Revista LaCreme 10

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EDITORIAL LACRÈME 1

Visionários

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capa desta edição da LACRÈME estampa um trabalho assinado por Edoardo Luciano Marras (1906-1981), personagem relevante para a história de Poços de Caldas principalmente pelas iniciativas pioneiras que resultaram no aprimoramento do entretenimento local. Edoardo terá vida e obra (foi empresário e pintor – retratava pessoas comuns e artistas de cinema, além de temas que o interessavam apenas pelos desafios estéticos) homenageadas em exposição agendada para o início de maio no Chalé Cristiano Osório do Instituto Moreira Salles – Poços de Caldas. O assunto é tratado na reportagem “Edoardo Marras: artista, empresário e visionário” por Stelio Marras, colunista da revista (Stelianas), professor de Antropologia do IEB-USP e filho do personagem. Com elegância e inteligência, Stelio retoma a existência e as contribuições de Edoardo e, de passagem, vincula tudo isso a aspectos conjunturais nacionais e internacionais. O resultado? Um texto delicioso e repleto de imagens inéditas!

Por falar em imagens – e em homenagem –, esta 10ª edição também aborda o trabalho do fotojornalista paulista João Bittar (1951-2011), autor do mais célebre retrato não oficial de Luiz Inácio Lula da Silva. Durante um encontro de metalúrgicos realizado em 1979 no Palace Casino, em Poços de Caldas, o ex-presidente Lula, então uma enorme pedra no sapato da ditadura militar, foi fotografado por Bittar exibindo desbragadamente o umbigo. Em documentário assinado por Egberto Nogueira, Bittar, visionário, afirma: “Fotografia é uma coisa profética!”. A foto – e Lula – correram o mundo. Comida di Buteco (com queijo de Minas), Flipoços, o café fair trade da Spress, uma entrevista com Dino Soares de Arruda Filho (da Fungotac), a Itália pelas lentes de Daniela Alvisi, livro novo (memórias) de Chico Lopes, a trajetória do simpático Riachão, poema de Manoel de Barros... A LACRÈME 10 está mesmo irresistível. Boa leitura!◄ Ricardo Ditchun e Valéria Cabrera, editores


LACRÈME 10 · Abril / Maio de 2012 Direção Cynthia Spaggiari Direção de arte Fernando Goulart Edição Ricardo Ditchun Valéria Cabrera Jornalista responsável Valéria Cabrera (Mtb 22.547)

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Design Thiago Pagin Fotografias André Fonseca de Paiva Daniela Marco Antonio Alvisi Fabio Riemenschneider Fernanda Buga Gil Sibin Heloisa Ballarini João Bittar Tathy Naila

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Ilustrações Andrei Marani Fernando Goulart Colaboraram nesta edição Chico Lopes Daniela Marco Antonio Alvisi Fabio Riemenschneider Giovanna Spaggiari Lorena Lake Manoel de Barros Otto Goulart Roberta Ecleide Kelly Stelio Marras Agradecimentos Chico Lopes Egberto Nogueira Família Marras Heloisa Ballarini Laticínios Tapicó Santos Donizeti Ignácio Teodoro Stein Carvalho Dias Walter Ferreira Andrade e família

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Publicidade contato@revistalacreme.com.br Parque Editora parque@parque.art.br · Tel.: 35 3721-1572 www.revistalacreme.com.br

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Negócios: a energia da NeoNutri Prepare-se para o Flipoços 2012 Os 80 anos da Fungotac Fotojornalismo: o umbigo famoso VERVE, por Chico Lopes Café: Spress busca selo Fair Trade Gastronomia: queijo Minas Turismo: a arte e a história da Itália PSIU!, por Fabio Riemenschneider NEPE, por Roberta Ecleide Literatura: Chico Lopes lança livro de memórias Sulfurosos da Gema: senhoras e senhores, Riachão A história de Edoardo Marras Roteiro Cultural CHECK-IN, por Gil Sibin CRÔNICA, por Ricardo Ditchun

CADERNO VERDE A correta destinação do óleo de cozinha Congresso de Meio Ambiente, edição número 9 POESIA, por Manoel de Barros

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NEGÓCIOS

NeoNutri energia esbanja

texto Ricardo Ditchun fotos Thaty Naila

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nergia, vitalidade, qualidade e desempenho são ferramentas fundamentais para a existência do homem contemporâneo. Elas sempre estão na mira de quem procura viver, trabalhar e praticar atividades físicas de modo otimizado. De olho nessas necessidades, a NeoNutri Ltda., empresa poços-caldense presidida por Juliano Moreno, atua com destaque no segmento nacional de suplementos nutricionais desde fevereiro de 1998, quando ingressou no mercado com apenas dois produtos. “O ano que vem será, portanto, muito importante, pois celebraremos nosso 15º aniversário”, afirma Juliano. Mais que uma data a ser comemorada, 2013 significará ainda o início da fase de desenvolvimento mais relevante da história da NeoNutri. Atualmente, a empresa desenvolve suas operações em unidades que, juntas, somam aproximadamente 3 mil metros quadrados. No ano que vem, segundo Juliano, as atividades industriais passarão a ocorrer de modo unificado em uma planta única de 7 mil metros quadrados localizada no Distrito Industrial de Poços de Caldas. “A conclusão do prédio está prevista para o fim deste ano e, é claro, a inauguração será o ponto alto de nossos 15 anos”, afirma Juliano. Mais empregos Na prática, a mudança de sede da NeoNutri – um investimento de R$ 7 milhões – abre perspectivas promissoras de expansão dos negócios. A média recente de lançamentos novos é de dez produtos por ano, ou o equivalente a 15% de crescimento a cada exercício. Geradora de 120 empregos diretos e 360 indiretos, a empresa espera admitir outros 12 colaboradores por conta da nova sede. “Nossa família vai aumentar”, conta Juliano. O mix NeoNutri é formado por aproximadamente 50 produtos oferecidos em pelo menos 200 apresentações (embalagens, tamanhos e sabores) diferentes em lojas especializadas (três unidades próprias: duas em Poços e uma em São Paulo), farmácias e academias de todo o país. Sob a forma de pó para o preparo de shakes, líquido, cápsulas e barras, os suplementos têm como função a adequação de nutrientes na dieta de atletas, esportistas e pessoas saudáveis que praticam com regularidade algum tipo de atividade física. A formulação das linhas está em conformidade com estudos científicos – sempre com o aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) – para oferecer combinações específicas para uma série de necessidades de macronutrientes (proteínas, lipídios e carboidratos). “A nutrição é tão importante quanto o treinamento e é capaz de melhorar sensivelmente o desempenho físico, o crescimento muscular e o aumento da força”, explica Juliano.


NEGÓCIOS LACRÈME 9

· Juliano Moreno: ‘Nossa família vai aumentar’


10 LACRÈME NEGÓCIOS · Parte da linha de produtos da empresa

Bicicross: a base de tudo Juliano Moreno, 33 anos, é natural de São João da Boa Vista (SP), mas, ressalta, “poços-caldense de coração”. É formado em Administração de Empresas com especialização em Nutrição Humana e Saúde e é pós-graduando em Nutrição Esportiva. É casado com Ludimilla Moreno (também diretora da NeoNutri), com quem tem os gêmeos Vittório e Sophia, de 5 anos, e Domenico, de 9 meses. A história da NeoNutri confunde-se com a de Juliano desde quando ele tinha apenas 8 anos de idade e começou a praticar bicicross, ou BMX. “Desde muito cedo, quando completei 10 anos, percebi que existia uma profunda ligação entre a alimentação e a energia corporal”, revela o empresário. “Depois, com 13 (anos), entrei em uma academia para fazer musculação e comecei a aprender de fato os conceitos dos suplementos nutricionais. Descobri que um atleta precisa de muito treino e, como suporte, de uma série de nutrientes adequados para diferentes objetivos.” Os resultados, tudo indica, foram excelentes. Em 1992, por exemplo, Juliano sagrou-se campeão mineiro de bicicross e, três anos depois, campeão sul-americano. Em 1996, o atleta foi disputar uma competição nos Estados Unidos: “Estava previsto que eu ficasse por lá um mês, mas o mundo dos negócios norte-americano me fascinou. Decidi ficar mais, para aprender sobre o segmento dos suplementos nutricionais. Durante dois anos, participei de workshops, palestras e cursos”. Quando voltou ao Brasil, Juliano já possuía formação comercial e estava apto a empreender. Em 1998, a NeoNutri nasceu em um pequeno laboratório com ele, um auxiliar e um produto. Depois, por meio de especializações constantes, visão estratégica e patrocínio de eventos esportivos e atletas como Renato Rezende (BMX), o negócio só fez prosperar. “Comparo minha trajetória profissional, até este momento, com a dos muitos esportistas que sabem que é preciso insistir para obter bons resultados. Eu tenho sido muito persistente e, como no mundo dos esportes, já levei tombos e sofri com as derrotas. A lição? O importante, no fundo, é não desistir e batalhar para vivenciar as conquistas”, conclui Juliano.◄


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12 LACRÈME LITERATURA

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er um livro e ouvir um escritor falar sobre as agruras e as delícias de seu ofício. Para muita gente, essas são experiências arrebatadoras, daquelas que, nutridas ao longo do tempo, podem revelar epifanias. Talvez seja por isso, de modo não muito evidente, que festivais, feiras, semanas e bienais encantam – cada vez mais – leitores de todas as idades e de todas as regiões do país. Durante esses eventos, o acesso a publicações e, melhor, a autores é facilitado com requintes espetaculares. O Flipoços (Festival Literário de Poços de Caldas) e a Feira Nacional do Livro de Poços de Caldas fazem parte de um importante circuito cultural que agrupa pelo menos 80 programas similares a cada ano. Em 2011, as atrações poços-caldenses que ocorrem simultaneamente atraíram 45 mil pessoas. Para este ano, a sétima edição, de 28 de abril a 6 de maio, os organizadores esperam 13,5 mil visitantes a mais, ou o equivalente a um expressivo incremento de 30%.

Flipoços

cresce e

Maior e melhor Gisele Corrêa Ferreira, proprietária da GSC Eventos Especiais, empresa que realiza o Flipoços e a Feira, afirma que a programação tinha de ser compatível, em termos quantitativos e qualitativos, com o crescimento de público: “Para o festival, por exemplo, serão 85 convidados contra 40 do ano passado. A Feira, por sua vez, terá a participação de 80 editoras e livrarias de todo o país”. Ao mesmo tempo, as atrações livreira e literária de Poços de Caldas também têm obtido reconhecimento institucional e de mídia. O lançamento oficial da sétima edição ocorreu no dia 6 de março, em São Paulo, na sede

aparece texto Ricardo Ditchun fotos Divulgação

Ferreira Gullar

Fernando Gabeira

Franca Treur

Antonio Candido


LITERATURA LACRÈME 13 da CBL (Câmara Brasileira do Livro). Segundo Karine Pansa, presidente da entidade, mais importante que a consagração nacional é a credibilidade que o Flipoços conquistou: “A CBL apoia este evento não apenas por já ser um dos principais do calendário oficial de feiras do Brasil, mas pela sua contribuição às inúmeras cidades do interior de Minas Gerais e de São Paulo que aproveitam esta oportunidade”. A cerimônia de apresentação foi prestigiada por Antonio Candido (crítico literário, escritor e patrono do Flipoços 2012), Paulo Caruso (chargista e cartunista), além de jornalistas especializados, editores e associações livreiras. A solenidade proporcionou uma ampla exposição dos eventos e, de passagem, do município de Poços de Caldas e de seus atrativos, na mídia paulista, mineira e nacional. Estrelas Além dos dois escritores mencionados (Antonio Candido será homenageado com a exibição de um filme na abertura oficial, às 20h do dia 28), a agenda 2012 do Flipoços inclui, entre outros, Luiz Felipe Pondé, Fernando Gabeira, Luis Fernando Veríssimo, Rubem Alves, Zuenir Ventura, Caco Galhardo, Marcelo Gleiser, Chico Lopes, Leida Reis, Telê Ancona Lopez e Veronica Stigger. A jovem holandesa Franca Treur, autora do festejado Confetes na Eira, seu romance de estreia (vendeu 150 mil exemplares na Holanda), é a primeira estrangeira do Flipoços. Ela conversa com o público às 16h do dia 28. Outro destaque é Ferreira Gullar, poeta, ensaísta, crítico de arte, memorialista e, com os artistas plásticos Hélio Oiticica e Lígia Clark, fundador do neoconcretismo. Em 2002, Gullar, que coleciona prêmios como Camões (2010) e Jabuti (2007, Ficção; e 2011, Poesia), teve seu nome sugerido por

especialistas de vários países para a disputa do Nobel de Literatura. O poeta é a atração da noite de 5 de maio, quando fará uma palestra no Teatro da Urca que, claro, promete ser memorável. Livros: para ler e ouvir falar Mais uma vez com apoio da LACRÈME, o Flipoços ocupará o Complexo Cultural da Urca e seu entorno. No decorrer dos nove dias da programação geral, nos períodos da manhã, tarde e noite, o público poderá comprar livros com descontos e participar de palestras, sessões de autógrafos, cursos, workshops, show e eventos especiais para as crianças. No Complexo da Urca serão aproveitados o teatro e ambientes especialmente organizados, como a Arena Cultural, Hora da Prosa, Árvores Falantes, Espaço Flipocinhos Sesc Minas – Poços de Caldas e Sala do Museu Histórico e Geográfico, este o local que abrigará, na tarde do dia 5, os workshops de cerveja, de queijo e de vinhos. Para a agenda musical (às 13h30 do dia 29) desta edição foi contratado o show São Sons, de Estrela Leminski, Téo Ruiz e banda. Entre os assuntos em pauta está nada menos do que boa parte daquilo que cabe nos livros, entre ficção e realidade, verso e prosa. Por exemplo, Semana de 22, antropofagia, livrarias, mercado editorial, livro digital, teatro, música, poesia, cinema, MPB, literatura infantil, rádio, política, televisão, religião, artes plásticas, HQs, coletivos culturais, internet, filosofia, antropologia, sexualidade, drogas, hip hop, cultura marginal, jornalismo, história e gastronomia. Flávio de Carvalho, Jurandir Ferreira, João Antônio, Oswald de Andrade e Mário de Andrade são alguns dos escritores que motivam a discussão de especialistas em mesas específicas.

Confira a programação completa no site www.feiradolivropocosdecaldas.com.br

Luis Fernando Veríssmo

Laerte

Veronica Stigger

Zuenir Ventura


14 LACRÈME ENTREVISTA: DINO SOARES DE ARRUDA FILHO

Leite e muito mais texto Valéria Cabrera fotos Thaty Naila

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eeleito no fim de 2011 para mais um período (20122015) como presidente da Fungotac (Fundação Gota de Leite de Assistência à Criança), o advogado Dino Soares de Arruda Filho, 68 anos, comemora o 80º aniversário da entidade com um grande desafio em 2012: adquirir e instalar um aparelho de mamografia. Para isso, prepara uma campanha que pretende angariar R$ 100 mil, além dos R$ 122 mil que representam o custo fixo mensal da Fungotac. “Precisamos ainda mais da ajuda da população e das empresas do município”, revela. Apesar das dificuldades, o gestor afirma que esta é a primeira vez que trabalha com prazer. “São grandes os desafios para tornar nossa sociedade mais igualitária, para melhorar um pouco o sofrimento dos mais necessitados. Mas vale a pena.” A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Arruda Filho para a LACRÈME: LACRÈME – A Fungotac completa 80 anos em 2012. Como começou o trabalho da entidade? DINO SOARES DE ARRUDA FILHO – A Fundação Gota de Leite deu seus primeiros passos, timidamente, em 1931. A dona Nini Mourão, uma mulher muito articulada, conseguiu a doação deste prédio (sede da entidade) com o Assis Chateaubriand (1892-1968), dono dos Diários Associados. Mas foi somente em 1932 que a Fundação foi oficializada, com o objetivo de trabalhar na área social. A Fungotac encampou o trabalho de um farmacêutico da cidade, que já distribuía leite para crianças de famílias carentes. Foi por isso que ganhou esse nome, Gota de Leite. Mas essa marca, embora seja forte, não traduz tudo o que a entidade é hoje. Atuamos também nas áreas cultural, esportiva e, principalmente, na área da saúde.

LACRÈME – Na área social, quais são as ações desenvolvidas atualmente? ARRUDA FILHO – A distribuição de leite nunca parou. São 80 anos distribuindo leite, atualmente para crianças de 250 famílias. A diferença é que no começo distribuíamos leite em garrafas de vidro e hoje o leite é em pó, para facilitar o armazenamento e a conservação, pois muitas famílias não possuem geladeira. Nossa assistente social faz uma triagem entre as famílias necessitadas, com filhos de 6 meses a 3 anos, cujas mães não podem amamentar por algum motivo. São entregues 500 quilos de leite em pó por mês, a um custo de R$ 6 mil. LACRÈME – Qual é a origem do dinheiro empregado na compra do leite? ARRUDA FILHO – O dinheiro vem do trabalho do nosso telemarketing, que busca doadores entre a população e também entre as empresas da cidade. Nesses 80 anos, a Prefeitura de Poços de Caldas nos ajudou apenas durante 12 meses, parte de 2011 até o começo deste ano, por meio de um decreto da Cibele Benjamin (secretária de Planejamento e Obras Públicas e de Desenvolvimento Econômico e Trabalho), que se sensibilizou com a nossa causa. Além do leite, também distribuímos para crianças que apresentam algum déficit alimentar a multimistura (complemento alimentar usado para combater a mortalidade infantil). Pesamos as crianças e medimos a caixa craniana delas todos os meses e, caso seja notada alguma deficiência, incluímos a multimistura na alimentação. Esse trabalho foi iniciado na unidade que mantemos no bairro São José, o mais carente da cidade, juntamente com a Pastoral da Criança. Hoje, o projeto é assumido de modo integral por nós e também é realizado na sede da Fungotac, com o acompanhamento da doutora (médica e vereadora) Regina Cioffi.


ENTREVISTA: DINO SOARES DE ARRUDA FILHO LACRĂˆME 15 Dino Soares de Arruda Filho, presidente da Fungotac; ao lado, com estudantes na quadra que foi coberta este ano com ajuda da sociedade


16 LACRÈME ENTREVISTA: DINO SOARES DE ARRUDA FILHO

Ainda há muito espaço para crescer

LACRÈME – Qual é o vínculo da Creche do Charque com a Fungotac? ARRUDA FILHO – A Creche do Charque é um braço da Fundação Gota de Leite. Mas a dona Lilia (Carvalho Dias, supervisora voluntária da creche) é tão dedicada ao trabalho que a escola se mantém por conta própria, por meio de campanhas e atividades beneficentes como bingos, feijoadas... A creche cuida de 160 crianças de 0 a 5 anos em período integral. A Fungotac também é mantenedora do Colégio Nini Mourão, que tem mais de 400 alunos. É uma escola particular, mas com mensalidade bem abaixo das outras porque não tem fins lucrativos. Temos ainda 24,3% de alunos bolsistas, enquanto que outras escolas ficam na casa dos 15%, índice estabelecido pela Prefeitura. LACRÈME – Como é o trabalho na área da saúde? ARRUDA FILHO – Temos uma equipe de 14 dentistas e cinco médicos, profissionais que atendem, gratuitamente, desde bebês até idosos. O serviço é destinado a pessoas carentes e por isso é feita uma triagem pela nossa assistente social. Na área odontológica, realizamos 3,5 mil procedimentos por mês, com atendimento em três períodos, manhã, tarde e noite, até as 22h. O noturno foi introduzido há três anos por termos percebido que os trabalhadores não procuravam o serviço por falta de tempo. Também temos plantão nos fins de semana, para emergências. Quem precisa entra em contato via telefone para ser atendido. LACRÈME – E na área médica? ARRUDA FILHO – A Fungotac faz uma média de 500 consultas por mês nas áreas de ginecologia, pediatria, neurologia e clínica geral, além de atendimento psicológico. Tudo de graça para a população. Já pesquisei e não descobri nenhuma cidade do Brasil que ofereça esses serviços gratuitos por meio de uma entidade filantrópica. Para não arcarmos sozinhos com essa conta, temos um convênio com a Secretaria de Saúde de Poços de Caldas que nos repassa verba do SUS (Sistema Único de Saúde), um valor, diga-se, muito baixo. LACRÈME – A Fungotac também oferece exames? ARRUDA FILHO – Temos exames de raios X e de ultrassonografia, aparelho este de última geração comprado com verba pública conseguida pelo deputado estadual Carlos Mosconi. Esta foi, inclusive, a primeira verba pública que recebemos. O deputado também conseguiu, por meio de uma emenda parlamentar já aprovada, uma verba de R$ 130 mil para a compra de um mamógrafo (aparelho especial para a realização de radiografias dos seios e fundamental para o diagnóstico de câncer). Nosso desafio, agora, é conseguir R$ 100 mil para oferecer esse serviço, também gratuito, para a população carente. Desse montante, R$ 70 mil são para complementar o valor do equipamento, que é a contrapartida exigida, e R$ 30 mil para a adequação técnica da sala onde o mamógrafo será instalado. Para conseguir esse dinheiro extra faremos uma campanha que ainda está sendo elaborada.

LACRÈME – Existem outros desafios, além da compra do mamógrafo, para este ano? ARRUDA FILHO – Há vários. Posso destacar a conclusão do trabalho de cobertura da quadra poliesportiva da entidade, que fica ao lado da sede. O espaço é usado tanto pelos alunos do colégio, quanto em atividades mantidas pela Fundação, como palestras sobre saúde e exercícios físicos para a terceira idade. Já conseguimos cobrir a quadra, mas falta a proteção lateral. Também vamos concluir a construção de uma quadra na Vila Menezes, que será usada para atividades esportivas e sociais com crianças e adolescentes. LACRÈME – A Fungotac consegue dar conta de toda a demanda ou ainda é necessário ampliar o atendimento? ARRUDA FILHO – Ainda há muito espaço para crescer. Na unidade São José, por exemplo, a procura por atendimento tem aumentado muito. Tanto que nos próximos meses vamos inaugurar um consultório odontológico no bairro para atender a demanda da região. Decidimos descentralizar esse atendimento para que a população não precise se deslocar até o Centro da cidade e gastar com transporte. Esse, inclusive, é um problema que enfrentamos. Muita gente não tem dinheiro para pegar o ônibus e vir até a sede da fundação. Para as mães que vêm buscar o leite, temos a ajuda do empresário Flávio Cansado, dono da Circullare (empresa de transporte coletivo urbano), que fornece as passagens gratuitamente. LACRÈME – A Fundação conta com a ajuda de outras empresas, além da Circullare? ARRUDA FILHO – De várias. A Alcoa, por exemplo, nos ajudou a reformar a sede da entidade. Também contamos com a colaboração da Mineração Curimbaba, Cristais São Marcos, TV Poços, CBA, Danone e dos bancos HSBC e Itaú. E contamos, principalmente, com a ajuda da população mais carente da cidade, que contribui com valores que variam de R$ 5 a R$ 10. Nosso telemarketing faz esse contato com a população e um motociclista vai buscar a doação. LACRÈME – Existem outras formas de doação? ARRUDA FILHO – A Fundação tem agora um convênio com o DME (Departamento Municipal de Energia). As pessoas interessadas em ajudar a Fungotac podem autorizar a inclusão na conta de energia de uma taxa extra, no valor de até R$ 10, que nos será repassada. Também organizamos um bingo beneficente todo último sábado do mês, aberto à população, das 14h às 18h. Cada encontro costuma reunir cerca de 100 pessoas. Além de dinheiro, a Fundação também aceita doação de roupas, novas e usadas em bom estado de conservação. Fornecemos, por exemplo, enxovais para mulheres grávidas, tudo novinho. Quem quiser obter outras informações sobre doações pode entrar em contato conosco pelo telefone 35 3729-6500.◄


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Apoio:


18 LACRÈME FOTOGRAFIA

O umbigo de

Lula de Poços para o mundo texto Ricardo Ditchun fotos João Bittar / Divulgação

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fim da década de 1970 foi decisivo para a derrocada da ditadura imposta pelo golpe militar de 1964 e, em decorrência, para o fortalecimento da luta pela redemocratização do Brasil. À época, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 66 anos, era a mais significativa liderança de oposição ao regime militar. Em 1975, por exemplo, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e, de 1977 a 1980, comandou uma corajosa sequência de greves e manifestações reivindicatórias em favor da categoria defendida por seu sindicato e, de arrasto, em prol dos direitos da sociedade civil brasileira como um todo. A efervescência política daquele período despertou o interesse de uma série de intelectuais, militantes, estudantes, artistas, políticos, religiosos e jornalistas do país e do exterior. Lula, com seu carisma arrebatador, ganhou

projeção internacional. O fotojornalista João Bittar, morto em dezembro de 2011, aos 60 anos, estava entre os muitos jornalistas dedicados a documentar a ascensão de Lula e a perspectiva de uma nova temporada democrática brasileira. Em 24 de abril de 1979, em Poços de Caldas, Lula participou de um Encontro Nacional dos Metalúrgicos. João Bittar cobriu o evento e, no momento em que o líder sindical voltava do banheiro do local que abrigou o congresso, fez o que, mais tarde, definiu como a foto mais importante de sua carreira: Lula, com a camiseta levantada e apontando o umbigo com o indicador direito enquanto encara a lente com olhar provocador. Bittar, que trabalhava para a revista IstoÉ, não publicou a imagem por ela não se encaixar, do ponto de vista editorial, na reportagem produzida. A publicação só ocorreu 25 anos depois, mas a foto se tornou o mais importante retrato não oficial do ex-presidente.


Lula em seu mais célebre retrato não oficial; foto de João Bittar foi feita em Poços de Caldas, em abril de 1979


20 LACRÈME FOTOGRAFIA

‘Apenas um clique’ Bittar, comentando o instante em que obteve a imagem emblemática, afirma: “Fiz muitas fotos do Lula, almoçando, jogando pingue-pongue. Ele estava bem humorado e me desafiou, levantou a camiseta, apontou o umbigo e disse: ‘Fotografa!’. Mas quando ele disse fotografa, já tinha fotografado, porque andava com a câmera preparadíssima. Eu esperava que toda hora poderia acontecer uma imagem como essa. Essas fotos você procura muito, mas elas acontecem, são presenteadas para você na hora que menos espera. Eu fiz apenas um clique. A gente não falou nem antes nem depois da foto, o Lula não reclamou que fotografei”. Respeitadas as particularidades históricas e geográficas, a documentação que Bittar fez da trajetória política de Lula permite, por exemplo, uma

comparação com o trabalho do fotógrafo cubano Alberto Korda (19282001), que cravou a figura de Che Guevara como herói revolucionário internacional. Ao invés do olhar determinado (nitidamente produzido) do Che na célebre foto Guerrillero Heroico, o Lula flagrado por João Bittar desafia, pela fisionomia e pelo gesto que domina toda a cena e que também inclui, quase como provocação, a icônica imperfeição física na mão esquerda – a ausência do dedo mínimo extirpado na linha de montagem de uma metalúrgica de São Bernardo do Campo (SP). Lula e seus companheiros, naquele momento, em Poços de Caldas, finalizavam as estratégias para a fundação do PT (Partido dos Trabalhadores), ocorrida em 1980. As opiniões valiosas de João Bittar sobre o fotojornalismo, além de


FOTOGRAFIA LACRÈME 21 João Bittar fotografado em 2005 pela também fotojornalista Heloisa Ballarini, com quem era casado; na página ao lado, garçons do Palácio dos Bandeirantes (SP) durante almoço: um dos bons exemplos do trabalho de Bittar

Essas fotos você procura muito, mas elas acontecem, são presenteadas para você

depoimentos importantes sobre o seu trabalho em particular, podem ser apreciados no sensível documentário João Bittar “Fotojornalismo Com Caráter” – Uma Homenagem, produzido pelo também fotojornalista Egberto Nogueira. O filme, de 25 minutos, está disponível no site de compartilhamento de vídeos YouTube (www.youtube.com). Apontar para o próprio umbigo, a cicatriz primeva que surge após um dos mais importantes ritos de passagem (ainda que inconsciente) do homem, é uma ação repleta de significados. É como se o personagem anunciasse um porvir, um devir. João Bittar, em outra declaração sobre a imagem feita em Poços de Caldas, disparou: “Fotografia é uma coisa profética!”.◄


22 LACRÈME VERVE

Dedos da

aurora por Chico Lopes* ilustração Fernando Goulart

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u diria que para ser feliz não preciso nada mais do que ser eu, o que mora numa rua anônima e todas as manhãs é ungido em frescor de renascido pelos dedos intangíveis da aurora. O rosa, o cinza, o violeta pálido, o laranja, todos os tons e entretons da infância do dia inundam-me de uma pureza que luta contra o pigarro de nicotina, o coração hipertenso de ódios e frustrações, o corpo pesado de muita comida e muita cupidez infeliz. A hora é tão alta, tão limpa e tão solene que seria propícia a eu morrer, intacto, protegido, imobilizado pelos eflúvios de redenção. Ainda persiste um cheiro de jasmim, um cão ladra ternamente, um bebê chora e seu vagido é de uma essência rosa e confiante como a do dia que aponta. Pensa-se no Bem, mas o Bem é um lampejo que a luz do sol irá desencantar, esmagando com juros, calúnias, fichas, promissórias, falências. As ruas estão lavadas de rosa, suas pedras destacam-se uma das outras suavemente, formando um passadouro propício à levitação. E o cheiro do pão, do café, da manteiga, um não sei quê de sagrado que há mesmo numa tosse abrupta que se ouve numa das casas semi-acesas. O desejo obstinado de renascer, como é patético e como é necessário à continuidade do mundo!

Para que minha felicidade não dure demais e não se dilua em culpa, tento pensar em tudo que não sou, pois só há felicidade em não sermos nós. Não posso cultuar minha breve felicidade para não vê-la imiscuir-se às tristezas que trago no pensamento. Quanto cuidado para não ser impuro! quanta prudência para não toldar a luz! Um cacho de uvas, um vôo de andorinhas. O vinho dos lábios do deus morto irriga a terra amanhecida. Todas as manhãs ele verte seu coração fiel e eternamente sacrificado para erguer arvoredos, acender o canto dos galos, insuflar leite e mel aos distraídos do sacrifício de que foram merecedores. Não sou melhor: vou trabalhar nas horas de sol alto, irritado, minúsculo, esquecido do milagre que me pôs em ação mais um dia, concedendo-me uma nova chance de ser humano, procrastinando minha remissão. Apressado, piso nas uvas do martirizado, não percebo quão ingrato lhe fui, junto com todos os homens. Mas espero que meu entendimento se torne um dia tão puro e tão nu que eu não mais me diferencie do céu que contemplo e me funda em brisa e rosa, transformado no dom espantoso diante do qual os últimos noctívagos e os primeiros padeiros apenas bocejam.◄

*Chico Lopes é escritor e jornalista. É autor de Nó de Sombras (2000), Dobras da Noite (2004), Hóspedes do Vento (2010) e O Estranho no Corredor (2011).


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Spress terá café fair trade texto Valéria Cabrera fotos Divulgação / Fernanda Buga

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Spress Café, com sede em Poços de Caldas, pretende colocar no mercado, ainda este ano, o produto com o selo Fair Trade. Este poderá ser o primeiro café comercializado no Brasil que segue as normas internacionais do Comércio Justo (tradução de fair trade). Atualmente, toda a matériaprima certificada no país é exportada, pois não há torrefadoras nacionais com o selo. “Estamos no fim do processo de certificação da nossa torrefadora”, conta o diretor-proprietário da Spress Café, Cristiano Carvalho Ottoni. Ele afirma que até o meio deste ano o produto deve estar nas prateleiras dos supermercados. “O café fair trade será lançado inicialmente em Poços, para teste de aceitação do produto. Depois será distribuído pelo país.” O processo de certificação começou assim que Poços de Caldas declarou apoio ao Comércio Justo, no fim do ano passado. Ottoni explica que os grãos serão fornecidos pela Assodantas (Associação dos Agricultores Familiares do Córrego d’Dantas), também de Poços de Caldas, que já possui o selo Fair Trade para seus produtos. Por enquanto, a Assodantas vende toda sua produção para torrefadoras dos Estados Unidos e de países europeus, como Dinamarca, Suíça, Espanha e França. “A demanda por produtos fair trade está crescendo no mundo por causa do apelo social. No Brasil, o consumidor ainda tem de ser informado sobre os benefícios desta certificação, já que o produto chegará às prateleiras com valor superior”, diz Ottoni. De acordo com ele, o quilo do café Fair Trade deve custar R$ 3 a mais. Benefícios A certificação Fair Trade traz vantagens para produtores de café de qualidade. Seus mecanismos eliminam a figura do atravessador, alcançando valores entre 20% e 30% maiores. O agricultor certificado ainda recebe do comprador um prêmio em dinheiro – de R$ 40 a R$ 50 –, além do valor obtido com a venda da saca. Para conseguir o selo Fair Trade, todos os aspectos que asseguram a sustentabilidade da produção devem ser cumpridos nas áreas social, ambiental e econômica. O produtor precisa, por exemplo, reduzir o impacto ambiental causado pelo plantio dos grãos, controlando o uso de agrotóxicos e construindo fossas sépticas. Toda mão de obra empregada na cultura deve estar regularizada, com todos os direitos trabalhistas em dia.


CAFÉ LACRÈME 27 Vista parcial de uma das propriedades que produzem café para a Spress; abaixo, parte do mix de produtos da marca

12 anos no mercado de cafés especiais A Spress Café nasceu há 12 anos em Poços de Caldas, da união das famílias Carvalho Dias e Ottoni, tradicionais produtoras de grãos na região. “Era o início da expansão da produção dos cafés especiais no país. Até então só existia o importado”, conta o diretor-proprietário da Spress Café e da Bourbon Coffes, Cristiano Carvalho Ottoni. As famílias Carvalho Dias e Ottoni são proprietárias ainda da Bourbon Coffes, empresa exportadora que também tem sede em Poços de Caldas e que envia café para os Estados Unidos, Canadá, Europa, Japão e Austrália. Atualmente, a Spress torra 300 sacas de café por mês. O produto é cultivado em fazendas localizadas em Poços de Caldas e São Sebastião da Grama, já no Estado de São Paulo. É vendido em grão, moído, saches (espresso e xícara) e travesseiro para avião. As companhias aéreas atendidas são TAM, Azul e Ocean Air. São Paulo e Rio de Janeiro são os principais mercados da marca, mas o café também segue para o Sul do país (Santa Catarina e Paraná) e para o Nordeste (Pernambuco, Bahia e Ceará). Os saches são muito vendidos pela internet e despachados para todo o país. A Spress também fornece seu café para que a Nespresso produza as cápsulas da variedade Dulsão do Brasil. A Spress é certificada pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, sigla em inglês), que atesta a qualidade do produto. “A região de Poços de Caldas é perfeita para a produção de grãos de alta qualidade, pois apresenta altitude, clima perfeito, solo rico e amplitude de temperatura, características que agregam sabores especiais ao café”, explica Cristiano Ottoni. Cursos Em março, a Spress inaugurou um espaço para cursos. O objetivo é realizar pelo menos um encontro por mês. As aulas são destinadas a diferentes níveis, desde pessoas que querem preparar uma boa bebida em casa, em coadores de papel ou de pano, até profissionais do setor. Interessados devem entrar em contato com a Spress pelo telefone 35 3722 8868.


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Espressas

Agenda

Saúde 1 – Cientistas da Sociedade Americana de Química estudam uma fórmula que acabe com a azia causada pelo consumo de café. Eles buscam o grão e a torrefação ideal para produzir uma bebida que não ataque o estômago. A pesquisa já descobriu que os cafés de torrefação escura podem ser mais suaves, pois contêm substâncias que dizem ao estômago para reduzir sua produção de ácido. Estão sendo testados diferentes variedades de grãos crus e diferentes métodos de torrefação.

Saúde 2 – Uma nova pesquisa sobre os benefícios do café concluiu que o consumo moderado da bebida – de quatro a cinco xícaras por dia – pode reduzir as chances em até 30% de se desenvolver diabetes tipo 2. Os resultados fazem parte de um estudo europeu sobre os efeitos da dieta e do estilo de vida sobre a saúde. A investigação indica ainda que o consumo de café não está associado ao aumento de doenças cardíacas ou do câncer.

Qualificação – A Cooxupé renovou o convênio com o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) para realizar 180 cursos gratuitos de formação profissional rural para trabalhadores e produtores rurais em 2012. Entre os cursos já previstos para este ano estão saneamento, qualidade da água e custos de produção. Em 2011, o convênio atingiu 18 municípios, treinando 1.847 trabalhadores rurais e cooperados da Cooxupé.

Seminário A 19ª edição do Seminário Internacional de Café de Santos será realizada nos dias 9 e 10 de maio no Guarujá (SP). O tema é Café do Brasil: Crescimento Planejado – Qualidade e Volume. O evento, promovido pela Câmara Setorial dos Exportadores de Café da Associação Comercial de Santos, reúne produtores, distribuidores, comerciantes, exportadores, importadores e torrefadores. Mais informações no site www.acs.org.br ou pelo telefone 13 3212-8200. Expocafé A Fazenda Experimental da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) de Três Pontas vai receber a 15ª edição da Expocafé de 19 a 22 de junho. Mais de 100 empresas irão expor novidades em máquinas e implementos destinados à cultura do café. As atividades começam no dia 19 com a realização do 30º Simpósio da Mecanização da Lavoura Cafeeira. Mais informações no site www.expocafé.com.br. Feira São Paulo vai sediar a sexta edição da Fispal Café, Feira Internacional do Café, de 25 a 28 de junho. Durante o evento, produtores, torrefadores, exportadores, distribuidores, baristas e donos de cafeterias conhecerão as tendências do mercado e poderão fechar negócios. Simultaneamente à Fispal Café ocorrem nas dependências do Expo Center Norte a Fispal Food Service, Fispal Hotel, TecnoSorvetes e, pela primeira vez, o Sial Brazil, maior evento de alimentos do mundo. Cerrado Mineiro O 20º Seminário do Café da Região do Cerrado Mineiro, em Patrocínio (MG), será realizado entre os dias 25 e 28 de setembro, no Espaço Cultural Joaquim Constantino Neto. O evento, promovido pela Acarpa (Associação dos Cafeicultores da Região de Patrocínio), busca a valorização do produtor. Estão previstas para este ano a realização da 3ª Rodada de Negócios e a ampliação do espaço para os maquinários e da praça de alimentação. Informações: 34 3831-8080.

Cult Coffee

Preparo – O cafezinho feito em casa pode ficar mais saboroso se pequenos detalhes forem seguidos. O melhor é usar água mineral ou filtrada no preparo para não alterar o gosto. A água deve estar a uma temperatura entre 90ºC e 100ºC. Não deixe a água ferver para evitar que o pó queime e modifique o sabor da bebida.

Variações – As montanhas do Sul de Minas Gerais e da Mogiana são conhecidas por cafés com corpo e aroma excelentes e uma doçura natural. No Cerrado mineiro produz cafés com perfeito equilíbrio entre corpo de acidez, já que tem estações bem definidas que ajudam na maturação uniforme.


CAFÉ LACRÈME 29

Muito além do cafezinho

Coffee

Flip

(drinque originário da Holanda)

Ingredientes Cubos de gelo 1 gema de ovo 3 colheres (sopa) de licor de café 1 ½ colher (sopa) de creme de leite batido 2 colheres (chá) de açúcar Um pouco de café moído para enfeitar Preparo Coloque os cubos de gelo na coqueteleira e acrescente a gema do ovo, o licor de café, o creme de leite batido e o açúcar. Agite bem, para que a gema de ovo se dissolva por completo e a mistura fique homogênea. Coe em um copo e sirva com canudinho.

Fonte: Drinks – Famosos Coquetéis Internacionais


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A mais

mineira das iguarias texto Lorena Lake fotos Daniela Marco Antonio Alvisi

Queijos padrão em processo de maturação: coloração amarelada é intensificada com o passar do tempo


GASTRONOMIA LACRÈME 31

Q

ueijo de Minas. Eis um nome tão apetitoso como vago. Peça assim ao comerciante e você poderá receber um frescal, um padrão, um curado, um Canastra, um Serro, um Araxá, um Cerrado, um Campo das Vertentes, um prensado, um artesanal, um pasteurizado... Todos, por fim, serão acertadamente de Minas. Surgida para acompanhar as necessidades da atividade mineira no Estado, lá pelos idos do século 18, a produção queijeira mais conhecida, autêntica e (opinião minha) deliciosa do país só começou a ser organizada nos anos 1930. Desde então, o queijo de Minas tem sido adequadamente pesquisado e documentado, em termos tecnológicos, geográficos e culturais. Está prevista para este mês (abril), por exemplo, a incorporação de um selo que certificará a origem dos queijos artesanais produzidos na serra da Canastra. Para o consumidor, a dica mais importante é distinguir um frescal de um padrão. Ambos são feitos com leite de vaca. O primeiro, em geral, é vendido lacrado em embalagem plástica transparente. É aquele queijo, como entrega o nome, com cara de fresquinho. A cor é branca, a consistência é mole, a umidade é elevada e a acidez quase nula. Precisa ser mantido refrigerado por até 20 dias e, após aberto, o consumo não deve exceder cinco dias. O padrão envolve maior adição de sal e períodos de maturação (affinage) variáveis, mas com a garantia de uma guarda mínima de, mais ou menos, 60 dias. Depois disso entram em cena as “idiossincrasias” de cada mestre queijeiro, das regiões em que estão as pastagens, do rebanho e, claro, da opção pelo uso de leite pasteurizado ou não. É o chamado terroir dos queijos, ou a influência de características como clima, alimentação (e a fauna bacteriana nela abrigada) e métodos tradicionais de produção. Seco, com acidez média, o padrão é um queijo com miolo macio, textura fechada e coloração que varia do branco ao creme. A casca é amarelada, solar – quanto mais maduro, mais amarela ela fica. Alimento típico da dieta praticada no Estado, o queijo de Minas (frescal ou padrão) se presta, sempre com destaque, como ingrediente de base ou de apoio a uma série de receitas. Vai bem desde as primeiras horas do dia, cortado em nacos generosos para acompanhar o café, e passando pelo almoço e pelo jantar em combinações mais elaboradas. Mas bom mesmo é consumir o Minas nos botecos nossos de todas (exagero?) as noites sob a forma de delicados e irresistíveis paparichos.


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Características como clima e fauna bacteriana do pasto influenciam a qualidade do leite e, portanto, do queijo de cada região produtora; abaixo, queijos tipo frescal embalados para comercialização


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Produto é obrigatório no Comida di Buteco O queijo Minas é o ingrediente obrigatório da edição 2012 do Comida di Buteco, que ocorre entre 13 e 29 de abril. Todos os 15 botecos participantes do evento em Poços de Caldas têm de usar esse queijo na formulação de suas receitas. “Não precisa ser o ingrediente principal, mas precisa estar presente”, explica Filipe Pereira, coordenador do evento no interior de Minas. Além de Poços de Caldas, outras 15 cidades brasileiras participam do festival gastronômico, sendo seis em Minas Gerais, incluindo Belo Horizonte. Esta é a primeira vez que um ingrediente se torna obrigatório em Poços de Caldas e nas outras cidades do interior mineiro. “Isso já ocorria em Belo Horizonte e resolvermos ampliar para as outras cidades. E escolhemos o queijo tipo Minas como forma de homenagear o Estado”, explica Filipe Pereira. De acordo com ele, apesar da grande adesão dos “butequeiros” de Poços de Caldas, é esperado um aumento de 10% para esta sexta edição. No ano passado, entre 150 e 180 mil pessoas visitaram os bares participantes nos 17 dias de festival. “Queremos ampliar também o número de pessoas que participa da votação, pois temos dados que demonstram que apenas 10% dos frequentadores dos bares nesses dias deixam seus votos”, explica.◄


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Estímulos italianos texto e fotos Daniela Marco Antonio Alvisi*

Vista do Canal Grande, em Veneza, desde a Praça de São Marcos; ao fundo, a Basílica de Santa Maria della Salute


36 LACRÈME TURISMO Detalhe de uma das 162 esculturas barrocas de 2,7 metros de altura instaladas pelo arquiteto Bernini na cornija das colunatas da Praça de São Pedro, no Vaticano

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m mergulho quase infinito em cultura, história e arte. Arte, arte e mais arte. Encontros com lugares carregados de vivências seculares, que permanecem praticamente íntegros, evidenciando arrojo e aprimoramento arquitetônico, além da grande capacidade que o homem tem de se fazer imortal. Prédios inteiros, paredes, vistas de janelas, uma pequena maçaneta. A esquina de uma rua estreita, revestida de pedras... Ruas de água e um gato que entra por lugares inacessíveis aos olhos. Pinturas produzidas em todas as dimensões, esculturas presentes por todos os ângulos. Estímulos que chegam não só através dos olhos, mas por meio de todos os sentidos que se abrem para o deleite: sabores incomparáveis do Mediterrâneo, aromas naturais de temperos típicos, doces deliciosos (quase sem açúcar), sorvetes únicos e frutas tão bonitas que parecem de mentira estão por toda a parte, mas que não podem ser tocadas e pegas sem auxílio, pois a repreensão vem como brinde! O som é múltiplo: água, sinos de igreja, música, carros e scooters, túneis de metrô... Os aromas são marcantes e estão em todas as praças, livrarias, lojas e nos quartos dos hotéis. É fato que hospitalidade não é o forte do turismo europeu, mas o desconforto desaparece em meio a tudo o que é oferecido a quem passeia por suas cidades. E, apesar de um roteiro completamente previsível, posso dizer que me surpreendi e me emocionei a cada momento. De volta à realidade de minha amada terra, afirmo agora, cheia de saudades e querendo voltar: L’Italia del mio cuore, ti voglio tanto bene!◄

*Daniela Marco Antonio Alvisi é professora de história da arte, roteirista, documentarista e fotógrafa.


TURISMO LACRÈME 37 Detalhe da Catedral de Milão, exemplo magnífico do estilo gótico


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As ruas antigas do centro de Roma convidam o visitante a caminhar


TURISMO LACRÈME 39

Banca de doces glaceados nas imediações da Basílica de São Pedro, no Vaticano


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TURISMO LACRĂˆME 41

RuĂ­nas da Casa das Vestais, em Roma, lugar onde residiam as seis virgens vestais, escolhidas para manter aceso o fogo dentro do Templo de Vesta


‘E

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Ai Se Eu Te Pego por Fabio Riemenschneider*

m janeiro estive com minha esposa em Montevidéu, capital do Uruguai. Cidade grande, com ar interiorano tranquilo. Seu milhão e meio de habitantes representa mais da metade da totalidade da população do país. Sua economia é modesta frente aos poderosos vizinhos Argentina e Brasil, quase não tem indústrias e os principais produtos de exportação são carne, leite e o vinho que ganha cada vez mais admiradores. O turismo tem sido estimulado e já é uma importante fonte de divisas para os uruguaios. Assim que se chega ao Aeroporto Internacional de Carrasco dá para ter uma boa ideia do que esperar da viagem. O moderno aeroporto é quase uma metáfora do país: bonito, pequeno e que recebe a todos com aconchego e a seguinte mensagem: “Mundo, bem-vindo ao Uruguai”. O trajeto do aeroporto até Punta Carretas, bairro nobre onde ficava nosso hotel, é feito pela Rambla, avenida expressa que margeia o interminável Rio da Prata e suas várias praias. Aos poucos surgem os prédios indicando que nos aproximamos de áreas mais centrais e tudo parece muito organizado e tranquilo. Depois do check-in no hotel, um passeio pelas ruas revela o que talvez seja o melhor do Uruguai: a segurança. Uma das primeiras perguntas que fizemos era se podíamos andar tranquilamente pelas ruas do entorno. Intrigado com a pergunta, o funcionário do hotel respondeu que a cidade era bastante segura. “Mesmo à noite?”, questionei. “Claro, fique tranquilo”, garantiu o recepcionista. Não quero comentar sobre o charme old fashioned de Montevidéu, mas sim pensar sobre nossa situação no Brasil, a potência econômica da América Latina. O Uruguai tem o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) latinoamericano, que tem como critérios a educação, expectativa de vida e poder de compra per capita. Por outro lado, nosso IDH não nos deixa tão orgulhosos. Não sou economista, mas a alardeada grandiosidade do Brasil oferece muito pouco

para seus habitantes. Não conheço os sistemas de saúde e de educação do Uruguai. Mas alguns detalhes não passam despercebidos ao turista, principalmente o brasileiro: quase todas as pessoas com as quais conversamos tinham noções de português, o que facilitou bastante a comunicação. O português é disciplina obrigatória por lá, enquanto aqui ainda encontramos resistência quando o assunto é aulas de espanhol. Vale lembrar que eles têm motivos históricos para resistir a nós e a nosso idioma (fundação, com objetivos bélicos, de Colônia de Sacramento, pelos portugueses, em 1679 e, entre 1815 e 1828, da Província Cisplatina, pertencente ao Império do Brasil). Outro aspecto que chama a atenção diz respeito à cobertura de internet 4G. Sim, eles já passaram a fase do 3G e os preços pareceram convidativos. Aqui, pagamos caro por um serviço cuja única responsabilidade é garantir 10% da velocidade adquirida! Esse é um problema crônico em nossas telecomunicações e que tem sido questionado pelas autoridades responsáveis pela Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. Sei que não é possível conhecer em detalhes os problemas de um local que visitamos como turistas, mas temos a vantagem de conhecer bem nossas dificuldades e isso nos autoriza a comparar nossa realidade com a do local visitado. Normalmente idealizamos o que vemos, enquanto turistas, como melhor do que tudo com o que convivemos em nosso cotidiano. A questão não é saber se um local é melhor ou não que outro, mas estabelecer referenciais que nos permitam compreender melhor quem somos, onde estamos e como nos relacionamos com nosso ambiente. Em tempo: uma das músicas mais ouvidas por lá é Ai Se Eu Te Pego, interpretada por Michel Teló. Nem tudo é perfeito.◄ *Fabio Riemenschneider é psicólogo, professor universitário, conferencista, escritor, debatedor do Jornal do Sul de Minas e doutorando em Psicologia pela PUC-Campinas. É autor de Da Histeria... Para Além dos Sonhos (Editora Casa do Psicólogo, 2004).


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O sofrimento

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por Roberta Ecleide Kelly* foto Reprodução

nosso de cada dia...

odos os dias, no consultório, na sala de aula, em minhas viagens, ouço um queixume constante: “Se eu conseguir x, y, z, eu ficarei melhor...”. Ou o inverso: “Todo mundo tem uma casa, um namorado, um carro, menos eu”, que subentende que se “eu” tivesse isso ou aquilo, também estaria bem como os outros. Não é fácil, no mundo de hoje, falar de sofrimento. A cada esquina há uma promessa de que tudo ficará bem: se comprarmos a calça tal, se tomarmos tal remédio, se fizermos aquela viagem, se seguirmos esta ou aquela profissão... Enfim, esta promessa nos assoma e começamos a acreditar que há, de fato, possibilidade de viver plenamente o bem-estar. E o tempo todo! O que é sofrimento? Pode ser uma dor física ou moral, é padecimento, amargura, aflição, desgraça, desastre, infortúnio. Sofrer é ser afligido por padecer, suportar, tolerar, admitir, permitir, consentir, ser vítima de, passar por, experimentar, ser acometido por. O homem moderno não sabe mais sofrer, em nome de ideais de felicidade, comodidade e bem-estar a serem alcançados materialmente ou de

acordo com alguma atitude a ser assumida ou suprimida. E, quando estamos em sofrimento, isto soa estranho, anormal, já que a mídia nos mostra tantas possibilidades de não sofrimento que o nosso é irreal. Há algo que falta e que nos faz sofrer, não necessariamente para nos fazer adoecer, mas para nos levar à busca. Podemos encarar esta falta fundamental como algo que nos impossibilita – como dar de cara com um beco sem saída – ou, sabiamente, trabalharmos para ultrapassar o muro: dando a volta, construindo uma escada, abrindo um buraco. A angústia exige uma ação, um trabalho para superá-la. Mas não é o trabalho prometido nos livros de autoajuda, dos conselhos ou das técnicas rápidas de memorização ou leitura dinâmica. É um trabalho que deve ser feito apesar da angústia. Em nós, há coisas que “se pensam”, que demandam um tempo de maturação, de cozimento, para resultarem em um novo aprendizado. Mas, vai ter de sofrer... Li uma vez, e não sei onde, que “viver é sofrer. Evitar o sofrimento da vida é sofrer duas vezes: sofre porque vai sofrer mesmo e sofre porque evita”. Ao sonharmos idealmente com o ser humano sem sofrimento, sem pathos (sofrimento, paixão), isto nos simplifica e empobrece. O ser humano é complexo, o que apaixona, dói, mas alimenta. Mas para que se sofre? Qual a vantagem de sofrer? Crescer. Como suportar a dor necessária de crescer? Não valem os remédios de última geração, que agem de um jeito que ninguém sabe qual, nem os médicos e muito menos a indústria farmacêutica, e que destroem o agressor e o agredido ao mesmo tempo, sem dar a chance de sabermos o que funcionou e quando. Há uma saída para viver este sofrimento com mais leveza: o humor. Lembram aquelas histórias da importância de rir de si mesmo, de ver o lado bom das coisas, de fazer graça dos próprios limites. Pois é. Um remédio velho, um bálsamo que alivia a dor, mas não a elimina, para que saibamos o momento certo em que a ferida cicatrizou. Finalizo com o poema Se Meu Mundo Cair, de Zé Miguel Wisnik:

“se meu mundo cair então caia devagar não que eu queira assistir sem saber evitar cai por cima de mim quem vai se machucar ou surfar sobre a dor até o fim?

cola em mim até ouvir coração no coração o umbigo tem frio e o arrepio de sentir o que fica pra trás até perder o chão ter o mundo na mão sem ter mais onde se segurar se meu mundo cair eu que aprenda a levitar”

*Roberta Ecleide Kelly é psicanalista, doutora em Psicologia Clínica, pós-doutora em Filosofia da Educação, coordenadora do NEPE. Informações sobre o NEPE (www.nucleodepsicanalise.com.br) às quartas-feiras, das 13h às 18h, pelo tel.: 35 3721-4469


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Horizonte

infindo texto Ricardo Ditchun fotos Divulgação

Q

uando um escritor põe a ficção de lado para se dedicar – também ou em definitivo – aos efeitos literários pautados pela realidade, ele terá abraçado o memorialismo. Isso, evidente, se o referido autor possuir as qualidades necessárias para fazer jus a esse gênero sublimado por, entre tantos brasileiros, Antônio Carlos Villaça, Graciliano Ramos e, com maestria, Pedro Nava. Chico Lopes, autor de quatro obras de ficção, experimenta pela primeira vez o universo memorialístico com A Herança e a Procura (Editora Ler, 168 páginas). O livro, a ser lançado em 8 de junho, em Novo Horizonte, município do interior paulista onde o escritor nasceu há 59 anos, narra quatro décadas, da infância à maturidade, da vida do artista, jornalista e colunista da LACRÈME (Verve). O corte temporal ocorre justamente quando Chico deixa Novo Horizonte para abraçar de vez Poços de Caldas, cidade que testemunha a exposição pública de sua produção literária por meio dos lançamentos de Nó de Sombras (Instituto Moreira Salles, 2000), Dobras da Noite (Instituto Moreira Salles, 2004), Hóspedes do Vento (Nankin Editorial, 2010) e O Estranho no Corredor (Editora 34, 2011). O conteúdo revelado em A Herança e a Procura é parte indissociável do conjunto de elementos constitutivos do Chico Lopes ficcionista. O distanciamento da cidade em que nasceu, cresceu e, em grande medida, foi formado, guarda, portanto, significados bem mais complexos que uma simples situação geográfica. Um trecho do livro nos ajuda a entender: “Continuo amando minha terra natal, mas é assunto inteiramente meu – amo-a do meu jeito, sem permanecer nela, mas reconhecendo seu direito à persistência dentro de mim”. Persistência interior. Eis, tal-

vez, uma entre as relevantes chaves psicológicas capazes de satisfazer o leitor que procura um entendimento otimizado de um universo ficcional pleno de personagens de exceção. Em outro momento do livro, Chico Lopes reitera o peso – não necessariamente opressivo – de Novo Horizonte em sua jornada existencial e, claro, em sua obra: “Vou levá-la (a cidade de Novo Horizonte) dentro de mim a qualquer lugar onde tente morar, vou me sentir naquelas ruas mesmo pisando em inúmeras outras. E minha arte será sempre uma mescla de muitos mundos a partir daquele, único, que vi com olhos de novorizontino”. Na prática, essa mistura de mundos tem resultado na constituição de entrechos de ficção que expõem personagens dramaticamente enfiados em abismos psicológicos internos e externos. A literatura de Chico Lopes não é confortável por ter como lastro o sem-número de tensões que acometem o homem real. Na LACRÈME 8 (novembro/dezembro de 2011), por ocasião do lançamento de O Estranho no Corredor, o escritor afirmou: “Nunca descartei o elemento fantástico em minha obra, já que o realismo puro não me parece mais eficaz para dar conta do mundo terrível e complexo em que vivemos”. E na hora de lidar de modo exclusivo com a realidade? Chico Lopes terá mantido a tradição inventiva do memorialismo de Pedro Nava? Qual seria a madeleine de quem optou pela arte em uma pequena cidade interiorana do instigante período que marcou o ocaso dos anos 1960? Que 8 de junho chegue logo. A HERANÇA E A PROCURA – Lançamento do livro de memórias de Chico Lopes pela Editora Ler. Dia 8 de junho, às 20h, no São Paulo Hotel – rua 15 de Novembro, 750, Novo Horizonte, SP. Tel.: 17 3542-1053.


LITERATURA LACRÈME 47

LACRÈME – Quais as principais motivações para escrever um livro de memórias? CHICO LOPES – Admiração pelo gênero e uma ligação natural com ele. Sempre fui dado a diários e confissões, acumulava cadernos e mais cadernos com esses conteúdos, e até hoje vivo anotando minha própria vida e suas pequenas coisas e rotinas por aí, pelos bares. Sempre me agradou mergulhar em memórias alheias, biografias ou autobiografias, porque me atrai muito saber da formação de escritores, pintores, cineastas que admiro – naturalmente, sempre me inclino para personalidades do campo das artes. O traçado de uma vida artística – infância, juventude, maturidade –, com suas decepções, conquistas, com o conhecimento inevitável do mundo e seus malogros – me fascina. Comecei a escrever A Herança e a Procura em 2003. Creio que foi uma necessidade de me voltar para algo veraz, sólido, desligado da ficção, e explicar a mim mesmo – e aos possíveis leitores da minha ficção – o que havia sido minha vida real, até os 40 anos, quando me mudei para Poços de Caldas.

‘Um certo perfume’

LACRÈME – Até que ponto os leitores encontrarão no livro de memórias algumas (ou muitas) “explicações” para as situações, dramas e comportamentos que caracterizam sua obra ficcional? CHICO LOPES – Não há nada explícito. A influência de uma cidade, um meio onde nascemos, fomos criados e vivemos por bom tempo, é notória no processo de criação, sem dúvida alguma. Ninguém parte do nada e nenhuma imaginação deixa de ser tributária das experiências, do passado vivido. Porém, aconteceu muito de meus leitores novorizontinos procurarem, quando meu primeiro livro de contos (Nó de Sombras) saiu nacionalmente, em 2000, os chamados personagens à clef (inspirados em pessoas reais). Mas ficaram desapontados porque, sem deixar de me influenciar pela atmosfera de Novo Horizonte, eu criei, transfigurei, inventei situações, lugares e pessoas, como todo escritor faz, com a liberdade que a ficção permite. Na verdade, é sempre assim: a vida real é apenas um ponto de partida, um certo perfume, uma certa pista a um só tempo sólida e vaga de onde levanta voo a nave totalmente imprevisível e aventureira da fantasia. As pessoas reais que você lembra, como escritor, evidentemente estarão em sua ficção, mas não tal como são conhecidas por todos – entram fragmentos, um dado gesto, um dado olhar, uma dada fala, e o resto o escritor providencia com seu talento e sua capacidade de penetração psicológica. Mas meus leitores atentos encontrarão sim, em A Herança e a Procura, pistas e indícios suficientes, embora não óbvios, das minhas criações nos livros de contos e na novela. LACRÈME – A Herança e a Procura contempla apenas Novo Horizonte? Não atinge nada da fase poços-caldense, onde tem ocorrido a consolidação de seu fazer artístico? CHICO LOPES – O conteúdo é minha infância, juventude e até meus 40 anos, em Novo Horizonte. Mas falo de minha chegada a Poços, da fascinação que a região exerceu sobre mim, e de meus primeiros tempos de mudança. De fato, foi aqui, trabalhando no Instituto Moreira Salles, que vi meu primeiro e segundo livros de contos serem publicados e acabei ganhando uma certa penetração nacional com minha literatura, que me levou a publicar os outros dois livros por editoras de São Paulo. Poços me definiu concretamente como escritor. Quando vim para cá, trazia textos ainda inacabados e muita coisa que só veio a tomar forma aqui, realmente, no contato com as serras. Caso esse livro tenha uma sequência, naturalmente terá que ser a minha vida (20 anos) em Poços de Caldas. Mas ainda é cedo para isso.


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“ trecho

Um fato muito corriqueiro na Rua Antônio Sabino de minha infância era a passagem de boiadas. Havia as ruas ‘boiadeiras’ – a nossa entre elas – e suponho que o centro da cidade e algumas de suas imediações ficavam imunes a essa passagem, mas nós, quando ouvíamos o tropel característico e víamos a poeira levantando-se lá longe, tínhamos que correr para dentro de casa. Nunca fui atacado por boi algum, mas imaginava coisas terríveis, derivadas das conversas que se ouvia em casa, minhas irmãs temendo as perseguições que algum touro bravo podia lhes fazer em pastos e contando exemplos de Fulana ou Sicrana que tivera que subir numa árvore. Por força desse medo, eu vivia tendo presságios, ao brincar na rua de terra, e imaginava ouvir as centenas de patas lá longe, imaginava uma chegada imprevista da boiada sem tempo para que eu saltasse o portão de minha casa e me abrigasse lá dentro. Com o tempo, as ruas ‘boiadeiras’ foram sendo apenas aquelas mais distantes e periféricas, como se a cidade estivesse expulsando suas lembranças de um passado bastante rural, apagando em asfalto o seu primitivismo, como se terra batida fosse uma vergonha (os pobres, sonhando com casas próprias, sempre se imaginavam, ao construir uma, rapidamente cimentando e ladrilhando os quintais).


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3721-2021 www.uptime.com.br

UPTIME Poços de Caldas Rua Minas Gerais, 621 - Centro

- Inglês por neurolinguística e mnemônica - Salas de 1 a 8 alunos - Início do curso em qualquer dia do ano - Horários 100% flexíveis - Inglês em tempo reduzido

Bernardinho: técnico da seleção brasileira de vôlei.


50 LACRÈME SULFUROSOS DA GEMA: RIACHÃO

São Benedito, um padrinho e tanto! texto Valéria Cabrera foto Fernanda Buga

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música entrou na vida de Vitório Cioffi quando ele ainda era criança. Aos 9 anos formou dupla com o irmão Orlando e tocava em festas na região. Durante uma dessas apresentações, na Caldense, veio o batismo: Riachão e Riachinho. “No começo foi uma piada. Nós éramos conhecidos assim por sempre irmos nadar em um riacho na Vila Nova, onde morávamos. Mas o nome soou bem e resolvemos adotá-lo”, conta Vitório, ou melhor, Riachão. A paixão pela música também contagiou seus outros irmãos – são 13 no total! Alguns a têm como passatempo; outros como ganha-pão. Nascido na zona rural de Machado, Riachão, hoje com 77 anos, mudou-se bem pequeno com a família para Poços de Caldas. O começo da carreira foi difícil. A primeira viola só foi comprada aos 13 anos. “Não tinha dinheiro”, conta. Um ano antes, fez uma promessa para São Benedito. Caso conseguisse o tão desejado instrumento faria uma música-homenagem. Não deu outra. Compôs uma canção que foi gravada pela dupla e que fez sucesso em todo o Brasil. Autodidata, aprendeu a tocar viola escutando as duplas famosas da época. Em 1950, quando tinha 15 anos, foi levado para São Paulo, juntamente com o irmão, por Teddy Vieira, famoso compositor sertanejo e autor, com Luisinho, de O Menino da Porteira, um clássico do repertório sertanejo. “Teddy viajava em busca de duplas novas para gravarem suas composições. Como já fazíamos sucesso na região, fomos convidados”, lembra Riachão. O sucesso não demorou. O primeiro disco de Riachão e Riachinho foi gravado em 1952 e, até 1985, quando Orlando morreu, viajaram fazendo shows por todo o Brasil. Foram mais de 200 músicas gravadas, entre elas composições próprias que fizeram sucesso na voz de duplas como Tonico e Tinoco. Na mesma época, também se destacou a dupla Moreno e Moreninho, irmãos de Riachão que, entre 1955 e 1990, gravaram mais de 1,5 mil canções.


SULFUROSOS DA GEMA: RIACHÃO LACRÈME 51

Fico feliz em saber que as próximas gerações não vão deixar a música de lado

Riachão diante da Orquestra de Violeiros no coreto da praça Pedro Sanches

O sonho da Orquestra de Violeiros “Depois da morte do Orlando, não quis seguir carreira solo e dei um tempo na música. Voltei para Poços e virei comerciante”, conta. E foi neste período que Riachão começou a sonhar com a criação de uma orquestra de violeiros, sonho que virou realidade em 2000, quando se aposentou. “Foi difícil conseguir 16 músicos na época, principalmente porque meu objetivo era fazer shows beneficentes. Mas consegui e, até 2005, seguimos esta linha.” Em 2005, a Orquestra de Violeiros Paisagem do Sertão foi contratada pela Prefeitura de Poços de Caldas para fazer shows no coreto da praça Pedro Sanches e em eventos oficiais. “O prefeito da época, Sebastião Navarro, presenciou um show nosso que reuniu muita gente. Acho que ele gostou e nos chamou para fazer parte da programação musical da cidade”, conta. A orquestra, formada hoje por 13 músicos, já se apresentou em várias cidades de Minas Gerais e de São Paulo, inclusive na capital paulista (Terminal Tietê e na praça Minas Gerais). Além de cantar e tocar, Riachão é o comandante da orquestra e responsável por animar o público que lota a praça nas tardes de sábado. As apresentações públicas dos Violeiros, aliás, estão entre as cenas que mais caracterizam o cardápio de atrações turísticas do município. O orgulho fica visível quando Riachão fala do amor que a família toda tem pela música. Já são três gerações. Filhos e netos também tocam e cantam. Nenhum profissionalmente, exceto o sobrinho-neto Rodrigo Lessa Cioffi, médico e cantor sertanejo, que prepara o primeiro CD da dupla Rodrigo Lessa e Leonel. Riachão conta ainda que Marcos Cioffi, seu filho, também já está escalado para comandar a orquestra no futuro. “Fico feliz em saber que as próximas gerações não vão deixar a música de lado.”◄



LACRÈME 53


54 LACRÈME MEMÓRIA Edoardo no topo do Rockefeller Center, em Nova York, nos Estados Unidos, durante uma de suas passagens pelo país


MEMÓRIA LACRÈME 55

Edoardo Marras:

artista, empresário e visionário

Conheça um pouco da vida e da obra de uma personalidade fundamental para a história do entretenimento de Poços de Caldas

texto Stelio Marras* fotos acervo de família

M

(Em memória de Antero Matias Rodrigues)

eio constrangedor a gente escrever sobre coisas muito próprias ou da família. Mas quando os editores da LACRÈME souberam que, em breve (a partir de 5 de maio), haverá em Poços de Caldas (no Chalé Cristiano Osório do Instituto Moreira Salles) uma exposição com as obras em pastel de meu pai (Edoardo Luciano Marras, morto em 1981), eles então me encomendaram um texto que falasse dele, inclusive como referência à mostra que reunirá pelo menos 18 peças e cuja curadoria será de Teodoro Stein Carvalho Dias. Pelo pouco que contei, os editores não tiveram dúvidas de que o assunto haveria de interessar os leitores da LACRÈME. Assim, vislumbrada essa passagem do particularismo para o coletivo, passagem que cimenta sentidos comuns e dilui aquilo que era muito próprio ou ensimesmado, eis já o suficiente, pensei, para afastar meu pudor. Eu escreveria.


56 LACRÈME MEMÓRIA

Mas no dia 13 de fevereiro recebo uma notícia que me abalaria profundamente – e que por isso mesmo iria impactar o combinado: a morte de Antero Matias Rodrigues, aos 43 anos, morador de Poços de Caldas. Posso dizer que Antero, como um livre pesquisador anônimo e grande colecionador das antigas máquinas eletromecânicas (pinball, ou fliperama, entre tantas outras, e muitas das quais haviam originalmente pertencido a meu pai), tinha se tornado, que eu soubesse, o maior conhecedor na matéria. Justamente por isso, ele há pouco tempo havia se reaproximado de mim e de minha família (nós já nos conhecíamos desde a infância em Poços) porque sua pesquisa inevitavelmente o levava a meu pai, que foi quem primeiro importou para a América Latina, logo no início dos anos 1940, aquelas máquinas de jogos eletromecânicas. Ele as trouxe dos Estados Unidos, onde havia morado, para o Brasil. Primeiro para o Rio de Janeiro, depois para Poços de Caldas – cidade ainda eminentemente balneária, cidade das águas e dos jogos de cassino, e que exercia grande atração junto aos turistas e curistas, não só do Brasil, e em plena Belle Époque tropical. Não, eu não iria – eu já não conseguiria – deixar de lembrar Antero, com sua sempre doce presença, quando agora falasse de meu pai. E por isso eu também mencionaria a relação de meu pai com aqueles jogos eletromecânicos que tanto interessaram a Antero. De meu pai a Antero, a morte veio lavrar sua obra. Como por ironia do destino comum humano, a morte fez – como tantas vezes faz – dar voz àqueles que, uma vez retirados da vida, aos poucos se insurgem contra o esquecimento e passam a se instalar na memória. Ironia daquilo que, chegado a seu termo, pode então, e só então, ressuscitar-se na mais viva lembrança. Viva e dolorida lembrança essa do nunca mais que a morte opera.

Memória viva O relato que segue sobre meu pai provém sobretudo da memória de família, com um ou outro cotejamento em documentos que restaram sob nosso poder ou a partir de dados que pudemos pesquisar e recuperar. Destaco, em especial, aquilo que sempre ouço de minha mãe, Ruth São Juliano Marras, a maior fonte viva de conhecimento sobre meu pai. Edoardo Luciano Marras nasceu em 6 de janeiro de 1906 no Piemonte, região do norte da Itália que tem como capital a cidade de Turim. Nasceu pobre e nunca conheceu o pai, cujo nome nem sequer constava em sua certidão de nascimento. Criado pela avó, a quem devotava os maiores afetos, só conheceria a mãe aos 15 anos, quando veio, direto da Itália, encontrá-la na Argentina. A ideia era que ele e a avó voltassem, mas Marras decidiu ficar e nunca mais veria a avó. Agora com a mãe, permaneceu aproximadamente três anos na Argentina, onde cursou a Escola de Belas Artes de Buenos Aires. Pintando os chics Na capital argentina, sempre depois das aulas, Marras perambulava pelos cafés, à beira do porto, catando interessados em se retratar no lápis veloz do artista debutante. Aos 18 anos avançou pelas ruas, agora pintando por Córdoba e Mar del Plata – estações de forte apelo turístico. Viajante das estâncias hidroterápicas do mundo, lá onde os endinheirados e elegantes de antanho costumavam frequentar, Marras aproveitaria aquelas grandes temporadas – como, por exemplo, na mediterrânea Côte d’Azur – para montar galeria, expor os seus quadros e pintar os chamados chics da estação. Com estes, Marras pôde amealhar um bom dinheiro. Antes de chegar para a agitada temporada turística e curista de Poços de Caldas, ainda nos anos 1930, Marras, com seus cavaletes e pastéis na


MEMÓRIA LACRÈME 57

Da esquerda para direita, a partir da página ao lado, Edoardo ainda criança, na Itália, onde nasceu em 6 de janeiro de 1906; o artista em data não identificada; produzindo um retrato de criança; com Ruth São Juliano Marras, com quem se casou em 1962; e em Chicago, nos Estados Unidos, em 1934

bagagem, viajaria muito pelo mundo. Em Paris, expôs no Mercado da Palha. No continente americano, em Montreal e Chicago. Gostou dos Estados Unidos e morou por alguns anos lá. Em Chicago, foi contemporâneo de Al Capone, italiano como ele, mas Marras fugia de capones e guerras. Saltando os continentes e atravessando as nações, acabou adestrado em cinco idiomas. Pequeno, me lembro dele lendo Time e Paris Match, revistas que assinava. Ainda guardamos muitos exemplares em casa. Pulgas boleiras e ciclistas De olho nos elegantes de estação, em 1939 desembarcaria no ramal de Caldas da Mogiana para trabalhar na tão famosa e festejada estância balneária de Poços de Caldas. Mas não antes de passar por São Paulo e Rio de Janeiro. De fato, podemos hoje acessar facilmente no Banco de Dados Folha, do jornal Folha de S.Paulo (bd.folha.uol.com.br), reportagem de 17 de novembro de 1937, na então Folha da Noite, que marca a presença de Marras em São Paulo. Exótica passagem a desse senhor “Edward Marras”, conforme grafado na referida notícia, a mesma que o identifica como um “norte-americano” que trazia ao Brasil, depois de expor no “Parque de Attracções da Exposição de Paris”, o seu espetacular circo de pulgas adestradas. Sob o título “Pulgas que jogam futebol e andam de bicycletas”, o jornalista anuncia a “excepcional inteligencia revelada pelos terriveis e ... muito conhecidos animaezinhos”: “O sr. Edward Marras, norte-americano, tinha um tio que era amestrador de pulgas. O tio morreu e mr. Edward, tendo aprendido com elle a ensinar uma pulga a trabalhar herdou a excentrica profissão de domador de pulgas. O seu circo de pulgas, que obteve exito no Parque de Attracções da Exposição de Paris, acabar de chegar a S.Paulo. Esta tarde, mr. Edward fez

uma exhibição á imprensa do trabalho das suas pulgas. Presas por correntes, cerca de quarenta pulgas, que vivem do alimento humano do sangue do cachorro, do gato, do macaco e de outros animaes, estão em continuo exercicio sob a direcção do seu paciente professor. Umas são cyclistas, outras equibristas, futebolistas, artilheiras, enfim, cada um tem seu officio. Toda a arte de um circo de cavalhinhos as pulgas amestradas de mr. Edward executam. Levantam e puxam extraordinaria. Levantam e puxam pesos superiores 2.000 e mesmo 3.000 vezes ao seu proprio peso. Sua força a exhibição feita revela que é prodigiosa. Mr. Edward accentuou-nos: ‘Se os homens tivessem a força das minhas pulgas amestradas pulariam, com a maior facilidade, de um só salto, o edificio Martinelli’. Assim como os artistas de um circo de cavallinhos, as pulgas amestradas de mr. Edward tambem têm os seus nomes. Há uma pulga ethiope, que se denomina Menelik. Outras, cuja arte é puxar carros romanos (vigas), chamam-se Claudio, Nero e Cesar. A casa das pulgas amestradas tambem nos foi mostrada por mr. Edward. Ellas ali vivem sob pelles de calor especial. A temperatura é de grande importancia para a sua vida. Porisso dispõe mr. Edward de um apparelhamento especial de marcar a temperatura para a habitação da pulgas. Das quinhentas especies de pulgas conhecidas, mr. Edward tem o trabalho especial de escolher as susceptiveis de serem amestradas. Nisto consiste o segredo de sua original profissão.” À parte a falsa nacionalidade (talvez explicada pelos tempos difíceis do fascismo italiano e, no Brasil em particular, pelo golpe de Getúlio Vargas na implantação do Estado Novo), o resto é mais ou menos verdadeiro. Havia sim o circo de pulgas. Conta minha mãe que vez ou outra meu pai lembrava essa história de pagar pessoas que oferecessem o braço para alimentar suas pulgas.


58 LACRÈME MEMÓRIA

O artista em momento de descontração

Clima de montanha – e de guerra Edoardo Marras, porém, não permaneceu no Rio ou em São Paulo porque o clima não o agradou muito. Já em Poços, o “clima de montanha”, como ele dizia, lembrava aquele de seu Piemonte natal. Mas não foi esse clima que iria prendê-lo a Poços. E sim o clima de guerra – clima europeu, é verdade, mas seus bafejos logo se espalhando pelo mundo. Enfim estoura a Segunda Guerra Mundial. Se Marras saísse de Poços de Caldas naquele momento, como para voltar à Itália, ele de imediato teria que servir nos exércitos de Mussolini, além de ter os seus bens confiscados pelo Estado fascista e totalitário do Duce. Qual, guerra! Qual, Duce! Marras não titubeou em permanecer em Poços e na sua galeria, montada nas dependências do Palace Hotel. São José versus Vogue Na virada da década de 1930 para a de 1940, resolveu comprar uma pequena vila de casas na Rua Itororó (atual Rua São Paulo). Pouco depois pôs abaixo aquelas casas penduradas no morro homônimo (Morro do Itororó) e construiu, com o sócio José Acelyno dos Santos (não estou certo da grafia do nome), o Cine Vogue, cujo desenho arquitetônico também é da lavra de Marras. José Acelyno desfrutaria de todos os rendimentos por sete anos, como numa espécie de comodato, para então retirar-se da sociedade do cinema – o que de fato ocorreu. A parte de cima do prédio, com vários apartamentos, só seria construída posteriormente – por Marras e já por sua própria conta. O cinema se chamaria Cine São José (talvez para dar o nome da pessoa, o José Acelyno, à coisa – ou simplesmente para homenagear o santo), mas Marras defendeu Vogue, um nome francês e laico. A inauguração aconteceu por volta de 1942, ano em que nasce minha mãe, Ruth São Juliano, ela que em 1962 se tornaria esposa de Marras.

Retratos de artistas Nas mesmas dependências do Cine Vogue, Marras instalaria as máquinas de jogos eletromecânicas que ele conhecera nos Estados Unidos e já tinha importado para Poços de Caldas. Tinha montado também, nas galerias do Palace Hotel (onde hoje tem lugar a piscina), um salão de jogos que depois perduraria em outras mãos. Marras foi pioneiro na importação dessas máquinas para a América Latina. Quando tomou posse integral do Vogue, ele transferiu boa parte daquelas máquinas para o hall do cinema. A partir daí, quando se embrenhou mais e mais nas atividades comerciais, começou a parar de pintar. Ou melhor, a parar de vender suas pinturas para, desde então, pintar apenas o que queria, livremente. É dessa época, anos 1940 em diante, sua série de artistas famosos de cinema retratados em seus pastéis. Essa coleção, em especial, permaneceu em poder da família e é o principal acervo que será exposto no Instituto Moreira Salles de Poços de Caldas em maio. Antes de encerrar sua produção comercial em artes plásticas, Marras retrataria em seu ateliê nas galerias do Palace Hotel não apenas os elegantes de estação, que queriam se ver imortalizados na pena do artista, mas muitas das figuras destacadas da sociedade poços-caldense da época. É verdade que ele, como de resto a família, nunca propriamente foi, nunca fomos, “gente de sociedade”, como se diz. Vendo retrospectivamente, creio que as reservas eram mútuas. Mas isso não impediu que Marras cultivasse certa proximidade com algumas personalidades. Por exemplo, o escritor Jurandir Ferreira, sua esposa Elza Monteiro e o pintor Bruno Felisberti, com os quais meu pai gostava sempre de conversar. Casa, descasa e casa de novo É muito provável que o caráter meio arredio junto à dita boa sociedade poços-caldense (caráter que, mais tarde, se estenderia à família, por he-


MEMÓRIA LACRÈME 59 A beleza da atriz norte-americana Miriam Hopkins (1902-1972) no traço de Edoardo; abaixo, o ator Mickey Rooney, 91 anos, outro ilustre astro retratado por Marras

rança), deva-se não apenas a seu temperamento particular, mas também, senão sobretudo, à recepção desconfiada, ou mesmo hostil, que teve daquela sociedade. Afinal, ele era um estrangeiro, não chegava apadrinhado por ninguém de escol, casaria e se descasaria com uma mulher local (a quem depois pediria o divórcio) para sacramentar seu segundo e derradeiro casamento (outro escândalo) com uma moça 30 anos mais nova que ele – minha mãe. De fato, quando chegou em Poços, em 1939, Marras logo procurou uma candidata a esposa. Encontrou uma Júlia e com ela se casou. Mas a mulher poços-caldense, amiga de uma namorada de Marras (esta, filha de um médico também local), revelou-se estéril (e parece que seu espírito também não era lá muito fértil). Em todo caso, não podendo gerar filhos, isso que Marras tanto desejava, em pouco tempo descasaram-se. Mais tarde, já casado pela segunda vez, desta feita com minha mãe, encaminharia a oficialidade do divórcio. Consta que esse teria sido o primeiro divórcio do sul de Minas – e, claro, um verdadeiro escândalo para a época, sobretudo numa pequena cidade mineira interiorana. Escândalo que incomodou o suficiente para que ele e minha mãe resolvessem debandar para Nova York, onde assentariam residência definitiva. O cinema ficou sob a gerência de um parente que meu pai ajudou a imigrar da Itália para o Brasil. Mas o parente resolveu desviar os rendimentos do cinema, e tão sistematicamente que determinou a volta de meus pais à terra caldense brasileira, pondo fim ao intento de viver nos Estados Unidos, onde permaneceram por apenas três meses. Ultravisão: um morro e nove anos de obras Em meados dos anos 1960, de volta a Poços e casado com minha mãe, descasou-se com o circo de pulgas e a comercialização das artes plásticas, ambas suas companheiras mundo afora. A exibição comercial de filmes tomaria seu horizonte, o cinema também aparecendo nos quadros que ainda pintaria, como a série de artistas dos anos 1940 e 1950. No fim desta mesma década de 1960, ele desenharia a arquitetura de um novo prédio de cinema. Era o Ultravisão, inaugurado em 1979, até hoje administrado pela família e que novamente o levou a remover um morro, o que lhe custou nove anos de construção. Dois anos depois o câncer levou-lhe a vida. À memória restou não apenas a imagem de um pai exemplar ou o nome que, dois anos depois de sua morte, emprestou à principal avenida do Conjunto Habitacional de Poços Caldas. Restou também a figura de um homem híbrido, ele que circulou por tão diferentes domínios, sem nunca aferrar-se a qualquer seita – nas artes ou fora delas – por mais confortáveis ou convenientes que fossem. Eis porque não saberíamos hoje bem situá-lo. Artista pop avant la lettre? Aqueles que fitarem suas obras – parte pequena, mas exemplar de suas múltiplas atividades – poderão formar opinião própria.◄ *Stelio Marras é professor de Antropologia do IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo). É autor de A Propósito de Águas Virtuosas: Formação e Ocorrências de uma Estação Balneária no Brasil (Editora da UFMG, 2004).


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Marcelo D2

Pop rock, rap, sertanejo e axé texto Valéria Cabrera fotos Divulgação

Cláudia Leitte

Paralamas do Sucesso

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variedade de estilos marca a programação musical dos próximos meses em Poços de Caldas, que vai agradar quem gosta de pop rock, samba rap, sertanejo e axé music. Os ingressos para todos os shows já estão à venda. A maratona começa no dia 5 de maio, com o show de Cláudia Leitte na festa intitulada Dia da Farra e do Beijo. Esta é a quinta edição do evento, que já teve a participação de Ivete Sangalo, Asa de Águia e Chiclete com Banana. A festa deste ano também contará com a apresentação do DJ Carlo Dall’Anese, eleito duas vezes o melhor do país. A música sertaneja entra em cena no dia 18 de maio, com o show de Paula Fernandes. O pop rock chega a Poços de Caldas no dia 25 de maio, com o Paralamas do Sucesso, que não tocava na cidade há uma década. No show, Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone apresentam suas principais canções, reunidas no CD Brasil Afora (2009). Em junho, o ritmo muda para o rap misturado com samba, com o show de Marcelo D2 no dia 16. O cantor e compositor será a atração principal do Music, primeiro espetáculo organizado pela Music Eventos. A festa contará ainda com a apresentação da banda poços-caldense K2 e dos DJs Mol e Peter Paul. CLÁUDIA LEITTE – Dia 5 de maio no Espaço Tatersal (avenida Alcoa, 2.300, Parque Esperança 2). Ingressos: R$ 30 (pista), R$ 60 (área vip) e R$ 90 (camarote). Informações: 35 3722-2348. PAULA FERNANDES – Dia 18 de maio, no Espaço Tatersal (avenida Alcoa, 2.300, Parque Esperança 2). Ingressos: não informado até o fechamento desta edição. Informações: 35 3722-2348 PARALAMAS DO SUCESSO – Dia 25 de maio, às 22h, no Ginásio Poliesportivo Arthur de Mendonça Chaves. Ingressos: R$ 60 (área vip com open bar) e R$ 30 (arquibancada). Informações: 35 3712-3466.

Paula Fernandes

MARCELO D2 – Dia 16 de junho, a partir das 17h, na Associação Atlética Caldense (rua Pernambuco, 1.145, Centro). Ingressos: R$ 40 (pista – 1º lote). Informações: 35 3721-1207.


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62 LACRÈME ROTEIRO POÇOS

Exposições JOSÉ RAIMUNDO: A PINTURA ALÉM DO JARDIM – Exposição de 40 trabalhos, estilo naïf, do artista mineiro de Pouso Alegre. José Raimundo faz uso de cores fortes em suas pinturas que retratam cenas ingênuas como a lida no campo, animais no pasto, procissões e festejos religiosos. No Chalé Cristiano Osório do IMS (Instituto Moreira Salles). Rua Teresópolis, 90, Jardim dos Estados. Tel.: 35 3722-2776. De terça a domingo, das 13h às 19h. Até 29 de abril. Entrada e estacionamento gratuitos. ROBERT POLIDORI. FOTOGRAFIAS – Exposição retrospectiva com 39 fotografias do artista canadense radicado nos Estados Unidos. A mostra reúne os principais ensaios assinados pelo fotógrafo a partir dos anos 1980, como as séries Havana (Cuba), Beirute (Líbano) e Prypiat e Chernobyl (Ucrânia). No IMS (Instituto Moreira Salles). Rua Teresópolis, 90, Jardim dos Estados. Tel.: 35 3722-2776. De terça a domingo, das 13h às 19h. Até 27 de maio. Entrada e estacionamento gratuitos.

Literatura FLIPOÇOS E FEIRA NACIONAL DO LIVRO – Festival literário e feira de livros que reunirá grandes nomes da literatura, como Luís Fernando Veríssimo, Rubem Alves, Fernando Gabeira, Chico Lopes e Zuenir Ventura. No Complexo da Urca. Praça Getúlio Vargas, s/nº, Centro. De 28 de abril a 6 de maio. Informações: www.feiradolivropocosdecaldas.com.br

Workshop FOTOJORNALISMO – O fotógrafo Vanderlei Guedes, que participou em 1995 de uma reportagem sobre as condições de moradia do povo palestino em Israel, realiza workshop em Poços de Caldas dias 26 e 27 de maio. Durante 12 horas, o repórter-fotográfico fala sobre o trabalho realizado ao longo de sua carreira e sobre o desenvolvimento do “olhar do fotógrafo”. O evento é promovido pelo Grupo de Produção Cultural Memória, Arte e Cidade. Local e horário a serem confirmados. Informações: 35 9902-1933, com Maria Cássia d’Ambrósio.

Festa religiosa SÃO BENEDITO – Tradicional festa religiosa que está na sua 108ª edição. Na programação, ternos de congos e caiapós, missas, procissões, parque de diversões e barracas de comida e bebidas. Na praça Coronel Agostinho Junqueira (praça São Benedito). De 28 de abril a 13 de maio, sempre a partir das 18h. Dia 13, missa com congada às 10h e procissão às 16h. Informações: 35 3712-7180.

Gastronomia COMIDA DI BUTECO – Festival gastronômico que reúne botecos de Poços de Caldas. Nesta sexta edição do evento, o queijo tipo Minas é um ingrediente obrigatório no prato inscrito no concurso. Nos 15 botecos inscritos (a relação está no site www.comidadibuteco. com.br). De 13 a 29 de abril.


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Música boa

e de

graça

JUSCILENE BUOSI – Lançamento do CD Um Retrato, o segundo da atriz e cantora que mora atualmente em Poços de Caldas. No novo trabalho estão interpretações de músicas de compositores consagrados como Milton Nascimento, Alceu Valença e Joyce. No Museu da Pampulha. Avenida Dr. Otacílio Negrão Lima, 16.585, Pampulha, Belo Horizonte. Dia 6 de maio, às 11h. Entrada franca.

Literatura 3ª Bienal do Livro – Palestras e sessões de bate-papo e de autógrafos com escritores, além de lançamentos de livros, fazem parte da programação da terceira edição da Bienal do Livro de Minas. No Expominas. Avenida Amazonas, 6.030, bairro Gameleira, Belo Horizonte. De 18 a 27 de maio, das 12h às 22h (18 de maio), das 9h às 22h (dias de semana) e das 10h às 22h (fins de semana).

S

eu Jorge, Gilberto Gil, Otto, Tom Zé, Vander Lee, Roberta Sá, Teresa Cristina, Samuel Rosa, Márcia Castro, Mallu Magalhães e Emicida são as atrações já confirmadas do Festival Natura Musical, que será realizado no dia 24 de junho, em Belo Horizonte. O evento substitui o Festival Natura Nós, que aconteceu entre 2009 e 2011. A edição 2012 apresenta novo formato, com a valorização da música nacional. Além da capital mineira, o festival vai presentear ainda os moradores de São Paulo e Salvador. Até o fechamento desta edição (1/4), não tinham sido divulgadas informações sobre locais e horários dos shows. O certo é que serão realizados em espaços públicos da cidade ao longo do dia, todos com entrada gratuita. Os palcos montados irão proporcionar o encontro de artistas já reconhecidos do grande público com nomes da nova cena musical nacional, numa junção de diferentes ritmos.


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66 LACRÈME ROTEIRO SP

Musicais em alta

A

s grandes produções dos musicais invadiram os palcos paulistanos neste primeiro semestre de 2012. São pelo menos cinco espetáculos em cartaz, três deles sucesso de público e de crítica na Broadway. Um dos mais esperados é Priscilla, Rainha do Deserto. Com figurinos luxuosos e canções consagradas como Its Raining Man e I Will Survive, o público poderá acompanhar a trajetória de duas drag queens e de um transexual que seguem pelo deserto australiano fazendo shows. A história da famosa Família Addams também foi adaptada ao gênero e está em cartaz na capital paulista. O espetáculo conta a história de Wandinha, a filha mais nova de Morticia e Gomez Addams, por um garoto de uma família aparentemente normal, que vai à casa da estranha família de sua namorada para um jantar. O casal mais incomum do cinema será representado no teatro por Marisa Orth e Daniel Boaventura. Em cartaz desde o ano passado, o musical Hair continua a atrair fãs para o Teatro Frei Caneca. Sexo, drogas e rock’n’roll são temas presentes no espetáculo, que traça o estilo de vida de um grupo hippie de Nova York nos anos 1960. As produções nacionais também ganham destaque na programação. A começar por Tim Maia – Vale Tudo, O Musical, que tem como protagonista Tiago Abravanel, neto de Sílvio Santos. O espetáculo é baseado no livro Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia, de Nelson Motta. Com direção de João Fonseca, o musical já foi visto por mais de 100 mil pessoas somente no Rio de Janeiro, onde estreou e ficou em cartaz de agosto a dezembro do ano passado. Já o ator José Mayer (o Pereirinha da novela Fina Estampa) é o protagonista de Um Violinista no Telhado. O espetáculo retrata um leiteiro dividido entre a tradição de casamentos arranjados e impulsos amorosos de suas cinco filhas.

PRISCILLA, RAINHA DO DESERTO – No Teatro Bradesco (Bourbon Shopping São Paulo). Rua Turiassu, 2.100, 3º piso, Pompeia, São Paulo. Quinta e sexta, às 21h; sábado, às 17h e 21h; e dominho, às 16h e 20h. Ingressos: R$ 80 a R$ 250. Vendas: www.ingressorapido.com.br e tel.: 11 4003-1212. A FAMÍLIA ADDAMS – No Teatro Abril. Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 411, Bela Vista, São Paulo. Tel.: 11 2846-6060. Quinta e sexta, às 21h; sábado, às 17h e 21h; e domingo, às 16h e 20h. Em cartaz por tempo indeterminado. Ingressos: de R$ 70 a R$ 250. Vendas: tel.: 11 4003-5588.

HAIR – No Teatro Frei Caneca (Shopping Frei Caneca). Rua Frei Caneca, 569, 6º andar, Consolação, São Paulo. Tels.: 11 3472-2226 e 11 2229-2230 Quinta, às 21h; sexta, às 21h30, sábado, às 17h30 e 21h30; e domingo, às 17h30. Até 29 de abril. Ingressos: R$ 80 (quinta, sexta e 1ª sessão de sábado) e R$ 100 (noite de sábado e domingo). Vendas: www.ingressorapido. com.br e tel.: 11 4003-1212. TIM MAIA – VALE TUDO, O MUSICAL – No Teatro Procópio Ferreira. Rua Augusta, 2.823, Cerqueira César, São Paulo. Tel.: 11 3083-4475. Quinta e sábado, às 21h; sexta, às 21h30; e domingo, às 18h. Até 24 de junho. Ingressos: de R$ 50 a 150. Vendas: www.ingressorapido.com.br e tel.: 11 4003-1212.

UM VIOLINISTA NO TELHADO – No Teatro Alfa (anexo ao Hotel Transamérica). Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, São Paulo. Quinta e sábado, às 21h; sexta, às 21h30; e domingo, às 17h. Ingressos: de R$ 40 a R$ 200. Vendas: www.ingressorapido.com.br e tel.: 11 4003-1212.


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68 LACRÈME CHECK-IN


check-in Pequim

por

Gil Sibin, fot贸grafo e empres谩rio

Grupo de mulheres na noite de Pequim, a megal贸pole chinesa de 20 milh玫es de habitantes




72 LACRÈME CRÔNICA

Acavaleiro

por Ricardo Ditchun foto André Fonseca de Paiva

P

oços de Caldas abriga uma série de recantos a partir dos quais é possível exercitar um programa e tanto: contemplar a cidade do alto. É assim, por exemplo, a experiência de quem enfrenta o medo delicioso de voar na companhia dos pilotos de paraglider; de quem descobre detalhes urbanos e rurais desde o monumento do Cristo Redentor, no topo da Serra de São Domingos; de quem aprecia a paisagem no trajeto de ida e volta do teleférico; de quem descortina a área central a partir das praças que envolvem a Igreja de São Benedito e o Santuário Nossa Senhora de Fátima... Em algumas situações, vale a ressalva, é preciso desconsiderar o descaso ou o ranço de turismo oficialesco que exala das atrações. Poderia ser memorável, também, para adultos e crianças, o passeio de monotrilho que ajudaria a alavancar muitas atividades correlacionadas ao turismo ao longo de seu eixo quilométrico: do Centro até a rodoviária. Mas não: abandonado (há mais de 30 anos!), ele, de modo escandaloso, reinventa-se a cada dia como monumento ao descaso e ao erro grosseiro. Está lá para quem quiser e não quiser ver, sejam moradores ou turistas. De quebra, contamina o cotidiano de quem vive nos bairros que sustentam as estruturas deste dejeto arquitetônico. Além dos atrativos elevados mais notórios, a cidade oferece outros,

em bairros próximos ou distantes da região central e que, praticamente, são desfrutados apenas por moradores. Nestes, os turistas escasseiam. É o caso das escadarias – a cidade, por causa de seu relevo, é pródiga nestas soluções para o ir e vir nosso de cada dia. O bairro São José concentra muitas. É subir e admirar perspectivas sempre surpreendentes. Câmeras fotográficas, claro, são bem-vindas durante essas perambulações. Algumas escadarias já foram apropriadas por garotos que praticam downhill urbano, a alucinante modalidade ciclística que consiste em despencar degraus abaixo a velocidades que podem chegar aos 70 km/h! Capacete na molecada! Pessoalmente, admiro com especial interesse as vistas obtidas a partir dos “mirantes” no início (ao pé da Serra de São Domingos) das ruas Assis Figueiredo e Rio Grande do Sul e, do lado contrário, desde a altura máxima em que essas vias permitem olhar a área central, lá pelos altos do Jardim Quisisana. No sopé da serra, sugiro o pôr-do-sol, apesar de, já faz tempo, eu planejar com amigos a degustação noturna de um bom Malbec na escadaria da Rio Grande do Sul. Do outro lado, a pedida é diurna e noturna, pois a serra como pano de fundo é de uma beleza arrebatadora. Invejo, sem maldade e com discrição, as pessoas que moram nessas duas regiões da cidade e que podem, caso queiram, abrir a janela e enxergar poesia.◄


CADERNO

V E R D


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Óleo: pelo descarte

correto

texto Valéria Cabrera fotos Fernanda Buga

Processo de reciclagem começa com a limpeza do óleo coletado em bares e residências


CADERNO VERDE LACRÈME 75

E

studos apontam que cada litro de óleo despejado na rede de esgoto tem potencial para poluir cerca de um milhão de litros de água, o que equivale à quantidade que uma pessoa consome ao longo de 14 anos de vida. Além de entupir a tubulação, o óleo também encarece o processo de tratamento de esgoto. Caso não exista sistema de tratamento, esse material se espalha na superfície de rios e represas, contaminando a água e matando muitas espécies que vivem nesses ambientes. Então, o que fazer com o óleo de cozinha que usamos em casa ou no nosso comércio? A reciclagem é o caminho. E as possibilidades de transformação deste produto são muitas. O óleo pode ser usado na produção de resina para tintas, sabão e detergente, ração para animais e biocombustível. A gordura animal também é reciclável e usada pela indústria de cosméticos. Algumas cidades do país já possuem programas de reciclagem de óleo de cozinha. Esse é o caso de Poços de Caldas, onde atua a Coopergore (Cooperativa de Coleta e Reciclagem de Óleos e Gorduras Residenciais). A cooperativa surgiu de um projeto desenvolvido na Escola Municipal Sérgio de Freitas Pacheco, na Vila Togni, uma iniciativa do Atacado Vila Nova e Abad (Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados).

A Coopergore nasceu há três anos e meio e conta atualmente com 12 integrantes, todas mulheres, ex-donas de casa. “O projeto tinha o objetivo de melhorar a comunidade, trabalhando o aluno e os pais. Eu e algumas outras mães nos unimos e resolvemos melhorar a cidade reciclando o que iria para o lixo e, ao mesmo tempo, conseguimos uma renda extra”, conta Denilza Francisca Consolini Navarro, diretora financeira da cooperativa. O trabalho ajuda a impedir que até 5 mil litros de óleo sejam despejados por mês nos encanamentos de esgoto de Poços de Caldas. Apesar de parecer significativo, esse número corresponde a apenas 7% da capacidade do município, calculado entre 70 mil e 72 mil litros por mês. A Coopergore recolhe o óleo usado em bares, restaurantes, pesqueiros e hotéis da cidade. São disponibilizados galões para o depósito de óleo e gordura, que são retirados periodicamente. A cooperativa também instala galões de coleta em escolas e condomínios para receber o óleo de residências. Neste caso, casa pessoa armazena seu óleo usado em garrafas pet e depois as deposita nos galões. Todas as escolas municipais têm pontos de coleta, assim como as unidades do CRAs (Centro de Referência de Assistência Social). A população também pode entregar seu óleo usado na Igreja Matriz e nas escolas particulares Nini Mourão, Jesus Maria José e Pio XII.


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A transformação Todo o óleo recolhido pela Coopergore é vendido para empresas que o transformam em biocombustível. Antes, porém, passa por um processo de limpeza. O óleo é filtrado em peneiras de várias espessuras para a retirada do resíduo de alimentos (esse material, depois de seco, é vendido para empresas que fabricam ração para animais). Limpo, o óleo então é depositado em um tonel para o processo de decantação. “Os alimentos fritos contêm água, que se mistura com o óleo. Temos de separar os dois produtos”, explica Denilza. Só depois disso o produto é vendido para as empresas que o transformam em biocombustível. Já na indústria, esse óleo “limpo” recebe a adição de álcool e de uma substância catalisadora. Colocado em um reator e agitado a temperaturas específicas, se transforma em energia renovável.

Danos do óleo ao meio ambiente

Crescimento Atualmente, a Coopergore recolhe o máximo de 5 mil litros de óleo por mês. A diretora financeira da cooperativa explica que tudo depende da época do ano e da frequência de turistas na cidade. Durante as férias e nos feriados prolongados, por exemplo, o movimento em hotéis, bares e restaurantes cresce, aumentando assim a quantidade de óleo usado nas cozinhas. Os maiores fornecedores são os pesqueiros e os bares que trabalham com pescados por causa da constante troca de óleo na fritura. “Temos condições de ampliar essa coleta. Para isso, contamos com a colaboração dos estabelecimentos e também das donas de casa”, diz Denilza. Quem quiser colaborar com o meio ambiente pode entrar em contato com a Coopergore pelo telefone 35 3715-6860.

Impermeabiliza o solo contribuindo para o aumento das enchentes; Cria uma fina camada na superfície da água, prejudicando a oxigenação e a vida aquática; Causa mau cheiro; Aumenta o custo do tratamento de esgoto; Causa entupimento das tubulações e refluxo do esgoto.

Parte da equipe da Coopergore



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CADERNO VERDE LACRÈME 79

Congresso ambiental

abre espaço para a comunidade texto Valéria Cabrera ilustração Andrei Marani

O

9º Congresso Nacional de Meio Ambiente de Poços de Caldas, de 23 a 25 de maio, no Espaço Cultural da Urca, oferecerá pela primeira vez atividades paralelas de educação ambiental voltadas para a comunidade. São oficinas, workshops, dinâmicas e mini-palestras gratuitas destinadas a estudantes e outras pessoas interessadas na importância da sustentabilidade no dia a dia. “O objetivo é envolver a comunidade em um evento que até então era técnico-científico, voltado para estudantes e profissionais da área”, explica Gisele Corrêa Ferreira, diretora da GSC Eventos, organizadora do congresso em parceria com o Instituto Federal do Sul de Minas, campus Muzambinho. Entre as atividades paralelas programadas estão oficinas de reciclagem, hortaliça orgânica e sabão ecológico; e uma mini-palestra sobre a importância da coleta e reciclagem do óleo de cozinha. A programação oficial do congresso, cuja participação necessita de inscrição prévia, discutirá Como a tecnologia pode auxiliar na preservação do meio ambiente. O evento trará ainda mesas temáticas sobre temas em evidência quando o assunto é meio ambiente, como aquecimento global e mudanças climáticas, energia, recursos hídricos, resíduos sólidos, direito ambiental e educação ambiental. Entre os destaques da programação estão as palestras A carta da terra e as novas tecnologias na preservação do meio ambiente, com o teólogo e escritor Leonardo Boff, e Tecnologia e Meio Ambiente, com o cientista econômico Ladislau Dawbor. A programação completa do 9º Congresso Nacional de Meio Ambiente de Poços de Caldas está no site meioambientepocos.com.br, que também recebe inscrições. Mais informações pelo telefone 35 3697-1551.◄


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LATAS por Manoel de Barros*

“Estas latas têm que perder, por primeiro, todos os ranços (e artifícios) da indústria que as produziu. Segundamente, elas têm que adoecer na terra. Adoecer de ferrugem e casca. Finalmente, só depois de trinta e quatro anos elas merecerão de ser chão. Esse desmanche em natureza é doloroso e necessário se elas quiserem fazer parte da sociedade dos vermes. Depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas. Isso é muito comum. Diferentes de nós as latas com o tempo rejuvenescem, se jogadas na terra. Chegam quase até de serem pousadas de caracóis. Elas sabem, as latas, que precisam chegar ao estágio de uma parede suja. Só assim serão procuradas pelos caracóis. Sabem muito bem, estas latas, que precisam da intimidade com o lodo obsceno das moscas. Ainda elas precisam de pensar em ter raízes. Para que possam obter estames e pistilos. A fim de que um dia elas possam se oferecer às abelhas. Elas precisam de ser um ensaio de árvore a fim de comungar com a natureza. O destino das latas pode também ser pedra. Elas hão de ser cobertas de limo e musgo. As latas precisam ganhar o prêmio de dar flores. Elas têm de participar dos passarinhos. Eu sempre desejei que as minhas latas tivessem aptidão para passarinhos. Como os rios têm, como as árvores têm. Elas ficam muito orgulhosas quando passam do estágio de chutadas nas ruas para o estágio de poesia. Acho esse orgulho das latas muito justificável e até louvável.”

*O poeta cuiabano Manoel de Barros tem 95 anos e é autor de pelo menos três dezenas de livros. É reconhecido como o mais importante poeta vivo do Brasil e sua obra tem sido premiada e traduzida para vários idiomas. O poema “Latas” está publicado no livro Memórias Inventadas: A Infância (Planeta, 2003).


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