? Teresa, horrorizada, levantou-se como um míssil e gritou, enquanto Frank tocava a cabeça: — Santo Deus! Você pretende se casar com o jogador de polo? — Sim, mamãe. Com Tom. — Mas você está louca, minha filha? — Não, mamãe. — Mas... mas, esse homem é um promíscuo que... — Mamãe, estou loucamente apaixonada por Tom. Sou adulta e vou me casar com ele. Assunto encerrado. Histérica, a mulher dramatizava, enquanto seu marido suspirava. As três juntas eram uma bombarelógio, e ele passava por isso desde sempre. — Vocês estão dispostas a me matar de desgosto? — Não, mamãe — respondeu Lucy enquanto Ana continuava em estado de choque pelo que havia revelado. — Teresa, sente-se antes que desmaie de novo — advertiu Frank. — Mas, Frank, você ouviu o que essas duas inconscientes disseram? — Sim, Teresa, eu ouvi. Mas a mulher, não satisfeita, agitou-se e gritou como uma possessa: — Uma grávida sabe lá Deus de quem, e outra que quer se casar com Tom Billman. Que escândalo! Que vergonha! Estaremos na boca de Londres inteira. Frank, pesaroso, olhou para suas duas filhas, e dando meia-volta, foi direto para o bar. Depois de se servir uma bela dose de uísque, bebeu-o de um gole só e se sentou. — Meninas, sentem-se. Temos que conversar muito seriamente — ordenou. Ana, ainda surpresa com a bomba que havia soltado, sentou-se ao lado do pai, enquanto sua irmã e sua mãe continuavam discutindo. Por que havia falado do bebê? Estava louca? Mas, ao olhar para a TV e ver as propagandas de Natal, com crianças, brinquedos e presentes, soube. Não queria abortar. — Querida — disse de repente seu pai, tirando-a de seus pensamentos —, você está bem? — Sim, papai — afirmou Ana sem muita convicção, segurando-lhe a mão e sorrindo. — Frank! — gritou Teresa. — Chame doutor Witman. Acho que vou ter um infarto a qualquer momento. O homem, após revirar os olhos, levantou-se, sentou sua mulher em uma poltrona e, entregando-
lhe seu copo, disse sem lhe dar muita bola: — Teresa, beba o uísque e esqueça o médico. Temos uma reunião familiar. E você, Lucy, sente-se. — Eu... Nós marcamos com Tom e... — Ligue para ele e diga que hoje vocês têm que ficar com a família. — Mas, papai... O homem cravou como poucas vezes o olhar em sua filha, e mantendo a decisão, repetiu: — Sente-se, e não me irrite. Pela primeira vez em muitos anos, Lucy se sentou sem reclamar enquanto Ana, surpresa com o tom de seu pai e o silêncio da mãe, observava. Depois de alguns segundos em silêncio, Frank olhou para as três mulheres de sua vida e advertiu: — Vamos conversar os quatro como pessoas civilizadas; portanto, Teresa, proíbo soluços, cenas desesperadas e todas essas coisas que você bem sabe, ou senão, saia da sala antes que eu comece a falar com minhas filhas, entendeu? — Sim, Frank — assentiu a mulher, espantada. A seguir, ele olhou para as filhas, e dirigindo-se a Ana, surpresa e pálida, perguntou: — De quanto tempo está? — Pouquinho, papai. Frank assentiu e perguntou de novo: — E o pai? Por um instante quis lhes contar a verdade. O pai era um suíço de quem não sabia nada. Mas dizer a eles que aquilo era o resultado do que vulgarmente se chama de uma noite de loucura pareceu-lhe forte demais. Por isso, com um sorriso inocente, afastou a franja do rosto e afirmou: — Ele está... está tão feliz quanto eu. — Pelo amor de Deus, Pato! Eu vou ser tia? — Sim, Nana. Parece que sim — respondeu Ana sorrindo com timidez. — E quem é o pai de meu futuro neto? — Quis saber Teresa. Ana olhou para ela e viu a mão que segurava o lenço subir perigosamente para a boca. Ela ia chorar a qualquer momento se não lhe dissesse que o pai de seu futuro neto era um conde ou um príncipe qualquer; mas já não havia como voltar atrás. Com rapidez, decidiu inventar uma bela história de amor que com o tempo cuidaria de fazer desaparecer. — Ele... é um homem encantador — E tocando a orelha, disse: — O nome... o nome dele é Rodrigo, e é bombeiro em Madri. — Ora, minha irmãzinha é esperta. Um bombeiro! — Sussurrou Lucy, piscando para ela. — Um bombeiro?! — Gritou Teresa desesperada. — Teresa! — Censurou Frank. — Mas Frank, ela merece coisa melhor. É uma moça bem-nascida. Tem estudo, e é... Sem deixar que terminasse, Ana olhou para sua mãe e asseverou: — Mamãe, Rodrigo é uma pessoa excepcional, que me ama como sou, não por quem sou. Ele cuida de mim, me mima, está preocupado comigo o tempo todo, e isso me faz feliz. Por acaso não quer que eu seja feliz? Ou prefere que eu tenha a meu lado um homem que nem me olhe, mas que se case comigo por ser filha de Frank Barners? Você pode até querer isso, mamãe, mas eu não. — Mas, filha, escute... — Não, mamãe. Eu quero alguém que de manhã me beije quando acordo de mau humor, alguém que me faça sorrir, e, especialmente, alguém que, com o passar dos anos — disse olhando para seu pai —, continue me amando, mesmo que eu me torne uma mulher intransigente. Eu busco isso em um homem, e Rodrigo é assim — mentiu. — Ele está tão emocionado com o bebê quanto eu. Não foi planejado, mas chegou em um momento de nossa vida em que não podemos ignorá-lo e nos
livrarmos. Você não queria netinhos? Pois aqui está — afirmou tocando sua barriga lisa. — Ou só porque é filho de um simples bombeiro será menos bonito e você vai amá-lo menos? — Não, querida... isso não — murmurou a mulher. — Meus netos serão meus netos sejam de quem forem, e vou amá-los loucamente. Emocionado com aquelas palavras, Frank tomou a mão da filha e a apertou. — Adorarei conhecer o homem que faz minha filha tão feliz. E garanto que serei um avô orgulhoso desse pequenino que está a caminho. — Obrigada, papai. Depois de se fundir em um abraço com seu pai, Ana ouviu a mãe tossir e se voltou para olhar para ela. — Querida, desculpe... É claro que quero vê-la feliz. Vou ser avó! — É o que parece, mamãe — sorriu Ana. Teresa soltou o lenço, abraçou a filha e a encheu de beijos, fazendo seu marido rir. — Amanhã mesmo vamos à loja de bebês de minha amiga Caroline e... — Não, mamãe — recusou Ana, decidida. — Não vamos a lugar nenhum porque não quero que ninguém saiba de minha gravidez ainda. Se a imprensa souber não vão me deixar em paz, e minha vida na Espanha é tranquila e sossegada. Vamos dar tempo ao tempo, e depois todos saberão. Frank segurou a mão de sua mulher e esta assentiu, enquanto Lucy, em frente aos três, soluçava como uma boba. — Que foi? — perguntou Ana. Sua irmã, com os olhos inchados e assoando o nariz no lenço que sua mãe lhe deu, olhou para ela. — Ai, Pato! Faz tempo que não vejo um momento tão lindo entre vocês, e... e... e isso me faz chorar. Vou ser tia de um lindo bebê! Eu amo vocês, e vou amá-lo, e isso me faz muito feliz, porque tenho uma família maravilhosa. Frank sorriu. Levantando-se, fez Lucy levantar-se também, e antes de abraçá-la com amor, afirmou, para horror de sua mulher: — Procure o vestido de noiva mais bonito, porque em maio vamos celebrar seu casamento com esse tal de Tom e conheceremos o pai de seu sobrinho e meu neto. Ao ouvir isso, Ana sentiu um calafrio. O que havia feito? Por que havia contado todas aquelas mentiras? Havia se metido em uma bela enrascada.
5
Dia 2 de janeiro Ana chegou ao aeroporto de Madri e se alegrou muito quando viu Nekane esperando-a. Depois de se abraçarem, entraram no carro e foram para casa. Mal haviam chegado quando alguém tocou a campainha e, ao abrir, Encarna gritou, abraçando Ana: — Feliz Ano Novo, Anita! — Feliz Ano Novo, Encarna! — respondeu Ana, feliz. — Como foi a viagem? — Bem... muito bem. Minha mãe mandou lembranças. — Ah, como Teresa é delicada! — De repente, a vizinha ouviu o som do telefone de sua casa, e piscando para elas, disse antes de desaparecer: — Fiz panquecas. Depois trago algumas para vocês. Horas depois chegou Calvin, que ao ver Ana também lhe desejou feliz Ano Novo. Aquela noite os três jovens jantaram enquanto comentavam as curiosidades do Natal. Mas Ana mentiu, pois não havia contado a Calvin que fora para Londres. Além do mais, algo chamou sua atenção: a proximidade entre o jovem e sua amiga era maior do que ela esperava. Eles não paravam de se beijar e fazer carinhos, e ela gostou disso. Alegrou-se por eles, mas sentiu uma estranha pontadinha de inveja quando se viu sozinha e grávida. Durante o jantar não mencionaram a gravidez. Quando Calvin foi embora, Ana perguntou a Nekane: — Isso que eu vi é paixão mútua? A outra sorriu. — Bem... digamos que gostamos um do outro. — E ao ver a cara de sua amiga, prosseguiu: — Somos como o Belo e a Fera; ele tão bonito com sua polo Ralph Lauren e seu Audi prateado, e eu tão retrô. Mas, menina, dizem que os opostos se atraem, e aqui estamos, curtindo o momento. — Pois eu acho que vocês combinam. Formam um belo casal. — Mais que belo, eu diria curioso! — Ambas riram, e Nekane disse: — A propósito, hoje ele me perguntou se vou pôr mais algum piercing. Quase menti e disse que sim, na ponta do nariz. Mas, no fim, vi sua carinha de menino bonzinho e não pude lhe dar esse desgosto. — Mas você vai pôr mais algum piercing? — Por enquanto, não. Com o da sobrancelha, o do nariz e o do umbigo por enquanto estou feliz. Mas nunca se sabe! Levantaram-se da mesa alvoroçadas. Quando entraram na cozinha, Ana perguntou: — Você não falou nada de minha gravidez, não é? — Não, querida; não sou tão língua solta assim. Enquanto Nekane colocava a louça na lava-louça, Ana estava intranquila. Queria perguntar por Rodrigo; desejava saber dele, mas não se atrevia a indagar. Contudo, quando acabaram e se sentaram no sofá, Nekane resolveu o problema. — Iris e Rodrigo vão chegar a qualquer momento. Iam ao cinema, e pela hora que é, já devem estar chegando. — Ah, tudo bem... sem problemas. Quando chegarem, eu me escondo em meu quarto e pronto. — E por que vai se esconder? — E ao ver a cara de vaso de Ana, Nekane pulou: — Ai, mãe do céu, o que você fez?
— Uma coisa horrível... — O quê? — É tão terrível que tenho até vergonha de dizer. A navarra cravou o olhar em Ana. — Terrível... horrível ou o que for, você vai me contar agora mesmo. Desembuche! — exigiu. Envergonhada com o que ia dizer, Ana pegou uma almofada nas mãos e começou a girá-la. — Então, estava tudo ótimo em Londres. Minha mãe tranquila, meu pai uma maravilha, minha irmã e suas loucuras, até que, de repente, tudo explodiu, e em plena crise familiar, quase tive um troço vendo umas propagandas de crianças, bonecas e ursinhos fofinhos cor-de-rosa, perdi a razão e soltei que estava grávida. — Como?! — E não contente com a bomba que soltei — prosseguiu—, ainda disse que o pai de meu bebê era... um bombeiro chamado Rodrigo. Ela cobriu o rosto com a almofada. Nekane ficou boquiaberta. O que aquela louca estava dizendo? Mas antes que pudesse comentar qualquer coisa, Ana esclareceu por trás da almofada: — Foi uma loucura momentânea. Uma alienação mental. Não sei o que me deu! — Pois é! — Minha mãe estava chorando, meu pai estava irritado, minha irmã gritando, e eu... eu, de repente soltei esse tsunami. Não sei o que me aconteceu. — Definitivamente, você teve uma síncope. — Sim... e das grandes. Depois de dois segundos de desconcerto, a navarra puxou a almofada e perguntou: — Então, você vai ter o bebê? — Sim — disse com segurança. — Puta que pariu. Que felicidade! — Aplaudiu emocionada. Mas, instantes depois, franzindo o cenho, acrescentou: — Mas como é que você foi meter Rodrigo nisso? — Não sei... Devo ter ficado louca ou os hormônios me traíram. Mas, fique tranquila, ele não precisa saber. Em maio, quando for ao casamento de minha irmã, terei terminado com ele, e meus pais vão me mimar porque estarei arrasada pelo fim do relacionamento, e pronto. — Terá terminado com ele? — Sim. — Terminado o relacionamento? — Sim. — E quando foi que começou esse relacionamento? Ao ver que sua amiga a olhava atônita, Ana perguntou: — Você acha que me meti em uma bela confusão, não é? — Ah, sim, acho e vejo. Ah, sim! — Mas, Neka, Rodrigo não precisa saber. — A lei de Murphy, querida... Você sabe que essa lei é uma filha da puta. Basta que não queira que aconteça algo para que aconteça! E aquilo que você achava que alguém nunca saberia, acaba sabendo, e, no fim, a merda está feita. — Mas você não vai dizer nada, não é? — Claro que não, mas... Nesse momento a porta se abriu, e dois segundos depois, o casal sorridente apareceu. Ana, ao ver o homem que a deixava louquinha, foi se levantar, mas Nekane a segurou pela camiseta e ela caiu de bunda no sofá. Iris, ao ver Ana, fez cara de nojo. Cada vez gostava menos dela. De modo que depois de dar um beijo nos lábios de seu acompanhante, despediu-se dele e foi para seu quarto. Rodrigo,
cumprimentando-as com alegria, aproximou-se e deu um beijo em cada uma. Ao ver que o olhavam fixamente, perguntou: — Aconteceu alguma coisa? Ambas negaram rapidamente com a cabeça, e no fim, Nekane murmurou: — Não... Por que teria acontecido alguma coisa? Estranhando o modo como o observavam, ele fixou o olhar na moreninha Ana e disse: — Como foi o Natal? — Bem... Diferente. — Onde passou? — Na casa de meus pais. Com um sorriso demolidor que fez Ana sentir calor, ele pontuou: — Isso eu já sei. Perguntei onde fica a casa de seus pais. Depois de pensar por uns instantes, Ana tocou a orelha e disse: — Na França. Marselha. — Você é francesa? Nekane a olhou boquiaberta. — Oui — respondeu Ana com uma expressão cômica. — Meio francesa. Minha mãe é espanhola. Rodrigo assentiu, mas, de algum modo, percebeu que aquelas duas estavam tramando alguma coisa. Deu meia-volta, e antes de sair pela porta, disse: — Garotas, tranquem a porta. Boa noite. Quando ele saiu, Nekane olhou para Ana, perplexa, e murmurou: — Francesa? Oui? Você percebe a quantidade de mentiras que está soltando por essa boquinha? — E ao ver onde Ana estava com a mão, alertou: — E pare já de tocar a orelha, que cada vez que você faz isso é para começar a tremer! — Meu Deus, que estou fazendo? — Mentindo — respondeu a navarra. — Mas o que há comigo? Nem saio de uma e já me meto em outra? — Ouça, linda, mentira tem perna curta, ou, como diria minha avó, é mais fácil pegar um mentiroso que um manco, e, no fim, vão pegar você por todos os lados. Francesa? Puta que pariu! — Foi a primeira coisa que saiu... — Sua paixão por esse tordo é descarada. Você se viu? Ana assentiu. — Tenho que tirá-lo da cabeça — declarou antes que sua amiga dissesse algo mais. — Grávida, não tenho nenhuma chance com ele. Quando eu começar a ficar gorda como um barril, acho que não vai nem olhar para mim. Mas eu gosto tanto dele! — Bem, não quero desanimá-la, mas, minha rainha, ande depressa para matar esse desejo. — Que desejo? — Do bombeiro. — E ao ver a expressão de sua amiga, acrescentou: — E se o corpo está pedindo, por que não? — Como é que é?! Nekane a olhou, convicta, e com um sorriso irônico nos lábios, disse: — Sejamos realistas, Ana. Suas possibilidades de pegar esse capitão de batalhão quando sua gravidez começar a se notar são nulas. Portanto, vá atrás dele! — Você ficou maluca? — Talvez — respondeu Nekane alegremente. — Mas ele é homem, e nós sabemos no que os homens pensam quando uma mulher lhes dá bola, não é? De modo que, repito, vá atrás dele. Ele não vai rejeitá-la! — Mas, Neka, não posso. Ele está com...
— Há alguns dias, Calvin e eu pegamos Iris em um bar toda dengosa com outro; aliás, muito bonito. Essa de tonta não tem nada. — Não me diga! — Digo sim. — E baixando a voz, sussurrou: — Calvin me disse que contou a Rodrigo assim que viu. — Sério? E o que ele disse? — Suas palavras foram: “Ela pode sair com quem quiser, e eu também, porque não temos nada sério”. — Uau! — Portanto, minha rainha, você tem um mês ou dois para pegar o homem dos seus sonhos e viver umas tórridas noites de paixão com ele antes que sua barriga comece a aparecer e você comece a andar como uma pata. Ana sorriu. Aquilo era uma loucura, mas talvez não fosse tão má ideia. No Dia de Reis, à noite, Ana e Nekane saíram para beber alguma coisa no barzinho de uma amiga que as havia convidado. Calvin havia marcado com uns conhecidos e foi para outro lado, e Nekane estava disposta a se divertir com Ana. Esta, como normalmente fazia, havia vestido uma calça preta e uma camisa, mas quando a outra a viu, fez que trocasse de roupa. Tinha que ficar linda e sexy, e a obrigou a pôr uma saia curta, uns belos saltos e uma camisa mais sugestiva. Quando chegaram ao Virgin, encontraram alguns amigos, e a festa foi maior que o esperado. Durante a noite houve vários sorteios, e Ana pulou feliz quando ganhou um fim de semana grátis em um lindo spa de Toledo. — Que sorte! — exclamou, aplaudindo. — Vamos a um spa! Nekane olhou para ela. — Bem, eu vou com você até o fim do mundo, mas não prefere aproveitar esse fim de semana com alguém especial? — Você é especial! — Sim, eu sei que sou irresistível — disse Nekane rindo —, mas pensei que você podia ir para lá com alguém que lhe desse certos carinhos e momentos ardentes que eu não vou lhe dar. A propósito, reparou no pessoal aqui hoje? Ambas olharam ao redor. O local estava cheio de homens interessantes, e mais de um já as havia atraído. — Veja esse gato, o que acha? Ana o observou. — É bonito... — Só bonito? — Ah, Neka, sei lá. Parece um sujeito normal. Parece simpático e forte, mas... — E franzindo o cenho, exclamou: — Caralho, esta maldita cinta está me matando! — Você pôs uma cinta? — perguntou Nekane, incrédula. — Sim. — É a de vaquinhas cor-de-rosa? — Ao ver a expressão de sua amiga, a navarra sibilou:— Puta que pariu! Que ideia de pôr essa cinta em uma noite como esta! Ana quis dizer que não pretendia mostrar a cinta, nem outra coisa, a ninguém, mas respondeu: — A saia não fechava, por isso tive que pôr a cinta. Acho que a gravidez está começando a fazer estragos em meu corpo. Nekane soltou uma gargalhada, e Ana, incomodada, deu-lhe um tapa na cabeça. — O que você queria que eu fizesse? Você insistiu para eu pôr uma sainha, e esta era a única que servia mais ou menos. Nesse momento, Nekane lhe fez um sinal com a mão. Tirou o celular do bolso de seu minivestido, e ao ler a mensagem, aplaudiu. Era Calvin perguntando a ela onde estava. Sem hesitar, ela deu o endereço do lugar, e vinte minutos depois chegavam Calvin, Rodrigo e mais dois rapazes.
Ana, que estava dançando com um de seus amigos, ficou parada no meio da pista ao ver Rodrigo. Ele estava com uma calça jeans que ficava ótima nele, uma camisa branca e uma jaqueta preta aberta que o deixava forte e viril. Como podia ser cada vez mais gostoso? Ele, ao vê-la, deu uma piscadinha, mas se voltou e foi ao balcão com os outros. Estava com sede. Nekane, ao ver a expressão de sua amiga, aproximou-se, e enquanto rebolava ao som de Pitbull, sussurrou: — Hoje pode ser seu grande diiiia! — Não... não diga bobagens. — Você viu como o capitão está hoje? Oh, sim, claro que vi!, pensou, mas respondeu: — Não... Neka. Não. — Pense bem, bobinha. A casa é todinha sua — insistiu enquanto ambas paravam de dançar. — Iris está viajando, e eu pretendo dormir com Calvin na casa dele, porque estou a fim de me divertir com meu doce mexicano. O que a impede? — O nervosismo! E não estou com minha melhor lingerie sexy — gemeu ao sentir um nó no estômago. — Maldita cinta! — protestou Nekane. — Pode ir entrando no banheiro para tirar esse símbolo de repressão e antissexy. E ainda por cima de vaquinha. — Mas... — Nem mas, nem meio mas — cortou a outra. — Tire a cinta, esqueça o nervosismo e aproveite o momento. A propósito, já lhe disse que essa camisa a deixa com uns seios impressionantes? — Outro estrago da gravidez — afirmou Ana rindo e olhando os seios, encantada. Então, Calvin se aproximou, e pegando Nekane pela cintura, levou-a de novo para dançar. Durante uns instantes Ana ficou em estado de choque. Devia aproveitar o momento? Incapaz de pensar com clareza, foi até o banheiro, onde, depois de fazer malabarismos no espaço reduzido, tirou a cinta com desenho de vaquinhas e a guardou na bolsa. Ao sair do reservado, acalorada, olhou-se no espelho e jogou água na nuca. — O que estou fazendo? — perguntou-se. Mas, sem responder, colocou sua longa franja atrás da orelha e saiu do banheiro. Olhou disfarçadamente para o balcão, onde o objeto de sua atração falava com seus amigos, e sentiu mais um nó no estômago. Rodrigo era um sujeito imponente e, com aquela camisa que se ajustava ao corpo, estava de matar. Sou uma mulher liberal, quero fazer isso, e posso... Eu posso, pensou, agitada. Dois segundos depois, ciente do que realmente queria fazer, encaminhou-se com passo firme para ele. Ao vê-la chegar, Rodrigo a olhou e fez um espaço ao seu lado no balcão. — O que quer beber? — perguntou. “Um uísque triplo”, disse com seus botões; mas, de repente, lembrou-se da gravidez. — Uma Coca-Cola com gelo — respondeu. — Uaaaau! Mulher de gostos caros e exóticos — ironizou ele com um sorriso no rosto. — Você nem imagina. Rodrigo pediu e pagou a Coca-Cola, e quando ela foi dar o primeiro gole, ele deteve-lhe a mão e, batendo seu copo no dela, murmurou enquanto percorria seu decote com um olhar sexy: — Que os Reis Magos esta noite nos surpreendam. Ana suspirou. Nunca gostou de se sentir o objeto sexual de ninguém, mas em se tratando dele, isso a excitava. E com um sorriso que não deixava transparecer o que pensava, assentiu. — Com certeza.
Durante um bom tempo aquele grupo de amigos falou de futebol, algo que não interessava a Ana, mas a fim de provocá-los, contrariou-os em tudo. Rodrigo a observava, divertido; parecia curtir a situação. Quando seus dois amigos se renderam e foram paquerar umas garotas, ele lhe perguntou diretamente: — Você está saindo com alguém? Aquela pergunta a pegou tão de surpresa que ela ficou feito boba olhando para ele, de boca aberta. Quando conseguiu reagir, bebeu um gole de Coca-Cola e respondeu: — Com vários e com nenhum em particular. — Garota esperta... — comentou Rodrigo, depois de deixar escapar uma risada e erguer sua taça. — Ou você acha que só os homens se divertem? — Soltou Ana, mudando o peso do corpo de um pé a outro. — Nós também gostamos de ficar com quem queremos, sem a monotonia de uma relação formal. Além do mais, acredite ou não, com este corpo pequeno consigo tudo que quero. Rodrigo, surpreso, observou-a com atenção e tornou a cravar seu olhar azulado naqueles seios tentadores. E disposto a experimentar o que ela parecia oferecer, deu um passo em sua direção para diminuir a distância. — Está falando sério? — Claro — murmurou ela ao tê-lo tão perto. — Não pensei que você fosse uma mulher tão liberal — disse ele, retirando lentamente a longa franja do rosto dela. — Mas sou — e para jogar mais lenha na fogueira, ela se aproximou mais e perguntou: — Você sai com mais alguém além de Iris? Rodrigo entendeu. Ela o estava provocando, e ele não perderia a oportunidade. E pousando sua mão enorme em Ana, respondeu enquanto a acariciava girando seu dedo nas costas dela: — Não, e também não tenho nada com Iris. Somos só amigos. — De cama? Apoiando-se no balcão, o bombeiro se inclinou para ela até roçar seu ouvido com os lábios, e disse em um tom suave e incitante que a enlouqueceu: — Posso dizer que sim. Mas assim como tenho ela... posso ter outras. — Isso é uma proposta indecente? — Perguntou Ana, depois de quase engasgar com a Coca-Cola. — Claro. Totalmente — assentiu ele categórico. E então, não foi preciso dizer mais nada. Ambos entenderam. — Na sua casa ou na minha? — Perguntou Rodrigo. Ana estava com as pupilas dilatadas e as mãos suadas pela proposta dele, e seu coração estava prestes a sair-lhe pela boca. Sem poder evitar, deu graças aos céus por ter tirado a faixa e respondeu, decidida: — Na minha. Acho que fica mais perto. Ana deixou o copo no balcão, e depois de localizar Nekane, fez-lhe um sinal com a mão. A amiga, vendo que ela ia embora com Rodrigo, ficou sem palavras, mas levantou o polegar desejando boa sorte. Na porta, o vento era frio e chovia torrencialmente. — Você veio de carro? — Sim — disse Rodrigo, segurando firme sua mão. — Vamos, está ali. Divertidos, correram debaixo da chuva até chegar a uma viela, e ali entraram no carro. Já lá dentro, Rodrigo ligou o ar quente. — Ufa, meu Deus, estou congelada! — É, está um frio dos diabos — Rodrigo sorriu e pôs música. — Mas vai ver que em dois segundos já esquenta. Tire o casaco e dê aqui. Está encharcada — pediu ele.
Sem hesitar, ela tirou o casaco e o entregou a ele, mas quando ele se voltou para deixá-lo no banco de atrás e encontrou o rosto encharcado de Ana, sem poder evitar segurou-o com as duas mãos, e aproximando sua boca da dela, beijou-a. Aquela garota de cabelo encharcado colado no rosto era tentadora; e, para que negar, naquela noite era sua melhor opção. De início o beijo foi terno, doce, mas conforme passaram os segundos, intensificou-se pela paixão dela, até se transformar em um verdadeiro furacão emocional. Meus Deeeeeeus! Como beeeeeija!, pensou Ana maravilhada, soltando a bolsa. Sem se importar com o lugar onde estavam, a excitação de Ana foi crescendo, e dez minutos depois, ardente como poucas vezes na vida, ela levantou a saia até os quadris, e deixando-o atônito, montou sobre ele. — Espere... — Não — negou ela, beijando-o. — Ana, pare! — Ao ouvir o tom de sua voz Ana olhou para ele. Rodrigo explicou, de cenho franzido: — Não quero fazer no carro, entendeu? — Uaaaaau, que careta! — Debochou ela, querendo continuar. Ana, como um vulcão em erupção, mexeu os quadris com lentidão sobre a grande ereção dele, que involuntariamente se intensificou, e sussurrou, manhosa e decidida a atingir seu propósito: — Vai mesmo me fazer parar? Rodrigo apertou os dentes. Com o passar dos anos, havia aprendido que uma cama e a intimidade de um quarto eram o melhor lugar para desatar a paixão; em especial porque um homem como ele, de um metro e noventa de altura, mal podia se mexer no carro. Mas aquela moreninha com cara de sapeca e um maravilhoso cheiro de pêssego o estava excitando em excesso, e se continuasse assim, ela ganharia. — Ouça — insistiu ele com menos convicção —, nós dois temos casas com camas e quartos ótimos, não precisamos fazer aqui no carro o que estamos querendo... muito. — Repito: careta! — Sussurrou ela, desafiando-o, perto do ouvido. Excitado com a proposta dela, por fim ele sorriu, e quando Ana o chamou de “careta” de novo, pôs o banco para trás, e disposto a aceitar o desafio, disse: — Ok, você venceu. Quando conseguiu obter o espaço que queria, ele sorriu, e Ana, desejando realizar sua fantasia, abriu-lhe a camisa branca botão por botão, e quando teve só para ela aquele torso duro e firme, beijou-o. Com deleite, tocou seus abdominais definidos e percorreu lentamente seu corpo enquanto ele deslizava a mão por seu pescoço, depois pelos ombros e finalmente pelas costas até chegar aos quadris. Ela tirou a camisa dele, extasiada. Rodrigo era grande, musculoso e terrivelmente gostoso, e quando por fim viu a tatuagem com que tantas vezes havia sonhado, sorriu. Hipnotizada por aquele desenho tribal que começava no braço, subia até o ombro e terminava no início do pescoço, suspirou. E sem perder um segundo, pousou os dedos nela e a tocou. — Adorei. Rodrigo se endireitou no banco, levou o nariz ao pescoço dela e a beijou. — Gostou? Toda arrepiada pelo que ele a estava fazendo sentir só de tocar suas costas e beijar seu pescoço, assentiu, fechando os olhos. — Sim. Eu também tenho duas tatuagens. Incapaz de deter o ataque, Rodrigo, com delicadeza, segurou o rosto dela com as mãos e tornou a beijá-la. Tomou aqueles lábios tentadores e os sugou enquanto levantava os quadris e apertava sua enorme ereção contra a virilha dela. Depois, inclinou-lhe a cabeça para trás e atacou seu pescoço;
aquele pescoço doce e de pele suave, mimando-o com centenas de beijos minúsculos cheios de erotismo. Perguntou com voz sinuosa: — Onde são as tatuagens? Depois de soltar um gemido de satisfação pelos carinhos que ele lhe fazia, Ana apoiou as mãos no peito duro dele e — tinha que se afastar, senão explodiria — sussurrou, enquanto a chuva caía forte do lado de fora: — Tenho uma no tornozelo e outra no ombro esquerdo. Vou lhe mostrar. Rodrigo arregalou os olhos, e de boca seca viu-a desabotoar a camisa e mostrar uns seios tentadores, reprimidos por um sutiã escuro. — Gostou de minha tatuagem? — Provocou ela, mexendo o ombro esquerdo. Sem se importar mais com o fato de estarem no carro, ele cravou seu olhar azul inquietante no ombro que Ana lhe oferecia, e após contemplar a bela tatuagem de uma fada de asas grandes, mordiscou seu ombro e sussurrou: — Linda como você. Toda tonta pelas coisas que Rodrigo lhe dizia, ela sorriu, e sem pudor, disse enquanto roçava a tatuagem dele com a ponta dos dedos na área do pescoço: — Uma linda tatuagem em um corpo maravilhoso... É sexy e excitante. — E sem poder evitar, riu e acrescentou: — Minha mãe ainda não me perdoou por ter feito uma. — Minha mãe ficou arrasada — murmurou ele enquanto passava a língua lentamente pelo vão dos seios que se erguiam majestosos diante dele. — Aposto que a minha ficou pior — suspirou ela, deixando-o agir. — Duvido. Adorando aquela entrega, ele pousou as mãos nas pernas dela e se surpreendeu ao ver que as meias chegavam só até as coxas. Sexy! Ardente, receptiva e morrendo de desejo, ao sentir as mãos dele dentro de suas coxas suspirou, enquanto a chuva batia com força no teto do carro. Esse era o momento mais excitante que havia tido na vida, e estava disposta a curtir. Sentindo-se atrevida, ela mesma abriu o sutiã. Seus seios ficaram soltos à altura do rosto dele, e então, ela o empurrou. Rodrigo se recostou no banco do carro, e ela, poderosa, levou um dos seios à boca dele, que, entendendo o que ela desejava, chupou o mamilo. Durante um tempo ela tomou a iniciativa naquele jogo ardente. Primeiro foi um seio, depois outro, e quando ele estava duro e receptivo, pôs sua boca sobre a dele e a devorou. Assim ficaram um bom tempo, até que, prestes a explodir por se ver tão tolhidos em seus movimentos, Rodrigo pegou sua carteira e tirou dela um preservativo. Já não aguentava mais. Se continuasse com aquela brincadeira, gozaria nas calças, e o que queria era gozar dentro dela. Precisava disso. Ana, ao ver o gesto, sentiu a tentação de lhe contar seu segredo. Seria certo esconder? Mas, no fim, decidiu que era um segredo só seu, e naquele momento só queria uma coisa: sentir a virilidade de Rodrigo dentro dela. — Adoro seu cheiro de pêssego — murmurou ele enquanto colocava o preservativo. — De pêssego? — Sim... de pêssego fresco, doce, tentador, louco. — Deve ser o preservativo. Tem sabor? — Balbuciou ela, ansiosa. — Não... é você — insistiu ele, fazendo-a sorrir. — Você também tem um cheiro ótimo. Que perfume você usa? — Adivinhe. Dengosa, ela levou o nariz a seu pescoço, e ao ver que ele havia acabado o que estava fazendo, levantou-se um pouco, pôs aquela enorme ereção na entrada de seu sexo, e enquanto escorregava
sobre ela lentamente, sussurrou: — Hugo Boss. Ainda me lembro de seu cheiro no dia do incêndio. — Acertou — disse ele quase gemendo ao sentir que ela se encaixava. Depois de introduzir totalmente o pênis, Ana inspirou, e olhando-o nos olhos, murmurou, mexendo-se para frente e para trás com parcimônia: — Meu Deus, você não imagina que delícia é fazer isto. Recostado no banco de seu carro, ele passou as mãos pelas costelas dela, até que, segurando-a pela cintura, murmurou apertando-a com força contra si: — Você não imagina como me deixa fazendo isso. Incapaz de aguentar nem mais um segundo aquela doce tortura, Rodrigo tomou as rédeas, e mexendo Ana sobre si, pela cintura, a fez gritar de prazer. Ana estremeceu. As penetrações desse homem a enlouqueciam. Ao vê-lo de lábios entreabertos, inclinou-se sobre ele e o beijou. Ele cravou os dedos na cintura dela enquanto entrava e saía. Exaurida pelo beijo, precisando respirar, Ana se endireitou enquanto ele continuava com seu ritmo implacável, até que um gemido a deixou rígida e uma onda de êxtase a fez explodir e desabar em cima dele. Quando ele viu que ela havia chegado ao clímax, depois de quatro soberbas investidas, com um grito gutural, Rodrigo se deixou levar pela paixão do momento e também se rendeu ao gozo. Enquanto jaziam um sobre o outro no incômodo banco da frente do carro e tentavam recuperar o ritmo da respiração, nenhum deles falou. Limitaram-se a escutar o barulho da chuva. Até que começou a tocar uma canção no rádio, e rapidamente, Ana, que continuava com os olhos fechados, começou a cantarolar. ... y tú, y tú, y tú, y solamente tú haces que mi alma se despierte con tu luz tú, y tú, y tú.. Durante um curto espaço de tempo ele se limitou a escutá-la enquanto ela cantarolava apoiada em seu peito, até que, ao tocar seu braço, sentiu-a fria. Rapidamente, pegou sua camisa, a cobriu e sussurrou: — Você tem uma voz muito bonita, e, pelo que vejo, gosta desta canção. — Adoro esta canção de Pablo Alborán — disse ela levantando o rosto do peito dele. E olhando para ele, acrescentou: — Conhece? Ele sorriu, e depois de lhe dar um beijo doce na palma da mão, negou com a cabeça. — Não é meu estilo. Já disse que baladinha de amor não é comigo. Ela o observou. Onde estava a veia romântica daquele homem? Mas decidida a não estragar aquele lindo momento, sorriu. Quando acabou a canção, pegou sua bolsa no banco do passageiro, abriu-a e tentou pegar uns lenços de papel; mas, de repente, alguma coisa voou e caiu entre os dois. Rodrigo foi mais rápido que ela, e ao pegar o objeto, olhou-o com uma expressão divertida. — O que é isto? Vermelha como um tomate, ela tentou tomar dele, mas Rodrigo não deixou. E ao ver do que se tratava, tornou a perguntar, divertido: — Você carrega uma cinta na bolsa? — Ela não respondeu, e ele acrescentou: — Uaaaau, e uma cinta de... vaquinhas? Horrorizada e morrendo de vergonha, ela se sentou rapidamente no banco do passageiro, pegou sua camisa e começou a se vestir, depois de guardar o sutiã na bolsa. Não pretendia responder ao que ele perguntava, e menos ainda depois de ver sua cara de ironia. Aquilo era humilhante. Mas ao ver que ele não tirava os olhos dela, esclareceu: — Tudo bem, eu confesso: são vaquinhas. Eu estava com a maldita faixa porque quando ponho esta saia, preciso disfarçar uma barriguinha. Mas estava incomodando, e decidi tirá-la. Assunto encerrado.
— E com um puxão, arrancou a cinta dele. Rodrigo decidiu ficar calado. Aquilo foi a coisa mais divertida que já lhe acontecera em um encontro. Teria gostado de continuar brincando com aquilo, mas ao ver o cenho franzido dela, optou por dar um tempo. Cinco minutos depois, já vestidos, o jovem voltou a olhar para ela e perguntou: — Ainda vamos para sua casa? — Sim, claro. — E cravando seus olhos verdes nele, murmurou: — A não ser que ao ver a maldita cinta seu desejo tenha desaparecido. Então, não aguentando mais, soltou uma gargalhada que finalmente fez Ana rir. Depois de um bom tempo lembrando-se da cinta voadora e rindo, Rodrigo ligou o carro. — Sua cinta de vaquinhas me deixou louco — disse ele, e ela ficou toda arrepiada. Assim, rindo, ele dirigiu até a casa de Ana, onde naquela noite fizeram amor repetidamente, no sofá, no balcão, e, por fim, antes de adormecerem, na cama. Na amanhã seguinte, depois de uma noite de sexo perfeita, tomaram café da manhã juntos: café com leite e torradas. Rodrigo ia embora. Enquanto punha o casaco, notou um gato cor de canela e branco que cochilava no sofá. — Não sabia que você tinha um gato. Com um sorriso carinhoso, Ana mordeu um biscoito. — Miau costuma se esconder quando vem gente. É muito tímido! Mas deve estar tão cansado por causa da noite que o fizemos passar que decidiu não se mexer. — Miau?! — Sim. Rodrigo soltou uma gargalhada, apontando para a gaiola do canário. — Não sei por que me surpreendo, se esse aí se chama Pío. Ambos sorriram. Ele se aproximou dela e a pegou pela cintura. — Foi um prazer passar a noite com você. — Digo o mesmo. Durante alguns minutos se olharam nos olhos, e então Ana, para quebrar o momento, aconselhou: — Agasalhe-se que está muito frio. Rodrigo a soltou e, dando-lhe um beijo rápido nos lábios, ergueu a gola da jaqueta preta, abriu a porta e foi embora. Quando Ana ficou sozinha na entrada, de calcinha e camiseta, levantou os braços em sinal de vitória e pulou como uma louca. Havia sido a melhor noite de sexo e luxúria que vivera na vida. Rodrigo era atencioso e carinhoso, tanto na cama quanto fora dela, e isso a deixara encantada. — Muito bem! Olé para você, Anita! — Gritou, alvoroçada. Feliz pelo ocorrido, apertou o play do aparelho de som e deixou tocar a todo volume a canção de Don Omar, Danza Kuduro. Emocionada, começou a mexer os quadris e as mãos ao ritmo dessa melodia tão grudenta. Estava tão entretida na dança que não ouviu a porta se abrir; até que, em uma das voltas, viu Nekane e Rodrigo. Rapidamente parou de dançar e tirou a música. O bombeiro, ao ver seu rosto corado, sorriu. Aquela moreninha era muito engraçada. E pegando as chaves de seu carro na mesinha, disse: — Esqueci. Ana assentiu, e ele, sem dizer mais nada, deu uma piscadinha, voltou-se e foi embora. Uma vez que estavam as duas sozinhas na sala, Nekane olhou para sua amiga e perguntou, sorrindo: — Noite maravilhosa? — Ponha maravilhosa nisso!
Nekane, feliz por ver a amiga tão feliz, foi até o aparelho de som, apertou o play de novo, e as duas começaram a dançar como loucas. Elas mereciam. À tarde, depois de almoçarem juntas, conversaram sobre a noite que tiveram. — Ana... — disse Nekane olhando para a amiga —, tive uma ideia. — Ai, mãe do céu! Quando você tem ideias, é melhor começar a tremer — debochou Ana. — Não, tonta. Escute. — Estou escutando. — Ontem você ganhou um fim de semana em um spa, não foi? — Sim. — E se você convidar Rodrigo? Se uma noite foi tão maravilhosa, o que não poderão fazer em um fim de semana, hein? Ana olhou para ela. Sua amiga estava maluca? Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Nekane acrescentou: — Tudo bem, eu entendo que me olhe com essa cara de espanto, mas, por que não? — Porque acho que não faz sentido. Porque não sei o que vou fazer um fim de semana inteiro com ele. — Até parece! Como não vai saber o que fazer com ele? — disse a navarra, rindo. — Se quiser, eu lhe digo o que pode fazer em um spa com uma cama grande, massagens e... — Não. Não é uma boa ideia. Sem lhe dar tempo de pensar, Nekane lhe deu o número do celular de Rodrigo. — Ligue para ele e convide. — Nem louca. — Não seja recatada! Você gostou da noite que passou com ele e... — Claro que gostei da noite que passei com ele. Foi alucinante! Mas tenho que ter consciência de minha situação. Não estou em um momento para... para... — Ligue. — Não, assunto encerrado. — E levantando-se, anunciou: — Vou ao banheiro. Nekane a seguiu com os olhos até que Ana desapareceu de vista, e assim que ficou sozinha na sala de jantar, pegou o celular da amiga, digitou rapidamente uma mensagem e a enviou. Três minutos depois, Ana voltou. — Demorou, minha filha. Achei que ia ter que chamar o bombeiro — comentou Nekane olhando para a amiga. — Opa! Ambas riram com a brincadeira. Logo o celular de Ana apitou. Havia recebido uma mensagem. Ao pegar o celular, a expressão de Ana mudou e ela leu em voz alta: — Aceito passar o fim de semana com você. Basta me dizer quando. Nekane começou a aplaudir. — Muito bem! Eu sabia que esse tordo não ia recusar. — O que foi que você fez?! — Gritou Ana, soltando o telefone como se queimasse. — O que você não fez. Incapaz de acreditar no que Nekane havia tramado, protestou: — Caralho, Neka! Estou grávida! — E daí? Sua barriga ainda não aparece, e você precisa aproveitar o tempo. — Mas... mas é uma loucura. — Loucura seria não fazer. Lembre-se que daqui a pouco sua vida sexual será zero. Kaput! Qual é o problema? Só porque está grávida? Ana estava boquiaberta diante do que sua amiga dizia. — Só estou tentando não criar confusão.
— E por que vai dar confusão se ambos são adultos e sabem o que querem? Ora, Ana, não seja careta! Você nunca foi, e sempre satisfez seus desejos sexuais quando lhe dava na telha. Você gosta de Rodrigo, passou uma noite fantástica de sexo e luxúria com ele, e, por isso, precisa aproveitar o tempo que lhe resta. Ainda espantada com a proposta de Nekane, e mais ainda por ele ter aceitado, pegou o celular e digitou: “Tem o próximo fim de semana livre?”. Cinco minutos depois, um novo apito, e ambas gritaram ao ler: “Resolvido. Vamos ao spa!”. Chegou o fim de semana, e depois de fazer e desfazer sua mala um bilhão de vezes, pondo toda a lingerie sexy que tinha, Ana, histérica e perdida, desceu com sua amiga à portaria. Rodrigo devia estar chegando. — Comporte-se e divirta-se — aconselhou Nekane, rindo ao ver o cenho franzido de Ana. — E lembre-se: Você merece. — Olá, bonitas! — cumprimentou Encarna. E ao ver a mala de Ana, perguntou: — Vai viajar? — Ela vai passar o fim de semana com um tordo impressionante — respondeu Nekane. A vizinha colocou a carteira debaixo do braço e sorriu. — O que está dizendo, criatura? Com quem vai? Ana olhou para a amiga com vontade de matá-la, e esta, sem dizer que ela ia com o bombeiro que havia tirado Encarna pela janela, respondeu: — Um tordo maravilhoso, eu garanto! Encarna, encantada, sorriu e disse: — Fico feliz, querida. Aproveite e curta bastante. — E se aproximando, perguntou: — É bonito, o moço? Ana finalmente sorriu e sussurrou: — Bonito é pouco, Encarna. — Ah, Anita! Então, aproveite em dobro. Depois de gargalharem, Ana as beijou. Nesse momento apareceu o carro de Rodrigo. Disposta a se divertir, Ana se encaminhou para ele. Quando o carro parou e ele desceu, não lhe deu um beijo nos lábios, e isso a decepcionou. Rodrigo simplesmente abriu o porta-malas e guardou a mala. — Pronta para um fim de semana relaxante no spa? — Prontíssima — assentiu ela. Depois de receber um aperto afetuoso no ombro, Ana abriu a porta do carro e entrou. Na portaria, Encarna e Nekane os observavam. — Mas esse não é o bombeiro que... — começou a vizinha. — Exatamente, Encarna. — Mas que olho bom tem a menina! — Assentiu a mulher. No caminho até Toledo, Ana começou a se sentir enjoada. O que estava acontecendo? Disfarçou o máximo que pôde. Não era hora de passar mal. Ali estava ela, com um sujeito incrível, usando uma linda lingerie vermelho paixão, e nada ia estragar o momento. Mas quando não aguentou mais, olhou para ele e gritou: — Pare o carro! — Que foi? — perguntou ele, surpreso. — Vou vomitar. Rodrigo deu um jeito de parar à direita e, segundos depois, todo o glamour de Ana foi por água abaixo. Seu rosto ficou cinza e seu corpo se contorceu. Sem hesitar, ele pegou uns lenços de papel no porta-luvas. Saiu do carro, e contornando-o, aproximou-se. Ela escondia o rosto, agachada no chão. — Está melhor? — Perguntou ele, preocupado, estendendo-lhe os lenços de papel.
Sem olhar para ele, Ana assentiu, e enquanto pegava o que ele lhe entregava, pensou: Que a terra me engulaaaaaa! Mas, como foi acontecer isso comigo?. Durante alguns minutos os dois ficaram em silêncio, até que ele tornou a perguntar: — Ana, você está bem? Depois de inspirar, ela se levantou e murmurou, com um belo sorriso: — Sim... Não sei o que aconteceu. A comida deve ter me caído mal. — Vamos continuar ou você prefere voltar? Embora por um instante tenha hesitado, por fim, com seu melhor sorriso, respondeu: — Vamos continuar... Acho que uma boa massagem no balneário vai me fazer bem. Cinco minutos depois tudo parecia normal. O rosto de Ana ganhava cor e ela sorria de novo. Mas Rodrigo sabia que ela não estava bem. Bastava ver como estava calada para intuir que alguma coisa estava acontecendo. Quando chegaram a Almonacid pegaram um desvio, e poucos quilômetros depois encontraram o lindo hotel Spa Villa Nazules. Desceram do carro, pegaram a bagagem e entraram no estabelecimento. Ao entrar na recepção moderna de pedra amarelada, Ana sorriu. Aquele fim de semana tinha que ser memorável. Mas ao sentir enjoo novamente, quis morrer; disfarçou. Dois segundos depois, um recepcionista gentil os atendeu, e depois de fazer o check-in, explicou-lhes como chegar ao quarto. Brincando, caminharam pelo hotel até o quarto 125. Rodrigo abriu a porta, e os dois soltaram um assobio de satisfação. O quarto era espaçoso e a conjugação dos estilos antigo e moderno dava um toque muito chique ao lugar. — Por ser de graça, é melhor do que eu esperava! — Sussurrou Ana, encantada. — Sim... muito bom — acrescentou Rodrigo, que olhava a enorme cama com colcha vermelha como se o estivesse convidando. Durante dois segundos ele hesitou. Não sabia se devia jogá-la em cima da cama para começar a curtir o que haviam ido fazer ali, ou se devia respeitar o fato de ela não se sentir bem. Por fim ganhou a segunda opção, e após ver que Ana entrava no banheiro e fechava a porta, sentou-se para esperar naquela cama enorme de colcha vermelha. Dez minutos depois, a porta do banheiro se abriu e a jovem apareceu com o cabelo meio molhado. — Vomitou de novo? Ana decidiu não mentir. Estava péssima, e assentiu. Sem perder um segundo, Rodrigo pegou o telefone e pediu um chá de camomila à recepção. — Deite-se — disse, tirando a colcha da cama. — Pedi um chá de camomila. Como diz meu pai, isso ou acalma ou acalma. Depois de soltar um grunhido de frustração, Ana olhou para ele e sussurrou: — Desculpe... — Sem problemas, linda — respondeu ele carinhosamente, dando-lhe um beijo na cabeça. — Todo mundo se sente mal em algum momento. — Sim, mas não em um fim de semana que deveria ser uma maratona sexual. Que vergonha! — Não se preocupe — reconfortou-a com um sorriso. — Com certeza amanhã você vai estar melhor. Mas não. Na manhã seguinte, quando Ana acordou e sentiu o cheiro do fautoso café da manhã que Rodrigo havia pedido, quis morrer. Sem poder evitar, correu para o banheiro, de onde só saiu depois de um bom tempo. Aconselhada por ele, tornou a se deitar na cama, e apesar de querer dormir só cinco minutos, o resultado foi que dormiu três horas. Quando acordou, eram duas da tarde. Horrorizada, foi se levantar quando a náusea a obrigou a correr de novo para o banheiro. Algo na comida que ele estava comendo a deixava enjoada. Sem poder permanecer nem mais um segundo
impassível, Rodrigo parou de comer e quis entrar no banheiro para pelo menos lhe dar apoio moral. Mas ela não permitiu. — Abra, não seja teimosa. Dentro do banheiro, sentada no chão em frente ao vaso sanitário, ela gritou: — Não! Não quero que você me veja assim. Apoiado na porta, Rodrigo suspirou. — Ana, caramba! Somos amigos! — Por isso — cortou ela. — Como somos amigos, quero que você aproveite a programação do spa. Tínhamos a tarde cheia de atividades, e quero que você faça tudo. — Mas, Ana... — Rodrigo, por favor... vá. Incapaz de entender como as mulheres às vezes são estranhas, ele se deu por vencido, e vestiu o roupão que o hotel havia deixado em cima de uma das poltronas. — Ana... vou indo — disse antes de sair. Quando ela ouviu a porta se fechar, respirou aliviada. Por fim, sozinha! E levantando-se do chão, olhou-se no espelho. Sua aparência era horrorosa. — Por que isso tem que acontecer justamente neste fim de semana? Depois de muito se lamentar, tomou um banho, mas ao entrar de novo no quarto e sentir o cheiro da comida, as náuseas voltaram. Tampando o nariz, foi até o carrinho onde estavam todos aqueles manjares, e depois de pegar uma fruta, levou-o ao corredor, abriu as janelas e o cheiro desapareceu. Às sete e meia da noite Rodrigo apareceu. Ana estava muito melhor, e o recebeu com seu mais formidável sorriso. — Conte tudo. Como foi? — Foi bom. E você, como está? — preocupou-se ele, aproximando-se. — Melhorzinha, mas não vou mentir: já estive melhor! Ande, conte como foi tudo. Gostando do jeito que ela o olhava, e especialmente por vê-la melhor, sentou-se ao seu lado na cama. — Começamos com a piscina termal, dep... — Começamos? — Sim... fui com um grupo muito divertido. A propósito, combinei de jantarmos juntos. Espero que você não se importe. “Eu me importo!”, quis gritar, mas não o fez. — Claro que não me importo. Mas ande, continue. Conte o que eu perdi. — Que eu me lembre, sauna, banho turco, ducha de essências, ducha escocesa, maca aquecida, uma delícia, e ducha Vichy. Depois, entramos na sala de relaxamento, onde bebemos um suco, e foi um momento muito... muito agradável. Mal se conheciam, mas aquele tonzinho, e especialmente seu sorrisinho ao dizer “foi um momento muito... muito agradável” a alertaram. O que havia acontecido? Mas justo quando ia perguntar, tocou o telefone do quarto. Ela o ouviu falar e rir com alguém. Quando desligou, dirigiu-se a ela depois de olhar o relógio. — Era Eva. — Eva?! — Sim, uma das garotas que conheci. Ela ligou para avisar que às nove nos esperam na recepção. Ao escutar o nome daquela mulher Ana soube que ela havia sido a causadora do “momento muito... muito agradável” na sala de relaxamento. Mas decidida a não se comportar como Glenn Close em Atração Fatal, simplesmente sorriu. Durante um bom tempo continuaram conversando sentados na cama enorme, mas ele nem se aproximou. Ana tentou ser sexy. Mostrava o ombro, tocava o cabelo com sensualidade... mas nada, ele não reagia.
Por sua vez, Rodrigo a observava. A garota não estava com uma cara boa, e o que menos queria era pressioná-la para fazer sexo. Por isso, decidiu se comportar como um bom amigo e nada mais. Afinal de contas, eram amigos, não? Passavam vinte minutos das oito quando Rodrigo saiu do chuveiro. Ela continuava jogada na cama com o controle da televisão na mão. Sem olhar para ela, ele se dirigiu ao armário onde no dia anterior haviam guardado suas roupas, e depois de pegar um jeans e uma camisa vermelha, deixou cair o roupão branco do hotel e começou a se vestir. Mãe do céu... nossa! Que delícia!, pensou ela escaneando-o com o olhar. Paralisada diante da imagem daquele Adonis nu, ficou com água na boca. Aquele homem era incrível. Não... impressionante. Sua pele morena, suas costas largas, seus braços fortes. Tudo nele era sexo puro e dinamite. — Vamos, vista-se — urgiu ele olhando para ela. — São vinte para as nove. O que está esperando? Sem protestar, ela se levantou da cama, e depois de escolher uma saia cáqui até os pés e uma camiseta combinando, com um colete sobreposto, olhou para ele, e com seu melhor sorriso, disse: — Vamos, gato, vamos nos divertir. Mas a insegurança que Ana sentiu ao encontrar aquele grupo na recepção fez seu coração se apertar. Efetivamente era um grupo, mas só havia dois rapazes para cinco garotas, cada uma mais alta e bonita que a outra. Depois das apresentações, Ana notou que a tal de Eva, uma garota loura, a observava não muito disfarçadamente. Mas ela estava com Rodrigo, e contra isso aquela loura tingida não tinha nada a fazer. Quando entraram no restaurante do hotel, houve empurrões e corridinhas. Todas queriam se sentar perto de Rodrigo, mas ele não permitiu. Pegou Ana pelo braço e a fez sentar ao seu lado. Esse gesto provocou um sorriso nela, e dirigiu a vista à tal de Eva, que se sentou do outro lado com cara de gambá. Ambas se entenderam com o olhar. Mas o que começou como uma vitória para Ana foi se nublando, até se transformar em agonia. Quando o garçom chegou com o primeiro prato e ela sentiu o cheiro de aspargos com ovo, o estômago mal educado de Ana se rebelou. Sem poder evitar, ela teve que se levantar e sair correndo. Lá fora, o ar encheu seus pulmões e ela respirou com tranquilidade. — Acho que devíamos chamar um médico — disse Rodrigo ao seu lado. — Não. — Você deve estar incubando alguma coisa — insistiu ele. — Sim, um ovo — debochou ela ao pensar no bebê que crescia dentro dela. Apesar de não entender o duplo sentido do comentário, Rodrigo achou divertido e sorriu. — Você deve estar com algum vírus. Sim... um vírus chamado bebê, pensou ao escutar a voz de Rodrigo. Mas se voltou para olhá-lo e respondeu com rapidez: — Não se preocupe, de verdade. Amanhã, quando voltarmos, se eu continuar assim, vou marcar uma consulta com minha médica. Passando a mão no rosto dela com carinho, ele perguntou: — Quer ir para o quarto, ou prefere voltar ao restaurante? Entendendo que aquela noite também não seria o que ela esperava, deu-se por vencida, e dando de ombros, murmurou: — Se não se importa, acho que vou para o quarto. Surpresa, viu ele pegar sua mão e sair andando. Soltando-se, olhou para ele e perguntou: — O que está fazendo?
— Indo com você, que mais? Essa era a resposta que queria escutar, mas por dentro ela sabia que não era o que ele queria. Por isso, sentou-se em uma poltrona na recepção e o obrigou a se sentar também. — Rodrigo, sejamos sinceros. Este não é o fim de semana que você ou eu esperávamos, não é? — Ele negou com a cabeça. — Agradeço muito que se preocupe comigo, mas se trancar no quarto deste hotel maravilhoso e hibernar como um urso, ou ver televisão, não seria justo, e eu quero ser justa com você, certo? — Certo. — Você e eu mal nos conhecemos, e nem sequer podemos nos denominar “amigos”. — Para mim você é uma amiga — esclareceu ele. — Tudo bem, então, como sua amiga, quero que você se divirta e guarde uma boa recordação deste fim de semana, apesar dos pesares. — Ele sorriu. — Não sou cega, e vi como você e Eva se olham. E eu não sou ciumenta, nem sua namorada! Portanto, divirta-se. Aproveite o que tiver que aproveitar, e amanhã voltaremos cada um para sua casa com o mesmo bom astral com que chegamos. — Você está me dizendo para fazer o que estou pensando? — Perguntou Rodrigo, surpreso com tanta sinceridade. — Sim. — Sério? Como uma boa atriz, Ana olhou para ele e assentiu. — Sim, gato. Estou dizendo diretamente: divirta-se com Eva, porque não vou ficar de coração partido se você for para a cama com ela. Nosso fim de semana de sexo foi para o brejo, e quero que você se divirta. Além do mais, neste momento o que quero mesmo é ir para a cama sozinha e... — Sou tão ruim de cama assim? — Debochou ele. — Nãããão! Não diga bobagens — ambos riram. — A noite que passamos juntos foi maravilhosa, e eu adoraria repeti-la neste fim de semana, mas... — Você está me deixando impressionado. — Essa é a ideia, impressioná-lo! — Ironizou ela. — Sabe de uma coisa? Eu nunca tive uma boa amiga. Desde bem novinho as mulheres para mim sempre cumpriram a mesma função. — Mas que galinha! — Suspirou ela, divertida, e acrescentou: — Então, agora já tem uma amiga de verdade! E para que fique claro o que seremos, a partir de agora para você sou como um anjo: sem sexo! — Rodrigo gargalhou, e ela prosseguiu, coçando a orelha: — Se quiser, podemos ser amigos de alma. Podemos trocar confidências, ir ao cinema... fazer qualquer coisa que amigos fazem, sem benefícios. O que acha? Boquiaberto pela sinceridade de Ana, ele a observou. Nunca uma mulher que esteve com ele sugeriu algo assim. Ao contrário, sempre pediam mais. Mas ali estava aquela moreninha pedindo-lhe só amizade. Comovido, ele bagunçou o cabelo dela, e depois de lhe dar um beijo carinhoso no rosto, disse, levantando-se: — Tudo bem, amiga de alma. Adorarei fazer todas essas coisas com você. Mas, antes de seguir seu conselho sobre esta noite, vou acompanhá-la até o quarto. Com um sorriso, ambos se levantaram e caminharam pelo corredor de mãos dadas. Quando chegaram ao quarto, Ana abriu a porta e entregou a chave a ele. — Ande, vá se divertir. Não vou sair daqui. Ele sorriu, e depois de lhe dar um beijo no rosto, guardou a chave no bolso da calça e foi embora. Quando Ana fechou a porta, apoiou-se nela, e deslizando até chegar ao chão, murmurou olhando para a barriga: — Você é um desmancha-prazeres, bichinho. Ainda nem nasceu e já começou a dirigir minha vida.
Pois saiba que você acaba de estragar minha última grande noite de paixão.
6
Um mês depois, em fevereiro, a vida voltou ao normal. Aquele fatídico fim de semana foi esquecido e só uma coisa mudou entre eles: agora eram amigos sem benefícios. Rodrigo nunca havia tido uma amiga tão especial, e curtia sua companhia. Sempre que podia a chamava para ir ao cinema ou jantar, e jamais notou que ela o olhava de uma maneira especial. Ana escondia tão bem o que sentia por ele que até a ela mesma se surpreendia. Era uma excelente atriz! Um domingo de manhã, Calvin apareceu em sua casa na companhia de Rodrigo. Ana se alegrou. Estar com ele o tempo que fosse a enchia de luz e cor. Os quatro resolveram dar uma volta por El Rastro. O mercado estava sempre tão cheio de gente que tentar não roçar seu corpo no de Rodrigo era missão impossível, e isso a agradava. Andando, encontraram uma barraca de ímãs, e Rodrigo comprou um de geladeira em forma de pêssego para dar de presente a Ana. — O que é isso? — Perguntou Ana, animada. — Esse é seu cheiro. Pêssego. Satisfeita, ela pegou o objeto e lhe deu um beijo no rosto para agradecer. Rodrigo, alegre, levou a boca ao ouvido dela e sussurrou: — Você é meu pêssego maluco; suave por fora e maluco e imprevisível por dentro. Ana dedicou-lhe um sorriso e suspirou. Ainda recordava aquela noite de paixão que havia passado com ele, e embora soubesse que não lhe fazia bem, negava-se a esquecer. Continuaram andando por El Rastro, até que, de repente, Rodrigo a pegou pela cintura, e puxandoa para si, disse: — Ana, beije-me! Espantada, ela cravou o olhar nele e perguntou: — Como é que é? — Acabei de ver uma chata com quem fiquei há duas semanas. Não quero mais vê-la, e ela está vindo para nós — respondeu Rodrigo rapidamente. — Beije-me! Dito e feito. Ana o beijou. Passou as mãos pela nuca dele, e ficando na ponta dos pés, fez o que ele queria, e aproveitou. Nekane e Calvin os contemplaram um tanto surpresos. O que estavam fazendo? Mas logo entenderam a situação. — Rodrigo! Ele, ao ouvir seu nome, afastou os lábios da mulher que o beijava, e com um sorriso espetacular, sem soltar a mão de Ana, disse: — Silvia, como vai? A mulher o olhou de cima a baixo e respondeu: — Pelo que vejo, não tão bem quanto você. Ana, ainda em estado catatônico por causa do beijo devastador, olhou para a linda mulher diante deles, que parecia incomodada. Tentou soltar a mão de Rodrigo, mas ele não permitiu. Ao contrário, segurou-a fortemente enquanto perguntava: — Está em Madri? — Vim passar o fim de semana com umas amigas. Raúl e Jesús não lhe disseram?
Rodrigo assentiu. De fato, seus colegas o haviam avisado. — Sim, disseram, mas eu já tinha planos — respondeu categórico. Aquela resposta era tudo que a mulher necessitava para entender a situação, de modo que, assentindo com dignidade, deu meia-volta, dizendo: — Até logo. Prazer em vê-lo. Quando ela se afastou, Rodrigo olhou para Anaelhe deu umbeijo natesta. — Obrigado. Ana trocou um olhar com Nekane e abriu um sorriso largo. Estava tão feliz por ter beijado Rodrigo que deixou sua amiga desconcertada. Deu uma piscadinha e disse: — Amiga é para essas coisas. Às duas da tarde decidiram parar em uma pizzaria próxima à casa das garotas. Compraram comida para levar. Já em casa, enquanto elas tiravam copos do armário, ouviram um celular tocar. Era o de Rodrigo, que rapidamente atendeu. Durante alguns minutos Ana escutou-o rir como um bobo enquanto falava com uma tal de Susana. Disfarçadamente, ouviu-o marcar com ela às nove no metrô da Rubén Darío. Ficou incomodada, mas não disse nada, até que Nekane sussurrou: — Assuma, esse sujeito não é para você. — Eu sei. Deixe-me em paz. — Então, mude essa cara se não quiser que eles perguntem o que você tem. — Ao ver a cara de sua amiga, mudou de assunto e perguntou: — Onde está o laxante? Estou com o intestino preso, e se não for ao banheiro hoje, vou explodir. — Aqui! — disse Ana, dando-lhe o vidro de laxante. — Quantas gotinhas mesmo? — Se bem me lembro, sete ou oito — respondeu a outra antes de sair da cozinha. Nekane encheu um copo de água e pingou umas gotinhas, mas quando ia tomar, Calvin a chamou. Deixou o copo em cima do balcão e foi ver o que ele queria. Segundos depois, Ana entrou na cozinha, e ao ver o laxante ao lado do copo, imaginou que sua amiga ainda não havia pingado a dose e, sem perguntar, pingou as gotas. — Neka — disse enquanto enchia vários copos com água fresca e os deixava ao lado de uma jarra em cima do balcão —, seu copo está ao lado do micro-ondas. Não esqueça. Sua amiga assentiu, e deixando Calvin, voltou para a cozinha. De repente, viu o copo e não lembrava se havia pingado o medicamento ou não, de modo que repetiu a dose. — Miau gosta de pizza? — Ouviu Calvin dizer. — Não se atreva! — Gritou Nekane. E ao ver o homem dando pizza ao gato, deixou o copo de água com os outros em cima do balcão e foi direto para ele. — Miau não pode comer pizza. Faz mal! — Tudo bem, mulher — disse Calvin sorrindo —, não precisa ficar assim. Enquanto isso, Rodrigo havia desligado o telefone. Olhando para Ana, que estava ao lado do balcão, perguntou: — É água fresca? — Sim — respondeu ela, e lhe deu um copo. — Tome. Rodrigo pegou o copo, bebeu de um gole só e o deixou em cima do balcão. — Nada melhor que um copinho de água para refrescar a garganta. Nesse momento, Nekane olhou para ele, e ao notar que ele havia bebido seu copo de água, arregalou os olhos e esqueceu Miau e Calvin. Foi até sua amiga, e puxando-a de lado, murmurou: — Acho que você acabou de dar meu copo com laxante a Rodrigo. — Mas o seu estava ao lado do micr... — E ao olhar e ver que não estava ali, disse: — Você está de
brincadeira! Está de brincadeira! Nekane assentiu e tentou acalmá-la. — Ah, não se preocupe. Acho que ele não vai morrer. Eu só pinguei uma dose. — Você pingou? Ai, Neka, eu também pinguei! — Caraca! — Exclamou Neka sem poder conter o riso. — Sinceramente, Anita, o que você é capaz de fazer para que esse sujeito não saia com outra... — Como pode pensar que fiz isso de propósito? Eu não sabia que era seu copo de água. Ele me pediu água fresca e eu dei — grunhiu, incomodada. Ambas se olharam, e embora não quisessem rir, deixaram escapar uma risadinha maliciosa. Segundos depois, a navarra murmurou: — Calma, não fique nervosa. Você vai ver que não vai acontecer nada. No máximo, vai lhe dar uma cólica leve e pronto. — Mas ele tomou uma dose dupla de laxante. Coitadinho! — Ou tripla. Pus umas gotinhas de novo porque não lembrava se já havia pingado. — Ai, Meu Deus! — Gemeu Ana, horrorizada. — É o que eu digo: Ai, Meu Deus! — concordou Nekane, divertindo-se. Mas o que elas acharam que seria só uma cólica leve, não foi. Uma hora depois de comer, o estômago de Rodrigo começou a rugir como um leão e ele teve que sair correndo para o banheiro. As jovens, ao ver a reação que aquele laxante havia provocado nele, olharam-se, inquietas. Duas horas depois, o bombeiro enorme estava pálido, sentado no sofá, e quando saiu de novo correndo em direção ao banheiro, Ana quis morrer. Ele voltou transpirando e com uma cara horrível, e ela se sentou a seu lado. — Rodrigo. Eu... eu tenho que lhe dizer uma coisa. — Ana... se não se importa, deixe para depois, porque agora estou péssimo. — Acho que... que a culpa é minha. Apesar do mal que sentia, das cólicas e dos suores frios, ficou olhando para ela. — Não se preocupe, mulher. Com certeza foi algo que eu comi que caiu mal. — Não... é que... que fui eu — insistiu. — Sem querer eu lhe dei o copo de água com laxante que Nekane tinha que tomar. — Como?! — Sem querer, eu peguei o copo errado e... Mas Rodrigo não pôde responder. Teve outra cólica e precisou se ausentar outra vez. Nekane, com a mão na boca, tentou disfarçar o riso, enquanto Calvin sussurrava: — Princesa, vocês não têm jeito. Dez minutos depois, Rodrigo voltou do banheiro, e olhando irritado para Ana, que o observava assustada, perguntou: — Onde está meu celular? Quando a jovem o entregou, ele disse: — Procure o telefone de Susana. Ligue para ela. Diga que você é minha irmã e que não posso me encontrar com ela por um problema familiar. — Eu?! — Sim, você — sibilou ele, contrariado. — Por sua culpa tenho que cancelar o encontro. Sem querer discutir com ele, Ana fez o que ele pediu, diante do olhar atento de todos. Quando desligou, murmurou: — Pronto. Susana disse que espera que não seja nada grave e que ligue para ela quando puder. Então, Rodrigo tirou o celular das mãos dela e olhou para o amigo. — Calvin, preciso que você me leve para casa. Não tenho forças nem para dirigir.
— Sim, colega. Agora mesmo — assentiu o outro, levantando-se. — Você pode ficar aqui no quarto de hóspedes — ofereceu Ana. — Digo porque no caminho po... Ele não a deixou terminar e a olhou irado. — Prefiro ir para minha casa antes que você tente me envenenar de novo. Já é bastante humilhante o que está acontecendo, não acha? — Eu não quis envenená-lo. Meu Deus, Rodrigo, não pense isso! — Defendeu-se Ana. — Eu nunca lhe faria mal, juro! Foi um engano... O jovem, como pôde, sorriu enquanto punha a jaqueta. Sabia que Ana não havia feito de propósito. — Eu sei, pesseguinho... eu sei. Vamos, não se preocupe. Graças a você, estou esvaziando todo o meu intestino. Mas prefiro ir para casa. Preciso. Quando os homens foram embora, horrorizada, Ana levou as mãos ao rosto. Como aquilo foi acontecer? Nekane, ao ver sua expressão, decidiu jogar duro com ela. — Acha que ele pensa que tentei envenená-lo? — Não, mulher, ele não pensa isso. Você conhece seu senso de humor. — Ai, coitadinho! Veja o que eu aprontei sem querer! E foi péssimo ter que ligar para essa tal de Susana. A propósito, pareceu uma garota bem legal. — Você está doente? — Não — disse Ana, esticando a mão para pegar o sorvete que sua amiga tinha nas mãos. — Então, como pôde fazer o que fez hoje em El Rastro? — O quê? — Caralho, Ana! Você o beijou para ele se livrar daquela garota. Juro que não sei como você pode ser tão boazinha. Sem se importar com a sinceridade da outra, respondeu: — É que eu gosto dele, Neka, e aproveito todos os momentos que posso. Nossa, que beijo! — Tudo bem, eu entendo, mas, caramba! É o cúmulo você ligar para outra garota e ainda por cima achá-la legal. — Eu sei... sou um caso perdido. Talvez sejam os hormônios que me deixam maluca — respondeu, comendo uma colherada de sorvete. — Ana, você gosta desse sujeito... e fica ajudando-o com os casos dele? Você é boba? — Sim... assumo. — E levantando-se, pegou picles e perguntou: — Será que fica bom com sorvete? Nekane, sem lhe dar ouvidos, prosseguiu: — Não vê que isso não é bom para sua saúde? — Não, não vejo. — E depois de molhar um pepino em conserva no sorvete de baunilha e mastigar, disse: — Definitivamente, gosto mais com creme de avelãs. — Pelo amor de Deus, pare de comer coisa nojenta — repreendeu a navarra, tirando os picles da mão dela — e responda, antes que eu pegue o laxante e queira envenená-la. Não vê que essa relação não é saudável para você? — Tudo bem, tudo bem... Reconheço que estou apaixonada por ele. Mas, como não estar? Ele é tão cavalheiro, tão sexy, tão atencioso que... não posso evitar. Ai, meu Deus, coitadinho! Cada vez que me lembro de sua cara me dá vontade de... Ah, aliás, pedi a ele que nos acompanhe à exposição de Raúl daqui a dois dias. Acha que ele já terá me perdoado? — Sei lá — respondeu Nekane. — Amanhã vou ligar para saber como está. Depois de alguns minutos de silêncio por parte de ambas, Nekane olhou para sua amiga e murmurou:
— Continuo não entendendo por que você anda com ele. — Porque gosto dele, Neka... você já sabe. — Mas... — Chega! — disse, fechando o pote de sorvete. — Deixe que eu dê cabeçada sozinha, assim depois você pode brigar comigo. — Pois muito bem. Pode ir direto quebrar a cara, porque é isto que vai acontecer: você vai quebrar a cara bem quebrada! — Grunhiu a navarra, certa de que sua amiga ia sofrer. Dois dias depois, Rodrigo voltou a ser o que era. E quando, à tarde, os rapazes passaram pela casa das garotas para buscá-las e ir à sala Mostreus de Madri, Ana foi feliz de novo. Assim que chegaram, Rodrigo e Calvin se surpreenderam ao reparar nas pessoas que andavam por ali. — Esse pessoal está fantasiado de quê? — perguntou Calvin. — Cara, que mania que você tem com fantasia! — Debochou Nekane ao lembrar-se do que ele lhe havia dito no dia em que se conheceram. E, apontando um grupo de jovens que observavam umas fotos, disse: — Essas pessoas não estão fantasiadas. Simplesmente pertencem à tribo urbana dos góticos; e outros são sinistros. — Caralho! Dão até medo — murmurou Calvin ao ver a aparência deles. — Para você, não para mim — respondeu a navarra. — A aparência básica de gótico é pele pálida e roupa preta. Isso faz sucesso entre eles — esclareceu Ana —, mas também há outros que se vestem com um toque punk, vocês sabem: camiseta rasgada, meia arrastão e bota militar. E há outros ainda que adoram usar roupas medievais. Depende do grupo. Mas, fique tranquilo, eles costumam ser pacíficos e ficam na deles. — Vocês entendem bem disso — debochou Rodrigo. — Nosso trabalho nos faz aprender mais coisas do que você poderia imaginar — respondeu Ana, rindo. Calvin se divertiu observando um grupo de músicos. Ver aqueles garotos pálidos vestidos de preto o fez sorrir. — Que tipo de música tocam? — Death rock — respondeu Nekane. — E se prestar atenção na letra, vai ver que falam de fantasmas, bruxas e de tudo que seja místico. Surpresos, os bombeiros se olharam. Nunca na vida haviam entrado em um lugar assim, menos ainda com aquela gente tão estranha para eles. — Mas por que estão cantando nesta exposição? — Acho que Raúl quis ambientar a exposição com as canções deles — respondeu Ana à pergunta de Rodrigo. — Aqui tudo é sinistro, como eles, e se alguém gosta de cemitérios... — Isola, isola. Que sinistro! — sussurrou Rodrigo. — Vamos, envenenadora, vamos continuar andando. Ana sorriu, e Rodrigo, pegando-a pela cintura, seguiu seu caminho. Com curiosidade, observaram as fotos dali, até que alguém disse: — Meninas, que prazer vê-las aqui! Ana cumprimentou com afeto a pessoa que as havia convidado à exposição. — Raúl, estes são Rodrigo e Calvin. Rapazes, este é Raúl, um grande amigo, criador desta exposição e diretor da revista Demônios Encarcerados. — Demônios Encarcerados? — Repetiu Calvin, espantado com o nome da publicação. — Isso mesmo, amigo! — Assentiu Raúl. E olhando para ele, comentou: — Nome impactante, não é? Calvin olhou para Rodrigo, que segurando o riso, disse:
— Que tipo de revista pode ter um nome desses? Raúl, acostumado a essa reação das pessoas que não acreditavam no mesmo que ele, esclareceu: — Minha revista fala sobre o mundo oculto e seus poderes. Como podem ver, as fotos que expomos refletem parte de nosso trabalho. Nelas, vocês podem contemplar centenas de espectros falando para a câmera, ansiosos para contar sua história. Os homens, atônitos, olharam-se de novo, e Rodrigo, apontando uma foto, perguntou: — Esse borrão branco que se vê aí é um fantasma? Os cinco se aproximaram de uma fotografia onde se via uma menina com seu pai; ao lado dela havia uma espécie de imagem esbranquiçada de uma mulher. — Esta foto é justamente uma de nossas joias. Data do século XIX, e nela se vê a mãe morta da pequena Juliana observando-a enquanto brinca. Mas o mais curioso da foto é examinar com atenção o olhar da mãe, repararam? Calvin e Rodrigo se aproximaram mais da foto, mas não viram nada que não houvessem visto instantes antes. — Seu olhar reflete raiva e dor enquanto observa o pai de Juliana — acrescentou Raúl. — Esta mulher, Analía Rupérez, morreu envenenada quando a menina tinha três anos. A história conta que foi o pai quem a matou para poder se casar com Ruperta Angúlez. Nekane e Ana se olharam e tentaram não sorrir, enquanto Calvin e Rodrigo, espantados com o que Raúl dizia, olhavam a fotografia. — Nossa revista recebe centenas de imagens em busca de uma explicação. Contamos com uma excelente equipe de médiuns e parapsicólogos que falam com as pessoas que nos escrevem, assustadas, ao encontrar um espectro em sua casa e em sua vida. Não é fácil acreditar no oculto, mas quando acontece algo assim, você precisa saber. — Desculpe — disse Rodrigo —, mas sou bastante cético para essas coisas. Nunca acreditei em fantasmas nem em espectros, mas... — Eu entendo — interrompeu Raúl. — Eu nunca pensei que acreditaria nessas coisas também, até que aconteceu comigo mesmo. Vejam. Caminhando com ele, foram até outra fotografia onde se via um grupo animado, e ao lado, uma imagem esbranquiçada. — Esta foto foi tirada no dia de meu décimo sexto aniversário. Este é meu pai, meus dois irmãos e eu na festa que fizeram para mim. O espectro que se vê ao meu lado é minha mãe. Ela e eu sofremos um acidente de trânsito um ano antes da foto, e, para minha infelicidade, ela morreu. Quando meu pai revelou as fotografias de meu aniversário, todos acharam que o filme havia queimado, mas eu soube que não quando a reconheci. Ninguém acreditou em mim, mas eu tive certeza de que tinha que buscar respostas. Investiguei, e foi quando mergulhei no mundo paranormal e entendi muitas coisas. Todos os fantasmas, ou espectros, ou como queiram chamá-los, que aparecem nas fotografias estão aí por alguma razão. Eles nos conectam com o oculto, com o Além, e com sua presença querem nos dizer alguma coisa. No caso de minha mãe, com sua presença ela me mostrou como estava feliz por meu aniversário. — Ao ouvir outra pessoa o chamando, ele pediu licença: — Pessoal, já volto. Bebam um drinque e divirtam-se. — Que história bonita, triste e emocionante! — Disse Ana quando Raúl se afastou do grupo. — Você está chorando? — Perguntou Rodrigo ao constatar que os olhos dela estavam marejados. — Estou emocionada. Você não se emocionou com o que Raúl contou? — Não. — Que insensível! — Reclamou ela, enxugando as lágrimas. — Não é questão de sensibilidade. É questão de acreditar ou não. E nessa foto eu vejo só uma espécie de borrão branco. Nada mais.
Nesse momento passou um garçom, e Calvin pegou taças de champanhe e as distribuiu entre os quatro. — Ana... você não gosta de champanhe, lembra! — Advertiu Nekane, olhando para a amiga. Ao entender a mensagem de Nekane, Ana soltou a taça de champanhe e pegou uma Fanta. Tinha que ter cuidado com essas coisas, ou prejudicaria o bebê. Enquanto caminhavam pela exposição, foram até uma mesinha onde estava uma mulher de cabelo escuro. — Aura vermelha — disse a mulher ao ver Ana. — O símbolo da vida. Você é uma sobrevivente que luta pelo que quer. Apaixonada, impulsiva, ativa e aventureira. E pelo rosa que percebo ao seu redor, há uma energia amorosa ativa. — Você consegue ver minha aura? — Perguntou Nekane, divertindo-se ao observar a cara de Ana. A mulher, após cravar o olhar nela durante alguns segundos, por fim disse: — Sua aura é amarela. Significa a luz que representa o sol. Você é uma pessoa atenciosa, alegre e otimista, mas às vezes tem medo e não gosta de ficar sozinha, estou enganada? Nekane negou com a cabeça, e a mulher, olhando para Calvin, murmurou andando ao redor dele: — Azul. A cor do céu. Seu brilho e seu tom indicam que você está em um bom momento emocional. Denota segurança e confiança em si mesmo e mostra que é um amigo fiel e de caráter sincero. — Sim, senhora... ele é um bom amigo — comentou Rodrigo sorrindo. E então, a mulher olhou para ele. — Aura dourada. É a força, perseverança, paciência e proteção. Essa aura o guia para conseguir tudo que quiser. De repente, ouviu-se um tumulto geral e todos olharam para a direita. Uma garota vestida de preto, de cabelos revirados, chorava desesperadamente diante de uma daquelas fotos, gritando: “Sou eu em outra vida! Sou eu em outra vida!”. O caos que se formou ao seu redor foi colossal. As pessoas gritavam e davam opiniões, a garota berrava, e Raúl, o criador da exposição, tentava acalmar a menina. O celular de Calvin tocou, e após atender, andou até onde seus amigos assistiam à cena que a garota fazia e disse: — Meu primo Tomás me ligou. É aniversário da filha dele, Danielita, e eu disse que íamos passar por lá. — Que programão! — Debochou Rodrigo. — Primeiro, uma exposição de fantasmas, e para fechar o dia com chave de ouro, aniversário de Danielita. Existe algum jeito pior de acabar a noite? Quando chegaram à casa do primo de Calvin, foram recebidos com afeto. Tomás e Azucena eram pessoas muito agradáveis. Meia hora depois, os homens estavam brincando feito bobos com as crianças no quintal. — Veja só, tão grandes e tão crianções — debochou Nekane. Ana observava Rodrigo brincando com as crianças enquanto as mães não tiravam o olho dele. Achou engraçado, mas, de certo modo, também ficou incomodada. Aonde quer que fossem, Rodrigo, mesmo sem querer, conseguia ser o centro das atenções das mulheres. Quando Azucena trouxe o bolo de sua filha, todos começaram a aplaudir, e a menina, encantada, soprou as cinco velinhas enquanto cantavam Parabéns a você. Depois do bolo, Calvin ajudou seu primo a pendurar o balão cheio de balas no meio do quintal, e tampando os olhos de Danielita, deram-lhe um cabo de vassoura para que conseguisse alcançá-lo. Durante vários minutos a menina tentou, mas não acertava-o. Ana, desesperada por ver o esforço da criança, aproximou-se dela e disse: — Querida, quando eu disser já, bata com força. A menina obedeceu, mas nada, o balão escapou de novo. Então, Ana, agachando-se ao lado dela
para ficar a sua altura, segurou suas mãos, apontou o cabo para o balão e bateu com todas as suas forças bem no momento em que Rodrigo saía da cozinha com vários copos de bebida nas mãos. O cabo da vassoura bateu com força em sua cabeça, e o barulho foi atroz. Os copos caíram de suas mãos e as pessoas começaram a gritar, enquanto Ana ficava perplexa observando. O primeiro a reagir foi Calvin, que, segurando o amigo para que não caísse, murmurou: — Caralho, que porrada! Aturdido pelo golpe, Rodrigo tocou a cabeça e soltou um palavrão ao ver sangue em sua mão. Ana e Nekane se olharam, e sem saber por que, começaram a rir. Tentaram se controlar, e Ana foi até Rodrigo. — Ai, meu Deus, fui eu! — Não me diga? Por que será que não estou surpreso? — sibilou ele. — Eu... eu... — Não bastou tentar me envenenar? Como não conseguiu, agora tenta me matar? — O que está dizendo? — E ao vê-lo sorrir apesar da dor, acrescentou: — Eu estava ajudando a menina para que acertasse o maldito balão, e... — E me acertou — concluiu ele, dolorido. Vinte minutos depois, Nekane, Ana e Calvin estavam no pronto-socorro esperando Rodrigo sair. Cada vez que recordavam o momento do balão, os três caíam na risada; mas quando viram Rodrigo sair com um grande curativo na cabeça e com cara de dor, calaram-se. Especialmente porque ele, que os ouvira rir, disse: — O primeiro que rir vai se ver comigo. Os três seguraram o riso, mas Ana, antes de entrar no carro, não pôde se reprimir e deixou escapar o que pensava: — Viu como havia um jeito pior de acabar a noite?
7
Ana, acompanhada de sua amiga incondicional, esperava sua vez no ginecologista. Por fim chegara o dia. Ao entrar, haviam se sentado em umas cadeiras brancas e observado com espanto a multidão de mulheres grávidas que havia ali. — Viu que barrigão dessa que está ao seu lado? — Sussurrou Neka. As duas amigas voltaram a cabeça para a direita e cravaram o olhar em uma morena com uma barriga enorme. A coitada, ao ver as duas olhando, comentou: — Gêmeos! — E sem esperar sequer que piscassem, prosseguiu: — Espero que digam que vão me internar hoje, senão, juro que vou ter um troço. Não aguento mais! Ana, boquiaberta, assustada, aterrorizada, não conseguiu nem falar, mas Nekane, impressionada também com aquela barriga enorme, exclamou: — Nossa mãe, não sei nem como consegue se mexer! — Não consigo! — Reclamou a garota. Justo quando Ana ia lhe dar apoio moral, a porta do consultório se abriu e uma enfermeira com cara de tédio chamou: — Ana Carolina Vergas. — Vargas! — Retificou a garota. E voltando-se para elas, acrescentou: — Por favor, meu marido se chama Aaram Díaz, e foi comprar uma água. É um louro, alto, e para mim, muito bonito — todas sorriram. — Quando ele chegar, podem dizer que já entrei, e para ele entrar também? — Claro, não se preocupe — acalmou Ana. Um minuto depois, um homem extremamente bonito chegou ao consultório. Após reconhecê-lo como o marido da garota, elas lhe disseram que ela já havia entrado. O homem agradeceu com um sorriso espetacular. — Mamma mia, que homem esse Aaram Díaz! — Ironizou Nekane. — Nem me fale! — Assentiu Ana. Cinco minutos depois, torcendo as mãos, Ana olhou para sua amiga, e com cara de preocupação, exclamou: — Ai, meu Deus! — Que foi? — E se na família do suíço também houver gêmeos? — Tudo bem. Vai ter dois pelo preço de um — mas ao ver a cara de horror de Ana, acrescentou, para fazê-la sorrir: — Não se preocupe; se for uma ninhada de dois, eu fico com um. A outra sorriu, mas um estranho amargor se apoderou dela. Estava realmente preparada para algo assim? Nervosa, abriu a bolsa, pegou uma garrafinha de água e bebeu. Bem quando estava fechando a garrafa a porta se abriu e Ana Carolina Vargas, a garota da barriga enorme e do marido gostoso, saiu. E olhando para elas, gritou: — Vou internar! Meus bebês nascem hoje! — Que bom, minha rainha. Como diz minha mãe, que seja uma horinha curta! — Animou Nekane. A jovem, emocionada, jogou-se nos braços delas, e depois de dar dois beijos em cada uma como
se as conhecesse desde sempre, foi embora de braço dado com o marido. Ainda boquiabertas pela alegria da garota, escutaram a enfermeira chamar: — Ana Elizabeth Barners. Ana reagiu como se houvesse levado um choque. Pegou a mão de Nekane. — Ande... Venha comigo. Quando as duas entraram no consultório, foram recebidas pela doutora Sánchez, a ginecologista de Ana há anos. Durante um bom tempo a médica ficou fazendo perguntas, e ela as foi respondendo. — Alguma doença importante do pai? A ginecologista, ao ver que Ana ficava calada, olhou para ela e insistiu: — Alguma doença importante do pai? Algo a considerar? — Não... não... não sei. — E suspirando, acrescentou: — Veja, doutora, sinto-me péssima lhe contando minha vida e obra, mas não posso responder nada referente ao pai porque não sei nada dele. Não sei se é uma loucura ter este bebê, mas a questão é que, apesar de todos os pesares, não sei por que, quero tê-lo. Não sei se é porque estou chegando aos trinta, se é porque sou uma boba que acha que vai ser uma boa mãe... mas a questão é que... — Ana — interrompeu a doutora —, relaxe. Responda ao que puder, e como você disse, a menos que queira, não precisa me contar sua vida e obra, e muito menos se desculpar nem se sentir culpada por nada. Se decidiu ter este bebê sozinha, ótimo! Curta sua gravidez. — Vou poder curti-la? — Claro que sim. Se decidiu ter este bebê, tem que curtir para que ele se sinta feliz e se desenvolva bem. Ele sente seu estado de espírito, e tudo o influencia. — Ele me escuta também? — Claro — assentiu a mulher. Ana, tocando sua barriga ainda pequena, surpreendeu as outras ao murmurar: — Se está me escutando, retiro o que disse: você não é um desmancha-prazeres nem nada disso que eu disse ultimamente, viu? A médica e sua assistente esboçaram um sorriso, mas Nekane, ao ver a amiga com os olhos cheios de lágrimas, perguntou: — Que foi? — Não se preocupe — tranquilizou a doutora, entregando um lenço de papel à futura mamãe. — São os hormônios. Agora ela ficará muito sensível. — Sim... excessivamente sensível. Aliás, é normal dormir como um urso? — Perguntou Ana, já refeita. — É que eu durmo até em pé. — Sim, também é normal — e levantando-se, a médica disse: — Venha, vamos fazer um ultrassom. — Não vai doer, não é? Porque sou muito melindrosa, e... — Não, Ana — negou a doutora, rindo, e indicou uma maca que ficava ao lado de um monitor. — Deite-se aí, abaixe a calça um pouco e levante a blusa. E então, a ginecologista passou um gel em sua barriga, e apoiando uma espécie de caneta de ponta grossa sobre ela, começou a movimentá-la. — Veja, Ana, isto aqui palpitando é o coração de seu bebê. Comovida, ela olhou a tela segurando forte a mão da amiga. Aquele pontinho era seu bebê, e isso a fez chorar de novo. Nekane, engolindo a emoção, olhou para a médica e perguntou: — É um só? — Que se veja, sim. Só um. — Ah, não! Você não vai poder me dar um! — Soltou Nekane ao ver a amiga tão enternecida, fazendo-a sorrir. Naquela amanhã, Ana saiu do hospital com a primeira fotografia de seu bebê e com um sorriso
bobo que nĂŁo se apagava de seu rosto, sabendo que estava de quase dezesseis semanas e que daria Ă luz por volta de 10 de julho.
8
Com o passar do tempo, o relacionamento carnal entre Iris e Rodrigo foi esfriando, e como era de se esperar, terminou. Em uma de suas viagens, a jovem modelo conheceu Filipo Stareguetti, um apresentador de tevê italiano e, de repente, decidiu que estava loucamente apaixonada por ele e que iria anunciá-lo diante de qualquer microfone. Iris queria fama, e Filipo era um bom meio para isso. Mas o que ninguém sabia, exceto Ana, era que a jovem continuava querendo sair com Rodrigo e que ele recusava. Não queria confusão com ninguém. Uma tarde, Ana e Nekane estavam no estúdio olhando umas fotos quando tocou o telefone. Era Calvin. Depois de cinco minutos falando com ele, Nekane desligou. — Princesinha, vocês estão indo de vento em popa — sorriu Ana, passando umas fotos a ela. — Sim... Calvin é maravilhoso. Quer que passemos um fim de semana em La Rioja, mas não sei o que fazer. Ana olhou feio para ela. — Como assim, não sabe o que fazer? — É que um fim de semana, com todas as suas horas, é muito tempo. Demais. Além do mais, sou dessas que pensam que ver o outro acordar, com o cabelo todo revirado, sem se arrumar, acaba com a paixão. — Que bobagem é essa? Desesperada, Nekane cobriu o rosto: — Eu seeeei! Só falo bobagens, mas Calvin está começando a me assustar. Ele me inclui em todos os seus planos, e isso... me sufoca. — Diga a ele. — Não... não posso. — Por quê? — Porque embora me sufoque, também reconheço que gosto que ele me inclua. E quando não o faz, fico brava. — Puta que pariu, Neka. Não há quem a entenda! — Exclamou Ana, e ao ver o sorriso da amiga, pôs as mãos nos ombros dela. — Viva a vida, são só dois dias. E se realmente Calvin perder o glamour ao acordar, fique tranquila, depois de se arrumar o recupera. Ambas riram, e Nekane foi responder a um e-mail que recebeu. Ao lê-lo, soltou uma gargalhada. — Veja o que minha amiga Pili da Europa Press me mandou. Com curiosidade, Ana olhou a tela do notebook e soltou uma risada ao ver Iris se beijando com o tal de Filipo em um bar. — Pelo visto, vão publicar essa foto esta semana em uma revista. E, com certeza, a imbecil da Iris vai ficar feliz e contente. Essa garota ficou louca? — Louca não... pior — afirmou Ana, não muito surpresa com a foto. Durante alguns segundos ficaram comentando a fotografia. — Acho que vou encaminhá-la a Rodrigo — disse Ana. — Isso reforçará sua vontade de não vê-la mais. Acredita que quase todas as noites ela manda uma mensagenzinha? Ele está de saco cheio dela. — Acredito.
Afastando o cabelo do rosto, Ana olhou para Nekane. — Segundo Rodrigo, ele nem responde, mas ela insiste e insiste. E eu sei que não vou ter nada com ele, porque sexualmente para ele eu não existo, mas você sabe como fico feliz por ele não estar mais com ela. Rodrigo é, além de galinha, um homem maravilhoso. — E muito. A propósito, ele continua com a do spa? — Com Eva? — Sim. Com um enorme sorriso, Ana negou com a cabeça. — Não. Parece que a fulaninha era casada e tinha dois filhos. Outra vadia como Iris. Nekane sorriu. Ainda tinha dificuldade de entender a relação entre sua amiga e Rodrigo. — Quando você vai contar a ele? — O quê? — Que o cachorro late. Não me irrite! — Soltou a navarra, fazendo-a rir. — Contar o quê? Do bebê, claro. E, de quebra, essa outra parte de que você está louca por ele. — O primeiro não vou poder negar. Vai ficar evidente! — Advertiu Ana. — Mas o segundo, vou negar até a morte. Portanto, não mencione isso de novo ou... — Seus olhos se iluminam quando você o vê. — Deve ser a luz. — E que luz! — Neka, já falamos sobre isso. — Tudo bem. Você se salva porque a maioria dos homens é cega e não percebe nada. E esse tordo é mais cego que todos. — Nekaaaaaaaaaaaa! Já chega. Pare com isso, ou vamos acabar discutindo. — Não me ameace, bonita — recriminou Nekane. — Além do mais, supostamente vocês agora são muuuuito amigos e se contam tudo. Não acha que ele vai ficar chateado quando um dia perceber sua barriga enorme? Por acaso não pensou nisso? Ou talvez devo entender que você vai passar o resto de sua gravidez, cada vez que estiver com ele, abduzida pela maldita cinta de vaquinhas? E isso sem falar no que seus pais estão pensando. Ana gemeu, horrorizada. — Ah, meu Deus, não fale nessa cinta que vou vomitar. Eu a odeio! Nunca mais vou usá-la, e antes que você continue, deixe-me dizer que agora não é a hora certa de contar. E quanto ao que meus pais estão pensando, ele não vai saber. Semana que vem, quando o vir, vou lhe contar do bebê. Mas esta semana não. Estou com muito trabalho. — Mas sua barriga está aparecendo! E não é preciso ser muito esperto para perceber que não é barriga de quem comeu uma dúzia de donuts. Se ele não for bobo, e pelo que sei não é, vai perceber. Por isso digo que você deve contar antes que outra pessoa perceba e lhe diga. Ouça-me, ou, no fim, essa bela, doce e platônica amizade vai para o brejo. Foi escutar aquilo e Ana largou as fotografias. Alterada, gritou: — Muito bem, espertinha! Eu sei que minha gravidez está começando a se notar! Estou de quatro meses! Mas dê-me um tempo... Só lhe peço tempo. — É que você não tem tempo, Ana, não percebe? Iris, que saía do banho, ao ouvir gritos no estúdio foi para lá. O que estava acontecendo? — Veja, Neka, Rodrigo vai saber que estou grávida semana que vem, mas esta semana não. Não estou a fim! — Repito: ele vai ficar puto. — Chega, que coisa chata! Já estou de cabeça cheia por causa da gravidez e Rodrigo, não preciso que você me deixe mais louca. Portanto, faça o favor de fechar o bico, porque quanto menos gente
souber de minha gravidez, melhor. Atônita, Iris pestanejou. O que havia acabado de escutar? Gravidez? Rodrigo? Quando Ana e Rodrigo haviam ficado juntos? Dois minutos depois, quando viu que as duas voltavam ao trabalho e paravam de gritar, a jovem modelo voltou a seu quarto tirando suas próprias conclusões. Ana grávida de Rodrigo? Isso a deixou irritada. Depois de um dia exaustivo de trabalho, porque o forte vento que soprava em Madri havia obrigado os bombeiros a sairem a campo mais vezes do que gostariam, Rodrigo havia acabado seu turno e estava tomando banho. — Capitão... — ouviu um colega dizer —, uma gatinha loura chamada Iris, com umas pernas de matar, está esperando por você na sala com os rapazes. Surpreso, Rodrigo olhou para Calvin, que também estava tomando banho, e este, dando de ombros, murmurou: — Juro que não sei de nada, colega. Contrariado com aquela intromissão em seu trabalho, continuou tomando banho. Mas saber que ela o estava esperando o deixou incomodado. O que estava fazendo ali? Quinze minutos depois, entrou na sala onde seus colegas babavam pela impressionante Iris. Ela, ao vê-lo, sorriu, e levantando-se foi até ele. — Como foi seu dia? — Puxado — e levando-a para o lado, perguntou, contrariado: — O que está fazendo aqui? — Estava indo para o aeroporto. Vou para a Grécia fazer uma sessão de fotos e não queria ir embora sem me despedir de você. — Podia ter ligado. Entraram em uma salinha e Rodrigo fechou a porta. Então, ela se jogou sobre ele. — Você não teria atendido. Ele não respondeu. — Por que, amor? — Perguntou Iris. — Nós nos damos tão bem na cama... — Chega! — Exclamou ele, e cravou seus olhos azulados nela. — Já lhe expliquei minhas duas regras mil vezes, mas como vejo que você é incapaz de recordar, vou repetir. Primeira: não fico com mulheres que tenham compromisso com outra pessoa. E segunda: não saio com mulheres com filhos. Portanto, como você não cumpre minha primeira regra, esqueça-me, porque se tenho alguma certeza é de que não faço o que não gostaria que fizessem comigo. — Mas ninguém vai descobrir... Escute, eu... Cego pela insistência dela, afastou-a bruscamente. — Iris, o que está fazendo aqui? O que você quer? Ela, disposta a falar tudo que tinha na cabeça, perguntou: — Você tem alguma coisa para me contar? — Não — respondeu ele sem entender a que ela se referia. Indignada, a jovem modelo sibilou em um tom que não agradou ao bombeiro: — Muito bem, pois então vou perguntar: quando você ficou com Ana? Ele a olhou boquiaberto. Como soubera? E por que estava lhe fazendo perguntas sobre a sua vida íntima? Franziu o cenho e cruzou os braços sobre o peito. — Não vou responder a essa indiscrição. Não é da sua conta. — Você me traiu com aquela imbecil e fica aí todo tranquilo?! —Gritou Iris, contrariada pela resposta que havia recebido. — Muito bem, Iris, eu não traí você. — Traiu. Nunca me contou que teve alguma coisa com Ana. Querendo que ela desaparecesse, ele olhou para ela e disse:
— E por que isso agora? Qual é o problema? — Então é verdade? Você ficou com ela! — Berrou a modelo. — Oh, Deus! Como você pôde fazer isso? Como pôde ficar com... com... aquela insossa? — Como você tem a pouca vergonha de me perguntar isso? — Rugiu ele, incapaz de escutá-la mais um segundo. — Desde quando houve algo sério entre você e eu? Ouça, linda, você é dona de sua vida e eu da minha, e ambos somos grandinhos para saber o que fazemos, e não temos que dar respostas absurdas a quem não as merece. E agora, se não se importa, acabei meu turno e quero ir para minha casa descansar. — Você é um porco... e um insensível. — Tudo bem... não direi o que eu penso de você — acrescentou ele, pegando-a pelo braço para sair da sala. — Como você pôde olhar para uma mulher como ela depois de ficar comigo? — Como ela? — Sim — reiterou Iris, ofendida. — Eu sou uma modelo, e ela é... é... é sem graça! Aquele comentário o incomodou especialmente. — Já fiquei com mulheres mais bonitas e encantadoras que você. Por que essa pergunta? E por que falar de Ana assim, agora? — Você sabe que engravidou Ana? — Perguntou Iris, cravando nele seu olhar mais perverso. — O que você disse? — Perguntou Rodrigo com o cenho franzido. — O que você ouviu. Ele ficou tão espantado que antes que pudesse dizer alguma coisa, Iris se antecipou como uma louca: — Fico feliz em saber que isso vai acabar com a vida de vocês. Vocês merecem! E agora? Vai ficar com ela? Lembre-se que isso viola sua regra número dois, se bem que, claro, tratando-se de seu filho talvez... — Sua maldade não tem limites — interrompeu ele, e abriu a porta. — Fora daqui. Vá para a Grécia, faça sua sessão de fotos e pare de criar problemas, ou juro que... Sem deixá-lo terminar a frase, a jovem deu meia-volta e foi embora rebolando e atraindo o olhar de todos os bombeiros. Confuso ainda por causa da notícia que Iris havia lhe dado, procurou Calvin, e quando o localizou, perguntou diretamente: — Ana está grávida? Calvin olhou para ele. Aquele olhar fez Rodrigo saber a verdade. Se havia alguém que não sabia mentir, esse alguém era Calvin. Continuavam trabalhando no estúdio quando tocou a campainha. Nekane se levantou do chão onde estavam espalhadas várias fotografias e foi abrir a porta. Ana observava as imagens. Eram de uma sessão de dois dias atrás para a fábrica de sapatos e botas Marypaz. Estava concentrada, bebendo um suco e observando as fotos, quando ouviu: — Você está grávida? A dureza do tom e a pergunta fizeram que Ana se assustasse e derrubasse o suco. Ao levantar a vista do chão, encontrou o olhar inquisidor de Rodrigo, que, com aquela calça camuflada e o suéter verde, estava imponente. Depois, olhou para Calvin, que estava atrás, e por fim para Nekane, pálida. Foi responder quando Rodrigo, olhando sua barriga e depois seu rosto, tornou a perguntar com severidade: — Ana, você está grávida? Incapaz de disfarçar sua barriga sem faixa, ela se levantou do chão. — E como você sabe?
Para Rodrigo, essa resposta foi uma afirmação. E levando as mãos à cabeça, bufou, consternado. O que havia feito? — Calvin, eu mato você! — Gritou Nekane. — Ah, não! Não fui eu — defendeu-se o homem. — Quem você pensa que eu sou? Fofoqueiro? Querendo estrangulá-la, Ana olhou para sua amiga. — Por que você contou para ele? Eu disse que era entre você e eu. — Eu sei, Ana, mas escapou um dia — Ana blasfemou, e a amiga prosseguiu, pesarosa: — Mas eu não disse que Rodrigo era o pai, juro. — Não foi ele. Foi Iris — esclareceu Rodrigo, mal-humorado, olhando para o amigo. Gelada por saber que seu segredo era cada vez menos secreto, Ana sibilou: — Puta que pariu! Como foi que ela soube? — Por mim que não — esclareceu sua amiga. Ana levantou o dedo e disse, irritada: — Quando ela voltar de viagem, quero que arranje outro lugar para morar. Não a quero em minha casa, entendido, Neka? — Ah, sim, sem dúvida. Eu mesma cuido disso — assentiu a jovem, convicta. Perturbado pelo que havia descoberto, Rodrigo tocou o pescoço, incomodado, e atraiu a atenção de Ana. — Quando você ia me dizer? — Ouça, Rodrigo, eu ia dizer semana que vem, e... — Semana que vem? — Interrompeu-a, confuso. — Por que semana que vem? — Porque esta semana estou com muito trabalho e não pretendia vê-lo. — Você está brincando comigo?! — gritou. — Não! Passando a mão no cabelo, ele cravou seus olhões azuis nela. — Sinceramente, acho que tenho o direito de saber que vou ser pai o mais breve possível. Mas você acha normal me dizer que ia me comunicar semana que vem? — Um momento! — Exclamou Ana, levantando um dedo, e olhando para Nekane e Calvin, pediu: — Podem nos deixar a sós? — Tem certeza? — Perguntou Nekane ao compreender a confusão de Rodrigo. — Absoluta. — Fique tranquila. Não vou matá-la — protestou Rodrigo, irritado. — Nem eu a ele — sorriu Ana, deixando-o ainda mais louco. Mas, onde ela via a graça? Por fim, Nekane se voltou para Calvin. — Não quer me levar para jantar e depois tomar um frappuccino? — Claro, linda. Quando ficaram sozinhos no estúdio, ele perguntou, furioso: — Como pôde esconder algo assim? — Se me der um segundo, eu explico. Mas Rodrigo estava zangado, e levantando o dedo, berrou: — Eu confiei em você! Você disse que seríamos amigos de alma, e me escondeu algo tão sério? Caralho! Primeiro me envenena, depois me abre a cabeça, e agora fico sabendo que vou ser pai! Ana sorriu. — Você sabe que esses fatos lamentáveis foram sem querer, e se você se acalmar, vou explicar sobre a gravidez. — Não posso me acalmar. Você não entende? Durante uns instantes reinou um silêncio tenso. — Venha... vamos tomar um café — disse Ana por fim.
— Prefiro um drinque, mas cuidado com o que vai pôr no copo — sibilou Rodrigo. Sem trocar uma palavra, os dois se dirigiram à cozinha. A cabeça de Rodrigo não parava nem um segundo. Queria lhe perguntar tantas coisas que não sabia nem por onde começar. Ele a observou atentamente e soltou um palavrão ao notar aquela curvatura redondinha, mas pequena, que se via em seu ventre. Como não havia percebido? Enquanto preparava um café para ela e um uísque para ele, Ana o olhou de soslaio e quis rir. Estava tão preocupado! Mas se conteve; não era hora. Já tudo pronto, deu-lhe o copo de uísque e o convidou a segui-la até a sala, onde se sentaram no sofá. Ansioso por escutá-la, ele a contemplou enquanto ela punha duas colheres de açúcar no café com leite e dava um golinho. Por fim, quando ele já não aguentava mais, ela confessou: — Pode respirar tranquilo. O bebê não é seu. — Como?! — Isso mesmo. Você não é o pai. — Tem certeza? — Absoluta. Portanto, relaxe que não vou lhe pedir nenhuma pensão, nem que se case comigo, nem que o leve ao zoológico aos domingos. Atônito com a franqueza dela, ele foi falar, quando Ana, pondo o dedo nos lábios dele, esclareceu: — E antes que me pergunte, sim... eu já sabia que estava grávida no dia em que fui para a cama com você; e, evidentemente, no horroroso fim de semana de vômitos que passamos no hotel de Toledo. Lembra que você me disse que talvez eu estivesse incubando alguma coisa? Pois é... estava incubando meu ovo. Ele não falou nada. Não podia. — Mas quero que saiba, por mim, que se fui para a cama com você aquele dia foi porque eu queria muito ter uma despedida colossal com um bombeiro sexy e ardente. Porque, sejamos sinceros, quem vai querer ir para a cama comigo agora? Porque, além da abstinência total que vou ter graças a minha barriga, já estou vendo que me vou ficar feito um barril. — Ele a olhou boquiaberto, e ela continuou: — E por que acho isso? Porque tenho fome, muita fome! Devoro a comida e não consigo parar de pensar nela, e se agora que estou de quatro meses já engordei três quilos, não quero nem pensar como vou ficar quando estiver de seis ou nove meses. Acho que a essa altura não vou andar, vou rolar! E o sono, então? Mãe do céu, como durmo! Sou como o Zé Colmeia no inverno. Conhece o Zé Colmeia? — Atônito, Rodrigo assentiu. — Entre comer, dormir e vomitar, passou o dia inteiro, e estou com muito trabalho atrasado, não sei o que vou fazer para manter minha vida sob controle. E quanto a... Incapaz de continuar calado por mais um segundo, ele se aproximou e tampou-lhe a boca com a mão. — Quer parar de falar um segundo? Dando de ombros, ela assentiu, e ele tirou a mão. — Tem certeza de que não é meu? — Sim, Rodrigo, acredite. Ele respirou aliviado. Segundos depois, Ana se levantou, abriu o congelador e pegou um pote de sorvete Häagen-Dazs de chocolate belga. Pegou duas colheres, mas ele negou com a cabeça, de modo que soltou uma e começou a comer. — Está mais calmo agora? — Sim. — Fico feliz. Que susto você deve ter levado! — Você nem imagina! Ela sorriu, e ao recordar a noite em que ela mesma havia descoberto, murmurou, depois de chupar a colher do sorvete:
— Acho que sim... posso imaginar. — Contou ao pai? — perguntou ele. — Não. — Por quê? — Sinceramente? — Claro, sinceramente. Ana levou outra colherada de sorvete à boca, e após desfrutá-la com um gemido e fechar os olhos, respondeu: — Porque não sei onde está. — Mas você sabe quem é o pai, não é? Ela franziu o cenho. — Ei, bonitão, quem você pensa que eu sou? Claro que sei quem é o pai de meu bichinho. — Bichinho?! — O bebê — esclareceu ela. Sentindo-se mais tranquilo ao saber que não era o pai, ele deu um meio-sorriso. — Esse não vai ser o nome dele, não é? — Enquanto estiver dentro de mim, sim. Depois, quando nascer, veremos. Impressionado com a doçura que emanava do rosto dela, tornou a perguntar: — Qual é a dificuldade de encontrar o pai do seu bichinho? — Ao ver que ela não respondia, ele a olhou com cumplicidade e apontou: — Lembre-se que somos amigos de alma, uma modalidade inventada por você que consiste em ter alguém especial a quem não se mente nunca! — Mas o jeito como ela o olhou o fez acrescentar: — Tudo bem... eu sei que sua amiga de alma é Nekane, mas eu também sou, e me preocupo com você. Ana se sentiu animada com a declaração. — Eu conheci o pai do bichinho na primeira noite que nos encontramos no Garamond, lembra? — Ele assentiu, e ela se levantou. — Não sei quem é nem onde mora. Só sei que se chama Orson, que era lindíssimo, tinha um corpo maravilhoso e mora na Suíça. Isso é tudo. — E, mesmo assim, você vai ter o bebê? Por quê? Depois de deixar o pote de sorvete no congelador, Ana abriu a geladeira e pegou umas azeitonas. — No início, pensei em abortar, mas, no fim, aqui estou, comendo como uma lima nova, como dizem os mais velhos, e disposta a ser mãe. Talvez seja loucura, mas é uma decisão muito pessoal. Desculpe por não ter lhe contado que estava grávida no dia em que fui para a cama com você, mas eu não queria que ninguém soubesse algo tão íntimo. — Acho que você é muito corajosa, Ana, e vai ser uma boa mãe. Emocionada, Ana ficou com os olhos marejados, mas conteve as lágrimas. — Mais que corajosa, acho que sou meio louca. Sempre gostei muito de crianças, mas juro que nunca pensei em ter uma, até que, de repente, eu me vi com um bebê crescendo dentro de mim. Impressionado com suas palavras, ele caminhou até ela e a abraçou. Ana, agradecida pelo gesto, aceitou o abraço. Sentia-se mal por continuar mentindo para ele, mas não podia tornar a assustá-lo com o que havia contado a sua família. Dois minutos depois, quando o sentimento de culpa a abandonou, tomou de novo as rédeas de suas emoções e se afastou. — Desculpe tê-lo feito passar por isso. Nunca pensei que Iris fosse tão linguaruda — e, sorrindo, acrescentou: — Mas reconheço que eu teria gostado de ver sua cara de susto. Eu pagaria para ver! — Acabo de perceber que você é um bichinho também — disse Rodrigo, balançando a cabeça. Certa disso, ela assentiu enquanto recolocava o grampo prateado que segurava sua franja. — Você nem sabe... Ambos riram. — Mais alguma surpresa que eu deva saber em relação ao bichinho? — Perguntou ele olhando para ela fixamente, certo de que estava escondendo mais alguma coisa.
Ana estremeceu. Como poderia lhe explicar que mentira à sua família dizendo que ele era o pai do bebê? — Nenhuma — respondeu por fim. — Certeza? — Sim, seu chato. Rodrigo sorriu e fez uma carinha que aqueceu a alma de Ana. — Está com fome? Feliz com o novo rumo da conversa, ela assentiu. — Que pergunta! Alguma dúvida? — O que você tem na geladeira? — Disse ele, abrindo-a. — Pouca coisa... Hoje é segunda-feira e até quinta não vamos fazer compras. Depois de uma olhada rápida, Rodrigo pegou quatro ovos e umas batatas. — O que acha de eu fazer uma tortilla de batata? — Você sabe cozinhar? — Sim. Há alguns anos aprendi, graças a um colega que cozinha maravilhosamente bem. Todos nós cozinhamos no grupamento. Além do mais, querida amiga, percebi que as mulheres adoram quando os homens sabem cozinhar. — Sim, é muito excitante — respondeu ela, rindo. E ao vê-lo rir, perguntou: — Vai pôr cebola na tortilla? — Claro. E como sou bonzinho, não vou pôr laxante — afirmou ele. Ela o ajudou a descascar as batatas e se surpreendeu ao ver como era jeitoso na cozinha. Rodrigo se virava superbem, e isso lhe agradou. Mas, de verdade, o que é que não gostava nele? Como sempre, Ana evitou falar de sua vida porque não queria mentir mais, e durante um tempo ele falou de Carolina e Alejandro, seus irmãos, este último com síndrome de Down. Eram duas pessoas que ele adorava; dava para ver pelo jeito como se referia a elas. Também falaram de seus respectivos trabalhos. Ela lhe contou curiosidades de suas sessões de fotos, e ele de sua vida como bombeiro. — Poste de bombeiro?! — Sim, senhorita. O nome é “poste de bombeiro”. Espantada, ela assentiu enquanto ele mexia as batatas e o ovo. — Quando via essa barra nos filmes com bombeiros escorregando por ela apressados, eu achei que tinha um nome mais técnico... — Não. É poste mesmo! — Sorriu ele. — Tudo bem. Anotado. — E acrescentou: — A propósito, acho que seu trabalho é muito perigoso e mal pago. — Especialmente mal pago — debochou ele ao recordar os problemas que os bombeiros em geral tinham. — Quanto ao perigo, é... — Nossa! — Interrompeu ela. — Ainda lembro o dia em que te conheci, quando você subiu para salvar Encarna por essa escada enorme do carro de bombeiros. Se eu tivesse que subir, ia ter um troço. Sem dúvida, ele se divertia com a vivacidade e a naturalidade de Ana. — Pronto. Se estiver com fome e quiser jantar já, ponha algo em cima da mesa. Ana, sem perder tempo, pôs duas toalhinhas plásticas violetas em cima da mesinha que ficava na frente da TV, e cinco minutos depois os dois atacaram a tortilla de batata com cebola com verdadeira devoção. — Mãe do céu, está maravilhosa! — Admitiu Ana, colocando um pedaço na boca. — Como diria Martín, um colega do grupamento, o segredo da tortilla de batata está em fazê-la lentamente e com carinho.
E assim, entre brincadeiras e risos, acabaram a tortilla que Rodrigo havia feito. — E sua família em Marselha, sabe do bebê? — Perguntou ele um pouco mais tarde. Ana quase engasgou. O que podia dizer diante daquela pergunta? Mas, quando foi responder, um barulho a interrompeu. Era o celular de Rodrigo. Ah, meu Jesus, obrigada por interromper!, pensou ela ao ver que ele se levantava para atender ao telefone. Quando Rodrigo desligou o celular, estava de cenho franzido, e Ana ficou preocupada. — Que foi? Rapidamente, ele pegou seu casaco. — Era minha irmã. Tenho que ir ao hospital San Rafael. Minha mãe caiu em casa. — Eu o acompanho — disse ela com convicção. Meia hora depois entravam no hospital. Rodrigo estava tenso. Enquanto perguntava na recepção por sua mãe, alguém o chamou. — Rodrigo, estamos aqui! Ao se voltar, um homem elegantemente vestido se aproximou. — Como está mamãe? — Perguntou Rodrigo, angustiado. — Bem, filho, bem. Sua irmã está com ela. Não se preocupe. Surpreso de ver seu pai ali, perguntou: — Papai, o que está fazendo aqui? — Álex me ligou porque estava assustado e vim ver o que estava acontecendo. — E Ernesto? — Inquiriu Rodrigo ao ver que o marido de sua mãe não estava ali. — Segundo seu irmão, tinha um jantar, mas já deixamos uma mensagem no celular dele — sussurrou seu pai. Rodrigo suspirou; ele odiava o atual marido de sua mãe, mas não era hora de pensar nisso. — Bem, conte-me o que aconteceu com mamãe. — Segundo disse Álex, ela torceu o pé ao descer a escada e caiu. — Mas quantas vezes ela já caiu? — Rodrigo deixou escapar, contrariado. Ángel deu de ombros e não respondeu. Sua ex-mulher andava bem estabanada ultimamente, e quando não era uma coisa, era outra. Ana os observou sem abrir a boca. Não se podia negar que aqueles dois eram pai e filho. Mesma estatura, mesmo temperamento. — Desculpe, Ana, quase me esqueci de você — desculpou-se Rodrigo segundos depois. — Tudo bem, eu entendo, não se preocupe — respondeu ela, sorrindo. Pegando-a pela cintura, o jovem passou a mão pelos cabelos e disse: — Papai, esta é minha amiga Ana. Ana, este é Ángel, meu pai. — Prazer em conhecê-la, mocinha — cumprimentou o homem com um sorriso lindo. — Igualmente, senhor. — Mocinha — interrompeu ele —, não me chame de senhor que me faz parecer velho. Pode me chamar de Ángel. — Tudo bem, Ángel — concordou ela, encantada. Nesse momento abriu-se a porta do pronto-socorro, e Rodrigo, ao ver sua mãe e sua irmã Carol acompanhando-a, foi até elas. Ana, sem saber que fazer, ficou parada onde estava. — O... olá, eu sou Álex. Quem é você? — Ouviu de repente. Ana se voltou e ficou olhando fixamente para o rapaz que lhe estendia a mão. Era um garoto moreno, de óculos, com síndrome de Down. Devia ser o irmão de Rodrigo. Imediatamente ela lhe deu a mão e disse: — Olá, Álex, eu sou Ana. Prazer em conhecê-lo.
E ao ver que o rapaz tinha um Nintendo DS na mão, perguntou: — O que está jogando? — Nintendogs. Sabe jogar? — Ah, não. O garoto sorriu. — É... é um jogo de cuidar do seu bichinho. Eu tenho três cachorros. Um se chama Casper, outro Trino, mas minha preferida é a Luna. — Ah! Eu não conhecia esse jogo. É divertido? — Perguntou ela, olhando a tela onde uns cachorrinhos passeavam. — Sim... eu gosto muito. Durante alguns segundos Ana continuou observando a tela do Nintendo enquanto os animais se mexiam. — Você é namorada de meu irmão Rodrigo? Ana pestanejou. — Nãããão! Nós somos só amigos — respondeu rapidamente. — E por que você... veio com ele? — Insistiu o garoto. — Porque estávamos juntos quando sua irmã ligou e eu decidi acompanhá-lo para que não ficasse sozinho. — Tudo bem — aceitou Álex. E então, entregou-lhe o Nintendo e disse: — Quer brincar um pouco com os cachorrinhos? Ana assentiu. Sentando-se nas cadeiras da sala de espera, começou a seguir as instruções que ele lhe dava. Álex demonstrou ser uma pessoa muito risonha, e Ana gostava disso. Estavam tão entretidos com o jogo que quando Rodrigo chegou, não o viram. Durante alguns segundos ele ficou observando os dois. — Álex, desde quando você paquera minhas amigas? — Disse por fim. Ao ouvir a voz de seu irmão, o garoto rapidamente se levantou e o abraçou. Se havia alguém que Álex amava acima de tudo, esse alguém era Rodrigo. — Não... não estou paquerando... bobo. — Tem certeza? Eu conheço você! — Brincou Rodrigo. Álex sorriu, e olhando para ele com cumplicidade, murmurou: — Ela... ela disse que não é sua namorada. — Ela disse isso? — Respondeu Rodrigo fingindo franzir o cenho. — Sim... E... ela disse que não é sua... namorada. Só sua amiga. Nesse momento, chegaram mais três pessoas, e Rodrigo disse: — Ana, meu pai você já conhece. Esta é Carolina, minha irmã, e Úrsula, minha mãe. Mamãe, Carol, esta é Ana, uma amiga. — Prazer, Ana! — Cumprimentou a jovem, dando-lhe dois beijinhos. Pela cara, parecia encantadora; nada a ver com a outra. — Igualmente — respondeu Ana, enquanto disfarçadamente olhava a mulher mais velha que a observava, pensando onde teria estacionado a vassoura. — A propósito — falou a jovem —, adorei a bota Mustang. Com jeans ficam maravilhosas. Quero comprar uma. Surpresa, Ana olhou os pés quando ouviu: — Carolina, suas botas Yves Saint Laurent são divinas. Não precisa de outras botas. — Mas, mamãe, eu gosto — insistiu a jovem. — Mas eu não — interrompeu a mulher, categórica, enquanto cravava o olhar nas botas de Ana. Como sua filha podia gostar daquelas botas que pareciam de militar, se tinha umas tão estilosas?
Ana não falou nada, só as olhou, mas um calafrio percorreu suas costas ao notar o olhar gelado daquela mulher alta e elegante. Mãe do céu, que metida. Ela me lembra quem? Ah, sim! A cantora de ópera Maria Callas!, pensou enquanto via que a mãe de Rodrigo a escaneava de cima a baixo. — Muito prazer, minha linda — disse a mulher com um falso sorriso que a fez recordar sua própria mãe. “Minha linda?”. Ela não gostou daquele tonzinho. Mas, com um sorriso, aproximou-se da mulher e lhe deu dois beijinhos inaudíveis no rosto enquanto observava o belo sorriso de Carolina desaparecer. — Senhora, fico feliz de saber que não foi nada grave. A diva curvou a comissura dos lábios e assentiu. Se Rodrigo era parecido com seu pai, não podia negar que havia herdado os impressionantes olhos azuis de sua mãe. Mas os de Rodrigo eram calorosos, não eram como os dela, frios e calculistas. — Mamãe — interveio Rodrigo —, Ana é fotógrafa. — De quê? De casamentos, batizados e comunhões? — Debochou a mulher. — Mamãe! — Protestaram Carolina e Rodrigo ao mesmo tempo. Ambos conheciam a mãe que tinham e sabiam como podia ser corrosiva. Ana, por sua vez, sorriu com o comentário. Esse tipo de mulher não a assustava. Ao ver o constrangimento de Rodrigo e sua irmã, pontuou: — Senhora, hoje em dia, com a crise que vivemos, sou fotógrafa de qualquer coisa. Não é hora de recusar trabalho. Úrsula não gostou da resposta. Que garota mais descarada! E dando-lhe as costas, olhou para seu ex-marido e perguntou: — Onde está Alejandro? Seguindo o dedo de seu ex-marido, viu o garoto e levantou a voz: — Alejandro, venha! Vamos para casa. Dito isso, pegou Rodrigo pelo braço e se afastou uns passos para lhe dizer alguma coisa. Então, Carolina se dirigiu a Ana, que estava a seu lado, quase sussurrando. — Desculpe por minha mãe. Ela está cansada, e embora não diga, sei que tem horror a hospital. — Não se preocupe, sem problemas. E ouça... quando quiser, posso lhe dizer onde encontrar umas Mustang como estas a um bom preço. — É mesmo? — Sim. — Tudo bem, mas que minha mãe não saiba — sussurrou a jovem. — Ela não gosta desse tipo de calçado, e sei que faria um escândalo se descobrisse. Ana assentiu justo no momento em que ouviu: — Carolina, vamos! A jovem, após esboçar um tímido sorriso, deu tchau com a mão e se afastou. Ao passar por Rodrigo, pulou em seu pescoço e lhe deu um beijo. Dois segundos depois todos caminhavam para o estacionamento do hospital. Antes de entrar no carro de Rodrigo, Ana olhou para o veículo onde estavam os outros e quase assobiou ao ver o olhar de Úrsula. Estava claro que a mulher não gostara dela.
9
A estreita relação entre Ana e Rodrigo continuou. De fato, tornaram-se inseparáveis. De repente, era como se os dois houvessem encontrado o amigo de sua vida. Mas enquanto Rodrigo curtia aquela amizade, Ana sofria em silêncio. O fato de o homem de quem tanto gostava lhe contar confidências acerca de outras mulheres fazia seu estômago revirar. Mas Ana, sem deixar transparecer seus sentimentos, escutava-o. E em mais de uma ocasião o aconselhou sobre aonde levar sua nova conquista ou fez reservas para o jantar pela internet. Nekane não gostava desse nível de confiança. Não era bom para Ana. Tentou falar com ela para fazer que raciocinasse, mas a outra se negou. Queria curtir a companhia dele de qualquer maneira, e não quis ceder. Sua gravidez continuou de vento em popa, mas diferente do que havia pensado no início, parou de engordar. Continuava comendo com uma troglodita, mas o nervosismo e os vômitos a impediam de ganhar peso. Em março Ana recebeu um convite de aniversário encantador. Alejandro, irmão de Rodrigo, iria fazer 26 anos e queria convidá-la para sua festa. No início, pensou em não ir. Era evidente que sua presença incomodaria a mãe de Rodrigo; mas diante da insistência dele e do próprio aniversariante, que ligou para ela, aceitou. Por que não? Usando jeans, um casaco de couro comprido, um gorro de lã e especialmente as botas Mustang, esperava Rodrigo na portaria quando sua vizinha Encarna apareceu. — Olá, Anita! Aonde você vai tão linda? — A um aniversário. — E ao ver as sacolas que a outra carregava, disse com rapidez: — Encarna, quantas vezes tenho que dizer para você não carregar tantas compras? — Isso aqui quase não pesa. Não seja exagerada! — Como não pesa, se seus dedos estão roxos? A mulher olhou as mãos, tentando aguentar a dor. — Tudo bem... reconheço, está pesado! Mas eu precisava trazer tudo. Hoje quero fazer pisto para o almoço. — Encarna, eu já disse mil vezes que você pode fazer as compras no supermercado que eles entregam. Por que não me ouve? — Protestou Ana. — Ai, que carinha mais bonitinha que você tem, linda! Mas é que eles cobram quatro euros. Oitocenta pesetas das antigas! Não, minha pensão não me permite esses luxos. — Eu disse a Luis e a Patricia que ponham em minha conta — disse a jovem, contrariada. — Ora, nada disso! — Respondeu a galega. — Por que vão cobrar de você o que eu não quero pagar? — Porque, para mim, quatro euros ou vinte euros por mês não são nada. — Não, não e não! — Como você é cabeça-dura! — sorriu Ana. — Não vê que esse peso não é bom para sua coluna? — A mulher, sabendo que a jovem tinha razão, assentiu. E Ana exigiu: — Ande... solte estas sacolas, abra a porta e pegue minha bolsa. Vou colocá-las no elevador. — Nada disso, bonitinha. Você também não pode pegar peso — sussurrou Encarna ao pensar na gravidez.
Contrariada, Ana a olhou e sibilou: — Encarna! Se quiser lutar contra minha teimosia, desde já lhe digo que vai perder. Se as galegas são cabeça-dura, as meio inglesas nem te conto! Solte as sacolas agora mesmo. Depois de um desafio de olhares, por fim a mulher soltou as cinco sacolas que se cravavam em suas mãos. Quando Ana as deixou dentro do elevador, a galega disse: — Você é muito fofinha, menina. — E você é cabeça-dura — respondeu Ana. — E que seja a última vez que volta tão carregada, entendeu? — Tudo bem, minha linda... não fique nervosa, que em seu estado não é bom. — E ao ver Ana sorrir, perguntou: — Como está hoje? Melhor? — Sim. Por sorte hoje estou ótima. Tomara que o dia continue assim. De repente, o som de uma buzina chamou sua atenção, e ao ver Rodrigo no carro, beijou a vizinha no rosto, feliz, e disse: — Vou indo, antes que ele leve uma multa. — Divirta-seeeeee! —Gritou a mulher, e sorriu ao reconhecer Rodrigo ao volante. Encarna adorava aquela mocinha e a sua amiga. As garotas a ajudavam sempre que precisava, e para ela eram suas meninas. Quando Ana entrou no carro de Rodrigo, ele a olhou, e surpreendendo-a, exclamou: — Como você está linda hoje! Deixe eu ver, olhe para mim. Vermelha como um tomate, ela olhou para ele. Sentir seus olhos penetrantes nela a deixava nervosa, mas curtindo o momento, deixou-se observar. — Já te disse que você fica bem de gorro? — Você não, mas minha mãe sempre diz isso — respondeu Ana, corada. — Sério, esse gorrinho preto de lã a favorece muito. Ana tocou o gorro alegremente. — Tudo bem... entendi a indireta. Quanto menos aparecer meu rosto, melhor! Aquela resposta pegou Rodrigo de surpresa. Ele gargalhou, e pegando-a pelo queixo, atraiu-a para si, e a poucos centímetros de seu rosto, murmurou: — Você é linda, e quanto mais seu rosto ficar evidente, melhor! A seguir, deu-lhe um beijo na ponta do nariz e a soltou, engatou primeira e o carro começou a rodar. Confusa e abobada com o que havia acabado de acontecer, Ana respirou fundo. A proximidade entre eles fez seu coração disparar. Ela teria dado qualquer coisa para que ele a beijasse, mas não, Rodrigo nunca faria isso. Eram só amigos. Ainda estava confusa quando ele tocou-lhe a perna com a mão para atrair sua atenção. Ela o olhou. — Preciso que faça uma coisa. — Diga. — Ligue para este número e pergunte por Alicia — indicou, entregando-lhe um papel. — Diga que é da parte de Rodrigo e que em vinte minutos estaremos lá. — Mas não vamos ao aniversário de Álex? — Perguntou Ana, surpresa. — Sim, mas antes preciso pegar o presente dele. — Falando em presente... Antes de ir à casa de seus pais quero passar em algum lugar e comprar alguma coisa para ele. Você sabe do que ele gosta, então... — Não se preocupe, eu já resolvi isso. — Mas eu quero lhe dar um presente — insistiu ela, olhando para ele. — Garanto que vai dar. Agora, ligue para este número. Sem perguntar mais nada, Ana fez a ligação, e vinte minutos depois pararam na rua Galileo. — Volto em um minuto — disse Rodrigo. Ana o viu sair do carro e dirigir-se a uma linda garota de casaco vermelho berrante e rosto
angelical, que ao vê-lo, sorriu. Incapaz de não olhar, viu que ele a abraçava e depois a beijava nos lábios. O ciúme turvou sua mente. “Ana... Ana... Ana... relaxe. Ele não é para você. Assuma.” Os dois trocaram um rápido beijo de despedida. A garota olhava com curiosidade para o carro quando Rodrigo voltou. Depois de entrar e deixar no colo dela o que tinha nas mãos, perguntou: — O que acha de nosso presente? Ao examiná-lo, viu que aquilo que ela pensou ser um suéter era, na realidade, uma toalha cor de laranja de onde despontava uma cabecinha. Era um cachorrinho! — Ah, meu Deeeeeus, que lindoooo! — É um mini Yorkshire. Minha mãe vai fazer um escândalo, mas Álex morre de vontade de ter um cachorro, e nós vamos lhe dar um. — Nós? Você, quer dizer. — O presente será de nós dois, Ana. — Tudo bem... mas diga quanto tenho que te pagar. — Ana, você pretende que eu te cobre? — Perguntou ele, desconcertando-a. — Claro. Senão, não vai ser meu presente também. Alucinado pelas coisas que às vezes aquela garota o fazia sentir, disse: — Tudo bem. O preço é um beijo. E não aceito um não. — Mas Rodrig... — Eu disse que não aceito não — insistiu ele, divertindo-se. Incapaz de não aproveitar aquela proximidade, Ana aproximou os lábios, e ele rapidamente lhe deu o rosto. Desconcertada com a rejeição, ela aspirou seu perfume, fechou os olhos e lhe deu um beijo. Foi rápido, um beijo de amigos, sem compromisso, mas para ela teve sabor de glória. Rodrigo, alheio aos sentimentos dela, agitou a mão antes de ligar o carro. — Dívida paga. O presente é dos dois. Acalorada, com voz infantil, Ana, para se livrar do aturdimento, pegou o cachorrinho nas mãos e o aproximou de seu rosto. — Ooooi, bonitinhooooo! Quer ser meu amiguinho? Rodrigo sorriu e engatou a primeira. — Perfeito! É exatamente isso que Álex vai dizer. Quando chegaram à casa dos pais dele, na rua Rodríguez Marín, a indecisão tomou conta de Ana. Realmente desejava suportar o desprezo de Úrsula? No entanto, quando ela saiu para recebê-los, surpreendentemente foi amabilíssima. Mas ao ver o animalzinho que Ana tinha nas mãos, sua expressão azedou. — O que é isso? — Nosso presente para Álex. — E antes que ela pudesse protestar, Rodrigo, com carinho, sussurrou: — Mamãe, Álex precisa de um cachorro. Você sabe que está pedindo um desde que Tobi morreu, há dois anos. Por favor... deixe-me fazerlhe esse agrado. — Mas, filho, eu não tenho tempo para levá-lo para passear, e Ernesto... — Fique tranquila, mamãe. Este cachorrinho não cresce muito, por isso, não precisa tirá-lo de casa se não quiser. Só de dar duas voltas pelo jardim ele vai ficar exausto, você vai ver! E quanto a Ernesto, eu vou falar com ele. Ana estava paralisada segurando o cachorro quando viu que Rodrigo, sem se acovardar diante da expressão de sua mãe, dava uma piscadinha para a mulher glacial, e esta, mostrando pela primeira vez um sorriso encantador, dava-lhe um beijo no rosto. — Tudo bem, filho. Você me convenceu. Feliz com o consentimento, Rodrigo abraçou sua mãe, e após fazê-la girar e sorrir, soltou-a.
— Ande, vá dar o cachorro a seu irmão — disse a mulher. Nesse momento surgiu um homem alto, elegante, com um sorriso arrebatador. Ana notou que a expressão de Rodrigo mudou, mas ele estendeu a mão e o cumprimentou. — Que alegria vê-lo, Rodrigo! — Exclamou o homem. E olhando para a jovem que o acompanhava, perguntou: — E esta mocinha, quem é? Antes que Rodrigo pudesse responder, Úrsula disse: — É Ana, uma amiga de Rodrigo. O homem sorriu, satisfeito, mas quando viu o que ela tinha no colo, mudou de expressão. — E isto, o que é? — É nosso presente para Álex, que evidentemente vai ficar aqui — respondeu Rodrigo com segurança antes que Ernesto pudesse sequer pestanejar. Então, o aniversariante se aproximou. — Álex, veja, nosso presente para você. Feliz aniversário. Nosso presente, pensou Ana... O jovem, ao ver aquela coisinha se mexendo nas mãos de Ana, aplaudiu. — Um cachorro! E enlouquecido com a surpresa, tocou-lhe a cabecinha, pegou-o com carinho e o beijou. Instantes depois, levantou-o até o rosto e perguntou: — Quer ser meu amigo? Surpresa porque Álex havia dito a mesma coisa que ela, olhou a Rodrigo, e este, dando de ombros, a fez sorrir. Os convidados que chegavam à festa de Álex eram encaminhados a um jardim nos fundos, não muito grande, mas decorado com bom gosto. Úrsula estava feliz e sorridente, até mesmo com Ana, e isso fez a jovem suspeitar de algo. Sua própria mãe era como essa mulher, e, quando sua atitude mudava de uma hora para outra, era porque tinha uma carta na manga. Tinha que ficar alerta. Mas o que chamou a atenção de Ana foi ver que Rodrigo, depois de falar com o marido de sua mãe, não tornou a se aproximar dele. Sem que ele precisasse lhe contar nada, intuiu que não se davam bem. Os garçons lhe ofereceram bebidas. Ela se limitou a tomar suco. Não queria que nada estragasse a tarde. — Você só bebe suco, linda? — Perguntou Úrsula, aproximando-se com uma taça de champanhe na mão. Já fazia tempo que a mulher observava a jovem de cabelo curto e franja comprida que sorria como uma boba quando olhava para seu filho. — Sim. Não costumo beber álcool — respondeu Ana com cautela. Com a roupa que estava usando sua gravidez não se percebia, e ela achava bom. Embora quisesse muito tomar uma boa Cuba Libre, tinha que ser sensata e pensar no bebê. Úrsula sorriu e tocou-lhe o braço. — Muito bonito seu relógio Cartier. — Gostou? — Disse Ana sorrindo. Ela adorava aquele presente de seu pai. — Ótima imitação. Comprou-o em uma feira? Ana suspirou. Aquela mulher era mil vezes pior que sua mãe. Quando ia responder, a outra se antecipou: — Por acaso trouxe a câmera fotográfica? — Ana negou com a cabeça. — Ah, que pena! Eu adoraria que você tirasse umas fotos nossas. Teria sido uma bela recordação. Disposta a tentar uma aproximação com ela, por Rodrigo, a jovem perguntou: — A senhora tem alguma câmera? — Sim.
— Se a trouxer, posso bater as fotos, com prazer. Úrsula reagiu como se lhe houvessem oferecido o mundo. — Ah, que bom! Já vou mandar trazer — exclamou sorrindo. E voltando-se para uma jovem de aspecto sul-americano, disse: — Guadalupe, vá ao gabinete do patrão e traga a câmera fotográfica que está no aparador, aquela que eu lhe dei de Natal. — Agora mesmo, senhora — respondeu a jovem. Dois minutos depois, a garota apareceu com a câmera e a entregou a Úrsula. A mulher a pegou, e com ela nas mãos, perguntou: — Vai saber mexer? — Sim. Não convencida com a resposta, a mulher abriu uma pastinha anexa à alça da câmera e tirou um papelzinho dobrado. — Acho que temos um problema, linda. — Qual? — Suspirou Ana, querendo dizer que não a chamasse de linda. — As instruções estão em inglês, francês e alemão. E, como é lógico, você não deve saber outros idiomas, não é? Ana olhou para ela. Deveria dizer-lhe que, além desses idiomas, sabia um pouco de russo também? Preferiu se calar e, dando de ombros, comentou: — É uma Canon EOS 550D. Não se preocupe, eu sei mexer. Úrsula assentiu e lhe entregou a câmera. — Muito bem. Tire fotos decentes, se puder, dos convidados, e eu lhe serei eternamente grata. Ao dizer isso se afastou. Ana, sem querer pensar nas ofensas de Úrsula, começou a bater fotos de todos. Rodrigo, ao vê-la, aproximou-se. — Você trouxe a câmera? — Não, mas sua mãe acabou de me nomear fotógrafa do evento. — Ele sorriu. — Ela quer fotos de recordação. Portanto, ande, fique com seu irmão para eu bater uma foto dos dois. Uma hora depois, após muitas fotos do aniversariante com seu cachorro, com seus presentes, com seus irmãos, com seus pais; de Úrsula com suas irmãs e amigas finas, e de tudo que se movesse pela casa, Ana se sentou. Estava exausta. Com sede, pegou um suco de uma das bandejas, e ao ver o belo bolo decorado de chocolate branco, não hesitou e se serviu um pedaço. Parecia delicioso! Hummm, meu Deus! Que delícia!, pensou ao levar uma colher à boca. Dois minutos depois, vendo que ninguém a observava, serviu-se outro pedaço, e três minutos mais tarde, repetiu a jogada. O bolo estava demais. Estava degustando-o quando Carolina, a irmã mais nova de Rodrigo, se sentou a seu lado. Alegre, Ana pegou a câmera e fez um close dela. Carolina gargalhou. — Obrigada pelas botas Mustang. Meu irmão as trouxe outro dia, adorei. Ana sorriu e colocou outra colher de bolo na boca. Estava delicioso! — Ficaram boas? — Perfeitas! — Então, já sabe: aproveite! Carolina assentiu e se aproximou de Ana. — Vou curti-las nos fins de semana em que minha mãe não esteja em casa, porque se estiver, não vai me deixar usá-las. Acabando disfarçadamente o bolo que restava no prato, Ana perguntou: — Carol, quantos anos você tem? — 22. — E com 22 anos sua mãe ainda te proíbe de fazer o que quer? A jovem fez um gesto afirmativo, e antes que Ana pudesse replicar, sussurrou:
— Segundo mamãe, ou melhor, segundo Ernesto, uma moça como eu deve ter classe para se vestir, e certas roupas são proibidas. Você nem imagina como ele é! Boquiaberta diante daquela revelação, Ana ia dizer o que pensava quando Rodrigo e Álex se sentaram a seu lado, e Carol se levantou e foi embora. — Quer mais bolo? Seus olhinhos dizem que sim — debochou Rodrigo. — Está muito... muito bom — afirmou Álex com seu cachorrinho no colo. A essa altura Rodrigo já havia aprendido que chocolate branco deixava Ana louca. Não havia uma única vez que saíam para jantar que ela não pedisse algo com chocolate branco de sobremesa. Ana, ao ver seu sorriso maroto, quis bater nele. Aproximou-se para que só ele a ouvisse. — Cale-se e não me provoque. Já comi três pedaços. — Três pedaços?! — Brincou ele. — Sim. E não me faça sentir culpada. Ele sorria alegremente quando uma amiga de sua mãe o chamou. Quando Rodrigo se foi, Ana ficou sozinha com Álex e seu cachorrinho. Encantada, bateu mais fotografias de Álex com seu novo bichinho de estimação. Dava para ver a felicidade do garoto por ter o que ele mais queria: um cachorro. — Álex, que mais você ganhou? O garoto, feliz, deixou o cachorrinho no colo dela e saiu correndo. Dois segundos depois, voltou com uma jaqueta de couro preta e a vestiu. — Carol... me... me deu esta jaqueta igualzinha à de Danny Zuko. — Danny Zuko? — Perguntou Ana sem entender. Álex se sentou ao lado dela e esboçou um sorriso. — Eu... gosto muito do filme Grease. É meu pre... preferido! E Carol sabe, e me... me deu uma jaqueta igual a do namorado da Sandy. — Você ficou lindíssimooooooooo, Álex Zuko — disse Ana rindo ao compreender a emoção do rapaz. Depois de lhe entregar o cachorrinho, ela bateu mais algumas fotos, e quando se sentaram, a jovem tocou com carinho a cabecinha do filhote adormecido. — É muito bonito, Álex. Seu cachorrinho é uma preciosidade. — Obrigado pelo presente. Eu... eu adorei. Eu... eu queria um cachorro. Ana se sentia feliz com a felicidade do garoto. — Que nome vai dar a ele? Álex a olhou e deu de ombros. — Não sei... ainda não pensei. Que nome você daria? Dois minutos depois, o cachorrinho tinha nome. Pouco depois, enquanto Álex e Ana conversavam, Rodrigo se sentou junto a eles. Cada dia gostava mais da companhia de Ana; falar com ela de qualquer coisa era fácil e maravilhoso. Nunca havia tido uma amiga assim, e estava disposto a cuidar dela. Ana merecia, e ele estava feliz por tê-la encontrado. — Ora, ora, Danny Zuko está aqui! — Ironizou Rodrigo ao ver a jaqueta de seu irmão. — Não! Eu sou Álex — respondeu este, rindo. Os irmãos se abraçavam e riam enquanto Ana batia fotos. De repente, Rodrigo a achou meio pálida. — Você está bem? — perguntou. — Sim — sorriu Ana —, só meio cansada. — Ana, venha tirar umas fotos — exigiu Úrsula. A jovem se levantou, mas Rodrigo a pegou pela mão. — Se está cansada, não vá. Diga a minha mãe que sua função de fotógrafa do evento já acabou. Com um sorriso cúmplice, Ana se agachou, e antes de lhe dar impulsivamente um beijo no rosto,
murmurou: — Fique tranquilo, faço com prazer. Quando Ana se afastou, Álex chamou a atenção de seu irmão. — Rodri... sabe de uma coisa? — O que, Álex? — O cachorrinho já tem nome. Contente pela felicidade que via no rosto de seu irmão, Rodrigo passou a mão pelo cabelo dele com carinho. — E como se chama? — Guau. — Guau?! — Sim. Imediatamente Rodrigo soltou uma gargalhada. — Não precisa nem me dizer quem te deu a ideia — disse, divertindo-se. — É um nome bonito? Rodrigo olhou para Ana, que estava fotografando sua mãe com as amigas. — Sim, Álex; no mínimo, original. Diferente. Às dez da noite, quando os amigos de Álex já haviam ido embora e só restava a família, por fim Rodrigo se sentou tranquilamente para conversar com Ana e seus irmãos. De repente, ouviram a campainha da porta. Dois segundos depois, apareceu Úrsula, radiante, acompanhada de uma jovem loura de cabelos lisos, vestida com glamour. — Rodrigo, veja quem veio! — Gritou sua mãe com uma taça na mão. Ao ver a jovem, Rodrigo mudou de expressão. Levantou-se, surpreso, esboçando um sorriso incrível, que fez a alma de Ana se encolher. — Candela, quando você chegou? — Perguntou enquanto caminhava para elas. A jovem loura, adorando se sentir o centro das atenções, sorriu para Úrsula, que lhe apertou as mãos com cumplicidade. Retirando o cabelo do ombro com um movimento gracioso, respondeu: — Cheguei há duas horas. Nesse momento, Ernesto se aproximou e pôs um Martini nas mãos de sua mulher. — Que alegria tê-la por aqui! — Disse à jovem. — Obrigada, Ernesto. — Quanto tempo vai ficar na Espanha? — Perguntou o homem. — Não sei ainda — respondeu ela rindo, satisfeita com a recepção. — Vou ficar um tempinho, e dependendo de como andarem as coisas, voltarei a Houston ou não. Rodrigo não conseguia parar de olhar para ela. Candela era tão linda que era difícil não olhar. Esquecendo-se de todos que os cercavam, os dois começaram a conversar entre abraços e movimentos emocionados. Ana os observou de soslaio. Quem era aquela mulher? Em um desses olhares, notou que Úrsula a chamava. Sem hesitar, levantou-se. — Poderia bater umas fotos de Candela e Rodrigo? — Claro — assentiu Ana, ligando a câmera enquanto os dois conversavam sem parar de se olhar. Rodrigo, ao vê-la, sem se afastar da recém-chegada, disse: — Candela, esta é Ana, uma amiga. — Olá! — Cumprimentou Ana com um sorriso. A jovem loura a olhou, e antes que pudesse dizer qualquer coisa, Úrsula explicou: — É a garota que está fazendo as fotos da festa. A fotógrafa. Nesse momento, ao ouvir “é a garota que...”, Ana entendeu. Úrsula passara a tarde toda usando-a como fotógrafa para que as metidas de suas amigas e a família não a considerassem algo mais para
seu filho. Incomodada, quis dizer poucas e boas àquela mulher terrível quando viu que a recémchegada, após cumprimentá-la com um movimento de cabeça, tornou a focar o olhar em Rodrigo. — Formam um casal tão bonito, não é? — Disse Úrsula. Como Ana não respondeu, ela acrescentou: — Meu filho te contou que eles namoraram? — Não, não falamos sobre isso. — Candela Fitwork Herrero é uma boa menina, de uma boa família, como nós. Começou, pensou Ana, enquanto Úrsula continuava. — O pai dela é dono da Fitwork Associados, o melhor escritório de advogados da Espanha, onde, a propósito, Ernesto trabalha. — Ah... que bom! — Ironizou Ana enquanto tirava fotos. — Rodrigo e ela namoraram durante cinco anos, e embora tenham se separado, tenho certeza de que ainda há alguma coisa entre eles. Basta ver como meu filho olha para ela, não acha? Ana não respondeu, de modo que a outra, disposta a dizer tudo que segurava havia horas, continuou: — Meu filho se formou advogado, sabia? — Não. A propósito, ela quis dizer que também era advogada, mas, no fim, decidiu não falar. Não queria entrar em seu jogo absurdo, e continuou batendo fotos. — Pois é, linda. Consegui fazer Rodrigo estudar Direito para que fosse um bom advogado, e posteriormente que tivesse um cartório, mas, quando se formou, ele me surpreendeu com a loucura de que queria ser bombeiro. Bombeiro! — repetiu, horrorizada. — Estaria tão bem sentado em um escritório de terno e maleta, em vez de todo o dia se arriscar, em constante perigo. Mas, bem, espero que Candela o faça raciocinar e que com sua linda carinha consiga o que eu não consegui. Que vadia, linda, pensou Ana. — A senhora devia ter orgulho de Rodrigo. — Eu tenho, querida. Mas preciso que ele se encaminhe na vida. — Mas ele é um bom profissional, e parece muito feliz com o que faz. Além do mais... Úrsula franziu o cenho, e pegando outra taça de champanhe, sibilou, interrompendo-a: — Veja, minha linda, estou a vida toda tentando fazer que ele seja alguém neste mundo, e sendo um simples bombeiro não creio que consiga. Se ele se casasse com Candela Fitwork e começasse a exercer sua profissão, garanto que sua vida seria muito mais feliz. — Eu duvido — arriscou Ana. — Ele é feliz com sua vida. — E o que você sabe? Uma fotógrafa. — Sibilou Úrsula com desprezo. — Meu filho precisa de uma mulher como Candela a seu lado. Ela tem classe, é elegante, e... — Acha mesmo que o dinheiro dá classe? — Perguntou Ana, ofendida. — Claro, querida. O dinheiro move o mundo e é o que determina quem está em cima e quem está embaixo na sociedade. — E, vendo a expressão de Ana, acrescentou: — Uma menina como Candela, criada nos melhores colégios, com uma carreira e um trabalho como o dela, não é a mesma coisa que uma mocinha qualquer. Mas, claro, talvez seja difícil para você entender o que estou dizendo, vendo como olha para meu filho. É tão evidente que até meu marido me pediu para te dar um toque. Aquele comentário foi o fim à conversa. E sem se importar com o que aquela mulher pensasse dela a partir daquele momento, devolveu-lhe a câmera fotográfica e respondeu: — Ouça, senhora, em primeiro lugar, dinheiro não dá classe nem felicidade; em segundo lugar, não beba mais, porque acho que não te faz bem; e em terceiro lugar, digo a seu marido e à senhora que não preciso que ninguém me dê um toque, e menos ainda vocês, porque entre Rodrigo e eu só existe amizade. Nada mais.
— Não tenho nada contra você, mas fico feliz de saber que me entendeu perfeitamente — respondeu a mulher, deixando a taça em cima da mesa sem querer entrar em mais detalhes. — Posso te assegurar que não sou tola. Posso garantir. — Eu sei — acrescentou Úrsula depois de assentir, olhando para Ernesto, seu marido. — Por isso o motivo desta conversa. Alheio ao que estava acontecendo, Rodrigo, encantado com a chegada de Candela, olhava para ela maravilhado. Aquela que agora sorria com uma feminilidade que o impressionava havia sido seu único amor. A garota dos seus sonhos. E, de repente, estava ali, mais linda do que nunca e sorrindo de novo só para ele. Esquecendo a dor que havia sentido quando ela o deixara para ir embora para Houston, conversava com ela quando Ana, como um tsunami, chegou, e dando-lhe um tapinha no ombro, disse: — Desculpe interromper. Ambos olharam para ela. Ana, sem querer pousar os olhos na jovem que a observava, acrescentou: — Rodrigo, vou indo. Aquele tom de voz o alertou. — Você está bem? — Sim... — mentiu. A jovem, depois de trocar um olhar com Úrsula, que não muito longe deles bebia uma taça de champanhe, sorriu. Depois de um silêncio tenso que surpreendeu Rodrigo, ele disse: — Dê-me um segundo e a levarei para casa. — Não, não precisa. Dito isso, começou a andar para fora da casa, sob o atento olhar de Úrsula, que sorria ao lado de Ernesto. Rodrigo, estranhando, foi atrás dela, e ao chegar à porta da entrada, segurou-a. — Ei, que bicho te mordeu? — Nenhum. Por que teria me mordido? — Vou levá-la — insistiu o bombeiro. — Você não está de carro e... — Eu disse que não, caralho! Como preciso falar para você entender? Surpreso com aquele ataque de mau humor, Rodrigo foi responder quando Candela chegou e perguntou: — Algum problema? Ana suspirou. Queria sair daquela maldita casa o quanto antes. — Ana, por favor, dê-me um segundo e a levarei — repetiu Rodrigo. — Não se incomode. Eu vou de metrô. De repente, surpreendendo-a, a jovem Candela falou: — Quer que Rodri e eu a levemos até sua casa? Sinceramente, acho que o metrô não é um bom lugar para uma mulher sozinha, e menos ainda a esta hora. — Boquiaberta, Ana olhou para ela, e a outra prosseguiu: — Para nós não é trabalho nenhum, não é, Rodri? “Mas que imbecil!”, pensou Ana, e quando ia responder, seu celular tocou. Tirou-o do bolso da calça jeans. Era Nekane. Com a mão, pediu um segundo para o casal e se afastou alguns passos. — Onde você está? Aquele tom de voz, e em especial a pergunta, surpreenderam Ana. — Saindo da casa dos pais de Rodrigo. Que foi? — Preciso de uma terapia de açúcar. Estou péssima! — Que foi? — Briguei com Calvin. Ana, certa de que sairia daquela casa ipso facto, respondeu, categórica: — Em vinte minutos, meia hora, estou em casa. — Dito isso, desligou o celular e se voltou para aqueles dois, que sorriam feito imbecis. Enquanto vestia o casaco de couro, disse: — Não precisam
me levar. Acabei de marcar com uma amiga bem perto daqui. Portanto, aproveitem a festa! Sem querer olhar para Rodrigo, que a observava de cenho franzido, levantou a mão, e antes que qualquer um dos dois pudesse se mexer, abriu a porta da rua e foi embora. Precisava fugir daquela casa contaminada, ou, no fim, a bruxa que a habitava sairia e daria um showzinho. Ana passou por uma loja 24 horas para comprar vários potes de sorvete para a terapia de açúcar e pegou um táxi. Quando chegou ao prédio, pegou as chaves na bolsa e entrou no vestíbulo. Ao passar pelas caixas de correspondência notou que a sua estava cheia de propagandas, de modo que enquanto esperava o elevador, recolheu tudo. Quando chegou a seu andar, ia colocar a chave na porta de casa, mas Nekane, alterada, abriu. De imediato Ana a abraçou e entraram juntas. O que havia acontecido? Foram até a sala e Ana conseguiu fazer Nekane se sentar; então, tirou o casaco de couro e se sentou ao lado dela. — O que aconteceu com Calvin? Nekane, alterada, secou as lágrimas. — Não quero mais ouvir esse nome em toda minha vida. — Mas... — Como pude ser tão imbecil? Como posso ter me apaixonado por um imprestável com nome de cueca? — E secando com fúria as lágrimas do rosto, perguntou: — Sabe por que o idiota do Cupido usa fralda? — Não. — Porque sempre faz cagadaaaaaaa — disse Nekane chorando, desconsolada. A piada fez Ana sorrir, mas interrompeu-se quando ouviu sua amiga dizer: — Se esse imprestável ligar, por favor, diga que eu morri, entendeu? Diga que sou mulher demais para ele, e... e... — Neka, como vou dizer uma coisa dessas a ele? — Diga e pronto! — Gritou, e começou a chorar de novo. Ana a abraçou. Não sabia o que havia acontecido, mas tinha que ser algo bem grave para que Nekane, a garota mais forte do mundo, chorasse daquele jeito. — Neka, por favor, acalme-se e me conte o que aconteceu com Calvin. — Não pronuncie esse nome! — Tudo bem, tudo bem... foi sem querer. — Comprou sorvete para a terapia? — Um monte — confirmou Ana. Nekane assentiu e secou o rosto com um lenço de papel que tinha na manga, e Ana pegou quatro potes de sabores diferentes da bolsa. — O homem com nome de cueca teve... — Homem com nome de cueca? — Ao entender, Ana gargalhou, mas vendo a cara de sua amiga, sussurrou: — Desculpe... desculpe... — Como estava dizendo — prosseguiu a outra enquanto Ana se levantava para pegar duas colheres —, o homem com nome de cueca teve a ousadia de dizer que me ama. Dá para acreditar? A cara de alucinada de Ana era tamanha que Nekane repetiu: — Dá para acreditar? — Bem, vocês estavam tão bem juntos... — suspirou Ana, entregando-lhe uma colher. — Mas tenho mesmo que acreditar que você está assim porque o homem com nome de cueca te disse que te ama?! — Não. — Então? Nekane abriu o sorvete de chocolate belga, e depois de enfiar duas colheradas na boca, disse: — Estou assim porque eu disse que eu não o amo.
— Mas, Neka... — Veja... estávamos bebendo em um pub. De repente, ele me olha e diz: “Amo você, princesa!”. E... e eu... fiquei tão alucinada, tão maluca, que não sabia o que responder. E sem tempo de me recompor, o imbecil me perguntou: “Você me ama?”. E eu... eu olhei para ele e disse: “Não!”. E então ele, com uma cara que não me agradou em absoluto, afastou-se de mim e perguntou: “Então, por que está comigo?”. E eu, como pude, respondi: “Porque gosto de você e me divirto ao seu lado, mas não estou apaixonada por você”. — Você está brincando comigo? — Não — negou Nekane, gemendo. Ana, ao ver as manchas de delineador no rosto de sua amiga, levantou-se e foi ao banheiro pegar toalhinhas demaquilantes. Enquanto limpava aquela bagunça, murmurou: — Eu achei que você também estava apaixonada por ele. — E estou. Mas não para dizer “eu te amo”. — Vejamos: está falando sério que vocês, os fofinhos, o casalzinho feliz, brigaram de verdade? — Insistiu Ana, boquiaberta. Nekane assentiu, e após dar uma colherada de sorvete a sua amiga, murmurou: — Sim. Ele disse que eu sou fria e egocêntrica, e que só penso em mim. Mas o que ele queria que eu fizesse? Que mentisse? Por que vou mentir se não o amo? — Mulher, mas sentindo por ele o que você sente, podia ter sido mais diplomática. — Não... não... eu sou como sou, e se gostar, muito bem; e se não gostar, bem também! Enfim, não quero saber dele. Terminamos! Portanto, faça o favor de dizer a seu maravilhoso amigo Rodrigo que nem pense em trazê-lo aqui em casa, ou não respondo por mim. — Fique tranquila — suspirou Ana, deixando a toalhinha em cima da mesa —, depois do que aconteceu esta noite, acho que nos próximos dias Rodrigo não vai ter tempo para mim. Esquecendo suas dores, Nekane olhou para a amiga. — O que aconteceu com você? Nesse momento, Ana pegou o pote de sorvete de cookies, e abrindo-o, sob o olhar atento de sua amiga, que devorava o de chocolate belga, colocou duas colheradas na boca e disse: — Bem, depois de primeiro ver Rodrigo beijar uma loura na frente de uma casa; depois de ir a sua casa e suportar sua maldita mãe me dizer, entre outras coisas, que eu não tenho dinheiro suficiente para ficar com seu filho, e menos ainda para fazer parte de sua glamourosa família; e, por último, depois de ver a ex-namorada dele aparecer, e, verdade seja dita, é uma mulher lindíssima, e de vê-lo babar por ela, pouco mais posso dizer! Nekane soltou um gemido. — Nossa, não sei nem o que dizer! — Sabe sim, Neka. Que eu sou uma imbecil! A rainha das imbecis! Hummmm... este sorvete está demais! A navarra, irritada pelo que Ana havia contado, gritou: — Você precisa acabar com essa amizade! — Eu sei... — Não é saudável, não vê? — Vejo — e após saborear uma colherada de sorvete, acrescentou: — Mas gosto tanto dele que não consigo. — Sua paixão por Rodrigo está começando a me assustar. — E a mim também. Mas não consigo fazer nada contra o que sinto por ele. Por um tempo ficaram em silêncio pensando em seus próprios problemas e devorando os potes de sorvete. De repente, Nekane perguntou:
— Por que você não disse a essa preconceituosa quem é seu pai? Com um sorriso Ana colocou outra colherada na boca, e sem poder evitar, murmurou: — Porque no dia em que ela souber, se é que vai saber, quero que até seus dentes caiam de susto. Por fim, ambas riram.
10
No dia seguinte, Calvin, o homem com nome de cueca, ligou, mas nem Ana nem ele conseguiram que Nekane fosse sensata. Por fim, Ana lhe aconselhou distância e tempo. Sua amiga precisava sentir saudades dele para saber se queria continuar com a relação. Calvin, triste, aceitou a derrota e decidiu fazer o que Ana lhe sugeria. Ela a conhecia melhor. No caso de Rodrigo, ele não ligou depois do aniversário de Álex, e isso deixou Ana arrasada, mas ela aceitou. Estava claro que a maldita Candela o havia abduzido, e contra aquilo pouco podia fazer. Mas no nono dia tocou o telefone. Era ele! Rodrigo disse que depois do jantar passaria pela casa dela para vê-la. Incapaz de dizer não, Ana aceitou. — Eu disse que você é imbecil — protestou Nekane ao saber que Rodrigo apareceria a qualquer momento. — Eu sei... eu sei... não precisa repetir — assentiu Ana, passando lápis de olho. — Como você pode permitir que esse sujeito vire sua vida de cabeça para baixo assim? Não vê que ele está te fazendo mal? — Sim, eu sei! Mas é que a presença dele, acredite ou não, me faz entrar em uma motanha-russa de luxúria que não posso controlar. — Montanha-russa de luxúria? — Repetiu Nekane, rindo. — Sim. — Puta que pariu! Ana não respondeu. Sua amiga tinha razão. Havia perdido o juízo. Mas o que sentia por Rodrigo era tão forte que só de pensar em lhe dizer não seu estômago revirava. Meia hora depois, tocou o interfone, e Nekane, resignada, disse enquanto se sentava no sofá para ver TV: — Sua marmita de luxúria está subindo. Rapidamente, Ana se olhou no espelho. Estava perfeita. Meio pálida, mas a minissaia de algodão e a camiseta violeta Custo lhe caíam bem. Quando ouviu a campainha da porta, Ana a abriu como uma criança esperando ganhar um presente. Rodrigo estava ali. Mas sua felicidade azedou instantes depois. Diante dela, na porta de sua casa, estava Candela, com um casaco de peles superchique, de braços dados com seu adorado Rodrigo. — Olá, Ana! — cumprimentou Candela. — Rodri e eu viemos visitá-la! Mas, de repente, a expressão de Candela mudou ao notar a barriga volumosa que se percebia sob a camiseta violeta justa. Ela estava grávida? — Olá, linda! — cumprimentou Rodrigo, por sua vez. E depois de lhe dar um beijo no rosto, acrescentou: — Estávamos em um restaurante perto daqui e pensei em passar para vê-la. — Que surpresa! — sorriu Ana, perplexa. Deu um passo para o lado e disse: — Entrem, não fiquem aí parados. Candela, aturdida pelo que havia acabado de descobrir, perguntou ao entrar: — Você está grávida? — Sim. Surpresa! — E olhando para a amiga, disse: — Neka, esta é Candela, a... — Amiga especial de Rodrigo — completou a jovem de cabelos louros, fazendo que as duas
jovens a quisessem assassinar. Estava claro que sua presença ali não era em missão de paz. A expressão de Nekane era demais. O que aquela mulher estava fazendo ali? Mas sem se afastar de sua amiga, sorriu e se ofereceu para fazer café. Depois de convidar Rodrigo e sua acompanhante a se sentar na sala, as duas amigas foram para a cozinha. — Essa é a ex? — Sim. Ou melhor, a amiga especial — sibilou Ana com desdém. — E que diabos ele está fazendo aqui com ela? — Não sei, mas depois disso, vou precisar de uma enorme terapia de açúcar — murmurou Ana. Sem conseguir deixar de observar o que os dois faziam, de repente se beijaram na boca. Ana gemeu. Por que tinham que fazer isso na frente dela? — Puta que pariu, esse sujeito é idiota? — protestou Nekane. Vendo que sua amiga estava pálida como cera, perguntou: — Você está bem? — Sim... sim. Não se preocupe. — Como não vou me preocupar? — E abrindo um armário, pegou algo e disse: — Tome, ponha uma boa dose de laxante na bebida dele, para deixar de ser besta. — Você é maluca? — Disse Ana, rindo. — Caralho! Ele merece! Já que não podemos lhe dar dois tabefes, damos laxante; pelo menos, você vai saber que ele não sairá do banheiro. Ana teve que conter uma gargalhada, apesar de se sentir tão mal ao ver os dois juntos se beijando em sua sala. — Saia da cozinha e não toque em nada. — Mas... — Neka, fo-ra da co-zi-nha! — insistiu. Nekane, depois de guardar o laxante no armário, saiu. Depois de preparar o café, Ana voltou para a sala. Os quatro ficaram conversando animadamente, até que o assunto desembocou na política, algo que Ana odiava, mas de que Candela parecia gostar. Durante a conversa, Ana observou que Candela, sedutora, incitava Rodrigo sem parar para que olhasse para ela, e a cada vez que uniam seus lábios ela pensava: Vou acabar dando laxante para esses dois. Quando Rodrigo se levantou para ir ao banheiro e deixou as três jovens sozinhas na sala, Candela disse com curiosidade: — Outro dia não notei sua gravidez. De quanto tempo está? — De quatro meses — respondeu Ana. Úrsula não devia saber, ou teria lhe contado. Aparentando normalidade, Candela olhou para Ana e perguntou: — E como está indo? Nekane, metendo-se na conversa, respondeu: — Então, Cande... está indo bem, embo... — Candela — corrigiu a outra. — Meu nome é Candela. Ana revirou os olhos e Nekane sorriu, disposta a terminar o que estava dizendo. — Pois então, Candela, como eu estava dizendo, ela não está indo mal, embora, para ser sincera, pudesse melhorar. Quer que lhe sirva mais um café? Ao intuir suas intenções, Ana olhou para Nekane, que voltou a sorrir. — Não, obrigada. Por hoje chega — respondeu a jovem, que se dirigiu a Ana. — E o pai do bebê, está contente? — Muito contente. Feliz!— afirmou Ana, categórica.
— Agora entendo por que Rodri ficou... — Rodrigo — cortou Nekane. Candela, levantando o queixo, olhou para a jovem navarra e repetiu com soberba: — Como eu dizia, agora entendo por que Rodri ficou preocupado outro dia, e por que insistiu tanto em vir vê-la. — É que somos bons amigos — afirmou Ana, com vontade de esclarecer a bobagem que aquela mulher estava pensando. Nekane, sabendo o que Ana estava pensando, com seu melhor sorriso olhou para a morena e disse, fazendo sua amiga rir: — É que Rodri é um amor e se preocupa muito com ela e com o bebê. De repente, Ana sentiu um engulho, e sem tempo a perder, levantou-se e correu para o banheiro de seu quarto. Nekane ficou olhando para Candela, aturdida, e explicou: — Não é nada. Em dois segundos ela vai voltar fresca como uma rosa, com vontade de comer picles com creme de avelãs. Rodrigo estava saindo do banheiro quando viu Ana passar correndo para o quarto com a mão na boca. Sem hesitar, seguiu-a. Incapaz de não fazer nada quando a viu inclinada sobre o vaso sanitário, pôs a mão na testa dela com carinho. — Tudo bem, Ana... tudo bem. Ver Candela em sua casa com Rodrigo, e especialmente ver como ele olhava para a loura encantado, era a causa daquele mal-estar. Mas depois de pôr tudo para fora, relaxou. Rodrigo a fez sentar no vaso sanitário, pegou uma toalha, molhou-a e a passou pela testa dela, e, por fim, pelos lábios. Ana o afastou bruscamente com a mão. — Está melhor? — perguntou ele. Ela assentiu e colocou um chiclete na boca para disfarçar o gosto ruim. — Como estão as coisas? — Perguntou, pois era impossível continuar em silêncio nem mais um segundo. — Bem. — Pensei que estava bravo comigo. — Por quê? — Porque não deu notícias por nove dias. Rodrigo sorriu e se aproximou. — Andei muito ocupado — sussurrou. — Tenho umas coisas para te contar. — Ah, que bom! — disse Ana, irônica, mas decidiu mudar de assunto. — Falou com Calvin? — Sim... ele me disse que os dois não se falam. Durante alguns segundos conversaram sobre aqueles dois, até que Rodrigo disse: — O que acha de Candela? Surpresa com a pergunta, Ana se levantou do vaso sanitário. — Normal. Por quê? — Nós namoramos alguns anos, e embora faça tempo que não nos vemos, foi só vê-la e... Não sei o que há comigo, estou me comportando como um idiota. Ora, então somos dois. Mas você por ela e eu por você, pensou Ana com resignação. Abobada com a confidência, Ana ia dizer que a santa mãe dele já lhe havia contado aquela linda história de amor, mas se calou. Sentiu suas pernas se dobrarem de novo, e optou por tornar a se sentar no vaso sanitário. — Você gosta dela? — Sim, sempre gostei. — Quer voltar com ela?
Rodrigo se apoiou na parede e murmurou com sinceridade: — Não sei. Ela é linda, feminina e divertida, e adoro esses atributos em uma mulher, mas também sei que não quero viver em Houston, e ela vai voltar para lá daqui a alguns meses. Contudo, desde que a reencontrei no aniversário de Álex, não pude descansar. Estou tão confuso com o que ela me faz sentir que mal consigo raciocinar. E pensei que talvez você pudesse me aconselhar sobre o que fazer. Afinal de contas, vocês são mulheres, e são meio parecidas. Deus me livre!, pensou Ana, e ouviu a campainha tocar. — Você quer que eu o aconselhe? — Sim. Mande-a para Houston e olhe para a mim, pensou a fotógrafa. Mas suspirou, e disse com toda a dor de seu coração: — Isso é muito pessoal, Rodrigo. — Eu sei, e não te perguntaria se não confiasse em você. Tenho que te confessar uma coisa: quando Candela e eu terminamos, foi porque ela não aprovava o fato de eu querer ser bombeiro e... — Sério? — Sim. Naquela época, ela disse que nunca ficaria com um homem com um emprego desses porque não poderia lhe dar a vida que ela necessitava. Ela vem de uma boa família e está acostumada a outro nível. — Estou impressionada. Passando a mão pelo cabelo, Rodrigo continuou: — A verdade é que fiquei mal, e mais ainda quando soube que dois meses depois de terminarmos ela havia conhecido outro e se casou com ele. — Ela se casou? — Perguntou Ana, cada vez mais surpresa. — Sim. Conheceu um empresário americano, e depois do casamento, foram morar em Houston. — E ao ver como Ana olhava para ele, acrescentou: — Sei que ela agiu mal, que foi egoísta e impulsiva, mas éramos muito jovens, e, bom... atualmente ela está tramitando o divórcio, e... — E agora ela veio para continuar o que deixou no passado, não é? — Ele não respondeu. — Rodrigo, você está me dizendo que vai dar outra chance a alguém que o largou, que foi uma egoísta e que não pensou em você nem um segundo? Alguém que não aceitou seu trabalho e que foi esnobe a ponto de deixá-lo por isso? — Ele suspirou. — Bem, Rodrigo, se está me pedindo conselho, vou falar: afaste-se de Candela, porque se ela fez isso uma vez, vai fazer de novo. No dia em que aparecer alguém melhor que você, ela não vai hesitar e vai embora. Pessoas assim não mudam. — Mas... — Nem mas, nem meio mas... Ela não vai mudar! — Por que você é tão radical e descrente? As pessoas mudam, Ana. — Minha experiência nesses assuntos me diz que as pessoas não mudam. Elas enganam a si mesmas e conseguem enganar os outros, mas não mudam. Se estou dizendo isso é porque uma vez aconteceu uma... eu... bem, não vou te contar minha vida. Rodrigo se surpreendeu com aquela revelação tão íntima, coisa que ela nunca fazia. — O que aconteceu com você para que pense assim? — Nada. — Vamos, Ana — sussurrou ele, levantando-lhe o queixo para que o olhasse. — Conte. Tonta por causa do calor daqueles olhos azuis e do momento, Ana assentiu, e sem saber por que, levou a mão à sobrancelha. — Está vendo esta cicatriz? — Ele assentiu. — Foi feita por um homem a quem, quando eu era mais nova, dei várias oportunidades porque gostava muito dele. Demais. — Como?! — sibilou ele, furioso. — Quem fez isso com você?
— Fique tranquilo, já faz muito tempo e garanto que já está esquecido — respondeu ela, pegando a mão dele. — Warren Follen era um rapaz encantador, e durante um tempo nossa relação foi a melhor coisa que já me havia acontecido. Ele via em mim algo que ninguém mais via, e me fazia sentir linda. Mas, um dia, aconteceu algo, e ele descontou em mim. Dessa vez o perdoei, depois de ele suplicar insistentemente e me prometer que não tornaria a acontecer. Mas aconteceu outras vezes. A última foi dias antes do casamento de minha irmã, e nessa ocasião decidi terminar o namoro porque as pessoas que não têm coração, em minha opinião, não mudam e... — Ana — sussurrou Rodrigo, abraçando-a —, lamento. — Tudo bem. É um assunto superado sobre o qual nunca falei com ninguém, e não sei por que o recordei hoje com você. — Deve ser porque somos amigos. Ana olhou para o homem que a deixava encantada como uma adolescente e assentiu. — Deve ser. — Recompondo-se daquele momento de fraqueza, afastou-se dele antes que não pudesse mais controlar a vontade de beijá-lo. — Por isso penso como penso, e, de certo modo, sou como sou. Acho que só você deve pensar sobre o que quer fazer em relação a Candela. Se quiser lhe dar outra chance porque sente um friozinho no estômago quando a vê, faça isso! Mas saiba que é uma segunda chance, e fique de olhos bem abertos. — Você já sentiu esse frio no estômago de novo? — Sim. — E tentou? Olhando para ele com sinceridade, ela percorreu com os olhos aquelas covinhas de que tanto gostava e assentiu. — Sim, mas às vezes as coisas simplesmente não podem ser. Rodrigo assentiu. Adorava a sinceridade de Ana ao falar, mas aquela revelação do que havia acontecido no passado lhe doía. Como alguém podia ter feito isso com ela? Abruptamente, Nekane entrou no banheiro. — Ana... você não vai acreditar, mas sua... — Patooooooooooooooooooo! — Gritou Lucy, dando um empurrão em Nekane para entrar e abraçar sua irmã. Boquiaberta ao ver sua irmã ali, Ana a abraçou, diante do olhar atento de Rodrigo. Meu Deus! O que ela está fazendo aqui?, pensou Ana, já prevendo algo de ruim. Sua irmã ali só podia lhe causar problemas, e ao ver que Rodrigo olhava para Nekane com uma expressão divertida, sussurrou rapidamente no ouvido dela: — Nana, fale francês... fale francês. Lucy se afastou alguns milímetros da irmã. — Por que tenho que falar francês? — perguntou. Aquela pergunta fez que Rodrigo centrasse nela toda sua atenção, e foi quando Lucy reparou naquele sujeito enorme e bonito, e esquecendo sua irmã e o que lhe havia pedido, afastou a franja do rosto com sensualidade. — Olá! Eu sou Lucy, irmã de Ana. Quem é você? — Prazer, Lucy. Eu sou Rodrigo — respondeu, maravilhado por conhecer a irmã de sua melhor amiga. — O bombeiro? — Isso mesmo — assentiu. Ana e Nekane trocaram olhares. A coisa ia se complicar! Diante do assentimento, Lucy deu um grito que perfurou os ouvidos dele e saiu do banheiro em disparada. Rodrigo ficou desconcertado. O que estava acontecendo com essa mulher? Ana, prestes a
enfartar, olhou para Nekane, e esta, depois de suspirar, disse diretamente: — Amiga, o que não tem remédio, remediado está. Seu pai e sua mãe estão na sala, além da louca de sua irmã e Candela. E sinto dizer que não há nada que você possa fazer. — Como?! — Isso mesmo que você ouviu. — Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Rodrigo olhou para as duas. O que estava acontecendo? Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Nekane comentou: — Ana, pelo amor de Deus, respire, você está ficando roxa. — Não consigo! Sem lhe dar tempo para pensar, a amiga pegou Ana pelos ombros, diante da expressão indecifrável de Rodrigo, e sussurrou: — Consegue sim. Vamos, respire. Ana respirou e Nekane continuou: — Ouça, o encontro de todos vai ser catastrófico, mas você só tem dois segundos antes de ir até a sala de jantar e pensar no que vai dizer. Dito isso, foi embora e fechou a porta do banheiro, deixando-os sozinhos. Ana levou a mão à face, abriu a torneira e jogou água no rosto. Depois, pôs uma faixa no cabelo para afastá-lo do rosto. Aquilo não podia estar acontecendo. Seus pais em Madri! Por fim, ao sentir a presença de Rodrigo, que tocou seu ombro, disse: — Preciso de sua ajuda. — O que está acontecendo? — Não pergunte, por favor... por favor... por favoooor. Só faça meu jogo e não tire conclusões antes do tempo, ok? Prometo te explicar tudo mais tarde, mas agora, faça meu jogo. Boquiaberto, e intuindo que alguma coisa séria estava acontecendo, ele assentiu. Um segundo depois, Ana abriu a porta do banheiro. Estranhando, Rodrigo sentiu-a segurar sua mão com força e puxá-lo com decisão para a sala. Candela, surpresa, viu os dois aparecerem. O que estavam fazendo de mãos dadas? E então, Ana respirou fundo e disse: — Mamãe, papai, que surpresa! — Era essa nossa intenção, querida — respondeu sua mãe, batendo palmas —, surpreendê-la. Ah, minha menina, como você está linda! — Gritou Teresa, emocionada. Desde o Natal, o gênio de Teresa havia se suavizado de uma maneira tão maravilhosa que Ana não pôde evitar sorrir ao escutá-la. Imediatamente soltou a mão de Rodrigo e a abraçou. Aquele abraço, apesar dos pesares, reconfortou-a. Depois, abraçou seu pai, seu aliado incondicional. — Querida, você está tremendo — murmurou seu pai no ouvido dela. Ela estava assustada pelo que podia acontecer. Rodrigo, inevitavelmente, ia descobrir sua mentira, e com certeza seus pais também, de modo que aquele clima bom com todos acabaria, e isso a fez chorar. — Ana Elizabeth, meu tesouro, por que está chorando? — Perguntou sua mãe, preocupada. Nekane, ao intuir o motivo, entregou-lhe um lenço de papel, e antes de voltar a seu lugar, disse: — Ultimamente, ela chora até quando o micro-ondas apita. A piada fez todos rirem. Candela, constrangida com a situação, quis ficar ao lado de Rodrigo, mas Nekane não lhe permitiu. Não sabia o que sua amiga ia fazer, mas sabia que não devia nem podia permitir que a loura se aproximasse dele. Quando Ana se desfez do abraço de seus pais, deu um passo atrás, e pegando de novo a mão de Rodrigo, disse: — Papai, mamãe, Nana, este é Rodrigo. Querido, estes são meus pais, Teresa e Frank. Lucy você já conheceu no banheiro.
Surpreso com o “querido”, ele olhou para ela, mas decidiu seguir suas instruções. — Prazer em conhecê-los. — O prazer é meu, rapaz — respondeu Frank rindo, e lhe estendeu a mão. — Finalmente conheço o pai de meu neto e o homem que roubou o coração de minha filhinha. Rodrigo quis gritar “Como?!”, mas se absteve, e com um sorriso pré-fabricado no rosto, deu-lhe a mão. Depois, disfarçadamente, olhou para Ana, que estava pálida ao seu lado. Que negócio era esse de pai de seu bebê? Depois de cumprimentar o pai, chegou a vez da mãe. Após lhe dar dois beijinhos e se convencer de que aquele rapaz era melhor do que ela havia imaginado no início, como se ele fosse uma criancinha apertou-lhe as bochechas. — Ah... mas como meu genro é bonito! E que olhões azuis mais lindos você tem! — Obrigado, senhora — ele conseguiu balbuciar. A mulher, ainda impressionada com o namorado da filha, afastou o cabelo do rosto toda coquete e se aproximou mais. — Oh, por Deus, que sou sua sogra! Pode me chamar de Teresa. Ainda embasbacado com tudo que estava acontecendo, Rodrigo balançou a cabeça. — Tudo bem, Teresa. Lucy, divertindo-se ao ver a perplexidade de sua mãe diante de um sujeito tão imponente, para atrair o olhar de sua irmã gritou: — Pato! Mostre a barriguinha! Ana, como um autômato, levantou a camiseta e deixou a barriga à mostra. Ouviu-se um oh! geral, antes que Rodrigo, totalmente confuso, repetisse: — Pato?! Ana e Nekane soltaram uma risada nervosa, e Lucy respondeu: — Pato é um apelido que lhe dei quando fazíamos aulas de balé. Ana parecia um verdadeiro pato, e o mais engraçado é que gostava! Ana riu. Recordar aquela época a deixava feliz. — Não ligue, filho — interveio Teresa. — Nunca vou entender por que, com os nomes tão lindos que têm, elas insistem em se chamar de Pato e Nana. — E olhando para Candela, que não havia aberto a boca em todo aquele tempo, perguntou: — E esta mocinha tão linda, quem é? Nekane olhou para Ana, e esta, ainda segurando a mão de Rodrigo, respondeu: — Mamãe, esta é Candela, uma grande amiga de Rodrigo e minha. Ela mora em Houston, mas está passando uns dias em Madri e hoje veio me visitar. Teresa, emocionada, aproximou-se da mocinha e lhe deu dois beijinhos. — É um prazer conhecê-la, linda. Que bom ver que minha filha tem amigas maravilhosas que se preocupam com ela durante a gravidez. A jovem assentiu, ainda perplexa. O que havia acabado de descobrir era muito sério. Rodrigo e essa garota iam ser pais? Incapaz de permanecer mais um segundo ali, ela decidiu ir embora. — Foi um prazer conhecê-los, mas preciso ir. Tenho um compromisso em meia hora e preciso ir para não me atrasar. Rodrigo quis se mexer, mas Ana, apertando-lhe a mão, deteve-o. Mesmo assim, ele disse: — Vou levá-la, Candela. — Não precisa, Rodri — recusou a jovem. — Vou pegar um táxi. Rodrigo queria falar com ela e esclarecer as coisas. — Insisto, vou levá-la. Mas a jovem já havia tirado suas próprias conclusões e recusou categoricamente. — Eu agradeço, mas seu lugar é aqui com Ana e seus sogros.
Caralho, pensou ele, contrariado. Não queria que Candela fosse embora sem antes falar com ela. — Aqui está seu casaco, Cande — incitou Nekane, empurrando-a. — Venha... ande, antes que chegue atrasada a seu compromisso. Contrariada, Candela pegou seu casaco de pele de raposa. Desconcertado, Rodrigo foi se mexer, mas Ana não estava disposta a deixá-lo ir sem lhe dar uma explicação, de modo que jogou seus braços no pescoço dele, e depois de lhe dar um beijo rápido nos lábios que o desconcertou, disse: — Querido, Candela tem razão. Fique aqui conosco. Papai e mamãe acabaram de chegar... — Diretamente de Londres para conhecê-lo — acrescentou Lucy. Cada vez mais aturdido, Rodrigo cravou o olhar em Ana. — Querida... você não me disse que sua família era de Marselha? — Marselha? — repetiu Ana rindo e tocando a orelha. E dando-lhe outro beijo nos lábios, esclareceu: — Você deve ter entendido mal. Papai e mamãe vivem em Londres. Admirado com a pouca vergonha de Ana, ele por fim assentiu, e com o cenho franzido, viu Candela desaparecer. — Tudo bem, querida, devo ter entendido mal. — Que lindo casal vocês formam! — Gritou Lucy de repente. — E embora não pegue bem falar, irmãzinha, você tinha razão quando disse que Rodrigo era um gato. Incapaz de permanecer mais um segundo calado, Rodrigo olhou para a suposta mãe de seu filho, ergueu a sobrancelha e perguntou: — Você falou de mim com eles? — Ah, sim! — Assentiu Lucy antes que sua irmã a pudesse fazer calar. — No Natal, quando nos contou da gravidez, ela descreveu você como o homem dos seus sonhos: bonito, atencioso, cavalheiro, trabalhador. Tudo o que Pato sempre quis. — Desde o Natal vocês sabem de minha existência e você não me contou, querida? — Perguntou Rodrigo, a cada segundo mais descontrolado. Meu Deus, quero morrer!, pensou Ana, horrorizada diante do olhar dele. — Não se preocupe, Rodrigo — acalmou-o Frank, tocando-lhe o ombro. — Reservei uma mesa para amanhã às duas no Horcher. Tenho certeza de que nesse almoço vamos pôr muita coisa em dia. — Amanhã?! — perguntou Ana. — Sim, amanhã — assentiu Teresa categórica, olhando para a filha. — Temos que conversar sobre o casamento de Lucy, precisamos saber quando vocês pretendem estar em Londres para organizar um jantar com nossos amigos, e assim, poder apresentar Rodrigo a eles. Vou matá-la, pensou ele, apertando a mão de Ana. Envergonhada e sem saber para onde olhar, Ana queria que a terra a engolisse. Não suportava os sorrisos de seus pais e de sua irmã, nem o olhar de susto de Nekane, e menos ainda a perplexidade de Rodrigo. Sentaram-se para beber alguma coisa. Ana e Nekane, como anfitriãs, foram pegar umas bebidas na geladeira. — Caralho! Caramba! — Murmurou Nekane. — Cale-se... — Você viu a cara de Rodrigo? — Insistiu Nekane. — O que você acha?! — Coitadinho, deve estar apavorado. — Ai, Neka! Ele vai me mataaaaar! — Normal. Veja a confusão em que você o meteu. Já é bastante o fato de o homem estar aguentando o tranco sem delatá-la. Disfarçadamente, Ana olhou por cima da porta aberta da geladeira e viu seu pai falando com
Rodrigo, e este, respondendo com toda a naturalidade que podia. Nesse momento, tocou o celular de Rodrigo. Depois de ver de quem era a chamada, franziu o cenho e desligou. Sem precisar perguntar quem era, Ana sabia. Era Úrsula. Com certeza Candela já havia lhe contado o ocorrido. Às sete da noite, exaustos pelo dia que tiveram, os pais de Ana e sua irmã decidiram ir embora. Nekane, ciente de que Ana e Rodrigo tinham que conversar, ofereceu-se para levar Frank, Teresa e Lucy ao hotel de carro. No início eles recusaram, mas, por fim, a navarra venceu. Era difícil ganhar daquela cabeça-dura. Quando a porta da rua se fechou, um silêncio sepulcral tomou conta da casa. Ana ficou um tempo ainda olhando para a porta, mas sabia que Rodrigo a observava. E então, ciente de que não havia saída, voltou-se e sussurrou a duras penas: — Vou te explicar. Fora de si, Rodrigo se aproximou, e em atitude intimidante, pegou-a pelo braço e a fez sentar no sofá. — Claro que vai me explicar. Vejamos, a criança é minha ou não? Porque, se bem me lembro, no dia em que eu soube de seu estado, você jurou que o bebê não era meu; e hoje, de repente, seus pais e você, na minha cara, dizem o contrário! — Tudo bem... — É meu ou não? — Ouça... — Não, ouça você — interrompeu ele, furioso. — Achei que éramos amigos, mas estou percebendo que ser seu amigo é impossível. Agora, diga-me só o que quero saber para que eu possa ir embora. Incapaz de se controlar, Ana começou a choramingar. Aquela era uma confusão terrível, e a única culpada era ela. Ainda não entendia por que havia mentido daquele jeito, mas estava feito, e agora tinha que sair dessa situação. Rodrigo sentiu seu coração se apertar ao vê-la chorar, mas estava tão ofendido com tudo que havia acontecido que não se mexeu nem a abraçou. Queria saber a verdade, e enquanto ela não confessasse, sua atitude não ia mudar. — Ana, estou esperando sua resposta — insistiu ele. A jovem assentiu, e depois de pegar outro lenço de papel da caixa que estava em cima da mesa em frente à TV, enxugou as lágrimas, assoou o nariz, e com um fio de voz, disse: — Rodrigo, eu não menti. O bebê não é seu. Mas... — Mas você está louca, ou que diabos há de errado com você?! Se o bebê não é meu, por que disse a seus pais que era? — Porque eu precisava de uma história bonita e de um bom pai, senão, eles sofreriam! — Gritou, deixando-o aturdido. — Eu não tinha intenção de ter este bebê, mas... mas, de repente, algo mudou em mim, e sem pensar, eu confessei a eles que estava grávida; e não sei por que, quando me perguntaram pelo pai, eu disse seu nome. Bom... eu sei por quê. Eu não podia lhes dizer que, na verdade, o pai é um suíço chamado Orson de quem não sei mais nada. Se dissesse isso eu os machucaria, especialmente a minha mãe, e não quis. Então, pensei em você, e sendo um homem forte, de caráter, bonito, com uma profissão extremamente varonil, minha mente se turvou e... e... eu inventei que estávamos juntos e que este bebê era desejado pelos dois, e... — Caralho! — Nunca pensei que você fosse saber. Achei que seria uma mentirinha que depois eu desmentiria, e então... — Uma mentirinha? — Sibilou ele. — Dizer que sou o pai de seu filho é uma mentirinha?
— Embora você não acredite, juro que quando falei achei que seria. — Caralho, Ana, se isso para você é uma mentirinha, não quero nem pensar o que seria uma mentira de verdade. — Eu sei... mas eu... — Você se deu conta da confusão em que me meteu, com sua família e com a minha? — E mostrando-lhe o celular, gritou: — Tenho 48 chamadas perdidas de minha mãe, que, logicamente, alertada pela pobre Candela, espera uma explicação! Caralho, a Candela! Como você pôde fazer isso comigo? — Prometo que vou resolver tudo. Vou falar com Candela e... — Ah... evidente que sim! — Disse ele, transtornado. — E também vai resolver tudo com seus pais. Quero que diga a eles que eu não sou o pai. — Não posso! — Pode sim. — Não. — Pois bem, direi eu. Irei até o hotel deles e direi — afirmou Rodrigo, pegando seu casaco. Rapidamente Ana se interpôs em seu caminho. — Não lhes conte. Eu prometo que contarei, mas no momento certo. — No momento certo? Você perdeu a cabeça? — Por favor, Rodrigo, não lhes diga nada. Mamãe tem problema de coração — mentiu, tocando a orelha —, e um desgosto desses... — Ao ver que havia conseguido a total atenção dele, ela prosseguiu: — Eu prometo que depois do casamento de Nana vou dizer a eles que terminamos e que o bebê não é seu; mas, por favor, dê-me um tempo. — Mais uma coisa — disse ele, irado, jogando o casaco no sofá. — Não pretendo acompanhá-la ao casamento de sua irmã. Portanto, já pode ir resolvendo esse assunto também. — Por favoooor... — Não... — E levando as mãos à cabeça, gritou: — Você tem um parafuso a menos, ou uma dúzia! Durante alguns segundos de silêncio Ana se deu conta do mal que havia feito e de como Rodrigo ficava bonito irritado. Murmurou: — Sem dúvida, uma dúzia. Mas preciso de sua ajuda — e se aproximou dele ainda soluçando. — Desculpe, Rodrigo. Eu precisava de um homem bom, que fosse responsável e crível, para dar um belo pai a meu bebê. Sei que você não entende, mas... — Claro que não entendo. Com tantos homens que há no mundo, você tinha que escolher justamente a mim como pai desse maldito bebê? Aquele tom depreciativo que Rodrigo utilizara ao se referir a seu filho fez Ana parar de soluçar. O que ele havia dito? E sem se importar com o que pudesse acontecer, foi para cima dele com todas as suas forças, e ambos caíram no sofá. Rodrigo olhou para ela, surpreso, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela sibilou: — Nunca mais fale do meu bichinho com esse desprezo, ou juro que lhe arranco um olho e depois o outro. Entendo que sou uma imbecil, uma descerebrada, uma mentirosa, uma tratante, posso ser tudo que você quiser, mas meu bebê não é nada disso, entendeu? Rodrigo assentiu, sentindo o corpo dela colado no seu. Durante alguns segundos se olharam nos olhos, mas nenhum dos dois falou, até que Ana, enfeitiçada por aqueles olhões azuis e com os hormônios descontrolados pela proximidade, não hesitou e se arriscou. Aproximou seus lábios dos dele, e sem poder controlar o que sentia, beijou-o. Atônito, Rodrigo a afastou. — O que está fazendo? Mas ela não respondeu. E com uma força que o deixou sem palavras, tornou a pousar sua boca na dele e a devorou. Mordeu seus lábios com tal ímpeto que no fim Rodrigo se rendeu e respondeu. Ana
enroscou seus dedos no cabelo dele, e esse simples ato, junto com o jeito como ela devorava sua boca, excitou-o. Desde aquela única noite de paixão, não haviam tido mais tanta intimidade, mas ambos, sem falar, sabiam que eram temperamentais e exigentes. E por isso Rodrigo nunca mais havia tentado. Para ele, Ana era importante demais para dar uma transada e depois esquecer. Ana era diferente. Era especial. Por esse motivo, ao de repente tomar consciência do que estava fazendo, afastou-se, disposto a acabar com aquilo. — Não vá — pediu Ana a poucos centímetros da boca dele. — Ana, não podemos... Ela observou as feições tensas dele, mas não cedeu. Desejava e queria que ele a desejasse. Assim, reunindo toda a astúcia feminina que sabia que tinha, ela passou sua língua brincalhona pelo lábio inferior dele, e depois de mordê-lo, sussurrou com segurança: — Sim... podemos. E sem lhe dar tempo de rejeitá-la, atacou a boca dele e o incitou a provar a dela com volúpia, e conseguiu. Uma pontada de prazer luxurioso se condensou no estômago de Rodrigo. Incapaz de não se deixar levar pelo momento, ele gemeu ao sentir as mãos dela segurando seu suéter branco e arrancando-o, deixando-o nu da cintura para cima. — Pare — insistiu ele. — Não. Sem se importar com absolutamente nada, Ana, com carinho, tocou os duros e quentes ombros dele e depois os beijou, enquanto percebia que pouco a pouco ele se animava e começava a tocá-la. Sem parar, e disposta a curti-lo, verteu diversos beijos doces e sensuais no pescoço dele, ansiando que fossem retribuídos. Deitada sobre ele sentia-se poderosa, ardente e energizada, e com uma voz que o fez tremer, exigiu: — Toque-me. Excitado pelo que estava acontecendo, Rodrigo a pegou pela cintura, e ainda com ela em cima, sentou-se no sofá. Aquilo era uma loucura. O que estava fazendo? Sentindo-se incapaz de parar o que ela havia começado, tirou-lhe a faixa do cabelo para que caísse em seu rosto, e ela sorriu com doçura. Aquele sorriso, sem saber por que, o fez vibrar, e quando ela colocou suas mãozinhas no rosto dele e o beijou, derrubou todas as suas defesas. — Ana — murmurou ele, fazendo uma última tentativa —, pare, ou não vou poder parar. Se continuar assim, não vou conseguir par... — Não quero que você pare — gemeu ela ao notar a dura excitação dele entre as pernas. — Eu o desejo, e preciso que continue. Por fim Rodrigo se rendeu ao inevitável, e já não podendo pensar com outra coisa que não aquilo que tinha entre as pernas, pegou-a pela nuca para aproximá-la e a beijou, enquanto com a outra mão tocava a suavidade das coxas nuas dela. Seu cheiro de pêssego, a voz dela e aquele olhar doce eram tudo que ele necessitava para que seus instintos animais despertassem e pedissem mais. Ana ficou louca ao sentir aquele instinto de posse. Rodrigo ardia, e o calor de suas mãos e boca a estavam enlouquecendo. Ela tremia inteira e respirava de forma descompassada, mas não se assustou. Tudo aquilo era provocado por ele, Rodrigo, o homem que ela desejava e que por fim tinha de novo à sua mercê. Mexeu os quadris sobre ele, fazendo que aquele membro viril portentoso endurecesse ainda mais, e quando sentiu um calor sobre-humano entre eles, gemeu. Ambos respiravam com dificuldade, e quando achou que iam explodir de desejo, Rodrigo, com um puxão, rasgou a calcinha dela com uma maestria que a deixou perplexa; e exigente, tocou-a. Sentir a mão quente e segura dele sobre seu sexo a fez gemer de novo. — Isso não está certo — sussurrou ele a poucos milímetros da boca de Ana. — Podemos fazer mal ao bebê.
— Não... não faz mal nenhum. — E atiçada pelo desejo, tirou a camiseta comprida que usava, e sem pensar na barriguinha que se erguia entre eles, murmurou, completamente nua: — Segundo minha ginecologista, se eu estiver feliz, o bebê também estará. — Tem certeza? — Perguntou ele, surpreso. Nunca havia feito amor com uma mulher grávida, e a dúvida o torturava. — Sim! Portanto, vamos continuar e ser felizes. Incapaz de se negar a seus desejos, Rodrigo abriu a calça jeans, e depois de tirar seu pênis duro e excitado para fora, posicionou-o entre as pernas dela e a penetrou com cuidado. Não queria machucála. Aquela delicadeza a emocionou. Aquele beija-flor que ia de mulher em mulher em busca do mais puro prazer sexual se mostrava um amante delicado com ela, e ela gostou disso. Ela estava montada sobre Rodrigo no sofá. Ele baixou o olhar aos seios que balançavam a sua frente, mas suas mãos pararam sobre a proeminente barriga redonda de Ana. Ao segurá-la pela cintura, suas mãos se curvaram para apoiar a barriga com cuidado e ajudar Ana em sua missão de entrar e sair. Ao se sentir preenchida por ele, ela fechou os olhos e jogou a cabeça para trás. De repente, toda a tensão acumulada durante dias e meses desapareceu para dar lugar a um prazer imenso que ela curtiu. Dominando a situação, ela abriu os olhos, e conectando seu olhar no dele, mexeu os quadris de trás para frente em busca de seu próprio prazer, e o atingiu. Suspirou. — Tudo bem? — Perguntou ele. Não podendo esconder sua felicidade com a loucura que estava fazendo, com um erotismo que arrepiou até a alma dele, ela sussurrou: — Maravilhosamente bem. Rodrigo, controlando seus instintos mais primitivos, e em especial seu desejo implacável e voraz de investir em busca de seu gozo, apoiou a cabeça no sofá enquanto uns calafrios de prazer o retesavam e relaxavam a cada movimento dela. De novo seus olhos desceram até aquela barriga pequena e redonda, mas por fim o balanço dos seios atraiu sua atenção e ele os tomou nas mãos. Eram macios e apetitosos, e levando a boca até um deles, chupou-o. A maré de fogo abrasador que Ana o estava fazendo sentir com sua sensualidade, sua exigência e seu erotismo era algo que ele nunca havia experimentado, e quando a viu estremecer e a ouviu gemer com o orgasmo, uma loucura ardente se apoderou dele, e perdendo o controle, segurou-a pelos quadris e afundou nela até que, depois de um grunhido gutural de prazer, a soltou. Sim! Ah, sim! Siiiim!, pensou ela. Incrível, pensou ele. Acabada a dança de sexo e luxúria, nenhum dos dois disse nada. O que podiam dizer diante do que havia acabado de acontecer? Nua nos braços dele, Ana sabia o que havia provocado, e incapaz de se mexer, esperou. Com certeza as recriminações voltariam, e ele não recordaria nada do ocorrido instantes antes. Rodrigo, com a respiração ainda entrecortada, arfava com a cabeça apoiada no sofá, sentindo o corpo da jovem sobre ele. Por que não havia resistido? Ela era Ana, sua amiga, não uma das mulheres com quem se divertia. Quando abriu os olhos viu Miau, o gato, que diante deles havia sido testemunha de sua falta de juízo. Caralho! Caralho! Caralho!, pensou, e afastando Ana de seu corpo, fez que ela o olhasse. — Somos loucos. O que foi que fizemos? Sem responder, ela pegou rapidamente sua camiseta comprida Custo e a vestiu. Ao ter consciência da verdade sobre seu corpo e ao ver o desconcerto no olhar dele, sentiu-se mal e se mostrou disposta a arcar com tudo. — Fui eu. Eu o provoquei. Mas... mas é que os hormônios me deixam descontrolada, e eu... eu... não sei...
— Agora vai pôr a culpa nos hormônios? Como se fosse uma pluma, ele a tirou de cima, e levantando-se do sofá irritado, pegou um lenço de papel da caixa e se limpou. E diante do atento olhar da jovem que havia acabado de fazê-lo sucumbir a seus encantos, disse enquanto fechava o zíper da calça: — Você só me usa, e.... — Ei, eu não pus uma pistola em seu peito! — Interrompeu ela. Então, ele se sentiu o ser mais infame do mundo. Poderia ter impedido aquilo, mas simplesmente havia se deixado levar pelo momento e por ela. Mas não estava disposto a dar o braço a torcer. — Vamos esquecer o que acabou de acontecer, certo? — Já esqueci. Mas tenho que lhe confessar mais uma coisa para acabar com todos os malentendidos entre nós, senão... — Senão o quê? — Sibilou ele, contrariado. — Senão, não vou poder dormir tranquila pelo resto da vida! — Gritou ela olhando fixamente para ele. E sem saber por que, acrescentou: — Preciso dizer que gosto de você. Você me atrai e me excita. Para mim, você é demais. O melhor homem com quem já transei, e... preciso te confessar que adorei você desde o primeiro dia em que te conheci, e... — Chega, Ana! — Gritou ele. Não queria pensar no que ela estava dizendo. E irritado, disse: — Que bobagem é essa que você está dizendo? — Estou sendo sincera com você. Andando pela sala como um leão enjaulado, ele insistiu: — Você e eu somos só amigos. Você disse isso. Você propôs isso. Se bem me lembro, disse que podíamos ser amigos de alma. Só amigos e... Ela se sentiu desanimada pelo que ele dizia depois do momento maravilhoso que haviam passado juntos. — Eu sei... eu sei que disse, mas estava mentindo. Dia a dia fui me apaixonando mais por você. Sei que você não sente nada por mim, eu sei, mas precisava te dizer. Boquiaberto por causa de tudo que estava descobrindo naquela tarde, o bombeiro se pôs de lado e sentenciou, irado: — Claro que eu não sinto nada por você! E antes que continue, quero que saiba que as poucas vezes em que transamos, para mim, foi só sexo! — Uma pontada de dor atravessou o rosto da jovem. Ele, sem notar, continuou: — Você não me atrai como mulher; só como amiga. Além do mais, está esperando um filho que não é meu, caralho! — Incomodado pelo que estava dizendo, Rodrigo olhou para a jovem, que sem mudar a expressão, olhava para ele. — Esqueça essa bobagem de que sente algo por mim. Enterre isso. Porque entre nós nunca vai existir nada além de amizade. Essa ordem tão categórica fez o coração de Ana se apertar. O que havia feito? Por que havia se declarado? Disposta a acabar com aquela humilhação tão constrangedora, sorriu. — Não se preocupe com isso. Já faz tempo que estou tirando você de minha cabeça. Passando a mão na cabeça com pesar, Rodrigo não sabia o que fazer. Uma parte dele queria ser compreensivo e gentil com ela, mas outra gritava que se afastasse o quanto antes ou se arrependeria. Por fim, decidiu-se pela segunda opção. Depois de vestir o suéter, pegou o casaco que continuava jogado no sofá e se aproximou dela. — Ana, lamento ter sido tão brusco com você em relação a seus sentimentos, mas... — Não me humilhe mais — interrompeu ela. — Ficou tudo muito claro. Ele assentiu, olhando para ela. — O que aconteceu hoje não pode tornar a acontecer, entendido, Ana?
— Fique tranquilo, não vai acontecer. — Como você pôde permitir? — Perguntou ele, irritado ao vê-la tão submissa. — Você está grávida, caralho! Acabei de dizer, seu burro. Porque o amo, e quando o vejo perco a noção de tudo, ela quis gritar, mas, dando de ombros, apertou os lábios e respondeu: — Precisava de sexo. Meus hormônios estavam pedindo. — E claro — protestou ele sem querer se aprofundar no assunto —, aqui estava eu, o otário da vez, para te dar prazer, não é? E ainda por cima sem preservativo! — Meu Deus! E se eu engravidar? — Debochou ela. Ao notar o olhar duro dele, Ana se calou. E teve que fazer um esforço para não rir da situação absurda. Ela havia acabado de se declarar, escancarar seus sentimentos, e ele nem aí. Que falta de sensibilidade! Rodrigo blasfemou ao ver a ironia dela. E querendo acabar com aquilo, olhou-a sério e disse: — Quanto a nós, repito, nunca haverá nada além de amizade. — Pesarosa, mas com decisão, ela assentiu. — E no que diz respeito a sua gravidez e seus pais, não vou entrar em seu jogo. Portanto, amanhã nesse almoço que supostamente tínhamos com eles, ao qual eu não vou, para seu bem e de seu bebê, conte-lhes a verdade. — Por favor — suplicou Ana, mudando a expressão. — Vá comigo amanhã. Prometo que lhes contarei outro dia e... — Não, Ana. — Por favooooor! — Não. Não vou ajudá-la. Quanto antes você resolver essa confusão absurda, antes tudo vai acabar. E sem dizer mais nada, aquele homem que minutos antes a havia beijado com paixão e que fizera amor com ela com extrema doçura, deu meia-volta e foi embora. Ainda acalorada pelo que havia acabado de acontecer, sem querer pensar no dia seguinte, foi para seu quarto e pôs outra calcinha. Quando voltou à sala, vendo que seu gato a observava, murmurou: — Miau, não sou tola... sou pior ainda. No dia seguinte, depois de uma noite horrorosa rememorando sem parar o que havia acontecido com Rodrigo no sofá, enquanto Ana tomava o café da manhã Nekane saiu do quarto com seu eterno cabelo frisado e solto. Ambas se olharam, e Ana sorriu. — Não sei por que está sorrindo — protestou sua amiga. — Se eu fosse você, faria tudo menos sorrir. Ana deu de ombros. Sua amiga tinha razão, mas era só lembrar o que havia acontecido no dia anterior em cima do sofá onde estava sentada que simplesmente isso a fazia sorrir. Nekane colocou seu café no micro-ondas e ficou olhando fixamente enquanto a xícara girava lá dentro. Quando apitou, pegou o café e se sentou ao lado de Ana no sofá para tomá-lo. Depois de uns momentos de silêncio, Nekane, incapaz de continuar calada, disse, pegando um biscoito: — Muito bem, você vai me contar o que aconteceu ontem com Rodrigo quando eu saí, ou vou ter que te arrancar a informação na marra? Ana sorriu de novo, e depois de pôr um biscoito na boca, sussurrou: — Foi uma loucura, Neka... Eu o beijei, ele me beijou, fui para cima dele, ele arrancou minha calcinha e transamos no sofá. Oh, Deus! Foi colossal! A navarra deixou cair o biscoito e o queixo, e arregalando os olhos descomunalmente, perguntou: — Como?! — Transamos. Virei uma loba e o ataquei.
— Pelo amor de Deeeeeus... Você ficou louca? — Fiquei. — Você está gravidíssima! — Eu sei. E reconheço que os hormônios estão me matando... mas de desejo — ironizou. Nekane se levantou e apontou para o sofá. — Vocês transaram aqui... neste sofá? — Ana tornou a assentir, e a outra, sentando-se na poltrona, murmurou: — Nunca mais vou poder sentar neste sofá. — Fique tranquila, já limpei. E para que você veja aonde chegou meu nível de maluquice ontem, confessei que gostava dele. — Puta que pariiiiiu! — Eu sei, eu sei... cometi o maior erro do mundo. Eu disse que estou doidinha por ele, e ele disse para eu o esquecer porque não se sente atraído por mim como mulher e que nunca vai existir nada entre nós além de amizade. Que não sente nada por mim. — Puta que pariiiiiu, ele disse isso? — Exato! Do jeito que estou contando. — E você não o fez engolir o vidro inteiro de laxante? — Ambas riram, e Nekane tornou a perguntar: — Tudo bem. E o que você fez? — Nada. O que eu ia fazer? Sorri, disfarcei e assumi. Não tive opção. Mas ninguém vai me tirar o que senti ontem neste sofá. Eu me senti sensual, safada e dona de meus atos. Às cinco para as duas Ana chegou à porta do restaurante Horcher, na rua Alfonso XII, e toda a ironia daquela manhã desapareceu. Tinha que ser sincera, e embora soubesse que sua irmã a apoiaria, temia a reação de seus pais; especialmente de sua mãe. Doía-lhe pensar na cara dela quando descobrisse que Ana havia mentido, e especialmente ao saber que seu neto era fruto da luxúria e do descontrole. Mas disposta a acabar com aquilo de uma vez, tocou a barriga, e antes de entrar, pensou: Fique tranquilo, bichinho. Tudo vai dar certo. Ao entrar no restaurante luxuoso Ana deu seu nome a um homem de meia-idade com um sorriso encantador, e ele a guiou até o salão principal e lhe informou que seus familiares já estavam ali. Quando Ana viu seus pais e sua irmã sentados e felizes, ao fundo, à uma mesa redonda, ao lado de uma janela, seu estômago se revirou. Mas incapaz de deter o passo, continuou. Seu pai, ao vê-la, levantou-se rapidamente e lhe deu um beijo. Depois de cumprimentar sua irmã e sua mãe, Ana se sentou. — Rodrigo não veio com você? — Perguntou Teresa. — Ele já vai chegar, mamãe — mentiu Ana. Havia decidido lhe dar dez minutos de cortesia. Se passado esse tempo ele não chegasse, então não teria mais remédio que lhes contar a verdade. — Onde ele está? — Insistiu sua mãe. — Trabalhando, onde mais? O garçom chegou para perguntar a Ana o que queria beber, e ela pediu uma água sem gás. Quando o rapaz foi embora, Frank disse: — Quero que saiba, querida, que gostei muito de Rodrigo. Dá para ver que é um homem sério. — Isso sem contar que é impressionantemente sexy. Como é bonito, Pato! Que bom gosto você tem para homens! — Lucy Marie, por favor, não seja vulgar — censurou sua mãe. Mas, marota, acrescentou: — Quando eu o apresentar a minha amiga Greta, com certeza ela vai ter um troço. Que olhos! Que aparência! — E que corpo! — Concluiu Lucy, fazendo sua irmã sorrir. Ana assentiu, e durante um bom tempo ficou ouvindo-as falar de Rodrigo. Um pouco depois,
disfarçadamente olhou o relógio. Duas e dez. Mais cinco minutinhos, pensou. Mas passado esse tempo, assumiu: Rodrigo não iria aparecer. Enquanto sua irmã e sua mãe falavam sobre os preparativos do casamento, Ana se sentia péssima. Tinha que lhes dar a notícia ruim, e não sabia como. — Querida, você está bem? — Perguntou Frank olhando para a filha. — Sim, papai. Só estou com um pouco de sede. — Tome, beba um pouco de água — disse ele, olhando para ela com orgulho. Duas e vinte. Não tinha jeito. Eles não podiam continuar esperando alguém que não apareceria. Por isso, após limpar a garganta, Ana olhou para eles, e afastando a franja do rosto, disse alto e claro: — Tenho que lhes dizer uma coisa. Os três a olharam, e ela prosseguiu enquanto pensava se haveria sais no restaurante para reanimar sua mãe depois do desmaio certo. — Bem... vocês já sabem que vão ser avós, e tia... e bem, a questão é que tenho que esclarecer uma coisa muito importante para vocês. Digo vocês porque para mim não é importante, mas entendo que para vocês é, então... — Ai, Pato! — Protestou sua irmã —, quer fazer o favor de falar o que tem a dizer e parar de enrolar? — Se me interromper — queixou-se Ana —, vou ter que começar tudo de novo. — Desculpem o atraso — disse Rodrigo de repente, tocando o ombro de Ana —, é que não pude sair antes. Ao ouvir sua voz, Ana deu um pulo. Ele estava lá! Rodrigo estava lá! Levantou a vista para vê-lo, e ele, com um sorriso, abaixou-se para lhe dar um selinho nos lábios e sussurrou: — Olá, querida! Ana sorriu como uma boba, e foi tal sua emoção que ao mexer a mão derrubou o copo de água em cima da toalha de mesa. Rapidamente chegou um garçom e cuidou do estrago enquanto todos cumprimentavam Rodrigo. Ana se sentia flutuar em uma nuvem de algodão cor-de-rosa. Yupi, ele estava lá! O almoço transcorreu normalmente. Rodrigo foi encantador com todos, e com ela, carinhoso e atencioso. A felicidade que Frank via no rosto de sua filha tocou-lhe a alma. Ele sempre havia desejado que um bom homem a amasse, e parecia que por fim sua linda filha o havia encontrado. Teresa e Lucy, como Ana bem sabia, caíram diretamente aos pés de Rodrigo. Ele, com dois elogios e frases de efeito, já as tinha no bolso. No entanto, tudo se complicou na hora de falar sobre o casamento de Lucy, quando Rodrigo disse que talvez não pudesse ir. — Você tem que ir — insistiu Teresa. — Nossos amigos precisam ver nossa filha acompanhada pelo pai de seu filho, senão, as fofocas vão se espalhar por Londres inteira. — Mamãe — protestou Ana —, não importa o que as pessoas digam. O importante é o que vocês pensam e... — Dessa vez, eu apoio sua mãe — interrompeu Frank, surpreendendo-a. — Aceito que vocês não sejam casados, mas não que no dia do casamento de sua irmã você apareça sozinha diante de todos. Pense nisso. — Papai, não seja antigo, por favor. — Escute, Ana Elizabeth — insistiu sua mãe —, não é questão de sermos antigos. Tanto seu pai quanto eu queremos que todo mundo veja que nossa filha grávida está feliz e com seu companheiro a seu lado. A propósito, e agora que estamos em família, algum plano de casamento? Digo porque como vão me perguntar, quero saber o que dizer. Rodrigo pulou na cadeira, e Ana, ao notar, pôs a mão na perna dele pedindo-lhe calma. Ele a olhou, e pela primeira vez notou que cada vez que ela ia dizer uma mentira, tocava a orelha; e logo
pôde corroborar a constatação. — Mamãe, falamos de casamento, mas por enquanto é só uma ideia, nada mais. Rodrigo mal conseguia engolir. O que aquela inconsequente estava dizendo? Alheia ao que ele pensava, Teresa tocou a mão de sua filha, e dando-lhe dois tapinhas carinhosos, murmurou: — Tudo bem, eu entendo, filha. Acho que você não ficaria muito bem de vestido de noiva desse jeito. — Ora, mamãe, obrigada — debochou Ana. Depois daquilo, a conversa se descontraiu. Frank e Lucy começaram a fazer gracinhas e, por fim, Rodrigo e Ana, esquecendo suas tensões, sorriram. Mas quando Matías Prats, o conhecidíssimo apresentador da Antena 3, apareceu e se dirigiu a Frank com cordialidade, Rodrigo ficou espantado. De onde se conheciam? Em busca de uma explicação, o bombeiro olhou para Ana, mas ela, ao notar, pegou um copo e começou a beber. Teresa, ao notar, explicou a Rodrigo. — Matías, sempre que vai Londres, visita meu marido, e vice-versa. Somos amigos da vida toda, e como Frank é da BBC, às vezes se ligam várias vezes ao dia. Desconcertado, Rodrigo secou a boca com o guardanapo e perguntou: — Qual é o cargo de Frank na BBC? — Ana Elizabeth não lhe disse? Rodrigo olhou para a jovem, e com ironia na voz, sussurrou: — Não, Ana Elizabeth é muito reservada para certas coisas. Lucy bateu com o guardanapo na irmã e sussurrou: — Sinceramente, Pato, você exagerou! Não lhe dizer quem é papai?! Rodrigo sorriu ao ver a cara de Ana perante o ataque do guardanapo. Teresa disse: — Frank é o diretor-geral da BBC, por isso fazemos questão de que Ana Elizabeth não apareça sozinha no casamento da irmã. É por esse motivo que queremos que você venha, para que todo mundo veja que nossa filha tem um companheiro e está feliz — Rodrigo olhou para Ana, e ela revirou os olhos quando ouviu a mãe dizer: — Vou ser sincera com você, Rodrigo. Quando minha filha me disse que estava grávida de um bombeiro, eu me assustei. Ana é uma menina criada em bons colégios, com uma formação superior, e eu sempre quis o melhor para ela e... — Mamãe, não vamos começar com esse preconceito de classe, ok? — interrompeu Ana, contrariada. — Você sabe o que eu penso a respeito. — Sim, querida, claro que sei. Mas quero que seu namorado saiba que no início eu não gostei da ideia de que ele fosse um simples bombeiro e... — Chega, mamãe. Assim você vai ofendê-lo — interrompeu Ana. A expressão contrariada de Teresa fez Rodrigo sorrir. Sua mãe e a de Ana pareciam farinha do mesmo saco. Tentando ser gentil com a mulher que o olhava através de seus cílios fartos, disse: — Não se preocupe, Teresa, não me ofendo. Depois de um silêncio tenso, Frank se incorporou de novo à conversa. — O que foi que eu perdi, que estão todos tão calados? Ana foi responder, mas Rodrigo se antecipou: — Teresa comentou sobre seu trabalho na BBC. Frank assentiu, notando a cara fechada de sua filha. — Como era de se esperar, Ana não lhe havia contado, não é? — Rodrigo negou, e Frank, sem se surpreender, acrescentou: — Minha menina, como você deve ter visto, não gosta de chamar a atenção. Ainda me lembro de como ela sofria cada vez que tinha que ir comigo a algum jantar da BBC. Ver seu lindo rostinho no jornal não era com ela e...
Cansada da rasgação de seda que sua irmã estava recebendo, Lucy interrompeu a conversa: — Papai... às cinco e meia temos hora na loja de Elena Benarroch — E olhando para sua irmã, comentou: — Quero comprar umas coisinhas. A propósito, vocês vêm, não é? — Claro — assentiu Teresa, dando-o por certo. — Lamento, mas vai ser impossível — respondeu Rodrigo sem titubear nem um segundo. Surpresa, Ana olhou para ele, que acrescentou: — Temos um compromisso ao qual não podemos faltar de jeito nenhum. Ana quis perguntar que compromisso era aquele, mas preferiu calar. Mais tarde descobriria. Depois de se despedir de seus pais e de sua irmã na porta do Horcher, Ana e Rodrigo se dirigiram ao estacionamento mais próximo para pegar o carro. — Obrigada, Rodrigo. Muito obrigada por vir e não me delatar. Ele não respondeu e continuou caminhando a passo rápido. — Embora não esteja em condições de te pedir nada, eu te imploro que me faça dois favores — prosseguiu Ana. — O primeiro, é que não conte a ninguém o que aconteceu ontem entre nós em minha casa, e o segundo, que não diga a ninguém, a absolutamente ninguém, quem é meu pai. Eu... — Fique tranquila — respondeu ele, ríspido —, não acho sua vida tão interessante a ponto de falar dela, e menos ainda do que aconteceu acidentalmente entre nós. — Tudo bem, cara, também não precisa falar comigo desse jeito. Rodrigo parou para olhar para ela, e com um olhar duro, disse: — Ouça, minha linda, eu falo com você como bem entender, assim como você mente quando lhe dá na telha. E fique tranquila, seus segredinhos estão a salvos comigo. Quando chegaram ao estacionamento, entraram no carro e Rodrigo arrancou. — Aonde vamos? — Perguntou Ana. Sério, muito diferente do que havia mostrado no almoço com os pais dela, Rodrigo respondeu: — Você vai ver. Depois de rodar por Madri, chegaram às imediações do Palácio Real e deixaram o carro em um estacionamento subterrâneo. Já na rua, caminharam em silêncio enquanto atravessavam a praça Oriente, até que Rodrigo a fez entrar no Café de Oriente. O local estava tranquilo, mas de repente Ana viu Candela! Ao voltar o olhar para Rodrigo, ele disse com clareza: — Eu ajudei você. Agora você vai me ajudar. Sabendo que não podia fazer outra coisa, suspirou. Levantando o queixo, caminhou seguida por Rodrigo até onde aquela mulher elegantemente vestida lia um livro. — Olá! — Cumprimentou Ana. A jovem, ao erguer a cabeça e encontrar justamente a última pessoa que queria ver, foi se levantar, mas Rodrigo a segurou, e com voz calma, sussurrou em seu ouvido: — Candela, por favor, sente-se. Ana tem algo a dizer. Quando a jovem se sentou, de muito má vontade, Ana fez o mesmo, e Rodrigo as acompanhou. A tensão ao redor daquela mesa cortava o ambiente quando Ana começou a falar. — Candela, Rodrigo não é o pai de meu bi... de meu bebê, e, evidentemente, não há absolutamente nada entre nós além de uma simples amizade. Enquanto dizia isso, centenas de imagens surgiram em sua mente sobre o que havia acontecido na tarde anterior, e pela expressão de Rodrigo, Ana soube que ele pensava a mesma coisa. Mas o justo era ajudá-lo, como ele havia feito com ela. — Eu menti para meus pais e os fiz acreditar que ele era o pai de meu bebê. Por isso, ontem, quando eles chegaram de surpresa, montamos aquele pequeno teatrinho diante de vocês. — E ao ver
como a jovem a olhava, concluiu: — Portanto, e sabendo o quanto você significa para Rodrigo, peço que entenda que ele agiu assim para não me delatar, para me ajudar. Rodrigo é uma boa pessoa, e... — Eu sei como é Rodrigo — interrompeu Candela. — Não preciso que uma fotógrafa qualquer venha me dizer como... — Candela, não precisa ser desagradável — interrompeu Rodrigo, contrariado. Ana queria dizer umas coisinhas àquela metida, mas depois de pensar bem, decidiu ficar calada. Qualquer coisa que dissesse ou fizesse só pioraria a situação de Rodrigo, e ela não queria falhar com ele. — Ouça, minha linda — disse Candela —, fico feliz em saber a verdade do que vivi ontem; e agora, se não se importa, eu gostaria que você desaparecesse de minha vista para que eu e ele possamos conversar. — Claro — assentiu Ana, levantando-se. Com o coração apertado, ela começou a andar para a saída do café quando uma mão a segurou. Ao se voltar, encontrou o olhar de Rodrigo. — Obrigado — disse ele. Ela assentiu e lhe deu um sorriso. — De nada — respondeu, respirando fundo. E acrescentou: — Espero que continuemos sendo amigos, apesar de tudo. Ele não respondeu, e Ana deu meia-volta e foi embora. Ao chegar à porta do local parou por alguns segundos para tomar fôlego de novo. Estava precisando. Ainda ouvia na cabeça a voz insuportável daquela imbecil, e, especialmente, sentia o olhar acusador dele. Quando teve forças, abriu a bolsa e pegou seu gorro de lã escuro. Ergueu o queixo, e com a dignidade que lhe restava, começou a andar. Mas após caminhar alguns metros, sem poder evitar, voltou-se para olhar e viu o que não queria ver. Rodrigo, com um sorriso, segurava o rosto de Candela, e atraindo-a para si, beijava-a. Durante alguns segundos não pôde afastar o olhar daquela imagem, até que fechou os olhos, disposta a não ver mais. Com a pulsação a mil, deu meia-volta e caminhou depressa. Precisava se afastar dali o quanto antes, porque aquele beijo havia acabado de, definitivamente, partir seu coração. Quando Ana chegou em casa, Miau foi recebê-la. Com carinho, ela pegou o gato e lhe deu um beijo. Precisava de mimos, e nesse momento só seu bichinho de estimação podia lhe oferecer isso. A seguir, foi até a gaiola de Pío e o olhou com carinho. Mas, de repente, toda a força que havia tido durante o caminho desmoronou quando ela se sentou no sofá e sentiu a fragrância do perfume de Rodrigo. Sem poder evitar, começou a chorar. Chorava porque se sentia uma boba e pela sensação de perda de algo que na verdade nunca havia sido seu. Incapaz de conter o pranto, foi até o banheiro e tomou um banho. Uma chuveirada com certeza lhe faria bem. Mas foi inútil. Nem no chuveiro nem fora dele conseguiu parar de chorar. Uma hora depois, estava com o nariz feito um pimentão e os olhos inchados de tanto chorar, empanturrando-se de sorvete. Tocaram a campainha, e depois de assoar o nariz, Ana abriu. — Meu Santo Cristo, o que aconteceu, querida? Foi só escutar aquilo para começar a chorar de novo. Encarna, que segurava um pratinho com rosquinhas, rapidamente entrou, e deixando o prato em cima da mesinha da sala de jantar, foi correndo abraçá-la. — Mas, minha menina, o que foi que aconteceu? — Nada...
— Por que está chorando? — Porque sou uma bobaaaa! — Tudo bem... tudo bem... não é para tanto. Ai, coitadinha! Está com a carinha toda inchada. Vamos, acalme-se. Pelo bebê. Quando Ana se acalmou um pouco, tentou sorrir. — Hoje tive um dia terrível, Encarna. A gravidez me deixa chorona e sensível. A mulher olhou para ela, e sentando-a no sofá, murmurou: — A gravidez... sei. — Ana gemeu, e Encarna a abraçou. Embalando-a, murmurou: — Não chore, querida. Se você chora, o bebê sofre, não sabia? — Eu sei... eu sei... Já vai passar. Encarna pegou um lenço de papel da caixa que estava em cima da mesinha, e secando com carinho os olhos inchados de Ana, disse, imaginando o motivo do choro: — Não pretendo que me conte seu problema, mas quero que saiba que, seja o que for, eu estou aqui, certo? Ana assentiu; e querendo falar com alguém, balbuciou entre soluços: — Sou... uma... idiota. Uma imbecil... Uma... — Pronto, pronto, já chega de autoflagelo, meu tesouro. — Encarna, estou apaixonada por alguém que... — Está o quê? — Apaixonada. Estou apaixonada por alguém que me considera broxante como mulher. E embora eu saiba disso, às vezes eu... eu... Ao ver o rosto da jovem se contrair de novo e grandes lágrimas brotarem, a mulher perguntou: — É por esse bombeiro bonito chamado Rodrigo, não é? Boquiaberta por Encarna acertar na primeira, levou as mãos à boca, e horrorizada, exclamou: — Eu sou patética, mesmo! Dava para notar? — Ora, menina, por acaso você acha que eu não percebo como seus olhinhos se iluminam quando esse tordo aparece por aqui? Tesouro, eu também fui jovem e conheço essa sensação — e ao vê-la chorar de novo, afastou-lhe o cabelo do rosto e sussurrou: — Mas fique tranquila, minha vida. Nós, mulheres, notamos isso porque temos um sexto sentido; mas com certeza ele nem percebeu. Ele é homem! — Ana sorriu. — E enquanto você não deixar bem claro para que ele entenda, não vai perceber! Ainda me lembro dos sinais que eu dava a Marcelino, um rapaz de minha cidade, mas nada, cego total! Depois, chegou uma mais espertinha que eu, e zás! Caçou-o e se casou com ele. Durante um bom tempo, ambas ficaram falando sobre aquilo, e Ana se surpreendeu ao ver como sua vizinha era intuitiva ao ouvir as coisas que lhe contava. A mulher, sem precisar saber nada específico, era capaz de ler seu estado de ânimo, e assim como havia percebido sobre Rodrigo, sabia que Nekane também sofria por amor. Encarna, quando viu a jovem mais calma, pegou o prato de rosquinhas, retirou o guardanapo vermelho xadrez de cima e deu uma piscadinha. — Ande, pegue uma. Acabei de fazer especialmente para você. Sem muita vontade, Ana pegou uma, mas foi dar uma mordida para desejar comer o prato inteiro. Depois da quarta rosquinhas, Encarna cobriu o prato. — Pare, ou vai passar mal. — E ao vê-la sorrir, acrescentou, apertando-lhe as bochechas: — Ai, minha menina, como você é bonitinha, e que bebê mais lindinho que vamos ter! Nesse momento tocaram a campainha, e Ana, com um sorriso, levantou-se. Mas ao abrir e ver quem era, quis morrer. — Meu Deus do céu, é verdade! Você está grávida! — Gritou Úrsula, mãe de Rodrigo, apontando para ela. — Ah, meu Deus, acho que vou desmaiar.
O mais rápido que pôde Ana a segurou para que não caísse, mas a mulher, irritada, deu-lhe uma cotovelada para afastá-la. — O que é isso, senhora! — Protestou Ana. Úrsula, enfurecida, entrou sem ser convidada, e fechando a porta com grosseria, continuou olhando a barriga de Ana. — Como pôde fazer isso com meu filho? Essa aí bebeu, pensou Ana ao ouvi-la falar. — Ouça, senhora, se me deixar explicar, eu posso lhe... — Agora entendi tudo. Você viu que meu filho vem de uma família de posses e pretende... — Eu não pretendo nada! — Gritou Ana, alterada, com os olhos cheios de lágrimas. O que aquela imbecil estava insinuando? Encarna, ao ouvir os gritos, levantou-se do sofá. — Caralho! — Exclamou para atrair o olhar de Úrsula ao ver Ana de novo com o rosto inchado. — Isso é jeito de entrar na casa dos outros? A senhora não tem educação? — Tenho de sobra toda a educação que a senhora não tem, quitandeira — respondeu Úrsula, colérica, ao vê-la. — Cada coisa que tenho que ouvir! — Protestou Encarna. E se aproximando, sibilou: — Não sei quem é a senhora, mas, escute: tome cuidado para não levar um soco no meio da fuça. — Encarna! — Gritou Ana. Só faltava que as duas se pegassem a tapa, e ainda por cima com a outra já meio alta. Úrsula, usando seu luxuoso vison e sapatos de salto alto, olhou-a por cima do ombro. A pobre Encarna estava com um roupão acolchoado azul-claro e bobes coloridos. Úrsula, ao recordar algo que Candela lhe havia contado, perguntou: — A senhora deve ser a mãe dela, não? — Encarna não respondeu, e Úrsula prosseguiu: — De fato, farinha do mesmo saco. O que foi que meu Rodrigo viu em você? Quando Encarna ouviu o nome de Rodrigo, olhou para Ana. — Esta é a mãe de Rodrigo? Ana assentiu, e Encarna acrescentou: — Quanto a sua pergunta, melhor seria dizer o que o seu Rodrigo não viu em minha Ana, porque, veja bem, seu menino é um amor de homem, mas minha Ana é um esplendor. A senhora já viu como ela é linda? Úrsula as olhou com cara azeda. — Não estou falando de beleza. Estou falando de nível cultural, e meu filho e sua filha nada têm a ver, assim como a senhora e eu — sibilou Úrsula com desprezo. — Eu já falei com ela há poucos dias e deixei bem claro o que quero para meu filho, e... — O que a senhora quer para seu filho? — Interrompeu Encarna. — Pelo amor de Deus! E a senhora sabe o que seu filho quer para ele mesmo? Nunca pensou nisso? — Claro que já pensei, e por isso trouxe para ele a mulher que lhe convém. — E apontando o dedo à jovem, sibilou: — Você é uma golpista, Ana, e quando seu filho nascer, vou exigir o teste de paternidade para provar que não tem nada a ver com Rodrigo, ouviu bem? — Senhora! — Gritou Ana, alterada. — Faça o favor de se acalmar e parar de dizer bobagens, senão, juro que... — Jura o quê? Está me ameaçando, bonita? Ana teve vontade de lhe dar um chute no traseiro e chamá-la de bêbada. Úrsula merecia. Mas disposta a se comportar como uma dama, coisa que a outra não fazia, respirou fundo e disse: — Ouça, senhora. Primeiro: pare de me chamar de bonita, ou eu a chamarei por um qualificativo que melhor a defina, e garanto que não vai gostar.
— Oh! Que desavergonhada! — Protestou Úrsula. — Segundo: há um grande erro aqui... — Claro — interrompeu Úrsula. — E esse erro é você. Você! — E terceiro — concluiu Ana —, vergonha sentiria seu filho se a visse nessas condições. — Víbora! Você só quer o dinheiro de nossa família. Impressionada com a ideia que a mulher tinha dela, disse, muito alterada: — Prefiro ser uma víbora malvada a ser uma Úrsula, a sinistra bruxa malvada do filme A Pequena Sereia. Porque, goste ou não, assim está se comportando comigo, como uma verdadeira bruxa! — Você me chamou de bruxa?! — Gritou a mulher, pasma. — Sim, com todas as letras. E não sabe como isso me fez bem. Encarna, cansada das coisas terríveis que aquela mulher estava dizendo, arregaçou as mangas do roupão, o que provocou uma expressão de horror em Ana. — Se continuar falando assim com minha menina, vou quebrar sua fuça. Já a adverti duas vezes; na terceira, vou socá-la! — Oh, Deus, quanta vulgaridade! — Sibilou Úrsula, tocando a gola do casaco. — Nem me diga — assentiu Encarna. Ao tocar a gola de vison, a manga de seu casaco desceu, e Ana viu no antebraço de Úrsula um hematoma quase imperceptível. Mas disposta a acabar com aquele mal-entendido, não deu importância e pegou sua vizinha pelo braço, e pondo-a de lado, disse à mulher, que as observava: — Ouça, minha senhora, meu filho não é de Rodrigo e nunca será. E se quer saber o motivo dessa confusão fale com ele ou com Candela, e faça o favor de me deixar em paz de uma vez por todas. — Ao ver a expressão de surpresa de Úrsula, acrescentou: — E agora que já sabe que meu bebê não tem nada a ver com seu filho nem com sua família, eu lhe peço por favor que saia de minha casa, porque não tenho mais nada a falar com a senhora. Encarna rapidamente abriu a porta e a convidou a sair, e Úrsula, olhando-a com desprezo, deu meia-volta. Mas antes de abandonar a casa, olhou para Ana por cima do ombro e sibilou: — Para seu próprio bem, fique longe de meu filho. — E, você, da garrafa — sussurrou Encarna, batendo a porta. Ao ficarem sozinha, os olhos de Ana se encheram de lágrimas. — Encarna, traga o prato de rosquinhas — disse olhando para sua vizinha. — Preciso delas! Dito isso, caiu no choro.
11
Os dias foram passando, e Rodrigo e Ana não se telefonaram. Cada um seguiu seu caminho sem olhar para trás, algo que para Rodrigo foi fácil, mas para Ana não. Seus sentimentos não a deixavam viver, e ainda tinha que resolver sua ruptura com ele perante os olhos de sua família e para o casamento de sua irmã. Só de pensar no desgosto que lhes daria seu coração se apertava. Por sua vez, Nekane, ao sair da farmácia certa tarde, ensimesmada, pensando em suas coisas, de repente ouviu: — Olá, princesa! Transtornada ao reconhecer aquela voz, olhou para a direita e encontrou Calvin, que ao ver seu olhar levantou as mãos e disse: — Tudo bem... sou um imbecil. Eu não devia ter lhe dito as coisas que disse, e... — Você é trouxa? — Se vamos começar com ofensas, começamos mal — disse ele sorrindo. Nekane, sem nenhuma vontade de sorrir, suspirou: — Em que língua tenho que dizer as palavras “Não quero mais vê-lo”?! Chega, por favor. Seu amiguinho deixou minha amiga arrasada, e agora você pretende fazer o mesmo comigo? Calvin não queria falar dos outros, só deles. Sem responder, entregou-lhe um buquê de rosas vermelhas. — Tome. Para você. — Ô caralho! — Gritou sem pegar as flores. — Não me venha agora com bobagens nem com romantismos, que comigo isso não cola. — Não gosta de flores? — Não, a não ser que sejam pretas — respondeu Nekane. E ao vê-lo sorrir de novo, esclareceu: — Faça o favor de enfiar o maldito buquê no... Sem deixá-la continuar, Calvin a segurou, atraiu-a para si e a beijou. Durante alguns segundos suas bocas se uniram, até que ela lhe deu um soco no estômago e ele se afastou. — Mas que bruta, caralho! — Pois agradeça por eu não ter te dado uma joelhada onde mais dói. Recompondo-se da arremetida, ele voltou ao ataque. Dando um passo em direção a Nekane, pôs o buquê nas mãos dela e o soltou. Nekane não o pegou, e o belo buquê de flores caiu no chão. Nesse momento, um idoso que passava por eles se agachou, pegou-o, e estendendo-o à jovem, disse: — Você deixou cair isto, linda. Nekane olhou o buquê, e Calvin, aproximando-se, murmurou: — Não vai pegar nem da mão do velhinho? Surpresa com aquele descaro, Nekane sorriu, pegou educadamente o buquê de flores e agradeceu ao velhinho, que foi embora feliz. Mas foi ele se afastar dois passos e Nekane começou a bater sem parar na cabeça de Calvin com o buquê, até que várias rosas ficaram destruídas. Envergonhado porque as pessoas que passavam por eles olhavam e sorriam, Calvin tirou o buquê de flores destruído dela. — Como pôde fazer isso com as coitadas das flores?
— Fiz com elas para não fazer com você, homem com nome de cueca. Dito isso, saiu andando, e Calvin, surpreso e sem entender nada, seguiu-a. — Do que me chamou? — Do que você ouviu. Contrariado com a brincadeira que há anos aturava de seus colegas, sibilou: — Mas você é... Sem deixá-lo acabar, Nekane se voltou para ele. — Ouça, bonitinho, está me vendo? — Ele assentiu. — Sou uma mulher, não uma princesa, e antes que diga mais alguma coisa, sou mulher demais para você. Portanto, adeus! Calvin soltou uma gargalhada. — Você é mulher demais para mim? — Exato! Alucinado com o que Nekane dizia, fez cara feia. — Oh, Deus meu, uma mulher! — E ao ver que ela o olhava, acrescentou: — Eu sabia que você era estranha, princesa, mas nunca imaginei que fosse tanto. Sem se importar com as pessoas, Nekane soltou a mochila que levava, e pondo as mãos nos quadris, disse alto e claro: — Pode me dizer o que vê em mim para me chamar desse jeito ridículo e me trazer florzinhas? Eu gosto de tatuagens, de piercings e... — Para mim, você é minha princesa — respondeu ele. — Como disse... você é trouxa, e deve ter caído de cabeça quando nasceu. E sem olhar para trás, afastou-se a passos largos. A partir daquele dia, todos os domingos pela manhã Nekane recebia uma rosa em casa. Mas tingida de preto. Dia 2 de abril Ana entrou no sexto mês de gravidez. Nesses dois meses havia engordado oito quilos e estava bem, apesar dos constantes vômitos matinais. — Tome este xarope e vai ver como a vontade de vomitar vai diminuir — insistiu a médica. — Quanto ao sono incontrolável, não há muito a fazer. Ana pegou a receita da ginecologista e Nekane a tirou de suas mãos para guardá-la em uma pasta azul. — Agora, vamos ver como está este pequenininho — disse a médica. — Deite-se na maca. Sem precisar que lhe dissesse mais nada, Ana abaixou a calça e levantou a camiseta, e quando a médica passou-lhe o gel gelado na barriga, sorriu. Ia ver seu bebê. Nekane, que segurava a mão da amiga, observava com atenção tudo que acontecia. Quando olhou a tela, ficou sem palavras. Ali, diante delas, observava-se em branco e preto um bebê quase totalmente formado. — Ah, meu Deus! Está vendo? — Perguntou Ana, comovida. Nekane assentiu. — Pelo visto, seu filho gosta de praticar esportes — comentou a médica, e as três riram. — Está vendo como mexe a perna? Emocionadas, observaram aquela coisinha mexendo a perna para cima e para baixo. Ana, com os olhos cheios de lágrimas, assentiu. Então, a ginecologista perguntou: — Quer saber o sexo do bebê? — Sim! — Ela quase gritou. Depois de passar atenciosamente aquela espécie de controle remoto sobre a barriga de Ana, a médica disse: — É menino. Não tenho a menor dúvida.
Nekane e Ana se olharam emocionadas. Um menino! Cinco minutos depois, as duas saíam do consultório com a foto do bichinho nas mãos, repetindo sem parar: “É um menino!”. Depois de um dia de celebração, comprando um monte de coisas azuis e amarelas para o bebê, chegaram em casa cheias de alegria. Aquela noite, quando Ana se deitou na cama, pensou em Rodrigo. Teria gostado de ligar para ele para lhe dizer que era um menino. Mas não, não devia. Devia continuar como até então e não pensar nele. Não era bom.
12
Na terça-feira, depois de almoçar no batalhão de bombeiros de Latina, Rodrigo, sentado no sofá, tentava ler. Mas não conseguia. Sua curta relação com Candela havia terminado fazia duas semanas e ele estava irritado, muito irritado. Deixou o jornal em cima da mesinha, e quando ia se levantar, Calvin e Julio entraram na sala onde ele estava sozinho. — Adivinhe quem vai ser pai? — Perguntou Julio. Rodrigo olhou para seu amigo Calvin, e este, com ironia, murmurou: — Não olhe para mim! Surpreso, Rodrigo foi falar quando Julio exclamou: — Eeeeeeeeeeu! Eeeeeeeeeu! Contente, Rodrigo foi até ele e o cumprimentou. — Parabéns! Como está Rocío? — Insuportável. Desde que sabe que está grávida está insuportável, mas, caralho, ela me deixa louco. Está lindíssima! Mas ou ela se acalma ou daqui até outubro, quando o bebê nascer, vai acabar comigo. De repente, acenderam-se umas luzes que chamaram a atenção dos três, e instantes depois, a sirene estridente do recinto disparou. Tinham um chamado. Sem tempo a perder, os três, junto com outros colegas que se uniram a eles, foram para o pátio. Quando lhes informaram do sinistro, dirigiram-se ao caminhão grande com a escada Magirus. Julio, que era o condutor, ligou-o rapidamente, enquanto os outros pegavam seus equipamentos e subiam no veículo. Já dentro, um dos bombeiros disse, olhando para Rodrigo: — Capitão, o fogo é na Torre de Madri. Todos se olharam, mas ninguém disse nada. Enquanto Julio dirigia o caminhão com a sirene ligada para que os carros abrissem caminho, Rodrigo, Calvin e outros colegas que checavam seus equipamentos escutavam pelo rádio: — “Incêndio 17º andar. Chegaram três carros e mais dois estão a caminho”. Andrés, um suboficial, depois de colocar um chiclete na boca, comentou com segurança: — Ora... a festa vai ser boa. Lembrem-se: não se afastem do parceiro. Quando o caminhão chegou à frente do edifício, na rua Princesa, viram que várias equipes já estavam trabalhando. Colegas estavam ao lado de veículos de equipamentos e vários caminhõestanque esperavam sua vez de agir. Sem tempo a perder, pularam do caminhão prontos para ajudar. Línguas de fogo saíam pelas janelas e gente assustada gritava, horrorizada, enquanto a polícia mantinha os curiosos atrás do cordão de isolamento e várias ambulâncias de paramédicos chegavam. — O fogo chegou ao exterior e o oxigênio está espalhando as chamas. Cuidado! — Advertiu Rodrigo a seus homens. — Capitão, que mangueiras usamos? Rodrigo, depois de falar com outros colegas que já estavam ali, voltou-se para seu batalhão e gritou: — Peguem mangueiras de 25 milímetros. Isso nos permitirá maior mobilidade! Todos aqueles homens se equiparam criteriosamente. Tinham que entrar. Com seus equipamentos
de respiração autônoma, ganchos e cordas, entraram no edifício. Ao chegar no hall, Rodrigo se dirigiu à escada. Não podiam usar o elevador. Aníbal, um colega do grupamento seis que estava ajudando na evacuação de civis no 11º andar, ao vê-los chegar informou-lhes a situação real ali em cima. Depois de escutá-lo, Rodrigo assentiu e, olhando para seus homens, acrescentou antes de continuar subindo: — Cuidado e alerta máximos. A subida à torre pela escada prosseguiu. Aquele esforço, com quase quarenta quilos de equipamento por bombeiro, consumia sua energia, mas não esmoreceram. Tinham que chegar até os outros colegas para ajudar. Ao atingir o 13º andar encontraram uns bombeiros que tentavam abrir o elevador para pessoas presas. Depois de ver que não podiam colaborar ali, continuaram subindo. Cada andar que subiam os consumia mais e mais, mas a vontade de ajudar lhes dava a força que necessitavam. Depois de um avanço nada fácil, por fim chegaram ao 15º andar, enquanto ouviam o edifício retumbar com sons rudes e assustadores. — Aqui ainda dá para respirar sem o equipamento, mas não bobeiem nem um segundo — apontou Rodrigo. — Dani e José, avaliem o estado do corredor da esquerda. Sergio e Alberto, o da direita. — E nós, capitão? — Perguntou Miguel. Rodrigo olhou para eles e, levantando a mão, ordenou: — Ginés e você, fiquem neste ponto, refrescando junto com os colegas do terceiro batalhão. Quando aqueles começaram a refrescar a área, Rodrigo e Calvin se olharam, e após um sinal de cabeça, subiram mais um andar. Ali o calor era insuportável e a fumaça densa. Rodrigo reconheceu Alfredo, o capitão de outro batalhão, e aproximando-se depressa, informou-se da situação. — Tenho oito homens contendo o fogo neste inferno, e mais quatro subiram aos andares superiores. Precisamos de reforços no corredor direito. — Tudo bem. Meu colega e eu vamos reforçar esse corredor — assentiu Rodrigo, recolocando sua máscara de respiração autônoma. Com decisão, adentraram aquele corredor, até que Rodrigo parou, tirou a luva e tocou uma parede. — É o que imaginamos?! — Perguntou Calvin aos gritos. Rodrigo assentiu. A parede estava quente. Muito quente. Isso significava que havia fogo atrás dela. De repente, gritos atraíram sua atenção. Pela escada da direita alguns colegas apareceram com uns dez civis assustados e exaustos. — Ainda há alguém lá em cima? — Perguntou Rodrigo, com a adrenalina a mil. — Não — respondeu o bombeiro. — Estas são as únicas pessoas que havia lá. Abriram caminho. Aquelas pobres pessoas quase não conseguiam respirar. Quando os guiaram até a escada onde estava Alfredo, assustados, os civis começaram a descer. Instantes depois, Rodrigo e Calvin voltavam a sua posição quando se ouviu um barulho ensurdecedor, e antes que pudessem se mexer, o teto desabou sobre eles. Presos no meio de um monte de escombros, não puderam se mexer até que vários colegas chegaram para ajudá-los. Foram só alguns segundos, mas para eles pareceu uma eternidade esperar para que os tirassem dos escombros. — Você está bem, Rodrigo? — Perguntou Alfredo ao ver seu capitão tocar o braço. — Caralho! O maldito escombro do teto esmagou meu braço, mas estou bem. — Ao ver Calvin meio abalado, murmurou: — Acho que ele está pior. — Vocês têm que descer imediatamente — urgiu Alfredo ao ouvir que seus homens o chamavam. — Estão feridos, e eu tenho que ajudar meus homens. Conseguem chegar até a escada? Rodrigo assentiu, e quando ficaram sozinhos, agachou-se para levantar o amigo. — Vamos, Calvin — disse. — Temos que sair de aqui.
Não gritou, apesar da dor horrível que sentiu ao tentar levantar o outro. — Não consigo! — gemeu Calvin, respirando com dificuldade. — Caralho! Acho que quebrei a perna e uma costela. Não havia tempo a perder, ou o teto que restava cairia em cima deles. — Não me interessa se está quebrado ou inteiro — respondeu Rodrigo. — Vou levá-lo. Vai doer, mas aguente. É o único jeito de sair daqui. Quando Rodrigo o jogou sobre o ombro ambos gritaram de dor, enquanto pedaços de teto caíam sobre a cabeça dos dois e línguas de fogo faziam portas voarem ao seu redor. Ouviram uma detonação e ambos foram jogados contra a parede. — Não vamos conseguir, Rodrigo. Vá na frente que eu sigo você. — Não diga bobagens, caralho! — Exclamou Rodrigo, sentindo uma queimação no braço. — Não estou dizendo bobagens — sibilou Calvin. — Carregando-me você não tem chance de se mexer antes que o teto desabe. Rodrigo sorriu, e tentando parecer tranquilo, afirmou: — Viemos juntos e vamos sair juntos, entendeu? Calvin assentiu, gritando de dor. Rodrigo, esquecendo seu próprio estado, correu pelo corredor com seu colega nos ombros. Tinham que sair dali ou não viveriam para contar. De repente, o equipamento de respiração autônoma de Calvin avisou que o tanque de ar estava entrando na reserva; mas, de forma inexplicável, uma falha o deixou diretamente sem ar. Rodrigo, sem pensar duas vezes, parou, tirou a máscara e a dividiu com o amigo. — Vamos, Calvin — animou. — Não temos mais que cinco minutos de ar. Nesse momento, Alfredo voltou até eles e, tirando sua máscara, passou-a a Rodrigo, que respirou aliviado. Tinham duas máscaras para três. Então, ouviram um estrondo muito forte, como se um avião houvesse aterrissado sobre eles; e ouviram pelo rádio: — Todas as unidades, abandonem o edifício depressa. Repito, depressa. — A coisa está ficando feia, companheiro — sibilou Rodrigo a Alfredo, com Calvin inconsciente entre seus braços. — Pare com isso, homem, que hoje à noite tenho um jantar para comemorar a aposentadoria de meu sogro — brincou Alfredo. E se agarrando a um de seus homens, gritou: — ajudem o colega e levem-no para baixo. Dividam as máscaras com ele enquanto for necessário. A dele deu defeito! Todos começaram a descer pela escada; alguns carregavam Calvin e outro bombeiro, ambos inconscientes. Se aqueles homens tinham certeza de alguma coisa, era de que nunca se abandona um companheiro. A descida pareceu eterna, e as explosões se sucediam uma atrás da outra no edifício. A calma e o sangue frio reinavam entre eles; mas, em silêncio, mais de um rezava para que o edifício não desabasse com eles dentro. Rodrigo e Alfredo, capitães de seus respectivos batalhões, eram os últimos da fila. Eles tinham que se assegurar de que nenhum homem ficaria para trás. Quando chegaram ao andar inferior, Alfredo viu que Rodrigo ia perder a consciência. Não tinha ar! Rapidamente o segurou antes que caísse no chão, e dois segundos depois, os paramédicos o atenderam. Estavam vivos por milagre. Quando Rodrigo acordou, o silêncio e a paz o angustiaram. Estava em uma sala de hospital, pelo que concluiu de imediato. — Fique tranquilo — disse a voz de uma mulher —, você está com uma fissura no úmero. Rodrigo assentiu e a mulher prosseguiu: — Além de um corte feio no braço, e levou uma boa pancada na cabeça; de resto, está tudo bem. Pusemos uma tala em seu braço e... Aquela enfermeira falou, e falou, mas eram palavras ininteligíveis para Rodrigo, que ficava
relembrando o ocorrido. Como não havia percebido que o teto estava prestes a ruir? Depois de alguns minutos, voltou à realidade e se concentrou na pergunta que fez à enfermeira: — Então, usar a tipoia no braço por um tempo será suficiente, não é? — Sim... mas precisa ter cuidado, pois... — Com o que você me disse, e sabendo que posso me mexer, tudo bem — interrompeu ele, categórico. — Meu colega Calvin Rivero foi trazido para cá? — A mulher assentiu, e ele perguntou: — Como ele está? — Neste momento está sendo operado pelo doutor Domínguez. Mas, não se preocupe. É um bom cirurgião, e... — Estão operando o quê? — Tíbia direita quebrada e duas costelas — respondeu a enfermeira depois de olhar os papéis que tinha na mão. — Caramba! — Exclamou Rodrigo, chateado. — Fique tranquilo, o doutor Domínguez é um mago e o deixará como novo. Uma hora depois, quando Rodrigo saiu do atendimento, já mais calmo, seus pais correram para abraçá-lo. Atrás deles estava Ernesto, o marido de sua mãe. — Ah, meu filho! Pelo amor de Deus — soluçou Úrsula, abraçando-o —, que susto você nos deu! — Fique tranquila, mamãe, estou bem, não vê? Rodrigo sorriu, mas ao ver o marido de sua mãe, seu sorriso desapareceu. Nunca gostara dele, e não entendia o que estava fazendo ali. Úrsula cravou o olhar no braço de Rodrigo, e aproximando-se de Ernesto, disse: — Se você está bem, o que é isso em seu braço? Ah, meu Deus! Esse seu trabalho terrível vai me matar. Nunca vou ficar tranquila. Nunca. Por que você tem que arriscar a vida como bombeiro se pode ser um advogado maravilhoso com Ernesto? Furioso com o que ela havia dito e com o sorrisinho do marido de sua mãe, Rodrigo se voltou para este último e gritou: — Você, fora daqui! Já! Ernesto deu meia-volta e saiu pela mesma porta que havia entrado. Nesse momento, Ángel, um homem paciente e compreensivo, ao ver o olhar de seu filho, disse: — Úrsula, já chega. — E se o braço dele não ficar bom? E se... Exausto e preocupado com seu amigo Calvin, Rodrigo olhou para ela e tentou conter a irritação que o dominava, por tudo que havia acontecido. — Mamãe, foi só uma fissura nesse maldito braço. E, por favor, para de falar bobagens sobre minha profissão. — Bem, filho, também não precisa falar assim comigo — recriminou a mulher. — Afinal de contas, sou sua mãe e me preocupo com você. — Você se preocupa comigo? — A mulher não respondeu, e ele explodiu: — muito bem. Pois se você se preocupa comigo, faça o favor de guardar seu discursinho de sempre, porque em vez de me acalmar, você me deixa doente. Estou farto de você se meter em minha vida e de tentar fazer que eu seja um reflexo do que você quer da vida. Fique sabendo de uma vez por todas que sou um homem independente, com ideias e gostos próprios, e que por mais que a ame, porque você é minha mãe, não vou seguir o caminho que você e seu amado marido querem. Assuma isso de uma vez, mamãe, ou você e eu vamos nos dar mal pelo resto da vida. Úrsula levantou o queixo e foi embora, irritada. Ángel, depois de presenciar a cena, tocou o braço de seu filho e murmurou:
— Você e sua mãe têm que conversar. Isso não pode continuar assim. — Eu sei, papai, eu sei. Mas estou farto. Tenho 34 anos e não entendo por que ela insiste em se meter constantemente em minha vida. Ela me conhece. Caralho, é minha mãe! E em vez de me facilitar algumas coisas... — Conversei com Úrsula, e pelo que ela me disse, está arrependida — interrompeu Ángel. — Garanto que ela ficou muito surpresa com a história de Candela. — Veja, papai, não duvido que ela tenha ficado surpresa, mas foi ela e seu maldito marido que trouxeram Candela para tentar o que não deu certo antes. — Mas, filho, você parecia encantado com a volta dessa mulher e... — Pois claro que sim, papai — interrompeu Rodrigo. — Candela é uma mulher linda, que homem não vai gostar? Mas o tiro saiu pela culatra quando o ex-marido apareceu e ela foi embora de novo com ele. Por acaso mamãe pensou em meus sentimentos? Por acaso é capaz de pensar que eu tenho coração? — Filho... — Poxa vida, papai! Não me interessa o que Ernesto pensa. E você sabe qual é minha opinião sobre ele. Mas mamãe... Que mamãe se preste a me enganar, sabendo o que sofri quando Candela me deixou da primeira vez, e que ainda por cima em uma hora como esta me venha com bobagens? Não. Não suporto. Depois de alguns segundos em silêncio, pai e filho se olharam e se abraçaram. — Ande, papai, vá para casa. — Quer que o leve a sua casa? — Não, papai, obrigado. Vou ficar aqui com Calvin. Caminhando com ele para a saída, Ángel explicou: — Disseram que está sendo operado, filho. — Eu sei — respondeu Rodrigo, transtornado. Ele acompanhou o pai até o elevador, e quando este foi embora, Rodrigo, cabisbaixo, subiu a pé um andar. Ao chegar ao quarto vazio de Calvin, encontrou sua outra família: seus colegas, que ao vêlo, felizes por estar são e salvo, receberam-no com abraços. Pouco depois, incitados por Julio, desceram até a lanchonete, e sem afastar os olhos da televisão, escutaram a notícia que falava como os valentes bombeiros haviam tirado todas as pessoas da Torre de Madri e, incansavelmente, extinguido o fogo. Quando, às dez da noite, o médico lhes disse que a cirurgia de Calvin havia sido um sucesso, todos aplaudiram emocionados. Nesse momento, Rodrigo se sentou. Havia sido um dia muito longo. No estúdio, às dez da noite, Nekane e Ana estavam terminando um trabalho que a empresa de cosméticos Wendoline Woman havia encomendado. Tinham que fotografar cinquenta garotas de diferentes manequins para a propaganda de seus novos sutiãs redutores. Depois de mais de seis horas de trabalho, quando as modelos foram embora e ficaram sozinhas, ambas se jogaram no sofá branco do estúdio enquanto a voz de Chenoa saía dos alto-falantes. — Não aguento mais — queixou-se Ana. — Que dia! — Nem me fale! — Disse Nekane sorrindo. — Agora um banhinho... — Um filminho... — prosseguiu Nekane. — Um belo hambúrguer e... Ai! — Que foi? — Perguntou Nekane, assustada ao ver a amiga tocar a barriga. — Que chute o bichinho acabou de dar! — Respondeu Ana, rindo. E olhando para a amiga, disse: — Corra, Neka, ponha a mão aqui.
A navarra obedeceu prontamente e sentiu o movimento do bebê sob sua mão. — Puta que pariiiiiu! Como se meeeeeexe! Durante um tempo as duas curtiram aquela intimidade, enquanto o bebê, alheio à felicidade que proporcionava às mulheres, mexia-se dentro da barriga de sua mãe. Quando os movimentos pararam, as jovens, com comentários divertidos, dirigiram-se à cozinha. Então, tocou o telefone, e Ana atendeu. — Alô? — Olá, Ana! É Rodrigo. Ao ouvir aquela voz, Ana se sentou no braço do sofá. Fazia dois meses que não falava com ele, e agora, de repente, Rodrigo estava ali. — Você está aí? — Perguntou ele ao ver que ela não respondia. — Sim... sim... estou aqui, Rodrigo. Ouvindo-a pronunciar esse nome, Nekane a olhou, surpresa. O que esse imbecil estava fazendo ligando para Ana? Sem pensar em mais nada, foi até sua amiga pronta para lhe arrancar o telefone das mãos e desligar. — Tudo bem. Obrigada por avisar — disse Ana. Quando desligou o telefone, Nekane estava ainda espantada por ela não o ter mandado passear. — Posso saber por que não o mandou à merda? Mas que sujeito cara de pau! E agora vem e liga depois de mais de um mês! — Disse ela, séria. Ao ver que Ana não respondia e só a olhava, prosseguiu: — Ele que vá para sua Candela! — Neka, escute. — Não, escute você, que é mais boba que não sei o quê. Por que não desligou na cara dele? — Quer me escutar? — Ouça bem o que eu digo — continuou a jovem, irritada. — Nunca mais vou permitir que você ou eu nos interessemos por homens de uniforme, e menos ainda por um maldito bombeiro. Tenho nojo de bombeiros! — E apontando para a barriga de sua amiga, concluiu: — Portanto, bichinho, você já sabe... pode ser o que quiser, mas bonito de uniforme, nem fodendo! Eu não vou permitir, juro que corto seu pau fora. — Neka, pelo amor de Deus! — E ao ver que sua amiga a olhava, acrescentou: — Era Rodrigo, e... — Sim, eu já ouvi quem era. Mas não continue. Não me interessa saber nada do que esse cretino possa ter lhe dito. E para seu bem, da próxima vez que ele ligar, desligue. Ele a fez sofrer o indizível, e não quero vê-la sofrer de novo por ele, escutou? — Escute você, por favor. — Não, não quero escutar — Nekane deu meia-volta e perguntou: — Pedimos já os hambúrgueres? Quer com queijo e cebola extra, ou hoje a gorda da casa quer com bacon e muito tomate? Ana, incapaz de segurar o que Rodrigo lhe havia dito, sem mais rodeios, disse: — Houve um acidente hoje em um incêndio, e Calvin... — Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Ai, meu Deeeeeeus! — Gritou Neka, apoiando-se na parede. — Ai, meu Calvin! O que aconteceu? Ele está bem? — Rodrigo só disse para eu te dizer que Calvin está internado no hospital Madri e que a primeira coisa que fez quando acordou foi perguntar por você e... Nekane, pálida, sentou no chão e começou a hiperventilar. Rapidamente, Ana pegou um saquinho, e pondo-o na boca da amiga, murmurou: — Faça o favor de respirar e não me assustar, porque está me assustando! E do jeito que eu ando impressionável, sou capaz de entrar em trabalho de parto.
Cinco minutos depois, esquecendo o cansaço que sentiam, saíram de casa. Desceram do táxi e entraram no hospital de mãos dadas. A primeira pessoa que encontraram foi Rocío, mulher de Julio, que, ao vê-las, foi rapidamente abraçá-las. — Que susto! Que susto! Mas, fiquem tranquilas, meninas, os dois estão bem. Podia ter sido uma tragédia, mas, por sorte, estão bem! — Os dois? — Perguntou Ana. — Sim, querida, Calvin e Rodrigo — respondeu Rocío, olhando a barriga proeminente. — Estavam apagando um incêndio na Torre de Madri quando o teto desabou e... — ao ver que ambas ficavam pálidas, decidiu pôr fim à explicação. — Mas fiquem tranquilas. Repito que os namorados de vocês... — Não são nossos namorados — sussurrou Nekane, lívida. Rocío a olhou, surpresa. — Bem... que seja. Rodrigo e Calvin estão bem — E sem poder evitar, perguntou: — Desde quando você está grávida? — Há seis meses — respondeu Ana como um autômato enquanto buscava com o olhar a pessoa que queria ver. Mas não o encontrou em lugar nenhum. Dois segundos depois, Rocío as acompanhou até o segundo andar. Quando a porta do elevador se abriu, vários bombeiros que as conheciam as cumprimentaram com carinho, mas a cara de todos ao descobrir a barriga de Ana era de desconcerto total. Quando se cumprimentaram, Julio, ao ver o rosto pasmo de Nekane, pegou-a pelo braço. — Entre — disse. — Ele vai adorar vê-la. Só pergunta por você. — Fique tranquila, eu espero aqui — assentiu Ana com carinho. Com o coração a mil, Nekane abriu a porta do quarto, e ao ver dois colegas ao lado da cama de Calvin, gemeu. Um deles, que a reconheceu, sorriu, e rapidamente se aproximou e lhe deu dois beijinhos. — Entre... entre... ele só pergunta por você. Assustada com o bip da máquina à cabeceira da cama, Nekane se aproximou com passo inseguro. Ali estava Calvin, de olhos fechados. — Vamos sair para que vocês possam ficar uns minutinhos sozinhos — murmurou o outro homem. — Não, não precisa — sussurrou Nekane. — Claro que precisa — respondeu o bombeiro, sorrindo. Quando a porta se fechou e Nekane se viu sozinha no quarto com Calvin, aproximou-se devagar, sem fazer barulho, da cabeceira da cama. Vê-lo tão cheio de fios, e especialmente tão estático, sendo que ele era pura energia e sorrisos, partiu-lhe o coração. Com carinho, estendeu a mão e tocou-lhe o cabelo. — Até em um momento tão terrível como este você está bonito. — Obrigado, princesa — sussurrou ele, curvando a comissura dos lábios. — Como se atreve a me dar um susto desses? Por acaso não sabe que tem que se cuidar? Como pôde permitir que isso acontecesse? Com uma expressão cansada e um fio de voz, o jovem murmurou: — Você não me deu opção. Ao ver que as rosas negras não funcionavam, decidi mudar de tática, e... — Oh, Calvin! — Gemeu Nekane. — Não diga isso. Odeio você. — E eu a amo, princesa. — Não me chame assim — brigou ela. — Desde quando uma garota do Norte como eu tem pinta de princesa? Por acaso não me enxerga? Calvin, pelo amor de Deus, não vê que eu posso parecer
qualquer coisa, menos uma fina e delicada princesa? O jovem sorriu. Vê-la vestindo aquela saia lápis preta, um suéter rosa e um lenço preto no pescoço era a visão mais maravilhosa que ele podia desejar. — Eu sei que você gosta de uma canção de meu amigo Luis Miguel. E se gosta, é porque é romântica, sensível e... — Vamos esclarecer uma coisa — interrompeu ela. — Não gosto dessa música que você está dizendo, mas reconheço que há duas canções que de tanto Ana ouvir, no fim, até sei de cor. Levantando a mão com cuidado, Calvin a pôs na boca dela para que se calasse. — Não me importa o que você diga. Nada me fará mudar a opinião que tenho de você. E antes que reclame ou solte alguma de suas delicadezas, deixe-me dizer que estou louco por uma princesa morena e retrô chamada Nekane, de olhos apaixonados e um gênio do capeta. Se você fosse de outro jeito, se não frisasse o cabelo nem tivesse essas tatuagens, garanto que eu nunca a teria notado. Até vestida de gótica eu gostaria de você. — Ah, Calvin, não diga isso! — Gemeu ela, emocionada. Ele balançou a cabeça, deixando escapar um suspiro. — Fique tranquila, eu sei que não sou o homem que você necessita... — Oh, Deus! Cale-se! — E aproximando seu rosto do dele, murmurou: — Eu amo você, maldito homem com nome de cueca. — Mas não de uma cueca qualquer, e sim de cueca com glamour — ironizou Calvin, e Nekane o beijou. Enquanto dentro do quarto Calvin, encantado, voltava a sorrir ao ter sua princesa de novo consigo, do lado de fora Ana conversava com Rocío. — Estou de três meses e meio, e tão emocionada! Mas não vou mentir para você, assustada também. E meu amorzinho, nem te conto. No dia em que lhe contei, daquele tamanhão, ele quase desmaiou. Mas agora me trata como uma princesa. Ele me mima, cuida de mim... e sempre que chega cedo em casa me faz sentar no sofá e me faz massagem nos pés. Ana sorriu. Viver esses lindos momentos com o companheiro devia ser maravilhoso; mas, naquele momento, não queria pensar em sua situação. — Que ótimo! Diga para ele cuidar de você mesmo. — E você, como está? — Gorda, morrendo de fome e sono, mas, de resto, tudo bem — respondeu Ana, suspirando e sorrindo ao mesmo tempo. Durante um bom tempo falaram de suas respectivas gestações, até que, de repente, Ana o viu chegar. No meio de todos aqueles bombeiros Rodrigo não a viu, e ela pôde observá-lo sem ser vista. Ele parecia cansado, e por sua expressão séria, crispado e dolorido. Um dos braços estava em uma tipoia e em seu rosto se viam pequenos arranhões e hematomas; mas o que mais chamou a atenção de Ana foi o olhar dele. Não sabia se estava triste ou irritado. O comentário de um colega fez com que Rodrigo se voltasse para a direita e a visse. Seus olhares se encontraram, e Ana, incapaz de não o cumprimentar, levantou a mão. Sem hesitar, Rodrigo se aproximou, e diante do olhar atento de todos, abraçou-a. Foi o abraço mais longo e intenso que já lhe havia dado. — Que bom que vieram — sussurrou Rodrigo no ouvido de Ana. — Nekane está com Calvin? — Sim — ela conseguiu responder. De repente, aquela presença tão varonil que a deixava louca a dominou de novo por completo e, sem querer evitar, deixou-se abraçar. Isso não pode acontecer de novo... Nããão!, pensou alarmada.
Depois do abraço, Rodrigo se afastou um pouco. Sorrindo, fez que desse uma voltinha diante dele e bagunçou-lhe o cabelo. — Você está linda. Incapaz de pensar com clareza, Ana só conseguiu responder: — Estou feito uma baleia. Não minta, Pinocchio. Mas não, ele não estava mentindo. Ana estava lindíssima com aquele macacão jeans dos Looney Tunes. — Escondendo o jogo, hein, malandro? — Sussurrou Julio, aproximando-se. — Amorzinho, por favor... não seja indiscreto — repreendeu Rocío ao ver a cara dos dois. Ana, disposta a esclarecer o mal-entendido, foi falar quando Rodrigo, sorrindo, disse: — Você sabe que não gosto de falar de minha vida privada; nem da de ninguém. Boquiaberta com aquela resposta, Ana o olhou, e ele deu uma piscadinha. Mas não, não permitiria que ninguém pensasse o que não era. Contudo, quando ia esclarecer aquela confusão, a porta da quarto de Calvin se abriu e saiu Nekane, procurando sua amiga no meio de todos ali reunidos. Quando a viu, caminhou para ela. — Tudo bem? — Perguntou Ana. Nekane, com as emoções a mil, assentiu e a abraçou. Durante alguns segundos as duas amigas ficaram abraçadas, até que a navarra, afastando-se, pegou-a pela mão e a afastou do resto. — Incomoda-se se eu não voltar para casa com você esta noite? — Mas claro que não! Por favor, não diga bobagens! — Quero ficar com ele no hospital — murmurou Nekane, secando as lágrimas —, e... — Neka — interrompeu Ana—, acho uma ideia maravilhosa. Não se preocupe comigo. Vou pegar um táxi para voltar. — E dando-lhe um beijo, disse: — Ande, que o homem com nome de cueca a está esperando. Nekane sorriu, e jogando outro beijo à amiga com a mão, caminhou para o quarto e desapareceu. Durante alguns segundos Ana permaneceu imóvel, até que um movimento do bebê a fez voltar à realidade. Ela olhou ao redor em busca de Rodrigo e o viu conversando com vários colegas. Não localizou Rocío, e decidiu ir embora. Já não tinha mais nada a fazer ali. Sem dizer nada, entrou no elevador, e ao chegar à rua, o ar fresco da noite a fez sorrir. Depois de pôr a jaqueta, começou a andar em direção a uma rua onde se via movimento de carros. De repente, ouviu alguém a chamar. Ao olhar, viu que era Rodrigo. Com passo decidido, ele caminhou até ela. Ao ver que ela havia ido embora, não hesitara em ir atrás dela. Tinha que falar com Ana. — Aonde você vai? — Perguntou ao chegar perto dela. Com uma expressão engraçada que o fez sorrir, a jovem franziu o cenho e respondeu: — Bem, eu estava tentando decidir entre ir dançar ou esquiar. O que você me aconselha? Ele, alegre, pegou-a pelo braço. — Já jantou? — Não, mas mesmo que houvesse jantado, estou com tanta fome que mentiria para comer de novo. Rodrigo sorriu sem soltar-lhe o braço. — Então, vamos jantar. — Que tal irmos àquela hamburgueria ali? — A hamburgueria? — Sim — disse ela rindo. — Você sabe que eu mato por um hambúrguer. Em silêncio, chegaram à hamburgueria. Depois de fazerem o pedido se sentaram, e o nervosismo de Ana quase a fez derrubar a Coca-Cola. Ter Rodrigo de novo tão perto, com sua masculinidade imponente, fazia que se sentisse meio desajeitada. Disfarçadamente, observou-o colocar ketchup no
hambúrguer e de novo notou seu cenho franzido. Parecia preocupado, e isso a entristeceu. Quis passar a mão no cabelo dele com carinho e lhe perguntar por Candela, mas não queria parecer indiscreta. Ora, como posso ser tão boba? Esse sujeito não está nem aí para meus sentimentos e eu aqui me preocupando com os dele. Não tenho jeito mesmo, pensou ela, suspirando. — Bem, como você está? — Perguntou afinal, depois das primeiras mordidas no hambúrguer. — Bem. Por sorte é o braço esquerdo, dá para dirigir com o direito. — Não me refiro a isso — replicou Ana, atraindo seu olhar. — Pergunto como está depois do que aconteceu hoje. Não o conheço muito, mas sei que você é exigente em seu trabalho e tenho certeza de que não parou de pensar no que aconteceu. Seu rosto, em especial seu olhar, fala por si só. Rodrigo se surpreendeu. Como ela sabia? E se rendendo, murmurou: — Sinceramente, irritado comigo mesmo por não ter percebido antes que o teto ia ceder. Sei que é difícil estar atento a todos os sinais em um momento desses, mas... — Você não tem culpa pelo acidente, Rodrigo. As coisas às vezes acontecem porque têm que acontecer e pronto. Você não deve fica remoendo o assunto, senão, vai ficar louco. Nesse momento o rapaz levou à mesa os anéis de cebola que haviam pedido. — Hummm, que cara boa! — Exclamou Ana. Rodrigo sorriu enquanto ela colocava um anel de cebola na boca e soprava, de tão quente que estava. — Isso não é muito forte para você? Ana negou com a cabeça, e depois de engolir outro, tomou um gole de Coca-Cola. — Depois de comer picles com creme de avelãs todos os dias em casa, nada é forte para mim. E coma seu hambúrguer, porque quando eu acabar o meu, sou capaz de comer esse aí também. Rodrigo gargalhou, e atendendo-a, começou a comer. Durante um tempo falaram sobre Guau, o cachorro do irmão de Rodrigo, até que de repente ele disse: — Desculpe não ter ligado todo esse tempo. — Sem problemas, eu entendo. O que aconteceu foi... bem, talvez tenha sido melhor assim. — Ana, eu não agi bem com você. — Nada disso — interrompeu ela. — Quem pisou na bola com mentiras fui eu. Portanto, se alguém não agiu bem, esse alguém fui eu. — E ao ver como ele a olhava, esclareceu: — E, antes de continuar, deixe-me pedir desculpas de novo pelo que aconteceu. A mentira fugiu de meu controle com meus pais, e eu... eu estava tão confusa com tudo que não sei por que fiz aquilo. E quanto ao que fizemos e ao que eu falei sobre meus sentimentos por você, já está esquecido. Acho que meus malditos hormônios cegaram minha mente e... — Você sentia mesmo algo por mim? E sinto, pensou Ana, mas com fingida indiferença, colocou uma batata com ketchup na boca e disse: — Sim, Rodrigo, confesso. Eu me apaixonei por você como fazia tempo que não me apaixonava por ninguém. Mas, fique tranquilo, são águas passadas, e não se fala mais nisso! — E ao ver que ele a escrutava com seus olhos azulados, nervosa, acrescentou: — Quanto ao fato de você não ter me ligado todo esse tempo, juro que entendo. Quando encontramos alguém especial, só estamos disponível para a pessoa. Eu compreendo. — Candela e eu não estamos juntos — ao escutar aquela bomba de informação, Ana olhou para ele. Rodrigo prosseguiu: — Depois do que aconteceu no dia em que almoçamos com seus pais, ficamos juntos mais três dias, até que o ex-marido dela apareceu e ela, esquecendo novamente que eu existia, decidiu voltar para ele... e o dinheiro dele. — Como é que é?
— Isso mesmo. Você tinha razão quando me advertiu dizendo que algumas pessoas não mudam. Ela, minha mãe e o marido tinham um mesmo propósito e... — Sua mãe e Ernesto estavam metidos nisso? — Sim. Pelo visto, Ernesto, por assuntos do trabalho, continua em contato com ela, e ao saber que Candela estava com problemas com o marido, disse-lhe que eu continuava solteiro. O resto acho que você pode imaginar, não é? — E como você está? — Zangado com minha mãe. O marido dela não me interessa. Depois de um silêncio, Ana levou outro anel de cebola à boca. — Posso lhe perguntar uma coisa? — disse. — Sim. — Por que não se dá bem com Ernesto? Rodrigo sorriu e se recostou na cadeira. — Ele foi o culpado por meus pais se separarem, e nunca o perdoarei. Mas minha mãe estava cega por ele, e, no fim, não só se separou de meu pai, como também se casou e o levou para nossa casa. — Apertando a mandíbula, Rodrigo sibilou: — Esse idiota sempre foi uma pessoa com normas muito rígidas, mesmo vivendo em minha casa; e eu, talvez por ser o mais velho, não aceitava essas condições. Mas minha relação com ele azedou definitivamente quando, um ano depois de eu sair de casa, ele tentou internar Álex por causa de sua deficiência. Juro que eu o teria matado. Meu irmão é a pessoa mais bondosa que existe neste mundo, e a última coisa que merece é ser afastado da família por ter síndrome de Down. No fim, meu pai e eu conseguimos impedi-lo. Mas quando meu pai tentou conseguir a custodia de Álex, Ernesto, o maravilhoso advogado que minha mãe venera, impediu-o, e, bem... por isso meu irmão mora com eles. — Nossa! — É... Ele não quer ficar com Álex. Sua presença o incomoda. Mas também não permite que viva comigo ou com meu pai. É estranho explicar, mas é assim. — E ao ver a expressão dela, acrescentou, para mudar de assunto: — E voltando ao tema inicial, dessa vez fui cauteloso com Candela, e apesar de ela ser uma mulher linda, quando voltou para o marido rico nem me importei. Ao contrário, eu me senti até livre do compromisso que eu mesmo me estava criando. Mas a armação de minha mãe me doeu. — Sinceramente — acrescentou Ana —, acho que sua relação com Candela e sua mãe fez você desenvolver uma carapaça contra as mulheres. — Sim — assentiu ele, rindo. — Para me divertir adoro vocês, mas em um nível mais pessoal, não quero nada sério com nenhuma. — Mas nem todas as mulheres são iguais — disse Ana, incluindo-se. — Tenho certeza de que você se surpreenderia se... — Não, Ana; não quero sofrer de novo. Sofri tanto quando Candela me deixou que prometi a mim mesmo nunca mais sofrer por amor. — Eu entendo — insistiu ela —, mas talvez esteja enganado. Talvez você devesse tentar conhecer uma mulher. Mas quando digo “conhecer”, quero dizer saber tudo dela. Seus gostos, suas manias. Não só conhecê-la intimamente na cama no primeiro dia. Tenho certeza de que aí fora há uma garota esperando que você olhe para ela e perceba que na vida nem todas as mulheres são malvadas. — Você é malvada? — Sou a pior! — Afirmou Ana para fazê-lo sorrir, pois não gostava de vê-lo naquele estado. — Mas não parece. — Isso é porque você nunca quis me conhecer. Se houvesse me conhecido de verdade, com certeza pensaria de outro jeito... Ambos sorriram, e Ana, sem poder evitar, perguntou:
— Sua mãe te contou que esteve em minha casa? Rodrigo parou de mastigar e franziu o cenho. — Ela esteve em sua casa? Quando? — No último dia em que nos vimos — respondeu Ana, omitindo que estava bêbada. — Quando voltei para casa, ela apareceu de repente e trocamos algumas palavrinhas. — Caralho, Ana! Desculpe, eu não sabia. — Não se preocupe, não foi nada. Simplesmente eu deixei claro que o bichinho não era seu diante da ameaça dela de pedir um teste de paternidade quando nascesse. — Ele ficou boquiaberto e foi dizer algo, mas ela prosseguiu: — Lamento se fui brusca com ela, mas ninguém me ameaça. Nem mesmo sua mãe. Vou lhe dizer uma coisa: a minha é bem chatinha, mas a sua! Depois de um jantar com uma conversa animada, quando acabaram e saíram da hamburgueria, Rodrigo disse: — Vou acompanhá-la até sua casa. — Acho que você deveria ir para casa descansar — apontou Ana, segurando-lhe o braço bom. — Hoje foi um dia complicado para você, e tenho certeza de que está acabado. Vamos, o primeiro táxi que chegar é seu e... — Tem razão — disse ele —, mas antes, vou acompanhá-la até sua casa. Rodrigo levantou o braço para parar um táxi. Durante o trajeto, continuaram falando e rindo sem parar, e quando chegaram ao edifício de Ana e o táxi parou, ele perguntou: — Não vai me convidar para beber alguma coisa? Não estou a fim de ir para casa ainda. Ana olhou-o e, após sentir um chute do bebê e uma palpitação, assentiu. — Tudo bem, mas só vou lhe dar água ou suco de laranja. Nesse estado você não deve beber álcool. Depois de pagar o taxista, entraram no edifício e pegaram o elevador. Quando entraram na casa de Ana, Miau foi recebê-los, e Rodrigo, feliz, pegou-o. Depois que Ana pegou na geladeira um suco de laranja para ele e outro para ela, sentaram-se no sofá da sala. — Contou a seus pais a verdade sobre nós? — Perguntou Rodrigo. — Não — e ao ver como ele olhava para ela, acrescentou: — Tudo bem, eu sei o que você pensa, mas não encontrei o momento propício para lhes contar. Mas, fique tranquilo, vou resolver isso. — Ainda quer que eu a acompanhe ao casamento de sua irmã? — Você faria isso? — Perguntou ela, surpresa. — Sim — assentiu ele. Escutar aquela simples palavra foi uma liberação para Ana, tanto que pulou do sofá e gritou com os braços erguidos: — Oh, yes! Oh, yes! Oh, yeeeees! — Assim — comentou ele, rindo —, quem ouvir vai pensar que você está se dando muito, mas muito bem. Ao ver que ele tinha razão, sentou-se, vermelha como um tomate por ter se deixado levar pelo momento. — Vou te agradecer pelo resto da vida. — Mas eu tenho duas condições. Ela o olhou, atônita, e com ironia, murmurou: — Você é quem manda, bombeiro. — A primeira — disse ele, sorrindo —, é que depois do casamento você fale claramente com seus pais e resolva toda essa confusão. E a segunda, que volte a ser minha amiga de alma. Sinto falta de nossas conversas divertidas, e...
— Aceito sua primeira condição e entendo — interrompeu ela. — Quanto à segunda, aceito se me deixar incluir um pequeno detalhe. — Você é quem manda, fotógrafa. — Quero deixar bem claro que quando o bichinho nascer, pretendo recuperar todo o meu sex appeal, e você não vai entrar no jogo — e atrevida, acrescentou: — E garanto que sou bem atraente. Sem saber por que, Rodrigo não gostou da exclusão. — Então, estou excluído? — Totalmente. — Mas isso é injusto — queixou-se ele, rindo. — Nada disso, é justíssimo. Ainda lembro perfeitamente que você deixou bem claro que eu não sou seu tipo de mulher. Ele assentiu. — Tudo bem, prometo não olhar para você com outros olhos que não sejam de amigo, amigo... amigo. — Ai!!! — Que foi? — Perguntou ele assustado, ao vê-la tocar a barriga. — Dê a mão aqui, depressa — e pousando a mão dele sobre seu ventre, murmurou: — Está sentindo? Viu como se mexe? Rodrigo a olhou, boquiaberto, e assentiu. Nunca havia tocado uma barriga como aquela, e menos ainda percebido o movimento de um bebê ali dentro. — Dói? — Não — disse ela, e sorriu. — É uma sensação estranha, mas não dói. Assim ficaram alguns minutos, até que o bebê parou. Se alguém os visse naquele momento, pensariam que eram a viva imagem do amor. Ambos se olhando nos olhos, enquanto Rodrigo, com cara de bobo, tocava com a mão saudável a barriga de Ana. Meu Deus, eu o beijaria loucamente agora, pensou Ana ao tê-lo tão perto. Mas disposta a quebrar aquele momento íntimo e estranho, disse, tirando a mão dele de sua barriga: — Sabia que meu bichinho é um menino? — Um menino? — Perguntou ele, voltando à realidade após o momento vivido. — Sim. — E como vai se chamar? Porque, conhecendo você, é capaz de chamá-lo de Menino! Ambos gargalharam, e ela por fim respondeu: — Não sei ainda. — Como não sabe? — Enquanto eu não vir sua carinha, não vou saber que nome lhe dar. Rodrigo estava gostando da luz nos olhos dela, a felicidade em seu rosto e aquela intimidade. E disposto a continuar, perguntou: — Está contente? — Sim, muito, tão contente quanto se fosse uma menina — Rodrigo sorriu. — Neka e eu estamos dispostas a mimá-lo. Já compramos brinquedos que ele não deveria ter, e nós brincamos com eles. A propósito, Lego é demais! Outro dia, nós duas montamos um carro de corrida e uma moto, precisa ver. E vimos uma caixa para montar um carro de bombeiros; assim que pudermos, vamos comprá-la — ambos riram. — Eu já abri uma poupança no nome dele para que, no futuro, quando fizer dezoito anos, possa comprar um lindo carro para sair com as meninas. Rodrigo sorriu e, deixando-a aturdida, disse com voz rouca: — Você é a mulher mais fantástica que já conheci na vida. Impressionada com o modo como ele a olhava, Ana deu de ombros, e tocando a barriga para evitar o impulso de se jogar no pescoço dele, murmurou, fazendo-o rir de novo:
— Tudo bem... mas não vá se apaixonar por mim!
13
No dia 17 de abril Calvin saiu do hospital. Sua melhora era evidente, e a história com sua princesa continuou. Discutiam o tempo todo, mas se algo havia ficado claro no dia do acidente era que não podiam mais viver longe um do outro. Nesse meio tempo, a relação de amizade entre Rodrigo e Ana foi retomada, com mais força que antes. Iam juntos ao cinema, ao teatro, ver musicais que Ana adorava, e sempre que seus horários lhe permitiam, Rodrigo revezava com Nekane para acompanhar Ana às aulas de preparação para o parto. Embora nunca houvesse ido a um lugar desses antes, de repente ele começou a gostar. Ana, por sua vez, ia com ele comprar roupas; Carolina e Álex, os irmãos dele, iam juntos muitas vezes. Eles gostavam de sair com os dois. Ana e Rodrigo juntos eram divertidos, e adoravam estar com eles. Uma tarde, Ana os surpreendeu com uns ingressos de teatro. Álex, ao ver o logotipo das entradas, gritou, enlouquecido. Iam ver o musical Grease, que se apresentava na Gran Vía madrilense. Rodrigo se emocionou com essa gentileza da parte dela e riu às gargalhadas ao ver seu irmão tão excitado com seu ingresso na mão. Álex adorava aquele filme, e Ana, que sabia, falou com uma amiga que trabalhava na companhia, que lhe arranjou os ingressos. Aquela tarde, Álex, vendo o espetáculo Grease, foi o garoto mais feliz do mundo. Ele aplaudia e dançava as canções do filme que tantas vezes havia visto, e Ana dançava e aplaudia com ele. Rodrigo curtia a felicidade de seus irmãos com Ana, e sabia que a amizade com aquela mulher sempre seria muito especial. Naquela época, a marca Intimissimi, de roupa íntima feminina, fez uma encomenda a Ana. Queriam fazer um calendário sexy e provocante com suas peças para 2013. Durante dias Ana e Nekane amadureceram a ideia, até que, certa tarde, encontraram a definitiva. — Já sei — anunciou Nekane, rindo. — O que acha de bombeiros e lingerie sexy? Podemos reunir no calendário a sensualidade e o fetiche e recriar sonhos ou desejos despertados pelos dois. Cada mês um sonho pecaminoso! Por um lado, nós, mulheres, ficamos excitadas com a sensualidade dos bombeiros, e eles, como bons machos, com lingerie sexy. Depois de mergulhar um pepino em conserva no pote de creme de avelãs e morder, Ana assentiu. — Caramba, Neka! Vai ser demais! Vamos chamá-lo de “Fogo e sensualidade”. — Uau! Isso mesmo! — Acho que você teve uma ideia genial — parabenizou Ana, sentando-se no sofá. — Pelo que Gerard me disse, eles pretendem dar o calendário de presente aos clientes que comprarem suas peças. E já sabe que a Intimissimi vende uma barbaridade. — Meu, Deus! Imagine só todas as clientes, começando por mim, saindo com uma calcinha na sacola e o calendário embaixo do braço. Ambas riram, e Ana acrescentou: — Sejamos realistas. Nós, mulheres, ficamos malucas com bombeiros, e ainda mais quando já os idealizamos... — Ora, gorda... — interrompeu Nekane —, as mulheres os idealizam porque muitas são loucas por uniformes. Mas o melhor de tudo é que nós conhecemos pessoalmente esses supermachos, que podem nos pôr em contato com outros supermachos. Nossa! Tive uma ideia!
— Bichinho, cuidado — disse Ana rindo e tocando a barriga. — O que acha de fazermos um casting para encontrar os bombeiros mais sexy da Espanha? Podemos mandar um e-mail para os diversos grupamentos falando do projeto, e talvez alguns se inscrevam. — Bem, Neka, mas, em troca, teríamos que lhes dar alguma coisa — e, de repente, sorrindo, acrescentou: — Já sei! Vou ligar para Gerard e lhe contar nossa ideia. Se ele concordar com o que vou lhe pedir, falamos com Calvin e Rodrigo para que nos deem os e-mails de todos os grupamentos. Meia hora depois Ana desligou o telefone, e com um sorriso e o polegar erguido, disse: — Ótimo! Gerard achou o projeto louco e sexy. Em troca, durante o ano de vigência do calendário, a empresa cederá aos grupamentos dos bombeiros participantes cinco por cento da receita das vendas de lingerie. O que você acha? — Excelente, menina... excelente — disse Nekane, rindo. Naquela noite, quando Ana ligou para Rodrigo para lhe contar, ele gargalhou. Fazer calendários com bombeiros era um tema bem batido. Mas quando ela comentou que a empresa doaria cinco por cento sobre as vendas das peças aos grupamentos dos bombeiros que participassem, a coisa mudou. Eles precisavam de novos equipamentos, e esse poderia ser o jeito de conseguir. Dois dias depois, a caixa de entrada do e-mail de Ana estava abarrotada de mensagens. Muitos bombeiros queriam participar. No fim de abril foi aniversário de Nekane, e Calvin a surpreendeu mandando dois mariachis com sombreros e violão à porta de sua casa para cantar Las Mañanitas. Ana, ao ver aqueles homens na porta de sua casa cantando aquela doce canção, de mãos dadas com sua amiga, chorou. Seus hormônios a deixavam completamente descontrolada, e não podia se conter. Depois de um dia de trabalho e de receber duzentas ligações, à noite a navarra foi a sua festa, em um pub próximo de casa. Mais de trinta pessoas, incluindo Calvin, ainda fraco, Popov e sua namorada, Rodrigo e Ana, e outros amigos, aplaudiam enquanto ela soprava as velas. Depois dos presentes, o divertido grupo decidiu cantar no karaokê, e todos morreram de rir ao escutar Popov, com sotaque russo, cantar Ai pena, penita, pena a Esmeralda. — Você vai cantar? — Perguntou Ana a Rodrigo, sentada ao lado dele. Ele a olhou e tomou um gole de cerveja, esboçando um sorriso. — Nem morto! Essas palavras, e em especial a cara dele, fizeram Ana gargalhar. Ela sabia muito bem que Rodrigo jamais faria uma coisa dessas. Ele era sério e reservado demais para subir ao palco. De repente, Nekane se sentou ao lado de sua amiga, e com o livrinho das canções na mão, perguntou: — Qual vamos cantar? Ana, divertindo-se com a descontração do momento, observou a lista de canções e apontou uma. Emocionada, Nekane aplaudiu, levantou-se, e antes de se afastar, gritou: — Ande, levante essa bunda daí que somos as próximas! Surpreso com aquela faceta que ele não conhecia, Rodrigo olhou para Ana. — Você vai cantar? — Sim. — Sério? — Disse Rodrigo rindo, ajudando-a a se levantar. —Sim, uma canção da grande Tina Turner. Rodrigo soltou uma grande gargalhada. — E você não tem vergonha de cantar na frente de toda essa gente? Ana olhou a seu redor, e ao ver todos felizes, divertidos e desinibidos, deu de ombros e murmurou antes de ir: — Fique tranquilo, está tudo sob controle. Neka e eu somos profissionais do microfone. Não há
karaokê que resista a nós! Ele assentiu, animado, e a deixou passar. E quando Popov terminou sua canção e todos aplaudiram, Nekane e Ana subiram ao palco. Em meio a assobios, aplausos e gritaria, a música começou, e elas começaram a cantar. Surpresos, Calvin e Rodrigo se olharam enquanto elas cantavam segurando seus microfones. Realmente, não eram tão ruins. You’re simply the best, better than all the rest, better than anyone, anyone I’ve ever met! Muito interessado, Rodrigo não tirou os olhos do palco enquanto Ana, com sua barriga, cantava e dançava com um sorriso de orelha a orelha, divertida e entusiasmada. Quando terminou a canção, as duas jovens, de mãos dadas, agradeceram ao público, e rindo, voltaram a seus lugares. — Princesa, como diz a canção, você é a melhor! — Disse Calvin, abraçando-a. Quando Ana se sentou ao lado de Rodrigo, estava com calor. Rapidamente ele lhe ofereceu o copo de suco. — Você canta muito bem. Tem uma voz linda. — Obrigada... Sempre gostei de cantar! Ele a observava enquanto ela ria e falava com os amigos de Nekane. Aquela moreninha, tão diferente das mulheres com quem ele costumava sair, cada dia o surpreendia com algo novo, e aquela noite havia sido com sua voz incrível. Às duas da madrugada, quando Ana voltou do banheiro pela décima quinta vez, notou que Rodrigo olhava com atenção para a pista onde as pessoas dançavam. Curiosa, parou para ver quem ele estava olhando, e não se surpreendeu ao comprovar que observava com atenção Lydia, a sempre linda do grupo. A raiva a fez soltar um palavrão, mas, de repente, ao se ver refletida no espelho em frente, suspirou. Era lógico que não só Rodrigo, como também o resto dos homens, não olhasse para ela. Quem iria reparar em uma grávida? Querer competir com Lydia, linda e sexy, de vestido azulão de lycra e botas de cano alto, era missão impossível. Ciente de que era batalha perdida, decidiu agir de acordo com sua situação e admitir de uma vez por todas que Rodrigo era algo impossível. Esboçando um sorriso no rosto, seguiu seu caminho e se aproximou dele. — Não vai dançar mais? — Perguntou ele, sorridente, ao vê-la chegar. Ana pegou seu suco de abacaxi e bebeu de um gole só. — Não aguento mais. Estou exausta — e ao ver que Rodrigo tornava o olhar para Lydia, disse, aproximando-se: — Quer que te apresente? — Quem? — Ora, não precisa disfarçar! A garota que você está olhando. A de azul. Rodrigo sorriu; achava divertido ver que Ana reparava em tudo. — Você a conhece? — Sim. Ela é muito legal. — E muito linda — acrescentou Rodrigo. — Sim — suspirou Ana, resignada. — E se bem me lembro, solteira. Ele assentiu, mas deu uma piscadinha, e deixando-a aturdida, disse: — Sabe? Prefiro continuar aqui com você. Alguém tem que vigiá-la para que não coma todas as batatas fritas e os petiscos. — Pare com isso! — Brincou ela, dando-lhe um tapa no ombro. — Além do mais, hoje você teve um dia puxado, e chorou com Las mañanitas...
— Ah, não me faça lembrar que ainda fico emocionada e vou chorar de novo — gemeu ela, e seus olhos se encheram de lágrimas. — Nunca vi uma mulher chorar tanto — afirmou Rodrigo, sorrindo. — São meus hormônios! — defendeu-se ela. — Não sou tão chorona. — Tudo bem... Não quero duvidar, acredito em você! Toda boba e feliz por ele ter preferido ficar com ela, foi dizer algo, quando ouviu: — Ana, há quanto tempo que não a vejo! Tudo bem? Ao se voltar, ficou petrificada. A impressionante Lydia, com seu vestido de lycra, estava ali mostrando seu melhor sorriso. Maldita sorte! Depois de trocarem futilidades, Ana decidiu acabar com aquele fingimento, e olhando para o bombeiro, disse: — Rodrigo, esta é Lydia. Lydia, Rodrigo. Quando os dois se cumprimentaram e começaram a conversar, Ana olhou por cima do ombro de Rodrigo, disposta a sair do caminho. — Com licença, acho que Esmeralda está me chamando — e dito isso, desapareceu. Sem olhar para trás, foi até o outro lado, e apoiando-se no balcão, chamou o garçom e pediu uma água sem gás. Neste momento, Nekane chegou. — Tudo bem? — Sim... tudo maravilhosamente bem — respondeu Ana, como se quisesse ganhar o Oscar de melhor atriz. Uma vez já havia sido humilhante o suficiente; duas, era idiotice. — Meu Deus, Neka, eu mataria por um bom Bacardi com Coca-Cola. Estou farta de suquinhos. A propósito, Gisela me disse que Mario, aquele gato, estará na Alemanha em setembro. Será que vamos nos encontrar? Nekane olhou para sua amiga com surpresa, e sorrindo, acrescentou: — Primeiro: se Mario vai para a Alemanha, com certeza vai procurar você; ele sempre faz isso! Segundo: em setembro você não estará mais grávida, de modo que vai poder acabar com sua abstinência sexual. E terceiro: nada de Bacardi agora, senão, juro que bato em você. — Eu sei, boba... eu sei. Mas juro que o dia que puder, vou beber tudo que não bebi durante a gravidez. Nesse momento, Nekane viu Rodrigo conversando animadamente com Lydia. — Viu com quem Rodrigo está? — Perguntou a Ana. Ana assentiu, e sem apagar o sorriso, olhou para onde estava o bombeiro. — Sim, com Lydia. Acabei de apresentá-los. — Você os apresentou? — Perguntou Nekane com espanto. — Sim. Eu conheço Rodrigo, ela é do tipo dele. — Ela é muito legal. — Sim, e também é linda, tem estilo, loura, e, o mais importante, tem seios grandes. E isso, nosso amigo Rodrigo adora! A frieza que Ana mostrava diante daquela situação chamou a atenção de Nekane, que pensou em aprofundar o assunto para saber se sua amiga realmente já não se importava com o que o outro fizesse. — Neka... estou morrendo de sono. Você vai ficar brava comigo se eu for embora? — Mas vamos cantar no karaokê de novo! Como você vai embora? — Neka... estou morta, acredite. A navarra notou as olheiras de Ana e assentiu. — Vou dizer a Rodrigo que a acompanhe. Segurando-a com rapidez, Ana a deteve, e com um sorriso que aturdiu Nekane ainda mais, murmurou: — Nem se atreva a cortar a onda dele. Não vê que ele está com Lydia? Portanto, feche essa sua
boca cheia de dentes e não diga nada, entendeu? Popov, de braço dado com sua namorada, se aproximou. — Que foi? — Perguntou. — A gravidinha aqui quer ir embora — respondeu Nekane, chateada por sua amiga ir embora tão cedo da festa. — Normal — assentiu Esmeralda, deixando a navarra aturdida. — Ela está com carinha de cansada. Ana assentiu com olhos de cachorrinho abandonado. Os dois eram sua oportunidade de fugir dali. — Ande... nós a levaremos para casa — ofereceu Popov. E como viu que Nekane ia protestar, acrescentou: — Ouça, navarra, eu adoro você, mas esses seus amigos tão... tão roqueiros me tiram do sério! Dois minutos mais tarde, depois de se despedir só de Nekane, os três foram embora do pub. Ana, com um sorriso pré-fabricado no rosto e dor no coração por deixar Rodrigo ali, entrou no carro de Popov, e quando chegou em casa, depois de cumprimentar Miau e Pío, adormeceu. Não queria pensar.
14
Era dia 11 de maio e as pessoas se amontoavam nas entradas do Palácio dos Esportes de Madri esperando sua vez de entrar para curtir o show de Luis Miguel. — Popov e Esmeralda estão chegando! — Gritou Ana, dando pulos de alegria. Quando eles a viram, aproximaram-se. — Mulher, pare de pular que o bebê vai sair! — Aconselhou Esmeralda depois de beijá-la. — Calvin, achei que você não viria. Não perde uma, hein? — Disse Popov ao ver o rapaz de muletas. — Ele não devia estar aqui — protestou Nekane —, mas como é muito cabeça-dura, aqui estamos. Um esbarrão, e vamos ter que correr para o hospital. O jovem, após cumprimentar Popov e a namorada, sorriu. — Por nada deste mundo eu perderia o show de meu amigo. E ainda mais depois de convencer minha princesa a me acompanhar. — Pois você podia ter dito a seu amigo que nos deixasse entrar pela área VIP — brincou Popov. Calvin pegou o celular no bolso com um sorriso nos lábios. — Querem que eu ligue para ele? Tenho o telefone dele, mas talvez agora não seja um bom momento. Acharam o gesto divertido. — Deixe... depois você fala com ele... no chuveiro, ou algo assim — disse por fim Popov, com ironia. Nekane suspirou, angustiada. — Quem diria que eu estaria aqui? O que estou fazendo aqui!? — Pois é! — assentiu Popov. Aquilo era, no mínimo, inaudito! — Mas que boba! — brincou Esmeralda. — Você vai ver como vai se divertir. Luis Miguel é muito Luis Miguel, você vai adorar. Ana, que estava bebendo água, sorriu. Se lhe houvessem dito, meses atrás, que sua amiga Nekane iria ver Luis Miguel, ela teria gargalhado. Mas ali estava, de mãos dadas com o namorado e feliz. — Julio, Rodrigo, Rocío e Alicia estão chegando. Ana e Nekane se olharam. O que Rodrigo estava fazendo ali? De repente, Ana reconheceu Alicia. Era a loura que havia entregado o cachorrinho aquele dia, com quem Rodrigo havia ficado em várias ocasiões. Com um sorriso encantador, Rocío se aproximou, e após cumprimentá-las, comentou no ouvido de Ana: — Não sei como você pode encarar isso tão bem. — O quê? Rocío, disfarçadamente, apontou para a loura, que de mãos dadas com Rodrigo, sorria encantada. — O fato de ela estar aqui — pontuou, abraçando Ana. — Ah, sinto muito. Em seu estado, ter que aguentar isso, deve ser muito embaraçoso. — Rocío — esclareceu Ana, cansada de que pensasse o que não era —, o bebê não é de Rodrigo. Ele e eu somos só bons amigos.
— Como? — Disse Rocío, espantada. — Mas... mas nós achávamos que... — Sim, eu sei o que vocês achavam, mas ele e eu somos só amigos, nada mais. Neste momento, Rodrigo se aproximou, deu-lhe um beijo no rosto e perguntou, tocando-lhe a barriga com toda a naturalidade: — Olá, linda! Como estão os dois hoje? — Ótimos — respondeu ela, simplesmente. Sem notar nada além da loura que tinha a seu lado, Rodrigo disse: — Ana, esta é Alicia. — Prazer — disse Ana, confeccionando um sorriso maravilhoso. — Igualmente — respondeu a loura, observando a barriga proeminente. Rocío se apoiou em seu marido e suspirou; não conseguia entender a estranha relação que havia entre aqueles dois. As pessoas da fila começaram a entrar, e Rodrigo se voltou para pegar a mão de sua acompanhante. A partir desse momento, não tornaram a trocar nem mais uma palavra. Rodrigo estava totalmente entregue à causa de beijar sem parar a jovem loura. Depois que se acomodaram nos lugares que Calvin havia mandado comprar para todos no Palácio dos Esportes, o show começou e a loucura tomou conta do lugar. Luis Miguel sabia cativar o público, e até Nekane parecia curtir. A única que não curtia era Ana. Escutar as canções românticas de Luis Miguel e ter Rodrigo a menos de um metro beijando outra e sorrindo feito um bobo estava estragando o show. Nekane se aproximou do ouvido da amiga e murmurou: — A mim você não engana com sua frieza, linda; e digo uma coisa: se voltar a olhar para ele, juro que pego você e... — mas ao ver a nova expressão de sua amiga, olhou e sibilou: — Caralho! Você viu até onde essa fresca está enfiando a língua nele? — Vou acabar vomitando. — Nem pense nisso — protestou Nekane. — Hoje você não vomitou, e... caraaaalho! Essa mulher é uma loba! Viu, onde está com a mão agora? — Na “mala” dele, sem dúvida. Então, as duas amigas se olharam. A situação era tão surrealista que no fim caíram na gargalhada. Rodrigo as olhou e sorriu. Adorava ouvir Ana rindo. No fim, a navarra, abraçando Ana, se interpôs no campo de visão dela e disse: — O que acha de curtir o show e ignorar esse sujeito? Sente-se com Popov e cante, grite e curta. Você gosta de Luis Miguel, está com seus amigos, e finalmente eu vim ver um show desse sujeito. Caralho, veja o lado positivo. Não vá se lembrar disto como uma tortura só porque ele e essa aí estão aqui. Ana pensou um momento no que sua amiga dizia, e a verdade era que Neka tinha razão. A partir daquele instante, não voltou a olhar para ele e curtiu o show. Junto com Popov, Esmeralda e Rocío, gritou e descontraiu. Quando, com cerca de uma hora de show, tocaram as primeiras notas de O tú, o ninguna, todas as mulheres e alguns homens do público que abarrotava o Palácio dos Esportes começaram a gritar, e então, aconteceu algo que deixou todos sem palavras. Luis Miguel, antes de começar a cantar, disse: — Esta canção, meu grande amigo Calvin quer dedicar a sua namorada — e, sorrindo, acrescentou, em meio à gritaria, quando um holofote se acendeu sobre Calvin e Nekane: — Calvin, agarre bem sua princesa e dance coladinho com ela, mesmo com a perna quebrada. Esta vai para você, Nekane! Dito isso, o Palácio dos Esportes explodiu em aplausos. Nekane, boquiaberta e deslumbrada, não sabia onde se enfiar, e Calvin, feliz, sorria orgulhoso. Rodrigo e Ana se olharam e aplaudiram. Calvin conhecia mesmo o cantor Luis Miguel? Quando o holofote se apagou, todos os amigos olharam o jovem machucado, e este, levantando a mão, gritou:
— Eu disse que ele era meu amigo! Ainda atônita, Nekane o beijou, e Calvin a pegou pela cintura. — Dançar não posso ainda, princesa, mas posso beijá-la, abraçá-la e amá-la como você merece. — Oh Deus, Calvin, eu te amooooooo! Nesse momento, Luis Miguel começou a cantar aquela balada romântica linda, e sob o olhar emocionado de Ana, Nekane se rendeu definitivamente ao homem com nome de cueca.
15
O dia 26 de maio chegou. O tão temido dia para Ana, o casamento de sua irmã. Tornar a ver as pessoas que há anos não via era o que menos lhe apetecia, mas ali estava no cartório, com uma barriga descomunal, sentada ao lado de Rodrigo, lindíssimo, enquanto via sua irmã e seu mais novo marido trocando alianças. Foi uma cerimônia breve, nada a ver com a celebração, que evidentemente aconteceu no melhor hotel de Londres, com a presença, nada mais nada menos, de 862 pessoas. Teresa, a mãe da noiva, elegantíssima com seu vestido Armani azul-escuro, de braços dados com Rodrigo, que estava lindíssimo com seu terno preto, cumprimentava os convidados. Enquanto Ana, com um vestido de corte imperial verde água que a favorecia muito e seu cabelo preto curto penteado para trás, estava de braços dados com o seu pai. Rodrigo estava impressionado. Não parava de se surpreender cada vez que a mãe de Ana lhe apresentava alguém; o último foi o primeiro-ministro, David Cameron. A seu lado, Ana falava com total tranquilidade com os atores Colin Firth e Hugh Grant, e a seguir aproximou-se Kate Winslet, que mostrou ser uma mulher muito risonha. Durante horas Rodrigo cumprimentou todos com um grato sorriso, e quando por fim se sentaram para jantar à mesa que a noiva e sua mãe haviam preparado com cuidado, ficou embasbacado ao ver David Beckham diante dele. — Que foi? — Perguntou Ana, se aproximando. — Estou tão impressionado com tudo que vejo a meu redor que não sei se vou conseguir jantar. Divertindo-se com o comentário, Ana sorriu e ainda se aproximou mais. — Como sua mãe se sentiria sentada aqui? — Em casa. Ambos riam quando ouviram: — Ana Elizabeth, é você? O sobressalto que aquela voz causou em Ana foi perceptível até para Rodrigo, que levantando o olhar, encontrou um homem todo engomado, mais ou menos da sua idade e muito inglês. Com o coração a mil, Ana se levantou, e cravando o olhar no recém-chegado, sorriu e exclamou: — Warren, que alegria vê-lo! O homem a escaneou com o olhar, e ao ver a barriga proeminente, murmurou: — Igualmente. Quantos anos se passaram? Cinco? Seis? — Sete — precisou Ana. Rodrigo se levantou. Não sabia por que, mas havia notado desconforto na expressão de Ana. Pegando-a pela cintura, deu-lhe um beijo na cabeça. Então, estendeu a mão àquele estranho. — Sou Rodrigo Samaro. — Nós nos conhecemos? — Perguntou o homem engomado enquanto o observava e concluía que nunca havia visto aquele sujeito nem ouvira falar dele. — Ele é... é meu namorado — murmurou Ana, tocando a orelha. O intruso o olhou com uma cara que não agradou a Rodrigo, mas apertando-lhe a mão, disse: — Warren Follen, um velho amigo. Ana, ao ver que Rodrigo ficara estático depois de ouvir o nome, sorriu. Será que ele lembrava o
que lhe havia contado? Disposta a fazer que aquele encontro acabasse depressa, acrescentou: — Foi um prazer vê-lo, Warren. Agora, se nos der licença, vão servir o primeiro prato, e acho que é melhor nos sentarmos antes que mamãe tenha um troço. Você a conhece. O homem assentiu, e depois de dar dois beijos no rosto de Ana, afastou-se. Quando se sentaram, Rodrigo, com um sorriso, murmurou para fazê-la rir: — Você precisa evitar tocar a orelha cada vez que mente. Isso a delata — mas ao ver a expressão confusa dela, pegou-lhe a mão para atrair sua atenção. — Que foi? — Nada... — balbuciou ela abanando-se com o guardanapo. — Não se preocupe, não é nada. De repente, Rodrigo, ao ver como ela olhava de soslaio o homem, que se sentou duas mesas a sua direita, intuiu algo. — Como é mesmo o nome desse sujeito? — Warren... Warren Follen. E por fim, ao escutar de novo o sobrenome, ele entendeu. Aquele devia de ser o ex-namorado de Ana, do qual ela não guardava boas lembranças. — É quem eu penso que é? — Warren é um amigo, só isso — E tentando brincar, sussurrou: — Agora, vamos curtir a comida. Mamãe contratou os melhores para que tudo seja delicioso, e estou quase comendo a toalha de mesa. Mas Rodrigo não estava disposto a abandonar a conversa. — É ele, não é? Ela não respondeu, de modo que, aproximando-se do rosto dela, tornou a perguntar, baixinho, para que ninguém os ouvisse: — Esse imbecil foi quem... Incomodada com aquela pergunta, Ana cravou seus lindos olhos verdes nele e sussurrou: — Sshh! Calado. — Puta que pariu. Eu vou... — Não, por favor — suplicou Ana, segurando-o com força. — É o casamento de Nana. Algo queimava Rodrigo por dentro. Saber que aquele imbecil engomadinho com ares de galã havia maltratado Ana o incomodou. Quis se levantar e quebrar-lhe a cara, mas ao ver a expressão assustada dela, pegou-lhe a mão e beijou-lhe os dedos. — Desculpe... — Não foi nada... vamos esquecer isso, por favor. A comida estava deliciosa. Canapés de salmão com beterraba, tortinhas de queijo e aspargos, torta de badejo e novilho assado com finas lâminas de champignon. Foi tudo um deleite para o estômago de Ana. E quando, na sobremesa, viu as trufas de chocolate branco, creme de grapefruit e bolo de framboesa, quis morrer, mas de prazer. Tudo estava ótimo. Rodrigo, ao vê-la sorrir de novo, relaxou. Por nada deste mundo queria lhe roubar um segundo de felicidade. E menos ainda por causa daquele indesejável. — Vão trazer o bolo. Ótimo! — Aplaudiu Ana como uma menina. — Você ainda consegue comer mais? —Já disse, o bichinho pede. E eu, como sou uma mãe muito boa e entregue à causa, dou. Nesse momento, Lucy, a noiva, aproximou-se da irmã e a beijou com carinho. — Pato... falei com a orquestra que animará o baile e disse que depois você vai cantar com eles a canção de papai e mamãe. — Nem pense nisso — negou ela. — Que ideia estúpida é essa? Lucy, depois de pestanejar, fez beicinho. — Por favor, por favor, por favor! Faça por papai e mamãe. Você sabe que eles adoram essa canção, e ainda mais quando você canta. Por favooooooor!
— Não. Eu disse que não. Rodrigo, ao ver que a noiva olhava para ele pedindo ajuda, aproximou-se de Ana e murmurou: — Ora, pesseguinho, você sabe que vai cantar maravilhosamente, e se seus pais gostam, por que não? Ela olhou para os dois boquiaberta. Não podia acreditar que estavam mancomunados. — Que tipo de alucinógeno vocês tomaram? Não... há muita gente aqui, e não estou a fim de fazer papel ridículo. Mas sua irmã lhe deu um beijo no rosto e disse antes de ir: — Não me interessa, já está tudo pronto, e quando a chamarem, você sobe ao palco e canta. Irritada, Ana foi se levantar para dizer umas poucas e boas a sua irmã quando Teresa, sua mãe, aproximou-se. Depois de beijar a filha, apoiou-se com familiaridade nos ombros de Rodrigo para que todos a vissem. — Tudo bem por aqui? — Sim, mamãe. — Perfeito — afirmou Rodrigo. — Comeu bem, minha filha? Aquela pergunta surpreendeu Rodrigo, que com um sorriso que fez Ana gargalhar, respondeu: — Teresa, melhor perguntar o que sua filha não comeu. Adorando a familiaridade com que aquele homem a tratava, a mulher riu, e ao ver o bolo surgir pela enorme porta, disse em voz alta para que todos os comensais a ouvissem: — Agora, amigos, vamos nos deleitar com o maravilhoso bolo nupcial de sete andares. Só vou dizer que foi feito pela maravilhosa Fiona Cairns — e antes de ir, sussurrou para a filha: — Ana Elizabeth, não deixe de comer o bolo. É o mesmo do casamento de William e Kate. Contente, viu sua mãe cumprimentar outros convidados. Bastava vê-la e conhecê-la para saber que estava curtindo ao máximo. — Quem é essa Fiona sei-lá-o-quê? — É quem fez o bolo de casamento de William e Kate. — E quem são William e Kate? — Perguntou Rodrigo de novo. Com dramatismo, Ana levou a mão ao coração, e aproximando-se de Rodrigo, murmurou: — Pelo amor de Deus! Se minha mãe souber que você não sabe quem são William e Kate, vai nos deserdar! — E, enquanto ele gargalhava, ela lhe informou a quem se referia. Acabado o jantar, os convidados passaram a um grande salão decorado com centenas de lustres de cristal. Ao fundo, um grande grupo de músicos de calça preta e paletó branco começaram a tocar a valsa nupcial. — Ana Elizabeth — disse sua mãe, empurrando-a —, lembre-se que tem que dançar com Rodrigo quando seu pai e eu formos para a pista. — Sim, mamãe — suspirou ela, agoniada. Tantas normas a deixavam louca, mas não querendo contrariá-la, aproximou-se de Rodrigo e perguntou: — Você sabe dançar valsa? — Ficou maluca? — Perguntou ele rindo, e as covinhas marcaram seu rosto. Alterada por conta daquelas malditas covinhas, murmurou: — Se não dançarmos, minha mãe vai nos matar, não ouviu? Como Rodrigo não gostava de dançar, disse com clareza: — Eu disse que não. Mas depois que os noivos entraram na pista, e então os pais dos noivos, Ana o puxou e, por fim, Rodrigo dançou. — Se eu vou ter que cantar na frente de todo mundo, você vai dançar
— sussurrou ela. — Sabia que você é uma grande tratante? —Disse ele, sorrindo. — Eu sei. É parte de meu charme. Estar com ele, desfrutando sua companhia, fazia o rosto de Ana se iluminar. E a ninguém passou despercebido, especialmente a seu pai. O fato de durante aqueles três dias Rodrigo só ter olhos para ela a fazia sentir nas nuvens, embora ele não percebesse. Como dizia Encarna, se não dermos tudo mastigadinho a eles, os homens não entendem. Uma hora depois, após ser avisada por um dos músicos da orquestra, Ana, com seu vestido verde de corte imperial, subiu ao palco e pegou o microfone. Diante da cara de felicidade de sua irmã, de ironia de Rodrigo e de desconcerto de seus pais, disse: — Olá! — Todos a olharam, e ela prosseguiu. — Hoje é um dia muito especial para minha família, e quero agradecer a todos por terem vindo. Mas o motivo de eu estar aqui ao lado desta maravilhosa orquestra é porque quero dedicar uma canção a meus pais por serem os melhores para minha irmã e para mim — Frank e Teresa sorriram. — Portanto, papai... mamãe... quero os dois no meio da pista, porque vou cantar When a Man Loves a Woman, a canção de vocês. Todo mundo aplaudiu enquanto Frank e Teresa, emocionados, iam para a pista. A música começava e Ana entoava a canção. Seguindo o ritmo determinado pelos músicos, ela foi relaxando. Ela sempre gostara muito de cantar, e embora durante muitos anos quase não houvesse treinado, sabia que tinha uma voz excelente. Por isso, depois dos primeiros acordes, simplesmente passou a curtir o que estava fazendo e esqueceu tudo que a cercava, exceto Rodrigo. Ignorá-lo era impossível. Tentou não olhar para ele, mas seus olhos o buscavam constantemente enquanto ele sorria. Aquela canção dizia coisas que ela sentia em silêncio por ele, e isso a inquietou. Quando terminou a canção, todo mundo aplaudiu, enquanto Teresa e Frank se aproximavam para beijar a filha e Rodrigo os seguia. — Minha vida... há quanto tempo não a ouço cantar! Que lindo! Obrigada, tesouro — disse Teresa gemendo, comovida. — Ora, mamãe... pare, ou vai me fazer chorar, e ultimamente choro fácil — respondeu Ana, sentindo a mão de Rodrigo se entrelaçar na sua para lhe dar apoio. Frank, tão emocionado quanto sua mulher, mas contido, abraçou a filha. — Amo você, querida — sussurrou. O resto do dia foi fantástico. Ana dançou e se divertiu com Rodrigo; até que Warren, de quem ela não queria nem lembrar, aproximou-se para convidá-la a dançar. Rodrigo ficou de lado; não devia interferir na vida dela, e Ana agradeceu. No início, ela quis declinar o convite, mas Teresa, que havia aparecido de braço dado com Warren, incitou-a, e não pôde escapar. — Como vai a vida, linda? — Perguntou ele já na pista, com ela em seus braços. — Bem. Maravilhosamente bem, não vê? — Continua cantando muito bem. Você tem uma voz linda — elogiou ele com um sorriso enganador. — Obrigada. — Confesso que me surpreendeu — disse Warren após um tenso silêncio. — Ah, é? Por quê? E então, ele se aproximou do ouvido dela com um tom insinuante que não lhe agradou: — Você é a primeira mulher grávida que conheço que acho extremamente sexy. Ana sorriu com frieza. Teria gostado de lhe dar um chute na bunda ali mesmo, mas disposta a ser prudente e educada, por seus pais, e ao ver que Rodrigo falava com Teresa, mas não tirava o olho dela, respondeu:
— Que bom saber, mas tenho certeza de que meu namorado se incomodaria com sua sinceridade. — O bombeiro? — Debochou. — Sua mãe já me contou o que seu namorado faz. Uma profissão que enlouquece as mulheres. Foi assim que ele te conquistou? Afastando-se dele sem nenhuma contemplação, ela disse em voz baixa para que ninguém a ouvisse: — Como ele me conquistou não te interessa. Só direi que nunca foi com tapas. Dito isso, parou de dançar, e furiosa, foi até uma das laterais do salão. Precisava de ar e se afastar daquele homem que tão más recordações lhe provocava. Rodrigo, que a estivera observando, foi atrás dela e, quando a alcançou, abraçou-a. Ao notar que ela respirava para conter o pranto, embalou-a, sufocado por um estranho sentimento de proteção. — Sshhh, querida, estou aqui. E esse filho da mãe não vai tocar em você. A festa acabou meia-noite e meia. Warren não tornou a se aproximar, e isso fez Ana relaxar. Além do mais, seu humor mudou pela proximidade de Rodrigo, que a acalmava. Ele tinha o poder de conseguir isso só de olhar para ela e fazê-la sorrir. No carro, Ana tirou os sapatos. Já não aguentava mais! E quando, ao chegar em casa, Rodrigo a pegou no colo para que não pisasse na rua e reclamou que estava muito pesada, seus pais riram com prazer. Frank gostava da espontaneidade de sua filha e do namorado. Aqueles detalhes carinhosos, e o jeito como os dois riam de qualquer coisa eram sinal de que estavam bem afinados. Quando entraram em casa, Rodrigo a deixou no chão. — Querida, se continuar comendo desse jeito, vai me matar. — Vá se danar! — Brincou Ana, batendo-lhe com a bolsa na cabeça. Teresa, que achava as brincadeiras dos jovens muito divertidas, depois de tocar o cabelo, disse: — Vou dormir, crianças — e olhando para sua filha, acrescentou: — E você, Ana Elizabeth, devia descansar também. A propósito, mandei Josef trocar sua velha cama por uma de casal, para que possa dormir com Rodrigo — e ao ver a cara da filha, sorriu e tocou-lhe o ventre. — Filha, acho que já não faz sentido que durmam em camas separadas. Ana quis morrer. Por que tinha que dormir com ele? Rodrigo, ao ver a confusão no rosto de Ana, sorriu. — Obrigado, Teresa. Agradeço por ser tão compreensiva. — Ah, filho! O que eu quero é que estejam felizes. — Você já é da família, Rodrigo — assentiu Frank, categórico. Vendo que tudo se complicava ainda mais, Ana suspirou. — Então, não se fala mais nisso — disse ela ao ver Rodrigo e seu pai conversando. — Espero você lá em cima, querido. Rodrigo a pegou pelo braço para detê-la e a puxou para si. Confusa, Ana levantou a cabeça para olhar para ele, e então, ele lhe deu um doce beijo nos lábios e murmurou, diante do olhar atento dos pais dela: — Boa noite, amor. Já vou subir. Atordoada com a aproximação, Ana assentiu, e como um robô, começou a subir a escada com sua mãe. — Quer beber um uísque? — Perguntou Frank a Rodrigo. O jovem assentiu, e ambos se dirigiram a uma salinha. Ali, o pai de Ana abriu um bar, pegou dois copos e serviu o uísque. — Obrigado, Frank. Os dois homens se sentaram no confortável sofá de couro marrom e começaram a conversar. Frank aproveitou o tempo para conhecer mais Rodrigo; não sabia nada dele, mas gostou do que encontrou. Saber que era advogado lhe agradou, mas especialmente se emocionou ao ver o carinho
que demonstrava ao falar de Ana. O realismo do jovem perante certas coisas da vida fez Frank ver que Rodrigo era um homem com os pés no chão. Para Rodrigo foi fácil conversar com Frank. No início se inquietou quando ele lhe perguntou sobre sua vida e seus hobbies, mas logo entendeu. Frank era um pai preocupado com a filha e queria saber o possível sobre o homem que supostamente estava com ela. Depois de falar sobre política, esportes e Ana, Rodrigo disse: — Frank, gostaria de lhe perguntar sobre Warren Follen. Surpreso, Frank encostou a cabeça no sofá. — O que quer saber? Rodrigo sorriu. — A verdadeira pergunta é o que você pode me dizer dele. Frank assentiu, e antes de falar, bebeu um trago. — Imagino que queira saber o que houve entre Ana e ele, não é? — Rodrigo assentiu. — Teresa e eu somos amigos dos pais de Warren há muitos anos. Desde pequenos, Ana e Warren se deram muito bem. Lucy era a metida, e Ana o terremoto cantante — ambos sorriram. — Por isso, quando soubemos do relacionamento entre Warren e ela, não ficamos surpresos. Durante quase quatro anos estiveram juntos, mas algo aconteceu no último ano de namoro e terminaram dias antes do primeiro casamento de Lucy. — Vocês não lhe perguntaram o motivo? — Sim, mas ela simplesmente disse que havia deixado de amar Warren. — Com certeza tocou a orelha — disse Rodrigo. — A orelha? — Perguntou Frank, surpreso. — Para saber se sua filha está mentindo, basta observar se ela toca a orelha, não sabia? — Não, não sabia — admitiu Frank, divertido com a confidência. — Mas não lhe diga que eu disse, senão, ela vai cortar meu pescoço. Ambos riram, e Frank perguntou, curioso: — Ela lhe contou por que terminou com Warren? — Não — mentiu Rodrigo. Frank assentiu e prosseguiu: — Quando ela decidiu se mudar para a Espanha e se afastar, entendi que algo havia acontecido, mas não consegui saber o quê. Ana é muito reservada quando quer; você deve saber, não é? — Rodrigo assentiu. — Mas, sabe? Essa decisão que ela tomou foi a melhor coisa que poderia ter feito. Meses depois ela voltou a ser a garota alegre de sempre, e de repente minha menina se transformou em uma mulher independente e segura de si — e ao ver a expressão de Rodrigo, acrescentou: — Portanto, rapaz, fique tranquilo, não precisa se preocupar com Warren. Ele não é ninguém para ela. — Isso não me preocupa, Frank. Só queria saber algo sobre ele. — Ele é um bom rapaz; meio metido, às vezes, mas não é má pessoa. De qualquer maneira, amanhã vai poder conhecê-lo um pouco mais. — Amanhã?! — Perguntou Rodrigo, surpreso. Ana não lhe havia dito nada. — Teresa organizou um almoço em casa com os amigos mais íntimos, e Warren virá com os pais. Com certeza, quando o conhecer vai gostar mais dele. Rodrigo duvidou; sabia o suficiente sobre Warren para não gostar dele. Vinte minutos depois, acabadas as bebidas, ambos subiram para descansar. Quando Rodrigo entrou no quarto, uma luz tênue o iluminava. Olhou para Ana e a viu quieta, e imaginou que estava dormindo. Mas ele não estava com sono. Beber antes de dormir nunca o fazia relaxar, mas não podia dizer não ao pai da moça. Foi até a janela, e depois de tirar a jaqueta preta, apoiou-se. Durante mais de dez minutos ficou olhando as luzes noturnas daquele elegante bairro londrino. Com a cabeça embotada, decidiu se deitar. Devagar, desabotoou a camisa branca, e tirando-a, deixou-a em uma cadeira. Tirou os sapatos e a calça. Nesse momento, notou que, de olhos
fechados, ela parecia sorrir. Estava acordada. Ana, com as pálpebras semicerradas, não havia tirado os olhos dele desde que Rodrigo entrara no quarto. Saber que ia dormir com ele a seu lado era uma tentação, e isso, apesar do cansaço que sentia, impedira-a de conciliar o sono. Com o coração batendo a mil, viu-o tirar a roupa, e quando ficou só de cueca preta, só pôde suspirar. Meu Deus! Com bichinho e tudo, gorda como um barril, ainda sinto muito desejo por você. Sem dizer nada, Rodrigo foi para o lado esquerdo da cama, e com cuidado, deitou-se e se cobriu com as mantas. Assim ficaram um bom tempo, até que ele, aproximando a boca do ouvido dela, perguntou: — Você sabia que amanhã Warren vem almoçar na casa de seus pais? Como se um bicho a houvesse mordido, ela se sentou na cama, e com uma expressão de horror, acendeu o abajur. — Como?! — Seu pai acabou de me dizer. Pelo visto, sua mãe organizou um almoço para os amigos mais íntimos. Ana, sem poder evitar, pulou da cama, e de pijama com morangos enormes estampados, começou a andar de um lado para o outro. Aquela notícia a deixara alterada. Como poderia ficar de novo com Warren na mesma sala? — Ana, venha para a cama. Escutar aquela ordem deixou-a de boca seca. Teria adorado voltar para fazer coisas que não devia nem podia fazer com ele; mas olhando para Rodrigo, respondeu: — Durma você. Eu perdi o sono. Caralho, essa minha mãe! Por que faz as coisas sem me consultar? Meu Deus, sempre igual. Nunca vai mudar. — Ana, venha para a cama — repetiu ele. E ao ver que ela continuava amaldiçoando e blasfemando, levantou-se, aproximou-se dela e a pegou no colo. — O que está fazendo? — Você tem que descansar. Está grávida, e... — Isso não quer dizer que estou doente ou que sou imbecil. Surpreso com aquela resposta atravessada, ele a deixou no chão, e sem dizer mais nada, foi para a cama. Ana se sentiu culpada de imediato. Estava descontando o problema com sua mãe e Warren na pessoa que menos merecia isso. Por isso, foi até a cama e se deitou. Ficou de lado, olhando para Rodrigo, que lhe dava as costas, e quando viu que ele não pretendia se virar, cutucou-lhe o ombro para chamar sua atenção. — O que você quer, Ana? — Que olhe para mim. — Agora não estou a fim de olhar para você. Deixe-me dormir. — Ande, homem. Quero me desculpar — insistiu ela. — Ana Elizabeth, durma — disse, contrariado. Incapaz de deixar as coisas assim, ela pensou em como chamar a atenção dele; então, ficando de barriga para cima, começou a cantar bem baixinho: No puedo pedir que el inverno perdone a un rosal no puedo pedir a los olmos que entreguen peras no puedo pedirle lo eterno a un simple mortal y andar arrojando a los cerdos miles de perlasssssssssss Atônito ao escutar Ana cantarolar, Rodrigo deu meia-volta e olhou para ela.
— Posso saber o que está fazendo? — Cantando La tortura. — La tortura? — Sim, de Alejandro Sanz e Shakira. Não conhece? Estava impressionado; Ana retomou a canção, balançando os ombros no mesmo compasso, de modo que por fim ele sorriu. Ao notar que havia conseguido o que pretendia, ela parou de cantar, e olhando para ele, murmurou: — Você me desculpa por eu ter sido uma bruxa? — Claro que sim. — Desculpe, de verdade, mas é que quando você me falou sobre amanhã, senti um mal-estar qu... Ufaaa... Meu Deus! — E sorrindo, disse, ficando de lado: — Agora que evidentemente nenhum dos dois está com sono, o que acha de fofocarmos sobre o casamento? Diga-me, o que achou? — Muito grande, com gente demais — respondeu ele com sinceridade —, exatamente algo de que eu nunca escolheria participar. Odeio esses grandes eventos tão apreciados por minha mãe. — Eu te falei que minha mãe também era uma figura. Ambos riram ao recordar a cara de Teresa ao ver que o vestido deixava exposta a tatuagem que Ana tinha no ombro. — E as pessoas? O que achou do círculo social de meus pais? — Quanto a isso, tenho que dizer que fiquei espantado. Nunca pensei que jantaria ao lado de Beckham. A propósito, ele me surpreendeu; é um sujeito muito simpático. E brindar com David Cameron me deixou sem palavras. — Quando voltarmos a Madri, não diga nem uma palavra disso, ok? — recordou-lhe Ana, apontando-lhe o dedo ao vê-lo tão impressionado. — Quantas vezes você vai repetir? — Muitas. Lembre-se: sou uma chata! — Eu sei... eu sei — debochou ele. — A propósito, espero que um dia você me dedique uma canção. Você canta maravilhosamente bem. — Obrigada. Prometo que dedico — E retomando a conversa, perguntou: — E as mulheres? Alguma chamou sua atenção? — Sim — afirmou ele sem notar a expressão dela. — Sério? — Sim! — Passou uma mecha do cabelo dela para trás da orelha de Ana e prosseguiu: — Havia duas que achei uma graça. E confesso que se eu não fizesse o papel de futuro marido da irmã da noiva, teria adorado conhecê-las. Por que sou tão linguaruda? Por que fui lhe perguntar isso? É puro masoquismo! — E você, viu alguém que te chamou a atenção? Surpresa com aquela pergunta, a jovem sorriu e assentiu. — Sim... dois amigos de minha irmã bem bonitos! Acho que quando tiver o bichinho, vou fazer umas viagenzinhas para conhecê-los. Divertido com as caras que ela fazia, Rodrigo pegou a mão dela e exclamou: — Ei, não abuse. Deliciada com aquela demonstração de algo parecido com ciúmes, mas com sorrisos, Ana assentiu. Tocou o ventre, e fazendo-o rir de novo, disse: — Ouça bem, o fato de eu estar de dieta não quer dizer que não posso olhar e imaginar. — E ao ver a cara dele, pontuou: — Mas enquanto estiver de dieta, lamento dizer que tanto você quanto eu, aos olhos de minha família, temos que continuar exercendo o perfeito papel de namorados
maravilhosos e apaixonados. — Não lamente nada — respondeu ele, deixando-a sem palavras. — Agora estou na cama com um bombonzinho; recheado, mas um bombonzinho com cheiro de pêssego. Durante alguns instantes os dois se olharam nos olhos, e quando Ana estava prestes a cometer a loucura da viagem e pular no pescoço dele, pegou um dos travesseiros e bateu nele, para quebrar a tensão. — Você me chamou de gorda? Divertindo-se, ele a deixou bater, e sem enxergar nada, abraçou-a e lhe deu um beijo na cabeça. — Ande, tortura... vamos dormir — disse antes de desligar o abajur. Ana se deixou abraçar; por nada deste mundo queria se soltar de seus braços fortes. Ficar aconchegada na cama com ele abriu todo seu apetite sexual. Com um sorriso, repreendeu a si mesma: Pare de pensar no que não deve e durma, sua gorda!. No fim, adormeceu. Estava exausta e não queria pensar. Só queria curtir o momento. Só isso. No dia seguinte, Ana e Rodrigo acordaram cedo e foram até um haras onde Frank tinha vários cavalos. Quando chegaram, Ana viu um homem de cabelo grisalho e se aproximou. — Samuel?! O homem se voltou e a olhou de cima a baixo. Ao reconhecê-la, sorriu e abriu os braços. — Dona Ana, que visita maravilhosa. Feliz por ver que ele a havia reconhecido, Ana o abraçou. — Que alegria vê-lo! Pensei que não estava mais por aqui. — Esta é minha vida. Onde iria estar? Ambos riram. — Onde está María? — Perguntou Ana. — Continua trabalhando aqui também? De repente, os olhos do homem se entristeceram. — Maria morreu há dois anos. Abalada com a notícia, ela tornou a abraçá-lo. — Sinto muito, Samuel... Sinto muito. — Eu sei, dona Ana. — Por favor — pediu ela —, nós nos conhecemos da vida toda, por que não me chama de Ana? Lembro que da última vez que nos vimos eu já lhe disse isso. — Eu sei, don... — Depois de uma leve pausa, retificou. — É a força do hábito, Ana. Não leve a mal. Rodrigo os observava em silêncio. — Rodrigo, este é Samuel, a pessoa que sempre cuidou de tudo o que você está vendo. — Prazer, Samuel. — Igualmente, senhor — disse o homem, sorrindo. — Rodrigo — insistiu ele, e Samuel assentiu e sorriu de novo. Durante um tempo, passearam os três juntos por aquele recinto bonito e bem cuidado. Samuel lhes falou das melhorias que haviam feito no haras. — Tiraram o lago artificial? — Perguntou Ana. — Sim, há dois anos... Ainda lembro como sua mãe corria atrás de você para tirá-la do lago. Essa recordação fez Ana rir. Olhando para Rodrigo, sorridente, explicou: — Apesar das broncas de minha mãe, eu sempre gostei de entrar no lago que havia aqui; estava cheio de rãs. Segundo ela, uma mocinha não devia ser tão moleca. — Lembra quando você enfiou os quatro cavalos de seu pai no lago? — recordou Samuel, risonho. — Ah, siiiiiiim! Meus pais me castigaram, não pude ver meu cavalo durante um mês. Que
confusão! — O que foi que você fez? — Inquiriu Rodrigo ao vê-los rir tanto. — Era verão, estava muito calor e pensei que os cavalos de papai mereciam dar um mergulho. — E sem se preocupar que isto estava cheio de gente — prosseguiu Samuel —, ela tirou sozinha os quatro cavalos do pai e os levou ao lago. O ruim não foi isso. O pior foi que os ensaboou inteiros, e o lago ficou cheio de espuma. De novo os dois começaram a rir. — Ora... pelo visto, já desde pequenininha você prometia — comentou Rodrigo. — Ah, sim! — assentiu Samuel, diante do regozijo da jovem. — Ana, diferente da irmã, Lucy, sempre teve uma personalidade muito bem definida, era uma pestinha. — E apontando para a barriga dela, olhou para Rodrigo e acrescentou: — Espero que o bebê que estão esperando seja mais tranquilo que a mãe, senão, garanto que não vão se entediar nunca. — Garanto, Samuel, que com Ana nunca fico entediado — afirmou Rodrigo. Depois de uma agradável conversa com aquele homem encantador, Rodrigo e Ana se despediram dele e seguiram seu caminho. — Este era meu lugar preferido quando menina — contou ela. — Lembro que mamãe adorava nos vestir com vestidos pomposos e grandes laços para vir aqui, e minha irmã nunca se sujava. Mas você precisava me ver. Enquanto Rodrigo gargalhava, Ana acrescentou: — No fim, mamãe desistiu e me deixou vir vestida mais apropriadamente. Chegaram aos estábulos e entraram. Parando diante de uma porta verde musgo, Ana disse: — Rodrigo, este é... — Não me diga — interrompeu ele, divertido. — Aposto que eu sei o nome dele! — De quem? Rodrigo apontou para o animal, e Ana, pondo as mãos na cintura, perguntou: — Tudo bem, espertinho, qual é o nome dele? — Se seu pássaro se chama Pío, seu gato Miau e o cachorro do meu irmão você batizou de Guau, não tenho a menor dúvida de que esta preciosidade se chama Hiiiiiiiiii. Ana, morrendo de rir, negou: — Não. — Cavalo? — Insistiu ele na brincadeira. — Não. — Então Crina? — Não. — Eu me rendo. Como se chama? — Perguntou ele, curioso. — Caramelo de Chocolate. — Como?! — Caramelo de Chocolate. — Mas que nome é esse para um cavalo? — Disse Rodrigo, entre atônito e divertido. — Tudo bem, é brega, mas eu lhe dei esse nome quando tinha doze anos. E na época, Caramelo de Chocolate me pareceu lindo. A cada instante mais impressionado pelo modo como ela o surpreendia constantemente, ele disse, olhando para o cavalo que se movimentava dentro do estábulo: — Caramelo de Chocolate, prazer em conhecê-lo! Nesse instante, um cavalo castanho pôs a cabeça por cima da porta verde, e Ana a pegou e começou a beijá-la. Durante alguns segundos Rodrigo ficou calado enquanto ela sussurrava coisas para o animal, que parecia reconhecê-la.
De repente, o celular de Ana apitou. Ao ler a mensagem, disse com resignação: — Temos que voltar para casa. O superalmoço nos espera. Uma hora depois já estavam de novo na casa dos pais de Ana. Logo chegaram Nana e seu reluzente marido, bem no momento em que Ana discutia com a mãe por causa daquele almoço inesperado. Por fim, a jovem decidiu relaxar e aceitar. Não tinha alternativa. No total, eram doze pessoas, e quando chegou a hora de se sentar à mesa, Ana se alegrou por Warren ficar longe dela. Rodrigo, ciente de como era difícil para sua amiga passar por aquilo, ficou grudado nela e não se afastou nem um só minuto. Por sua vez, Frank se surpreendeu ao notar que o namorado de sua filha olhava para Warren ressabiado. O que estava acontecendo entre eles? Depois do almoço todos foram para uma salinha para tomar café e beber aperitivos, e como Ana estava exausta, decidiu ir descansar; de modo que depois de dar um beijo nos lábios de seu suposto namorado, desapareceu. — Venha, Rodrigo — chamou Frank. Sem hesitar, o jovem se aproximou dele, que discutia com dois homens; um deles era Warren. Durante mais de meia hora ficaram falando de política e trabalho. Por fim, o grupo se reduziu e só ficaram Frank, Warren e Rodrigo. — Já me disseram o que você faz. Profissão perigosa... — disse Warren. — Para mim é admirável — acrescentou Frank. — Arriscar a vida para salvar outras é excepcional, e, de certo modo, heroico. Rodrigo bebeu seu aperitivo e sorriu. — Salvar uma vida, Frank, é a coisa mais reconfortante de meu trabalho. Quando alguém sorri porque nós o tiramos do perigo ficamos felizes, preenchidos. Durante alguns minutos Frank e Rodrigo falaram sobre a importância de seu trabalho, até que Warren interveio: — Por causa de sua profissão, você deve estar acostumado ao paparico das mulheres, não é? — O que quer dizer? — Perguntou Rodrigo, olhando-o. — Os bombeiros são um ícone sexy para as mulheres de todo o mundo. Rodrigo, sorridente, tentou ser gentil. — Isso é um mito. — Você conheceu nossa Ana em um incêndio? Rodrigo não gostou desse “nossa” na boca daquele homem. Na realidade, pelo que já sabia dele, queria pegá-lo pelos colarinhos e lhe dar uma boa surra, mas, por respeito a Frank, que os observava, respondeu: — Posso dizer que sim, mas deixo essas histórias para as mulheres. Teresa, voltando-se para seu marido, chamou-o, e ele, após pedir licença, afastou-se, deixando Warren e Rodrigo sozinhos. — Então, nossa Ana o conheceu assim? Ora, ora, essa menina... Ela sempre gostou de ação. Aquele tom de voz e o sorriso malicioso irritaram Rodrigo, e ele ficou na defensiva, com vontade de arrancar os dentes de Warren. — O que você está tentando dizer? Warren pegou uma garrafa de uísque e encheu seu copo. — Ela lhe contou que namoramos por quatro anos? — Sim. Depois de tomar um gole do uísque, Warren murmurou: — Ainda me lembro. Ela era tão... — Você está se excedendo — sibilou Rodrigo, largando o copo com força em cima da mesa a seu
lado. Adorando a reação que havia provocado em Rodrigo, Warren, acostumado a ganhar sempre, disse: — Talvez você tenha se excedido. Afinal de contas, você a engravidou, e, sejamos sinceros, certamente casar-se com ela fará muito bem a suas finanças. Ou estou dizendo alguma mentira? — Você se excedeu de novo com esse comentário, e se continuar assim, vai conseguir que eu me irrite — advertiu Rodrigo, a cada momento mais furioso. Mas Warren, que parecia estar se divertindo, prosseguiu: — Claro que nossa Ana deve gostar de um homem forte, com mão dura como você, não é? Incapaz de conter nem mais um segundo sua fúria, e sem se importar com o local onde estava, e em especial com os presentes, Rodrigo se precipitou sobre Warren, sem chegar a tocá-lo, e o olhou com ódio. — Se você se aproximar dela de novo, vai se ver comigo, entendeu? — Isso é inaudito! — Gritou Warren. — Quem você pensa que é para falar assim comigo? Rodrigo endureceu o rosto e se aproximou mais de Warren, disposto a deixar certas coisas bem claras. — Para você, sou o namorado de Ana, e não vou permitir que se aproxime dela, e muito menos que fale dela nesses termos, entendeu? Frank, ao ouvi-los discutir, deixou sua mulher — que, escandalizada, observava a cena com o resto dos convidados — e se interpôs entre eles. — Rapazes, o que está acontecendo? Warren, suavizando o tom, olhou para o pai de Ana. — Pergunte a ele, Frank. De repente, começou a me ameaçar e a dizer que não me aproxime de Ana, senão... “Filho de puta mentiroso”, pensou Rodrigo. E sem lhe dar tempo de terminar a frase, deu-lhe um soco de direita no rosto que o fez cair de costas no chão. Todos gritaram, horrorizados, e Teresa, como era lógico, desmaiou. Os pais de Warren foram ajudar o filho. O que aquele animal malvado lhe havia feito? Enquanto isso, Lucy e seu novo marido pegaram os sais na gaveta para cuidar de Teresa. Frank, desconcertado, segurou Rodrigo, que estava com a mandíbula tensa, furioso. — Que foi? A que se deve isso, rapaz? Ao se dar conta do que havia feito, Rodrigo blasfemou. Como podia ter pisado na bola com Ana desse jeito? Mas já não havia como voltar atrás, de modo que olhou nos olhos de Frank, e antes de sair, desculpou-se: — Desculpe, Frank, eu me descontrolei. Mas se quiser saber o porquê de tudo isso, fale com Ana e pergunte-lhe como conseguiu aquela cicatriz na sobrancelha. Depois, talvez me compreenda melhor. Então, Rodrigo, terrivelmente irritado, foi embora, deixando Frank aturdido. De repente, a mente do homem começou a viajar longe e uma raiva extrema se apoderou dele. Sem precisar falar com sua filha e ignorando a expressão de horror de sua mulher, foi como um touro para cima de Warren, e dando-lhe outro soco, fez que caísse de novo no chão, e gritou, para horror de todos: — Espero que não seja verdade o que estou imaginando, porque, se for, vou matá-lo. Se você encostou a mão em minha filha, juro que vou matá-lo. Rodrigo subiu furioso ao quarto onde Ana descansava. Ela, ao ouvir o barulho da porta, acordou, e sonolenta, seguiu-o com os olhos pelo quarto, até que o viu se sentar perto da janela. Durante alguns segundos observou-o. Deleitou-se com seu perfil sério e concentrado, até que ele olhou para ela e disse: — Ana, desculpe, mas pisei na bola. No ato, a jovem se sentou na cama, angustiada. — Ah, meu Deus! Você contou a meus pais que não é o pai do bichinho?
— Não. — Então, disse que não é meu namorado? — Não, também não. Ao compreender qual era a única possibilidade que restava, Ana levou as mãos à boca. — Contou a eles que War... — Não... mas acho que depois do soco que lhe dei, eles vão querer explicações. Ana, deitando-se na cama, cobriu o rosto com o travesseiro para abafar um grito. Rodrigo, abalado com a cena, levantou-se e se sentou ao lado dela na cama. Ao sentir sua proximidade, Ana se sentou de novo e o interrogou sobre o ocorrido. Por fim, ao vê-la tão inquieta, para que se calasse, pôs a mão na boca dela. — Desculpe, não pude me conter. Esse sujeito começou a dizer coisas ofensivas de você, e eu o acertei. — Bateu em Warren? — Sim... Não... Bem, foi só um soco, mas... — Bateu forte? Atônito com a pergunta, Rodrigo assentiu, e Ana, mudando a atitude de segundos antes, sorriu. — Fico feliz. Ele mereceu. Pena que eu perdi essa. Ele ficou boquiaberto com a resposta, pois havia esperado que ela se chateasse com ele. — Seu pai... — começou a dizer, olhando para ela. — Não se preocupe — acalmou ela, sorrindo e tocando o pescoço dele com tranquilidade. — Há males que vêm para bem, e talvez seja hora de que eles saibam o que aconteceu e que tipo de homem é o maravilhoso Warren. Nesse momento, bateram na porta. Ambos se olharam, e Ana disse: — Entre. Sério, Frank entrou, e após fechar a porta, nem se mexeu. Estava ali em busca de explicações e não pretendia sair sem obtê-las. Rodrigo, ao se ver no meio de pai e filha, que se olhavam intensamente, decidiu sair, mas Ana pegou-lhe a mão. — Fique aqui comigo — pediu. Nessa tarde Frank confirmou algo que nunca teria imaginado. Horrorizado, escutou a confissão de sua filha, e por fim soube o motivo de sua partida para a Espanha. Sofrendo muito por não ter percebido o que havia acontecido, Frank chorou pedindo-lhe desculpas por não tê-la protegido. Ela, enternecida com a reação do pai, fez-lhe um carinho. Ele não tinha culpa de nada; talvez só de ser o melhor pai do mundo. — Papai, não conte a mamãe nem a Nana. Não é preciso que mais gente sofra por algo que já passou e que eu já esqueci. — Filha... isso é impossível — respondeu, tocando o punho direito. — Quando me dei conta do que devia ter acontecido, a fúria me dominou e, assim como Rodrigo, dei-lhe um belo soco de direita. — Papai! Rodrigo sorriu, e sem saber por que, fez um high five com Frank. Pasma com tanta camaradagem, Ana prendeu a franja com uma fivela de estrelinha. — O que é que há com vocês dois? São os Vingadores, agora? Ambos se olharam, e Frank deu de ombros. — Filha, homem que bate em mulher não é homem. E você precisa entender que tanto para seu namorado quanto para mim, foi importante fazer justiça. — Meu Deus! Mamãe deve estar péssima. — Fique tranquila, querida — sorriu Frank. — Sua mãe, ao ouvir o que eu disse a esse filho da mãe, pegou uma cadeira, e se eu não a segurasse, ela o mataria. E sua irmã concluiu o trabalho
quebrando uma garrafa de brandy na cabeça dele. Você não sabe o que perdeu, minha linda! — Papai! — Gritou ela, alarmada, enquanto Rodrigo sorria. — Fique tranquila, querida — murmurou Frank. — Estamos todos bem, apesar de que a amizade com os Follen acabou de hoje para sempre. E tenho certeza de que não vão comentar nada do que aconteceu aqui — e ao ver o desconcerto no rosto de sua moreninha, acrescentou: — Não se preocupe com sua mãe nem com sua irmã; estão lá embaixo, e mais tarde vão falar com você. — Meu Deus do céu! — Exclamou ela, desconcertada. E Frank, emocionado pela força de sua filha, pegou-lhe o queixo para que olhasse para ele, e fazendo-a se arrepiar, murmurou: — Nunca mais me esconda uma coisa dessas. — Não se preocupe, papai. Nunca vai acontecer algo assim de novo. Rodrigo, que os escutava em silêncio, sorriu. — Poderíamos ter resolvido isso há anos e você nunca mais teria tido que tornar a ver esse indesejável — disse Frank. A seguir, o homem trocou um olhar com Rodrigo e se aproximou para lhe estender a mão. — Obrigado, Rodrigo. Agora sei que com você minha filha e meu neto estarão protegidos e bem cuidados. Ana fechou os olhos ao ouvir o comentário. A mentira cada vez engordava mais. Rodrigo aceitou aquela mão e respondeu: — Frank, só fiz o que tinha que fazer. Como sempre. — Filho, diante disso, só posso lhe dizer que o homem que trata sua mulher como uma princesa é porque foi criado por uma rainha. Ana engasgou. Se seu pai conhecesse Úrsula, a bruxa que a fazia sentir como a Pequena Sereia, mudaria de opinião. Mas como não estava disposta a estragar aquele lindo momento, calou-se. Instantes depois, Frank foi embora e deixou os jovens sozinhos no quarto. Comovida ainda por ter visto seu pai chorar, Ana olhou para o homem que naqueles momentos delicados estivera a seu lado. E sem poder evitar, disse, tocando-lhe o rosto com carinho: — Você é incrível, e cada dia estou mais contente por tê-lo em minha vida. Ele não queria de jeito nenhum estragar a magia daquele instante. — Digo o mesmo, pesseguinho. — Obrigada por ser como você é. E sem que você pense coisas estranhas nem se assuste, quero dizer que adoro você pelo jeito como cuida de mim; assim, você me mostra que, no fundo, gosta de mim. Com um sorriso arrebatador que deixou Ana emocionada, Rodrigo a abraçou, e enquanto aspirava aquele perfume de que tanto gostava, sussurrou no ouvido dela: — É para isso que servem os amigos. Para ajudar e gostar.
16
No final de maio Ana se sentia como um vulcão prestes a entrar em erupção, mas sua vitalidade não lhe permitia parar. O bichinho se mexia como um verdadeiro jogador de futebol, e os chutes que dava às vezes a deixavam sem ar. Naquele mês, estava trabalhando incansavelmente nos projetos que tinha que terminar e, sentindo-se exausta, dormia sempre que podia. Uma tarde, enquanto estava comprando umas camisetinhas para o bebê, seu celular tocou. — Alô? — Ana... É Carol. Logo reconheceu a voz da irmã de Rodrigo e se surpreendeu com a voz entrecortada da garota. — Linda, o que foi? A jovem começou a falar tão atropeladamente que Ana, incapaz de entender nada, deteve-a: — Não estou entendendo. Pare... pare. Onde você está? — Em casa. Estou em casa. Preciso de sua ajuda. Mas, por favor, não conte a Rodrigo. — Em vinte minutos estarei aí; não saía daí. Angustiada, sem entender o que estava acontecendo e por que ela não queria que o irmão soubesse, pagou as camisetinhas e saiu para pegar o carro. Quando chegou à porta da casa tocou a campainha e Carolina abriu de imediato e se jogou nos braços dela. Já dentro da casa, afastando-se dela, Ana perguntou: — O que aconteceu? — É mamãe. — Não me assuste, o que aconteceu? — Disse Ana, histérica. Pegando-a pela mão, Carolina a levou à sala. Ao entrar, Ana ficou ainda mais alterada ao ver o estrago que havia ali: copos quebrados pelo chão, cortinas arrancadas, quadros caídos e Úrsula deitada no sofá toda desconjuntada. — Quando cheguei da faculdade mamãe estava enlouquecida. Discutiu com Ernesto, e quando eles brigam, ela... ela bebe, e no fim consegui acalmá-la... Ana não a deixou terminar e a abraçou. Não desejava nem a seu pior inimigo a angústia que aquela garota havia sofrido sozinha. — Onde está Álex? — Perguntou ao pensar de repente no outro irmão. — Ontem foi passar uns dias com papai. Ainda bem que o coitado não estava aqui. Da última vez que mamãe fez algo assim Álex se assustou muito e ficou chorando durante um mês — Carol gemeu, e olhando-a nos olhos, implorou: — Por favor, não conte a Rodrigo. Eu não sabia a quem chamar e... e... se ele souber que mamãe fez isso outra vez, vai ficar uma fera, e eu não quero que eles briguem mais. — Essas manchinhas de sangue no tapete, são de quê? — De Guau — respondeu a jovem. — Ele cortou a patinha nos vidros, mas não se preocupe, está preso na cozinha. Depois fazemos um curativo nele. Abalada e com pena da garota, sem poder tirar os olhos da mulher de feições duras que dormia no sofá, Ana se dispôs a ajudar Carolina. Tirou o casaco, e deixando as sacolas de compras em uma cadeira, disse: — Não se preocupe, querida, vou ajudá-la. A primeira coisa que vamos fazer é levar sua mãe para
o quarto. Mas você vai ter que me ajudar; com esta barriga, sozinha não vou poder. — Ai, Ana! Se acontecer alguma coisa com você, eu... — Não vai acontecer nada comigo. Mas se sua mãe acordar e me vir aqui, não sei como vai encarar. Você sabe que não sou alvo de sua devoção. Úrsula, totalmente bêbada, era um peso morto. As duas juntas deram um jeito de levantá-la e levála para o quarto, no primeiro andar. Quando a deitaram na cama, Carolina pegou uma camisola de renda debaixo do travesseiro e, sem hesitar, Ana começou a despir Úrsula. Ver que a jovem chorava sem parar a deixava angustiada. — Eu consigo sozinha, Carol. Desça e vá ver como está Guau. A propósito, pode passar um pouco de antisséptico na patinha dele? — A jovem assentiu, e Ana sorriu para ela. — Vá cuidando dele; assim que eu puser a camisola em sua mãe, desço e arrumamos a sala. A jovem assentiu novamente, e depois de dar um beijo em sua mãe, que nem percebeu, saiu. Ao se ver sozinha naquele quarto com Úrsula, Ana suspirou. Não queria pensar em quem era a mulher; tirou-lhe os brincos de pérolas e o colar e os deixou no criado-mudo, e depois, a saia, as meias e a camisa. Com cuidado, passou-lhe a camisola pela cabeça, e quando ia enfiar um dos braços em uma das mangas, notou que Úrsula tinha hematomas na parte superior do braço e no antebraço. Ao vê-los, ficou paralisada; com a boca seca, olhou o outro braço, onde encontrou as mesmas marcas. De repente, seus olhos se encheram de lágrimas. Aquelas marcas nos braços a fizeram recordar, e isso a deixou arrepiada. Acabou de vestir-lhe a camisola e a cobriu com o edredom. Quando fechou a porta atrás de si, suspirou aliviada, mas só por um breve instante, porque a angústia que aquela ideia horrorosa que rondava sua mente lhe causava a oprimia. Úrsula sofria maus tratos? Um pequeno latido a fez voltar à realidade; segurando com força no corrimão, desceu até a cozinha, onde Carolina estava cuidando do cachorrinho. Quando viram que o animal estava bem, deixaram-no preso na cozinha enquanto arrumavam a sala. De vassoura, pá e aspirador nas mãos, começaram a pôr ordem em toda aquela bagunça e a recolocar tudo que havia sido tirado do lugar. Assim ficaram até as dez da noite, quando ambas se sentaram no sofá, exaustas. — Obrigada, Ana... Muito obrigada por me ajudar. Eu não sabia a quem chamar. — Fez bem em me ligar — disse Ana, exausta, e incapaz de não perguntar o que lhe passava pela cabeça. — Carol, como é o relacionamento entre sua mãe e Ernesto? A garota suspirou e afastou o cabelo dos olhos. — Às vezes parece que se adoram, e outras que se detestam. Já não conversam, só discutem. Mamãe até já parou de convidar suas amigas para vir aqui; Ernesto não gosta, e se chega e elas estão em casa, ele ridiculariza mamãe constantemente — explicou Carol, gemendo. — Não sei, não sei o que acontece, mas faz dois anos que mamãe não é mais a mesma. Tornou-se agressiva, pouco permissiva conosco e submissa com ele. Não importa o que Ernesto faça, ela perdoa tudo. É como se dependesse dele até para respirar. Rodrigo tentou falar com ela, mas foi inútil. Mamãe não aceita. E agora, depois do que aconteceu com Candela, ele e ela não se falam, e eu... eu não sei o que fazer. Enquanto Carol dizia aquilo, Ana sentia-se arrepiar. O que ela descrevia lhe dava a entender que Úrsula, a mulher que se mostrava como uma verdadeira bruxa diante dela, estava sendo maltratada psicologicamente pelo marido. E ao pensar nos hematomas nos braços dela, ficou horrorizada. Dez minutos mais tarde, enquanto as jovens tomavam um copo de leite com biscoitos na cozinha, a porta da rua se abriu e as duas se olharam. Instantes depois, Ernesto, impoluto como sempre, aparecia na cozinha. — Aconteceu alguma coisa? — Perguntou ao ver Ana ali. Carol mudou de expressão, e dando a mão a Ana, explicou: — Ana está me ajudando a fazer um trabalho para a universidade. Sem dúvida surpreso por Ana
estar ali, Ernesto olhou ao redor. — Onde está Úrsula? — Dormindo — respondeu Ana. — Com licença um instante — murmurou Carol, assustada pelo modo como os outros dois se olhavam. — Vou vê-la. Quando a jovem saiu da cozinha, Ernesto sorriu, o que fez o sangue de Ana gelar nas veias. Esse sorriso e a superioridade que viu no olhar dele a incitaram a dizer, sem medo: — Você sabe muito bem como Úrsula estava esta tarde e não fez nada para impedir. Qual é o seu jogo? Ernesto olhou para a jovem grávida, atônito. — Do que está falando? — Você sabe perfeitamente — sibilou ela, sem poder conter a fúria. — Não, explique você — disse ele com grosseria, tirando o casaco de lã azul. — A que se refere? Querendo apagar aquela superioridade do rosto dele, ela se aproximou de Ernesto sem nenhum medo, e antes que Carolina voltasse, disse: — Úrsula não teve um dia bom hoje, e você sabe, não é? Ela poderia ter feito uma loucura, e isso só graças a você. — Ao ver que ele não respondia e se limitava a olhar para ela, prosseguiu: — Eu vi as marcas que ela tem na parte superior dos braços. Só podem ser de... — Prove. O desafio e o sorriso malvado confirmaram a verdade a Ana, e ela sentiu vontade de lhe dar um pontapé na bunda. Mas, nesse momento, Carolina voltou. — Carol, vá até seu quarto, pegue o trabalho que temos que fazer e um pijama. Você vai dormir em minha casa. Terminaremos tudo lá. Então, Ernesto olhou para a jovem e se dirigiu a ela com uma expressão de que Ana não gostou. — Carolina, pediu permissão a sua mãe? — Vendo que ela não respondia, acrescentou: — Não posso deixar que você saia sem o consentimento dela. — Ela é maior de idade e pode decidir por si mesma — replicou Ana, incomodada. Carolina torceu as mãos, nervosa. Por fim, disse a Ana: — Ele tem razão. É melhor eu ficar em casa, caso mamãe precise de alguma coisa. Terminaremos o trabalho outra hora. — Sábia decisão — murmurou Ernesto. E antes de dar meiavolta para subir para seu quarto, disse: — Carolina, quando essa jovem sair, tranque a porta. Não queremos que nenhum indesejável entre. “Mas que imbecil!”, pensou Ana, mas, por Carolina, calou-se. — Tem certeza? — Perguntou Ana quando ficaram as duas sozinhas na cozinha. — Não gosto nem um pouco desse sujeito. Não confio nele. E ouça o que eu digo, Carol: não é de se estranhar que Rodrigo não fale com ele. Como vocês aguentam um homem assim? — Mamãe o ama, e... — Mas não vê que esse ser absurdo e egoísta está destruindo sua mãe? — Eu vejo, Ana, mas quem tem que ver é ela — respondeu Carolina com toda a dor do mundo. E diante da expressão da outra, murmurou: — Fique tranquila, vamos ficar bem. E, por favor, prometa que não vai contar nada a Rodrigo. — Mas, Carol, eu não pos... — Prometa, por favor — insistiu a jovem. — Eu prometo. Com o coração apertado, Ana pôs o casaco, pegou as sacolas com as roupinhas de seu bebê, e depois de dar um beijo na jovem e recomendar que lhe ligasse se precisasse de alguma coisa, foi embora. Não obstante, ficou com um estranho amargor na boca depois de prometer que não diria
nada. Dois dias depois, Nekane teve uma surpresa. Calvin lhe deu de presente uma viagem ao México. Era o aniversário da mãe dele, e um bom momento para apresentar-lhe sua princesa. — Eu disse a Calvin que é uma loucura — protestou Nekane. — Não posso ir. Falta menos de um mês para que o bichinho venha ao mundo, e eu... — Neka — interrompeu Ana, olhando para a amiga—, quero que você vá e que aproveite a viagem. Você merece. Já cuidou bastante de mim, e se sequer pensar em dizer que não vai, juro que vou ficar brava. — Oh, Deus! Como posso ir? Não vê como você está? Alegre, Ana tocou sua barriga proeminente. — Sim — afirmou—, estou gorda e gravidíssima, mas isso não tem que estragar sua viagem. Além do mais, não se preocupe com o bichinho. Do jeito que cuido bem dele dentro da barriga, aposto que ele não vai querer sair tão cedo. — Mas você vai ficar sozinha. Seus pais estão em Londres. — E apontando-lhe o dedo, disse: — Se quer que eu vá, vou ligar para sua mãe para que ela venha ficar aqui com você. — Se fizer isso — ameaçou Ana —, juro que nunca mais falo com você na vida. Quer que eu enlouqueça, é? Nekane sorriu e se sentou perto da amiga. — É brincadeira, boba! Mas, pense bem: se estiver sozinha e acontecer alguma coisa, quem vai ajudá-la? — Neka, pelo amor de Deus! Tem Encarna, Popov, Esmeralda, e até Rodrigo. Tenho certeza de que qualquer um deles viria rapidamente se eu ligasse. Por favor, não me faça sentir mal por estragar sua viagem. Vá. Não muito convencida, Nekane olhou para Ana e assentiu. Não via graça nenhuma, mas ela tinha razão. — Tudo bem, eu vou, mas, antes, vou garantir que todos estejam 24 horas por dia de olho em você, senão, quando voltar, juro que mato um a um. — Pelo amor de Deus, que chata! — Chata o caramba! Se quiser que eu vá, será com essa condição, certo? — Tudo bem, princesinha, tudo bem! Dois dias depois, as duas amigas se despediam com beijos e abraços no aeroporto de Barajas, diante da cara de felicidade de Calvin, já recuperado. Quando Ana chegou em casa, atendeu a várias ligações de trabalho antes que tocasse a campainha da porta. — Olá, minha linda! — cumprimentou sua vizinha. — Está sozinha? — Sim, mas não se preocupe, estamos bem — disse, tocando a barriga. — Vou descer até o supermercado para comprar pão. Quer que traga para você? Ana pensou, mas por fim disse: — Tenho pão congelado, Encarna. Para hoje é suficiente. — Tudo bem — concordou a vizinha —, mas se precisar de alguma coisa, é só chamar. A jovem assentiu animadamente e fechou a porta. Nesse momento, tocou o telefone. Eram Popov e Esmeralda. — Tudo bem por aí, Plum Cake? — Sim, tudo maravilhosamente bem. — Está sozinha? — Claro — respondeu. — Neka já foi. — Precisa de alguma coisa? — Nãããão!
— Tudo bem — respondeu Popov, rindo. — Mais tarde ligamos de novo. — Tudo bem — assentiu Ana —, mas fiquem tranquilos, não precisam me ligar vinte vezes por dia. Se eu precisar, ligo. Depois de desligar, sorriu. Nekane os treinara direitinho, e intuía o que a esperava naquelas semanas. Às três da tarde, depois de revisar umas fotos, Ana ia preparar alguma coisa para comer quando tocou de novo a campainha. “Encarna”, pensou, mas ficou boquiaberta ao abrir a porta. — O que está fazendo aqui?! Rodrigo lhe deu um beijo no rosto e entrou com várias sacolas nas mãos. — Prometi a Nekane e a Calvin que cuidaria de você, e a melhor maneira de fazer isso é ficando aqui enquanto ela não está. — E ao ver a cara de surpresa dela, disse: — Comprei um frango assado para comer, e agora só falta você dizer que posso ficar no quarto de hóspedes. — Você ficou louco? — Perguntou ela, atônita. — Não. Só quero ficar perto de você para o caso de precisar de ajuda. Você sabe, aura dourada, protetor... — debochou ele. Vendo como ela olhava para ele, esclareceu: — Nosso dia a dia vai continuar igual, você com seu trabalho, eu com o meu. A única diferença é que estarei aqui com você quando não estiver trabalhando e... — Mas você tem sua vida, tem seus encontros e suas coisas, e se ficar aqui comigo, vou atrapalhar e... — Fique tranquila — interrompeu ele, aproximando-se —, vou sobreviver sem encontros por alguns dias. Quando os pombinhos voltarem, volto a sair. Ana não sabia se ficava brava ou grata. Por um lado, ter Rodrigo tão perto era uma delícia, mas, por outro, também era uma tortura. No fim, sorriu e decidiu curtir o momento; mas quando Neka voltasse, ela lhe diria umas coisinhas. Depois de deixar suas coisas no quarto de hóspedes, Rodrigo foi até a cozinha e pegou o pacote que havia levado. — O que prefere, coxa ou peito? — Peito. Trouxe batatas? — Sim. Porção dupla, que eu te conheço — assentiu ele, divertido. — Então quero peito, batatas e uma asinha, mas só se estiver bem torradinha. — Pode comer as duas, não gosto muito. — Legal! Ana, movimentando-se pela cozinha minúscula, pegou dois copos limpos. — O que quer beber? — Água. — Só água? — Sim. Mas sente-se e deixe que eu cuide de você — disse ele, guiando-a até o sofá. Depois de fazê-la sentar, Rodrigo foi até o balcão, e após pegar duas toalhinhas de um jogo americano, uma garrafa de água e dois copos, deixou tudo em cima da mesinha. — Pare! — Gritou Ana. — Que foi? — Perguntou ele olhando para ela, surpreso. Ela se levantou do sofá, pegou uns descansos de copo em um móvel e os pôs em cima da mesa. — Sou neurótica, odeio marcas de copos na mesa. Portanto... aí estão os descansos de copos; e sempre que quiser beber alguma coisa, use-os. — Tuuuuuuudo bem! De bom humor, Rodrigo voltou à cozinha e serviu dois pratos de comida. Em seguida, voltou e os deixou na mesinha. — Bom apetite! — disse. Ao olhar o prato de Rodrigo e ver a outra metade do peito, duas coxas e as batatas, Ana perguntou:
— Você vai comer tudo isso? — Sim! — Você come, hein? — Gosto de comer — sorriu ele, devorando a comida. — Comendo tanto — disse Ana depois de mastigar um pedaço de frango —, deve ter que treinar bastante na academia para manter esse corpão, não? — Você acha que eu tenho um corpão? — Interrogou ele, sorrindo. Vermelha como um tomate, ela não sabia para onde olhar; mas ele estava esperando uma resposta, de modo que assentiu. — Sim... acho que você tem um corpo sarado. — Bombeiros fazem bastante exercício físico para se manter em forma, não sabia? — Sabia. Como ela se calou, Rodrigo não tornou a tocar no assunto. Notou uns CDs que havia em cima da mesinha. — O que é isso? — Alguns dos meus filmes preferidos. — Quais são? — Inquiriu ele com curiosidade antes de levar um bom pedaço de frango à boca. — Outono em Nova York e Doce Novembro. — E ao ver como ele olhava para ela, acrescentou: — E antes que diga qualquer coisa, eu adoro esses filmes e gosto de vê-los, apesar de que... bem... os finais são meio pesados. — Pesados? Como assim? Ao vê-lo tão interessado, Ana olhou para ele e acrescentou, depois de levar uma batata à boca: — Ah, não vou contar. Se quiser saber, vai ter que assistir. Aquela noite, juntos no sofá, assistiram a Doce Novembro, e Rodrigo, com o coração apertado por causa do tema do filme, viu Ana chorar desconsoladamente, ao passo que ele às vezes fazia um esforço para segurar as lágrimas. Ele não chorava. Tentou consolá-la, mas ela rejeitou suas palavras com grunhidos e acenos de mão. Ele perguntou mil vezes se queria que parasse o filme ou desligasse, mas ela, com um fio de voz, negava com a cabeça, e chorava sem parar. Quando acabou, Rodrigo, vendo-a soluçar a seu lado, perguntou: — Como você pode ver isso? É deprimente! Assoando o nariz, ela engoliu o nó de emoções que aquele filme lhe provocava sempre que o via e murmurou, toda entupida: — Não é deprimente. — Mas você não parou de chorar, pesseguinho! — Esse filme é uma linda história de amor! Duas pessoas se conhecem, se apaixonam e uma... uma maldita doença as separa, não viu? — Disse ela gemendo diante da cara de desconcerto dele. — Não vê como a vida é cruel às vezes? Quando finalmente estão felizes, quando finalmente encontram a pessoa que os complementa e as faz sorrir o tempo todo, zás! Uma desgraça estraga tuuuuuuudo! E... e... diante disso, nada se pode fazer, exceto assumir que a vida continua sem essa pessoa que ilumina tudo, que o ama com candura e... e... Oh, Meu Deeeeus! — Pare, não fique assim; é só um filme. — Sim... é só um filme — repetiu ela, soluçando. — Mas esse filme é uma história, e tenho certeza de que, infelizmente, existem casos como esse no mundo, e eu... eu... Alarmado com o pranto de Ana, ele foi responder quando ela se levantou do sofá com o cabelo todo revirado e o nariz vermelho como um tomate e disse, sem deixá-lo falar: — O que é realmente deprimente é ouvir você falar e sentir que não tem coração. Você pode ter um corpo escultural, sair com todas as mulheres que quiser, ter centenas de coisas banais e absurdas, mas nunca, nunca vai amar, nem será amado, como neste filme lindo, comovente e alucinante, porque
você nunca vai saber o que é viver e se alimentar de amor. E então, dando meia-volta e deixando Rodrigo totalmente aturdido, foi dormir. Durante aqueles dias que passaram juntos compartilharam risos, confidências e momentos de tranquilidade. Ana descobriu que Rodrigo gostava de ler sobre motociclismo, odiava geleia de framboesa e era louco por purê de batata. Ele descobriu que Ana gostava de tomar um licor com chocolate em pó antes de dormir, que acordava todos os dias com um humor excelente e que adorava chorar vendo filmes. Uma tarde, Rodrigo chegou do trabalho e foi direto tomar banho, enquanto Ana terminava um trabalho no notebook. Tocaram a campainha e ela se levantou para abrir. — Olá, bonitinha! — Cumprimentou Encarna. — Você está bem? — Perfeitamente. — Trouxe um pouquinho de lentilha — sussurrou ela, mostrando-lhe um enorme pote azulão. — Tem bastante ferro. — Um pouquinho? — Debochou Ana ao ver o tamanho do recipiente. — Bom, tudo bem, fiz uma boa porção, e aproveitei para pôr um punhadinho a mais para você e o bombeiro bonito. A propósito, tem alguma coisa para contar? — Encarna... que mente mais suja você tem! — Ora, filha, como não ter com um gato desses! Ambas riram. — Ele só está aqui para o caso de eu precisar dele, nada mais — esclareceu Ana. — Mas entre, não fique aí parada na porta. A jovem deixou o pote enorme em cima do balcão da cozinha. — Quer um cafezinho? — Não, menina, já são mais de sete, e se tomar, não consigo dormir a noite toda e fico pensando bobagens. O que estava fazendo? — Terminando um trabalho. — Ah, então vou indo, que você está atarefada. Neste momento, abriu-se a porta do banheiro e saiu Rodrigo, lindíssimo, só com uma toalha em volta da cintura e o cabelo molhado. — Mamma mia! — Murmurou a mulher, olhando para ele. Ana sorriu, e Rodrigo, ao ver a vizinha que achava tão simpática, sem se importar com sua aparência foi até ela para cumprimentá-la. — Encarna, prazer em vê-la por aqui! A mulher, vermelha diante da presença e da nudez de Rodrigo, estendeu a mão, e pegando o pote, disse com um fio de voz: — Trouxe lentilha. — Hummm, que delícia! — assentiu Rodrigo. Notando o constrangimento de Encarna e a cara de deboche de Ana, disse: — É melhor eu me vestir, senão vou me resfriar. Dito isso, deu meia-volta e desapareceu pelo corredor. Quando Ana ouviu a porta do quarto se fechando, pegou o pote de lentilha das mãos de Encarna e o deixou de novo no balcão. — Terra chamando Encarna... Terra chamando Encarna. Voltando a si, a mulher, ainda abalada pelo que havia visto, olhou para a jovem. — Puta que pariu! — Murmurou, abanando-se com a mão. — Eu nunca vi um homem em trajes tão pequenos! Ana riu, e a outra disse: — Ande, dê-me um copinho de água, que até minha língua secou. Ana encheu um copo e o entregou a Encarna. A reação da mulher era muito divertida.
— É impressionante, não é? — perguntou Ana. — Sim, sim, sim. E embora não pegue bem eu dizer isso, com a idade que tenho, mas se eu tivesse trinta anos a menos, hoje não seria virgem. — Boquiaberta com aquela revelação, Ana foi dizer algo quando a galega acrescentou: — Isso mesmo, filha, sim... vou morrer sem ter experimentado um homem. Ambas riram. — Viu que brações tem esse rapaz? — Sussurrou Encarna, já recuperada. — Ah, sim, claro que vi! — E essas pernas looooongas e musculosas — prosseguiu a mulher, totalmente alucinada. — Não me surpreende que você tenha ficado maluquinha. Se eu fiquei, e posso ser avó dele! E me pergunto, você continua gostando dele, não é? — Não... — mentiu Ana. — Hoje, vejo-o como um simples amigo. — Filha... você está bem da vista? — Perfeitamente — brincou Ana. — Pelo amor de Deus! Você tem esse pedaço de homem em casa todas as noites e não pensa em coisas luxuriosas e pecaminosas? — Encarna! — E ele anda sempre assim pela casa? Peladinho? — Não — negou Ana, rindo e olhando para sua vizinha aturdida. — Ele acabou de sair do chuveiro. — Pois então me diga a que hora ele toma banho todos os dias para eu descer e lhes trazer um pote — comentou Encarna. Neste momento ouviram uma porta se abrir, e dois segundos depois, Rodrigo apareceu na sala com uma bermuda cáqui e uma camiseta vermelha. Vendo que a mulher estava mais tranquila, aproximou-se. — Quando você vai fazer rosquinhas? Juro, Encarna, que são as melhores rosquinhas que já comi na vida. Isso sem falar nas panquecas, que delícia! Com uma faceirice que até então a mulher nunca havia demonstrado, Encarna tocou o cabelo, e dando meia-volta para sair, disse: — Quando quiser. Amanhã mesmo, basta pedir. Dito isso, a vizinha foi embora, e Ana, com um sorriso irônico, murmurou, fazendo-o rir: — Saiba que a partir de hoje vamos ter suprimento de rosquinhas e panqueca para a vida toda. Os dias se passaram e a conexão entre eles foi se aprofundando. Encarna, como bem previra Ana, encarregou-se de que nunca lhes faltasse comida, e ele, adorando, devorava tudo. De repente, aquela mulher e Rodrigo começaram a se dar superbem, e não era raro ver os dois voltando do supermercado conversando e rindo. Uma tarde, Ana estava sozinha em casa quando, de repente, alguma coisa começou a tocar. Surpresa, Ana olhou ao redor, até que encontrou o celular de Rodrigo caído no sofá. Tocou durante mais alguns segundos, mas ela não atendeu. Quando parou, Ana sorriu e voltou a seu trabalho, mas, segundos depois, começou a tocar de novo. Dessa vez ela pegou o aparelho e leu na tela “Colégio Álex”. Então, sem hesitar, atendeu à ligação. — Alô? Boa tarde — disse a voz de um homem. — Gostaria de falar com Rodrigo Samaro. Confusa, sem saber realmente o que dizer, respondeu: — Sim, é o celular dele, mas ele não pode atender agora. — Temos urgência de falar com ele — insistiu o homem. — Sou o zelador do colégio do irmão dele, Alejandro Samaro. — Aconteceu alguma coisa com Álex? — Perguntou ela, preocupada. O homem que estava do
outro lado da linha, ao escutar a pergunta, respondeu com outra. — Com quem falo? Desculpe a pergunta, mas a senhora é parente? Senão, não posso lhe dar informações. — Sou Carolina Samaro, irmã de Rodrigo e Álex — mentiu ela. — Oh, é um prazer! Estamos com um problema. Ligamos para sua casa e ninguém atende ao telefone. Seu irmão Álex está há cerca de duas horas esperando que sua mãe venha buscá-lo, e o rapaz está bastante angustiado. O colégio fechou já faz uma hora, e como seu irmão Rodrigo nos deixou avisado que ligássemos para ele se acontecesse alguma coisa, eis aqui o motivo da chamada. Com rapidez, Ana pensou em uma solução. — Não se preocupe, meu irmão ou eu iremos buscá-lo no colégio. Com certeza mamãe teve um imprevisto. A propósito, qual é o endereço mesmo? Ela anotou em um papel os dados que o homem lhe deu e desligou. Rapidamente ligou para o grupamento de bombeiros para avisar Rodrigo, mas disseram que ele havia saído para atender a um chamado. Então, ligou para Carolina, mas o telefone estava desligado ou fora de área de cobertura. Deixou uma mensagem na caixa postal. Pensou em localizar o pai deles, mas não tinha o telefone dele e não queria fuçar no celular de Rodrigo. Por fim, pegou o carro e se dirigiu ao endereço que havia anotado. Ao chegar, como lhe havia dito o zelador, o colégio estava fechado. Seguindo as plaquinhas que viu, chegou a uma pequena recepção, e ao entrar, encontrou um homem lendo um jornal. — Olá! Boa tarde — cumprimentou Ana. — Vim buscar Álex. O zelador, que não a conhecia, assentiu, e abrindo uma porta, disse: — Álex... vieram buscá-lo. Quando Ana viu o rosto assustado do jovem, uma ternura incontrolável fez que corresse até ele e o abraçasse. Estava assustado, e Ana, com carinho, sussurrou depois de lhe dar um beijo: — Fique tranquilo, meu querido, vou levá-lo para casa. Álex não falou, só assentiu. Quando saíram do colégio, entraram no carro de Ana, e ela tentou brincar com ele para fazê-lo sorrir enquanto dirigia até a casa dele. Quando chegaram, Álex pulou do carro e correu pela escadinha até chegar à porta. Tocou a campainha, mas ninguém abriu. — Mamãe... deve estar dormindo. — Certeza que sim, querido — murmurou Ana, olhando ao redor. — Com certeza deitou para tirar um cochilo e perdeu a hora. Neste momento, o celular de Ana tocou. Era Carolina. Ana lhe contou o acontecido, e a jovem, apressada, disse que estava a caminho. Em dez minutos chegaria. Quando Ana desligou o telefone, Álex estava olhando para ela mostrando-lhe uma chave. — De onde tirou isso? — Daqui — disse ele, enfiando a mão entre uns galhos secos. — Po... podemos entrar. Esta é a chave de e... emergências. Tirando a chave das mãos dele, Ana abriu a porta, e ao entrar, disse com rapidez: — Álex, pode me trazer um copinho de água? Quando o garoto foi para a cozinha, Ana entrou rapidamente na sala e respirou aliviada ao ver que estava intacta. Ao se voltar, encontrou o jovem e bebeu de um gole só o copinho que ele lhe oferecia. — Sente-se na sala. Vou ver se sua mãe está dormindo. Álex obedeceu, e ela subiu a escada. Foi até o quarto de Úrsula e bateu na porta, mas ninguém respondeu. Então abriu-a vagarosamente e, ao colocar somente a cabeça para dentro para olhar, não se surpreendeu ao encontrar a mulher deitada na cama. Rapidamente se aproximou, e após tomar-lhe o pulso, respirou aliviada. Estava viva, mas bêbada como um gambá. Dois segundos depois, abriu-se
a porta do quarto e entrou Carolina, que ao ver a mãe naquele estado, começou a chorar. — Não... não... não — disse Ana rapidamente, abraçando-a. — Agora não é hora de chorar. Álex está ali embaixo, e se vir sua mãe assim, vai se assustar demais. Venha, vamos levá-la para o chuveiro. Isso e litros de café vão fazê-la acordar. As duas juntas levaram Úrsula ao banheiro, e sem despi-la, colocaram-na com cuidado na banheira para depois abrir o chuveiro. Minutos depois, Úrsula reagiu. Durante duas horas tentaram fazê-la se recompor. Nesse intervalo de tempo, mais de uma vez o celular de Ana tocou. Era o número do trabalho de Rodrigo. Mas ela não atendeu. Não saberia o que lhe dizer. Por fim, às 21h30, conseguiram descer à sala com Úrsula. Álex, ao ver sua mãe, sorriu e a abraçou. — Mamãe! Que cochilo grande! A mulher, envergonhada, assentiu e o abraçou. Depois, sentou-se no sofá. Carolina, ao ver o olhar de sua mãe, pegou a mão de seu irmão e disse: — Venha, vamos fazer alguma coisa para jantar. Quando Úrsula e Ana ficaram sozinhas na sala, a mulher cravou seus olhos azuis impactantes na jovem. — Eu lhe agradeço pelo que fez — murmurou. — Estou tão envergonhada que... Comovida pelo que dizia aquela mulher que havia encontrado em estado ébrio, Ana se aproximou, e sem pensar duas vezes, sentou-se a seu lado. — Talvez eu esteja me metendo onde não devo, mas tenho que lhe dizer que se não fizer algo para mudar sua situação, vai destruir a si mesma e a sua família. — Não sei a que está se referindo — balbuciou a mulher. — Ouça, senhora, eu sou a última pessoa que devia lhe falar sobre isso, mas imagino o que está passando; e antes que me solte alguma de suas grosserias, quero que saiba que eu conheço esse círculo vicioso; só a senhora pode sair dele, porque se continuar, vai levá-la à destruição. Isso não é bom nem para a senhora nem para seus filhos. Eles não são bobos, e cedo ou tarde vão perceber o que está acontecendo. Hoje a senhora teve sorte ao não ter ficado com nenhuma marca no corpo, mas da próxima vez Carol pode ver, e... Sentindo-se completamente aturdida, a mulher cobriu o rosto e começou a soluçar. Não queria perguntar o evidente à jovem. Ao sentir a mão de Ana no braço, enxugou as lágrimas e sussurrou: — Por favor... não quero que Rodrigo fique sabendo disso. — Fique tranquila, vou guardar segredo, mas se não resolver as coisas, no fim vou ter que contar a ele. Entenda minha inquietude por saber o que sei; não quero me sentir culpada pelo resto da vida por não ter dito nada se um dia acontecer alguma coisa. Pense em seus filhos. Em especial em Carol e Álex. Eles vivem aqui com a senhora. E não se esqueça de Rodrigo. Ele, sem saber a verdade, a cada dia está mais perto de descobri-la, e se ele soubesse o que eu sei, garanto, senhora, que... — Eu sei... eu sei... O celular de Ana tornou a tocar. Era o número de sua casa, e com certeza era Rodrigo. Dessa vez, atendeu. — Caralho, Ana! Eu liguei mil vezes. Fiquei preocupado. Onde você se meteu? Está tudo bem? Afastando-se uns metros de Úrsula, que a observava, tirou o cabelo do rosto e tocou a orelha. — Puxa, desculpe! Acabei de ver duas chamadas perdidas. Estava com uma amiga e não devia ter sinal no lugar. A propósito, estou com seu celular. Você o esqueceu no sofá. — Ótimo! Achei que o havia perdido — e então, recordou algo: — Disseram-me que você ligou no grupamento atrás de mim. Aconteceu alguma coisa? A jovem olhou rapidamente para Úrsula, e ciente de que não devia dizer nada, respondeu: — Era para dizer que... que eu ia sair com essa amiga para que você não se assustasse quando chegasse. Mas, está tudo bem, e daqui a pouquinho chego.
— Quer que eu vá buscá-la? — Não... Rodrigo... não venha, estou de carro. Faça alguma coisa para jantar porque vou chegar com uma fome atroz. — Num diga, jura? — Disse ele, rindo. E antes de desligar, disse: — Cuidado com o carro. Sorrindo, Ana desligou. — Era meu filho? — Perguntou Úrsula. Ela não estava disposta a mentir para Úrsula, de modo que a olhou e assentiu. Enquanto isso, pegou o celular de Rodrigo na bolsa e apagou as chamadas feitas e recebidas. Tinha que se livrar de todas as provas se não quisesse que ele descobrisse. — Ele é um bom rapaz... muito bom. Ana sorriu. — Sim, senhora, é maravilhoso — depois de apagadas as chamadas, tornou a guardar o celular na bolsa. — Durante estes dias que minha amiga que mora comigo não está, ele tem a preocupação de que eu esteja bem. Mas fique tranquila, não se alarme, entre seu filho e eu não há nada além de amizade. Úrsula assentiu. — Rodrigo sempre foi especial, atencioso e maravilhoso com todos nós, e eu... eu o decepcionei como mãe. Ana não quis entrar nesse assunto porque sabia que o que Úrsula dizia era verdade; ele lhe havia contado. — A senhora devia sentir orgulho dele. Sabe o que meu pai disse quando Rodrigo me defendeu por causa de um problema? — Úrsula negou com a cabeça, e Ana prosseguiu: — Que lhe era grato por ele me tratar como uma princesa, e que isso significava que havia sido criado por uma rainha. E eu acredito nisso, só que essa rainha perdeu o leme de sua vida e precisa recuperá-lo. E sabe por quê? Porque na vida tropeçar é permitido, e levantar é obrigatório. Aquelas palavras deixaram Úrsula emocionada, especialmente por virem da garota a quem havia tratado com tanto desprezo. Foi responder, mas neste momento entrou Carol, e olhando para a mãe, perguntou, hesitante: — Importa-se se eu convidar Ana para jantar conosco? A jovem não esperou a resposta; antecipou-se e pegou a bolsa. — Obrigada, mas não posso. É tarde, e quero voltar para casa. Então, disse adeus com a mão para Úrsula, e Carol a acompanhou até a porta. Quando a mulher ficou sozinha na sala, comovida pelas palavras que Ana lhe havia dito, chorou. A coerência daquela jovem, que a havia comparado com uma rainha quando se sentia uma merda, era um sopro de ar fresco que pretendia aproveitar.
17
Nas noites em que Rodrigo não trabalhava adorava fazer o jantar com Ana para depois se sentarem para ver a série de TV favorita dela, Grey’s Anatomy. Via de regra Ana chorava durante o episódio, ele ria e ela lhe dava almofadadas para que parasse de rir. A jovem havia omitido o que havia acontecido dias antes com Úrsula. Não queria pôr o dedo na ferida. Na quinta-feira, Rodrigo chegou às nove da manhã do trabalho. Havia tido um turno complicado, e depois de descansar algumas horas e comer, acompanhou Ana à consulta de rotina. No hospital, ficou sem palavras quando fizeram um ultrassom e ele viu o rosto do bebê; e ficou impressionado quando a levaram para uma sala para monitorá-la e ela lhe explicou que aquilo que parecia uma locomotiva era o coração do bichinho. Aquele mundo era novo para ele e tudo o surpreendia, como se fosse um pai de primeira viagem. Quando a médica lhes disse que estava tudo sob controle e o bebê em perfeito estado, decidiram ir passear por El Retiro. Morrendo de sede, compraram umas bebidas e se jogaram na grama para tomar sol. Tudo que Rodrigo fazia com Ana era novo e divertido para ele. De repente, sua prioridade era simplesmente estar com ela, e isso, de certo modo, assustava-o. O que estava acontecendo? Por que preferia ficar jogado no sofá vendo um filme com ela a estar com outras mulheres? Mas, disposto a não pensar nisso, deixava-se levar e curtia o momento. Aquela noite, enquanto estavam jogados no sofá, ele lendo uma revista de motos e ela um livro, de repente Ana deu um pulo. — Que foi? — Perguntou ele, olhando para ela. — Ai! Que chute! — murmurou ela, levantando-se. — Acho que o bichinho está com fome. Rodrigo sorriu, mas ao vê-la voltar com os potes de picles e creme de avelãs, levou as mãos à cabeça. — Por favor, Ana, como você consegue comer isso? — Adoro! Quer? — De jeito nenhum! Aquela mistura lhe parecia repugnante. — Não sabe o que está perdendo. Sobra mais para mim. A propósito, não quer preparar meu licorzinho com chocolate? Acho que não vou demorar para ir para a cama. — Você não vê que vai te fazer mal? — Comentou ele, espantado ao ver como ela misturava a comida. — Vai nada... — Sentando-se ao lado dele, começou a rir. —Sei que é nojento, mas o sabor me deixa maluca. Imagino que deve ser coisa dos hormônios. — Por que você joga a culpa de tudo nos hormônios? — Porque a culpa é deles — e lhe mostrando o livro que estava lendo, intitulado Por Que Me Sinto Estranha na Gravidez, acrescentou: — Aqui diz que os hormônios são... — Sim, são culpados de tudo — debochou ele. — Tudo bem, vou ficar calada. Não quero discutir. Ele bagunçou o cabelo dela alegremente. — Pesseguinho, eu também não quero discutir. — Tudo bem. Então, deixe-me ler e amaldiçoar os malditos hormônios enquanto como picles com
creme de avelãs. Sem dizer mais nada, cada um continuou com o que estava fazendo, até que ela, levantando-se, murmurou enquanto caminhava para o banheiro: — Já estou me mijando outra vez. Meu Deus do céu, vou me desidratar de tanto fazer xixi! Rodrigo sorriu. Ana era tão divertida com seus comentários que era impossível não rir. Naquela noite, como em todas as anteriores, cada um foi para sua cama. Mas, às quatro da manhã, Ana sentiu suas pernas molhadas. Acordou assustada e pensou: “Meu Deus, estou mijando na cama!”. Rapidamente se levantou, e horrorizada ao ver que não podia se conter, correu para o banheiro. Mas, ao chegar, soube que a bolsa havia estourado. Assustada, sentou-se no vaso sanitário e ficou um bom tempo sem saber o que fazer. Segundo o previsto, faltavam três semanas para o bebê nascer. — Meu Deus, isso não acaba! — Murmurou ao ver que o fiozinho de água parecia não ter fim. Olhou a camisola, que estava molhada, e tirou a calcinha. Estava encharcada. De repente, uma contração a fez arregalar os olhos. Quando a dor passou, sem se importar com sua aparência, levantou-se e entrou no quarto de Rodrigo, que acordou com o barulho. — Ai, meu Deus! — Que foi? — Acho... acho que o bichinho quer sair. — Como?! — Gritou ele, desconcertado, e acendeu a luz. — Acho que a bolsa estourou, porque a água não para de escorrer, e... e... Oh, Meu Deeeeeus, que doooor! Rodrigo se levantou rapidamente, aturdido, e ao vê-la contrair o rosto, pegou-a e a fez se sentar na cama. — Que foi? — Acho... acho que estou tendo contrações. Temos que ir para o hospital. Rodrigo se vestiu depressa, com a pulsação a mil. Depois de pôr os sapatos, olhou para Ana e lhe deu a mão. — Vamos. — Você não acha que vou sair de casa deste jeito, não é? — Respondeu ela, retirando a mão. — Mas você não disse que temos que ir para o hospital? — Sim, mas não assim — esclareceu ela. Nervoso por vê-la de repente tão relaxada em um momento assim, sibilou: — Ana... você está em trabalho de parto! Vamos. — Não grite comigo! — Não estou gritando — defendeu-se ele. — Só disse que temos que ir para o hospital. — Acho ótimo — grunhiu ela, já recuperada da contração —, mas não pretendo ir com a camisola molhada e sem calcinha, ouviu? — Tudo bem, tudo bem... O que quer que eu faça? — Ajude-me a chegar a meu quarto. Com cuidado, ambos foram até o quarto dela, e ao chegar, uma nova contração atravessou o corpo de Ana, paralisando-a. — Estou ficando histérico — resmungou ele olhando para ela. — Pois então, relaxe, porque tenho que me vestir — respondeu Ana quando a dor aguda havia passado. Mas incapaz de se levantar, disse, apontando para a cômoda: — Abra a gaveta e me dê uma calcinha. Ele fez o que ela ordenara, e ao pegar uma calcinha de corações, que ao se desdobrar se transformou em uma calçola de velha, ele perguntou, divertido: — Isto é o que você chama de calcinha? Arrancando-a das mãos dele, ela o olhou com cara de poucos amigos enquanto a vestia.
— Se disser mais alguma bobagem, vou matá-lo! Ele, tentando não rir, assentiu. — Agora, peque no armário uma camiseta e a calça jeans que está pendurada à direita. Imediatamente Rodrigo fez o que ela lhe dizia. — Merda... acabei de encharcar a calcinha de novo! — exclamou ela quando ele já estava lhe dando a roupa. — Mas o que tenho aí, as cataratas do Niágara? Sem olhar para ela Rodrigo foi ao banheiro de Ana, e depois de revirar as coisas, saiu com um pacote de absorventes. Depois, abriu de novo a gaveta de calcinhas. Ao ver a faixa de vaquinhas, sorriu e disse: — Tome uma calcinha seca. — Sem ironia, bonitão! Sem lhe dar bola, ele disse: — Também peguei uns absorventes, caso queira. — E quem te pediu, espertinho? Querendo matá-la por conta do mau humor e pela parcimônia que via nela, apesar do aparente medo no rosto, Rodrigo murmurou: — Quer pôr isso de uma vez por todas para que possamos ir para o hospital? — Fale direito comigo, viu?! A parturiente aqui sou eu! — Gritou Ana, histérica. — Tudo bem... — suspirou ele. E ciente do medo no rosto dela, repetiu: — Por favor, Ana, depressa para que possamos ir para o hospital. A jovem tentou tirar a camisola, mas estava tão nervosa e travada que mal tinha forças para puxála. Rodrigo a ajudou, e quando ficou totalmente nua diante dele e o viu cravar os olhos em seus grandes seios, gritou: — Pare de olhar meus mamilos! Eu sei que estão horrorosos, escuros e enormes, mas é coisa da gravidez. — Caralho, Ana, quer parar de grunhir e acabar de se vestir? — E você quer parar de me olhar com essa cara de “Oh, meu Deus, que gorda”? Sem responder, ele continuou vestindo-a, e quando conseguiu levá-la para o corredor, uma nova contração a fez se contorcer. — Pegue a bolsa do bichinho — disse Ana antes de sair. Rapidamente Rodrigo a pegou e saíram de casa. No carro, Rodrigo estava nervoso. Acelerava cada vez que ela contraía o rosto de dor e passava os semáforos vermelhos. — Eu não pretendo pagar as multas — protestou Ana. — Quer ficar de bico calado? Quando chegaram ao hospital La Milagrosa, ele parou no pronto-socorro e a ajudou a descer. O porteiro que a recebeu pediu-lhe que fosse estacionar o carro direito. No início, Rodrigo se negou; não queria deixá-la sozinha de jeito nenhum. Mas diante da insistência dela, no fim, para não ouvi-la resmungar, foi. — De fato, a bolsa estourou e você está com quase três centímetros de dilatação — apontou a médica de plantão, reconhecendo-a. — Mas... mas... — sussurrou Ana, desconcertada. — Ainda faltam três semanas para a data do bichinho nascer. — Não se preocupe. Com certeza seu bebê vai nascer forte e saudável. Se faltasse mais tempo eu me preocuparia, mas três semanas não é motivo para se assustar. — E voltando-se, a ginecologista disse a uma jovem enfermeira: — Interne-a e preparem-na para o parto, porque, pelo que vejo, este bebê está a fim de nascer. Você veio sozinha? — Não — Ana conseguiu balbuciar. — Melhor — e entregando-lhe uns papéis, explicou: — Peça a seu acompanhante para passar pela recepção para preencher a internação. E venha! Coragem, que você vai ter um bebê lindo.
Com o medo estampado no rosto, Ana se deixou guiar pela enfermeira, enquanto passavam por sua cabeça centenas de perguntas; por exemplo, se já devia ligar para seus pais. Trocou de roupa e pôs uma camisola, e quando Rodrigo chegou, a enfermeira que acompanhava Ana lhe disse que ele tinha que descer para fazer a internação. Ele saiu de novo. Quando subiu, vinte minutos depois, Ana estava arfando e suando em bicas. — Como você está? — Um caco — murmurou ela entre suspiros. E com os olhos cheios de lágrimas, disse, desconsolada: — E, ainda por cima, disseram que não podem me dar anestesia. — Por quê? — A médica disse que com a dilatação tão rápida, não vou precisar. Rodrigo assentiu. Não sabia nada sobre partos, anestesias e essas coisas, de modo que pegou a mão dela e sorriu. — Vamos... sorria. — É fácil falar. Queria ver você em meu lugar — protestou Ana, apertando a mão dele. Convencido Pela expressão dela de que aquilo devia doer muito, ele tentou acalmá-la. — Pense positivo. Hoje você vai conhecer o bichinho. — Siiiiiiiiim — suspirou ela, contorcendo-se de dor. Segundos depois a dor diminuiu, mas o medo no rosto dela continuava. Rodrigo, disposto a ajudála em tudo que pudesse, passou um pano úmido por seu rosto. — Já escolheu o nome? — Não... Não tive tempo! — E segurando a mão dele com força, fez Rodrigo entender que a dor havia voltado. — Aiiiiiiiiiii, que doooooooor! Neste instante, vendo-a arfar e se contorcer, angustiado, ele chamou a enfermeira. Ao comprovar a dilatação, ela disse: — Vamos, baixinha... vamos para o centro cirúrgico. — Depois de pedir por telefone dois auxiliares para o quarto 323, olhou para Rodrigo e perguntou: — Você é o marido, não é? Ana e Rodrigo se olharam, e ele, sem hesitar, respondeu: — Sim. — Então, venha comigo que vou fantasiá-lo de verde. Dois minutos depois chegaram dois auxiliares, tiraram a cama do quarto e a levaram até o elevador. Ali, Ana, ainda de mãos dadas com Rodrigo, deu-lhe um puxão e murmurou: — Você é masoquista mesmo. Por que está indo comigo? Ele sorriu, e depois de lhe dar um beijo na ponta do nariz, tocou a orelha, fazendo-a rir, e disse na frente da enfermeira e dos auxiliares: — Já sabe, querida, como dissemos na frente do padre: na alegria e na tristeza. Quatro horas e meia depois de estímulos entusiasmados para que fizesse força, e de ela obedecer, reclamar, rir e chorar, chegou ao mundo um lindo bebê de 2,870 quilos. Rodrigo continuava surpreso. Aquele pequeno ser que berrava nos braços da enfermeira enquanto ela o lavava e vestia havia acabado de nascer, e ele havia sido testemunha direta. A médica até o incentivara a cortar o cordão umbilical. Ana estava meio adormecida na maca e ele não tirava os olhos de tudo que acontecia a seu redor. Ela havia sido fantástica, e o que acontecera deixara Rodrigo confuso. Sem poder evitar, voltou o olhar, e ao observar com carinho o rosto cansado e bonito de Ana, algo dentro dele se agitou. Aquela linda garota e suas circunstâncias peculiares estavam derretendo seu coração. De repente, seu mais primitivo instinto protetor o dominou e ele desejou com todas as suas forças cuidar de Ana e do bebê. Seu coração se acelerou e ele sentiu um frio no estômago. Continuava em estado de choque quando a enfermeira que o havia vestido de verde chegou e pôs a criança em seus braços.
— Parabéns, papai. Aqui está seu filho. Qual é o nome dele? — Não sei — conseguiu balbuciar. E ao ver como a enfermeira o olhava, acrescentou:— Ela, minha... minha mulher escolheu o nome. Quando a enfermeira se afastou, perplexo, vestido de verde e com o bebê no colo, Rodrigo olhou para a criança. Aquele carequinha de pele suave e cheiro doce mexia os bracinhos e fazia biquinho enquanto emitia uns barulhinhos estranhos. Com carinho, aproximou-o de seu rosto para dar um beijo naquela cabecinha, e ao levantar o olhar, viu que Ana os observava. Depois de trocarem um sorriso de verdadeira adoração, enternecido pelo momento, Rodrigo se aproximou. — Ana... este é o bichinho — E sorrindo, murmurou: — Bichinho, esta moça morena tão linda aqui chorando é sua mãe. Mas não se engane, ela é uma verdadeira bruxa que adora criticar. Emocionada como nunca na vida, as lágrimas corriam pelas faces de Ana. Aquele pequenininho era o bebê mais bonito do mundo. Estendendo a mão, tocou com cuidado o rostinho dele e sussurrou: — É lindo, mas com este gorro que puseram na cabeça dele parece um pedaço de presunto. Rodrigo sorriu com a tirada de Ana, e se aproximando do bebê de novo, murmurou: — Eu disse. Já está começando a criticar. Rindo com o comentário, Ana levou a boca à testa da criança, e fechando os olhos, aspirou seu cheiro e o beijou. — Olá, Dani! Eu sou sua mamãe. Ambos sorriram ao escutar aquele nome pela primeira vez. Rodrigo, sem querer evitar, aproximou-se mais, e abaixando-se, deu um doce e terno beijo nos lábios de Ana. O arrepio que sentiu com aquele contato o deixou extasiado, e ele só saiu do transe quando ela, tocando-lhe o rosto com carinho, disse: — Obrigada, Rodrigo. Obrigada por estar aqui. A loucura se apoderou de todos quando, horas depois, Rodrigo, orgulhoso, ligou para dizer que o pequeno Daniel havia nascido antes do esperado. Ele estava emocionado como poucas vezes na vida. Sentir-se parte importante do que havia acontecido naquele centro cirúrgico o deixara abalado. Ele nunca imaginou que em um momento tão tenso e doce ao mesmo tempo seus sentimentos despertariam e o surpreenderiam. Ele a observava de tal forma que Ana estranhou. Rodrigo sempre havia sido gentil e atencioso com ela, mas ali, naquele momento, sentiu uma conexão especial com ele que até a assustou. Sem poder evitar, quando acabou de falar com Esmeralda ao telefone, pegou a mão dele. — Você está bem? Ele a olhou surpreso e se sentou na cama ao lado dela. — Claro! — E afastando-lhe o cabelo em um gesto íntimo e muito possessivo, perguntou: — E você, está bem? — Sim, mas não vou negar que estou exausta — respondeu ela pestanejando, confusa ao sentir aquele olhar indescritível. Sem parar de mexer no cabelo dela, e posteriormente no rosto, Rodrigo sussurrou: — Você está linda, Ana. Mais bonita que nunca. Ela limpou a garganta. O que estava acontecendo? — Estou dopada e sou presa fácil — disse, sorrindo com ele. — Por que tanto elogio? Dando-se conta de repente de como estava se comportando, Rodrigo se levantou da cama, e franzindo o cenho, desconcertado, conseguiu dizer: — Ande, vamos ligar para Nekane e Calvin para lhes dar a notícia. Como ambos já sabiam, quando ligaram para o México, Nekane gritou e blasfemou por não ter estado presente em um momento tão importante. Mas, no fim, chorou como um bezerro desmamado segurando a mão de Calvin ao saber que tudo havia corrido bem. Naquela tarde, depois de receber a
visita de vários amigos, Frank e Teresa, avós orgulhosos, apareceram no hospital direto do aeroporto. Ao entrar e ver a filha com o bebê no colo, Teresa levou as mãos à boca, e com o queixo trêmulo, começou a chorar. Frank, ao ver a emoção no rosto de sua mulher, abraçou-a. — Agora não, querida. Ou você quer que a primeira imagem que seu neto tenha de você seja chorando? — Mamãe, por favor, não chore. — Isso mesmo, Teresa, não chore — disse Rodrigo rindo depois de lhe dar um beijo e apertar a mão de Frank—, que sua filha já chorou por você, por mim e por todo mundo. Enternecida, a mulher se aproximou da cama da filha e lhe deu um beijo emocionado no rosto. Ao ver o bebê, murmurou, comovida: — Ah, meu Deeeeeus! Ah, meu Deeeeeus! — Que foi, mamãe? — Perguntou Ana, assustada. — Nossa, Ana Elizabeth, este menino é igualzinho ao pai. Rodrigo, filho, ele é igualzinho a você! — Mamãe! — Protestou Ana. Como ela podia dizer uma bobagem dessas? — Mas, Ana Elizabeth, você não vê? — Não, mamãe, não vejo. — Veja o queixinho e o ângulo do rosto — insistiu a avó, emocionada. — Iguaizinhos aos de Rodrigo. Tem olhos azuis? — Parece que sim — assentiu Rodrigo, ganhando um olhar de Ana. Deliciado, sorriu com o desconforto de Ana, e dando-lhe uma piscadinha, pediu-lhe que sorrisse. Teresa, com carinho, pegou o bebê no colo e o cobriu de beijinhos. E aproximando-o de Frank, emocionado, disse: — Veja, vovô, que lindo netinho você tem. — É lindíssimo — respondeu ele, rindo com prazer. — Não é igualzinho a Rodrigo? — Insistiu Teresa. O homem olhou o bebê e deu de ombros. — Teresa, eu não entendo dessas coisas, mulher — E antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, perguntou: — A propósito, já posso saber como se chama meu neto? — Daniel — responderam Ana e Rodrigo em uníssono. — Oh... que nome mais lindo lhe deram, querida! — Murmurou Teresa, beijando o bebê. Depois de um dia longo e exaustivo, com a visita de vários amigos, Ana pegou a mão de Rodrigo, e enquanto seus pais faziam mimos no bebê, disse: — Vá descansar. Você deve estar exausto. — Eu pretendia ficar aqui com você — comentou, olhando para ela. — Nem pensar — disse ela. — Minha mãe vai ficar. Se eu não permitir, ela vai me odiar pelo resto da vida. Além do mais, acho que você já fez tudo que podia por Dani e por mim. Ambos sorriram, mas o sorriso de Rodrigo não podia ser pleno. Ele queria ficar ali com ela para mimá-la. Contudo, ao ver o olhar de Ana, deu-se por vencido. — Minhas coisas estão em sua casa. Você se importa se eu for buscá-las? — Como me pergunta uma coisa dessas? — Respondeu ela rindo e dando-lhe um tapa na coxa. — Claro que pode. Aliás, durma lá. Amanhã você trabalha, não? — Sim, tenho plantão de manhã. — Como assim, vai trabalhar amanhã? — Protestou Teresa ao ouvi-los. — Você é pai, e eles têm que lhe dar no mínimo dois dias de folga para... — Mamãe — interrompeu Ana —, Rodrigo não pode faltar ao trabalho. — Mas... Frank, ao ver a cara de sua filha e de Rodrigo, entrou na conversa:
— Teresa, quando o rapaz trabalha, por algum motivo é. Portanto, vamos ter um pouco de paz, certo? — Mamãe, por que não desce com papai para jantar antes que Rodrigo vá embora? A propósito, papai, quer dormir em minha casa? — Eu agradeço, querida — respondeu Frank—, mas temos um quarto no hotel Villa Magna. Quando Rodrigo nos ligou e disse que você estava neste hospital, minha secretária arranjou um hotel perto. — Tudo bem, papai. Andem, desçam para jantar. — Tudo bem — assentiram. E deixando o bebê em seu bercinho, saíram. Quando ficaram sozinhos no quarto, o celular de Rodrigo tocou. Estava no criado-mudo ao lado do de Ana, e ela o entregou a ele. Mas antes viu Alicia escrito na tela. Ao pegar o aparelho e ver o nome Rodrigo o desligou, e sentando-se na cama, murmurou, tocando a mãozinha do bebê: — Ora, ora... Dani se parece comigo. — Até parece! — Exclamou Ana, rindo. — Mamãe e suas bobagens. Ouça, sério, fique em casa o tempo que precisar. Minha casa é sua casa, ainda mais depois de tudo que fez por nós — e olhando para o bebê, murmurou, emocionada: — Ainda não acredito que o bichinho está aqui. Se você não estivesse em casa, nossa! Meu Deus, não sei que teria sido de nós. — Chega de choro! — disse ele alegremente ao ver que ela ia começar de novo. E secando uma lágrima do rosto dela com o polegar, acrescentou: — Deu tudo certo, e isso é o que importa. A propósito, vou tentar montar o berço antes que você volte. Ainda não montamos, lembra? — Nossa, é verdade. Você sabe onde está? — Percorrendo com seu olhar azulado o rostinho cansado dela, Rodrigo assentiu. — Sim, não se preocupe. Vou tentar decifrar as instruções e deixá-lo pronto para quando vocês voltarem. Ana, de repente, ficou angustiada e pegou as mãos dele. — Quanto a meus pais, eu prometo que... — Agora não — interrompeu ele. — Agora não é hora de lhes dizer absolutamente nada. Deixe passar um tempo, e quando estiver mais forte, você lhes conta. Eu não tenho pressa, nem minha vida depende disso, entendeu? — Por que você é tão bom comigo? Se continuar assim, no fim vai fazer que eu não consiga me afastar de você. — E por que tem que se afastar de mim? — Perguntou ele, surpreso. — Por acaso não somos amigos? Nesse momento Ana queria ser sincera com ele, mas teve medo de sua reação, de modo que se dispôs a esquecê-lo por completo. — Então — respondeu ela, e conseguiu sorrir—, se gostou tanto da experiência que viveu, você sabe, o parto, o histerismo e o bebê, por que não conhece uma garota e lhe dá a oportunidade de chegar a seu coração? Você não acha que seria legal se apaixonar por alguém e... — Não — interrompeu ele. — Uma coisa é o que eu vivi com você como amigo, e outra muito diferente é o que você está dizendo. — Você quer ser um Casanova a vida toda? Um beija-flor? — Talvez sim — disse ele, risonho. — Pois é uma pena, de verdade — Com carinho, ela passou a mão pelo cabelo dele e sussurrou, controlando a vontade de beijá-lo: — Você seria um bom companheiro, e acho que um excelente pai. Só pelo jeito como cuidou de mim esses dias e pelo carinho com o que olha para Dani, eu sei que seria maravilhoso — E incapaz de calar, continuou: — Você é doce, protetor, responsável, e em termos íntimos, acho que me lembro de um homem ardente e um excelente amante...
— Gostei mais dessas últimas palavras. Ela sorriu, mas tentando não deixar aflorar seus sentimentos, mudou de assunto. — Quando te passei o telefone vi que era Alicia. Por que não liga para ela amanhã para irem jantar? — Agora vai dar uma de cupido? — Disse ele, divertido. — Digamos que vou dar uma de amiga — E engolindo o nó de emoções que lutava para sair de sua garganta, acrescentou: — E a propósito, agora que tive o bebê e que daqui a pouco voltarei a ter cintura, é possível que tenha que dar uma de cupido para mim. — Quer que eu seja seu cupido? — Debochou ele. Ana tirou a franja dos olhos e olhou para Rodrigo. — Pois é. Você me conheceu sempre grávida e sem possibilidade de flertar com um homem para ter uma noite de loucura. Mas isso acabou. Finalmente, minha abstinência sexual acabou. Vou retomar minha vida assim que perder alguns quilos, e espero me ressarcir por todos esses meses de freira. Rodrigo olhou para ela contrariado. Por que ela tinha que sair com outros? Mas sem querer entender o que estava acontecendo com ele, e menos ainda pensar nisso, replicou: — Tudo bem, mas não pense nisto agora. O importante é você... — Rodrigo, eu quero pensar nisto. Preciso pensar nisto. Quero sair, me divertir, conhecer um homem, transar e curtir. Faz cinco meses que não beijo ninguém, que ninguém me toca, com exceção da ginecologista, e cá entre nós, quero sentir aquilo que um homem me faz sentir quando me beija e me toca. Entendo que para um homem seja difícil escutar isso de uma mulher, ainda mais que acabou de dar à luz, como eu, mas, sabe de uma coisa? As mulheres e os homens têm necessidades muito similares, e sexo é uma delas. Durante um tempo ele a ouviu falar de coisas que uma mulher nunca lhe havia dito, e de olhos arregalados, mal falou. Ana era direta e franca, e isso era algo que sempre havia gostado nela. Mas, nesse momento, aquela franqueza o estava incomodando. A conversa, ou melhor, o monólogo, acabou quando os pais dela voltaram ao quarto. — Já jantamos — disse Teresa, correndo para beijar a filha. Confuso, Rodrigo se levantou da cama e foi ao banheiro. Ali dentro, trancou a porta. Apoiou-se na pia, e olhando-se no espelho, sussurrou: — O que é que há com você, imbecil! Acorde! Jogou água na nuca e se secou com a toalha, e com seu melhor sorriso saiu do banheiro e foi até a cama onde Ana e seus pais ninavam o bebê. Seu coração estremeceu e se acelerou ao ouvir Ana rir. Ele sempre gostara de seu sorriso, mas... o que estava acontecendo? Sem tirar os olhos dela, quis passar a mão por seu cabelo e afastá-lo do rosto. Estava linda. Por fim, reuniu coragem e disse: — Bem, vou descansar. Frank, quer que o leve ao hotel? — Não se preocupe, rapaz, vou ficar um pouco mais com elas. Incapaz de parar de olhar para Ana, que sorria encantada com seu bebê no colo, aproximou-se e pegou-lhe a mão para atrair sua atenção. — Querida, amanhã de manhã eu ligo para ver como você está, e quando acabar meu plantão, passo aqui para ver vocês. Então, levou a cabeça até a dela e a beijou nos lábios. De repente, aquele beijo durou mais que outros, e ele se surpreendeu ao ansiá-lo. O que estava acontecendo? Quando conseguiu se afastar dela, sorriu, e dando uma piscadinha, foi embora sem olhar para trás. Naquela noite, quando Rodrigo chegou à casa de Ana, a primeira coisa que fez foi pegar o berço e passar horas montando-o, e se surpreendeu quando, ao tomar uma cerveja, pôs um descanso de copo na mesinha para não deixar marca. Isso o fez sorrir. Depois, arrumou a bagunça de roupas que haviam deixado quando saíram de madrugada e por fim dormiu na cama dela. De repente, precisava
senti-la perto, e os lençóis tinham seu doce cheiro de pêssego.
18
Quando Ana saiu do hospital, sua mãe insistiu que tinha que ir com eles para Londres para se recuperar. Durante uma semana, Teresa repetiu até a exaustão como era importante para ela que voltassem juntas para casa. Queria mostrar seu lindo neto a todas as suas amigas, e especialmente cuidar de sua filha. Mas Ana recusou. Não queria estar em outro lugar que não fosse sua casa, e seus pais, depois de vinte dias, voltaram a seu lar. Ana prometeu que logo os visitaria com o bebê. Nesse tempo, Rodrigo estava mais atencioso que nunca com ela e o bebê. Ele os acompanhava ao pediatra, cuidava dela e mimava Dani. Aparecia na casa dela o tempo todo cheio de coisas para o bebê, ou com seus irmãos, Álex e Carolina, para visitá-la. Até Úrsula lhe mandou um presentinho. De repente, Rodrigo estava cem por cento na vida dela, e isso abriu os olhos de Ana. Por mais que adorasse aquele homem e imaginasse cenas tórridas e românticas de amor com ele, não podia fazer aquilo com Dani. Não queria que o menino crescesse apegado a ele como alguém especial, e que, de repente, um dia Rodrigo desaparecesse para cuidar de sua própria família. Uma noite o telefone dele tocou, e antes que Rodrigo recusasse a chamada como costumava fazer sempre que estava com ela, Ana pegou o aparelho e o entregou a ele. — Atenda! É Sofía. Com o bebê no colo, ele olhou para ela e disse: — Depois eu ligo. Ver como ele dava a mamadeira com carinho ao bebê enterneceu o coração de Ana, mas algo nela se rebelou. Então, primeiro tirando-lhe a mamadeira e depois o bebê, disse, diante da cara de espanto dele, enquanto deixava Dani no berço: — Eu quero que você ligue para essa tal de Sofía e vá jantar, dançar ou aonde quiser com ela. Você precisa disso! — Preciso? — Debochou ele. E surpreso, olhou para ela e perguntou: — Qual é o problema agora? Continua com os hormônios revoltados? — Não. Meus hormônios não estão revoltados e não tenho problema nenhum. Só quero que você retome sua vida — E em um arroubo de sinceridade, disse: — Pode me dizer o que está fazendo hoje, sexta-feira à noite, enfiado em minha casa dando mamadeira a meu filho? — Que há de mal nisso? Eu me preocupo com vocês. — Mas eu não quero que você se preocupe conosco — insistiu ela. — Quero que nossa vida volte à normalidade de sempre, e, para isso, preciso que você ligue para Sofía, saia com ela e vá embora de minha casa. — Você está me mandando embora? — Sim... Bem... Não... Só quero normalidade, e com você o tempo todo por aqui não posso normalizar minha vida. E você vai me perguntar por que, não é? — Ele assentiu, e Ana, deixando-o pasmo, disse: — É verdade que os homens precisam de um manual de instruções para se relacionar com as mulheres! Vejamos, Rodrigo: hoje em dia não tenho expectativas em relação a você, mas tê-lo por perto me faz abrigar sentimentos tolos e imbecis de posse que não quero ter, e também não quero que Dani tenha. Portanto, pegue seu maldito celular, ligue para Sofía, Alicia ou quem lhe der na telha, saia e retome sua vida de beija-flor para que eu possa focar na minha própria vida.
Espantado com o discurso, ele se levantou do sofá. — Entendi tudo, exceto uma coisa — ao ver que ela levantava as sobrancelhas, perguntou: — O que quer dizer com não ter expectativas em relação a mim? — Caralho, Rodrigo! Quer dizer que não estou apaixonada, não gosto de você como homem, você não me excita, entende assim? Ele assentiu, frustrado; mas não estava disposto a se afastar dela até compreender o que estava acontecendo de verdade. Aproximou-se para ressaltar sua altura e a encurralou contra o sofá. — Sou um transtorno tão grande assim em sua vida? Ela quis dizer que não, que cada vez que ele aparecia e sorria era como uma brisa fresca, que tê-lo perto era a melhor coisa do mundo; mas com toda a dor do coração, murmurou: — Você sabe que gosto muito de você e sempre serei grata pelo modo como tem cuidado de Dani e de mim, mas acho... — Você disse que éramos amigos. — E somos. Eu quero continuar sendo sua amiga, mas a uma distância prudencial. Rodrigo quis protestar, mas aproximando a boca do ouvido dela, murmurou, deixando-a arrepiada. — Fique tranquila, menina. Vou retomar minha vida e continuaremos com nossa amizade a uma distância prudencial. Está bem assim? — Sim, sim... Está ótimo. Enlouquecido pelo doce cheiro de pêssego dela, ele pegou com delicadeza o pescoço de Ana e apoiou sua testa na dela; mas quando ia beijá-la, o celular tocou de novo. — Estão ligando para você de novo — sussurrou ela. Olhando nos olhos de Ana a meros cinco centímetros de distância, Rodrigo pegou o celular, e sem sair de sua posição nem deixá-la se afastar, atendeu: — Olá, Sofía! Ana, com o coração em ponto de infarto, escutou a conversa. Aquela mulher, a tal de Sofía, convidou-o para jantar, e ele aceitou. Quando desligou o celular, Rodrigo o guardou no bolso da camisa. — Contente agora? Como um robô, ela assentiu, e ele, dando um passo para trás, afastou-se. Caminhou até o balcão da cozinha e pegou as chaves de seu carro. Depois, olhou para ela, e antes de sair porta afora, disse alto e claro: — Boa noite, Ana. Tome seu licorzinho com chocolate antes de dormir. Quando ficou sozinha na sala Ana respirou, e depois de ir para a cozinha e tomar o que ele havia dito, abriu o congelador, pegou um pote enorme de sorvete de chocolate belga, e olhando para seu gato, murmurou: — Miau... ou eu acabo com isso de uma vez, ou vou ficar gorda feito uma vaca. Depois daquele episódio entre eles, Rodrigo decidiu espaçar um pouco suas visitas à casa de Ana, mas era difícil não ver os dois, e passava o dia inteiro pensando na mulher com cheiro de pêssego que de repente havia se transformado em algo indispensável em sua vida. Contudo, não estava disposto a deixar seus sentimentos expostos, de modo que decidiu fazer o que ela havia dito. Distanciar-se era o melhor. Quando Dani completou dois meses Nekane incentivou Ana a voltar à academia. Um pouco de exercício, junto com a dieta que ela havia começado, seria bom para perder os cinco quilos a mais que tinha. Como era setembro, muita gente nova começava a ir, e no sexto dia um dos monitores a convidou para uma festa. Aquilo a surpreendeu. Estavam voltando a reparar nela como mulher! Mas, sorrindo, ela não aceitou. Por ora, tinha que cuidar do bebê. Na noite de seu aniversário Ana organizou um jantar em sua casa com Neka e Calvin, Rocío e
Julio, Esmeralda e Popov, Encarna e Rodrigo, que chegou de última hora com Sonia, seu novo caso. Rindo, degustavam a sobremesa quando Ana, recordando o que havia acontecido na academia, comentou o fato. Todos riram, exceto Rodrigo, que olhando para ela muito seriamente, disse: — Esse sujeito é um espertinho. Você disse que não, não é? Calvin olhou para seu amigo. Por que estava desse jeito? E Encarna, que mais calada que o normal observava os jovens, gargalhou. Aquilo que ela imaginava fazia tempo era verdade. — Espertinho corajoso! — Acrescentou Julio. Surpresas, as mulheres se olharam, e Ana respondeu: — Claro que eu disse não — E ao ver a cara das mulheres, acrescentou enquanto dava a mamadeira a Dani: — Não gostei dele. Mas se fosse o outro monitor, o louro, aí teria sido diferente! — Está falando sério? — Perguntou Calvin, divertido. — Pode ter certeza — interveio Esmeralda, rindo. — Não acredito — murmurou Rodrigo, sorrindo, mas contrariado. Sentir que Ana se distanciava dele dia a dia não estava sendo fácil de digerir, e menos ainda ouvi-la falar de outros homens de um jeito insinuante. — O outro monitor, o louro, é bonito? — Perguntou Rocío. Com o bebê no colo, Ana, gesticulando, fez todas rirem. — Nossa, um gato! Outro dia, eu o vi sair do vestiário masculino sem camiseta e, oh, Deus, oh, Deus! Ele tem um tanquinho! Tive uma vontade de dizer: “Vamos até o rio, que temos muita roupa para lavar”! — Ótima! — Exclamou Sonia. — Mas que safada! — disse a galega. — Eu assino embaixo — disse Nekane. — Arturo tem um abdome impressionante, entre outras coisas. — Deve ser gay. — Oraaaaa — protestou Rocío ao escutar seu marido —, por que quando um homem é bonito vocês logo dizem que deve ser gay? — Pelo mesmo motivo pelo qual quando uma mulher é bonita vocês dizem que é uma vadia! E isso quando são delicadas. — Ponto para Julio! — Celebrou Popov, divertido. Morrendo de rir, as mulheres continuaram falando, para irritação dos homens. — Arturo tem tudo — acrescentou Ana. — É bonito, sexy, gostoso, simpático. Estou até pensando em lhe propor fazer uma sessão particular de fotos. Os homens se olhavam boquiabertos. Rocío aplaudiu e disse: — Quero participar! — Eu também! — Disse Sonia. — Eu passo o óleo nele! — Brincou Nekane. — E eu seguro a câmera — acrescentou Esmeralda. — E eu trago umas rosquinhas — concluiu Encarna. Aquela conversa pegou os rapazes de surpresa; eles se olhavam, atônitos. Desde quando as mulheres eram tão descaradas? — Que academia vocês frequentam? — Não te interessa, querida — protestou Julio. — Não fique assim, amor, é sempre bom saber qual academia é boa ou não. — Puta que pariu — disse Calvin, gargalhando, ao vê-las rindo descontroladas. — É incrível — murmurou Rodrigo com os olhos arregalados. — Quando vocês se juntam, são piores que os homens!
— Você nem sabe! Ana deu uma piscadinha e, levantando-se, olhou para Nekane e disse: — Mostre às meninas as fotos da sessão que fizemos na Alemanha ano passado para a vodca Pruset. Tenho que trocar a fralda deste futuro macho man. — Anita, se quiser, eu troco. — Não, Encarna — negou Ana. — Veja as fotos que Neka vai mostrar e depois beba água, porque, conhecendo você, sei que até sua alma vai ficar seca. Quando chegou ao quarto e pôs o bebê em cima do trocador, Ana ouviu as gargalhadas que vinham da sala e sorriu. Adorava se reunir com os amigos e sentir a felicidade de todos. Mas esquecendo o resto do mundo, concentrou-se em seu bebê. Com carinho, trocou a fralda enquanto cantava: Tú, y tú, y tú y solamente tú... Haces que mi alma se despierte con tu luz... Y tú..., y tú..., y tú... De repente, ela percebeu uma presença atrás de si que identificou pelo perfume. — Agora você fica espionando? Ao ser descoberto, Rodrigo se pôs de lado e perguntou, sorrindo: — O que está cantando para ele? Com carinho, Ana beijou o bebê e respondeu: — A canção preferida dele, não é, Smurf? Sempre que eu canto ele sorri, e adoro vê-lo sorrir. Paralisado pelo que sentia quando estava com ela e o menino, Rodrigo não sabia o que fazer. Nunca se encontrara em uma situação parecida e não sabia como proceder. Sentia-se ridículo e tonto. Ele era um homem que controlava as situações o tempo todo, mas com Ana, de repente, tudo era descontrole. Não conseguia parar de pensar nela, e isso estava acabando com ele. Não rendia no trabalho, não descansava e não curtia as mulheres que usavam seus encantos para tentar fazê-lo feliz. Sua vida estava virando um caos e ele não sabia como deter o desastre. E ao passo que ela superava, por fim, a dependência de Rodrigo, sem que notasse com ele acontecia justamente o contrário. — O campeão já vai dormir? — Sim... já é hora. — Posso pegá-lo? — Pediu, olhando para ela com seus olhos desconcertados. — Claro que sim. Com cuidado e uma maestria que não tinha meses atrás, Rodrigo pegou o bebê no colo, e beijando-lhe a testa, murmurou com doçura: — Você tem o cheiro de sua mãe: pêssego. Ana suspirou. Não queria escutar, ou ficaria toda boba. Por isso, passou perfume nas mãos, e esfregando-as energicamente, passou-as no pijama do bebê. Então, aproximou-se e disse: — Pois agora tem cheiro de bebê, de colônia Nenuco. Durante alguns minutos Ana e Rodrigo ficaram fazendo mimos ao bebê, até que ela disse: — Ande, dê o bebê aqui e volte para a sala. Sonia o está esperando. Mas Rodrigo não parecia ter pressa. Ainda com o bebê no colo, perguntou: — O que achou de Sonia? Em outra época, aquela pergunta, ou a simples presença de Sonia, teria arrasado o coração de Ana; mas por trás do muro de indiferença que estava conseguindo erguer, ela olhou para ele com tranquilidade e disse com um sorriso: — É bonita e sexy. Do jeito que você sempre gostou. — E como você sabe do que sempre gostei?
Com picardia, ela balançou a cabeça de uma forma tão sensual que deixou Rodrigo sem ar. E aproximando-se dele, sussurrou: — Meu amigo Rodrigo, acredite ou não, eu te conheço o suficiente para saber de que tipo de mulher gosta. — Ah, é? — Sim, meu filho, sim. Às vezes os homens são muito previsíveis. — E de que tipo de mulher você acha que eu gosto? — Perguntou ele, meio confuso. Decidida a se livrar daquele interrogatório absurdo no qual havia se metido sozinha, Ana pôs as mãos nos quadris, e segura de si, respondeu: — Alta. Magra. Cabelo comprido. A cor tanto faz, para isso você não é muito exigente. — Ele levantou a sobrancelha. — Prefere que se vistam de forma elegante, e algo que nunca falha é que tenham uns belos peitões. Esse é o tipo de mulher de que você gosta. Rodrigo ficou atônito com descrição que ela havia feito; acertara em cheio. — É, você me conhece bem. — Eu disse. Você é previsível para mim! Rodrigo se sentiu meio contrariado pelo pouco que a conhecia naquele aspecto tão íntimo. — Posso te perguntar uma coisa? — Claro. — De que tipo de homem você gosta? Como o da academia? Surpresa com a pergunta, Ana sorriu. — Nossa, Arturo é demais! Mas, na verdade, eu não tenho um tipo definido de homem. Mas não vou negar que sinto atração pelo altos, musculosos, com alguma tatuagem e... — Ora, como eu. Ao perceber que, de certo modo, havia descrito Rodrigo, Ana deu de ombros, tentando não reviver algo que havia arquivado com dificuldade em suas lembranças. — Agora que você está dizendo, tem razão. Mas permita-me esclarecer, antes que você fique se achando. Eu gosto de todos os homens com essas características, menos de você. — Por quê? — Porque você é um grande amigo, só isso. Mais alguma pergunta? Durante alguns segundos ficaram se olhando nos olhos, e, por fim, Rodrigo, aproximando-se, entregou-lhe o bebê. — Ei, não fique tão séria. Eu só estava brincando com você — E dando-lhe um beijo no rosto, murmurou mexendo no cabelo curto dela: — Espero você na sala para soprar as velinhas de seu bolo. Aturdido, ele praguejou em silêncio, mas sem querer pensar mais nisso, voltou à sala e se sentou ao lado de Sonia. Ela era sua nova conquista, e nela tinha que focar. Quando Ana ficou sozinha com Dani no colo, beijou-o, e deixando-o no berço, sussurrou: — Nunca faça uma mulher sofrer, não seja canalha.
19
Em outubro, Ana e Nekane retomaram com força a vida profissional. Tinham várias campanhas para o Natal, e sem demora arregaçaram as mangas. Mas, primeiro, decidiram fazer uma seleção para encontrar a babá perfeita para Dani. Depois de dois dias entrevistando várias jovens, chegaram a uma conclusão: Encarna, a vizinha, era a mais sensata de todas. Depois de fazer a proposta à galega, esta, encantada, aceitou, e todos os dias a partir das nove da manhã ela cuidava do bebê. — Na segunda-feira mandei o e-mail a todos os grupamentos de bombeiros da Espanha com as informações do casting de sexta-feira para o calendário — disse Nekane. — E, por enquanto, já recebi 72 confirmações. Já contratou as modelos? — Sim. — A propósito, sabia que do grupamento de Calvin quatro bombeiros vão participar do casting? — É mesmo? — É! Meu Calvin, que é sexy — disse, e ambas riram—, Julio, Jesús e Rodrigo. Encantada, Ana assentiu, divertindo-se. — Uau! O casting vai ser antológico. Esses quatro são muito sexy! Neka tirou os óculos, e fazendo a amiga gargalhar, murmurou: — Ai, como este trabalho é duro, às vezes! Quanto esforço! — Nem me diga, Neka... nem me diga. À noite, às nove horas, Ana estava comendo com Popov, Esmeralda e seu bebê em uma varandinha na rua Arenal quando viu uma jovem que bebia litros de cerveja com um grupo escandaloso. De onde conhecia aquela garota? Sua aparência era como a do resto do grupo, mas quando a ouviu falar, reconheceu-a. Era Carolina, irmã de Rodrigo. Incrédula, observou-a. Onde estava a jovem que havia conhecido? Incapaz de tirar os olhos dela, sorriu. Se a mãe a visse sentada no chão com aquela jaqueta vermelha de couro e tachinhas e bebendo no gargalo, teria um ataque. Mas seu sorriso se congelou quando viu a garota tranquilamente começar a enrolar um baseado, fumando-o em seguida. Durante alguns segundos Ana pensou se devia lhe chamar a atenção ou não. Por fim, decidiu pela segunda opção. Não ia se meter onde não era chamada. — Minha mãe do céu, como está esta juventude! — Murmurou Esmeralda olhando o grupo. — Se um desses fosse meu filho — replicou Popov—, juro que lhe dava dois tabefes bem dados. Como conseguem beber desse jeito? Não querendo comentar que a lourinha de cabelo volumoso era irmã de Rodrigo, Ana afastou os olhos e disse: — Ei, parece que vocês nunca foram jovens! — Sim, Plum Cake, nós fomos — esclareceu Popov —, mas posso garantir que apesar de ter tido 20 ou 25 anos, como esses aí, o bom senso já reinava em minha cabeça. Sim, eu fumei baseado como todo Santo Cristo nessa idade, mas uma coisa é isso, e outra é fazer o que eles estão fazendo. Cinco minutos depois, o grupo que atraía os olhares de todos os passantes levantou acampamento e foi embora. Carolina, alheia a tudo, segurou-se em um rapaz, e surpreendendo Ana de novo, jogou-se nos braços dele e o beijou de um jeito selvagem. “Essa menina!”, pensou, mas quando
se afastaram, esqueceu-os. Durante duas horas, Ana, com seu bebê e seus amigos, curtiu a maravilhosa noite madrilense, até que às onze decidiu voltar para casa com Daniel. Depois de se despedir dos outros, caminhava feliz empurrando o carrinho de seu bebê quando, ao atravessar a Puerta del Sol, notou uma jovem sentada de qualquer jeito na entrada do metrô. Pela jaqueta soube de imediato que era Carolina. Onde estavam seus amigos? Olhou o relógio. Faltavam vinte para a meia-noite. Era muito tarde para deixá-la sozinha naquele lugar. Aproximando-se, Ana se agachou e disse: — Carol, sou eu, Ana. Você está bem? A jovem, ao ouvir sua voz, olhou para Ana. Seu aspecto era deplorável. Devia ter chorado, pois seu rímel estava borrado e escorria por seu rosto. — Querida, o que aconteceu? Ana a ajudou a se levantar do chão, e por seus movimentos desajeitados soube que ela estava bêbada. Deu um jeito de segurar o carrinho de seu filho com uma mão e, com a outra, escorar a jovem. Sua casa não ficava longe a pé, mas Carolina mal podia caminhar. Ao ver o ponto de táxi, não hesitou e se encaminhou para lá. Depois de sentar Carolina no táxi, tirou seu bebê do carrinho, dobrou-o e o taxista o guardou no porta-malas. Já dentro do carro, Ana olhou para o homem e disse, sem deixá-lo falar: — Plaza de Santa Ana. E antes que reclame, sei que é uma corrida curta demais para fazê-lo sair daqui, mas fique tranquilo, vou lhe dar vinte euros se nos levar. O taxista assentiu. Não ia desperdiçar vinte euros para levá-las tão perto. Cinco minutos depois, o táxi parou, e Ana, depois de abrir o carrinho e colocar Dani dentro, pagou o taxista, pegou Carolina pela cintura e seguiu para casa. Quando entraram, Ana fez a jovem se sentar no sofá enquanto deitava Dani no berço. Ao voltar à sala, Carolina, mais branca que papel, olhou para ela. Rapidamente, sem que falasse nada, Ana entendeu. Levou-a ao banheiro, onde a garota vomitou até o café da manhã. Meia hora depois, ao ver o estado em que se encontrava a jovem, não hesitou e a colocou debaixo do chuveiro com roupa e tudo. A água fria fez que reagisse e gritasse, enquanto as manchas da maquiagem abandonavam aquele lindo rosto e surgia a Carolina que ela conhecia. Ana aguentou estoicamente aquele momento desagradável, até que a garota relaxou. Às duas da madrugada deitou-a na cama do quarto de hóspedes e a cobriu, e nesse instante Carolina pegou-lhe a mão. — Ana... obrigada. — O que aconteceu, querida? A jovem, com os olhos inchados de tanto chorar, olhou para Ana e murmurou: — Terminei com Rafa. — E quem é Rafa? — O rapaz que eu namorava há oito meses — disse gemendo. E, sentando-se na cama, acrescentou: — Eu gosto muito, muito dele, mas não quero uma pessoa como ele em minha vida. Não quero que ninguém tente me dominar nem manipular, e hoje ele disse que se não fôssemos todos para minha casa, ia terminar comigo, então, eu terminei, e ele ficou muito bravo e começou a gritar comigo e a dizer que eu era... era... Ele disse coisas horríveis na frente de todo mundo, e... Carol não conseguiu dizer mais nada. Começou a chorar, e Ana a abraçou. Quando conseguiu acalmá-la, Ana tocou-lhe o rosto com carinho. — Pelo que está me contando, esse rapaz não te merece, e embora agora você veja tudo negro e pense que fez mal, acredite, fez muito bem. Quem se apaixonar por você nunca vai fazer algo tão horrível para humilhá-la, porque você será tão especial para ele que só conseguirá amá-la e tentar fazê-la feliz.
— Eu sei... por isso terminei. Não quero a meu lado um homem como o marido de minha mãe. Eu... eu não quero que ninguém me trate desse jeito. Pelo que Carolina havia dito, Ana se convenceu de que ninguém sabia mais sobre Úrsula do que ela havia imaginado. — Muitas vezes, querida, mais vale estar sozinho na vida do que mal acompanhado. Mas certas pessoas não sabem ficar sozinhas. — Mamãe é uma delas — afirmou a jovem. — Sua relação com Ernesto a está destruindo, mas não posso fazer nada. Ela não quer que eu faça nada. Nega o que eu vejo, e quando falo com ela, fica brava comigo, e... — Sshhhh, acalme-se, querida — sussurrou Ana, abraçando-a. Ana se sentia sufocar pela dor da garota, de modo que não quis se aprofundar mais no assunto. — Quer que eu ligue para sua mãe para avisar que você está aqui? — Mamãe, Ernesto e Álex estão na casa de Cercedilla. Não há ninguém em casa. — Tudo bem. Então, descanse. Mas, escute, vou ligar para Rodrigo para que ele saiba que você está aqui, certo? A jovem assentiu, e Ana, sem saber se Rodrigo estava em casa ou no grupamento de bombeiros, dormindo ou acordado, pegou o celular e digitou: “Quando puder, ligue-me”. Um minuto depois, tocou o telefone. — Olá, Ana. Que foi? Ela ouviu risos e música de fundo. — Desculpe atrapalhar, mas é que... — Que foi? — Insistiu ele, preocupado. — Fique tranquilo, não foi nada grave. — Dani e você estão bem? — Perguntou, afastando-se da mulher com que estava. — Sim, sim... Escute, sua irmã está aqui... — Minha irmã está aí? — Sim, mas fique tranquilo, não aconteceu nada. — Ana, o que está acontecendo? — Insistiu. — Ela estava com uns amigos, bebeu demais e eu a encontrei. Levantando-se da poltrona do pub onde estava sentado com a linda Brenda e uns amigos, Rodrigo se despediu de todos, e caminhando em direção ao carro, disse antes de desligar: — Em meia hora estou em sua casa. Demorou vinte minutos. Às 2h30, Rodrigo entrava pela porta, e Ana o esperava morrendo de sono. Ele foi até o quarto de hóspedes, onde Carolina dormia calmamente. Depois de se certificar que sua irmã estava bem, deu-lhe um beijo na cabeça e saiu. Ao passar pelo quarto de Ana, entrou para ver Dani e sorriu ao encontrá-lo dormido com o ursinho vestido de bombeiro que ele lhe havia comprado. Olhar para ele e sentir a paz que irradiava era muito relaxante; mas sabendo que não podia continuar naquele quarto, saiu. Quando chegou à sala, Ana estava sentada, no escuro, em frente à TV. Ele sorriu ao ver que ela estava vendo o DVD do show de Luis Miguel, que ele havia lhe dado no dia de seu aniversário. Sentando-se ao lado dela, Rodrigo suspirou e apoiou a cabeça no sofá. — Obrigado por tê-la trazido para cá. Ana notou a preocupação no olhar dele. — De nada e relaxe, estou vendo que você está nervoso. Tocando o cabelo e franzindo o cenho, o bombeiro olhou para Ana. — Essa menina é tonta? Como foi fazer uma coisa dessas? Por acaso ela não sabe que isso só pode lhe trazer problemas? Caralho, minha família vai me deixar louco!
— Viu? Eu disse! — E sentando-se no encosto do sofá, pôs as mãos no pescoço dele e murmurou: — Ande, deixe eu lhe fazer uma massagem para relaxar. — Não, Ana. Agora não. — Sim, Rodrigo, agora sim — insistiu ela com segurança. Abalado com tudo aquilo, tirou a polo branca que estava usando e a jogou de lado sem cuidado. Ana, ao ver de repente aquelas poderosas costas morenas e a tatuagem, suspirou. — Por que tudo é tão difícil com minha família? — Fique tranquilo, Rodrigo, ela é jovem, e em seu entorno as coisas não são fáceis. Ela me contou que... — Contou o quê? — perguntou ele, voltando-se para olhar para Ana. Ela se sentiu tentada a contar tudo que sabia, mas preferiu calar. Soltar bombas em um momento como esse só pioraria as coisas. — Ela me contou que terminou com o namorado. — Ela estava namorando? — Sim. — Que canalha a louca de minha irmã namorava? Ana achou engraçado o instinto protetor que aquelas palavras transpareciam. — Não vou falar mais nisso. Amanhã ela lhe conta o que julgar conveniente. Agora, cale-se, feche os olhos, relaxe e deixe-me fazer a massagem. Sem querer pensar em mais nada que não fosse fazer a massagem, Ana começou a tocar o pescoço de Rodrigo com carinho enquanto ouvia a voz varonil de Luis Miguel. No sé tú pero yo te busco en cada amanecer mis deseos no los puedo contener en las noches cuando duermo si de insomnio yo me enfermo me haces falta, mucha falta no sé tú. Ai, caralho! Eu devia ter tirado o DVD do Luis Miguel, pensou Ana quando os dois se calaram. Rodrigo fez o que ela pediu, mas o silêncio da noite e a quietude o fizeram captar sem querer a letra da canção. Ter Ana ao seu lado e sentir suas mãos suaves nele era algo que o reconfortava mais do que qualquer um dos dois poderia imaginar. Durante dez minutos Ana massageou com delicadeza os ombros e o pescoço de Rodrigo, enquanto ouviam os boleros melados e românticos de Luis Miguel. Mas cada vez que passava as mãos pela tatuagem que acabava no pescoço, algo dentro da jovem se desmanchava. Desejava aquele homem com todo seu ser, mas a prudência gritava contenção. Quando não aguentava mais, deu-lhe um tapinha nas costas e disse: — Pronto, meu amigo, acabou a moleza. Relaxado com a massagem, excitado com a proximidade do corpo dela e arrebatado pelas letras das canções que estavam escutando, ele semicerrou os olhos, e quando Ana se sentou ao seu lado, murmurou: — Agora eu vou fazer uma massagem em você. — Não, Rodrigo, não precisa — respondeu ela, assustada. Já havia sido tortura suficiente tocá-lo, só faltava que agora ele a tocasse. Mas decidido a fazer o que queria, sem deixá-la falar, pegou-a pela cintura e a sentou entre suas pernas, sussurrando perto do ouvido dela: — Sim, Ana, precisa sim.
Aquelas palavras perto de seu ouvido e o som do riso dele a deixaram em alerta. Mesmo assim, não se mexeu, e ele pôs as mãos nela. Sentir o toque de Rodrigo em seu pescoço e seus ombros a fez fechar os olhos e suspirar. O suspiro sonoro provocou um sorriso em Rodrigo, enquanto novamente Luis Miguel cantava: Te extraño, cuando camino, cuando lloro, cuando río. Cuando el sol brilla, cuando hace mucho frío. Porque te siento como algo muy mío. Isso é surrealista... não pode estar acontecendo, pensou Ana, assustada ao escutar a canção e sentir cada vez mais perto a respiração dele. Por sua vez, Rodrigo curtia aquela pequena intimidade entre os dois enquanto ouvia aquela canção tão melodiosa. Ana era suave, doce e delicada, muito mais apetitosa do que as mulheres com quem se deitava quando estava afim. E quando a tentação ofuscou sua razão, levou o nariz ao pescoço dela, e deixando-a arrepiada, sussurrou: — Você continua cheirando a pêssego. Ana não conseguiu responder. Não conseguia falar. De repente, os lábios quentes e carnudos de Rodrigo pousaram no pescoço dela, e Ana só conseguia curtir aquela sensação perturbadora enquanto sentia sua pele arder e milhões de arrepios descontrolados percorrerem todo o seu corpo. Segundos depois, aqueles lábios abrasadores passearam com carinho pela nuca e pescoço dela até chegar ao ombro direito. Aturdida, só pôde sorrir. As mãos de Rodrigo desceram com lentidão e ao mesmo tempo pelos braços de Ana, e então subiram, e ela, incapaz de permanecer imóvel, olhou para a direita e os olhos dos dois se encontraram durante um momento longo e intenso. — Nós dissemos que... — murmurou Ana. — Nós dissemos muitas coisas — replicou ele, enfeitiçado pelo que essa jovem, sem intenção, fazia que sentisse. Ana tentou lutar contra aquela tempestade, mas o furacão Rodrigo era avassalador, e seu próprio corpo se rebelou. Desejava-o. Precisava dele. A boca dele a fez sua, exigiu beijos vorazes e famintos, e ela lhe deu tudo. Uma voz dentro de ambos gritava que parassem, que não deviam continuar, mas a mente dos dois estava desligada, apesar daquelas vozes, e os corpos cheios de desejo tomaram conta da situação. Sem pressa, mas sem pausa, Rodrigo tirou a blusinha verde de alcinhas dela, deixando-lhe os seios livres para poder desfrutá-los. Abraçando-a, deitou-a no sofá, e disposto a prosseguir com o ato de posse, deitou-se sobre ela e pressionou sua pelve na dela. Nesse momento Ana gemeu. Odiava-o pelo que estava fazendo, mas seu desejo era tão forte que nada, absolutamente nada, poderia fazer para detê-lo. — Rodrigo, não pod... — Ssshhh! — Sussurrou ele, delirante contra os lábios femininos, enquanto fazia amor com a boca. Rodrigo ardia de desejo. Pegando-a pela cintura, tornou a pressionar sua ereção contra Ana enquanto ela arqueava o corpo em busca de prazer. Durante alguns minutos ambos lutaram para assumir as rédeas. Provocavam-se. Queriam mais. Ana o atraiu para si, e com avidez, beijou-lhe o pescoço, e mordeu com suavidade o ombro dele ao senti-lo chupar seu seio. A ansiedade, a impaciência e a agitação que sentiam um pelo outro estavam transformando aquilo em um contato quase selvagem. Mas, de repente, ouviram pela babá eletrônica o choro de Dani, e ambos, como se houvessem levado um choque, voltaram à realidade. Era evidente a situação em que se encontravam. Rodrigo praguejou, e vendo o olhar desconcertado dela e sentindo sua própria respiração entrecortada, saiu de cima dela. Ana, por sua vez, atormentada
pela necessidade do momento, pegou a blusinha verde, que estava jogada no chão, vestiu-a, e sem dizer nada, foi ver seu filho. Quando chegou ao quarto, Dani já havia voltado a dormir calmamente. Com as pernas trêmulas por causa do que quase havia acontecido, Ana se sentou na cama, apoiada no berço. O que foi que ela quase fez? Como pôde ter perdido todo seu autocontrole? Abanou-se com a mão. Precisava de ar, senão, explodiria. E quando se sentiu mais tranquila, voltou à sala, onde a música de Luis Miguel continuava tocando. Rodrigo a esperava em pé e de cara fechada no meio da sala, de novo com a polo branca vestida. Olhou para ela, mas não se aproximou. — Desculpe... — murmurou. — Não sei o que aconteceu. Ana viu que ele estava desconcertado e decidiu tomar as rédeas da situação. — Fique tranquilo — sussurrou brincando. — Vamos pôr a culpa em meus hormônios e em Luis Miguel. Apesar de abalado, ele sorriu; ainda queria retomar o que não haviam acabado. — Não... desta vez fui eu — disse. E sem deixá-la dizer nada, aproximou-se e lhe deu um beijo casto no rosto. — Vou para casa. Voltarei às onze para pegar Carolina, certo? Ana assentiu, e Rodrigo, reunindo toda sua sensatez, foi embora. Na manhã seguinte, pontualmente, foi buscar sua irmã, e nenhum dos dois falou sobre o que havia acontecido na noite anterior. Três dias depois do que acontecera com Rodrigo, Ana foi para Londres. Tinha que viajar a trabalho e não poderia cuidar como queria do filho. Por isso, com o coração partido, decidiu se separar dele e levá-lo para seus pais. Dani passaria quinze dias com eles, e Ana não tinha a menor dúvida de que ficaria muito bem. — Frank, pelo amor de Deus, segure a cabecinha — queixou-se Teresa ao ver seu marido com o bebê. — Tudo bem... tudo bem, mulher, não fique assim. — Mamãe, não se atormente — advertiu Ana, rindo. — Filha, é que estamos tão destreinados que estou até assustada. Frank sorriu para sua mulher, e sentando-se ao lado dela na sala da casa, com o bebê no colo, disse: — Fique tranquila, tesouro. Se conseguimos criar Ana e Lucy, com certeza conseguiremos cuidar de Dani por quinze dias. Teresa assentiu, emocionada, e olhou o bebê com ternura. — Que bonitinho é nosso menininho! — É mesmo — afirmou Ana, encantada. — E puxou os lindos olhos azuis do pai, que maravilha! Espero que puxe também a altura dele. Porque com esses olhos e essa altura, meu menino vai arrasar corações. — Vai mesmo — afirmou Frank, rindo. Contente com a felicidade que via em seu marido, Teresa perguntou: — Ana Elizabeth, quando Rodrigo virá de novo? — Não sei, mamãe. Ele está muito enrolado com o trabalho. — Tenho que dizer que estou feliz por ele ter aparecido em sua vida. Pelo pouco que o conheço, já percebi que esse rapaz ama Dani e você, e cuida dos dois, e isso, minha vida, é muito importante para mim — Nesse momento, Teresa se emocionou ao pensar em como Rodrigo havia dado ao imprestável Warren Follen o que merecia. — Ah! E minha amiga Molly ficou impressionada ao ver como Rodrigo é atraente. Ele é muito mais bonito que o genro dela, George Sinclair — Frank sorriu, e Teresa prosseguiu: — Sinceramente, querida, acho que vocês vão ter crianças lindas. Basta ver Dani para saber que todos os que vierem depois, se vierem, serão maravilhosos. Ana suspirou. Desde que havia chegado, seus pais — em especial sua mãe — não haviam parado de
falar de Rodrigo, e isso a deixava exausta. Depois do que acontecera dias antes em sua casa naquela noite, Ana estava muito confusa e não sabia o que pensar. Por que ele a havia beijado daquele jeito? Mas como durante aqueles dias ele não havia falado com ela, deduziu que havia sido só fogo dele, mais uma vez. Ele a tratara como a qualquer mulher com quem ficava, e se não houvesse sido Dani, teriam transado, e no dia seguinte ele a esqueceria. Então, convencida de que tinha que acabar com aquela grande mentira e confusão de uma vez por todas, sentou-se ereta e limpou a garganta. — Agora que estamos os três aqui tranquilos, tenho algo a dizer — seus pais a olharam, e ela prosseguiu: — Sei que não vão gostar nada do que vou dizer, e com certeza vão ficar bravos comigo, mas está feito, e não posso fazer nada. Além do mais, o resultado de tudo é Dani, e por ele eu faria tudo de novo mil vezes. — Ai, filha, você está me assustando! Quem a ouve falar vai pensar que você comprou Dani no mercado negro. O comentário de sua mãe fez Ana sorrir. — Não, mamãe. Isso garanto que não. E, de repente, Teresa, a grande rainha do drama, tirou o lenço de linho que tinha no bolso, e levando-o à boca, gemeu: — Ah, meu Deus! Ah, meu Deus, é o que estou imaginando? Frank, vendo sua mulher, intuiu o que ia acontecer. — Teresa, não comece com seus dramas. Mas a mulher, com o queixo trêmulo, perguntou com um fio de voz: — Não me diga. Você terminou com Rodrigo, não é? Confirmar aquela versão suavizaria o que tinha a lhes dizer, mas seria outra mentira, e ela não queria isso. Eles conheciam Rodrigo pessoalmente, e sentia a necessidade de dizer a verdade. Por isso, respirando fundo, negou com a cabeça. — Não, mamãe. Não é isso. — Ana Elizabeth, pelo amor de Deus, o que é, então? A essa altura ela já estava plenamente convencida de que o melhor era ser totalmente sincera. — Quando eu soube que estava grávida, pensei em abortar... — Ai, meu menino! — Gritou Teresa, tocando a mãozinha de seu neto. Ana, já incapaz de calar o que tinha a dizer, prosseguiu: — Mamãe, o que eu ia fazer com um bebê? Meu trabalho exige tempo e... e... eu não pude pensar em outra coisa. Mas quando vim para cá no Natal e você começou a chorar porque não tinha netos, eu... eu... não sei o que me deu que mudei de ideia e te contei... contei que estava grávida. Depois, vocês me perguntaram quem era o pai, e eu... eu... estava tão confusa que... que... — Ao ver a cara de seus pais, por fim admitiu: — Rodrigo não é o pai de Dani. Como era previsível, Teresa revirou os olhos e desabou no sofá. — Pelo amor de Deus, é sempre a mesma coisa! — Resmungou Frank. Sem tempo a perder, deixou Dani no carrinho enquanto Ana abria a gaveta de sais. Quando passaram aquele frasquinho por baixo do nariz de Teresa, ela abriu os olhos. Ana murmurou: — Mamãe, desculpe. Teresa se sentou no sofá, sob o olhar atento de seu marido e sua filha, com os olhos marejados. — Mas... mas como é possível? Rodrigo é uma pessoa tão encantadora, e cuida tanto de você... Basta ver como ele olha para você para saber que gosta de você. E de Dani, e... — Uma coisa é gostar, e outra muito diferente é amar, mamãe. — Mas, filha — insistiu Teresa —, Rodrigo é um homem que...
— Mamãe, Rodrigo é um amigo que eu meti em uma confusão quando menti para vocês. Ele foi o primeiro a se surpreender com tudo isso e... e... quando eu engravidei, ele só me ajudou representando o papel que eu lhe havia pedido. E, por favor, não fiquem com raiva dele. Ele só tentou fazer que minha gravidez fosse melhor e... — Mas, filha, Dani se parece tanto com ele! Tem até os olhos azuis! — Insistiu Teresa. Com um sorriso triste, diante do olhar atento de seu pai, Ana assentiu, e afastando seu cabelo escuro do rosto, murmurou: — Mamãe, o pai de Dani também tinha olhos azuis. — Mas então, quem é o pai de Dani? — Perguntou Teresa com o queixo trêmulo. Ana tinha convicção de que não queria continuar mentindo, mas era muito difícil revelar os detalhes de sua vida íntima, de modo que suspirou e respondeu: — Um suíço que conheci e... — Um suíço?! — Sim, mamãe, um suíço chamado Orson. Mas o relacionamento acabou, perdemos contato e... — E ele não sabe que Dani existe, não é? — Frank terminou a frase. — Exato, papai — assentiu Ana, meio envergonhada. Nesse exato momento o bebê começou a chorar, e Teresa, esquecendo tudo, levantou-se para pegar seu neto. Aquela criança era a única coisa que importava nesse momento. — É hora da mamadeira — disse Ana depois de olhar o relógio. — Eu dou — ofereceu Teresa, e beijando a cabecinha do bebê, dirigiu-se para a porta — Vou à cozinha buscá-la. Quando a porta se fechou, Ana olhou para seu pai. Frank, que até então havia permanecido calado, ao ver a confusão no rosto de sua filha, murmurou: — Lamento que tenha se sentido obrigada a mentir de novo para nós. — Papai, se alguém lamenta alguma coisa aqui sou eu. Fiquei com medo da reação de mamãe, e por isso menti e inventei tudo. Mas me sinto péssima. Péssima. É que naquele momento não consegui lhes dizer a verdade, e eu... eu... Oh, Deus! Por que fui mentir? Por que fui envolver Rodrigo nisso tudo? — Às vezes, na vida tudo tem seu porquê — murmurou Frank. — Sim, papai — assentiu Ana, decidida a não chorar—, mas não quero pensar no passado nem nos porquês das coisas. Só quero seguir minha vida, e agora que vocês sabem toda a verdade, talvez eu consiga. Depois de um silêncio constrangedor, o homem se levantou, foi até o bar, e servindo-se um brandy, olhou para sua filha. — Você sente alguma coisa por Rodrigo? Nervosa com a pergunta, ela afastou o cabelo do rosto, e tocando a orelha, respondeu: — Não. Nós tivemos alguma coisa, mas nunca foi nada sério. Frank sorriu ao observar o gesto que Rodrigo lhe havia revelado, que delatava sua filha. — Mas houve algo entre vocês? — Ai, papai! Sim, houve algo entre nós, mas não deu certo. Mas, como amigo, reconheço que ele é maravilhoso. O melhor. — Esse rapaz merece todo meu respeito pelo modo como cuidou de você e a protegeu durante todo esse tempo — E, cravando seus olhos pardos nela, acrescentou: — Mas acho que... — Papai, ele estava só me ajudando; portanto, não fique com raiva dele. Brigue comigo, se quiser, mas não com ele. — Fique tranquila, não tenho raiva dele, pelo contrário. Tenho muito a agradecer a esse rapaz.
Ana sorriu. — E quanto à história de vocês — insistiu —, não tem volta? — Papaaai! — protestou ela. — Ora, filha, se estou falando isso é porque, assim como as mulheres têm um sexto sentido para muitas coisas, os homens têm uma linguagem corporal que dá a entender outras, e garanto que esse homem é... — Papai, não! Frank quis soltar um palavrão por causa da teimosia de sua filha, mas se conteve. — Tudo bem, filha, tudo bem... mas saiba que Rodrigo é um homem da cabeça aos pés. Pelo pouco que pude ver quando esteve aqui, ou pelo modo como cuidava de você no hospital e fora dele, ele mostrou que é um homem de princípios, e embora não seja o pai biológico de Dani... — Mas, papai — interrompeu Ana —, virou casamenteiro agora? Parece mais mamãe falando... — É que esse rapaz me parece um bom partido para você — afirmou ele, e deixou escapar um sorriso ao ver a reação da filha. — Não há nada entre nós, nem nunca haverá — acrescentou ela, angustiada. — Ele gosta de outro tipo de mulher, mais voluptuosa, de pernas e cabelos compridos, e eu sou diferente — disse, apontando para seu cabelo curto. — Acredite, não me encaixo em suas expectativas. Nesse instante, Teresa entrou com o bebê no colo, e Frank, antes de se levantar e dar por encerrada — momentaneamente — a conversa, olhou para sua filha e concluiu: — Ana... nesta vida as expectativas podem mudar quando se trata de amor. Ana voltou para Madri dois dias depois. Ao entrar no quarto e ver o bercinho de Dani, começou a chorar como uma boba, enquanto Nekane a consolava. Aquele carequinha de apenas três meses havia virado sua vida de cabeça para baixo, e não podia mais viver sem ele. Nessa noite Rodrigo ligou, mas Ana, ao ver seu nome, desligou o celular. Não queria falar com ele nem com ninguém. Às onze, enquanto fazia seu licor com chocolate, com o nariz vermelho feito um pimentão de tanto chorar de saudade do bebê, tocou o interfone. Sem perguntar quem era, abriu. Imaginou que Nekane, mais uma vez, havia esquecido as chaves. Mas teve uma grande surpresa ao ver Rodrigo entrar. Durante alguns segundos eles se olharam, até que ele não conseguiu mais ficar calado. — Onde você se meteu? — Estava em Londres. Rodrigo assentiu, e ao olhar para o sofá e não ver o cesto do menino, notou os olhos de Ana chorosos e o nariz vermelho como um tomate. — Onde está Dani? A pergunta foi o estopim para que Ana se apoiasse no balcão e começasse a chorar de novo. Rodrigo, assustado ao vê-la naquele estado, aproximou-se dela. — Aconteceu alguma coisa com o menino? Ela negou com a cabeça e assoou o nariz. — Ele está em Londres com meus pais. Amanhã vou para a Alemanha, e não podia levá-lo co... comigo. Foi dizer aquilo e começar a chorar de novo. Sentia saudades de seu bebê, e ficar sem ele durante quinze dias seria uma verdadeira tortura. Rodrigo, abraçando-a, levou-a até o sofá, e depois de fazêla sentar, viu o DVD de Doce novembro em cima da mesinha. Pegou-o e disse: — Nem ferrando que você vai ver isto outra vez. Como você é masoquista! Ana sorriu, e ele, secando-lhe as lágrimas que corriam pelo rosto dela, afastou-lhe o cabelo do rosto e sussurrou com carinho: — Ora, supermãe, pare de chorar. Tenho certeza de que Frank e Teresa vão cuidar dele como se fosse um rei. Vão mimá-lo, e quando for buscá-lo, estará gordinho e feliz.
— Eu sei... mas eu... eu estou com saudaaaades! Pegando um lenço de papel da caixa que ficava em cima da mesinha em frente à tevê, Rodrigo sorriu. — Sei que eles vão cuidar dele melhor que eu — disse ela —, mas... ele é tão pequenininho que fiquei com medo de levá-lo para a Alemanha. Neka vai comigo, e não tenho coragem de deixá-lo tantos dias com Encarna. — Você podia tê-lo deixado comigo. Eu teria cuidado dele em sua ausência. — Ah, claro, quinze dias sob sua responsabilidade. E quando você ia trabalhar? — Ana... tudo isso se resolve. Portanto, conte comigo da próxima vez, certo? Afinal de contas, eu me considero parte da vida de Dani. Aquele comentário a fez voltar a chorar como um bezerro desmamado. Quando Rodrigo conseguiu acalmá-la, ela assoou o nariz, e olhando para ele, confessou: — Eu já contei a meus pais que você não é o pai de Dani. Portanto, não precisa mais fingir. — Ana... — Tudo bem... — disse ela, levando a mão à boca. — Sei que você disse que não tinha pressa, que adora Dani, mas eu tinha que ser sincera com eles e não deixar que continuassem se iludindo conosco. De modo que, a partir de hoje, você pode se sentir liberado de ser meu namorado e pai de meu carequinha. E fique tranquilo, eles aceitaram muito bem. Tanto mamãe quanto papai gostam muito de você, por causa do tanto que me ajudou neste tempo. Aturdido por se ver livre de algo que no início não lhe havia agradado, sentiu-se estranho. O que estava acontecendo com ele? Por que ultimamente comparava todas as mulheres com Ana? Por que olhava todos os bebês e sorria ao pensar em Dani? — Sei que agora posso tomar um banho de uma hora, em vez de uma chuveirada rápida — prosseguiu Ana —, que posso sair e me embebedar sem pensar em ter que fazer mamadeiras de madrugada, mas... mas é que não consigo... — reconheceu, gemendo. — Sinto saudades desse pequeno cagão e de seu cheiro de pêssego! Rodrigo esboçou um sorriso com o último comentário dela. — Ana, precisamos conversar sobre o que aconteceu outro dia. Ela o olhou assustada, com olhos chorosos. — Não aconteceu nadaaaaa! Foi só um momento de... — Não, não foi isso — interrompeu ele. Nesse momento, a porta da rua se abriu e Nekane e Calvin entraram com uma sacola. Ficaram felizes ao encontrar Rodrigo ali, e a navarra, ao ver a amiga de novo com os olhos chorosos, mostrou-lhe a sacola para fazê-la rir. — Se parar de chorar cinco minutos, eu te dou o que trouxe. Calvin foi cumprimentar Rodrigo. — Você não tinha um encontro esta noite? — Cancelei — respondeu ele, sério. Precisava ver Ana, e encontrá-la naquele estado era a última coisa que queria. Ela era tão risonha e animada que vê-la desse modo deixara seu coração arrasado. Seu amigo Calvin ficou surpreso, mas preferiu se calar e não perguntou mais nada. Contudo, acabava de confirmar o que pensava havia meses: Rodrigo sentia algo por Ana. Alheia aos olhares de todos, a mãe chorosa sorriu ao ver a sacola do Starbucks. — Ótimo! — Exclamou Nekane. — Só por este sorriso lindo que você me deu, acabou de ganhar um frappuccino de chocolate branco. Ana, pegando o que sua amiga lhe entregava, bebeu um gole. — Obrigada, Neka. — E, de repente, seu queixo começou a tremer e ela murmurou: — Eu te aaaaamo! Ao vê-la chorar de novo sua amiga sorriu, e sentando-a no sofá, disse olhando para os rapazes
desconcertados: — Ponham o sorvete no congelador, que acho que esta noite vai ser longa. Na manhã seguinte, bem cedo, as duas mulheres partiram para a Alemanha. Tinham um trabalho pendente. Rodrigo, no décimo segundo dia sem notícias de Ana, estava aturdido. Calvin falava com Nekane todos os dias, mas Ana não parecia querer falar com ele. De repente, escutar a voz dela havia se tornado uma necessidade, e isso estava começando a torturá-lo. Sair com outras mulheres passou a ser chato e sem sentido, e ele queria que Ana voltasse para ver seu rostinho moreno e seus olhinhos risonhos. Queria rir com as loucuras dela e mimá-la quando chorasse. E somando a saudade que sentia do bebê, era de enlouquecer. Naquela tarde, na academia, Rodrigo corria na esteira quando Calvin se aproximou. Não quis lhe perguntar nada; sabia que havia acabado de falar com Nekane, mas resistia à vontade de indagar. Calvin, no entanto, que o observava fazia vários dias, sentou-se em frente a Rodrigo. — Acabei de falar com minha princesa. — Tudo bem? — Perguntou Rodrigo. — Sim. Durante dez minutos os dois ficaram calados. Rodrigo corria e Calvin se exercitava com os halteres; até que tocou o celular de Rodrigo e ele atendeu. Quando desligou, Calvin perguntou: — Vai sair hoje à noite? — Sim. — Com quem? — Com Katrina. Calvin ficou surpreso ao ouvir um nome que nunca havia ouvido. — Quem é Katrina? Contrariado por ter que dar tantas explicações, Rodrigo retomou sua corrida na esteira. — Uma comissária de bordo que Javi me apresentou outra noite. — Bonita? — Sim — assentiu Rodrigo com o cenho franzido. De novo o silêncio entre os dois. Só se ouvia o som mecânico da esteira e a respiração de ambos. Cinco minutos depois, Calvin, cansado do silêncio do outro, aproximou-se e parou a esteira. — Quando você vai assumir que gosta de Ana e fazer alguma coisa? — Não diga bobagens! — Não é bobagem, Rodrigo. Por acaso você acha que sou cego e que não percebo as coisas? Você está morrendo de vontade de falar com ela, de vê-la, e está aí, correndo como um imbecil, deixando escapar a única mulher que te interessa de verdade e saindo com outras para se divertir, e não consegue. Assuma que ela e Dani são importantes para você. Assuma de uma vez por todas, e assim, será feliz. Rodrigo olhou para Calvin, atônito; ligando de novo a esteira, começou a correr. Mas seu amigo, não disposto a deixar aquela conversa pendente, parou-a de novo. — Ouça, amigo, eu... — Quer se calar de uma vez e me deixar correr? — Grunhiu Rodrigo, transtornado. Calvin, vendo-o naquele estado, apertou o botão da máquina, e quando começou a rodar, disse: —Ok, amigo! Mas se eu fosse você, faria alguma coisa. Porque é evidente que ela não pretende fazer. — Ao ver que o outro nem olhava para ele, Calvin se sentou ao lado dos halteres e murmurou: — No fim, minha princesa vai mostrar que tem razão, e a paixão de Ana por você vai acabar. Ao escutar aquela palavra curiosa, alguma coisa se agitou no peito de
Rodrigo e ele parou a esteira repentinamente. — O que foi que você disse? — Isso mesmo que você ouviu, amigo. — E deitando-se para continuar com os halteres, acrescentou: — E agora, se não se importa, quem não quer falar sou eu. Tonto como poucas vezes na vida, Rodrigo desceu da esteira, e parando na frente de Calvin, tiroulhe os halteres das mãos. — Ela está apaixonada por mim? — Sim. — De verdade? — Sim, que chatice! — Há uns meses ela me disse que gostava de mim, mas... — Está vendo? Eu te disse. Mas não há pior cego que aquele que não quer enxergar. Boquiaberto e surpreso, Rodrigo se sentou no chão. Como não havia percebido? Calvin, surpreso com o jeito como Rodrigo olhava para ele, disse, batendo com os nós dos dedos na cabeça do amigo: — Toc, toc... alguém aí? — Você acabou de me deixar sem palavras. Eu achei que era só atração física e... — Ora, Rodrigo, você não percebia como essa mulher linda olhava para você? Ou como sorria quando você chegava? — Rodrigo não respondeu. Calvin prosseguiu: — Tudo bem... eu também não percebi, mas minha princesa me confirmou um dia, quando bebeu uma cervejinha a mais. Até me disse que Ana, faz tempo, em um de seus arroubos de sinceridade lhe confessou que gostava de você, mas que você tinha dito a ela que nunca existiria nada entre vocês porque ela não era seu tipo de mulher. E, com isso, você assinou sua sentença de morte. — Caralho! — Sim, caralho! — Repetiu Calvin. — Mas isso, querido amigo, foi você que disse. Você, você e só você. Rodrigo sorriu ao ouvir aquilo e tocou a cabeça. — Parece uma canção de Pablo Alborán que Dani e ela adoram. — Uia! Cançõezinhas românticas? Cara... você está ferrado — Rodrigo riu, e Calvin prosseguiu: — Você pode ser um top ten no que diz respeito a ganhar mulheres, mas quanto a conhecê-las e reconhecer seus sentimentos, é um verdadeiro desastre. — Tem razão. — E antes que comece a ficar com dó de si mesmo por ser um imbecil completo, vou dizer que eu já estava intuindo o que estava acontecendo com você há meses. Mas agora já está exagerando, cara! Está uma pilha de nervos porque ela não liga, estou errado? — Rodrigo não respondeu. — Daqui a quatro dias elas voltam para Madri. No sábado! Se você gosta de verdade dessa mulher, reconquiste-a, porque vale a pena. Mas se não quer nada sério com ela, esqueça-a. Ana merece um homem que a queira a seu lado. Confuso com o que Calvin estava dizendo, Rodrigo olhou para ele: — Por que não me disse isso antes? — Como diria minha princesa, primeiro, porque não sou indiscreto nem fofoqueiro, e, segundo, porque nunca pensei que um dia você fosse se apaixonar. Ambos riram, e Rodrigo, fazendo um high five com seu amigo, comentou: — Sabia que acabamos de fazer uma terapia de açúcar? No sábado, às 18h20, o avião procedente da Alemanha chegou ao terminal T-4 do Aeroporto de Barajas. Ana e Nekane, cansadas, desembarcaram do avião junto com outros colegas. As sessões de fotos na Floresta Negra com as modelos não haviam sido fáceis, mas estavam voltando com um trabalho impressionante e sabiam que o cliente ia gostar.
Quando as portas de saída dos passageiros se abriram, Nekane gritou e se separou do grupo. Ali estava seu Calvin com um lindo buquê de flores silvestres. Quinze dias sem se ver havia sido demais, e a navarra, ao vê-lo ali tão bonito e sorridente, não hesitou e se jogou em seus braços. — Ora, ora, voltou fogosa! — Brincou Calvin ao sentir os beijos ardentes dela. Ana, depois de se despedir de dois colegas que haviam viajado com elas, olhou os pombinhos e sorriu. A felicidade de Nekane a fazia feliz, mas sentiu uma pontadinha de tristeza ao ver que ninguém a esperava. Quando os pombinhos pararam de se beijar e fazer carinhos, Calvin cumprimentou Ana e começaram a andar. — Como foram as coisas? — Perfeitas — respondeu Nekane, sorrindo. — As modelos umas chatas, os alemães sérios e profissionais, e nós exaustas. Mas, fora isso, ótimo! Ana assentiu, sorridente. Queria chegar em casa, tomar um banho, ligar para seu bebê, dormir e que chegasse o dia seguinte para pegar um voo para buscar Dani. Calvin pagou o tíquete do estacionamento e disse, segurando sua namorada pela cintura para beijála: — Ana, o carro está logo ali, à direita. Intuindo que eles queriam ficar um segundo sozinhos, Ana assentiu e caminhou para onde seu amigo havia indicado. Ia absorta em seus pensamentos quando, ao virar à direita, ficou sem fala: apoiado no capô do carro de Calvin estava Rodrigo, sorridente, com Dani no colo. A emoção de ver seu bebê ali a embargou, e dando um grito como o que Nekane havia dado antes, soltou a mala para correr para ele. Como uma tromba d’água chegou até Rodrigo, e sem tirar o bebê dos braços dele, abraçou-o enquanto grandes lágrimas deslizavam por seu rosto. Quando parou de tremer, olhou para o bebê, que, por sua vez, olhava para ela, com a chupeta na boca, e sussurrou enquanto Rodrigo o entregava: — Olá, meu menino! Como você está bonito, meu amor, e como cresceu! Nekane e Calvin, que haviam observado a cena a poucos metros, olharam-se, emocionados. Rodrigo, que havia permanecido calado todo esse tempo, queria abraçá-la, mas se conteve. Entendia que a atenção era toda para Dani naquele momento, e decidiu esperar sua hora. — Mas... mas o que Dani está fazendo aqui? Por que você está com ele? Aconteceu alguma coisa? Aconteceu alguma coisa com meus pais? Com Nana? Rodrigo, ao escutar todas aquelas perguntas e ver a preocupação de Ana, sorriu. Dando-lhe um beijo no rosto, acalmou-a: — Ana, está tudo bem. Simplesmente Dani queria vir recebê-la. — Desde quando ele está em Madri? — Desde ontem. — Desde ontem? Mas... amanhã eu ia buscá-lo em Londres, e... Pondo o dedo nos lábios de Ana, Rodrigo a fez calar. — Falei com seus pais, pedi que o trouxessem, e eles o deixaram ontem em minha casa. — Em sua casa? Por quê? Rodrigo queria lhe dizer tudo que sentia, mas sabia que a assustaria; por isso, olhando para Calvin, que chegava nesse momento com Nekane, disse: — Porque eu pedi. Estava com muita saudade de Dani, e imaginei como você ficaria encontrandoo hoje. O resto você pode imaginar. Confusa por ter seu filho nos braços, e especialmente por seus pais terem atendido àquele pedido, Ana perguntou, espantada: — Meus pais deixaram o bebê com você e foram embora?
— Para sua mãe foi difícil ir embora — respondeu Rodrigo, fazendo-a sorrir. — Não sei se um dia vai me perdoar por ter lhe tirado o bebê uns dias antes, mas seu pai a convenceu de que Dani ficaria bem comigo. E posso garantir que ficamos ótimos em minha casa. Ele dormiu direto, dei banho nele com o gel que sua mãe indicou, tomou todas as mamadeiras sem reclamar, e para que ele sorrisse, eu cantei sua canção. Ana olhava-o boquiaberta. Ele havia dito que cantara sua canção? A de Pablo Alborán? Calvin, divertido com o relatório que seu amigo estava dando, entrou na conversa. — Não esqueça o passeio que fizemos ontem no parque. O menino se divertiu muito, e nós fizemos o maior sucesso com as mães. — Mas que cara de pau! — Comentou Nekane, rindo. — Usar uma criança com segundas intenções! — Interveio Ana, gargalhando. Encantada, emocionada e feliz por ter seu bebê em seus braços, Ana lhe fazia dengo enquanto o menino sorria. Nekane, que já não aguentava nem mais um segundo, tirou-lhe o menino dos braços para enchê-lo de beijinhos. Ana, liberada do filho, voltou-se para Rodrigo e o abraçou. — Obrigada, Rodrigo... Você sempre me surpreendendo. Meu Deus, que saudades senti dele!, pensou ao aspirar o cheiro doce de Rodrigo. — E espero... continuar surpreendendo-a. Ana não queria pensar em mais nada. Vê-lo tão imponente como sempre a impedia de respirar, mas ignorando o fato, sorriu. Aquela havia sido a surpresa mais bonita que já lhe haviam feito e estava feliz com seu bebê no colo. Cinco minutos depois, os quatro e o bebê entraram no carro de Calvin e se dirigiram para a casa das garotas.
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Havia se passado dois dias desde o encontro no aeroporto quando Rodrigo ligou para Ana uma manhã para dar a notícia de que Julio e Rocío já eram pais. Emocionada, ela fez centenas de perguntas, às quais ele respondeu como pôde, e ficou de passar para buscá-la à tarde para irem com o pequeno Dani ao hospital. À tarde, quando chegaram ao hospital, carregando balões e flores, o novo papai se emocionou. Isso fez Rodrigo rir, e abraçando-o, levou-o à lanchonete para beber alguma coisa. Tinham uma coisa linda a celebrar. Quando ficaram sozinhas, Rocío e Ana, com seus respectivos filhos, olharam-se, felizes. — Que maravilha! São lindos! — Exclamou Rocío. — Sim, somos mulheres de sorte. Temos bebês saudáveis e muito bonitos. — Acredita que Julio não para de chorar? — Disse Rocío rindo. — A chorona devia ser eu, e não ele, por causa da revolução de hormônios, mas que nada! É olhar para mim ou para a bebê que o bombeirão daquele tamanho se derrete todo. — Eu acredito. Precisa ver Rodrigo com Dani... fica todo babão! E Calvin, então, nem te conto! — No fim, há alguma coisa entre vocês? — Entre quem? — Perguntou Ana, apesar de ter entendido a pergunta. — Ora, Ana, entre Rodrigo e você. — Não... não. Entre nós há somente uma boa amizade. Só isso. — Pois é uma pena, garota. Vocês formam um lindo casal, e Rodrigo está tão animado com Dani que dá pena pensar que não há amor entre vocês. — Você é uma romântica — brincou Ana. Ambas riram, e Ana rapidamente olhou para seu filho em busca de forças. Quando se tratava de Rodrigo, precisava. A visita durou até que chegaram outros parentes de Rocío, e Ana e Rodrigo decidiram ir embora. Durante horas, caminharam pelas ruas de Madri com o bebê sentado em seu carrinho. Qualquer um que olhasse pensaria que eram um casal. Riam o tempo todo, e a cumplicidade entre eles era evidente. Às nove da noite chegaram à casa de Ana. Ela deu banho no bebê enquanto Rodrigo preparava uma tortilla de batata com cebola. Quando terminou, ela deu a mamadeira a Dani, e depois de lhe dar bilhões de beijos, colocou-o no berço, onde o bebê adormeceu. — Por que não come mais tortilla? — Tenho que perder dois quilos ainda. — Você está fantástica! — disse Rodrigo, rindo. Ana balançou a cabeça e se aproximou. — São seus olhos. Mas, tudo bem, ponha só mais um pedacinho que amanhã começo de novo a academia, e com certeza Arturo vai me fazer pagar. Ao ouvir as palavras “academia” e “Arturo”, Rodrigo sentiu um nó no estômago, mas não querendo estragar o lindo dia que haviam passado juntos, serviu-lhe outro pedaço de tortilla e se recostou no sofá para observar Ana comer. De repente o celular dela tocou, e ao ver quem era, deu uma piscadinha para Rodrigo, e com uma voz melosa que ele detestou, Ana disse: — Olá, Mario! Tudo bem?
Mario? Quem é Mario?, pensou Rodrigo, mas continuou sentado, sem se mexer. — Sério?! — Ana pulou do sofá. — Quando você vem? — E ao escutar a resposta, disse: — Ah... nesse dia Neka tem um compromisso... mas não se preocupe, vou arranjar alguém para ficar com Dani e vamos sair para jantar. Promessa é dívida. Durante quinze minutos Rodrigo ouviu Ana rir e falar com o tal de Mario, andando de um lado a outro da sala. Parecia estar adorando aquela ligação, o oposto de como Rodrigo se sentia. Quando por fim se despediu e desligou, Ana se sentou de novo no sofá e, alegre, explicou: — Era Mario... Ele levantou as sobrancelhas. — ...um amigo fotógrafo que encontrei estes dias na Alemanha; nós nos damos muito bem. Rodrigo, embora quisesse interrogá-la sobre o assunto, não quis parecer desesperado, de modo que disse: — Ouvi você dizer que vai jantar com ele. — Sim. — Se quiser, eu fico com Dani — acrescentou, escondendo sua fúria. Ana olhou para o amigo. — Sério? — Perguntou, feliz. — Você faria isso? — Claro! Feliz pela proposta, Ana se jogou sobre ele e o abraçou. — Que legal! Ótimo! Eu te agradeço muito. Quando Dani está com você, fico mais tranquila do que quando o deixo com outra pessoa. Como tê-la em seus braços o deixava confuso, Rodrigo se desfez do abraço. — Esse Mario é alguém especial? — Perguntou quando se sentaram no sofá. — Talvez. — Talvez?! Ana assentiu, e depois de pegar uma banana de cima da mesa, pôs os pés no sofá. Sentou-se de pernas cruzadas e começou a descascar a fruta enquanto dizia: — Mario é um fotógrafo do National Geographic. Nós nos conhecemos há quatro anos, e sempre que nos encontramos em algum lugar nos divertimos muito. Nós nos vimos na Alemanha, e meu Deus, ele está cada dia mais bonito. Ana deixou a casca em cima da mesa e deu uma mordida na banana. — Ele é alto, moreno, tem uma tatuagem sexy na parte lombar e, nossa, é muito atraente! Incomodado com o que estava escutando, mas enfeitiçado pelo modo como ela comia a banana, mal podia respirar. — E vocês... esse Mario e você, tiveram alguma coisa? — Perguntou sem poder evitar. Com a banana na boca, Ana assentiu. — Hummm, sim! E só posso dizer que foi colossal! Aqueles barulhinhos que ela fazia, e vê-la com aquela fruta na boca deixaram sua virilha tensa. Ana era sexy, direta e encantadora. Como não havia notado isso antes? — Quando for sair com ele, eu os apresento. A propósito, é quinta-feira; você vai poder? Rodrigo assentiu enquanto ela passava a banana pela boca. Dava a impressão de que o estava provocando, mas Ana não era assim; pelo menos nunca havia sido. Por fim, sentindo que sua respiração ficava mais profunda, Rodrigo se levantou. — Vou ao banheiro. Ela assentiu e continuou comendo a banana. Uma vez no banheiro, Rodrigo jogou água no cabelo. Precisava esfriar a cabeça e a virilha, senão se jogaria sobre Ana e faria amor com ela apaixonadamente. Quando saiu do banheiro, encontrou Ana tirando a mesa. Sentindo-se incapaz de
continuar nem mais um segundo com ela sem beijá-la, disse: — Vou indo. Amanhã entro cedo. — Tudo bem — assentiu ela, guardando as coisas na lava-louça. Ele se aproximou para se despedir, e a jovem, dando meia-volta, ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo na ponta do nariz. — Obrigada pela tortilla. Estava ótima! Ele assentiu, meio tonto, e sorrindo, pegou as chaves de seu carro no balcão e saiu. Aquilo não era bom para a saúde. Na quinta-feira, como havia dito, Rodrigo chegou à casa de Ana às sete para ficar de babá. Incomodado com a situação, mas tentando fingir normalidade, sorriu quando ela lhe entregou o bebê porque ia se arrumar. Uma hora depois, enquanto ele assistia à TV com o bebê dormindo em seu colo, Ana saiu do quarto. — Seja sincero. Como estou para o encontro? Ao olhar para ela as pernas de Rodrigo tremeram e ele ficou de boca seca. Ana estava linda. Sexy e tentadora. Aquele vestido preto justo que deixava seus lindos ombros à mostra e os sapatos de salto alto ficavam muito bem nela. Bem demais. Boquiaberto, permaneceu sentado. — Você está linda — murmurou. Ela sorriu, e olhando-se no espelhinho da sala de jantar, perguntou, mais nervosa que o normal: — O que faço com o cabelo? Deixo a franja no rosto, tipo mulher fatal, ou ponho uma fivela? Atônito, observou-a enquanto ela prendia o cabelo e o soltava, e, por fim, só conseguiu balbuciar como um imbecil: — Tanto faz. Você está linda demais. — Obrigadaaaa! Nesse momento tocou o interfone, e Ana rapidamente respondeu. — É Mario — anunciou entrando na sala de jantar. Dois minutos depois, um sujeito alto como Rodrigo e, para seu gosto, atraente demais, entrou na sala. Ana sorriu ao vê-lo e deu-lhe dois beijinhos no rosto. — Mario, este é Rodrigo, um grande amigo. Ele será babá de Dani. Cumprimentaram-se com cordialidade, e Ana, tirando o bebê dos braços de Rodrigo, disse: — E esta coisinha mais linda é meu filho Dani. Não é lindo? Mario observou o bebê e sorriu, e tocando a carinha gordinha, respondeu, para desagrado de Rodrigo: — Lindo como a mãe. Rodrigo ficou louco da vida com o jeito como os dois se olharam. Por que aquele imbecil ficava tocando o rosto de Dani e sorrindo para Ana desse jeito? Incapaz de ficar impassível, disse: — Ana, venha um instantinho aqui ao quarto, preciso te perguntar uma coisa antes que saia. A jovem olhou para Mario, e fazendo um sinal para pedir um segundo, seguiu Rodrigo. Quando chegaram ao quarto, ele fechou a porta. — Você ficou maluca? — Por quê? — Esse imbecil anda com uma plaquinha na testa: Veja como eu sou bonito! — É que ele é muito bonito mesmo — sorriu Ana, encantada. — Ana... não gosto desse sujeito. Nem um pouco. — Normal. Você gosta de mulheres. Seria estranho se gostasse dele — disse ela, incomodada. Quem era ele para lhe dizer essas coisas? — Mas você não percebe que tipo de homem ele é, e a única coisa que quer?
Ao entender o que ele estava dizendo, Ana mudou o peso do corpo de um pé para o outro e, categórica, respondeu: — Simplesmente é o mesmo tipo de homem que você. E quanto ao que ele quer, acho ótimo. E sabe por quê? Porque é justamente o que eu quero. E não estando a fim de dizer nem escutar mais nada, Ana abriu a porta e saiu do quarto. Rodrigo a seguiu. Uma vez na sala de jantar, sem olhar Rodrigo nos olhos, entregou-lhe o bebê depois de lhe dar um beijo na bochechinha. Então, pegou a bolsa e uma pashmina, e olhando para Rodrigo com uma seriedade que ele desconhecia nela, disse antes de sair pela porta: — Se acontecer qualquer coisa, ligue-me! Quando a porta se fechou, a fúria de Rodrigo era avassaladora. Deixando o bebê adormecido em seu bercinho, começou a praguejar, desesperado. Mas olhando-se no espelho onde minutos antes ela havia se olhado, sibilou: — Benfeito! Quem manda ser imbecil? A partir desse dia a vida de Rodrigo virou um inferno. Durante uma semana suportou a presença de Mario a seu redor, e mal pôde reclamar. Fosse a hora que fosse à casa dela, lá estava aquele imbecil. E o pior não era isso. O pior eram os sorrisos que Ana lhe oferecia e ver como o sujeito brincava com Dani. Não o suportava! Por que tinha que tocar o menino? E, especialmente, por que tinha que estar na casa de Ana o tempo todo? Por isso, no dia em que chegou à casa da jovem e Encarna lhe disse que Ana estava no aeroporto se despedindo do amigo, ele suspirou aliviado. E depois de pegar Dani e se sentar no sofá para enchê-lo de beijinhos, entendeu que tinha que resolver aquilo. Encarna, que havia sido testemunha muda durante aqueles dias de como Rodrigo olhava o fotógrafo, sentando-se a seu lado ofereceu-lhe rosquinhas. Rapidamente ele atacou o prato. — Estão uma delícia, Encarna. Adorei. — Você acha que são as melhores rosquinhas que já comeu? Surpreso com a pergunta, Rodrigo respondeu: — Acho que sim. A galega se levantou, e agitando as mãos, sussurrou enquanto se afastava: — Acho... acho... acho... Esse seu acho não me convence. Aturdido, sem entender do que a mulher estava falando, e menos ainda o que havia com ela, deixou Dani na cadeirinha e se aproximou de Encarna. — Que foi, Encarna? Depois de secar as mãos em um pano de prato, a vizinha de Ana olhou para Rodrigo. — Você sabe que está perdendo tempo, não é? — Como?! — Sim, você está perdendo tempo nesta casa. Eu sei que você gosta de Ana. Sei pelo jeito como você olha para ela e pelo mal que sentiu estes dias com Mario aqui. Sou velha, mas não sou boba. Mas, acredite, não há mais nada a fazer. Portanto, como você diz, acho que você devia dar um beijo em Dani e ir embora para que Ana seja feliz. Porque, meu jovem, se você vai ficar só no acho, a coisa vai mal! — Murmurou ela. Surpreso com a resposta, Rodrigo olhou para a mulher e perguntou: — Por que diz isso? — Por nada... por nada — mas incapaz de se calar, acrescentou, irritada: — Como pode ser tão tolo? Por acaso não vê que se não ficar esperto vai chegar outro mais esperto que você e ficar com este bebê e a mãe? — E dando-lhe um tapa na cabeça, a mulher concluiu: — Tolo... você teve tudo para conquistá-la, mas sua inépcia o está deixando sem nada. Estupefato diante daquelas palavras, Rodrigo só pôde murmurar: — Vou falar com ela e...
— Então, acorde, caralho, fique esperto! Porque é como as rosquinhas: se continuar provando uma aqui e outra ali, nunca vai saber se gosta de alguma de verdade. Porque, meu filho, embora eu seja virgem, sei que para que gostemos de algo temos que degustar, observar, cuidar, conhecer, desfrutar, e mil coisas mais. E justamente isso é o que você não faz. E no dia que pensar “gostei daquela rosquinha que provei”, pode ser que outro já a tenha comido e você fique com cara de bobo. — Está comparando um relacionamento com uma rosquinha? — Brincou ele, divertido. A galega, afastando um cacho da testa, olhou para aquele homem enorme e sibilou: — Sim. E para um bom entendedor, meia palavra basta. E não puderam continuar. A porta se abriu e Ana apareceu com um de seus sorrisos espetaculares e outro de seus tantos amigos. E, como era de se esperar, a tortura de Rodrigo continuou.
21
O casting para selecionar os bombeiros que posariam para o calendário da Intimissimi gerou grande expectativa. Bombeiros de toda a Espanha se reuniram no hotel NH Ciudad de la Imagen, e Nekane e Ana se instalaram em um sala preparada para avaliarem a sensualidade daqueles homenzarrões. Para isso, tiveram que orientar os rapazes, pouco acostumados ao mundo das lentes e dos holofotes, que posaram de uniforme e nus da cintura para cima. — Mãe do céu, você está vendo o que eu estou vendo? — Sussurrou Nekane. — Sim... estou vendo, estou vendo. Nessas horas entendo por que eu adoro meu trabalho. — E eu também! — Respondeu Nekane, rindo com um pote de óleo nas mãos, usado para lambuzar o torso dos bombeiros. Os bombeiros facilitaram as coisas. Todos eram simpáticos, e, de certo modo, parecia que se conheciam desde sempre. Acostumados a outro tipo de trabalho, aquele dia foi divertido e até original para eles. A certa altura Ana viu Rodrigo chegar com Calvin, Julio e Jesús. Depois do que havia acontecido na noite em que ela saíra com Mario e ele ficara de babá, não voltaram a falar no assunto; e, na verdade, ela achava ótimo. Quanto menos recordassem aquilo, melhor. Até a hora do almoço já haviam fotografado e pegado os dados de mais de cem bombeiros, todos impressionantes, e faltavam só alguns para acabar. — Incrível! — Exclamou Nekane, sorrindo. — Ana, você viu o material de primeira que temos aqui? — Sim, e nós nem sabíamos. Ambas estavam rindo quando Calvin, com seu sorriso de sempre, se aproximou. — Olá, bonitas! Como vão as coisas? As duas se olharam e Nekane respondeu: — Só posso dizer uma coisa: exaustivoooo! A expressão de malandra dela e o jeito como muitos de seus colegas a olhavam fizeram que Calvin levantasse Nekane da cadeira, pegasse-a pela cintura, e puxando-a para si de um jeito possessivo, a beijasse. Quando ele a soltou, Nekane o olhou fixamente. — Calvin, por que você fez isso? — É meu jeito de deixar claro a todos os lobos ferozes que a olham com desejo que você é minha princesa. O olhar de Nekane indicava que ela não ia dizer nada agradável, mas, surpreendentemente, disse: — Ai, seu bobinho! Mas para mim você é o melhor... Todo bobo, Calvin deu mordidinhas no pescoço de Nekane enquanto sussurrava: — Vou devorar você, princesa! Ana revirou os olhos. O dengo daqueles dois havia chegado ao máximo. Rindo, disse para que se afastassem: — Andem, vão... chafurdar em seu lamaçal de luxúria longe de mim, por favoooor! Quando se afastaram, esboçando um sorriso Ana levou uma garfada de arroz à boca. Então, alguém chamou sua atenção. — Ana, não é? Ela assentiu.
— Meu nome é David. Posso me sentar? — Sim... sim, por favor — respondeu ela depois de engolir o arroz. O homem que havia se sentado a seu lado era impressionante. Devia de ter uns 35 anos, era alto, atraente e, pelo jeito de sorrir, parecia simpático. — Pois não? — Disse Ana. — Eu só queria lhe dizer que estamos muito gratos por essa iniciativa. Essa porcentagem que a marca de lingerie vai doar aos bombeiros durante um ano vai cair muito bem para comprarmos coisas que necessitamos para nosso trabalho. — Obrigada! — E olhando para ele, perguntou: — Já passou pelo casting? Ele sorriu, e se aproximando, fez um gesto negativo. — Não. — Mas vai passar, não é? Nesse momento chegaram Rodrigo e Julio e se sentaram com eles. Depois de se cumprimentarem com um movimento de cabeça, David tornou a se dirigir a Ana. — Não. Alheia à expressão de seriedade de Rodrigo, ela voltou o olhar para o bombeiro. — E por que não? — Perguntou. — Porque este sujeito é muito feio e vai quebrar a câmera — debochou Julio, ganhando um sorriso do homem. — Ana — acrescentou David—, eu só vim acompanhar uns amigos e ver como são as coisas. A jovem sorriu, e sem se importar com o fato de os outros dois estarem atentos à conversa, continuou perguntando. — De onde você é? — Sou do IV Grupamento de Madri. Tetuán. — Muito bem, David do IV Grupamento de Tetuán, saiba que eu quero fotografá-lo. Quero você diante da minha objetiva. Rodrigo suspirou, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, David se levantou, e tirando um cartão do bolso, deixou-o em cima da mesa. Olhando para a jovem, disse antes de se afastar: — Só se antes você me ligar e aceitar jantar comigo esta noite. Quando os três ficaram sozinhos, Ana pegou o cartão e o olhou. Rodrigo, contrariado com o descaramento de David, tirou-lhe o cartão das mãos. — Nem pense em ligar para ele — advertiu-a. — De novo essa história? — Protestou ela, olhando para Rodrigo seriamente. — Por que não ligaria? Também não gosta desse? Julio olhou os dois, surpreso. O que estava acontecendo? Mas continuou sentado no mesmo lugar, decidido a descobrir para depois contar a sua mulher. Rodrigo, sem se acovardar, inclinou-se para frente na mesa e se aproximou mais dela. — Simplesmente porque eu estou dizendo. Aquela grosseria foi demais para Ana. Olhou para ele com raiva. — Dê-me aqui o cartão — exigiu. — Não. Julio, constrangido no meio daquele duelo, optou por se levantar e sair. Não estava entendendo o jogo dos dois, mas decidiu se afastar para que resolvessem as coisas sozinhos. — Rodrigo... você está se excedendo. — Este sujeito... — La-la-la-la-la-la. Não quero escutar! — Disse Ana, para desespero de Rodrigo.
— Caralho, Ana, ouça-me! Só estou tentando protegê-la. — E quem te pediu proteção? — Você me nomeou seu cupido particular, esqueceu? Por isso, não quero que jante com ele. — O que está acontecendo? Ele também é um beija-flor como você e Mario? — Pior — sibilou ele, contrariado. — E, por isso, não é bom para você. Ao ver que Rodrigo guardava o cartão no bolso da camisa, grunhiu, irritada: — Você é bobo ou o quê? Por acaso eu te pedi opinião? — Não e não. Mas sou seu amigo e não quero que... — Dê-me esse maldito cartão de uma vez por todas se não quiser que eu mesma o tire de suas mãos e faça um escândalo digno de recordar. — Nem sonhe com isso — e com um sorriso debochado ele murmurou, abrindo os braços: — Mas, se quiser, ande, venha pegar. Eu deixo você me tocar se está tão necessitada assim de sexo. — Você é bobo? — Talvez — respondeu ele, ciente da estupidez que estava fazendo. Nervosa, olhando para ele com um sorriso diabólico, ela mexeu o pé embaixo da mesa e lhe deu um chute na canela. — Ai! Que bruta! — Protestou ele, dolorido. — Se não me der o cartão, nunca mais falo com você na vida. — Ana, se quer sair para jantar, eu te convido. — Pare com isso, não me provoque. Não é a mesma coisa — protestou Ana. — Por que não? — Rodrigo, por favor... Qual é? Vai me dizer que um jantar com David é a mesma coisa que ir ao Burger King com você? — Que eu saiba, você gosta do Whopper com queijo, batata e Coca-Cola. Ah, e de sobremesa, evidentemente, um sundae de chocolate. Não pode faltar! — Brincou ele. Ana não conseguiu não rir. Suspirou e se aproximou. — Claro que gosto. Adoro! Mas meu jantar com David vai ter uma sobremesa que com você não vou ter — e ao vê-lo bufar, acrescentou: — Rodrigo, um homem sexy acabou de me convidar para jantar e eu quero aceitar esse convite. Não sei o que está acontecendo com você ultimamente, mas acho que está levando muito a sério nossa amizade. Transtornado, ele não respondeu. — Eu quero retomar minha vida — prosseguiu ela. — Meu filho é saudável, bem cuidado e feliz. Será que eu não mereço um pouco de diversão? — Com ele não. — Ai, meu Deeeeeus! E sem rodeios, disse, deixando-a pasma: — Não se quiser se divertir do jeito que eu imagino que... — Sexo — interrompeu ela. — O nome é sexo. Louco pelo jeito como ela dizia as coisas claramente, por fim Rodrigo disse: — Se você quer sexo, eu posso te dar isso. É evidente que quando nós queremos, nós nos divertimos muito. Ana ficou surpresa com a oferta, e pestanejando, tentou ofendê-lo: — Disse bem: quando nós queremos. Mas eu não quero nada com você. Absolutamente nada. Incapaz de conter sua fúria nem mais um segundo, ele decidiu ser claro de uma vez por todas. — Tenho que falar com você — murmurou ele bem perto dela. — Preciso dizer que...
— La-la-la-la-la-la-la-la. Não quero ouviiiir! — Ela cantou de novo. — Não consigo parar de pensar em você, acho que estou apaixonado, e ver você saindo com outros e não me querer está me matando. Ana parou de cantar e imediatamente cobriu-lhe a boca com a mão. Depois, levantando-se com lentidão da cadeira, disse com um fio de voz: — Vou fazer de conta que não ouvi o que você disse. Não me amole, Rodrigo, isso não é possível. Não agora... foi muito difícil esquecer você, e agora você me vem com essa. Portanto, vou tirar minha mão lentamente de sua boca, vou embora e vou continuar trabalhando, entendeu? Rodrigo não disse nada. Contemplou-a enquanto ela se afastava. E ao vê-la se voltar para olhar para ele, pensou: Mas você me ouviu, Ana; eu sei que me ouviu. Abalada, totalmente atordoada, Ana prosseguiu com seu trabalho. Mas sua cabeça dava mil voltas. Rodrigo apaixonado por ela? Diversos bombeiros foram passando diante da câmera, até que sua amiga, ao vê-la tão dispersa, perguntou: — Posso saber o que aconteceu? — Nada. — Ah, claro que não foi nada. Fale agora mesmo. Que foi? Ana soltou a câmera, e pedindo licença ao bombeiro que esperava para ser fotografado, aproximou-se de sua amiga. Pelo que pôde ver, Rodrigo estava conversando com outros longe delas. — Ai, Neka, só comigo acontecem essas coisas! — Depende... comigo acontecem coisas muito estranhas também — disse sua amiga, rindo. — Mas vendo o desconcerto de Ana, mudou de atitude. — Ande, comece do começo. Ana respirou fundo. — Um homão desses me deu seu cartão para eu ligar. Ele quer me levar para jantar, e é um gato! — Não me diga? Quem é? Ana olhou ao redor para procurá-lo, mas viu primeiro Rodrigo, que a observava. Rapidamente afastou os olhos e encontrou David, que conversava com outros homens. — É aquele, de jeans e camisa cáqui. — Caralho, que pedaço de mau caminho! — Exclamou Nekane, sorrindo. — Perfeito! — Não. Perfeito não! — Por quê? Qual é o problema? Ele é demais! Se é por causa de Dani, fique tranquila, que a tia Neka está aqui para cuidar dele. — Rodrigo tirou o cartão de mim para eu não ligar. — E por que esse desmancha-prazeres fez isso? — Segundo ele, David não serve para mim, e o imbecil, porque não tem outro nome, disse com toda a cara de pau do mundo para eu não sair para jantar com ele. Nekane, sem entender nada, viu que Rodrigo olhava para elas. Com o cenho franzido, perguntou: — E por que ele se importa com quem você janta? — Neka... ele disse que não consegue parar de pensar em mim e que acha que está apaixonado, e que não suporta me ver sair com outros e não querer nada com ele. — Como é que é?! Vendo Ana assentir, Neka olhou para Rodrigo, que sorriu. Ela quis gritar um palavrão para ele, mas por fim disse: — Puta que pariu! Como ele pode ser tão... tão... — E olhando para a amiga: — E o que foi que você disse? — Eu disse que não queria escutar... que... que... Caralho, fiquei com taquicardia! Que ideia a dele de me dizer isso agora! Não, não isso não pode estar acontecendo. Não agora. — Ele merece um chute onde mais dói. Como os homens são egoístas! Não fodem nem saem de
cima — afirmou Neka, decidida a tomar as rédeas da situação. — Muito bem, você quer jantar com o outro gato? Ana olhou para sua amiga, desconcertada. — Não sei! — Tudo bem... nada de pânico. Eu tenho um plano. Eu peço o telefone ao tal de David, digo que sou sua assistente e que você perdeu o cartão e... — Ai, Neka, não sei! — Sim, mulher, sim... O que você acha? — Uma loucura. — Mas vai ser uma loucura divina para você. Não quer se divertir? — Sim. Preciso. — Pois então, não se fala mais nisso. Ana buscou Rodrigo com o olhar. Ele continuava observando-a. De repente, ela se sentiu atrevida. — Tudo bem, siga com o plano — disse, voltando-se para sua amiga. Depois daquela conversa, continuaram trabalhando. Rodrigo, contemplando-a de longe, sentia-se satisfeito. Ele a conhecia muito bem e sabia que estava nervosa, e era por causa dele. Quando chegou a hora de fotografá-lo, Ana não deu uma dentro, e isso o fez sorrir amplamente. Mas seu sorriso se apagou de repente quando, depois dele, David ficou diante da objetiva, e Ana o fotografou, retomando sua destreza. O que aquilo queria dizer? Soube dez minutos depois, quando recebeu uma mensagem no celular: “Troco Whopper por filé”. O jantar com David foi maravilhoso. O homem era encantador e se comportou como um cavalheiro durante a noite toda. O celular de Ana tocou uma dúzia de vezes. Era Rodrigo. Como havia decidido não atender, no fim ela o deixou no silencioso. Ele não ia estragar seu encontro. Depois do jantar foram beber uns drinques em um pub em Argüelles, e foi quando David a beijou. Ana gostou de sentir aqueles lábios mornos e sensuais nos dela. Aceitou a boca dele sem detê-lo, mas quando ele propôs que fossem a um hotel, algo a bloqueou e ela disse não. Não conseguira parar de pensar em Rodrigo e no que ele havia dito à tarde, e o que menos lhe apetecia era ir para a cama com outro em um hotel. Às 3h15 da madrugada David parou o carro em frente ao prédio de Ana, e depois de lhe dar um beijo rápido nos lábios, Ana desceu. Ao ver o carro se afastando caminhou em direção à porta, mas seu coração deu um pulou em seu peito quando viu Rodrigo se aproximar pela direita. Diferente de outras vezes, não estava sorridente. Pelo contrário, estava irritado, como mostrou quando se aproximou. — Como pôde sair com ele? Você está louca? Incomodada com o tom de voz dele, e especialmente pela intromissão em sua vida privada, Ana o olhou com cara de poucos amigos. — Desde quando tenho que te dar satisfações sobre o que faço ou deixo de fazer? — Eu liguei mil vezes, não viu? — Ai, meu Deus, que chatice! Claro que vi, mas estava ocupada. Apesar da discussão, um calor agradável e excitante invadiu Ana. Tê-lo sempre por perto provocava essa sensação nela. E vê-lo ali tão bonito e sexy, e sentir o ciúme dele por ela a excitava mais a cada segundo. Mas não estava disposta a ceder. — Que diabos está fazendo aqui a uma hora dessas? — Esperando você para saber se gostou de seu filé. — Sim — respondeu ela sorrindo e levantando o queixo —, gostei muito. David é um homem muito agradável e... — Você quer dizer canalha.
— Não... eu não empregaria este termo para defini-lo. E agora, se não se importa, estou cansada e quero dormir. Ana não pretendia escutar mais nada, de modo que colocou a chave na fechadura do portão. — Acredite, Ana — murmurou ele —, ele é um canalha. David te disse que é casado? Aquela revelação a fez derrubar as chaves. Casado? Ela não saía com homens casados. Rapidamente Rodrigo se agachou e as pegou. Sem dúvida alguma, aquela informação havia pegado Ana de surpresa. Bastava ver a cara dela para confirmar que Ana não sabia de nada. E antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Rodrigo pegou-lhe o queixo, e levantando-o para olhá-la nos olhos, sussurrou: — Eu tentei te avisar. — Casado? — Sim! E com três filhos. Irada por não ter percebido, ou pelo menos não ter intuído, ela se apoiou no portão e fechou os olhos. — Como sou idiota... totalmente idiota. Por que não pensei nisso quando ele falou de irmos a um hotel? — Esse imbecil queria levá-la a um hotel? — Grunhiu ele, alterado. Só de imaginar Ana nos braços do outro ficava doente. — Eu devia ter imaginado... — murmurou Ana sem escutá-lo. — Como pude ser tão boba! Imaginar Ana com David entrando em um quarto de hotel fez o sangue de Rodrigo ferver. Mas como não queria angustiá-la mais, entregou-lhe as chaves. — Não fique se torturando com isso agora. — Por que não me disse? — Ana... eu tentei, mas... — Não — interrompeu ela —, eu lembro que você me disse outras coisas — E ao ver o olhar azulado dele nela, levantou o dedo indicador: — E quanto a isso que eu e você sabemos, esqueça. Não estou disposta a... Mas não pôde dizer mais nada. Rodrigo a pegou pela cintura, e puxando-a para si, beijou-a, possessivo. Apertou-a contra si, fazendo-a sentir seu desejo e sua ereção maravilhosa. Aquele simples beijo fez Ana sentir o que os beijos de David não haviam conseguido. Desejo. Um desejo incontrolável de estar com ele e curtir o momento com verdadeira paixão. Incapaz de repelir aquele ataque direto do tsunami Rodrigo, Ana soltou a bolsa, e se agarrando no pescoço dele, deixou-se levantar até ficar apoiada no portão. Às 3h30 da madrugada pouca gente passava por ali, mas um barulho fez que Ana abrisse os olhos. O caminhão do lixo dobrava a esquina, e em breve estaria diante deles. Com a pulsação a mil e o desejo totalmente descontrolado enquanto Rodrigo dava mordidinhas em sua orelha, ela murmurou sem convicção: — Solte-me... — Ao ver que ele não lhe dava bola, afastou um pouco o corpo, e olhando nos olhos dele, sussurrou, enlouquecida com aquelas covinhas que formavam quando ele sorria: — Não devemos continuar com isso. Solte-me! — Não. — Não?! — Eu te desejo tanto quanto você me deseja. — É mentira. — Não, minha querida, não é mentira. Você sabe que o que digo é verdade, mas não quer admitir porque precisa me castigar por todo o mal que te fiz — Ana não disse nada. Ele murmurou perto dos lábios dela: — Não sei o que aconteceu, nem quando, mas não consigo parar de pensar em você... — Escute, Rodrigo, eu não sou seu tipo de mulher; portanto, esqueça-me, ok?
— Você é perfeita do jeito que é. O imbecil aqui fui eu que não percebi antes como você é linda, encantadora e maravilhosa. Lisonjeada pelas coisas que Rodrigo dizia e que sempre quisera ouvir, mas assustada pela determinação que via nos olhos dele, afastou o corpo para trás e disse: — Sinto muito, mas agora é tarde. Eu... — Ana, o que sinto por você me fez compreender que o gostoso nesta vida é ter alguém ao nosso lado que nos ame, que conheça nossos gostos, e não uma mulher diferente a cada noite que não nos conhece nem entende. — As pessoas não mudam, Rodrigo... — Está enganada. Às vezes, as pessoas mudam por amor. Aquela frase chamou sua atenção. Tinha o mesmo sentido de outra parecida que seu pai lhe havia dito quando fora a Londres deixar Dani. Mas ela não estava disposta a dar o braço a torcer. — Não, não estou enganada, e não pretendo... — Eu vou convencê-la. Sei que você sente algo por mim... — Quem te disse essa bobagem? No máximo, gosto de você, nada mais. Como você é metido! Rodrigo não rebateu a acusação; apenas disse, utilizando a linguagem dela: — Vou fazer você ficar caidinha por mim de novo, tanto quanto eu estou por você. Cada vez mais surpresa com as coisas que ele dizia, e sentindo que suas forças começavam a fraquejar, Ana murmurou, enfeitiçada por aqueles lindos olhos azuis: — Vá sonhando. Não confio em segundas chances. — Seria nossa primeira chance — e ao ver que ela não negava o que havia dito, ele pontuou: — Nós nunca nos demos uma oportunidade. Nunca estivemos juntos. Nossos encontros anteriores foram só sexuais. E fomos só amigos porque você propôs e eu aceitei. Mas agora, permita que eu a convide para jantar e que... — Não é boa ideia, acredite. Não complique ainda mais as coisas. Aquela resposta lhe pareceu tão divertida quanto tentadora a perplexidade que via no olhar dela. — Ana, quero que tenhamos um encontro de verdade. Só te peço isso. — Nem pensar. Pelo jeito como ela o olhava, ele intuiu que ainda restava vivo algo do passado dentro dela. Mas aquela pequena cabeça-dura ia resistir, e isso o excitava mais a cada segundo. Por isso, decidiu mudar de tática, e sussurrou perto dos lábios dela: — Abra a porta se não quiser que eu tire sua roupa aqui mesmo. Assustada com a determinação que viu nos olhos dele, com o caminhão de lixo cada vez mais perto, com mãos trêmulas colocou a chave no portão, e dois segundos depois estavam dentro do edifício. Sem a deixar falar, Rodrigo a beijou de novo e apertou o botão do elevador. Quando chegaram ao andar dela e saíram do elevador, ele tirou as chaves de suas mãos e abriu a porta. Sem olhar para lado nenhum, Rodrigo se dirigiu ao quarto de Ana, e ao não ver o berço de Dani ali, sorriu e a deitou na cama. — Rodrigo, isso é uma loucura. — Não, minha querida, não é. Extasiada por causa do momento e de tudo o que de repente voltava a sentir por ele, ela se abandonou. Primeiro ele a despiu, tirando-lhe o fino vestido de algodão cor de laranja, e uma vez que teve Ana onde a queria, despojou-se da calça e se deitou sobre ela. Sua boca exigente foi direto para os seios dela, e com a língua contornou os mamilos. Isso fez Ana gemer e todos os pelos de seu corpo se arrepiaram. O jeito como ele dava mordidinhas e puxadinhas em seus mamilos com carinho a estava deixando louca, e por fim, Ana gemeu.
— Isso... Ana... Isso mesmo. O som eletrizante da voz dele a fazia perder a razão. Todos os seus sentidos estavam à flor da pele, e a cada caricia dele algo dentro dela explodia de satisfação. Rodrigo, incapaz de deter o que havia começado, tirou a camisa e a jogou de lado. Ansiava por Ana, e ao senti-la enroscar os dedos em seu cabelo para puxá-lo para si, um calafrio o percorreu da cabeça aos pés. O cheiro dela, de pêssego, o deixava louco. Compreendendo que ela exigia que a beijasse, não hesitou. Introduziu a língua entre aqueles doces lábios e, dominante, tomou sua boca. E ansioso por penetrá-la, afastou-lhe as pernas com os joelhos. — Ouça... eu... — murmurou ela —, desde que tive Dani não... Ao entender o que ela queria dizer Rodrigo assentiu, sentindo-se feliz por saber que nenhum dos homens com quem ela havia saído chegara até onde ele estava disposto a chegar. E depois de lhe dar um beijo ardente nos lábios, sussurrou, enquanto com o dedo da mão direita acariciava o clitóris dela: — Fique tranquila, querida... vou tomar cuidado. Quer que eu continue? Ela fez um gesto afirmativo, e ele, levantando-se, tirou a cueca com maestria e rapidez. Estar de joelhos na cama com ela a sua frente, nua e totalmente entregue, fez que o sangue de seu membro bombeasse com verdadeira excitação. Ele tirou um preservativo de sua carteira, e depois de rasgar a embalagem com os dentes, colocou-o. Deitando-se sobre ela, fez que abrisse as pernas, e colocando o pênis na entrada de seu desejo, devagar, foi introduzindo-o. — Se doer, avise e eu paro. Ana assentiu, mas contrariamente ao que havia imaginado, não doeu, e foi ela que, inquieta e cheia de desejo, empurrou mais. Desejava senti-lo dentro de si, que a possuísse. Quando Rodrigo já estava totalmente dentro dela, suspirou, e ao sentir que ela mexia os quadris, murmurou: — Calma, querida... Mas a calma de Ana havia desaparecido e ela não queria ternura; só queria luxúria e loucura, e sem parar de mexer os quadris, murmurou: — Pode se mexer; não está machucando, quero que continue. A partir desse instante, a noite foi louca e tórrida para os dois. Fizeram amor na cama três vezes, e Ana quis explodir de felicidade. De repente, Rodrigo, o homem por quem havia sido obcecada no passado, estava ali disposto a fazer tudo que ela quisesse. Com um ardor desenfreado, ela esqueceu seus temores e se entregou a ele enquanto a paixão contida de ambos se desatava e inundava o quarto de loucura e descontrole. Às 7h10 da manhã Rodrigo olhou seu relógio. Precisava ir. Entrava no trabalho às 8h30. Depois de tomar um café, beijou Ana e disse, deixando o relógio no balcão da cozinha: — Vou tomar um banho. Ana assentiu e o seguiu com o olhar. Só de cueca branca, Rodrigo era a imagem do que toda mulher deseja ter pelo menos uma vez na vida. Sorriu. Mas depois, a amargura a fez praguejar de novo. O que estava fazendo? Por que havia permitido de novo que ele entrasse como um tsunami em sua vida, e especialmente em seu coração? Depois de pensar que não tinha jeito, foi até seu quarto e o esperou. Ele, sem fazer barulho, saiu do banheiro e se vestiu. — Tenho que ir. — Sim, senão, vai se atrasar — assentiu ela. — Eu adoraria ter visto Dani. — Outra hora. Agora ele deve estar dormindo. Dirigiram-se para a porta e, com cuidado, abriram-na. Não queriam acordar Nekane. Quando o elevador chegou, Ana, com um sorriso malicioso, sem pensar no que devia ou não fazer, beijou-o. Rodrigo, feliz com a iniciativa dela, propôs:
— Amanhã eu ligo para conversarmos, tudo bem? — Não há nada para conversar — e entrando no elevador, murmurou com um sorrisinho que ele não soube decifrar: — Eu o acompanho até lá embaixo. Contrariado com a negativa dela e disposto a conseguir o que queria, entrou no elevador. Quando ela apertou o botão para descer, disse: — Quanto a David, acho que... — Fique tranquilo — interrompeu ela franzindo o cenho —, vou ligar para ele e dizer umas poucas e boas. — Você não precisa falar com ele. Não ligue para David, deixe que eu falo — protestou ele, contrariado. Surpresa com a ordem, Ana olhou para ele. — Ouça, bonitão, eu sei muito bem o que tenho que fazer. Não preciso que você venha me dizer o que tenho ou não que dizer a um homem. De repente, Rodrigo apertou um botão e o elevador parou. Confusa, Ana olhou para ele e perguntou: — O que está fazendo? — Parando o elevador para falar com você. — Não me encha, Rodrigo — protestou ela, incrédula. — Tenho vizinhos que já devem estar saindo para o trabalho. Sem querer escutá-la, ele a atraiu para si, e erguendo a fina camiseta que lhe chegava até as coxas, pousou as mãos nas nádegas dela, levantou-a, e apoiando-a no espelho do elevador, respondeu: — Eu a desejo tanto que... — Rodrigo, estamos no elevador! — Recordou ela. Divertindo-se ao notar o constrangimento no rosto dela, ele a beijou. — Nunca fez no elevador? — Não. Tenho uma casa e uma cama maravilhosa para isso. — Não seja careta! — Disse sorrindo, recordando o dia em que ela lhe disse a mesma coisa no carro. E sem mais, desabotoou a calça e tirou seu membro para fora pela braguilha. Então, com segurança, ordenou suavemente: — Segure-se em meus ombros e olhe para mim. Arrebatada, ela obedeceu enquanto ele acariciava suas nádegas com uma mão e com a outra dirigia o pênis ao centro úmido de seu desejo. Quando ela sentiu aquela glande dura e poderosa entrando, gemeu, e ele, aproximando a boca da dela, murmurou: — Não ligue para David. — Oh, sim! — Sussurrou ela, cravando seus dedos nos ombros dele. Entrando alguns centímetros nela, Rodrigo acrescentou: — Nem para David... nem para Mario... nem... para ninguém que não seja eu. Ana, apoiada no espelho do elevador, fechou os olhos enquanto gemia. Mas sem se dar por vencida, respondeu: — Vou ligar para quem eu quiser. Beijando-a nos lábios com verdadeira posse, ele introduziu o pênis um pouco mais. — Não vai. Amanhã vai ficar comigo e... Mas Ana não queria se dar por vencida. — Não. Embrutecido pela teimosia dela, e excitado, mexeu-se um pouco, buscando mais espaço dentro dela. — Ana... não ligue.
— Vou ligar para quem eu quiser, como você faz — sussurrou, sentindo-o entrar um pouco mais. — Somos livres para... — Eu desejo você — interrompeu ele. Louco de prazer, com uma investida entrou todo nela, apertando-a contra seu corpo e beijando-a. Rodrigo começou a mexer os quadris com celeridade. Entrava e saía dela e o elevador balançava a cada investida. Enlouquecido ao sentir que Ana palpitava por dentro apertando seu membro, gemeu enquanto ela se apoiava no vidro e nos ombros dele para recebê-lo melhor. Inflamada pelo momento, depois de várias investidas que pareceram eletrizantes, foi arrebatada por um orgasmo avassalador. A poucos centímetros de sua boca, ele murmurava: — Quero ser eu e só eu a cuidar de você e deste seu corpo. — Eu sei... me cuidar... sozinha. — Ana... que caralho! Ele saiu com urgência dela para não derramar o sêmen dentro. Ana o beijou, e entre espasmos ardentes, o elevador parou de balançar. Em silêncio, ele a abaixou, e ambos ajeitaram as roupas. Sem olhar para ele, Ana apertou o botão para que o elevador seguisse seu caminho. Quando chegou ao térreo e parou, Rodrigo abriu a porta, e irritado com a teimosia dela, saiu. Ao chegar à porta da rua ambos se olharam. Por fim, Rodrigo deu meia-volta, disposto a ir embora; mas Ana, segurando-o pela camisa, puxou-o para si. — Você foi ótimo — disse baixinho. — Se eu precisar de você de novo, ligo. Rodrigo ficou boquiaberto, e quando foi falar, ela fechou a porta em seu nariz, sorriu com maldade, e acenando com a mão, entrou no elevador, enquanto ele a observava com cara de poucos amigos. Quando chegou em seu andar e entrou em sua casa, Nekane, que saía do quarto com o pequeno Dani no colo, olhou para ela com um sorriso nos lábios. — Tudo bem, Mata Hari? Ana assentiu e pegou seu filho no colo. — Mais que bem. Excelente. Nekane, ao vê-la tão feliz, aplaudiu. Mas, de repente, viu um relógio em cima do balcão da cozinha e o reconheceu. — Não pode ser o que estou pensando. Olhando o relógio, Ana esboçou um sorriso que deixou Nekane boba. — Acertou.
22
As coisas não foram tão simples quanto Rodrigo havia pensado no início. Ana não facilitou, e apesar de que a partir daquela noite houve outras cheias de paixão, tesão e sexo do bom, ela não dava o braço a torcer. Mas também não o descartava definitivamente. Nekane e Calvin, sem dizer nada, observavam a situação e cochichavam entre si. Calvin propôs fazer alguma coisa para ajudar o amigo, mas a navarra não quis. Se Ana queria agir assim e o havia esquecido, estava em seu direito. Já era hora de ela aproveitar. De repente a situação se invertera e era Rodrigo que sofria e Ana que curtia. Encarna observava em silêncio sem entender nada. O que estava acontecendo com essa juventude? Certa tarde, quando Ana estava saindo do chuveiro, tocou o telefone. Vendo que não era Rodrigo, atendeu e sorriu ao ouvir a voz de sua irmã. — Pato! Como você está, querida? — Bem. — E meu gordinho? Com carinho, Ana olhou para o bercinho onde Dani dormia. — Seu gordinho está lindo e dormindo. — Ai, meu menino, que vontade de vê-lo! E você mais. Nem te conto como preciso vê-la. Quando você vem? Preciso que venha o quanto antes. Imediatamente Ana soube que alguma coisa estava errada. Sua irmã era bem desapegada, e embora se amassem muito, Lucy só precisava dela quando acontecia alguma coisa. Por isso, sem hesitar, perguntou, sentando-se na cama: — Desembuche. O que aconteceu? Instantes depois sua irmã, entre soluços, choro e histerismo cada vez mais parecido com o de sua mãe, contou que não suportava ver seu marido flertar com todas as mulheres que cruzavam seu caminho. Escutando-a, Ana levou as mãos à cabeça. Isso seria mais um desgosto para sua mãe. — Mas, Nana, você não viu como ele era antes do casamento? — Vi. — Então? — Maspensei que ele mudaria eperceberia que eu valho mais que qualquer outra mulher. Ai, Pato... você precisa ver como ele olha para Sybila Thomson! É tanto descaro que até minhas amigas estão começando a comentar; e... e acho que eles estão tendo um caso. E isso eu não vou permitir. Não, não, não. Eu posso conseguir o homem que quiser. Sou linda, estilosa e... e... Durante vários minutos Ana escutou cada uma das virtudes de sua irmã, e quando não aguentou mais, interrompeu-a: — Chega, Nana, por favor! Pelo amor de Deus, como você é superficial! — Eu, superficial? — Sim! — Como pode me dizer uma coisa dessas em um momento como este? — Gemeu ela. — Simplesmente porque fico doente de ouvir você dizer que é linda, divina e todas essas bobagens. Não percebe que está estragando sua vida? Não percebe que dizendo essas bobagens seu problema
perde credibilidade? Caralho, Nana, por que você se casou? Não é melhor ter todos os romances que quiser sem precisar fazer uma festança e poucos meses depois compreender que não há amor e dar mais um desgosto a mamãe? Com razão ela te chama de Lady Escândalo. Como quer que ela não te chame assim? Sua irmã desabou de novo e começou a chorar. Por fim, quando Ana conseguiu acalmá-la, ouviu-a dizer: — Quero me divorciar. — Como?! — Já decidi. Quero o divórcio! E não me importa o que você, mamãe, papai e o resto do mundo pensem. Quero o divórcio! — Puta que pariu, Nana, que desgosto você vai dar a mamãe! — Eu sei, mas o que quer que eu faça? — O que quero que faça é que pense mais nas coisas antes de fazê-las e que pare de seguir impulsos e sensações, porque depois acontece o que aconteceu. — Você vem para casa para me ajudar a contar a eles? — Não, você vai contar sozinha. Já me cansei de apoiar suas loucuras. — Patoooo! — Pato coisa nenhuma! — Depois de falar, percebeu que parecia Nekane falando. — E certifiquese de que mamãe esteja sentada quando você falar, para que ela não se esborrache no chão. Dez minutos depois, com a cabeça latejando, Ana se despediu de sua irmã e desligou, certa de que Lucy nunca mudaria. Vestiu-se e, mergulhada em seus pensamentos, pegou o bebê e foi com ele para a sala. No jantar, contou a Nekane sobre a ligação de sua irmã, e a navarra só ria com o que ouvia. Mais tarde, quando por fim Ana fez o bebê dormir, foi de novo para a sala. Estava mais calada que o normal, e Nekane sabia o porquê. Ela a conhecia muito bem, e apesar da aparente frieza que queria demonstrar, alguma coisa não lhe permitia sorrir. De modo que se sentou ao lado dela no sofá. — Vamos fofocar? — Diga. — Não, linda, diga você! Que jogo é esse? — Que jogo? Nekane se surpreendeu com a cara de espanto de Ana. Pegou o pote de creme para mãos dela. — Como que jogo? O jogo com Rodrigo, caralho! — Ora, Nekane, não comece você também com isso, já é o suficiente ter que pensar nos problemas de minha irmã. — Ana Elizabeth — debochou Nekane —, a mim você não engana. Embora queira dar uma de Cruella Cruel com o bombeiro, eu a conheço e sei que por trás dessa fachada de frieza que você ostenta bate um coraçãozinho doce e bobinho que morre de vontade de abrir os bracinhos para ele e se aconchegar. Portanto, tire essa máscara e conte-me o que está acontecendo, antes que eu tenha que amordaçá-la e jogar em cima de você um balde cheio de formigas vermelhas. A cena que Nekane havia imaginado era, sem dúvida, divertida. Ana olhou para ela com um sorrisinho. Ela sabia que essa conversa ia acontecer mais cedo ou mais tarde. — Simplesmente eu decidi curtir a vida e parar com esse negócio de paixãozinha boba por um homem que nunca vai me dar nada além de sexo bom. O que há de errado nisso? — Você não está apaixonada por Rodrigo? — Não diga bobagens, por favor, Neka — mentiu Ana com convicção. — Você sabe perfeitamente que, hoje, a única coisa que sinto por ele é atração física. Ele é demais na cama, e ponto.
— Sim, tudo bem... e agora vai me falar da montanha-russa de luxúria e da puta que pariu — debochou a navarra. — Neka... — Neka o caralho — grunhiu. — Eu sou do Norte, e você sabe que eu gosto de dar nome aos bois. E acho que sua santa mãe, porque no fim ela vai ser canonizada em Roma, não poderia ter tido duas filhas mais diferentes. Sua irmã dá chance a Deus e o mundo e se casa a torto e a direito, e você é o oposto. Mas, conte-me, o que fizeram com você no passado para que tenha o coração tão blindado? — Por favor... agora não. A navarra, ao ver que essa tática não era apropriada para aquele momento, calou-se. Precisava saber se Ana sentia algo por Rodrigo e clarear suas ideias. Durante dez minutos ficaram em silêncio assistindo à TV. — Vai ver alguma coisa na TV? — Perguntou Nekane, por fim. — Não, hoje não está passando nada interessante. Nekane assentiu, e levantando-se, procurou entre os DVDs e pegou um. — Posso pôr um filme? — Claro! Mas, cinco minutos depois, Ana amaldiçoou ao ver que se tratava de Doce novembro. Pensou em se levantar e não assistir. Aquele filme lhe provocava muitas lembranças, e o pior era que a deixava muito sensível. Mas, quando começou, não conseguiu parar de ver, e se acomodou no sofá. Meia hora depois as duas amigas, já sabendo o que ia acontecer, começaram a lacrimejar, e quando passavam os créditos, uma hora e meia mais tarde, as duas choravam no sofá como bezerros desmamados. Nekane se levantou e foi à cozinha. Ao voltar, mostrou a Ana um pote de sorvete. — Terapia de açúcar? Ana assentiu e pegou a colher que sua amiga lhe oferecia. Pegando uma colherada no pote, levou-a à boca. — Por que Rodrigo fica me perseguindo dia e noite agora? Por que quer me torturar outra vez? Por que fica dizendo que precisa de mim e que está apaixonado? — Nekane foi responder, mas Ana prosseguiu: — Eu lutei contra vento e maré para não ficar deprimida: primeiro, porque estava grávida e meu bebê podia sentir, e agora, que estou melhor, que parece que estou começando a ver luz no fim do túnel, não sei que bicho o mordeu para ficar me dizendo as coisas mais lindas e maravilhosas que jamais pensei escutar de sua boca. Mas não! — Soluçou. — Não pode ser. Ele me disse que eu não sou seu tipo de mulher. E o que eu não quero é lhe dar uma chance, ficar loucamente apaixonada por ele e fazer Dani o amar, para que depois ele encontre um par de peitões com menos neurônios que uma ameba e abandone a Dani e a mim com cara de bobos. Não, eu me recuso. Por mais coisas bonitas que ele me diga, eu me recuso a tropeçar outra vez na mesma pedra. Tenho pânico de machucar Dani, e... — Eu sabia. Você gosta dele — disse Nekane, rindo. — Neka, claro que gosto de Rodrigo. Você não vê como ele é? Mas coisa diferente é sentir o que eu sentia por ele antes — mentiu; dessa vez não ia despir seus sentimentos. — Adoro meus encontros com ele, mas fico angustiada quando fala de amor e de todas essas coisas que eu sei que ele não sente. Mas sim, admito: continuo achando Rodrigo impressionante. Vendo que a tática de sua amiga havia funcionado, fez uma pausa e, por fim, concluiu: — Você é terrível, sabia? Levando uma colher de sorvete à boca, a navarra sorriu. Quer dizer, então, que sua amiga não estava mais apaixonada por Rodrigo? — Sim, reconheço que sou uma vadia do Norte que conhece seus pontos fracos tão bem quanto
você conhece os meus. E em relação a Rodrigo, o que posso dizer que você já não saiba? Tem razão, em parte, ele é um beija-flor, mas em você ele encontrou sua doce florzinha silvestre, ou, como diz ele, seu pêssego. Quem disse que não pode dar certo? — Eu disse, e isso me basta. — Tudo bem, mas eu acho que, sem querer, ele se apaixonou por você como um idiota, com a diferença de que ele parece Don Juan DeMarco te dizendo centenas de coisas bonitas, e você, a bruxa que fica acendendo velas pretas. Ana, você viu como ele cuida de Dani, e como o menino sorri para ele? Eu fico sem palavras quando Rodrigo pega Dani e começa a falar com ele. Eu nunca poderia ter imaginado Rodrigo assim. Calvin até comentou comigo que no grupamento, sempre que eles têm um tempinho, Rodrigo passa o dia com Julio falando de fraldas, mamadeiras e chupetas. Dá para acreditar? — Sério? — Perguntou Ana, boquiaberta. — Sério. Outro dia, Julio e Rodrigo ficaram como dois idiotas mostrando um ao outro fotos de Rocío e Dani no celular. Se um dizia minha menina disse “aaa!”, o outro dizia meu menino fez “buu”. Patético! Ana achou graça. Ela sempre via como seu filho de quase quatro meses sorria para Rodrigo, todo bobo. Mas isso era o que a assustava: que um dia esses sorrisos acabassem e que o menino sofresse. Rodrigo tentou ver Ana de novo, mas foi impossível. Ele fazia malabarismos com seus horários no grupamento para folgar e ficar com ela, mas nem assim conseguia vê-la. Quando ela não estava viajando, tinha uma sessão de fotos ou não queria ver ninguém. De repente, Ana começou a sair com amigos que Rodrigo não conhecia, e ele ficava louco. Mas nada podia fazer, só ver como ela se afastava cada dia mais de sua vida. Uma tarde, ao chegar de Toledo depois de uma sessão de fotos para o catálogo da Amichi, as jovens se surpreenderam ao encontrar o pai de Ana sentado no sofá com o pequeno Dani no colo e Encarna ao lado. — Papai, que está fazendo aqui? Aconteceu alguma coisa? — Perguntou Ana, assustada ao vê-lo. Ao escutar a voz de sua filha, Frank voltou a cabeça e sorriu. Levantando-se com o bebê no colo, cumprimentou as garotas, e a seguir, observando sua filha, respondeu: — Não aconteceu nada, tesouro. Só vim ver você e meu neto. Ana ficou atônita. Quando foi falar, Nekane puxou Encarna pelo braço. — Vamos indo. Acabei de lembrar que precisamos de açúcar e de leite. Encarna assentiu ao entender que tinham que sair do caminho. O pequeno Dani, ao ouvir a voz de sua mãe, sorriu, e jogando os bracinhos para ela, chamou sua atenção. Ana, enternecida, pegou-o, e enchendo-o de beijinhos com amor, olhou para seu pai. — Papai, não me diga que não aconteceu nada porque não acredito. Que está fazendo aqui? Frank se sentou e indicou à filha que fizesse o mesmo. — Preciso falar muito seriamente com você. — Ai, papai, você está me assustando. — Ana, você tem alguma coisa para me contar? — Perguntou ele, cravando-lhe seu olhar. A jovem não sabia do que ele estava falando, de modo que deu de ombros. — Papai... acho que não. Mas... — Pense, Ana... pense em algo que você sabe e não contou a mamãe ou a mim. — Na verdade, papai, não sei mesmo. — Pense, filha, pense. Ana revirou os olhos quando, de repente, imaginou o que podia ser. — Tudo bem, papai, eu confesso. Eu sei de Nana. Ela me ligou para dizer que queria se divorciar, e
eu disse que era uma loucura, mas... — Como? Sua irmã quer se divorciar?! — Gritou Frank. Imediatamente Ana soube que havia pisado na bola, e seu pai, aturdido com o que havia acabado de descobrir, passou as mãos pelo cabelo. — Pelo amor de Deus, qual é o problema de sua irmã com os homens? Essa garota nunca vai parar?! Não quero nem pensar o que vai acontecer quando sua mãe souber — e, olhando para Ana, murmurou: — Espero que a louca de sua irmã seja sensata e que não lhe passe pela cabeça contar a sua mãe antes que eu volte. Comovida com a preocupação que viu nos olhos de seu pai, Ana foi falar, mas ele prosseguiu: — Quando vocês nasceram, primeiro você e depois sua irmã, lembro que meu pai me disse: “Franky, filho, prepare-se, porque com três mulheres em sua vida, e em sua casa, você nunca vai ter descanso”. E como tinha razão! Vocês três vão me deixar louco. Sua mãe com seus dramas, sua irmã com seus escândalos, e você com sua teimosia de não querer dar uma chance a um homem tão bom como é Rodrigo. Agora a surpresa era ela. O que seu pai sabia sobre Rodrigo? Furiosa, incapaz de se calar, soltou Dani, que havia adormecido, e ficou parada diante de seu pai. — Papai, o que você tem a dizer sobre Rodrigo? — Eu falei com ele, e... — Falou com ele? — Sim. — Mas, papaaaaai! — Ouça, Ana, desde que Rodrigo me telefonou para pedir que eu trouxesse Dani à Espanha para fazer uma surpresa a você quando voltasse da Alemanha, eu liguei para ele em várias ocasiões. O rapaz é prudente e nunca comenta nada de seus sentimentos, mas, por seu jeito de falar de você e de Dani, eu sei que... — Papai, o que você tem que falar com Rodrigo? Eu sou sua filha, não ele. — Eu sei, tesouro, eu sei. Mas... — Meu Deus! Isso está virando um pesadelo — murmurou Ana, cobrindo o rosto com as mãos. — Todo mundo me pressionando! — Talvez seja porque todo mundo quer vê-la feliz, e eu mais que ninguém. Você é minha menina e preciso que um homem íntegro como Rodrigo tome conta de você, que a trate como a uma rainha e que a proteja. Posso ser das antigas, mas sei diferenciar um homem de verdade de um mauricinho problemático como esses de que sua irmã gosta. — Papai... — Mas não quero angustiá-la; só quero que saiba que você deveria abrir seu coração e dar uma chance a um homem que a ama pelo que você é, e que sem me contar nada, transmitiu que é louco por você e por meu neto. Ana queria fugir dali. Ouvir aquilo era bonito, mas difícil de assumir. Quando tentou se levantar, seu pai a pegou pelo braço. — Ana, não fuja. Temos que conversar. Depois da visita de seu pai e de sua longa conversa com ele, alguma coisa no coração de Ana se agitava, sem que ela pudesse evitar. Saber que o que Rodrigo sentia por ela era verdadeiro a deixava tonta. Era o que ela sempre quisera, mas, nesse momento, um estranho medo a paralisava e não a deixava aproveitar. Nesses dias Rodrigo ligou para saber dela e do menino, mas Ana não mencionou a visita do pai, e menos ainda ficou com ele. Nunca havia gostado que as pessoas se metessem em sua vida, e nessa
época, todos que a cercavam faziam isso. Um dia, Rocío ligou para convidá-la, com o bebê, a um jantar que ia dar em sua casa. Feliz, Ana aceitou. O impacto que Rodrigo sentiu ao encontrá-la foi brutal. Ana estava mais linda que nunca, e vê-la com Dani no colo lhe provocava um amor, uma ternura e uma ansiedade até então desconhecidos. Mas, ao cumprimentá-la, sentiu sua frieza, e isso devorou suas entranhas. O que estava acontecendo? Por que não conseguia fazê-la se apaixonar outra vez? O jantar foi perfeito, e os comensais se divertiram muito. Rodrigo, sem sufocá-la, curtiu a presença de Ana e riu muito ao descobrir que havia enganado a todos dizendo que não sabia jogar pôquer. Quando estavam mais confiantes, ela lhes deu uma surra que os deixou tremendo. Assim era sua garota com cheiro de pêssego. Genial e surpreendente. À uma da madrugada as mulheres foram para a cozinha preparar algumas bebidas. — Que bom que vocês vieram! — Disse Rocío enquanto guardava a carne que havia sobrado em papel alumínio. — Fazia tempo que eu queria fazer algo assim. Desde que a bebê nasceu, vivo isolada do mundo exterior, entre fraldas e chupetas, e precisava de um pouco de agitação. — Pois aqui estamos nós! — Respondeu Nekane, rindo. — Eu disposta a me divertir e Ana disposta a levar até as calças de todo mundo no pôquer. Rocío guardou na geladeira o que tinha nas mãos, pegou um lenço no bolso da calça jeans, e olhando para elas, murmurou com os olhos marejados: — Não sei o que há comigo, mas agora choro mais do que quando estava grávida, e eu... eu... Ana sorriu. Ao vê-la tão agoniada com a bebê, recordou como havia se sentido quando Dani nasceu e a abraçou. — Chore o quanto quiser, e fique tranquila, vai passar. Digo por experiência própria. Os hormônios vão se acalmar e você vai voltar a ser como sempre foi. Nesse momento abriu-se a porta da cozinha e apareceu Rodrigo com Dani no colo. O coração de Ana se apertou por tentar disfarçar o que ele a fazia sentir. Rodrigo estava impressionante com aquele suéter branco e calça jeans. — O campeão fez caquinha. Posso trocar a fralda? — Ofereceu ele. — Mas claro que sim! — Respondeu Ana com segurança. — Ele é todo seu. — Vá ao quarto de minha filha — disse Rocío. — Lá tem trocador e vocês vão ficar mais à vontade. — A bolsa de fraldas — informou Nekane — ficou na entrada. É a... — Azul com o urso fotógrafo — interrompeu Rodrigo. E olhando para o menino que segurava seu rosto sem prestar atenção em mais ninguém, murmurou: — Vamos trocar você, campeão, senão, vai intoxicar todo mundo. Sem dizer mais nada, o homem saiu da cozinha, deixando Ana aturdida. Não queria pensar nele nem no que havia acontecido dias antes em sua cama, mas era inevitável. — Não entendo — confessou Rocío, gemendo. — O quê? — Perguntou Ana. Mas Nekane entendeu o que Rocío queria dizer e se aproximou da mamãe chorosa. — Guardo o molho na geladeira também? — Interveio, tentando mudar de assunto. Mas Rocío, ignorando a pergunta, olhou para Ana. — Não entendo por que Rodrigo e você não estão juntos. Julio disse que... — Ai, ai, ai! — Sussurrou Nekane ao ver a cara de sua amiga. Pegando Rocío pelo braço, atraiu seu olhar e disse: — Pelo seu bem e de todos, não toque nesse assunto, para não sair escaldada. — Mas... — Não, Rocío — sibilou Ana, incomodada. — Não há mas nem meio mas. Chega! Por que todos vocês têm que dar opinião sobre o meu não relacionamento?
— Talvez porque vemos que você está sendo teimosa? — Perguntou Nekane. A fúria de Ana cresceu, e quando Rocío foi falar, indignada, bufou: — Estou farta de todas as suas malditas opiniões! Querem fazer o favor de me deixar em paz para que seguir minha vida? Irritada, Ana saiu da cozinha e foi diretamente para o quarto onde sabia que Rodrigo estaria trocando seu filho. Ao chegar, teve que se apoiar no batente da porta quando encontrou o rapaz com duas meias enfiadas na mão fazendo gracinhas para Dani, e este, divertido, gargalhando. Durante alguns instantes ficou contemplando aquele momento íntimo entre os dois. Rodrigo olhava para o bebê encantado, e Dani, com suas mãozinhas, segurava o rosto do bombeiro e sorria. Tudo era perfeito. Maravilhoso. Mas sua fúria era colossal. — Acabou, Rodrigo. A partir deste momento, todo este absurdo acabou! Ele ficou surpreso ao vêla tão irada. — Mas que bicho te mordeu agora? Empurrando-o para afastá-lo, Ana guardou as fraldas e o talco na bolsa do bebê. — Não sei como te dizer que entre nós nunca haverá nada. Caralho, até meu pai veio de Londres para me dizer que eu deveria lhe dar uma chance! — Seu pai? — Sim. — Frank disse isso? — Sim. Não sei porque diabos você fica falando com ele escondido de mim. — Escondido? — Repetiu ele, atônito. — Isso mesmo. — Não é nada disso. Tudo que eu tenho que... — Sabe de uma coisa? — Interrompeu ela —, a jogada não deu certo. Portanto, assuma. Eu posso viver sem você. Não tenho peitão de parar o trânsito nem sou uma modelinho dessas de que você gosta, mas tenho algo que elas não têm, e se chama bom senso e cabeça para pensar que você não serve para mim nem para meu filho, porque cedo ou tarde vai ficar entediado e nos abandonar para continuar vivendo sua vida de beija-flor. — O que é que você está dizendo? Ele estava realmente surpreso e não conseguia entender nada. — Você sabe muito bem. Todo mundo fala de nós às minhas costas. E só faltava que você e meu pai fizessem isso também. E não... não quero que faça isso, porque acho que é baixo e ofensivo, e... Pondo a mão nos lábios dela, Rodrigo a fez calar e sibilou, contrariado: — Eu não ligo para seu pai, ele é quem me liga, e garanto que só procuro ser gentil com ele porque me parece uma boa pessoa. Ana, o que há com você? Só porque eu falei que estou louco por você, que amo vocês, é motivo para se comportar assim? Você não consegue perceber que por amor as pessoas são capazes de mudar? Por que acha que pode acontecer nos filmes, mas com você não? Admito que fui, como você diz, um beija-flor, porque nunca nenhuma mulher me preencheu como você. — Ela não respondeu, e ele prosseguiu: — Agora sei que no passado te fiz sofrer, mas eu não sabia. Nunca imaginei que você me amasse. E quero que saiba que o que mais me tortura é saber que me ama, que pensa em mim, mas que seu maldito medo e sua teimosia se negam a me dar uma chance. Não entendo. Você chora como uma louca vendo filmes de amores frustrados por milhares de coisas, e agora, quando eu te ofereço meu amor, quando quero fazê-la feliz, você se comporta como a pessoa mais fria e insensível do mundo. — Ela olhava para ele, que prosseguiu: — Não sei o que tenho que fazer para você confiar em mim e me dar de uma vez por todas uma maldita oportunidade de te provar que tudo que sinto por você é verdade. Não sei, Ana, mas se comportando deste jeito, você me dá a impressão de que precisa que eu seja ruim com você, que a ignore e maltrate
para que me ame. — Você é um idiota! — Sibilou Ana. E pegando seu filho e a bolsa, foi embora. Nesse momento, Rodrigo soube que havia pisado na bola.
23
Uma semana depois, a sessão de fotos para o calendário da Intimissimi começou, numa sexta-feira, às cinco da manhã, em um hangar desocupado no aeroporto de Madri. As modelos e os bombeiros curtiam a experiência enquanto Ana, Nekane e um grupo de maquiadoras se preocupavam para que tudo estivesse perfeito. Frustrada, Ana observou Rodrigo e vários bombeiros fazendo flexões nus da cintura para cima para acentuar os músculos. Desde o dia do jantar na casa de Rocío não haviam mais se falado, embora ele houvesse tentado. Mas fora inútil; Ana se recusava. Estava irritada e não pretendia dar o braço a torcer. — Acho que hoje, pela primeira vez na vida, não estou me comportando como uma profissional — queixou-se Nekane ao ver uma daquelas maquiadoras passando maquiagem e óleo no corpo moreno de seu Calvin. — Juro que estou quase indo lá para arrancar os olhos dela e apagar esse sorrisinho bobo do rosto dele. Ana assentiu. Entendia o que Nekane estava dizendo. Já havia notado que as maquiadoras se esmeravam em passar óleo no corpo de Rodrigo, com carinho. Mas como não queria manifestar o que sentia, disse: — Neka, não diga bobagens. Estamos trabalhando. A navarra sorriu e se sentou a seu lado. — Tudo bem, confesso, estou morrendo de ciúmes. Por que achei uma boa ideia que Calvin participasse deste trabalho? — Porque você sabe que ele serve para o que necessitamos, e, no fundo, gosta de tê-lo por perto — murmurou Ana, olhando para Rodrigo de soslaio. Às seis horas a luz era perfeita para o efeito que Ana queria obter em algumas fotos, e então começou a sessão. Depois de apertar o play do aparelho de som e começar a tocar Aerosmith, Ana surpreendeu a todos quando disse que queria captar nas fotos a sensualidade e o desejo de seus olhares. Eles tinham que ser varonis e bárbaros, e elas selvagens e sexy. Queria captar a essência do momento, e naquela sessão conseguiria. Minutos depois, as modelos rapidamente entraram em seu papel, pois estavam mais preparadas para isso do que eles, que tiveram um pouco mais de dificuldade de se concentrar. Não era fácil para esses homens ter lindas mulheres ao seu redor em trajes menores, insinuando-se com olhares ferozes e posições provocantes. Em certos momentos, Ana e toda a equipe paravam, tendo que gargalhar. Os comentários dos bombeiros e o que acontecia com muitos quando se roçavam nas modelos era de mijar de rir. Mas, quando pararam para almoçar, viram o resultado surpreendente. Todos observaram as fotos no computador de Ana e ficaram boquiabertos ao ver o que ela havia captado. Quando retomaram a sessão, era a vez de Rodrigo e seus colegas. Ana pôs um sofá de veludo escuro no cenário e indicou às modelos o que queria que fizessem, e falou com Calvin, Julio e Jesús para colocá-los em suas posições. A seguir, voltou-se para Rodrigo, que a observava. — Deite-se no sofá. A modelo vai deixar cair o corpo sobre o seu, e então vocês se conectam. Quero que se olhem com sensualidade. Vamos, deite-se. Ele assentiu. Passara o dia todo observandoa, mas em nenhum momento se aproximou; estava adorando sua proximidade, apesar de que ela não falava com ele. Sem dizer nada, Rodrigo, vestindo só a calça do uniforme de bombeiro e o tronco nu,
como seus colegas, fez o que ela queria. Quando a modelo se pôs sobre ele, Ana repetiu: — Agora olhem-se. Ingrid, deixe cair os quadris sobre ele e vire um pouco a cintura para que se veja a lingerie. E você, Rodrigo, ponha a mão direita na cintura dela e enrosque a outra no cabelo. Sem dizer nada, ele fazia tudo que ela dizia, enquanto as maquiadoras aplicavam uns pós brilhantes em certas partes de seu abdômen e bíceps para que se destacassem mais. Nesse momento, Nekane se aproximou. — Um momento. Ingrid, troque a meia direita; está desfiada. A modelo se levantou e saiu correndo em busca de uma meia nova. E, nesse instante, Rodrigo, sem conseguir conter a necessidade que sentia de tê-la perto, mesmo correndo o risco de levar um tapa na cara na frente de todos, pegou Ana pela cintura e a deitou sobre si. — Então, ponho minha mão direita assim, não é? — Perguntou na frente de todos, que olhavam. Ana quis matá-lo. Como podia fazer uma coisa dessas? Mas ao ver que dezenas de olhos os observavam a poucos centímetros, comportou-se como uma boa profissional. — Exatamente. Ela vai deixar cair os quadris assim, e vai virar a cintura para mim enquanto você põe esta mão na cintura dela, com os dedos abertos, e enrosca a outra no cabelo dela. — E cravando seus olhos nele, murmurou: — Quando estiverem na posição, quero que se olhem com desejo. Depois, ela vai pousar os lábios em sua boca, e preciso que você enrijeça os bíceps para acentuá-los. A câmera e eu precisamos captar o ardor do momento. Aquele toque erótico com que Ana o estava torturando fez seu membro crescer em décimos de segundo. Adorando tê-la tão perto depois daqueles dias horrorosos sentindo falta dela, sussurrou no ouvido de Ana, enroscando a mão em seus cabelos: — Quer que olhe assim? — Sim — assentiu a jovem com a pulsação a mil, sentindo a ereção dele entre as pernas, no meio de um hangar do Aeroporto de Barajas. — Acho que vai ser impossível — murmurou ele. — Por quê? — Perguntou ela com um fio de voz. — Porque eu só desejo você. Aturdida pelo que estava sentindo, de soslaio observou se alguém podia estar escutando. Mas a música lhe deu certeza de que ninguém havia ouvido a conversa. — Você me desespera com suas bobagens, Rodrigo — sibilou ela. — E você me enlouquece, linda — e sem perder um segundo, acrescentou: — Temos que conversar. — Não. — Ana... Com a garganta seca, a jovem ia responder quando a modelo chegou correndo e gritou: — Pronto! Durante mais alguns instantes Rodrigo e Ana se olharam, e então ele afrouxou a tensão de seus braços e a soltou. Ana, aturdida, levantou-se e pegou a câmera que Nekane, com um sorrisinho, lhe entregava. Afastando-se uns metros, foi até sua mesa beber água. Acalorada, ao se voltar viu as maquiadoras trabalhando nos corpos dos que posavam para a cena. — Que foi? —Perguntou Ana à amiga. — Por que está me olhando assim? — Por nadaaaaa! — Respondeu a navarra. — Só vou dizer que fiz duas fotos ótimas. Acho que serão as melhores do calendário. Soltando a garrafinha de água, Ana procurou no menu da câmera e, ao ver as fotos que Nekane havia tirado deles no sofá enquanto se olhavam, grunhiu. A mistura de química, sensualidade e desejo que via naquelas imagens era o que buscava para as fotos.
— Ficaram boas, não é? — Neka... às vezes tenho vontade de matar você — e voltando-se para os que a esperavam no sofá, aproximou-se e começou a bater fotos. Naquela noite, quando Ana e Nekane chegaram em casa e analisaram o resultado do duro dia de trabalho, sorriram abertamente. O calendário seria um sucesso. Mas quando Ana foi para a cama, suspirou ao sentir que sua vida pessoal era um fracasso.
24
Dois dias mais tarde, depois de um dia exaustivo de trabalho com Raúl e outros fotógrafos para a Bucarestiang, quando Ana chegou em casa a única coisa que queria era tomar um banho, pôr o pijama e curtir seu bebê. Dani estava lindo. Mas ela tinha um encontro. — Ai, vou morder você... vou mordeeeeer este gostosinho! — Brincou Encarna, olhando para o bebê. Feliz, Ana viu seu filho rir com os gritos de sua vizinha, e batendo palmas para chamar sua atenção, disse: — Como meu menino é bonitooooo! — Como foi seu dia, bonita? Muito trabalho? — Nossa, Encarna, muito. Tive que fotografar 237 garotas para escolher os rostos mais angelicais para uma marca de cosméticos. — Bendito trabalho o seu! — Debochou a mulher. — A propósito, já vi as fotos dos bombeiros e queria te pedir uma coisa. E se puder, diga sim, mas se não, sem problemas, certo? — Claro, diga — assentiu Ana, surpresa. A mulher, tocando o cabelo, olhou para os lados e se aproximou. — Mas que fique entre você e eu, certo? — Sim, Encarna! — Confirmou Ana, animada. — É que, outro dia, pensei que eu gostaria de ter uma foto de Calvin e Rodrigo para pôr em uns porta-retratos bem bonitinhos que vi na loja do chinês Juancho, ao lado das fotos de vocês e de Dani. São todos tão bons comigo que quero tê-los por perto. — Está falando sério? — Claro. Por acaso está vendo cara de ironia? — E ao notar a expressão de Ana, perguntou: — Ai, você acha que eles vão se incomodar?! — Nãããão — respondeu rapidamente. —, de jeito nenhum. Com certeza eles vão adorar. Não se preocupe, vai tê-las. — Ai, caramba, que bom! Nekane parou ao passar por elas e vê-las cochichando. — Vamos, vá se arrumar, que esta noite o licorzinho não será de chocolate em pó — disse a navarra. — Não se importa mesmo de ficar com Dani de novo? — Perguntou Ana a Encarna pela décima oitava vez. — Não, minha menina, não. Eu ficaria a vida toda com este gostosinho. — Encarna, não quero abusar de você! — Exclamou Ana, constrangida. — Mas não abusa. Eu faço com prazer. Para mim é ótimo, assim não fico com saudade dele. Meu menino é tão lindinhoooo! — Ótimo! — Aplaudiu Nekane, olhando para a amiga. — E você, alegre esta cara, que hoje à noite vamos nos divertir. — Você vai jantar com Rodrigo? — Perguntou Encarna. E estranhou ao ver como as duas olhavam para ela. — Que foi? Falei alguma coisa errada?
— Não foi nada, Encarna. Mas não, não vou jantar com Rodrigo. Encarna, sabendo dos sentimentos que Ana sempre havia tido pelo bombeiro, e sendo ainda mais claros os que ele tinha por ela, olhou para a garota com perplexidade. — E se não é com ele, com quem caralho você vai sair? Ana foi responder, mas Nekane se antecipou. — Com um lindo modelo iraniano chamado Amir, que como diria Macarena, a quitandeira, “é de roubar os sentidos”. A propósito, Amir em persa significa “príncipe”! Imagine como é o gato, Encarna, de lamber os beiços! Ana, ao pensar em Amir, murmurou: — Ai, Neka, agora estou arrependida. Quase prefiro ficar com Dani. — Nem ferrando. Você vai agora pôr o vestido branco que fica tão lindo, o sapato vermelho de salto dez, e vamos sair para nos divertir. Dê Dani aqui e vá se arrumar! — Mas cada coisa que tenho que ouvir! — Protestou Encarna. — Se a menina não quer, por que tem que ir? — Porque eu estou dizendo, e pronto. Eu fiz a reserva no restaurante de Esmeralda e quero que ela tenha uma noite maravilhosa. Portanto, vá se arrumar! — Mas que navarra mandona! — Sussurrou Encarna. E, urgindo-as, murmurou: — Andem, deem aqui o menino e vão fazer o que têm que fazer. Quando a mulher as deixou sozinhas, Ana olhou para sua amiga e murmurou: — Mas, Neka... — Não. Hoje você vai sair conosco porque estou dizendo, e pronto. Uma hora depois, Ana saiu de seu quarto com passo firme, e ao chegar à sala, viu que Calvin já havia chegado. O homem, ao vê-la, deu um assobio: — De onde saiu esta belezura? — Meu Deeeeus, Ana! — Gritou sua amiga ao vê-la. — Você vai arrasar! — Ai, minha menina, como você está linda! — Aplaudiu Encarna. Ana sorriu. Sempre havia feito sucesso com aquele vestido curto branco de Ibiza; adorava. Ressaltava sua pele morena e seu cabelo escuro. — Ficou bom? — Perguntou à sua amiga, apontando para os sapatos lilás combinando com a bolsa. — Perfeito. — Você também está linda com este vestido novo — afirmou Ana. — É o da coleção de Fred Perry? Nekane, dando uma voltinha, assentiu. Adorava aquela coleção de Fred Perry inspirada na falecida Amy Winehouse. — Minha princesa fica linda até com uma alface na cabeça — comentou Calvin. Encarna sorriu. Nekane, jogando um beijo para ele, foi até sua amiga, que disse: — Faz tanto tempo que só a vejo de jeans, macacão e pijama, que vê-la vestida assim, tão linda, me deixa emocionada. Caramba, menina, quando se veste de mulher fatal me deixa sem palavras. — Eu é que fiquei sem palavras — disse Calvin, ainda surpreso. Dez minutos mais tarde, depois de encher Dani de beijinhos, os três amigos saíram. Quando chegaram ao restaurante, um lugar minimalista, onde arte e cultura se uniam à gastronomia, sua amiga Esmeralda, dona e chef do estabelecimento, foi recebê-los. Dez minutos depois, enquanto tomavam um drinque, chegou Amir, um modelo lindíssimo, moreníssimo e maravilhosíssimo que fez Ana sorrir como uma boba. Era lindo! Enquanto bebiam, conversavam animadamente, até que um jovem se aproximou para avisar que a
mesa estava pronta. Mas, ao chegar, surpreenderam-se. — Mesa para oito? — Perguntou Nekane. — Mas somos quatro. — Não, somos oito — replicou Rodrigo de repente, aproximando-se com Julio, Rocío e uma jovem loura. — Olá, meninaaaas! — Saudou Rocío, feliz. — Fiquei tão contente de saber que íamos nos ver esta noite! Amir cumprimentou os recém-chegados com prazer. Quanto mais gente, melhor! Ana, surpresa por ver Rodrigo com aquela mulher, quis sair correndo, mas sentindo a mão de sua amiga segurando-a, suspirou. Sem mudar de expressão, Rodrigo os cumprimentou e apresentou sua acompanhante. Chamava-se Katrina. Depois, fez um high five com Calvin, que lhe deu uma piscadinha. Reparando no gesto, Nekane se aproximou mais de seu namorado. — Caramba, Calvin — sussurrou—, por que disse a ele aonde íamos? Ele olhou para ela atônito. — Eu juro, princesa, que não disse nada. — Ah, claro, acredito — protestou Nekane, sentando-se enquanto Calvin sorria. O jantar começou conforme o esperado, divertido e ameno. Os quatro casais riam e falavam sobre qualquer coisa, e os pratos, preparados especialmente por Esmeralda, eram deliciosos e abundantes. Durante o jantar, Ana e Rodrigo não trocaram nem uma única palavra que não estivesse relacionada com o que o grupo comentava, mas nenhum dos dois deixava escapar nem o menor movimento do outro. À meia-noite chegou Popov, e depois de falar com sua mulher, combinou com os outros de se encontrarem na balada da moda, o Clapsia. Quando chegaram ao local, as garotas foram todas ao banheiro, e enquanto Katrina fazia suas necessidades, as outras três trocaram olhares e cochicharam: — De onde saiu esta aí? — Perguntou Nekane. — Não faço ideia, meninas — murmurou Rocío. — Fiquei surpresa ao vê-la. Mas a garota parece simpática. — O furacão Katrina — sibilou Ana, incomodada. Rocío, ao ver que Nekane sinalizava para que não respondesse, disse: — Só o que sei é que é comissária de bordo. Vocês viram que corpão? — É, ela é muito bonita — sussurrou Nekane. — Mas que fique claro que eu gosto de homem. Mas, a César o que é do César. — Bonito mesmo é esse Amir — sussurrou Rocío. — De onde saiu um gato deste? — Ele é amigo de um amigo — respondeu Nekane, rindo. — Digamos que é um gatinho para alegrar a noite de Ana. Por sua vez, Ana não quis responder; limitou-se a se olhar no espelho enquanto as outras duas cochichavam sobre o modelo iraniano. Cinco minutos depois, as quatro mulheres voltaram a seus acompanhantes. Ana, ao passar por Rodrigo nem o olhou, mas ele, avançando um pé, a fez tropeçar, e um segundo depois estava com ela em seus braços. — Um dia você vai ter que me dizer que perfume é esse que a deixa sempre cheirando a pêssego. — Você é bobo ou se faz de bobo? — Grunhiu ela enquanto observava a expressão de Katrina. — Lembre-se, eu sou idiota. Foi o que você me disse da última vez, dentre outras pérolas linguísticas — declarou ele sem soltá-la nem sem importar com quem os observava. — Tire suas patas de mim se não quiser que eu faça algo pior. — Pior do que o que está fazendo? — Grunhiu ele, mordendo-se de ciúmes. — Acha que para mim é fácil ver esse sujeito babando por você, sendo que eu disse que estou louco por você e te pedi uma chance? — Isso não é nada perto do que eu tive que suportar. Nada! — Ana, eu não sabia que você estava sofrendo por mim. Se você me tivesse dito que...
— Solte-me! — Interrompeu ela, incomodada. Sem muita vontade, Rodrigo a soltou. Queria tirá-la dali e levá-la para qualquer lugar onde ficassem sozinhos para poderem conversar. Mas ela não ia facilitar. Quando se viu liberada dos braços dele, olhou-o, desafiadora, eperguntou: — Posso saber o que está fazendo aqui? — Estou me divertindo, como você — e sem querer ignorar o assunto, perguntou: — E você, que está fazendo com esse imbecil? — Quer que eu diga o que penso de sua acompanhante? Não, não é?! Então, faça o favor de se calar e parar de se meter em minha vida, senão, vai conseguir fazer que eu me irrite e te diga o que penso de suas conquistas. E sem mais, deu meia-volta e foi até Amir, que falava com Julio. Nekane, que havia sido testemunha de tudo, olhou para Rodrigo, mas quando ele ergueu uma sobrancelha, interrogativo, não falou nada; só passou a mão pelo pescoço, e Rodrigo suspirou com ironia ao ver a cara de incredulidade de seu amigo Calvin. Às duas da madrugada as garotas já estavam meio altas, em especial Ana, que feliz por poder beber algo mais forte do que um suco de abacaxi, decidiu se permitir. Ela merecia, e, especialmente, precisava para não pensar o tempo todo que Rodrigo, o objeto de seus mais obscuros desejos, estava ali. A noite foi passando, e Amir a cada instante se mostrava mais atento e próximo. Rodrigo estava enormemente incomodado com isso. Quando viu Amir beijá-la, quase voou para cima dele, mas um olhar de advertência de Calvin o obrigou a controlar seus instintos, e não saiu de seu lugar. Ver esse indivíduo beijando Ana o fez entender o que ela havia suportado meses atrás, e isso doeu. Katrina, a jovem comissária de bordo, tentava atrair sua atenção, mas Rodrigo não lhe dava bola; tentando lhe provocar ciúmes, ela começou a falar com um sujeito no balcão, mas o bombeiro nem se tocou. Às três da manhã, pelos alto-falantes convidaram os presentes a cantar no karaokê. As garotas, excitadas pela noite e pela bebida — com exceção da comissária de bordo, que não quis se juntar ao grupo —, subiram ao palco enlouquecidas para cantar a canção do momento do brasileiro Michel Teló. Nossa, Nossa, assim você me mata... Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego Delícia, delícia, assim você me mata... Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego... As pessoa que enchiam o local rapidamente se juntaram à cantoria, e todos começaram a dançar com as mãos e o corpo, rindo e aplaudindo. Rodrigo, de onde estava, olhava para Ana e não sabia se ria ou ficava bravo. Ela estava bem bêbada, e embora estivesse engraçada e linda dançando desinibida no palco, não gostou de vê-la assim, e menos ainda do jeito como Amir a observava. Quando a canção acabou, em meio aos aplausos do público, elas desceram do palco. Ana, morrendo de sede, foi diretamente para Amir, e bêbada e feliz como estava, agarrou-o e lhe deu um beijo tórrido. O modelo já imaginou a noite perfeita que teria pela frente, e Rodrigo quis morrer. O bombeiro, sem sair do lugar, olhou para ela com reprovação, e Ana, nem aí, ao ver seu olhar, caminhou até ele de um jeito sensual e, se aproximando, fingiu tropeçar, de modo que derrubou o conteúdo de seu copo em cima dele. — Nooossa! Como sou desastrada! — Debochou Ana ao ver que havia encharcado a camisa e parte da calça dele. Mas ele não se mexeu. Limitou-se a pegá-la pelo braço, e puxando-a para si, murmurou: — Pare de beber, senão, amanhã sua cabeça vai explodir. — Você aaaacha? — Debochou ela.
— Claro. Isto aí não é licorzinho com chocolate em pó. — Ora, Rodri, por que não me esquece e se concentra no furacão Katrina? — Furacão Katrina?! — Exclamou ele, rindo. Ao ver que não conseguia aborrecê-lo, Ana deu meia-volta, e olhando para Amir, que não estava entendendo o que acontecia entre aqueles dois, disse alto e claro: — Lindíssimo, peça outro desseeees, que eu derrubei este inteirinho sem querer neste beija-flor. Então, pegou a cerveja que estava ao lado de Rodrigo, bebeu-a, e dando pulinhos, começou a dançar ao som das vozes de umas garotas no karaokê que cantavam La chica yeyé. Rocío, que havia visto tudo, pegou vários guardanapos no balcão e os levou com urgência a Rodrigo. Ele estava encharcado, e aquela louca não havia nem se preocupado. — Oque é que há com Ana?— Perguntou Esmeralda ao vê-la tão fora de si. — Não sei, querida, mas acho que o álcool está lhe caindo mal hoje — murmurou Popov. — Mãe do céu, que porre! O que foi que ela bebeu? — Perguntou Nekane ao vê-la naquele estado. — Acho que de tudo — respondeu Calvin, rindo ao notar o cenho franzido de Rodrigo. Nekane não gostou de ver sua amiga assim. Aquilo era o resultado da confusão que tinha na cabeça por causa de Rodrigo. Por isso, disse a Popov: — Vamos tirá-la daqui antes que ela faça algo de que possa se arrepender. Esmeralda, olhando para Amir, aquele lindo modelo iraniano, sussurrou: — Acho que vai passar tudo quando ela for embora com aquele gato. Mãe do céu, que sexy! Esse aí vai curar a bebedeira dela à base de... — Mas ao ver que Popov a observava, mudou de ideia. — É, é melhor... vamos tirá-la daqui para tomar um ar fresco. Mas, de repente, umas batidinhas desagradáveis no microfone do karaokê fizeram que todos olhassem para o palco, e ficaram boquiabertos ao ver Ana ali, sorrindo. — Caralho! — Exclamou Popov. — Vou matá-laaaa! — Sussurrou Nekane, indo buscá-la. Mas, antes que pudesse chegar, Ana começou a falar: — Olá! Meu nome é Ana, e dedico esta canção a um homem lindo — Amir sorriu, orgulhoso; mas seu sorriso se desfez quando a ouviu dizer: — Ele é um bombeiro sexy e lindo que atende com perfeição às mais obscuras e pervertidas fantasias de toda mulher. Sim, sim, Rodrigo, não se esconda, é você mesmo! — E apontando para ele, continuou com seu discurso: — Para sua informação, garotas, Rodrigo é o sujeito de camisa preta encharcada de bebida, de cabelo escuro e olhões azuis que está apoiado no balcão. Não é uma delícia? — Ouviu-se um clamor geral das mulheres do local, e Ana prosseguiu: — Mas cuidado... cuidado... tudo que este sujeito tem de gostoso tem de idiota, e posso garantir que ele vai partir seu coração. — Ohhhhhhhhh! — Ouviu-se por todo o local. — Plum Cake, desça daí agora mesmo! — Gritou Popov, tentando detê-la. Mas era impossível. Ana andava pelo palco enquanto falava sem parar. — Vou lhes contar — continuou Ana. — Como a canção que vou cantar é em inglês, quero que saibam que vou dizer a esse corpo fantástico, mais gostoso do que um regimento de marinheiros juntos chamado Rodrigo, que ele é um merda e um egoísta por ter me feito sentir a mulher menos desejável do mundo!! As mulheres presentes começaram a vaiá-lo e alguns homens o olharam com severidade, mas Rodrigo não se mexeu. Aguentou tudo como um campeão. — Pelo amor de Deus, tirem o microfone dela! — Gritou Nekane. Mas ninguém a ouviu. — Ai, coitadinho! — Murmurou Rocío ao ver como vaiavam Rodrigo. — Ele é — prosseguiu Ana — o típico conquistador de uma noite só. É o típico bombeiro sexy que
apaga seu fogo maravilhosamente bem, e... e... esse, amigas, é Rodrigo! — As pessoas, olhando para ele, vaiaram-no, mas ele nem se mexeu. — E hoje... hoje quero castigá-lo pelo muuuuuuito que me fez sofrer estando eu grávida. Sim... sim, grávida e gooooorda como um barril! E agora, esse idioooota quer me convencer a confiar nele de novo. Vocês confiariam? — As mulheres gritaram “Não!”, e Ana, balançando a cabeça, concluiu: — Exato, garotass, foi o que eu disse. Portanto, bombeiro, esta canção é para você, seu merda! O local inteiro assobiava e os gritos contra ele eram cada vez mais persistentes. Seus amigos se olharam cientes de que se não tirassem Rodrigo dali, o linchamento seria geral. Mas ele, após escutar e acalmar Calvin e Julio, negou-se a sair. Dali não sairia sem aquela que falava com tanta descontração ao microfone. — Ana, desça daí agora mesmo — pediu Nekane, segurando-lhe o pé. Bêbada, Ana riu, e olhando para a amiga, murmurou depois de lhe jogar um beijo: — Mas eu vou cantaaaaaar! As narinas de Rodrigo se abriam e fechavam enquanto ele se sentia observado por centenas de olhos. Nunca na vida havia sofrido uma humilhação dessas, e quis subir ao palco, pegá-la pelo pescoço e matá-la. Por que estava fazendo aquilo? Amir, que acabava de confirmar o que andava suspeitando durante a noite toda, aproximou-se de Rodrigo e perguntou: — É verdade o que ela está dizendo? Depois de tomar um gole de cerveja, Rodrigo olhou para ele e respondeu, depois de olhar para um sujeito que o insultava: — Se ela está dizendo, deve ser. — Grávida? — Perguntou Amir, aturdido. — Isso mesmo, gravidíssima — assentiu Rodrigo, disposto a não revelar mais nada. Katrina, muito irritada, foi embora, mas Rodrigo não se mexeu. Não lhe importava que fosse embora nem que alguns homens o xingassem. Só lhe interessava falar com a moreninha que, bêbada como um gambá, animava a noite. — A coisa vai ficar feia — murmurou Calvin. — É... acho que sim — assentiu Julio, divertindo-se. Amir, que não queria se meter em problemas que não lhe interessavam, tomou um último gole de sua bebida e foi embora atrás de Katrina. Não queria confusão. — Amor, Ana ficou louca — murmurou Rocío. Mas ao ver seu marido morrendo de rir, perguntou: — Está rindo do quê? — Isso é a coisa mais engraçada que já vi na vida. Viu a cara de tonto de Rodrigo? — Contudo, ao ver que seu amigo afastava um sujeito com vontade de criar confusão, acrescentou: — Querida, fique atenta, porque acho que vamos ter que sair daqui depressa. De repente, ouviram-se as primeiras notas do soul Me and Mr. Jones na versão de Amy Winehouse, e Ana começou a cantar com uma voz e uma sensualidade que deixou todos desarmados: Nobody stands in between me and my man, it’s me and Mr. Jones. What kind of fuckery is this? You made me miss the Slick Rick gig. You thought I didn’t love you when I did. Can’t believe you played me out like that. No you aint worth guest list. Plus one of all them girls you kiss. You can’t keep lying to yourself like this. Can’t believe you played yourself out like this. Encorajada pela bebida e pelo momento, Ana se movimentava pelo palco como uma verdadeira diva do soul, mesmo bêbada. Enquanto cantava, Rodrigo, cada vez mais irritado com o que ela dizia, não conseguia afastar os olhos dela. Não escutava o que os homens gritavam para Ana. Só tinha olhos e ouvidos para ela. Mas cada vez que ela o insultava na canção dizendo merda e apontando para
ele, e todo mundo repetia olhando para ele, sentia vontade de degolá-la; mas seus pés não se mexiam. Só podia ficar ali, encharcado de bebida, aguentando o tranco e escutando aquela moreninha de olhar descarado o agredir. Quando acabou a canção, todo mundo, entusiasmado, rompeu em aplausos, e Ana, de um jeito cômico, agradecia, feliz da vida, sem perceber a hostilidade que havia alimentado em certos indivíduos. Nekane e Popov, horrorizados com aquilo, pegaram-na pelo braço, e no meio dos aplausos, conseguiram tirá-la do palco antes que continuasse humilhando Rodrigo daquele jeito. Quando a pegaram, Popov olhou para ela e disse: — Caralho, Plum Cake! Você canta maravilhosamente bem, mas ficou louca? — Popov, feche o bico e vamos sair daqui! — Disse Nekane. E vendo que sua amiga sorria para todos que a aplaudiam quando passava, sibilou: — Puta que pariu, Ana, como você pôde fazer isso? — O quê? — E acrescentou, olhando para o amigo que a segurava pelo braço direito: — Popov gostoooou! Quando chegaram onde estava Rodrigo, metade das pessoas os observava. Ele, muito sério, perguntou: — Satisfeita? — Acabei de lhe dedicar uma canção. Lembro que um dia você me pediu. Gostou? — Balbuciou ela, divertindo-se. — Minha paciência com você chegou ao limite — sibilou ele, irritado. — Ohhhh... que meeeedo! — Debochou Ana, e aproximando-se, murmurou, deixando-o aturdido de novo: — Você é um canalha, mas reconheço que um canalha muuuuito sexy, com quem curto muuuuuito na cama. Mas também não vá se achar o rei do sexo! Ele estava tão desconcertado e furioso que não viu um gigante irado se aproximar. E sem aviso prévio, o homem deu-lhe um soco no olho. Rodrigo não pôde evitar, e caiu para trás. Calvin, ao ver aquilo, colocou-se rapidamente no meio, e segundos depois, Julio e Popov. Rocío, vendo que seu marido batia e apanhava, gritou e começou a dar bolsadas em tudo que se aproximava. Esmeralda, sem pensar, fez o mesmo, enquanto Ana, divertindo-se e sem entender o que havia provocado, gargalhava; até que a empurraram, perdeu o equilíbrio e caiu. Rodrigo, enfurecido, começou a dar socos a torto e a direito, e Nekane, assustada, foi para cima do sujeito que batia em seu Calvin e não parou de mordê-lo até que conseguiu tirá-lo de cima. Instantes depois, diante daquele alvoroço, os leões de chácara começaram a separar os brigões. Nekane, vendo que Calvin estava bem, optou por levantar sua amiga exultante do chão e tirá-la dali. — Você é uma digna herdeira dos Corleone! — Gritou a navarra, furiosa, já na rua. — Viu o que você aprontou? — Que desgraça. Meu salto quebrou! — Respondeu Ana com o sapato na mão. — O que quebrou foi seu cérebro — protestou Nekane, angustiada. Dois minutos depois os seguranças tiravam Rodrigo, Calvin, Popov e Julio, machucados, e Esmeralda e Rocío, enlouquecidas. Ana, ao ver a cara de todos, continuou gargalhando, alheia a tudo, enquanto se dirigiam a um bar próximo para beber alguma coisa e recuperar as forças. Meia hora mais tarde, ao voltar ao estacionamento da balada, todos ficaram sem palavras, exceto Ana, que começou a gargalhar de novo ao ver o belo carro de Rodrigo destruído.
25
Quando Ana acordou, no dia seguinte, tudo girava. Tentou levantar da cama para ver seu filho, mas seu estômago revirou de tal maneira que a primeira coisa que viu foi o vaso sanitário. — Ora... Winehouse Corleone acordou — brincou Nekane, apoiada na porta do banheiro com um café nas mãos. Olhando para ela com os olhos úmidos, Ana se sentou no chão. — Neka... não estou para brincadeiras. Onde está Dani? — Com Encarna. Já comeu e tomou banho, e saiu com ela para passear. — Que horas são? — Quatro e meia da tarde. — Como?! — Isso mesmo. A navarra, com uma expressão divertida, tomou um gole de café e se sentou com a intenção de falar, quando sua amiga se antecipou: — Não me diga... Não me diga o que fiz ontem. — Ah, sim, claro que vou dizer — e, entregando-lhe o café, acrescentou: — Além de beber tudo e mais um pouco e cantar como minha amada Winehouse, você conseguiu fazer Amir se mandar com o furacão Katrina e quebrarem a cara de Rodrigo, Calvin, Popov e Julio. E quando achávamos que havia acabado, o pessoal da balada deve ter saído e destruído o carro de Rodrigo. Só serve para desmanche agora. Acha pouco? — Como é? — Isso mesmo que você ouviu. Que porre, o de ontem, hein? — Não acreditoooo! — Pois sim, minha filha, pode acreditar. Você é mais perigosa bêbada com um microfone nas mãos do que Stevie Wonder pilotando um F-16 — e rindo, Nekane murmurou: — Corleone, você não sabe o que perdeu e o que aprontou com suas palavrinhas. Foi de arrasar! — O que aconteceu? — Perguntou Ana, cada vez mais alucinada e sem entender nada. — De tudo. — Eu... eu só lembro que... Meu Deus! Estão todos bem? — Sim, não se preocupe — assentiu Nekane. — Os hematomas vão... — Hematomas?! — Gritou Ana. — Sim, minha filha, isso mesmo... Hematomas, dor de costelas, mandíbulas doloridas, e no caso de Rodrigo, pode somar um olho roxo e um lábio rasgado. Coitadinho, não percebemos o animal se aproximando, e foi para cima dele com toda a fúria de um selvagem. — Ai, meu Deus! — Gemeu Ana, cobrindo o rosto. — Que ideia foi aquela de dizer aquelas coisas no palco? Você... — Neka, eu não sei o que disse nem o que aconteceu. É como se houvessem resetado meu cérebro, e só lembro de chegar lá e... e... O que foi que eu disse? Quando sua amiga reproduziu, palavra por palavra, as grosserias que havia dito e como as pessoas
haviam reagido contra Rodrigo, Ana não ficou branca; ficou translúcida, e queria morrer. Nekane, vendo seus olhos assustados, acrescentou: — Calma, todos estamos vivos. Mas se os seguranças não tivessem tirado Rodrigo dali, não sei o que teria acontecido. — Ai, Meu Deus! — Exato. Ai, meu Deus! — Repetiu Nekane. — Tenho que ligar para todos para pedir desculpas — disse Ana, gemendo, horrorizada. — A Rodrigo principalmente. — Não, isso não, querida. É melhor você não ligar para Rodrigo. Ligue para todos, mas para Rodrigo não. — Por quê? Nekane, deixando de sorrir, suspirou. — Ana, é melhor você deixar passar um tempo. Deixe que ele respire e esqueça o que aconteceu. É melhor, acredite. — Por quê? — Exigiu Ana de novo. — Sem panos quentes? — Sim... clara e concisa — pediu Ana. — Muito bem, lá vou eu — animou-se a navarra. — Ontem à noite, enquanto você ria como uma possessa de Rodrigo e continuava soltando por essa boquinha centenas de pérolas e acusações, ele foi ficando irado, e quando chegamos em casa, pediu que eu lhe dissesse que havia acabado, que se dava por vencido, e que por favor você não ligasse para ele, e que ele não ia ligar, e... — Mas preciso lhe pedir desculpas. — Repito — insistiu a navarra —, ele não quer falar com você. — Não me interessa o que ele quer. Vou ligar. — Mas devia te interessar, maldita cabeça-dura! Você devia entender que ele está puto e deixar a poeira assentar, porque se ligar para ele, vai dar confusão de novo. — Mas, Neka, como não vou ligar para me desculpar? Que loucura! — Ana, ouça-me, por favor — disse Nekane, tentando convencê-la. — Ontem à noite eu vi algo nos olhos dele, e em seu jeito de olhar para você, que me fez entender que Rodrigo estava muito bravo e que precisava se desligar um pouco de tudo isso. Mas Ana, desobedecendo à amiga, levantou-se do chão, foi até seu quarto e ligou para Rodrigo. Dois segundos depois, seu corpo se contraiu quando o ouviu dizer: — Eu avisei que não queria falar com você. — Eu sei. Neka me disse, mas... Rodrigo, me desculpe. Você está bem? É verdade que... — Não, Ana, não desculpo, e ouça-me de uma vez por todas, porque estou de saco cheio! — Gritou ele, encolerizado. — Acabou tudo entre nós. E vou lamentar isso pelo resto da vida por causa de Dani, porque eu o amo, mas acabou! Durante todo esse tempo que nos conhecemos você me humilhou, mentiu, me envenenou, me usou como um idiota, e, por fim, por sua causa quebraram minha cara e destruíram meu carro. E tudo por quê? Por não ter me apaixonado por você no mesmo instante em que você supostamente me queria. Caralho, Ana! Aceite que nem todo mundo segue seu ritmo. Aceite que às vezes as pessoas merecem segundas chances, até terceiras ou sextas, e quando aceitar isso, talvez possa se olhar no espelho e pensar que cometeu um erro comigo, e certamente com muito mais gente. — Mas, Rodrigo, ouça. Eu... A ligação foi interrompida. Ana, aturdida, fechou os olhos. A partir daquele dia, ele desapareceu da vida dela.
26
Os meses se passaram e chegou o Natal. Naquele ano tudo era mágico e especial, por causa de Dani. Mas, embora se mostrasse forte perante os outros, Ana chorava em silêncio a ausência de Rodrigo. Estar com Calvin e Nekane, Rocío e Julio ou Popov e Esmeralda partia seu coração. Ver a cumplicidade naqueles casais, em seus olhares ou em seus sorrisos, fez que percebesse que estava sozinha, e especialmente, quanta falta sentia da presença e das atenções de Rodrigo. Ele era especialista em fazê-la se sentir bem e em facilitar sua vida, e agora, por causa de seu orgulho besta, nunca mais o veria. Como havia feito no ano anterior, Nekane foi para Navarra passar as festas com a família, mas, dessa vez, acompanhada por Calvin, feliz. Ana, com o pequeno Dani, decidiu ir para Londres. Mas no aeroporto, sentada com seu bebê na sala de embarque, seu coração se apertou quando de repente ouviu: — Anaaaaaaaaaaaaaaaa! Ao se voltar para olhar, seu coração deu um pulo quando se viu diante de Álex, Carolina e Úrsula. Rapidamente se levantou para receber os abraços carinhosos dos jovens que, ao vê-la, se jogaram em seus braços. Úrsula, diferente de outras vezes, deu-lhe dois beijinhos, e ao ver o bebê, murmurou: — Que menino mais bonito! É lindíssimo! — Muito obrigada. — Aonde você vai? — Perguntou Carolina, observando-a com curiosidade. Ela não sabia o que havia acontecido entre seu irmão e Ana, mas sabia que já não se viam. — Vou para Londres passar o Natal com minha família. — Sua família vive em Londres? — Perguntou Úrsula, surpresa. — Sim. — Po... posso pegar Da... Dani? — pediu Álex. — Claro que sim, querido — disse Ana, sorrindo. — Álex, sente-se — ordenou Úrsula. — Sentadinho é melhor para segurar. Quando Ana deixou o bebê no colo de Álex, Dani sorriu, e o rapaz disse: — Os... olhos dele são... como os de Rodrigo e mamãe. Azuizinhos... azuizinhos. — Mamãe, vou comprar umas revistas — murmurou Carolina ao ouvir o comentário. Úrsula, ao ver o desconforto da jovem pelo que seu filho havia dito, afirmou: — É verdade, ele tem uns olhos azuis lindos. Ana não pôde responder. Quando ouvia o nome de Rodrigo ficava travada e não conseguia dizer nada. Mas tirando forças de onde não sabia nem que existiam, engoliu o nó de emoções e perguntou: — E vocês, aonde vão? — À Disney em Paris! — Gritou Álex, emocionado. — Nossa! — Ana bateu palmas, encantada. — Verdade? — Sim. Mamãe, Carol, Rodrigo e eu... va... vamos passar o Natal lá. Ao ouvir de novo o nome de Rodrigo, Ana se encolheu. Ele estava ali? Sem poder evitar, olhou ao redor, e foi quando Úrsula, aproximando-se, esclareceu: — Não procure, ele não está aqui. Vai se encontrar conosco lá. Tentando se recompor, Ana
respirou aliviada. A última coisa que queria era encontrá-lo ali com toda sua família. Úrsula, ao notar que a jovem estava meio confusa, segurou-lhe o braço e, afastando-a um metro de Álex e do bebê, perguntou: — Você está bem? — Sim, sim, claro que sim — assentiu Ana, e tentou mudar de assunto. — E Ernesto? — Segui seu conselho e... me separei dele. Essa bomba fez Ana voltar a si. — Mas isso é fantástico, senhora... Fico tão feliz em saber! — Por favor, Ana, pode me chamar de Úrsula — e pegando-lhe as mãos, murmurou, emocionada: — Nunca vou viver o suficiente para lhe agradecer tudo que fez por meus filhos e por mim sem contar a ninguém — e tendo toda a atenção da jovem, sussurrou: — Carolina me contou várias coisas, e só posso lhe agradecer. Eu me sinto uma verdadeira bruxa por tê-la tratado como tratei. Mas, graças a você e a suas palavras acertadas, eu abri os olhos e... — Fique tranquila, Úrsula, não precisa dizer mais nada. O importante é que você soube tomar a decisão e que seus filhos estão bem. Isso é o importante. — Estou fazendo terapia para resolver todos os meus problemas, que não são poucos, mas tenho certeza de que vou conseguir. Minha vida, por fim, é minha de novo e eu assumi as rédeas outra vez, como você disse. Eu me sinto péssima por todo o mal que fiz a meus filhos, e envergonhada por todas as grosserias que disse a você... — Ouça, Úrsula, dar o passo que você deu é muito importante para todos, especialmente para seus filhos. Eles sofriam muito, e essa injeção de adrenalina positiva com certeza deve ter sido ótimo para eles. Recuperaram a mãe e agora você só precisa mostrar que está cem por cento com eles. E eles vão retribuir. E quanto a mim, não se preocupe. Está tudo esquecido. — Ana, Rodrigo me preocupa. Faz vários meses que anda sempre irritado, e embora esteja feliz porque minha situação pessoal mudou, sinto que alguma coisa está acontecendo. Mas ele não me deixa chegar a seu coração. Você sabe o que ele tem? Como podia responder àquela pergunta? Só podia lhe dizer que ela mesma, Ana, era a culpada. Contudo, com seu melhor sorriso, murmurou: — Não sei, Úrsula. Faz tempo que não falo com ele. Mas não se preocupe, você vai ver que logo ele vai ficar bem. — Voltei! — disse Carolina, aproximando-se. Nesse momento, começou o embarque do voo de Ana. Querendo fugir de perguntas que a atormentavam, anunciou: — Tenho que embarcar. Depois de pegar Dani dos braços de Álex e de se despedir do garoto com beijos carinhosos, deu beijos em Carolina e Úrsula, e com o bebê no colo, sem olhar trás, embarcou. Teresa era a avó mais feliz do mundo. Poder passear com o carrinho de seu neto pelas ruas daquela cidade fantástica deixava-a emocionada. Durante os dias que Ana passou em Londres, descansou, e algumas noites saiu com sua irmã e seus amigos para se divertir. Mas foi difícil. Todos pareciam felizes, mas apesar da suposta normalidade, Frank e Teresa, sem dizer nada, observavam a filha, e a tristeza que ela destilava em seu olhar os preocupava. Ana procurava se mostrar alegre, mas seus olhos falavam por si. Lucy tentou conversar com ela, mas Ana se negou. Tinha vergonha de contar o que havia acontecido e de recordar como havia se portado mal com Rodrigo. Por isso, decidiu tentar esquecer tudo enquanto estivesse em Londres. Mas era impossível. Cada vez que Dani fazia uma nova gracinha, Ana se lembrava de Rodrigo e se emocionava ao pensar
como ele ia gostar de ver o bebê. No Dia de Reis, à noite, sentada em frente à lareira, Ana observava na escuridão da sala a infinidade de presentinhos para seu filho, quando seu pai entrou sem fazer barulho. — Olá, menina! — E sentando-se ao lado dela, murmurou: — Você não sabe que se não for dormir seus presentes mágicos não chegam? Ana sorriu, mas estava com os olhos marejados. Não conseguia falar. Havia acabado de receber no celular uma foto de Nekane com os amigos de Madri celebrando aquela noite, e entre eles havia visto Rodrigo. E sem poder evitar, recordou o que havia acontecido durante essa mesma celebração no ano anterior. Seu mundo desabara naqueles meses, e agora que nada mais tinha jeito, percebia como havia sido idiota. Não aceitar o carinho e o amor que Rodrigo havia lhe oferecido havia sido seu maior erro, e carregaria isso pelo resto da vida. Frank se levantou; não queria lhe perguntar diretamente o que estava acontecendo, mas intuía o motivo. — Quer beber alguma coisa? — Não. — Quer conversar? — Não, papai. O homem foi até o bar, serviu-se um uísque e se sentou de novo ao lado da filha. Quis falar com ela, explicar algumas coisas, mas sabia que não era o momento. Ficaram durante mais de meia hora em silêncio ouvindo o fogo crepitar. E quando Frank se levantou para ir dormir e se despediu com um beijo, Ana disse, olhando para ele: — Obrigada, papai. — Por que, filha? — Por respeitar meu silêncio. Comovido, Frank sorriu, e apesar de querer lhe perguntar muitas coisas, simplesmente balançou a cabeça e saiu. Na manhã seguinte, a sala silenciosa da noite anterior era barulhenta e feliz. O pequeno Dani recebia seus presentes cercado por seus avós, sua tia e sua mãe. Emocionada, Ana abria os pacotes e batia palmas ao ver os brinquedos. — Ana Elizabeth, a que hora ele tem que tomar o xarope? — Faltam horas, mamãe — respondeu Ana, sorrindo, com seu filho no colo. Dani estava havia dois dias com coriza e febre baixa, mas o médico havia dito que era um simples resfriado. — Ah, não gosto de ver meu menino assim. — Mamãe — queixou-se Lucy —, não vê que o gordinho está ótimo? Além do mais, ele não é o primeiro bebê do mundo que fica doente. — Eu sei, filha, mas eu me preocupo. — Uma moto elétrica? — Perguntou Ana animadamente ao abrir um pacote enorme. — Loucuras de sua mãe — brincou Frank. — Ah, filha! Eu a vi e não pude resistir — assentiu Teresa, encantada. — Sei que ele é muito pequenininho ainda, mas meu menino merece essa moto. Eu e seu pai vimos uns castelos infláveis maravilhosos na internet. Pensei em comprar um para pôr na casa de campo. No verão que vem nosso Dani vai fazer um aninho e vai ter seu próprio castelo. — Hummm... inflável? O que vocês estavam olhando na internet? — Brincou Nana ao escutá-la. — Isso mesmo — assentiu Ana, divertindo-se. Frank começou a rir, mas Teresa, mais conservadora, fez cara de horror. — Vocês são umas sem-vergonha, sabiam? Como podem pensar uma bobagem dessas? — E
apontando para Lucy, que gargalhava, disse: — E saiba que eu continuo brava com você. Soube que a viram jantando outra noite com o ator Ricardo Bestroniani. — Mamãe, é só um amigo! E eu sou uma mulher em trâmites de divórcio. Teresa fez cara feia e tirou um lenço do bolso, e quando todos acharam que ela ia começar a chorar, ou até desmaiar, ela disse, morrendo de rir e deixando a todos alucinados: — Bestroniani é um gato. Quem me dera! — Teresa! — Mamãe! — Gritaram Ana e Lucy em uníssono, enquanto Frank, perplexo, observava a mulher. — Filhas — explicou Teresa, rindo —, outro dia, depois de muito pensar em vocês e na vida que levam, decidi que chegou a hora de me modernizar ou morrer. E optei pelo primeiro: modernizarme! Portanto, Lucy, curta o momento com Bestroniani ou com quem for, e pare de se casar. Seu pai e eu agradeceremos. Aquilo provocou uma gargalhada geral, e mais ainda quando Frank a beijou. Teresa, encantada com a demonstração de afeto de seu marido, olhou para ele fixamente. — A propósito, Frank, posso saber aonde você levou Dani ontem à tarde? Ao ver que as três mulheres de sua vida olhavam para ele esperando uma resposta, o homem pigarreou e respondeu: — Fomos ver os cavalos. Ana sorriu, e dirigindo-se a seu bebê de grandes olhos azuis, perguntou: — Você conheceu Caramelo de Chocolate? O menino, que era o deleite de sua mãe, sorriu, e ela o apertou com carinho, encantada. Segundos depois, Ana abriu um novo pacote, e ao ver um pequeno suéter Dolce & Gabbana combinando com uma calça jeans e um boné com strass, olhou para sua irmã e exclamou: — Deus meu, Nana, isso é puro glamour! Sua irmã, com o bebê no colo, pôs o boné, e rindo, acrescentou: — Meu gordo é lindíssimo e a titia vai se encarregar de que nunca lhe falte um guarda-roupa transbordante de glamour. Este menino vai ser um ícone da moda infantil. Os risos e o alvoroço eram uma terapia maravilhosa para Ana.
27
Em 10 de janeiro, voltando de um incêndio em uma casa em Madri, enquanto Rodrigo falava com um colega, Calvin recebeu uma mensagem no celular, e ao vê-la, sorriu. Durante a tarde toda Calvin ficou pensando se devia mostrar a mensagem a Rodrigo ou não, e por fim, depois de conversar com Julio, decidiram mostrar. Aproximaram-se quando Rodrigo saía da academia e o chamaram. — Ana chegou de Londres há duas horas — disse Calvin. Rodrigo, sem mudar de expressão, endureceu a voz e inquiriu: — E daí? — Veja a foto de Dani que minha princesa acabou de mandar— insistiu Calvin, mostrando o celular. — Não é uma graça? O bombeiro pegou o celular do amigo e olhou a foto. Nela se via Dani gordinho e encantador sorrindo para a câmera. Rodrigo, inexpressivo, devolveu o telefone a Calvin. — Dani está grande! — Marquei com minha princesa de jantar na casa dela hoje, quer ir? — Sugeriu Calvin, apesar de saber que Nekane ficaria brava. Segundo Nekane, Ana não queria saber de Rodrigo, mas ele não tinha tanta certeza de que este não queria saber dela. — Rocío, minha filhinha e eu também vamos — insistiu Julio. — Vamos! Vai ser legal estarmos todos juntos. Ao ver as intenções deles, Rodrigo franziu o cenho. — Que diabos estão fazendo? — Perguntou com cara de poucos amigos. — Vão dar uma de cupidos agora? — Antes que fique bravo, ouça — respondeu Calvin. — Todos sabemos o que aconteceu, mas achamos que... — Não me interessa o que vocês sabem ou acham — grunhiu Rodrigo. — Por que você é tão cabeça-dura? Não percebe que... — Julio — interrompeu Rodrigo —, por que não se mete em seus problemas e esquece os meus? — Rodrigo, é que... — Calvin, feche o bico — disse. — Não contem comigo. Além do mais, hoje à noite tenho um compromisso e não quero faltar. — Ande, homem — insistiu Julio —, não creio que esse encontro é tão importante quanto... — Hoje em dia, é — interrompeu Rodrigo, irritado. — Rodrigo — disse Calvin sem se alterar —, acho que você devia reconsiderar as coisas. Ano novo, chance nova. Com um sorriso amargo, Rodrigo olhou para eles, e antes de se voltar para sair, sibilou com fúria: — É melhor “Ano novo, vida nova”. Os dois bombeiros, ao vê-lo se afastar, trocaram olhares, e Calvin, preocupado, comentou: — Rodrigo não está bem, caralho! E não sei o que fazer. Julio viu Rodrigo bater a porta do armário.
— Não, não está, mas se ele aceitasse o convite, quem não ia ficar bem à noite com sua princesa e a própria Ana seria você. Naquela noite, quando Rodrigo saiu do trabalho, chovia uma barbaridade. Depois de entrar no carro, ligou o rádio, e enquanto dirigia, surpreendeu-se ao notar que estava cantarolando uma balada romântica dessas de que Ana tanto gostava. Por que estava escutando aquilo? Rapidamente pôs um CD e começou a tocar Aerosmith. Durante os vinte minutos do trajeto ele tentou não pensar na fotografia que o maldito Calvin havia lhe mostrado, mas era impossível. Os olhos de Dani pareciam segui-lo. Quando estacionou o carro, pegou o celular e olhou a foto que tinha como fundo de tela, de Ana e o bebê sorrindo. Ainda recordava o momento em que a havia tirado. Os três, divertindo-se, riam no sofá. Depois de observá-la durante alguns segundos, frustrado, largou o celular. Durante aquele tempo ela havia tentado falar com ele em várias ocasiões, mas Rodrigo nunca atendera. Estava tão ferido e irritado com ela pelo que havia feito que era impossível dar o braço a torcer. Quando conseguiu se acalmar um pouco, saiu e fechou o carro enquanto subia os degraus da casa de sua mãe. Ao entrar, sorriu ao encontrar Álex cantando na frente da TV. — Que bom que você veio, filho — disse Úrsula ao vê-lo entrar. — Pelo amor de Deus, tire algum cabo do karaokê para que seu irmão pare de cantar. Estou ficando louca. De bom humor, Rodrigo tentou convencer Álex a parar, mas como o rapaz se negava categoricamente, foi até a cozinha, onde sua mãe fazia o jantar, e se desculpou: — Sinto muito, mamãe. Agora ele quer ser cantor e diz que tem que treinar. Úrsula revirou os olhos, mas ao ver o rosto de seu filho mais velho, sorriu. Rodrigo se sentou no banquinho da cozinha, e ela pegou uma Coca-Cola na geladeira, abriu-a e a entregou a ele. Rodrigo a pegou e tomou um gole enquanto sua mãe o observava. — Que foi? Por que está me olhando assim? — Você está muito magro, filho, está comendo direito? Ele suspirou, com uma expressão jocosa, diante da apreciação de sua mãe. — Já percebeu, mamãe, que toda vez que me vê você diz a mesma coisa? — E ao vê-la rir, acrescentou: — E para sua informação, meu peso é exatamente o mesmo há três anos; portanto, fique tranquila, eu como direito. Nesse momento Carolina entrou na cozinha, e ao ver seu irmão ali, comentou com ironia: — Ora, ora... chegou o filhinho da mamãe — Rodrigo soltou uma gargalhada, e sua irmã acrescentou: — Mamãe preparou este jantarzinho familiar para fazer seu prato preferido. — A inveja mata, Carol. Então, a jovem foi para cima do irmão e começaram a brigar de mentirinha, enquanto Úrsula os observava e sorria. Ver seus filhos felizes e unidos a seu lado era uma verdadeira bênção. Cinco minutos depois, a garota foi para a sala de jantar para berrar junto com Álex. — Pelo amor de Deus, vocês vão me deixar louca! — Lamentou a mãe. Mas acrescentou, emocionada: — Mas adoro isso. Adoro vê-los tão felizes em casa e me sinto muito culpada por tudo que aconteceu que... — Mamãe — disse Rodrigo, abraçando-a —, dissemos que íamos começar do zero de novo. O passado é passado, e queremos ser felizes de novo. Álex, Carol e eu seremos se você for, portanto, sorria. — Comovida com as coisas que Rodrigo dizia, Úrsula assentiu. — Vamos, mamãe, seu médico disse que você tem que ser positiva e não pensar em coisas que possam machucá-la. — Eu sei, filho, eu sei. Mas penso em todos esses anos perdidos e em todo o mal que fiz a vocês... Pegando-a no colo para que se calasse, Rodrigo fez a única coisa que fazia sua mãe mudar de assunto: girou-a. — Pare... pare, menino! — Gritou ela — Eu fico tonta!
Ele a soltou alegremente, e vendo-a sorrir, sentou-se de novo no banquinho. Então, ela disse algo que o deixou desconcertado. — Aquela garota, Ana, tinha razão quando disse que eu era mais malvada que a Úrsula, a bruxa da Pequena Sereia — ele ficou tão surpreso que não sabia o que dizer. Sua mãe acrescentou: — Naquele momento eu não entendi, mas, outro dia, assisti ao filme da pobre sereiazinha com seu irmão, e quando vi a bruxa pérfida, compreendi o que aquela moça quis dizer. Aquele comentário fez Rodrigo sorrir e recordar certas coisas com amargura. — Ana e seus comentários... só ela seria capaz de dizer algo assim. De repente, Úrsula entendeu. Como havia sido tão boba? E pegando as mãos dele, perguntou, já sabendo a resposta: — Filho, você está bem? — Sim. Não era verdade, e disposta a fazer seu papel de mãe com seu filho maravilhoso, tocando-lhe o rosto acrescentou: — Sei que alguma coisa está acontecendo, mas você não quer me contar. E embora eu intua certas coisas, também não quero dizê-las nem te perguntar nada, porque com o humor que você anda ultimamente... Impressionado com o que ela dizia, Rodrigo a segurou pelos ombros e disse, ainda confuso por ter escutado o nome de Ana. — Mamãe, prometo que não vou ficar bravo. O que quer me perguntar? Depois de olhá-lo durante alguns segundos com aqueles olhos azuis tão parecidos aos dele, Úrsula suspirou. — Falei com sua irmã e ela me disse que embora aparentemente nunca tenha existido nada entre Ana e você, sempre imaginou que havia mais do que diziam, e acabei de ver em seu rosto uma expressão quando mencionei o nome dela. E isso me fez pensar... — Ele deixou a Coca-Cola em cima da mesa e mudou de expressão. Apontando-lhe o dedo, Úrsula o fez recordar: — Rodrigo, você disse que não ia ficar bravo. Portanto, não me interrompa e responda ao que estou perguntando. — Qual é, mamãe? — Ei! Esse “qual é, mamãe” não me agrada — interrompeu ela. — Sou sua mãe, mocinho, e quero a verdade. De modo que nem pense em mentir, senão, juro que o deserdo. Ao ouvir aquilo Rodrigo teve que sorrir. Novamente tinha diante de si a mãe que sempre havia adorado. — Mamãe — respondeu ele, pois era incapaz de não o fazer —, nunca existiu nada entre Ana e eu. Éramos só amigos. Mas ao ver seu filho franzir o cenho, ela se aproximou e sussurrou: — Rodrigo... você está mentindo. — Como sabe? — Porque eu o conheço — sorriu ela. — E quando você mente, franze o cenho de um jeito especial. Talvez você não entenda, mas há certas expressões em você que o delatam, e neste momento sei que entre você e essa garota houve o contrário do que está me contando, e eu, tão boba, não percebi. E ouça bem: daqui você não sai enquanto não me disser a verdade. — Mamãe, não me encha — resmungou ele. — Eu disse, mami, eu disse que achava que havia algo entre Ana e ele, mas nunca pude confirmar — disse Carolina ao aparecer na cozinha, apoiada na porta. — Não diga bobagens, Carol — protestou Rodrigo. — Ah, não! Não estou falando bobagem. Nós, mulheres, temos um sexto sentido, e sempre julguei ver algo na relação de vocês, embora os dois negassem. Agora entendo muitas coisas — admitiu a
garota, ganhando um olhar demolidor do irmão. — Ana... é mi... minha amiga — disse Álex, entrando na cozinha seguido de Guau. — E... eu quero que ela namore Rodri para que traga Dani. Estupefato com os comentários de sua família na cozinha, Rodrigo foi se levantar quando sua mãe, pegando-lhe a mão, olhou para ele com firmeza. — Sente-se e conte-nos o que é que há com Ana e com esse lindo menino de olhos azuis.
28
Para Ana, foi só pôr um pé na Espanha para que o trabalho a absorvesse totalmente. Tinha que cumprir prazos de vários contratos já assinados, e, às vezes, isso implicava ter que pegar o carro para ir e voltar de Valência ou de Sevilha no mesmo dia para dormir com seu filho em Madri. Com o passar dos dias tudo era muito exaustivo. Ela não descansava o suficiente e mal tinha tempo para reunir forças. Os dentinhos de Dani estavam nascendo, e, em muitas noites, ela não dormia direito. Embora Nekane a ajudasse, Ana era sua mãe e queria se dedicar cem por cento a ele. Nesses dias, tentou resolver um problema que não a deixava viver em paz. Armando-se de coragem, ligou para Rodrigo porque precisava falar com ele. Mas ele não atendeu. Ana lhe enviou centenas de e-mails pedindo desculpas, mas ele não respondeu a nenhum, e, por fim, ela desistiu. Estava claro que Rodrigo havia virado a página, e gostando ou não, tinha que respeitar. Certa tarde, mergulhada em uma sessão de fotos para a companhia de celulares Marax, Encarna entrou com o pequeno Dani no colo. Ana sorriu ao vê-la, mas a expressão da vizinha a deixou inquieta. — Que foi? — Ai... talvez seja uma bobagem, mas pus aquele termômetro de orelha nele, e está com um pouquinho de febre. E hoje estou ouvindo uns barulhinhos no peito que ele não tinha ontem, e isso não me agrada nem um pouquinho. — O que é que meu pequenino tem? — Perguntou Nekane, aproximando-se. Alarmada, Ana abandonou o que estava fazendo e pegou seu filho. Levou seus lábios à testa dele e o notou mais quentinho que o normal. — Que foi, bichinho? — Perguntou Ana com carinho. O menino sorriu. Mas ao ver que as modelos olhavam para ela, Ana entregou o menino a Encarna e disse: — Tenho mais duas horas aqui ainda. Dê o antitérmico que está na cozinha. A dose está escrita em caneta vermelha na caixa do remédio. — Tudo bem. Quando Encarna saiu do estúdio com o bebê no colo, Nekane olhou para sua amiga e a viu de cenho franzido. — Ora, mamãezinha — murmurou—, não se preocupe, com certeza é só uma gripe sem importância. — Eu sei, Neka, mas é que, ultimamente, quando não é uma coisa é outra, e já não me aguento em pé. — Normal. Você é uma cabeça-dura e não dorme o suficiente — reclamou Nekane. — Faz dias que te digo que você precisa descansar. Mas não... a super-heroína se recusa a me escutar. E suas olheiras, se é que te interessa, já estão começando a preocupar. E você está igual a um pau de virar tripa! — Que bom... — brincou —, pelo menos não tenho que me preocupar com isso. Emagreço sem me privar de nada. — Quer que eu leve o bebê chorão esta noite à casa de Calvin para você descansar? — Não, princesinha.
— Mas seria ótimo. Pense bem! — Insistiu Nekane. — Uma noite inteira de sono... amanhã é sábado, não vamos trabalhar, e... — Não! — Nossa! Depois dizem que os navarros é que são cabeça-dura. Ana sorriu e lhe deu um tapa na bunda. — Como diz o ditado: “Quem procura, acha”. Ande, vamos voltar ao trabalho. Quanto antes terminarmos, antes poderei voltar ao pequeno chorão. Nekane assentiu, e sem dizer mais nada, arregaçou as mangas. Assim como Ana, sabia que tinham que terminar aquela sessão com excelentes resultados, ou o trabalho se atrasaria. Mas a sessão durou mais do que ela esperava, e quando ambas voltaram a Encarna, a mulher estava sentada no sofá. — Dani está dormindo, e a febre baixou rapidinho com o remédio. Mas Ana, você devia levá-lo ao médico. — Tudo bem... — assentiu Ana, exausta —, amanhã eu levo. — Ela vai levar, Encarna. Não vê que ela é a uma supermãe!? — Debochou Nekane, entrando em seu quarto. Às dez, Neka saiu; ia passar a noite com Calvin. Ana ficou sozinha. Sem muita vontade, fez um sanduíche de peru e o comeu quando Dani lhe permitiu. Por fim, conseguiu fazer o menino dormir e se jogou no sofá com a intenção de ver um filme, mas estava tão cansada que, segundos depois, adormeceu. Não sabia por quanto tempo dormira, até que, de repente, o choro de Dani a acordou. Nesse momento, abriu-se a porta da rua e Encarna entrou, com bobes na cabeça e roupão. — Aninha, não está ouvindo Dani chorar? Ana pulou da poltrona e correu para seu quarto. Ao entrar, viu Dani totalmente inchado de tanto chorar. Com o coração apertado, rapidamente o pegou no colo para acalmá-lo, mas ao pousar os lábios na testa do menino, quase gritou ao sentir sua temperatura alta. Sem parar para pensar em Encarna, que a seguia, correu para a mesa da sala de jantar, e pegando o termômetro, colocou-o na orelha de Dani até que o instrumento apitou. — Trinta e nove e meio! — Gritou, assustada. — Ai, meu menino! — Disse Encarna, angustiada. Toda atrapalhada, pois o nervosismo a deixava totalmente paralisada, consultou o relógio. Quatro horas e doze minutos da madrugada. A seguir, olhou para a vizinha, e correndo para a porta, disse: — Vou levá-lo ao pronto-socorro. Encarna a segurou quando passou por ela. — Sim, querida, nós duas vamos ao pronto-socorro. Mas, primeiro, vista-se e agasalhe o bebê. Ou pretendem sair os dois de pijama? — Ai, Encarna! — Exclamou Ana, assustada. — Ele está com mais de trinta e nove de febre! A mulher, apesar de pequenininha, conseguiu fazer a jovem sentar no sofá e pegou o vidrinho do antitérmico. — Dê isso aqui para que o coitado relaxe um pouco. Depois, vá se vestir, e antes que termine, eu já estarei aqui vestida. Vou acompanhá-la ao hospital. Sem um pio Ana fez tudo que sua vizinha havia dito, enquanto Dani, apesar de sua febre altíssima, olhava para ela e até sorria. Encarna, antes que Ana terminasse de se vestir, já estava ali com seu casaco de tricô e um lenço na cabeça, disfarçando os bobes. Quando Ana chegou ao carro, deu o menino a Encarna, mas as mãos da garota tremiam tanto que a idosa, sem dizer nada, parou um táxi. — Se quisermos chegar ao hospital, é melhor irmos de táxi. Em seu estado não chegaremos a lugar algum. O táxi não pegou trânsito àquela hora, e vinte minutos depois as duas, com o bebê, entravam no
pronto-socorro de La Milagrosa. Assustada, Ana viu uma médica jovem despir Dani enquanto ele chorava. Depois de auscultá-lo e mandar fazer uns raios-X do peitinho dele, disse: — Do jeito que ele está agora, vou interná-lo. — Internar? — Murmurou Ana com um fio de voz. — Mas, o que ele tem? A médica, ao ver que a garota podia desmaiar de uma hora para outra, fez que se sentasse, e olhando para a mulher de bobes na cabeça que a acompanhava, acrescentou: — Ele está com uma bronquiolite severa demais para o tamanho dele. — Por isso meu pequenino chorava tanto — assentiu Encarna. — O que é isso? — E sem deixar a médica responder, a mãe, nervosa, continuou: — Eu o levei ao pediatra e ele disse que era um simples resfriado. — Não duvido de tenha começado assim, mas o resfriado se complicou um pouquinho — acrescentou a médica, que viu Ana abalada. — A bronquiolite é uma infecção que afeta os bronquíolos, que são os pequenos condutos que ficam no fim dos brônquios, em contato com os pulmões. Esses pequenos condutos inflamados em Dani é o que dificulta sua respiração. Por isso ele respira tão rápido e ouvimos esses assobios. Agora, temos que observar para que essa bronquiolite se cure bem para que Dani não tenha tendência a asma no futuro. Para Ana, tudo o que aquela médica dizia parecia chinês. Nunca havia se preocupado com doenças, mas com os olhos arregalados, escutou tudo que ela dizia. — Portanto, mãe — acrescentou a médica com um sorriso —, seu bebê tem que ficar uns dias internado. Mas, fique tranquila, embora ele fique em um quarto especial, você poderá vê-lo sempre que quiser, certo? Ana assentiu, e incitada por Encarna, levantou-se, pegou o bebê, que pedia seu colo, e o abraçou. Às sete da manhã Ana convenceu Encarna a voltar para casa. A mulher, no início, resistiu, mas Nekane e Calvin chegaram e quando ele ofereceu-se para levá-la, cedeu. Às nove da manhã, quando as jovens estavam sozinhas no corredor do hospital, Ana olhou para sua amiga, e com os olhos cheios de lágrimas, perguntou: — Neka, você acha que eu cuido bem de Dani? — Claro que sim! Que bobagem é esta? Desesperada com o que estava acontecendo, Ana afastou a franja dos olhos. — E por que não percebi antes o que ele tinha? — Porque você não é médica, é mãe de primeira viagem — respondeu Nekane, entendendo o malestar de sua amiga. Andando de um lado para outro, a jovem mãe sussurrou: — Eu devia tê-lo trazido ao médico ontem à noite, quando Encarna falou dos assobios e... — Ana — interrompeu a navarra —, dois dias antes o pediatra havia dito que Dani estava resfriado, mas bem. Portanto, não se torture, porque nada disso é culpa sua. Eu a conheço e sei o que está pensando. Essas coisas acontecem com muitas crianças, e Dani não ia ficar de fora — e, com carinho, sussurrou, segurando as lágrimas: — Vamos, pare de chorar! Às vezes você é mole demais. Então Ana sorriu, e Nekane pôde afrouxar sua resistência, e as lágrimas rolaram por suas faces. — Agora quem é a molenga? Durante alguns segundos ambas ficaram caladas, até que Ana, querendo contar uma coisa, disse: — Liguei várias vezes para Rodrigo. — Ligou? — Perguntou Nekane, enxugando as lágrimas. — Sim. Mandei até e-mails, mas nada, ele não quer saber de mim. Até me excluiu do Facebook. E, sinceramente, não me surpreende — suspirou. — Eu fui a pessoa mais rancorosa do mundo com ele.
— Sim, foi, não vou negar — mas, surpresa, sussurrou: — Ora, Ana, como pôde esconder isso de mim? — Neka... — Por que não me contou? Se houvesse me falado, Calvin e eu poderíamos ter tentado fazer vocês se encontrarem. Calvin sugeriu que armássemos um encontro, mas eu achei que... — Neka, eu estava tão envergonhada pelo que fiz que... — afastando a franja do rosto, continuou depois de fazer uma pausa — ...que o orgulho me cegou e não me deixou ver a realidade, e acho que nunca mais vou encontrar alguém que ame a Dani e a mim como ele amava nem ninguém que me entenda com um simples olhar como Rodrigo. Como pude ser tão boba? — Os seres humanos são assim. Mas também sabem consertar as coisas. — Isso quando nos deixam — suspirou Ana, pesarosa. — Eu queria que Rodrigo me desse a chance de falar com ele, mas todas as portas estão fechadas, e... — Só te resta aceitar — interrompeu Nekane. — Sinto tanta falta dele que... — Tudo bem, chega de tortura chinesa. Eu te conheço, vai ficar se lamentando e daqui a dez minutos vai acabar chorando como um bezerro desmamado. Portanto, chega! — Insistiu a navarra. — Neka, eu o amo, e preciso dele. Sei que sou uma mulher forte e que vou conseguir prosseguir com minha carreira e criar meu filho sozinha, mas também sei que preciso que Rodrigo sorria para mim e me diga que sou uma brega porque gosto de Luis Miguel — ambas sorriram. — Ou que fique bravo comigo porque choro pela enésima vez ao ver um dos nossos filmes. E já nem digo o que eu daria para que me ele me abraçasse e dissesse que tenho cheiro de pêssego... — Puta que pariu, você está perdidamente apaixonada! Como não me contou nada? Sinceramente, Ana — protestou Nekane, furiosa —, é para matar você! Depois de suspirar, a jovem, segura do que estava dizendo, acrescentou: — Acho que me apaixonei por ele no primeiro dia que o vi. No dia em que ele salvou Encarna. Quando vi aquele pedaço de mau caminho vestido de bombeiro, sorrindo com aquelas covinhas que marcam seu rosto, juro que senti algo estranho e especial. Meu problema foi que eu não soube aceitar que ele não sentia o mesmo naquele momento, e agora, vendo as coisas com calma e na distância, percebo tudo que fiz de errado. — Esqueça-o, Ana. É o melhor que você pode fazer. Ao escutar aquela sugestão categórica, Ana olhou para sua amiga e perguntou com curiosidade: — Você o tem visto ultimamente? — Sim. — E como ele está? Bem? Incomodada com aquela conversa, Nekane suspirou: — Eu só o vi duas vezes, e, em ambas, me pareceu normal. Como sempre. Calado e observador. Mas Calvin diz que ele anda com um humor dos diabos ultimamente. — Está saindo com alguém? — Ana — respondeu Nekane —, você sabe que Rodrigo não é monge, e nas duas vezes que o vi ele estava muito bem acompanhado. Quer continuar se torturando, ou isso já é o bastante? Com o coração arrasado, Ana suspirou. — É o bastante. Tendo sido avisados por Ana, naquela tarde Frank, Teresa e Lucy chegaram de Londres, e só se acalmaram quando puderam ver Dani. Teresa não pôde segurar o pranto ao contemplar seu netinho dormindo, com o soro no braço imobilizado e o oxímetro no dedinho. Ana a levou para fora e em seu lugar entrou Lucy, enquanto seu pai ficava com a avó chorosa.
— Teresa, pelo amor de Deus — queixou-se Frank—, estamos aqui para dar apoio a Ana, não para que ela sofra por nós também. — Ai, Frank! — Disse ela, enxugando as lágrimas. — Eu sei, querido. Mas ao ver meu menino, tão pequenininho, ligado a essas máquinas, eu... eu... — Teresa — disse Nekane, apoiando-se em Calvin —, Dani é um menino forte, e isso é só um contratempo. Fique tranquila, em dois dias ele já estará em casa dando trabalho. Frank, sabendo que sua mulher nunca havia sido forte para essas coisas, abraçou-a e lhe deu um beijou na cabeça. — Ouça, Teresa, Ana precisa de nós, e temos que ser fortes por ela. Quinze minutos depois, Ana saiu da sala onde Dani estava. Estava cansada e com olheiras, mas ninguém conseguiu convencê-la a ir para casa descansar. Depois de ser abraçada e mimada por seu pai, Calvin pegou-lhe o braço e disse: — Vamos à lanchonete comer alguma coisa. Você está precisando. — Não estou com fome. — Precisa comer, Ana — insistiu Nekane, preocupada. Com uma expressão infantil que deixou todos de coração partido, ela murmurou: — Prefiro ficar com Dani. Nana está lá dentro com ele... — Ana — insistiu Calvin, pegando-lhe a mão. — Você não comeu nada o dia todo, e se não se cuidar, não vai poder cuidar de Dani. Portanto, vamos comer alguma coisa. Teresa balançou a cabeça, e pegando o rosto de sua filha, murmurou, dando-lhe um beijo: — Eles têm razão, Ana Elizabeth. Você precisa comer, tesouro, senão, vai ficar doente. Vá jantar com eles. Papai e eu vamos ficar com o bebê. — Vá tranquila, querida — disse Frank após trocar um olhar com Calvin. — Vá até a lanchonete e relaxe um pouco enquanto janta. Nós ficaremos com Dani. Vendo que não podia lutar contra todos, por fim assentiu. Nekane, Calvin e ela desceram até o primeiro andar, onde se sentaram na lanchonete para jantar. Meia hora mais tarde, Ana viu Elisa entrar, acompanhada por vários familiares; era a mamãe do bebê que estava ao lado do bercinho de Dani. A mulher se aproximou e murmurou, fazendo-a sorrir: — Aqui estou. Vim comer alguma coisa para que me deixem em paz. — Vocês têm que comer alguma coisa — disse Nekane com carinho. — Tudo bem lá em cima? — Perguntou Ana. Elisa assentiu e se afastou; mas antes de chegar ao balcão onde estavam seus acompanhantes, voltou-se e disse: — A propósito, o pai do bebê é muito educado e encantador. E não é de estranhar que Dani tenha esses olhões; são iguaizinhos aos do pai! Dito isso, a jovem deu meia-volta e se afastou. Nesse momento, o coração de Ana parou. Olhando para Calvin, cuja expressão mudou, perguntou com um fio de voz: — Rodrigo está aqui? — Caralho! — Sussurrou o jovem, tocando a cabeça. — Puta que pariu, mas que traidor você é! — Sibilou Nekane, perplexa. — Calvin, por favor, responda: Rodrigo está aqui? — Insistiu Ana. Ao se ver encurralado, por fim Calvin assentiu. E quando viu que ela se levantava, segurou-lhe a mão e ordenou: — Não suba. Ele só veio ver Dani. Surpresa e confusa, Ana se sentou de novo, enquanto Nekane sibilava: — Calvin, quem mandou você ligar para ele? — Ninguém.
— E por que ligou? — Perguntou a navarra ao ver os olhos marejados da amiga. — Princesa, Ana, desculpem, mas se eu não ligasse não ia conseguir dormir tranquilo pelo resto da vida. Sei como Rodrigo adora Dani, e não podia deixar de lhe dizer que o menino estava internado. A cabeça de Ana funcionava a mil por hora. Rodrigo estava ali. Estava com seu filho lá em cima, e ela queria vê-lo. Precisava vê-lo. Por isso, ignorando o que Calvin havia dito, passou por cima de sua amiga e correu para a escada, e teve a sorte de conseguir entrar no elevador. Neka e Calvin foram atrás dela, mas não a alcançaram. — Caralho! — Protestou Calvin, pegando seu celular. — Rodrigo vai me matar. Eu lhe prometi que distrairia Ana para que ele pudesse ver o menino. — Pode ter certeza de que se ele não o matar, mato eu. Tratante! — Sibilou Nekane. Mas, instantes depois, com um sorriso, acrescentou: — Você é o melhor, meu amor. O melhor. Atônito, Calvin olhou para ela, e satisfeito, beijou-a, dizendo: — Não dá para entender você, mas reconheço que a cada dia te amo mais. Quando o elevador parou no segundo andar, Ana, com a pulsação a mil, saiu e correu pelo corredor. Precisava ver Rodrigo. Sua mãe e sua irmã olharam para ela, mas sem dizer nada, Ana entrou com urgência na sala onde estava seu filho. De longe viu seu pai, mas quando se aproximou, ficou sem palavras ao ver que estavam só ele e Dani. Frank, ao ver o rosto da filha e entender o que ela estava procurando, ia dizer algo, mas ela, voltando-se, saiu. Passando de novo diante de sua mãe e sua irmã, que olhavam para ela espantadas, correu para a escada. Rodrigo não podia estar longe, tinha que encontrá-lo. Desceu os degraus de cinco em cinco e correu sem fôlego pelo corredor até chegar à saída do hospital. Quando chegou à rua, acalorada, olhou para os lados com urgência, procurando-o entre as pessoas. Mas, minutos depois, praguejou em silêncio e desistiu. Exausta pela corrida, apoiou as mãos nos joelhos enquanto lágrimas de frustração corriam por seu rosto. Então, ouviu a voz de seu pai atrás de si: — Ana... querida... — Papai, por que ele não quer me ver? — Explodiu sem olhar para ele. — Eu... eu preciso lhe dizer que fui uma imbecil, uma boba e que ele tinha razão quando disse que com o tempo eu veria o mal que havia feito. Eu liguei para ele, escrevi, procurei-o, mas nada, papai, ele não quer saber de mim. E preciso lhe dizer que o amo e pedir que me perdoe. Morro de vontade de que ele faça parte de minha vida e de Dani, mas receio que não seja mais possível. Rodrigo, definitivamente, não quer saber de mim. Frank, que estava atrás dela comovido com o que Ana dizia, olhou para o homem emocionado que se encontrava a sua direita e deu-lhe um aperto no ombro. Afastando-se de sua filha sem dizer nada, deu meia-volta e foi embora. Exausta e com raiva por não ter conseguido encontrar Rodrigo, Ana enxugava as lágrimas quando, de repente, ouviu perto de sua orelha: — Esse seu cheiro de pêssego me deixa louco. Ao ouvir aquela voz, Ana deu meia-volta e viu diante de si o homem que tanto desejava ver. Sem pensar nem se importar com os que os observavam, pulou no pescoço dele e o abraçou. — Desculpe... desculpe. Sei que sou péssima, e desde que você me conheceu aconteceram coisas que nunca teriam acontecido se eu não estivesse no meio, mas desculpe. — E sem deixá-lo falar, prosseguiu: — Fui uma imbecil por não querer dar o braço a torcer, e entendo que o que aconteceu no pub naquela noite com aqueles animais foi culpa minha. Eu não sabia o que estava fazendo, e nunca pensei que pudessem bater em você. Ah, Meu Deus! Eu estava com tanta raiva por tudo que criei uma confusão e disse coisas horríveis de você. Mas juro, Rodrigo, que nunca imaginei que aqueles sujeitos iam machucá-lo, nem aos outros, nem que iam destruir seu carro, nem... — Ana... — interrompeu ele. Mas ela continuou:
— E no dia seguinte, quando Neka me disse o que eu havia feito com meus insultos, eu quis morrer. Você havia apanhado por minha causa! Eu liguei, mas você estava com tanta raiva que... — Vamos esquecer isso tudo. — Você precisa me perdoar — rogou ela com os olhos arregalados. — Todos me perdoaram, exceto você, e eu preciso que me perdoe. — Já perdoei faz tempo, querida — murmurou ele, louco de amor. Ana franziu o cenho, e sem se afastar, perguntou: — Então, por quê... Rodrigo, entendendo a pergunta sem que ela precisasse concluir, cobriu-lhe a boca com as mãos e sussurrou: — Meu orgulho estava ferido, e embora eu tenha tentado odiá-la e esquecê-la por causa de tudo que havia acontecido desde o momento em que a conheci, foi impossível, porque sou louco por você — Ana sorriu. — Você se transformou, como diz seu amado Luis Miguel, em parte de minha alma. Gosto de seu sorriso, de seu cheiro, de seus olhinhos quando está tramando alguma coisa, de seu rosto inchado quando chora depois de ver seus filmes românticos. Fico louco vendo você tocar a orelha quando mente, e corar quando eu me aproximo. E não consigo mais ser feliz se não a vir fazendo essas coisas. — Você não esquece nada... — Não quando se trata de você. Emocionada, Ana não sabia nem o que responder. Rodrigo estava dizendo tudo o que ela queria ouvir desde que o conhecera. Surpresa, ela murmurou, olhando para aquelas covinhas que adorava: — Eu achei que você me odiava e não queria mais saber de mim. — Eu nunca poderia odiá-la, linda. E sempre soube tudo o que se passava com você e Dani. — E piscando para ela, murmurou: — Tenho meus informantes. — Sério? — Totalmente sério. Três pessoas sempre me mantiveram a par de todos os seus movimentos. — Uma eu já posso imaginar — disse Ana rindo ao pensar em Calvin. — Mas, e os outros dois? O bombeiro, adorando senti-la tão perto e receptiva, enroscou sua mão enorme naquele cabelo escuro e curto de que tanto gostava. — Uma galega maravilhosa que... — Encarna?! — Isso mesmo! — Exclamou ele sorrindo ao recordar o exemplo da rosquinha. — Ela me ligou hoje de manhã, depois de Calvin, para dizer que Dani estava no hospital, e disse para eu deixar de ser idiota, e que se realmente a amava, era para eu me mexer rapidinho porque você precisava de mim. — Essa galega! — Disse Ana sorrindo ao pensar em sua vizinha. — Se não cheguei antes foi porque estava em Cádiz com minha mãe e meus irmãos. — E ao vê-la sorrir, acrescentou: — Encarna sempre foi minha grande aliada na sombra. Graças a ela eu soube onde você ia jantar aquela noite com o modelo iraniano. Depois, só tive que ligar para o restaurante e pedir a Esmeralda que pusesse uns talheres a mais na mesa de vocês. Tocando com carinho o rosto de Rodrigo ao recordar aquela noite fatídica, a jovem sussurrou: — Desculpe, querido; desculpe por tudo que você passou aquela noite. Ouvi-la chamá-lo de “querido” era a coisa que mais desejava no mundo. Deu-lhe um beijo doce. — Eu sei, fique tranquila. Mas, a partir de agora, só vou deixá-la beber licorzinho com chocolate em pó, e vou mantê-la longe do karaokê — e ao vê-la sorrir, perguntou: — Não imagina quem é meu
terceiro informante? — Ela negou com a cabeça, e ele, surpreendendo-a, respondeu: — Eu estive em Londres uma tarde, no Natal, com seu pai e Dani. — Meu pai? — Sim, querida. — Em Londres? — E ao recordar uma coisa, perguntou: — Foi com eles ver os cavalos? Rodrigo assentiu, feliz. — Sim. Seu pai e eu tivemos uma conversa muito interessante, e depois, levamos Dani para conhecer Caramelo de Chocolate. A propósito, ele adorou! Pasma com o que Rodrigo estava contando, mas satisfeita, ia responder quando ele, cravando seus impressionantes olhos azuis nela, disse: — Ouça, querida. Você sabe que não sou de canções românticas, mas preciso dizer que amo você e Dani. E hoje, quando soube que meu pequeno estava no hospital e eu não estava a seu lado, quis morrer. E sabe por quê? — Ela negou com a cabeça, e ele sentenciou: — Porque você é meu amor e ele é meu menino — Ana, emocionada, não sabia se ria ou chorava. Optou por rir, enquanto ele prosseguia: — E minha vida sem vocês de repente deixou de fazer sentido e começou a ser uma mentira. Precisava de vocês a meu lado para cuidar e mimar, e cada vez que eu a via com outro, que não eu, morria de ciúmes. — Pelo que soube, você andou bem acompanhado... Sem afastar os olhos dela, ele acariciou-lhe o cabelo e os lábios. A doçura dela, e aqueles olhos verdes, deixavam-no louco. Ana era seu mundo, e ela precisava saber. Por isso, depois de beijá-la possessivamente, murmurou perto dos lábios dela: — Ana, eu precisava reinventar minha vida depois de sua passagem. Mas no dia em que seu pai me disse que tinha certeza de que você continuava sentindo algo por mim, tudo mudou de novo. E embora, por causa do orgulho, eu tenha demorado a dar o passo, aqui estou! Pronto para amá-la e mimá-la como você merece, com a esperança de que me aceite e me dê uma chance — Ao ver como ela o olhava, pegou-lhe o rosto e acrescentou: — Querida, se quiser, desta vez vamos fazer as coisas direito. E assim que Dani sair do hospital, você e eu vamos ter nosso primeiro encontro. E depois o segundo, o terceiro e todos os que você quiser. Prometo ser um cavalheiro para fazê-la se sentir como uma rainha. E espero que num futuro não muito distante você queira morar comigo, porque senão — disse com convicção —, eu é que vou morar com você e meu menino, quer a louca da Nekane goste ou não. — Isto é uma proposta? — Perguntou Ana, deliciada. — Sim, uma proposta totalmente decente. — Aceito todas as suas propostas — afirmou ela, suspirando e se aproximando de novo —, mas vou transformar a decente em totalmente indecente. Já sabe como ficam meus hormônios quando estou perto de você. Rodrigo sorriu. Aquilo era o início de algo que desejava muito. Feliz, beijou-a de novo. Sentir de novo seus lábios mornos e tudo que encontrava neles era o que necessitava. Ficaram um tempo trocando carinhos, até que o som estridente de uma ambulância que chegava os fez perceber que estavam no meio da rua. Decidiram voltar abraçados para junto do bebê. Quando entraram no hospital com a felicidade no rosto, enquanto esperavam o elevador, Rodrigo recordou algo. E olhando para ela, perguntou: — A propósito, é verdade que você disse a minha mãe que ela era sinistra como a bruxa de A Pequena Sereia? Ana franziu o cenho tentando encontrar uma resposta para aquilo. Sabia como Úrsula era importante para Rodrigo, e a última coisa que queria era mais um mal-entendido. Agora não. Mas, quando foi responder, o bombeiro, feliz e enlouquecido pela ternura que aquela moreninha o fazia
sentir, levantou-a nos braços, e pousando seus lábios nos dela, murmurou: — Meu pesseguinho, eu te amo tanto que nada pode estragar isso.
EpĂlogo
Londres, meses depois — Neka... ele vai cair! — Gritou Ana ao ver seu filho se soltar da poltrona. — Vamos, fofinho... vamos — estimulou a navarra. O menino começava a dar seus primeiros passos. Feliz, caminhou para Nekane, e Ana, emocionada, aplaudiu. O pequeno Dani completava um aninho nesse dia, e ela estava emocionada. — Como você é bonito! Venha aqui, que vou morder você todinho! — Gritou Encarna, enlouquecida, ao ver o menino caminhar hesitante. Carolina, irmã de Rodrigo, estava com a filha de Rocío no colo, olhando pela janela. — Acabou de chegar um carrão. Ana foi olhar, e ao ver o Rolls-Royce de seu pai, disse, nervosa: — Isso quer dizer que temos que nos apressar — e olhando para a amiga, acrescentou, abanandose: — Neka... acho que vou ter um troço. — O caralho, minha linda — protestou a outra, aproximando-se. — Faça o favor de não ser dramática como sua mãe e respirar, senão vai ficar azul. Rocío, Encarna e Carolina se olharam, mas ao ver que Ana começava a gargalhar, relaxaram. Nekane perguntou: — Puta que pariu, Ana, está rindo de quê? Bebeu? Divertindo-se, Ana ia responder quando a porta se abriu e diante dela apareceram Teresa e Úrsula, elegantes e cobertas de joias. As duas consogras, desde que se conheceram haviam se dado maravilhosamente bem, e Ana curtia essa conexão. Emocionada por ver a felicidade no rosto de sua filha, Teresa a abraçou. — Ana Elizabeth, tesouro, você está deslumbrante! — Obrigada, mamãe. Você também está muito linda. Úrsula, satisfeita com a felicidade que vira no rosto de seu filho e com o dia maravilhoso que tinha pela frente, aproximou-se da jovem, e pegando-lhe as mãos, observou: — Você está linda. Quando Rodrigo a vir, vai ficar sem palavras. — Obrigada, Úrsula, é o que espero! A propósito, você também está linda — respondeu para elogiá-la. Enquanto Teresa se dirigia a seu neto com a intenção de fazer gracinhas, Úrsula pegou a mão de Ana e atraiu sua atenção. — Rodrigo está impaciente para vê-la. Eu só vim rapidinho para lhe entregar isto — pôs na mão de Ana uma fina pulseira de cristais brancos, e acrescentou: — Esta pulseira foi presente da mãe de Ángel quando me casei com ele, e ela me fez prometer que um dia a entregaria à minha nora, assim como ela a entregava a mim. Agora, você tem que me prometer que quando Dani se casar, fará o mesmo. É uma tradição familiar. Emocionada com o carinho que aquela mulher tão rígida dava a ela e a seu filho, Ana assentiu e a abraçou. — Eu prometo. Úrsula sorriu, e aproveitando o momento, disse: — Ana... que lição de humildade você me deu! Ainda me lembro de quando você me perguntou se eu achava que classe vinha com dinheiro, e eu, como uma boba, disse que sim. Como eu estava
enganada, filha... tão enganada... — Úrsula — respondeu Ana, sorrindo com carinho —, eu sempre achei que devemos gostar das pessoas pelo que elas são, não pelo que têm — e entregando-lhe a pulseira, pediu: — Pode pôr em mim? Se é uma tradição familiar, não podemos quebrá-la. A mulher assentiu, comovida, e enquanto fechava a pulseira, murmurou: — O casamento, e tudo que o implica, está sendo uma surpresa maravilhosa para mim. — Pois então, prepare-se, Úrsula — brincou Ana ao pensar nos convidados —, por que um dia cheio de novidades alucinantes a espera. A porta do quarto tornou a se abrir e entrou Lucy com um deslumbrante vestido champanhe. Ao ver sua irmã, gritou: — Patooooooo! Você ficou ótima neste Vivienne Westwood divino! Eu sabia que ia ficar linda. Quando aquele bombeiro lindo a vir, vai ficar de queixo caído. — Obrigada, Nana. Ana, sorridente, olhou-se no espelho, e alisando a saia de tule de seu lindo vestido de noiva, suspirou. Ali estava ela com um vestido de noiva caro e espetacular, pronta para se casar com o homem que a fazia feliz cada segundo de sua vida. De novo a porta se abriu e surgiu Frank. Olhando para Úrsula, disse: — O carro a está esperando para levá-la de volta ao hotel. — Isso, querida — disse Teresa —, vá buscar o noivo para levá-lo à igreja. Úrsula sorriu. — Garanto, Teresa, que mesmo que eu não chegue, Rodrigo irá à igreja. Então, a mulher deu um beijo carinhoso no rosto de Ana, e de braço dado com sua filha Carolina, foi embora. Tinham que ir ao hotel buscar Rodrigo para ir à Catedral de St Paul. Depois que elas saíram, Teresa olhou para sua filha e sussurrou: — Que encanto de mulher! E a menina, Carolina, é uma graça. Nekane, Encarna e Ana se olharam, e calando tudo que sabiam, sorriram e assentiram. Úrsula estava mudando, e merecia uma chance. Meia hora mais tarde, depois de tirar centenas de fotografias na sala, Frank olhou para o relógio e disse: — Garotas, hora de ir! Teresa, histérica, urgiu as demais mulheres para que entrassem nos carros, e juntas, seguiram para a Catedral de St. Paul. Depois, olhou para seu marido e para a filha, e acrescentou: — Vamos... um casamento espera por nós! Quando chegaram à catedral, Ana desceu do carro e deu o braço a seu pai. Estava uma pilha de nervos, mas um estranho regozijo percorria seu corpo. Jamais havia imaginado fazer uma cerimônia como aquela, mas ali estava, caminhando com seu pai pronta para se casar com o homem que amava. — Você é a noiva mais bonita que já vi na vida, minha querida, e sei que Rodrigo vai fazê-la muito feliz — murmurou seu pai ao notar o nervosismo dela. Ana assentiu, e como sempre que ficava nervosa, ficou toda atrapalhada. Quando entraram na catedral, ficou sem fala ao ver Rodrigo ao lado da mãe, a madrinha, mais bonito do que nunca com aquele fraque escuro. E hipnotizada por aquelas covinhas que marcavam seu rosto, sorriu. Enquanto caminhava pelo corredor de braços dados com seu pai, seu olhar encontrou o de centenas de pessoas de certo modo desconhecidas para ela, e quando chegou às primeiras filas, seu sorriso se abriu. Ali estava Calvin, ao lado de Nekane e Encarna, emocionadas, e o pequeno Dani. Ao lado deles, felizes, estavam Popov, Esmeralda, Julio, Rocío e a pequena Rociito. No banco da frente, ao lado de Teresa estavam o pai de Rodrigo, Ángel, e Álex e Carol, entusiasmados. E a seguir, viu sua irmã, Nana, com seu novo namorado. Ali estavam todas as pessoas que sempre estiveram a seu lado, e isso a
emocionou. Quando seu pai soltou seu braço e entregou sua mão a Rodrigo, este a pegou com força e dandolhe um beijo casto no rosto, sussurrou: — Você está mais bonita do que nunca. Ana suspirou, e oferecendo-lhe um sorriso esplendoroso, comentou: — Estou tão nervosa que não consigo nem falar. Rodrigo sorriu, e dando uma piscadinha, a confortou. Quando a bela cerimônia acabou, a felicidade tomava o ambiente. Os noivos estavam radiantes e posaram para centenas de fotos, até que, por fim, os convidados seguiram para a casa de verão que os pais de Ana tinham em Wembley — foi a única condição que Ana impôs. Uma vez ali, todos desfrutaram os manjares deliciosos que Teresa se encarregara de supervisionar, e Úrsula mal conseguia comer ao se ver cercada de toda aquela gente tão importante. Quando chegou a hora de abrir o baile no enorme e bem decorado jardim de Wembley, os noivos se olharam com resignação, mas, sorrindo e animados, foram para a pista. Quando começaram a tocar os primeiros compassos de Usted, um lindo bolero que Luis Miguel costumava cantar, Ana, espantada, olhou para seu marido. Rodrigo, com um sorriso, perguntou: — Surpresa? — Sim... Encantado ao ver que a deixara feliz com aquele detalhe bobo, ele sorriu, e aproximando a boca do ouvido de sua linda mulher, murmurou, deixando-a a mil: — Como diz a canção, você me desespera, me mata e enlouquece, mas eu daria a vida para beijá-la mil vezes. Sem se importar com as centenas de olhos que os observavam, Ana, ficando na ponta dos pés, levou os lábios aos de seu marido e o beijou. Senti-lo tão entregue à tarefa de fazê-la feliz e sentir sua sensualidade a deixavam louca. Depois dos aplausos dos convidados àquela demonstração de carinho tão passional, sorriram. Rodrigo, após trocar um olhar com sua mãe, sussurrou: — Hoje é um dos dias mais felizes da vida de minha mãe. Você viu o sorriso dela? Ana observou Úrsula e sua mãe conversando com a mulher do primeiro-ministro. Deixando-se levar pelo momento, disse: — Garanto que da minha também. Que festa que ela fez para nós! Felizes ao ver as mães adorando tudo aquilo, soltaram uma gargalhada. Três horas mais tarde, depois de dançar com quase todos os convidados, Ana procurou seu marido, pegou-o pela mão e o puxou. — Venha... Ele a seguiu sem entender aonde o estava levando, e quando ela o colocou dentro de um pequeno armário embaixo da escada na entrada do enorme chalé, entrou e o trancou por dentro, ele perguntou: — O que estamos fazendo aqui, senhora Samaro? Cheia de desejo, excitada pelo momento, Ana se jogou nos braços dele e o beijou como queria há horas e, surpreendendo-o, murmurou: — Realizando uma das minhas fantasias desde que cheguei com você a esta casa. Boquiaberto, pois ouvia as pessoas subindo e descendo a escada, olhou para ela e perguntou: — Ana... você pretende que... — Isso mesmo! Pretendo — interrompeu ela, tirando o fraque dele com urgência. — Mas agora? — Sim. — Aqui?
Cada vez mais divertida com a expressão dele, Ana sussurrou, fazendo-o rir: — Nossa, mas que caretaaaaa! Enlouquecido com tudo o que ela o fazia sentir, Rodrigo assentiu, e jogando o fraque no chão, agarrou sua linda mulher para puxá-la para si, e erguendo com urgência o volumoso vestido de noiva, murmurou, aceitando o desafio: — Pesseguinho, agora vou te mostrar como sou careta.
1 Plum cake: bolo de frutas muito apreciado no Reino Unido (N. da E.)
Table of Contents Créditos Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Epílogo