DESNÍVEIS NA ARQUITECTURA
DESNÍVEIS NA ARQUITECTURA
Desníveis na Arquitectura
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DesnĂveis na Arquitectura
Desníveis na Arquitectura Tese de Mestrado em Arquitectura
Universidade Católica Portuguesa – C.R.B. Curso de Arquitectura 2008/2009
Orientador: Arqº João Horta Co-orientador: Arqº Carvalho Araújo
Aluno: Fernando Silva
Desníveis na Arquitectura
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DesnĂveis na Arquitectura
Índice Introdução
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Considerações iniciais O papel da arquitectura nas relações
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Desníveis na Arquitectura
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Síntese do Projecto
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PARTE 1 – Investigação - Os Desníveis na História Adolf Loos – Os seus ideais e o seu contributo
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Raumplan
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O Ornamento
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Adolf Loos e Le Corbusier
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PARTE 2 – A Vila de Ponte de Lima A primeira impressão de Ponte de Lima
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Elementos de Composição do espaço Urbano
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PARTE 2.1 – Proposta de Intervenção na E.N. 203 A Vila de Ponte de Lima em análise
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A E.N. 203 em análise
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Intenção do Projecto – O desnível como elemento de transição
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A Proposta
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Vegetação
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Mobiliário
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Pavimento
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Iluminação
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Síntese
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Informação Gráfica
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Referência – Requalificação do Espaço Urbano em Montemo-o-Velho
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PARTE 2.2 – A Parcela Habitacional Definição da Base Programa
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Interpretação do Lugar
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Premissas
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Definição da Estratégia de Intervenção
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O conceito
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A proposta A orientação
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A métrica
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A transição dos espaços
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Os percursos
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Os pátios
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As fachadas
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Espaços Verdes
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Vegetação
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Materiais
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Luz
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Informação Gráfica
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Referência - O Bairro da Bouça
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Introdução
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O Bairro da Bouça
101
Localização, terreno e confrontantes
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Implantação
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A edificação
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Os blocos habitacionais
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Os equipamentos
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Os Vazios Os pátios
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Os percusos
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Informação Gráfica
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PARTE 2.3 – O FOGO O conceito
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Organização Espacial
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Volumetria
127
Desníveis
127
Relação Base
128
Elementos Base
128
Transição e Hierarquia dos Espaços
129
Os Espaços
130
O Conforto Ambiental
132
A luz
132
Os materiais
133
A solução construtiva
135
Informação Gráfica
137
Referência - Casa Moller
161
Unidade Habitacional de Marselha
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PARTE 3 – Considerações Finais Conclusão
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PARTE 4 Bibliografia
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Anexos
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DesnĂveis na Arquitectura
Introdução
É objectivo deste trabalho, teorizar e dar a entender todo o processo de análise, investigação e reflexão sobre o projecto final realizado na cadeira de Projecto Integrado Urbano e Projecto Integrado de Renovação. O projecto final é no fundo toda a proposta realizada durante o ano em Ponte de Lima, mais propriamente na E.N. 203. Em termos gerais o projecto assenta em três escalas de intervenção, a escala urbana (requalificação da E.N. 203), a do bairro (proposta do conjunto habitacional) e a da habitação (organização do fogo). Como base essencial para a realização do projecto, o conceito está presente em todas as fases de realização do projecto. Neste caso específico o conceito do projecto centra-se nos Desníveis na Arquitectura. Com o tema definido, este trabalho apresenta-se com um primeiro capítulo de considerações inicias destinado à apresentação e debate do conceito onde se reflecte sobre as relações e o papel da arquitectura. Com isso segue-se para a investigação sobre o tema em termos de conceito e evolução na arquitectura. Visto este trabalho ter como base o projecto final da cadeira de Projecto Integrado Urbano e Projecto Integrado de Renovação, a investigação centra-se apenas na teoria, na obra e no confronto entre dois arquitectos, Adolf Loos e Le Corbusier, essenciais para a história da arquitectura e por consequência para o tema do trabalho. Depois da parte de investigação consolidada, surge a exposição do tema directamente relacionada com o projecto de requalificação da E.N. 203 em Ponte de Lima, até proposta do conjunto habitacional numa parcela adjacente à via, terminando com a organização interior do fogo. Ao longo da apresentação da proposta às várias escalas de intervenção, são também apresentados casos práticos de referência e fundamentação do projecto.
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O papel da Arquitectura nas Relações
Nos dias que correm a arquitectura deve ser acima de tudo pensada segundo a sua relação com o todo, tudo o resto pode e deve ser pensado de muitas formas. Quase tudo na vida apresenta uma necessidade de ser pensado segundo si próprio e segundo as relações que estabelece e a arquitectura não foge à regra. Face ao estado actual das coisas, da sociedade, da evolução, da tecnologia e da natureza humana de querer mais e melhor, assistimos cada vez mais a um maior distanciamento das relações humanas. De um modo robusto, porém, a arquitectura pode então ser pensada segundo a relação que consegue estabelecer com as pessoas e as relações entre pessoas que consegue criar. A própria funcionalidade da arquitectura, princípio essencial, deve incluir este tipo de reflexão. Desde modo o fazer arquitectura é funcional em duas vertentes, a física e a psicológica, ou seja, não se importa apenas com a organização dos espaços, distribuições, ambientes, etc., mas também conseguir ao mesmo tempo criar, leituras, emoções, contextos, relações e interacções entre pessoas com qualidade. Assim a arquitectura pode ser pensada e usada como uma “ferramenta” com capacidade de regular e valorizar os procedimentos pessoais. Visto que este trabalho é acima de tudo uma defesa e fundamentação de um projecto, a defesa de uma “arquitectura” é também a defesa da existência de um todo que resulta da conjugação e relação entre as várias partes que compõem uma arquitectura. No entanto para além das teorias e ideais que sustentam a arquitectura, esta é feita de coisas concretas, materiais, estruturas, tipologias, espaços, elementos, escalas, formas, enfim, um infindável leque que também assumem entre si um conjunto de possibilidades de relações. É nesta procura e escolha de articulações entre objectos concretos e ideais que o arquitecto é a toda a hora confrontado mas que só assim torna a arquitectura possível. Toda esta questão de opções e conciliações tanto do mundo da arquitectura como no mundo das relações humanas, leva-nos a um tipo de pensamento que se centra essencialmente em defender a predominância de alguns princípios em detrimento de outros, considerando uns melhores que outros, quer pela sua eficácia, que pela sua implicação na dimensão humana e pela defesa da qualidade de vida acima de tudo. O processo de fazer arquitectura assenta no fundo num pensamento extremamente abrangente e minucioso sobre como conciliar e relacionar imensos princípios e elementos, tanto respeitantes directamente à arquitectura como ao mundo das ciências sociais e humanas.
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Desníveis na Arquitectura
Desníveis na Arquitectura
Desnível, algo que está presente em todo lado, desde a grande escala até a micro escala. É por essa constante presença, que também na arquitectura se torna um elemento fulcral a tratar. Desde sempre que a configuração do terreno (desníveis), teve influência directa na acção do homem sobre o território e vice-versa. De uma maneira geral o homem sempre usou o desnível como forma de marcar um limite ou transição, tirando assim partido ou não disso para delimitar o seu espaço e a sua posição. Este recurso de modelação do terreno é para o arquitecto é um dos instrumentos mais importantes durante a actividade do arquitecto. É devido a esta importância e a toda a rua implicação de relação com tudo o resto, que se justifica a escolha deste tema de tese e que engloba de uma maneira muito especial a proposta de intervenção em Ponte de Lima. A possibilidade de jogar com diferentes desníveis é uma parte extremamente importante na definição da imagem da paisagem urbana. Basta pensarmos um pouco sobre as imagens mais marcantes acerca de um lugar que nos seja especial. Seja essa imagem as encostas do Douro vinhateiro ou as planícies do Alentejo, em ambas o desnível é um dos elementos que lhes dá ritmo e interesse. Indo um pouco mais longe, até na música, as melhores composições, são sempre aquelas que são ricas num jogo entre notas altas e baixas, ou seja, entre vários níveis. Voltando ao assunto central, as variações do nível do terreno podem ocorrer quer naturalmente, resultantes do perfil do local, quer artificialmente surgindo das necessidades que o arquitecto deve satisfazer. Seja qual for o seu tipo de origem, as reacções da população em geral são antes de mais acentuadas pela sensibilidade de cada um face à sua posição no mundo, ou num determinado lugar. Estar acima do nível de referência transmite uma sensação de autoridade e privilégio, já o contrario transmite uma sensação de intimidade e protecção. Utilizando um exemplo muito simples, não é por acaso que as crianças gostam de trepar os muros e caminhar sobre eles. Este movimento lúdico e instintivo é exactamente a procura de um lugar, onde a visão sobre tudo é vista de forma privilegiada. Estas sensações pressupõem uma relação muito directa entre o observador e o seu meio ambiente. O prazer da sensação de privilégio é de uma natureza bem diferente do prazer de outros efeitos da paisagem urbana. Por exemplo a textura de uma parede de pedra, ou o perfil de um lettering publicitário de uma loja. Se no primeiro caso o observador sente-se intimidado e comprometido, no segundo o observador sente-se mais distanciado e liberto. No entanto são os dois efeitos
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legítimos e desejáveis (em que um está mais associado á limitação e outro á escolha), e que valem a pena explorar. O significado de determinado objecto ou elemento esta sempre associado á sua relação com os níveis, o edifício monumental, um castelo por exemplo, é colocado no alto de uma encosta, como uma estatua é colocada no pedestal. Por isso fazer registos gráficos destes edifícios seja difícil pelo facto de não se conseguir achar um bom ponto de referência. O recurso a desníveis, tem como é evidente, para além de tudo o resto que o sustenta, usos puramente funcionais, e a proposta exposta nesta tese é a prova de isso mesmo. Mas no entanto, mesmo nas múltiplas utilizações funcionais do desnível, há casos em que se pode escolher entre soluções alternativas, não aplicando assim o habitual e o comum. Por exemplo, pode ser desejável separar um espaço de estar de um espaço de circulação dentro de uma habitação ou até mesmo num espaço público exterior ou interior. Como fazê-lo sem recorrer à habitual parede ou grade utilizando uma porta ou abertura para uma possível conexão? Recorrendo ao desnível, que segundo a determinação do plano a elevar ou a baixar, dependendo do efeito psicológico a criar deverá estar acima ou abaixo do nível de referência. Para além dos aspectos psicológicos e funcionais intrinsecamente ligados ao desnível, existe um outro aspecto que diz respeito á percepção objectiva e visual do mundo que é tudo menos plano. Quantos lugares que numa primeira abordagem parecem planos, mas que depois de uma percepção mais cuidada revelam uma pequena ondulação ou desnível que dá riqueza e vitalidade ao lugar? Esta noção só reforça o desafio e interesse que o arquitecto tem quando se depara com um terreno rico em elementos em contra ponto a um terreno plano e ausente de elementos orientadores. O facto de uma superfície inclinada estar em maior evidência que uma superfície plana, esta pode ser aplicada de forma útil par criar uma noção de espaço. Utilizando de novo o exemplo as encostas do Douro vinhateiro, onde os socalcos definem a superfície a trabalhar. Esta questão de definição de espaços, leva-nos a outra referente à elegância do desnível. Este ponto é essencial pois a transição entre vários
níveis
é
frequentemente
acompanhada
por
inúmeros
acessórios
desnecessários, como frisos, guardas, sebes, todo um conjunto de elementos que desconfiguram a sua geometria e homogeneidade. Considerar uma encosta como um espaço vazio e inútil que apenas serve para “embelezar”, assemelha-se ao mesmo gesto daqueles que enfeitam as rotundas e pequenos canteiros com pedrinhas. Para finalizar, e usando um pequeno enxerto do livro “Paisagem Urbana” do Gordon Cullen, que penso que traduz a posição dos desníveis na sociedade e na arquitectura,
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“Os desníveis devem dar um contributo positivo à paisagem urbana.”, ” …o terreno é uma unidade na qual se introduzem rupturas com excessiva frequência, e aparece apropriado começar a nossa digressão pelos desníveis com a ideia de que os níveis possam variar, não teremos necessariamente de ser seus escravos.” 1
1 in G. Cullen, “Paisagem Urbana”, Col. Arquitectura e Urbanismo, Edições 70, 2009, p. 177
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Síntese do Projecto
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Corte Tipo
Requalificação da Via
A presente proposta requalificação da E.N. 203 surge em resultado de uma interpretação e reflexão feita durante todo o processo da análise da vila de Ponte de Lima e da E.N. 203 em pormenor. A proposta trata os espaços existentes através de três zonas que no entanto têm uma unicidade coerente com uma regra e intenção base de intervenção geral. A regra e intenção base de intervenção tiram partido dos símbolos que caracterizam a Vila de Ponte de Lima, o verde, a cor, os muros, os socalcos, ou seja, o ambiente, património e ruralidade, para que a E.N. 203 passe a ser parte integrante da malha e do contexto de Ponte de Lima. Todos estes elementos são conjugados e tratados de forma a garantir o equilíbrio, a funcionalidade e uma coerência de espaços não comprometedores. No fundo a conjugação e transição entre os espaços, circulação, estadia, privado e público é feita através de desníveis que tanto definem o limite como a transição.
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Proposta de requalificação da via - Planta Geral
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Reforçar o carácter de comércio presente na via Transição entre dois níveis e dois ambientes
Reforçar o eixo de ligação ao centro (visualmente e fisicamente)
Criar a ordem na aleatoriedade
Manter a quinta e o seu ambiente rural
Parcela Habitacional
O conceito passa por criar uma transição entre duas cotas e dois ambientes, um nível superior mais comercial reforçando assim o sentido de comércio dado pelo supermercado e um nível inferior com carácter mais habitacional, afastado da E.N. 203 e mais ligado ao verde e ao ambiente rural. A criação três volumes rígidos cria uma ordem no meio da aleatoriedade criada pela construção dispersa. No entanto esses três volumes fazem também a transição para a desordem através dos topos comerciais menos rígidos. A necessidade da criação de três volumes prende-se pelo sentido de alinhamento e perspectiva que dois ou um volume só não conseguem transmitir. Com este conceito consegue criar uma frente com um alinhamento forte, de carácter habitacional ligada ao verde e uma frente comercial à cota superior reforçando o seu sentido de comércio.
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Proposta da parcela habitacional - Planta Geral
Corte tipo
Fig.1 - Imagem de conjunto
Fig.2 – Acesso principal Per
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A VOLUMETRIA (ESTÉTICA)
OS DESNÍVEIS
2º Piso
1º Piso
R/Ch
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A RELAÇÃO BASE
OS ELEMENTOS BASE
Investigação - Os Desníveis na História
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Adolf Loos – Os ideais e o seu contributo para a Arquitectura
As vicissitudes da vida de Adolf Loos (1870-1933) e as suas teorias separamno dos arquitectos vienenses da sua época. Nascido em Brunn (hoje Brno, na República Checa), filho de um pedreiro, ficou surdo aos doze anos, o que por ventura influenciou o seu carácter. Trabalhou como arquitecto desde 1898 até ao ano da sua morte. Em termos históricos a sua vida como arquitecto insere no período de viragem do século, passando pela 1ª Guerra Mundial até ao período da Depressão Económica Mundial. Viveu em Viena até 1924, mudando-se depois para Paris. Adolf Loos acreditou na evolução da arquitectura como um processo de selecção do tradicional, algumas coisas continuam e outras perdem-se. Ou seja não há uma quebra com a tradição, mas sim uma contínua selecção da tradição. Também nos dias de hoje o arquitecto Álvaro Siza Vieira defende que na História da Arquitectura não se conhecem quebras. A mudança das circunstâncias, de um modo geral, tecnologia, modos de vida, etc, determina a fiabilidade das inovações. Adolf Loos ao dizer isto distanciava-se dos arquitectos que reivindicavam acima de tudo a originalidade e que mais tarde viam a quebra total com a tradição como sendo inevitável. A complexidade das suas casas, transmitem um conjunto único, uma originalidade pessoal não reproduzível, soltas de ornamentação mas ao mesmo tempo com tradição. Chegamos assim à principal questão a ter, que é, como é que o arquitecto Adolf Loos se insere e transmite a sua opinião sobre a arquitectura na prática. Adolf Loos usava o desenho como principal indicador da qualidade arquitectónica. Não existem esquissos das suas viagens, nem ele foi um apoiante da fotografia como um meio de reprodução da arquitectura. No entanto ele sugeriu como a arquitectura pode ser exposta. Um dos métodos usados pode ser a reprodução mental, ou seja, quantos passos se devem ter em conta e em que ordem para chegar ao desenho do edifício em questão.
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RAUMPLAN O grande contributo de Adolf Loos para a arquitectura é normalmente resumido por “raumplan”, termo introduzido por um dos discípulos de Adolf Loos, de nome Kulka. O conceito de “raumplan” nunca foi definido com precisão. Sobretudo quanto mais os aspectos do trabalho de Loos eram descritos, mais o conceito cresceu de acordo com estes. Visto que este conceito é no geral usado em ligação com o trabalho de Loos, não deu lugar a um desenvolvimento de uma teoria, ou seja, em termos gerais, nunca se construiu uma base teórica sobre o “raumplan”, pois é um conceito que está sempre associado à obra do Adolf Loos. “Raumplan” traduzido á letra seria “plano espacial”, no entanto visto que este conceito está intrinsecamente ligado à obra de Adolf Loos, também nele está englobado o “plano material” (material plan) e o “plano social/habitacional” (living plan). Raumplan ou Plano espacial – a forma pela qual os espaços tridimensionais são organizados. Plano habitável – a forma como o desenho da planta, ou seja o plano horizontal e bidimensional é organizado. Plano material – a forma como os materiais são aplicados na construção dos espaços, criando as texturas, sensações e atmosferas pretendidas.
Plano Habitável Habitação Compacta No geral, a afirmação a ter mais em conta numa habitação, diz respeito ao grau e à natureza da distribuição das várias actividades. As habitações de Adolf Loos são marcadas pela compactação tridimensional e pela convergência do comprimento, da largura e da altura. O oposto é demonstrado pelas casas da pradaria do Frank Loyd Wright, ou pelos tradicionais apartamentos japoneses que atraíram a atenção dos arquitectos no tempo de Adolf Loos. Nas casas de pedra europeias, a compactação é regra e não excepção, tal como Adolf Loos que sempre evitou anexos, e volumes separados.
O Percurso Uma consequência da habitação compacta prende-se no facto de os contactos internos serem maximizados e por sua vez os externos minimizados, outra consequência é a aproximação à casa como se de um objecto se tratasse. Isto porque
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não existe uma preparação exterior (pré entrada, portão, passagem, pátio, entrada principal). Essa preparação exterior é levada por Adolf Loos para o interior, o que faz com que a habitação compacta coloque em primordial destaque a entrada e a saída. A diferença entre nível superior e inferior (gradiente vertical de privacidade). A estrutura vertical das habitações projectadas por Adolf Loos consiste em quatro níveis funcionais. O topo, os andares intermédios, o sótão e a cave. É no sótão e na cave que se organizam as funções secundárias da habitação, são elas as áreas de serviço da casa como a dispensa, casa das máquinas, zona de lavar, garagem, etc. Desta maneira todo o programa social e privado da casa é implementado nos dois pisos intermédios, em que no primeiro estão dispostos todos os compartimentos comuns e sociais e no segundo, os quartos, as zonas de vestir e as casas de banho. Com esta disposição o primeiro piso é aquele que tem relação directa com o exterior, sendo assim o mais “público” dos quatro pisos. Já o segundo piso, respeitante a zona mais privada da habitação apenas é acessível pelo primeiro piso, assegurando ainda mais o seu carácter de privacidade. Em
termos
de
percurso,
a
diferenciação
vertical
entre
os
vários
compartimentos da casa gera uma transição entre diferentes cotas. Esta transição é feita através de escadas, ou pontualmente por um elevador de serviço como aconteceu na Villa Muller. De facto é esta transição vertical entre os compartimentos que assume um papel importante na definição do espaço e na capacidade de ele se identificar como tal, sem que seja preciso carrega-lo de outros elementos, não menos importantes, para tal. A diferença entre frente e traseiras (gradiente axial de privacidade). As habitações das cidades estão invariavelmente relacionadas com o meio urbano, a fachada principal orientada para a rua é claramente a que assume o carácter mais público e daí conter a entrada principal. Por isso os compartimentos mais sociais estão associados às traseiras, o mais distante possível da rua principal, ficando por sua vez mais perto com as traseiras, com um sentido mais privado. Este modelo distingue estas casas das tradicionais casas citadinas, em que a sua orientação é para a rua. No entanto as habitações para a classe trabalhadora e para a classe média elaboradas por Adolf Loos estão orientadas para a rua. A diferença entre frente de traseiras, público e privado, apenas é mais significante no primeiro piso, visto ser o piso social e aquele que mais relação com o exterior tem. O segundo piso, por ser mais privado e por estar mais elevado, essa diferença não é não relevante.
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No geral em termos de percurso, a separação entre o nível da rua e o piso social é apenas feita pela porta de entrada, já dentro da casa o percurso até ao compartimento principal, que é a sala é sempre ascendente. Tal como na entrada também a separação entre o piso social e o jardim é marcada pela porta das traseiras. A diferença entre a direita e a esquerda (gradiente lateral de privacidade). Uma das grandes características das habitações projectadas por Adolf Loos é a acentuada diferença entre a direita e a esquerda. O movimento feito de trás para a frente não é mais que o mesmo usado na arquitectura clássica, através do eixo central. Adolf Loos reencaminha o percurso ao longo de um dos lados, onde coloca um guarda-roupa com uma visão para o exterior. Ao lado do guarda-roupa está sempre o lado mais social da casa, a sala. No lado oposto situa-se muitas vezes a área de serviço, contendo a cozinha e casa de banho. A utilização centrífuga de espaço. Adolf Loos fornece aos compartimentos um caminho conducente a uma utilização centrífuga do espaço. Coloca as actividades de mudança para os lados deixando o meio livre. Isto significa que os sofás e o mobiliário da sala de jantar não estão mais na sua posição tradicional, no meio da sala, mas sim ao longo das paredes. Estas áreas de actividade estão agora orientadas para o espaço vazio no meio da sala. Nas obras de Adolf Loos este modelo quase sempre funcionou. Ele usou-o para a sala de jantar da sua própria casa, apesar de em outros projectos a mesa de jantar funcionar ao centro.
Plano Espacial A simplicidade exterior. Nas habitações de Adolf Loos, todos os compartimentos se inserem na simples forma do cubo, em que visto de fora, o carácter convergente domina. Devido à sua plasticidade, ao uso do branco e do cubo na pele exterior dos edifícios, foi rotulado como um precursor do funcionalismo no seu tempo. A diferença entre o topo e o fundo. Sempre que era exigido, a cobertura era em terraço, mas a forma, em mansarda ou em berço, enfatizava sempre o aspecto do espaço envolvente e o terraço em frente ao espaço social que fornece uma ligação ao solo.
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A diferença entre frente e traseiras. Vista de frente, a casa assume-se com um carácter de objecto, vista de trás transmite mais o carácter de uma forma mais elaborada. O carácter desta criação de espaço foi mais tarde expressado na construção do terraço.
A composição interior. O interior é composto por espaços de forma cúbica. As zonas de dormir são definidas pelo piso mais privado, que são individualmente acessíveis por uma área de circulação, já as zonas de estar relacionam-se de várias maneiras. Zonas de dormir e zonas de estar são sempre separadas, mesmo quando Adolf Loos desenhou compartimentos com duplo pé direito, nunca criou uma ligação entre o nível da zona social e o nível da zona de dormir, Ao contrário dos halls de entrada das mansões inglesas e dos compartimentos com pé direito duplo das casas do Le Corbusier. Intervalos/Recuos O modelo centrifugo gera frequentemente como que um intervalo na parede associado aos compartimentos. Muitas vezes aí situam-se as lareiras e também o intervalo da janela frequentemente com um assento que permite ter uma visão sobre tudo o que se passa no compartimento. Vários tipos de unidades de armazenamento podem ser construídos nesses nichos, como prateleiras ou pequenas bibliotecas. Escadas As escadas ao nível da zona social são abertas para os vários comportamentos de estar e por vezes o espaço entre as escadas é usado para a colocação da lareira. Os nichos e as aberturas nas escadas têm um efeito teatral, realçando assim a diferença entre o “público” e o “actor”. Circulação A porta para os compartimentos está posicionada fora do centro, o que nos dá uma melhor visão dos compartimentos. A circulação através do compartimento evita o centro e o percurso de saída do compartimento por outra porta que também está colocada numa posição fora do centro. Desta forma todos os percursos são realizados pelo perímetro da sala, longe do centro, para que este se possa tornar num “lugar”. Este "lugar" no eixo simétrico pode depois sofrer atenção extra quando um espaço pequeno, uma alcova, é adicionado ao espaço principal. Este padrão de circulação em espiral, no plano horizontal (plano habitável) é combinado com um padrão de
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circulação espiral em secção, o plano vertical (plano espacial). Por contraste, movimentos simétricos podem ocorrer à porta de entrada e nas portas para o terraço.
Plano Material Sistema Construtivo As paredes externas são invariavelmente de suporte e em tijolo. Os pisos são em madeira apoiados em vigas de betão. As paredes de compartimentação interior são em madeira ou em tijolos de pouca espessura ou ainda podem ser formadas por um armário ou estante. O sistema construtivo é uma necessidade que tem um papel estrutural mas que não influencia a arquitectura, ou seja, não tem um papel estruturante no trabalho de Adolf Loos. Neste sentido, a grande diferença entre o Adolf Loos e os arquitectos funcionalistas é quase inconcebível, pois a chamada “honestidade construtiva”, nada significou para ele.
Revestimento Exterior O revestimento exterior, regra geral, é em reboco liso frequentemente com uma pedra em plinto encimado por uma cornija. Esta combinação é utilizada praticamente durante todo o período anterior a 1920, sendo depois abandonada nos últimos projectos. O reboco usado entra na categoria do reboco não decorado, em que a sua falta de ornamento contrasta com as decorações ecléticas do séc. XIX. O reboco deste tipo assume assim uma posição de neutralidade. Revestimento Interior Os revestimentos interiores diferem sempre de um compartimento para o outro, a escolha dos materiais era extremamente importante para Adolf Loos, pois estes definiam o ambiente e o carácter a dar ao espaço em questão. Os materiais a usar eram também escolhidos de acordo com o seu valor afectivo. A pedra natural e a madeira eram tratadas de forma a mostrar todas as suas qualidades enquanto revestimento. No entanto, também os materiais mais simples e não tão emblemáticos eram usados. Os padrões tradicionais, tais como os painéis, parquet e vigas foram respeitados. Tanto a escolha do material como o seu tratamento plástico, tinham como objectivo criar uma sugestão de espaço.
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O Ornamento
A ideia fulcral deste ponto prende-se com a necessidade de perceber melhor o porque da arquitectura e o conceito de “Raumplan” na obra do Adolf Loss e acima de tudo como é que a sua posição contra o ornamento o fez ficar na história ajudando assim a perceber o que até aqui foi escrito sobre a sua arquitectura. Podemos comparar a “luta” de Adolf Loss contra o ornamento, à “luta” do jornalista de Karl Kraus contra o tipo de jornalismo da época. À semelhança de Karl Kraus que manteve durante trinta e seis anos e 992 exemplares na sua revista “Die Fackel” a polémica contra a “frase oca sem sentido”, como um ornamento de espírito, também Adolf Loos representou na sua revista “Das Andere” a banalidade do ornamento como adversário da verdade. Tanto Adolf Loos como Karl Kraus chocaram a população vienense com as suas posições. Para além disso, Adolf Loos é classificado como uma figura incómoda, pois porque como pessoa apoiava a corrente artística “avant-garde”, mas como arquitecto, realçava a importância dos valores tradicionais do classicismo. Para Adolf Loos, o arquitecto não é mais que um mestrede-obras que aprendeu latim. Esta observação confundia os seus colegas “avantgarde”, pois Adolf Loos adoptava a aceitação da tradição cultural. Uma atitude de inovação radical ligada a uma tradição calculada, um “convencionalismo crítico”, fez de Adolf Loos um pensador distinto que lhe permitiu abrir as portas à época moderna. Mas a sua arquitectura não seguiu a tendência modernista do uso de bastante vidro e aço que dariam origem a uma arquitectura moderna. O seu artigo mais famoso intitulase “Ornament und Verbrechen”2 (Ornamento e Crime, ver anexo 1). Tal como os arquitectos Otto Wagner, de Viena, e Hermann Muthesius, de Berlim, Adolf Loos era um observador atento do tempo em que viveu e dos novos aspectos culturais que surgiram na altura. Consequentemente, Adolf Loos rejeita o ornamento e usa um argumento económico para a sua fundamentação, comparando o ornamento a um desaproveitamento de mão-de-obra. Para o arquitecto, o ornamento é o símbolo de uma cultura primitiva. Uma das suas principais obras, o edifício Goldman & Salatsch, provocou a mesma confusão e incompreensão que os seus escritos na altura. No centro de Viena, do outro lado de Hofburg, na altura o palácio dos Habsburgo, Adolf Loos construiu um edifício de apartamentos e escritórios, em que a fachada se apresentava desprovida de ornamentação e que exibia mais influências inspiradas pelo classicismo do que do estilo de final do século XIX. É assim uma das obras mais contestadas do arquitecto, sendo considerada uma ofensa para o lugar. Em conjunto com o Postsparkasse
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(Caixa de Poupança dos Correios), de Otto Wagner (1904-1906), a Casa em Michaelerplatz, de Adolf Loos (1909-1911), é vista como um meio em direcção ao progresso da idade moderna, uma estrutura moderna, cuja fachada, sem ornamentação, indica o caminho para a “Bauhaus”3. Muitos críticos da actualidade defendem que os espaços interiores deste edifício são mais importantes do que a fachada porque o “raumplan”, constitui uma revolução arquitectónica, uma revolução que contribuiu significativamente e positivamente para mudar a arquitectura do século XX. Adolf Loos revolucionou a arquitectura com este conceito. As casas Tristan Tzara em Paris (1926), Moller em Viena (1927-1928) e Müller em Praga (1928-1930) são exemplos notáveis deste conceito. Até mesmo na construção de habitação social no complexo residencial de Werkbund, em Viena (1931), Adolf Loos pôs em prática o seu “Raumplan-Architektur” a uma escala menor em duas casas geminadas que, mesmo a esta escala, fez do luxo espacial uma prioridade, independentemente da qualidade dos materiais e das dimensões das divisões. Heinrich Kulka, discípulo de Adolf Loos e responsável pela publicação dos seus primeiros ensaios, foca duas ideias centrais no seu texto sobre a obra do arquitecto, o “Raumplan” e o “Ornament-Iosigkeit” (ausência de ornamentação) na cultura moderna. As duas ideias são características de uma atitude moderna em relação à arquitectura porque diferem moralmente do ponto de vista geral. A “Loos-Raumplan” é mais económica e leve e por isso devia ser mais valorizada, no âmbito do conceito e não da estética. Igualmente, a ausência de ornamentação equivale a uma necessidade moral do homem moderno porque as construções superficiais representam um ornamento. No inicio do século XX, a Inglaterra assumia-se como a nação mais industrializada do mundo. Para Adolf Loos, este facto estabelecia uma utopia da sociedade das classes médias onde os produtos eram marcados pela inovação. Em contraponto, na Europa, em Viena em particular, os diferentes estilos de historicismo estavam em grande oposição ao sentido prático e moderno. O luxo falso, o ornamento em geral, a Arte Nova em particular, só podia ser combatido através de uma reforma. Reforma essa que criaria uma nova arquitectura, a arquitectura de Adolf Loos. Uma das mais características a reter da arquitectura de Adolf Loos é a diferença intencional entre a fachada e o interior. Segundo ele “a casa deve permanecer silenciosa para o exterior, o interior deve revelar toda a sua riqueza”. A demarcação na transição entre o interior e o exterior é uma constante durante todo o seu trabalho. O Café Museum, em Viena (1899), e a Villa Muller, em Praga (19281930), construída quase trinta anos mais tarde são exemplos claros do contraste entre a fachada, pequena e retraída e o rico e atmosférico desenho do interior feito de materiais mais emblemáticos e caros, como a pedra e a madeira de boa qualidade.
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O espaço interior/exterior adquire uma importância fundamental na forma como o clássico modernista o vê a si próprio. Esta relação de interior/exterior era um tema sempre presente em todos os arquitectos de renome da época, Frank Loyd Wright, Mies Van der Rohe e Le Corbusier. Para Frank Loyd Wright não eram apenas as características pérgulas e loggias que definiam as divisões protegidas do exterior, mas sim, também o uso dos mesmos materiais, a madeira e a pedra natural. Estes eram usados no interior e exterior para que se criasse a ilusão de que o interior não parecesse rigidamente limitado mas sim suprimir os limites e confinantes da casa tradicional fluida. A mesma ideia está presente nos projectos das casas com pátio de Mies Van der Rohe da década de 1920, onde os pátios transmitiam uma prolongação espacial do interior para o exterior. No entanto Adolf Loos nunca foi radical nessa vertente. A transição do espaço interior/exterior era sempre propositada. O terraço situado a um nível mais elevado da casa adquire uma qualidade excepcional visto servir de cenário para o espaço verde da casa. De facto, muitas ideias espaciais de Adolf Loos fazem lembrar as pesquisas que Hermann Muthesius, um dos membros fundadores do “Deutscher Werkbund”4, em 1907, defendendo o desenvolvimento da industrialização e estandardização da arquitectura, que publicou na sua obra “Das englische Haus”, (A Casa Inglesa). Até o “aconchego” inglês se reflecte no trabalho de Adolf Loos embora tenha sido classificado como uma nova moda burguesa, em contraste com as regras formais e rígidas do historicismo. Posto isto e segundo Adolf Loos, nem a “Art Noveau“5 nem a “Wiener Werkstatte”, deram real contributo à idade moderna, pois em ambos os movimentos o arquitecto ou o designer eram extremamente rígidos nas formas que inventavam sem se preocuparem com as reais necessidades ou características dos objectos. Ainda segundo Adolf Loos, não se pode separar a modernidade dos tempos em que se vive, isto porque a sua fundamentação dependia acima de tudo do contexto cultural. O já referido jornalista e crítico, Karl Kraus, admirador de Adolf Loos, era também partidário da mesma ideia e publicou o seguinte artigo como parte do aniversário de uma publicação que também coincidiu com o sexagésimo aniversário de Adolf Loos. “Eu e Adolf Loos, ele literalmente e eu na área da linguagem, quisemos demonstrar que há uma diferença entre a urna e um vaso para a água e que o cultural se move dentro dessa ténue diferença. Os outros, no entanto, os positivos, dividem-se em dois campos, aqueles que usam a urna como um vaso de água e os que usam o vaso de água como uma urna”. Dentro do contexto cultural, Adolf Loos veria a urna como uma obra de arte e o vaso de água como um simples e prático objecto.
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De facto é esta posição perante as coisas e o mundo na sua época que o tornou não irreverente, mas que acima de tudo, que fez com que a sua arquitectura pode-se dar um grande contributo e desafogo ao mundo da arquitectura e design. Quando falamos em “Raumplan” e o associamos imediatamente ao Adolf Loos, é nessa noção que se encontra toda conjugação dos ideais que sempre defendeu durante toda a vida que se reúnem num só conceito. Conceito esse, que aborda os já tratados “plano habitável”, “plano espacial” e “plano material” e que de certa maneira são aplicados na proposta ao nível da parcela habitacional. Não como uma doutrina a seguir à risca mas como uma referência e principio a ter em conta.
2 Ornamento e crime, publicado em 1908 e muitas vezes interpretado como um ataque ao ornamento.
3 A Bauhaus foi uma escola de design, artes plásticas e arquitectura que funcionou entre 1919 e 1933 na Alemanha. A Bauhaus foi uma das maiores e mais importantes expressões do chamado Modernismo no design e na arquitectura, sendo uma das primeiras escolas de design do mundo. Sob a direcção de Walter Gropius a Bauhaus surge pela fusão da Academia Artistica com a Escola das Artes, no pós-guerra.
4 A Deutscher Werkbund foi fundada em 1907 na Alemanha por uma grupo de arquitectos e designers, como Henry Van de Velde, Peter Behrens, J. Hoffman entre outros. È uma corrente artística fortemente influenciada pelas ideias reformistas de William Morris do Arts And Crafts. 5 A Art Noveau, foi um estilo estético essencialmente de design e arquitectura que também influenciou o mundo das artes plásticas. Caracteriza-se pelas formas orgânicas, influenciadas pela Natureza, valorização do trabalho artesanal, entre outros.
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Adolf Loos e Le Corbusier
Em 1925, ano em que se realizou a “International Exhibition of Modern Decorative and Industrial Arts in Paris”, Le Corbusier publicou “L’Art décoratif d’aujourd’hui. O argumento básico do livro, vai parecer familiar a qualquer um que conheça os escritos de Adolf Loos, ou seja, que a arte aplicada, a concepção artística de objectos utilitários, foi um anacronismo. Além disso, os bens de uso quotidiano, produzidos à mão ou industrialmente, estavam no processo de o tradicional “arts décoratifs” ser supérfluo. O próprio Le Corbusier apresentou o livro como uma selecção de objectos que são “livres de qualquer decoração”, como uma “desculpa por aquilo que é simplesmente banal, indiferente, ou livre de intenção artística”. Todo o livro é um convite ao olhar e à mente, “para ter o prazer da companhia de tais coisas e por ventura se assumir contra o floreado e o barulho perturbador do ornamento”. Mas deixando o ornamento de lado e centrando-me mais na arquitectura de ambos, a Casa Muller em Viena do Adolf Loos (1928) e a Casa Planeix em Paris de Le Corbusier (1927), são imediatamente evidentes e claramente têm algo a ver com os métodos industriais que Le Corbusier, em contraste com Adolf Loos, introduzia no processo de construção (fig.3 e 4). Mais exactamente com aquilo que são as imagens de arquitectura de concepção industrial. Essas imagens, com o piso térreo envidraçado e os delgados aros de suporte das janelas usados na Casa Planeix seriam impensáveis num projecto de Adolf Loos. Apenas um aspecto na construção moderna de betão e ferro era admitido no vocabulário do arquitecto, a cobertura plana, que foi usada desde cedo nos seus projectos. O primeiro projecto data de 1910, na Casa Scheu. Uma vez que ambos partilham de uma composição semelhante, as fachadas das duas casas mencionadas são exemplos úteis com o qual se definem os limites mútuos dos dois arquitectos. Ambas têm um eixo central (só no caso de Adolf Loos corresponde com a porta de entrada), e o elemento central para a projecção dos volumes situa-se no primeiro andar, rematado por uma espécie de galeria. Se fosse uma questão de resumir numa fórmula simples, os elementos que “ligavam” os dois arquitectos do movimento modernista internacional, por volta de 1925, a ligação seria o seu "classicismo", ou talvez menos superficialmente, a partilha de uma disciplina racionalista na manipulação da forma arquitectónica. Ambos os arquitectos revelam uma tentativa de compreender os vários pontos fundamentais numa arquitectura racionalista de uma maneira criativa e individual, que tanto era audacioso como neoclássico. Tanto para Adolf Loos como para Le Corbusier a
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escolha não podia ser enquadrada no sentido de ser este ou aquele de igual forma. Não era uma opção entre o racionalismo empírico (baseado na experiência sensível) e o racionalismo positivista que assenta na aliança de propósitos práticos e materiais e a necessidade da função, que por Adolf Loos era expressado pela primazia dos utensílios, dos móveis e do “Raumplan”. No caso de Le Corbusier, era expressado pelos objectos estandardizados e pela “Plan Libre”, em que o idealismo e o racionalismo formal o orientou para formas como o cubo, a esfera e o cone, adoptando os eixos e os traçados rectangulares como base de composição. Ambos viram as suas tarefas como a criação de imagens arquitectónicas dessas duas tradições divergentes do racionalismo arquitectónico. Uma forma de saber mais sobre o que liga os dois arquitectos é confrontar o uso do “Raumplan” e do “Plan Libre”, nas suas obras de carácter habitacional, visto ser o factor decisivo que influenciou os dois arquitectos de formas completamente diferentes. A coordenação no espaço interior e o volume exterior tem uma qualidade dialéctica em ambos. Isto porque a arquitectura é entendida como a enclausura de um interior desenvolvido de uma forma livre mas dentro de uma composição arquitectónica elaborada segundo os termos de uma arquitectura “clássica”. As diferenças entre os dois podem-se resumir em dois pontos, em primeiro, a fé de Le Corbusier na indústria e em segundo a sua opinião sobre a arquitectura que em contraste com a produção de bens de consumo utilitários, pertence ao domínio da arte. Le Corbusier sempre rejeitou a decoração nas artes aplicadas e tal com Adolf Loos, colocou os objectos utilitários de fora daquilo a que chamavam de arte. Mas em contraste com Adolf Loos, nunca perdeu a convicção de que a arquitectura era acima de tudo uma forma de arte. “Para provocar sensações é necessário a atribuição da proporção, que é um sentido matemático, mas conferido pela arquitectura de uma maneira especial.” 6
Portanto, para Le Corbusier, a arquitectura continua a pertencer ao domínio da arte. Ao contrario de Adold Loos que: “Só uma parte muito pequena da arquitectura pertence à arte: o túmulo e o monumento. Tudo o resto, tudo o que tem um propósito deve ser excluído do domínio da arte.” 7
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Para Le Corbusier, ao defender a arquitectura como uma arte, esta surgia como uma fragilidade ou forte fundamento da sua teoria. Era um sistema que o continha em contradições e tentativas de encontrar soluções arquitectónicas e técnicas para os problemas da industrialização, da estética de da cultura de massas.
Fig.3 – Villa Moller (Foto: Phillippe Ruault em Adolf
Fig.4 – Planeix House (Foto: Simon Glynn
Loos: Works and Projects, Ralf Bock)
2001)
Per
6 in M. Risselada, Raumplan versus Plan Libre – Adolf Loos and Le Corbusier 1919-1930, Edição Rizzoli New York. p. 23 7 in M. Risselada, Raumplan versus Plan Libre – Adolf Loos and Le Corbusier 1919-1930, Edição Rizzoli New York. p. 24
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A Vila de Ponte de Lima
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A primeira impressão de Ponte de Lima
No primeiro contacto com Ponte de Lima, já de noite, ao atravessar a nova ponte sobre o Rio Lima a caminho da Pousada, tive uma panorâmica sobre o centro histórico da Vila. Nesse momento fiquei com a impressão que Ponte de Lima tem uma calma natural. Esta impressão foi consolidada no dia seguinte quando demos o primeiro passeio pela Vila. É uma vila extremamente verde, florida e amiga na natureza. O próprio centro histórico, de época medieval, fortemente consolidado e imagem de marca da Vila, dá espaço a floreiras tanto no espaço público como no privado. Apesar desta calma aliada à natureza, existe um movimento considerável aos fins-de-semana que dá mais vida ao centro. No entanto sempre sem muitas agitações nem confusões. De facto, parece que todos os dias são fim-de-semana nesta Vila. No entanto Ponte de Lima faz questão de ter um cartaz cultural sempre recheado ao longo dos meses, sendo as mais importantes, o festival dos jardins, as feiras novas, a festa do sarrabulho e a festa do vinho. Na reunião que tivemos com o presidente da Câmara, Daniel Campelo, foi claro que é intenção do município criar as condições para que os princípios de ambiente, ruralidade e património, sejam mantidos e usufruídos por quem visita a Vila. Um dos exemplos para além dos eventos já referidos, foi o esforço por parte da câmara em criar a zona protegida das Lagoas, preservando assim a fauna e a flora do lugar. De facto o ambiente e o espírito do lugar das Lagoas transmite perfeitamente o sentido de ambiente e calma de Ponte de Lima. Como em tudo, existe sempre o lado menos bom, que neste caso é a zona de expansão da vila onde se encontra a via de intervenção. Tal como o presidente admitiu, a nova zona de expansão da Vila não nos remete para o que é a essência de Ponte de Lima. Todavia a zona de expansão ainda tem o potencial para que se enquadre perfeitamente com os três princípios definidos pelo presidente da câmara. Os desenhos e imagens que se seguem são exemplo daquilo que é Ponte de Lima.
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Fig.9 – Ponte de Lima, Feiras Novas (Desenho: André Rocha, http://andreflaviorocha.blogspot.com/)
Fig.5 – Cartaz (Imagem: cm-pontedelima.pt)
Fig.6 – Ponte de Lima (Desenho: André
Fig.10 – Ponte de Lima.
Rocha, http://andreflaviorocha.blogspot.com/)
Fig.7 – Ponte de Lima (Desenho: André
Fig.11 – Ponte de Lima.
Rocha, http://andreflaviorocha.blogspot.com/)
Fig.8 – Ponte de Lima (Desenho: André Rocha, http://andreflaviorocha.blogspot.com/)
Fig.12 – Ponte de Lima, Centro.
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Elementos de Composição do Espaço Urbano
Para uma identificação dos elementos que compõem o espaço urbano, é necessário perceber o que é a morfologia urbana. Entende-se por morfologia urbana a organização e estrutura dos elementos através de um instrumento de leitura que hierarquize a importância dos diferentes elementos. Esses elementos morfológicos dividem-se em unidades (elementos de composição do espaço urbano), sendo que articulação entre os vários elementos define um conjunto que os define, caracteriza, transmitindo assim uma determinada imagem. A relação destas unidades define três grupos, um referente aos limites da cidade, outro á escala do bairro, e um outro referente á escala da rua. Limites da Cidade Refere-se aos limites físicos da cidade, que por regra geral são de difícil demarcação, isto porque os subúrbios e as zonas de expansão das cidades, são de alguma indefinição em termos de limites ou transição entre o que é área urbana e envolvente. Escala do Bairro Refere-se à composição feita pelo conjunto de quarteirões, edifícios, ruas, cruzamentos, ligações, praças, largos, etc. Escala da Rua Refere-se mais ao peão e a relação com o meio urbano envolvente definido, pela via, pelo passeio, pela vegetação, pelo mobiliário urbano e publicitário. A conjugação destes elementos transmite uma determinada identidade urbana do lugar. Rua – para além de um mero acesso, é um elemento estruturante da malha urbana. Como tal carece de uma demarcação própria do seu espaço, até onde se desenvolve. Para além disto as funções principais de uma rua são, a circulação e estadia de peões, circulação viária e estacionamento, acesso a edifícios e continuidade da malha urbana. Passeio – corresponde á necessidade de diferenciar na via um espaço de circulação para os peões, protegido do trânsito automóvel.
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Cruzamentos – pontos e locais estratégicos de uma cidade, onde se dá a convergência de vias e núcleos de edificado. Elementos Marcantes – elementos identificativos de um determinado espaço. Tanto pode ser um edifício, um sinal, um monumento, uma árvore, ou uma simples montra. Vegetação – elementos que contribuem para a qualidade do espaço urbano. Quer seja para marcar um sentido, delimitar um determinado espaço ou melhorar a qualidade do ar. Mobiliário Urbano – elementos de uso e informação ao peão que tanto valorizam a qualidade de espaço como podem interferir no bom uso do espaço urbano. Estes elementos podem ser sinais, quiosques, iluminação, bancos, caixotes, etc.
Todos estes elementos, através da sua conjugação, dimensão, disposição no espaço e tipo de material usado, são essenciais no tipo e qualidade de espaço a transmitir.
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Referente ao caso de estudo de Ponte de Lima, e à zona de intervenção, não retirando a importância devida às outras escalas, a escala da rua destaca-se das outras, pelo facto de ser a esta escala que se vai intervir. Em termos de limites da vila, o rio pode ser considerado como um limite, visto que a vila expandiu-se e continua a expandir-se para Este. No entanto o limite dos lados Este, Norte e Sul, são diluídos pelas áreas de expansão da vila. No que diz respeito à escala do bairro, todo o centro tem uma identidade própria, enquanto nas áreas envolventes e de expansão, essa identidade é algo confusa devido ao somatório de “identidades”. No que diz respeito à escala do peão, quanto mais nos afastamos do centro, mais a identidade das ruas se dilui. No centro, ruas com e sem trânsito automóvel, em que a identidade de centro histórico é feita pelas ruas estreitas, as fachadas dos edifícios seculares, o uso abundante do granito nos edifícios, nos bancos, nos estreitos passeios gastos, como nas vias de trânsito automóvel. Também a vegetação dispersa e pontual resumida a pequenos jardins e canteiros floridos acentuam a identidade histórica e secular do lugar. Na área envolvente, a ruas com passeios, arborizadas, em alguns casos com o passeio e a via separados por uma barreira de protecção arbórea, com edifícios de habitação e comércio, transmitem uma identidade de percurso e habitação ao lugar. Esta identidade é também acentuada pela existência de estacionamento junto aos lotes, mobiliário público existente, como bancos e paragens de autocarro. Nas zonas de expansão e mais referente à área de intervenção, a identidade do lugar é algo indefinido pela presença e ausência dos elementos que compõem o espaço urbano. Esta descontinuidade de passeios, mobiliário urbano, variação de materiais e uma hierarquia não definida nos elementos transmitem uma identidade de percurso de atravessamento e distinção entre duas zonas da vila, zona antiga e zona mais recente. Em suma, podemos concluir que, limites, vias, cruzamentos, bairros e elementos marcantes, são cinco pontos gerais a ter em conta na composição do espaço público.
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No geral, a imagem que mais se associa a Ponte de Lima é a ponte medieval. Por isso este elemento urbano funciona como imagem de marca e de referência para quem ali vive ou apenas visita.
Fig.13 – Ponte de Lima, Ponte Medieval.
O largo de Camões funciona como um ponto nodal para a Vila, pois por ser um ponto de encontro de muitas
vias
é
também
a
zona
de
maior
sociabilidade na vila. O chafariz e as oliveiras existentes no largo funcionam como elementos marcantes e de referência para o largo e para a Vila. Fig.14 – Ponte de Lima, Centro.
Exemplo de uma rua do centro histórico. Rua estreita, com passeios estreitos delimitados pelas fachadas dos edifícios. Uso de materiais mais nobres, com a predominância do granito.
Fig.15 – Ponte de Lima, Rua do Centro.
Artéria de acesso principal da Vila (Av. Feijó). Configurada com
zonas de circulação viária,
protecção pedonal e circulação pedonal. A zona de protecção em criada pelo alinhamento de árvores. A delimitação desta rua é feita pelos lotes dos edifícios na sua maioria privados.
Fig.16 – Ponte de Lima, Av. Feijó.
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A Av. Feijó, contempla alguns elementos urbanos que melhoram a qualidade do espaço. São eles bancos de descanso, pequenas áreas verdes e depósitos para o lixo.
Fig.17 – Ponte de Lima.
Exemplo de uma rua num bairro da periferia. Notese que quase não existe zona de circulação pedonal. Também a zona de protecção aqui não existe visto que o carácter de bairro assim não o existe. Contudo há a ausência de espaços verdes e de estar.
Fig.18 – Ponte de Lima, Rua da Periferia.
Interrupção do passeio para dar lugar a berma da estrada. Esta transição e interrupção de materiais acontecem em zonas de ligação entre o centro e a periferia.
Fig.19 – Ponte de Lima, Rua da Periferia.
O resultado, são vias como o exemplo da E.N. 203, onde apenas existe faixa de rodagem e berma. A ausência de elementos urbanos que ajudem a definir a “rua”, faz com que esta via seja delimitada por sucessivos avanços e recuos, mancha verde e construída.
Fig.20 – Ponte de Lima, E.N.203.
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A Proposta de Intervenção na E.N.203
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A Vila de Ponte de Lima em análise A transformação de Ponte de Lima numa vila com carácter urbano deu-se de uma forma subtil. O crescimento da vila pode ser agrupado em quatro períodos principais. Formação e consolidação do centro histórico, expansão extra muros por eixos, expansão desorientada e expansão por núcleos.
Planta 1 – Fases de Evolução de Ponte de Lima, s/esc.
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O centro histórico de Ponte de Lima surge no seguimento da evolução de um povoamento medieval que ali se instalou devido a posição geográfica da vila e ao importante eixo que ali passava de ligação à Galiza. O centro da vila foi na sua grande parte definido até entre muros, na parte Este até ao séc. XVII. A explicação para o seu crescimento para Este prende-se pelo facto de o terreno aí ser mais propício à implantação das edificações. Isto porque a zona oeste e norte eram e ainda são terrenos de forte actividade agrícola. O centro histórico da vila é então definido por dois aglomerados à margem e à ponte medieval do rio Lima, em que a margem Este é o principal ponto de expansão da vila.
Planta 2 – 1ª Fase de Evolução de Ponte de Lima, s/esc.
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Entre a época medieval e 1900 e já classificada como Vila por D. Teresa em 1125, Ponte de Lima desenvolve-se para Este, e alguns pontos mais dispersos do centro, sendo entretanto criados dois eixos viários de expansão (Rua General Norton de Matos e Rua Arrabalde S. João de Fora). Neste período as edificações já são associadas a espaços verdes privados e com carácter mais senhorial, contrariando assim a típica construção medieval em que os lotes eram associados a vários lotes formando pequenos quarteirões.
Planta 3 – 2ª Fase de Evolução de Ponte de Lima, s/esc.
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Até
1980
deu-se
um
grande
crescimento
da
vila,
formando
um
desenvolvimento em triângulo. No entanto começam também a surgir pequenos aglomerados isolados demonstrando a ausência de planeamento. De salientar que até 1980, as edificações eram no geral eram destinadas a habitação unifamiliar. Com o traçado da E.N. 203 em meados de 1980, que surge com a necessidade de fazer uma nova ligação entre as cidades vizinhas, esta funcionou como um limite e consolidação da área em triângulo. A expansão da vila neste período era então ainda muito associada ao centro histórico, existindo apenas algumas habitações pertencentes a quintas agrícolas.
Planta 4 – 3ª Fase de Evolução de Ponte de Lima, s/esc.
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No período de expansão seguinte e até 1997 todo o miolo definido pela Av. Feijó, Rua General Norton de Matos e E.N. 203 é preenchido e expande-se também para fora destes eixos. O que nos outros períodos era considerado limites e zona periféricas, são agora zonas perfeitamente “consolidadas” no tecido urbano da vila. Também neste período são projectadas as A27 e A3, já construídas, e uma variante à E.N. 203 ainda em projecto. São estes novos eixos construídos e projectados, os novos limites periféricos para a expansão da vila actualmente. No entanto a existência do golfe e de toda a sua urbanização, dá a antever um novo ponto de expansão e influência de crescimento para a vila. No presente, e em suma e centro da vila de Ponte de Lima apresenta-se centro histórico bem consolidado e agradável, eixos de desenvolvimento bem caracterizados, património bem conservado, ambiente rural e urbano, florida e cheia de cor. Contrastando assim com uma zona de expansão periférica desordenada e descaracterizada.
Planta 5 – 4ª Fase de Evolução de Ponte de Lima, s/esc.
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A E.N. 203 em análise
Como já foi referido anteriormente esta via surge em meados da década de 80 pela necessidade de ligar Braga, Ponte de Lima, Paredes de Coura e Espanha. Inicialmente como é regra em grande parte das estradas nacionais, era uma via periférica de simples circulação e com um carácter de via suburbana. Com o crescimento da cidade, a via teve grande influência na definição do miolo criado entre o centro e o limite definido pela via. No entanto com o aumento desse crescimento, a via foi “engolida” pela expansão da cidade deixando de ser periférica e perdendo assim o carácter de via suburbana para ser agora uma via com uma carácter urbano não deixando no entanto de ser de atravessamento. Com a definição de bairros habitacionais e quarteirões em ambos os lados da via, para além do simples sentido de circulação a via passou também a ser uma vida de acesso às imediações que ali se localizaram. Por estarmos a falar de uma estrada nacional que até a bem pouco tempo era periférica, há uma grande ausência de caracterização ao longo da via. Apresenta-se assim sem passeios em quase toda a sua totalidade e com dimensões exageradas. Outro factor para a descaracterização da via prende-se pela falta de planeamento da expansão da cidade. Devido a este crescimento descontrolado e tratado isoladamente, a E.N. 203 apresenta conflitos em vários cruzamentos exagerados, vias duplas, discrepância de escalas entre a E.N. 203 e os acessos às zonas habitacionais e problemas de circulação pedonal. No entanto ao percorrer a via, ainda são notórios dois, dos três pontos referidos pelo presidente da Câmara característicos da Vila (Ambiente, Ruralidade e Património), sendo o Ambiente e Ruralidade, ainda que um pouco descaracterizados. Apesar de toda esta falta de caracterização, toda a via ainda tem potencial para ser um elemento marcante e característico da Vila de Ponte de Lima.
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Planta 6 – Análise usos, zonas verdes e eixos, s/ esc.
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Planta 7 – Eixos Visuais, s/ esc.
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Planta 8 – Cérceas, s/esc.
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A Vegetação
Concentração arbórea de aproximadamente 80%. Zona demarcada de Carvalhal de zona temperada húmida Elementos arbóreos de grande porte como o carvalho negral, plátanos, pinheiro manso e azevinho.
Fig.21 - Lodão
Fig.24 - Cedro
Fig.22 - Carvalho Negral
Fig.25 - Cipreste
Fig.23 - Tília
Fig.26 - Plátano
Planta 9 – Vegetação s/esc.
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Fig.27 - Berma
Fig.28 - Estacionamento
Fig.29 – Espaço Público
Fig.30 - Berma
Fig.31 - Muros
Fig.32 - Separador
A nível da variante, estas espécies arbóreas são inseridas de diferentes formas: Separador das duas vias paralelas Muro vegetal Pequenos relvados em frente dos edifícios; Baías de estacionamento ensombreamento;
com
Espaços públicos; Propriedades privadas; Zonas agrícolas privado.
de
Fig.33 - Bucho
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carácter
Fig.34 - Rosmaninho
Fig.35 - Hortênsia
Fig.36 - Cortadeira selonna
A Intenção de Projecto É intenção do projecto, um pouco à semelhança do rio, criar uma outra margem, com dois percursos de cor e uma zona de lazer, destinada a quem ali mora e circula, oferecendo espaços de interacção social ou simplesmente percursos de passeio e lazer, não deixando no entanto de responder à exigência viária ali existente. Por isso toda a estrada tem uma largura mínima de 7 metros para que a circulação de pesados seja feita normalmente. No entanto apesar de criar três zonas distintas está sempre presente o sentido de unidade a transmitir a toda a via, para isso o elemento verde e cor vai ser fundamental para tal.
Planta 10 – Zonas propostas, s/esc.
Como é perceptível à beira rio, percebe que a frente da vila é composta por duas manchas verdes associadas ao centro histórico, também na via se percebe essa repetição de forma menos caracterizada mas com potencial para a sua caracterização.
Planta 11 – Relação com o centro, s/esc.
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A E.N. 203 que actualmente já se insere no tecido urbano da Vila de Ponte de Lima, apresenta-se como uma via de atravessamento, descaracterizada e "solta" de toda a sua envolvente. Pretende-se então transformar esta via num elemento que seja associado à vila de Ponte de Lima através da introdução de percursos de cor transmitido pelas flores, árvores, muros com vegetação e tirando ao mesmo tempo partido dos ambientes e espaços existentes com potencial para tal.
Planta 12 – Intenção de cor, s/esc.
A proposta de intervenção passa então pela introdução de um passeio para cada sentido com um mínimo de 2,5m associado a uma barreira de protecção verde para a via. Com estes elementos a proposta ganha um sentido de unidade e continuidade, transmitindo o ambiente de cor através das flores e árvores existentes na barreira verde e nos muros. Esta continuidade é também reforçada pelos muros presentes no local.
Planta 12 – Barreiras Verdes, s/esc.
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Com esta intenção é possível “prolongar” a via para as artérias principais da via. Com o sentido de ambiente de cor proposto, também a ligação visual entre a via e os vários eixos visuais para a serra da Arga existentes ao longo da via são valorizados.
Planta 13 – Relação com a envolvente, s/esc.
No entanto na presença de artérias essenciais na via, a barreira verde é interrompida. Devido aos avanços e recuos dos limites do espaço público, a proposta apresenta-se com dois percursos mais contidos e uma zona central mais aberta com potencial para actividades de lazer e interacção social. É em situações onde os limites são maiores que se situam os estacionamentos e zonas de lazer, isto para que o percurso pedonal seja sempre valorizado.
Planta 14 – Avanços e recuos, s/esc.
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A Proposta A via é tratada de forma a criar um equilíbrio e satisfação às necessidades viárias, visto que estamos a intervir numa estrada nacional, mas também responder às necessidades do peão. A via surge assim com uma largura para circulação automóvel de 7 metros e um passeio em ambos os lados de dimensão mínima de 2,5 metros. Entre estes dois elementos existe uma barreira protectora de vegetação que contempla também o alinhamento de árvores propostas e existentes ao longo do percurso. Com este tipo de intervenção, o percurso é em certas zonas mais confinado e perceptível pela barreira, pelas árvores e pelos muros dos lotes. Contudo em zonas onde esses limites são mais afastados, o percurso abre-se para esses espaços, criando assim locais de actividades e lazer. Nessas aberturas e devido á suas dimensões localizam-se os estacionamentos de apoio á via e aos lotes de forma a ter um trânsito mais fluido e eficaz. Em zonas de desníveis aplicam-se socalcos para a sua resolução. No geral a proposta no seu conceito base concilia os princípios de intervenção com elementos característicos da vila. O verde, a cor, os muros com vegetação, os socalcos e todo o ambiente de natureza tratada presente.
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Vegetação Para além das árvores existentes, propõe-se a plantação de Tílias pela sua capacidade de adaptação ao local, pela sua copa majestosa, pela sua variação de tonalidades durante o período estival, pelo seu cheiro e pelo facto de ser de folha caduca o que no período do Inverno permite a penetração de luz para a via e para os lotes. Neste local a presença do sol é importante por ser uma região fria no Inverno, mas no entanto, quente e seca no Verão. A vegetação para os socalcos e para as barreiras de vegetação propõe-se a plantação de espécies de pequeno porte com várias tonalidades de cor, isto de forma a identificar-se mais com o ambiente da vila. Para isso optam-se por folhados, alecrins, giestas e eriças.
Fig.37 - Ericas
Fig.38 - Giestas
Fig.39 - Alecrins
Mobiliário O mobiliário público e zonas de apoio estão sempre situados para lá do mínimo de 2,5m do passeio para que o peão tenha sempre uma zona de circulação livre e desimpedida. Os pontos de luz, sempre que possível situam-se nas barreiras vegetais ou embutidas nos socalcos, reduzindo assim as barreiras físicas e visuais para o peão.
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Pavimento O pavimento aplicado difere entre a zona de lazer e os percursos de cor. Na zona central, por ser uma zona de interacção social, com concentração de comércio e capacidade de acolher várias actividades é uma zona mais dinâmica, por isso o pavimento é em placas de betão com uma ordem de aplicação desalinhada de forma a reforçar o sentido de dinâmica e amplitude visual e espacial que o espaço oferece. O uso do material betão é explicado pelo seu carácter mais urbano. Nos percursos de cor, por serem percurso mais contidos marcados pelos muros, pela protecção verde e pelo alinhamento das árvores, o pavimento aplicado é em placas de granito alinhadas na transversal, de forma a marcar o sentido de percurso mas ao mesmo tempo não o confinar demasiado visualmente. O uso do granito é explicado pelo seu carácter mais rural, pelo seu usos na maioria dos muros existentes e por ser o material de pavimento do centro histórico. Outro aspecto a referir para o uso do granito na transversal prende-se pelo seu uso nas ruas do centro de Ponte de Lima segundo a mesma regra. O pavimento em zonas de atravessamento pedonal sobrepõe-se á via e esta elevado cerca de 5 cm, funcionando assim como abrandamento do trânsito.
Fig.40 – Pavimento em placas de granito
Fig.41 – Passadeira elevada
Fig.42 – Muros com vegetação
Iluminação A iluminação, como já foi referido atrás localiza-se sempre que possível na protecção verde ou para lá dos 2,5m de mínimo de passeio de forma a não criar barreiras físicas ao peão. O distanciamento entre postes de iluminação é de 15m, havendo zonas pontuais, que para o bom funcionamento quer do peão quer do trânsito, como é o caso de entrada de veículos para os lotes, o poste é disposto de forma a garantir o acesso eficaz. Os postes de iluminação fazem em simultâneo a iluminação da via e do passeio reduzindo assim o número de mobiliário urbano que em excesso pode provocar ruído visual. Para além dos postes propõe-se também a
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aplicação de pontos de iluminação nos socalcos propostos e sempre que possível nos muros. Esta iluminação embutida para além de complementar a iluminação feita pelos postes marca também o passeio e o seu sentido de percurso.
Síntese Em síntese a proposta, é o resultado final da interpretação e reflexão feita durante todo o processo da análise da vila e da via em pormenor. Trata os espaços existentes através de três zonas que no entanto têm uma unicidade coerente com uma intenção base de intervenção e com os símbolos que caracterizam a Vila de Ponte de Lima, o verde, a cor, os muros, os socalcos, a ruralidade e a dinâmica urbana que resulta no ambiente típico de Ponte de Lima. Todos estes elementos são conjugados e tratados de forma a garantir o equilíbrio, a funcionalidade e uma coerência de espaços não comprometedores.
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Intenção de criar uma rua com dois passeios adoçados a uma barreira verde.
Em zonas de atravessamento, a estereotomia do passeio sobrepõe-se à via
Nova definição do estacionamento, com acesso directo à via, libertando assim espaço para o interior.
Eliminação da rotunda para dar lugar a tipologia de cruzamento presente na Av. Feijó.
Estacionamento perpendicular à via para que a manobra seja rápida e eficaz.
Planta 16 – Planta Geral
Estacionamento sempre associado a edificações e a momentos em que a via é mais larga
Utilização de socalcos, elemento característico de Ponte de Lima, para a resolução dos desníveis.
Eliminação do cruzamento, para dar lugar a um edifício de consolidação de toda esta zona.
Passagem inferior para automóveis e peões, garantindo um melhor acesso entre zonas.
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Referência Requalificação do espaço urbano em Montemor-o-Velho Na edição 3ª da Open House, um dos convidados foi o Arq. Miguel Figueira. Entre os vários projectos apresentados, o que se evidenciou mais foi o projecto de intervenção do espaço urbano de Montemor-o-Velho, pelo facto de se inserir no mesmo contexto que o projecto de requalificação da E.N. 203 em Ponte de Lima. Mais tarde tivemos a oportunidade de visitar o local na companhia do Arq. Miguel Figueira.
Fig.43 – A proposta
O objectivo principal neste projecto era o de qualificar dois largos, uma praça e os dois eixos de ligação entre os largos, onde o eixo mais a norte é “interrompido” pela praça. Esta intervenção, tal como foi referido pelo arquitecto, não foi tanto do sentido de requalificação do espaço público mas antes de qualificação do espaço público. Isto porque não havia praça, rua ou largo, que funcionasse como tal. Com isto foi opção do arquitecto, libertar a Praça da República do atravessamento automóvel porque ali é o centro do espaço público, espaço do cidadão e de sociabilidade. Para recuperar a praça o arquitecto alterou o sentido de circulação da rua principal e criou dois sentidos de circulação viária na rua detrás. Foram colocados passeios para a supressão das valetas e do estacionamento descontrolado. Por sua vez na rua detrás, foram criados os estacionamentos, os acessos viários e as ligações ao exterior, no que antes era uma vala. A nova forma implicou a abertura de outra travessa. A nascente, no espaço adjacente ao Convento, o arquitecto desenhou uma nova articulação do Centro Histórico com a parte nova da Vila que no entanto ainda não é usada pela população pelo facto a antiga ainda existir (zona do nó).
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Para o desenho do espaço do Centro Histórico usou-se a pedra. Só no eixo sul usou-se o betuminoso para a circulação viária. Na rua principal (mais a sul) os paralelos são de granito no mesmo traçado da antiga estrada nacional. Na ligação do centro histórico o arquitecto usou o calcário nas calçadas dos passeios, nos lancis e nos degraus. Na praça e nos largos o arquitecto optou pelo seixo para revestir e reforçar o carácter simbólico de praça e de entrada no Centro Histórico. Para além de todas estas grandes opções foi determinante a definição de regras de intervenção. Nos cruzamentos ou entroncamentos, a calçada do passeio dá lugar ao calcário usado nos lancis. Também o acesso ao interior dos lotes através de degraus são em calcário que ou seguiam o alinhamento do aro da porta ou se não existisse o alinhamento do vão. Também nas situações de desníveis o calcário era usado para a marcação e transição entre cotas usando alinhamentos da rua do centro histórico. Por fim também as paragens de autocarro em betão foram pensadas de forma a evidenciar a regra, o controlo e a sensibilidade usada em todo o projecto. O que mais absorvi com este projecto é capacidade que o arquitecto deve ter em ser sensível ao lugar, tomar decisões fundamentadas e criar regras sempre pensando no que quer, como quer e porque o quer.
Fig.44 – A proposta
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Fig.45 – Aspecto da paragem de autocarro.
Fig.49 – Escada de acesso aos lotes.
Fig.46 – Eixo Norte.
Fig.50 – Resolução da esquina.
Fig.47 – Eixo Sul.
Fig.51 – Praça da República.
Fig.48 – Nó.
Fig.52 – Pormenor da calçada e transição de cotas.
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A Parcela Habitacional
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Definição da Base de Intervenção
Programa O programa passa por realizar um planeamento urbano que contemple habitação multifamiliar e comércio. Este conjunto deve ir em conta com os princípios estabelecidos na proposta elaborada para a E.N. 203, e o P.D.M. de Ponte de Lima.
Interpretação do Lugar O lugar a intervir apresenta-se no presente como um espaço sobrante fruto da expansão desorganizada que se fez ao longo da E.N. 203. Para além da estrada nacional que foi objecto de intervenção, o terreno é delimitado por um acesso rural, por um acesso ao centro histórico e por uma via de acesso a uma plataforma comercial. O terreno apresenta-se com um uso agrícola e com a presença de um edifício habitacional que se insere na pequena actividade agrícola ali presente. O desnível do terreno é pouco acentuado junto ao acesso rural, sendo mais acentuado no espaço entre a via de acesso à zona comercial e a via de acesso ao centro histórico.
Planta 20 – Parcela a intervir.
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Fig.53 – Transição entre a E.N. 203 e a parcela.
Fig.57 – Socalcos existentes.
Fig.54 – Parcela vista da E.N. 203 (cota inferior).
Fig.58 – Parcela vista à cota superior.
Fig.55 – Eixo de ligação ao centro.
Fig.59 – Parcela vista à cota superior.
Fig.56 – Eixo de ligação ao centro.
Fig.60 – Caminhos e quintas rurais a manter.
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Premissas/Prioridades
Reforçar o eixo de ligação ao centro (visualmente e fisicamente)
Reforçar o carácter de comércio presente na via Transição entre dois níveis e dois ambientes
Criar a ordem na aleatoriedade
Manter a quinta e o seu ambiente rural
Fig.61 – Premissas e objectivos.
Reforçar o carácter de comércio na via Actualmente existe a norte da parcela, no nível superior, uma grande superfície comercial.
Este
equipamento
de
grandes
dimensões
com
um
parque
de
estacionamento de apoio de igual dimensão está implantado numa linha de festo, que por consequência faz com que tenha uma presença forte para com a envolvente. Com a estrada a ser o único elemento de separação entre o equipamento comercial e a parcela de intervenção, é então necessário criar uma transição que defina dois ambientes e ao mesmo tempo “proteja” o que se implantar no interior da parcela. Justifica-se assim a criação de três elementos edificados que funcionam como topos de transição, protecção e de redefinição do carácter de comércio que se vive a este nível superior. Para que estes elementos reforcem o carácter de transição para o traçado urbano de aleatoriedade existente, assumem a forma de diferentes volumetrias e cérceas, indo assim de encontro aquilo que é a edificação dispersa.
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Reforçar o eixo de ligação ao centro O eixo de ligação ao centro que a proposta reconfigura, actualmente é se não mais, uma estrada de sentido único viário e sem saída que apenas serve de acesso às habitações ali presentes. No entanto devido a sua configuração e disposição para com a E.N. 203, assume um carácter de ligação ao centro histórico que deve ser valorizado. Por isso a proposta reformula a transição no ponto de intersecção entre as duas vias, cada uma á sua cota, com socalco. Para além disso toda a via passa a ter um sentido pedonal com trânsito condicionado para os habitantes. Para que esta transição e ligação seja claramente perceptível por quem atravessa a E.N. 203, todo o muro da parcela de intervenção associado á via é reconfigurado, tal como a implantação dos edifícios de habitação propostos, que são três, seguem o alinhamento do eixo de ligação ao centro. Assim, quer fisicamente, quer visualmente o eixo é reforçado. Com isto a proposta vai de encontro a um dos objectivos principais da proposta de requalificação da E.N. 203, que era o de aproximar e integrar esta zona da vila com o centro histórico.
Fig.62 – Eixo viário a tratar.
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Transição entre dois níveis e dois ambientes Como já foi descrito atrás, o terreno tem uma pendente entre o nível da E.N. 203 e a via de acesso ao equipamento social. Esta diferença de cotas chega a ter uma diferença de seis metros na sua pendente máxima. Um aspecto interessante da parcela é o facto de ao nível inferior, ou seja, a sul, temos uma construção mais contida e associada ao rural e ao verde, em contraponto com a cota superior a norte, onde a construção é mais recente, multifamiliar e em altura, associada a um ambiente mais urbano. É devido a esta particularidade que a proposta tem como principal objectivo criar uma transição entre dois níveis, dois ambientes e duas funções. Ou seja, a transição entre dois níveis de forma bem demarcada para que a transição entre dois ambientes e duas funções seja automaticamente também bem demarcada. Com essa transição bem demarcada, a proposta implanta assim os lotes habitacionais á cota inferior, mais ligada ao verde e ao rural e afastado o mais possível da E.N. 203. Em oposição a nível superior localizam-se os topos destinados ao comércio, mais ligado ao carácter urbano e activo. Desta forma as relações entre comércio e bairro, urbano e rural, verde e edificado conciliam-se de forma ponderada. O resultado disto é a criação de uma ambiência espacial propícia tanto à sociabilização como ao recolhimento. De salientar que os pátios definidos pelos edifícios sãos os palcos principais para tal acontecer.
COMÉRCIO/EDIFICADO URBANO
HABITAÇÃO/AMBIENTE RURAL ALEATORIEDADE/ ORDEM Fig.63 – Esquema de intenção base.
Criar uma ordem na aleatoriedade A ordem que se pretende criar resulta em certa forma da soma dos pontos atrás tratados. No entanto é também objectivo da proposta criar uma ordem de intervenção na aleatoriedade definida pela construção envolvente. Isto para que esta parcela sirva de modelo ou referência para as futuras intervenções que se possam vir a fazer ao longo das principais vias de acesso a Ponte de Lima.
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Manter a quinta os caminhos e o seu ambiente rural O não tratamento da quinta e dos caminhos é uma opção tomada já desde a proposta de intervenção para a E.N. 203, isto porque, estes elementos formam e reforçam o conjunto defendido pelo presidente da câmara, Daniel Campelo, de preservar o ambiente, o património e a ruralidade. Se atrás, a função habitacional era implantada à cota inferior devido ao seu ambiente de verde, calma e natureza, não fazia sentido reconfigurar nem a quinta nem os caminhos. No entanto a entrada do caminho rural mais a norte que dá acesso viário às quintas ali existentes, é aproveitado e reconfigurado de forma a ser também, um acesso viário ao piso de estacionamento do conjunto habitacional proposto.
Definição da Estratégia Com as premissas definidas anteriormente e de acordo com as características do terreno, o objectivo da estratégia principal passa por criar e definir uma transição entre duas cotas, entre o comércio e a habitação, entre o verde e o construído. Com esta transição de cotas é possível criar dois tipos de ambientes, um nível superior mais comercial reforçando assim o sentido de comércio dado pelo supermercado e um nível inferior com carácter mais habitacional, afastado da E.N. 203 e mais ligado ao verde e ao ambiente rural. Por isso a proposta tenta ser o mais delicado possível em termos de construção.
Áreas m2 Terreno com a linha dos 30 metros
10096
Área de Construção Bruta
4504
Área de Comércio
976
Área de Habitação
3528
Área de Implantação
1875
Área Verde
7022
Área Permeável
7022
Área Impermeável
3074
Índice Aprox. 0.5
Quadro 1 – Quadro de áreas.
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Conceito O conceito passa então por criar três volumes que criam uma ordem no meio da aleatoriedade criada pela construção dispersa. No entanto esses três volumes fazem também a transição para a aleatoriedade através dos topos comerciais. Para que o eixo de ligação ao centro histórico seja ainda mais reforçado, essa transição para a desordem é interrompida nos volumes, sendo os três volumes propostos alinhados pelo eixo de ligação ao centro histórico. A necessidade da criação de três volumes prende-se pelo sentido de alinhamento e perspectiva que dois ou um volume só não conseguem transmitir. Com este conceito consegue então criar uma frente com um alinhamento forte, com um nível habitacional mais ligado ao verde presente na cota inferior, e uma frente com carácter comercial ao nível superior reforçando o seu sentido de comércio. A Orientação A orientação dos edifícios foi pensada para a que estes fiquem perpendiculares às vias limítrofes da parcela. Com esta disposição o sentido de transição entre as duas partes é também valorizado. Também assim a protecção em termos de ruído é mais vantajosa. Em termos de exposição solar os edifícios também ficam a ganhar estando as fachadas de maior dimensão orientadas a Este e Oeste.
Fig.64 – Imagem do conjunto.
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Fig.65 – Imagem do conjunto.
A métrica Toda a proposta desde a sua implantação até ao desenvolvimento do fogo está organizada segundo um módulo quadrangular de 1,5x1,5m. Todo o desenho de pavimentos alçados e afastamentos é disposto segundo uma malha definida por esse módulo. De salientar que a métrica, neste caso, não é um elemento central para a realização do projecto. Transição de Espaços A transição entre os espaços é como não podia deixar de ser, feita por desníveis. Essa transição entre a cota inferior, a zona habitacional e a cota superior, a zona comercial, apenas é feita por uma escada que surge numa quebra do muro que unifica toda a proposta e que marca o limite entre os dois ambientes. Apesar de essa transição se resumir apenas a uma escada, essa é claramente perceptível pela sua localização, devido ao seu enfiamento central no percurso de maior dimensão.
Fig.66 – Escada.
Fig.67 – Percurso principal associado à escada.
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Os percursos Os percursos da proposta resumem-se a dois, um principal e um secundário. Quanto menor for a distância e mais directa a ligação entre pólos, melhor é a clareza e a definição do espaço. O percurso principal faz a ligação entre a E.N. 203 e a via de acesso ao equipamento comercial. Por ser o percurso de maior importância este é colocado no pátio de maior largura. Por sua vez, o percurso secundário, surge como uma artéria ao principal, com dimensões mais reduzidas e uma estereotomia do pavimento também diferente, pois este percurso apenas serve para dar acesso aos lotes habitacionais. Com esta estratégia o utilizador é sempre influenciado a fazer o percurso principal, valorizando o ambiente de bairro que se quer ter no primeiro pátio.
Fig.68 – Percurso principal.
Fig.69 – Percurso secundário de acesso apenas aos lotes.
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Os pátios Os pátios são até certo ponto definidos pelos percursos. Tendo o pátio mais a Oeste apenas um ambiente de bairro e de unidade de vizinhança, apesar de à cota superior ter um carácter de comércio que no entanto é bem delimitado pelo muro que vence o desnível, este tem uma largura de 15 metros, cumprindo assim a regra dos 45º sem grandes dificuldades, visto que os edifícios apenas tem uma altura de 9 metros. Já o pátio a Este e por ser aquele que incorpora o percurso principal de transição, a sua largura aumenta para os 20 metros, isto porque, desta maneira é possível garantir a privacidade dos moradores. Para além disso, existe sempre uma barreira verde entre a fachada e o percurso de forma a reforçar mais o sentido de privacidade e transição entre público/privado.
Fig.70 – Pátio Oeste.
Fig.71 – Pátio Este.
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As fachadas As fachadas são na proposta outro elemento de transição entre os ambientes. Daí que os lotes habitacionais apresentem um tipo de fachada que transmite a quem ali passa o sentido de recolhimento, em contra ponto com as dos topos comerciais que transmitem um sentido de abertura, actividade e ritmo. È também de salientar que o discurso feito em toda a proposta urbana é também levado para os interiores e por sua vez para as fachadas. Por isso as fachadas apresentarem um jogo de desníveis, encaixes, transições e encerramentos. No entanto este ponto será aprofundado mais à frente.
Fig.72 – Relação dos “desníveis”.
Os espaços Verdes Todos os espaços verdes são tratados como dignos espaços verdes e não como sobrantes. O espaço verde associado a E.N. 203, é apenas trabalhado em termos de colocação de arvores e dando-lhe a apenas a função de espaço verde. Isto porque assim o espaço, não só serve de protecção visual e sonora à via como também engloba a capacidade de conseguir responder a inúmeras funções que ali se possam fazer. Desde à simples fruição de espaço, até a actividades desportivas e de lazer ligadas à natureza. Já o espaço associado ao eixo de ligação ao centro e onde o seu desnível é mais acentuado é resolvido com socalcos, à semelhança da solução adoptada para a proposta de requalificação da E.N.203. Neste caso, toda esta zona seria destinada a ser uma zona verde de passeio e lazer, de apoio a toda a envolvente próxima.
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Vegetação A vegetação proposta apenas se refere ao tipo de árvores. Isto porque é intenção da proposta que a vegetação rasteira seja gramíneas de crescimento espontâneo. No que diz respeito à escolha das árvores, são as mesmas propostas para a E.N. 203., a Tília. A escolha da Tília recai sobre as suas propriedades físicas e psicológicas para o ser humano. Para além do seu porte, da sua generosa copa, dos contrastes de verde que a sua folhagem dá, também a fragrância que liberta durante o período estival, é agradável e reconfortante para o ser humano. A disposição das arvores no espaço verde associado a E.N.203 é uma mais-valia para a protecção das habitações, pois estas estão dispostas em cunha.
Materiais A aplicação dos materiais a nível urbano recai apenas sobre o betão e o granito. O granito surge associado aos muros das quintas, dos espaços verdes e no pavimento do eixo de ligação ao centro histórico. O granito surge assim sempre associado ao rural e á tradição. O betão, por sua vez, surge nos passeios das restantes vias, no muro de unificação da proposta a Norte, nos pátios, nos volumes de edificação proposta e nos percursos propostos. Com esta aplicação consegue-se realçar aquilo que realmente existia e é de valorizar pelo seu carácter mais rural e tradicional com aquilo que é proposta com um carácter mais moderno mas em harmonia com o todo. Luz Os elementos de luz são todos eles associados aos percursos. Quando o percurso contempla árvores, como é o caso do passeio, os pontos de iluminação surgem sempre a meio do espaço definido pelas duas árvores dispostas segundo a métrica. Na ausência de árvores como é o caso dos percursos este surgem de 6 em 6 metros e a 30 cm do nível do chão. Com esta pequena elevação em relação ao solo, o espaço de circulação pelos percursos é reforçado.
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Referência Bairro da Bouça INTRODUÇÃO A análise deste projecto prende-se pelo facto de como já foi referido na introdução, ter especial importância para a elaboração da proposta habitacional no terreno associado à E.N. 203 em Ponte de Lima. Os princípios gerais adoptados neste projecto da autoria de Álvaro Siza Vieira, são também de certa forma adoptados por mim na proposta habitacional. Visto que o projecto do Bairro da Bouça é muito complexo, desde a sua realização, até ao seu contexto histórico e de implantação, recorri a um trabalho realizado por uma colega da F.A.U.P., sobre a Unidade Residencial da Bouça. Daí retirei os pontos chaves para o meu tema e proposta e tratei-os da forma mais adequada para o entendimento da sua influência para a proposta em Ponte de Lima.
O BAIRRO DA BOUÇA A Unidade Residencial da Bouça é uma obra extremamente rica, não somente pelos pressupostos em que se rege e obedece. Mas também pelo diversificado legado arquitectónico que possui. A Bouça é regra e essa regra lê-se no edificado, nos vazios, na relação das partes e das partes com o conjunto. No entanto, também é excepção. Excepção essa muito bem cuidada e estabelecida para que ganhe realce e proeminência na obra, lida pela sua singularidade. A Bouça é pensada do global para o particular, de modo a que todos os seus elementos pertençam a um mesmo contexto, a uma igual linguagem. Uma obra pensada não só nos seus elementos, mas também nas vivências que proporciona para o morador e para a cidade, pela complexidade de acontecimentos que confirmam a regra e que mostram surpresa e excepção evidenciando os pátios, o edificado e a cidade. Os tempos evoluíram, mas a Bouça manteve-se perene e contemporânea, mesmo passados vinte e seis anos. Neste capítulo é realizado um estudo pormenorizado dos vários elementos da Bouça e as várias relações que são constituídas, para o entendimento dos seus propósitos e objectivos.
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No desenho da proposta da Bouça, o arquitecto socorreu de uma malha reguladora e moduladora base para a implantação dos vários edifícios e para o dimensionamento dos vários espaços e elementos construídos contidos no projecto. Esta modulação tem importância no estabelecimento de hierarquias, dimensões, proporções e equilíbrios. Permite as relações do cheio, do vazio, do cheio com o vazio e das excepções. São destinados a controlar e a definir as relações do edifício com a envolvente. O módulo simboliza a regra. É um suporte de lucidez metodológica e que ganhará maior utilidade, quando se assume a excepção. A excepção só ganha força quando rodeada por um sistema regrado, da mesma forma que a regra apenas sobressairá quando rodeada de total excepcionalidade. A modulação não está apenas presente na implantação e no desenho dos edifícios, como em todos os elementos que constituem a Bouça. A sua comparência é constante, desdobrando-se no dimensionamento do fogo, bem como na sua organização interior através do recurso de sub-módulos, assim como no estudo de determinados pormenores, no entanto vamo-nos centrar apenas ao nível de implantação urbana, pois esta a fase do projecto mais relevante para a proposta habitacional.
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LOCALIZAÇÃO, TERRENO E CONFRONTANTES O terreno localiza-se no centro histórico do Porto, marginal à Rua da Boavista, um dos eixos principais da cidade do Porto, em conjunto com a Avenida da Boavista. Constitui um terreno de grande valor na cidade, pela sua centralidade, e por isso, a sua localização foi outrora contestada, na medida a que se destinaria a pessoas de uma condição social mais baixa, símbolo de marginalidade e má vizinhança, Situação que se agravou face à contínua degradação, após a sua interrupção, em 1977. A possibilidade de intervir e integrar os bairros sociais no centro histórico do Porto, permitiu aos mais carenciados o mesmo direito à cidade e à rede de ofertas, assim como a mesma igualdade que os habitantes de outros estratos sociais: o direito a uma habitação digna, urbana e civil. Apesar de actualmente a obra ser entendida como uma referência na cidade e ser vista como um excelente exemplo de arquitectura e habitação colectiva, nem sempre o foi, melhor dizendo, nunca o foi para a cidade até recentemente com o seu término. Construir habitação para população pobre no centro da cidade constituía um problema na altura e face aos constantes entraves políticos e sociais, o desenvolvimento do projecto foi em muito dificultado. O terreno onde se implanta a proposta é de forma irregular, aproximadamente trapezoidal. A poente, o conjunto da Bouça é confrontado pela Rua das Águas Livres, e a noroeste pela Rua Meio. A nascente e a sul, é limitado pelas traseiras dos lotes que se voltam para a Rua da Boavista, exceptuando uma pequena parte do terreno, não construída, que faz frente com a Rua da Boavista no ponto que converge com a Rua das Águas Livres. A norte o terreno é limitado pela linha do metro, a antiga linha de caminho de ferro, estrutura viária pesada, aliada a ruído sonoro e a algum desconforto. Actualmente, a presença desta estrutura deixou de ser uma desvantagem, passando a constituir uma mais-valia, na medida que, enquanto o comboio era entendido como uma barreira física e de conotação negativa, o metro, pelo contrário, constitui um meio de transporte rápido, moderno, silencioso e acessível, que nos liga a qualquer ponto da cidade. Este factor, relevante pela proximidade à Bouça, está ao dispor de todos aqueles que aqui moram. Por outro lado, apesar de a linha férrea determinar um término físico, um limite, não constitui uma barreira para o pedestre, uma vez que após a presença da linha do metro e a sua paragem, os espaços que envolvem a Unidade da Bouça ganharam um carácter mais "público", ou seja, de maior vivência, na medida que atira o atravessamento da Unidade no acesso à paragem de metro. Os espaços passam a Desníveis na Arquitectura
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ser vividos não só por aqueles que no Bairro da Bouça e arredores. A fruição destes espaços é feita, não pelo objectivo de usufruto cru, mas porque a Unidade da Bouça consiste num interlocutor entre a Rua da Boavista e a paragem de metro, pertencem, assim, activamente à cidade. Este quarteirão "bastardo' onde está implantada a Unidade da Bouça ganhou maior vivência e interacção, uma vez que pertence às redes da cidade.
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A IMPLANTAÇÃO A proposta, destinada a habitação social, é constituída por quatro blocos paralelepipédicos, lineares, cada um composto por quatro pisos, por isso, de baixa altura se pensarmos nas cérceas existentes nesta zona. Implantados no sentido nordeste I sudoeste, orientação seguida pela Rua Meio, cada bloco é organizado por unidades habitacionais, habitações duplex sobrepostas, que organizam os quatro edifícios lineares, num total de cento e vinte e oito fogos. A solução usada é de alta densidade embora de cércea reduzida, privilegiando nitidamente a relação de complementaridade entre o espaço edificado e o espaço livre intersticial, conservando a escala e significativa clareza das áreas de uso público. Os quatro blocos encontram-se unidos por um muro. Na primeira fase de projecto, o muro não foi construído e nas imagens existentes da época é visível a sua ausência e a importância da sua presença. Os vários blocos apresentam-se desagregados num terreno amplo, desprotegidos, e sem carácter de conjunto. O muro, elemento de proeminência no projecto, construído na segunda fase, é o corpo separador e protector do exterior, é o elemento “tampão", como muitos autores o definem. De comprimento igual ao limite norte da proposta, determina um limite preciso e físico, indica uma orientação e um sentido ao projecto, acentuado pela presença de uma galeria à cota do 3º andar, agarrada a este pelo lado exterior e que permite o acesso superior aos vários edifícios da proposta. Para além da sua função de limite, o muro consiste no elemento unificador de toda a proposta. Os vários edifícios não se encontram soltos no terreno, não constituem corpos independentes entre si, autónomos, mas unidos no topo norte pelo muro e galeria a si agregada. O muro apela para a união física, de percurso e acesso aos vários blocos num claro sentido de conjunto. A orientação determinada pelo muro constituirá uma das guias para a modulação do projecto, por parte do arquitecto. Os edifícios estão implantados perpendicularmente a um pré-construído, localizado entre o lote e a linha férrea. Organizam-se de modo a ocuparem a profundidade total do terreno, e por isso, vão sendo progressivamente mais curtos à medida que a parcela se torna mais estreita, estando a nordeste o edifício menor, que faz frente com a Rua Meio. A proposta concebe uma progressão decrescente dos edifícios, no sentido sudoeste - nordeste. A disposição dos blocos edificatórios dá origem ao desenho de três pátios longitudinais, de forma regular, todos eles encerrados a norte pelo muro de protecção, Desníveis na Arquitectura
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que separa a parcela da antiga linha férrea. Os dois últimos pátios, de menor comprimento, dão acesso à extremidade norte da proposta, ao percurso paralelo ao muro limite da parcela, devido à existência de uma abertura no muro em cada um dos pátios. Os pátios são abertos, voltados para a Rua das Águas Livres, a poente. Tanto a sudeste como a nordeste, os pátios são definidos pelos vários blocos, que se organizam em espelho, quer na sua organização interior, quer entre si, e deste modo, as fachadas dos dois lados dos pátios são iguais. Apesar de os pátios não estarem fechados para a cidade, em que apenas um dos seus lados, o menor, é aberto a esta, e os outros três lados (de perímetro superior) são limitados por planos verticais (confronta com o muro e os blocos edificatórios), é clara a relação de abertura da proposta para com a cidade. Não é evidente a pertença dos pátios aos moradores ou á cidade. Os pátios apesar de separados por cada um dos blocos habitacionais, mantêmse unidos por percursos transversais, de orientação sudeste-noroeste, à cota do terreno, por aberturas pontuais, alinhadas, em cada um dos edifícios. Os percursos e atravessamentos da parcela efectuam-se a vários níveis e de acordo com determinados critérios: a sua altura e orientação. Para além dos quatro blocos principais de habitação, o projecto ainda inclui um pequeno conjunto de fiadas de habitações, localizadas a sudeste da parcela, que fazem frente directa com a Rua da Boavista. Este pequeno conjunto, segue a orientação dada pela Rua da Boavista e dá continuidade á frente de rua, estando a sua implantação alinhada com o alçado da Rua da Boavista e a cércea das edificações preexistentes. Esta pequena parcela de habitação e comércio tem um papel bastante relevante, uma vez que mantém a continuidade das preexistências que conformam a Rua da Boavista, caracterizada por habitações que se desenvolvem à face da rua trazendo a escala da cidade para a Unidade Residencial da Bouça. Marca assim o início da proposta e serve simultaneamente de rótula para o projecto que se desenvolve ao longo deste novo quarteirão proposto. Tem um papel de charneira quer de dentro para fora, indo buscar as características do alçado da rua, marcadas por um tempo e uma história próprios, aplicadas no entanto de acordo uma interpretação crítica e atenta a uma nova realidade contemporânea que é a arquitectura de Siza Vieira e de fora para dentro, transpondo as particularidades exteriores para si. Ao longo da extremidade oeste do terreno, estão localizados posteriormente aos topos sudoeste dos três primeiros blocos fronteiros com a Rua de Águas Livres e
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a Rua da Boavista, um conjunto de pequenos equipamentos colectivos, inicialmente pensados como sendo posto de transformação, lavandaria e biblioteca I sala de estudo, embora actualmente se tenham instituído outros serviços, nomeadamente escritórios de arquitectura, face às transformações sociais e de funcionamento da Unidade Residencial de Bouça. A ampla parcela onde se implanta a proposta é caracterizada por uma pequena pendente. Parte do projecto encontra-se a uma cota mais elevada: o primeiro bloco localizado a sudeste do conjunto e o pátio que confronta com o limite sudeste da proposta. É no momento se dá a passagem para o primeiro pátio longitudinal que é realizada a transição para a cota mais baixa relativamente à parcela anterior, em cerca de um piso, através de escadas e rampa. O primeiro bloco edificatório constitui o elemento de transição entre as duas cotas da Bouça. Quando visto do vazio sudeste limite da parcela, o primeiro bloco é constituído por três pisos, no entanto, quando observado do primeiro pátio longitudinal, ou da Rua da Boavista, este mesmo corpo caracteriza-se por quatro pisos. A tipologia utilizada na Unidade Habitacional da Bouça não é única. Nas habitações inferiores do 1° e 2° piso, o acesso é feito, por regra, por escadas de tiro individuais situadas a eixo da habitação e perpendiculares à fachada. Nas habitações superiores do 3° e 4° piso, o acesso é feito por galeria que se desenvolve ao longo do terceiro piso. O período de projecção da Unidade da Bouça foi de grande riqueza no campo da arquitectura, nomeadamente do ponto de vista da habitação social. São várias e distintas as atitudes tomadas por cada arquitecto em cada um dos projectos, no sentido de recriar um modo de vida em que permanecessem as particulares de identidade deste grupo alvo.
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A EDIFICAÇÃO A Bouça implanta-se segundo a vontade de gerar uma nova ordem, interna, aposta à trama urbana circundante, tributária da sua lógica específica de intervenção. Respeitando a escala envolvente, o arquitecto joga com a disposição dos blocos, perpendiculares ao desenvolvimento da rua, nunca abdicando do fiel compromisso com a cidade. É criado um novo ambiente não indiferente aos modelos de vida comunitária usados no passado, as “ilhas”. Em vez de se criar uma frente fechada a um interior de extrema riqueza de relações de sociabilidade, o arquitecto abre o Bairro da Bouça à cidade e torna "pública" essa vivência, estendendo-a simultaneamente para além dos limites invisuais da Bouça. A vontade é não criar uma barreira aos espaços interiores da Bouça, mas, assegurar a comunicação dos espaços do bairro com os espaços da cidade.
OS BLOCOS HABITACIONAIS A Unidade da Bouça foi buscar como referência inicial o alinhamento relativo à Rua da Figueirosa, consertando-a com a fachada sudeste do segundo bloco de habitação. Esta atitude é de grande inteligência uma vez que o segundo bloco habitacional fica a ocupar o vazio ocasionado pela confluência das três ruas, Rua Figueirosa, Rua das Águas Livres e a Rua da Boavista. Este ponto é elegido como sendo o de maior incidência visual àqueles que percorrem um dos eixos principais da cidade, a Rua da Boavista. É a partir deste alinhamento do segundo bloco com a Rua Figueirosa, que é estabelecida toda a malha quadricular de apoio à implantação dos vários cheios e vazios da Bouça. Sendo o modulo o quadrado de 4x4m, os quatro blocos habitacionais caracterizam-se por uma igual profundidade de 12 metros, ou seja, o equivalente a 3 módulos, e portanto, esta será a profundidade total de cada unidade habitacional, A área do fogo será equivalente a 6 módulos uma vez que se desdobram segundo dois pisos. O dimensionamento de três módulos repete-se na altura dos blocos, de quatro pisos, que se aproxima dos 12 metros de altura. No entanto, o comprimento dos edifícios é variável, de acordo com o limite da parcela, sendo o edifício o sudeste o mais longo, e os seguintes progressivamente menores.
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OS EQUIPAMENTOS COLECTIVOS Relativamente aos equipamentos colectivos, estes surgem como elementos de remate dos edifícios de habitação e da própria posposta, na relação com a cidade. Os equipamentos comunitários, localizam-se na extremidade sudoeste de cada banda, com o objectivo de melhorar o funcionamento do bairro e oferecer melhores condições de serviços, mas também, promovendo a sociabilização entre os moradores. A relação próxima de convivência entre os moradores pode ser entendida como uma premissa da Unidade da Bouça, mais ainda dos projectos de habitação social. Este modo de relacionamento já vem de trás, desde o tempo das «ilhas». Existe um forte enraizamento local, resultado de muitos anos de permanência num mesmo sítio e de uma forte relação de vizinhança. Partilham iguais dificuldades e propósitos no que diz respeito às habitações e ao espírito de luta por melhores condições de vida e de habitação e ao direito à cidade. Acrescenta-se o facto de a Bouça surgir como um projecto de habitação para população carenciada, população esta que já estava fixa a esta mesma zona, ou seja uma constante, o espaço de vivência e o grupo de vizinhança. Por outro lado, a maioria dos alojamentos desta população alvo, não eram dotados de equipamentos nem condições de conforto. Em muitas «ilhas», as habitações não possuíam instalações sanitárias, de banho, ou mesmo cozinha independente. Assim o exterior era um lugar privilegiado de intensas relações de vizinhança, constituindo uma extensão natural da casa onde se desenrolavam as várias tarefas quotidianas na partilha de equipamentos e serviços comuns, como os tanques da roupa, os estendais, os sanitários e balneários. Desta forma, esta será uma permanência na Unidade da Bouça que cria três equipamentos comunitários, preservando a identidade e os modos de vida da população pobre portuense, proveniente de um passado e de uma organização tipológica própria, as «ilhas». Os
equipamentos
organizam-se
segundo
três
corpos
de
excepção,
independentes, mas na continuidade dos blocos habitacionais, de conformações bem distintas em planta - um triângulo, um semicírculo e um rectângulo, simplificando. É de salientar o modo como Siza recorre a formas de excepção e elementos curvos para resolver questões de transição, continuidade e mudança de escala quer ao longo dos espaços, quer no que se refere ao construído. Salienta-se ainda o facto que no seguimento do segundo bloco, está localizado o corpo de serviços de conformação semicilíndrica. Representa um elemento de
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grande importância pela sua função de rótula e de transição quer de escala, cércea, cheios e vazios, entre a proposta e o existente.
OS VAZIOS
OS PÁTIOS
Os pátios do bairro da Bouça abarcam um conjunto de temas muito diversos e de grande importância no entendimento do projecto da Unidade Residencial da Bouça. O quotidiano das «ilhas» do Porto era algo absorto à cidade. Ficavam escondidas no interior dos quarteirões, rematadas pelas habitações burguesas, que desenhavam o alçado das ruas. As unidades habitacionais das «ilhas», de dimensões mínimas, não continham quaisquer condições de salubridade e equipamentos. A vivência das habitações era prolongada para o seu exterior próximo, ou seja, para os estreitos corredores centrais, que foram ganhando crescente centralidade. Eram aqui que as pessoas lavavam a roupa, conviviam e construíam as suas relações de vizinhança. Na Unidade da Bouça, os pátios desenvolvem-se paralelamente às unidades habitacionais, procurando manter as características já preexistentes das «ilhas», no entanto, com outra qualidade, escala, e abertura à cidade. Os pátios continuam a ser espaços de prolongamento exterior das habitações, espaços colectivos de sociabilização e convívio, contudo com outra importância no bairro e na cidade. Não é definida uma estrutura urbana de quarteirões mas sim uma forma urbana de racionalização de um processo de construção urbana, onde o lote, a casa e a rua são trabalhados de forma específica na definição morfológica urbana do sítio. O primeiro e o terceiro pátio têm uma largura igual de 16 metros, o equivalente a 4 módulos que não coincidente com a largura do pátio central, de largura superior em meio módulo, por isso, de largura total de 18 metros. É assumida uma pequena diferença, propositada, no dimensionamento do pátio central, principal. Desde logo é estabelecida uma hierarquia natural dos pátios conformados ao longo da parcela. Essa hierarquia é estabelecida: pela sua largura, definindo-se o pátio central como sendo o mais largo. No entanto, a diferença de dois metros em relação ao dimensionamento total dos pátios e da proposta não é determinante para definir o pátio central como o de maior importância. Ou seja, para além do pátio principal ter maior centralidade no terreno, tem maior incidência visual por parte da cidade, ou seja, comunica de uma forma mais franca com a Rua da Boavista, sendo assim mais
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realçado. O pátio central distingue-se dos outros dois pátios, não só devido às suas particularidades e aos arranjos exteriores diferenciados, como também pelo seu desdobramento do seu espaço em duas plataformas, e na relação que o edificado estabelece com este espaço principal, e com a própria cidade, sendo o centro de gravidade do Bairro da Bouça. A definição da largura dos pátios tem que estar desde logo relacionada com uma primeira regra e primária: a regra dos quarenta e cinco graus, em que a largura do edifício não pode ser superior à distância de espaço vazio que os separa. Apesar de todos os edifícios serem constituídos por 4 pisos, e por isso terem uma altura idêntica, o último piso de uma das fachadas encontra-se recuado relativamente ao edifício. Esse recuo constata-se nas fachadas orientadas para os primeiro e terceiro pátios, compreendendo-se assim a necessidade, ou a coincidência, de o pátio central ter maior largura, uma vez que a altura das bandas habitacionais a considerar neste pátio são superiores por não existir o recuo do último piso. Concluí-se assim que a intensidade e o tipo de vivência são diferentes nos três pátios longitudinais. Essa diferença reflecte-se na sua organização, no pavimento e arranjos exteriores. O pátio central apesar de ser constituído por um pavimento duro, de desenho menos complexo, é o pátio mais vivo e dinâmico, no sentido que ganha maior vivência e complexidade pela presença dos acessos principais às habitações. Este é de certeza, o pátio de maior sociabilização. Junto às habitações é usado um corredor verde de protecção, na oferta de maior privacidade para as habitações inferiores, e simultaneamente, tem um papel de complementaridade relativamente às bandas, constituindo o jardim da casa, contudo, sem a necessidade de existir um muro físico divisor delimitador da pertença ao fogo ou à comunidade. A este pátio é contraposto o carácter mais introvertido dos outros dois pátios, mais estreitos, dimensão compensada pelo recuo do último piso das bandas habitacionais. Este carácter introvertido do primeiro e terceiro pátios também é resultado do desenho das fachadas que esboçam os alçados longitudinais dos pátios, que são marcados por um ritmo de vãos menos intensos, que apenas se acentuam no último piso recuado. Os dois pátios laterais são marcados por um espaço central relvado, contudo apenas o primeiro pátio longitudinal é pontualmente marcado por árvores de amieiro, de acordo uma determinada métrica. Ambos os pátios são constituídos por duas passagens laterais longitudinais, em calçada, que permitem o acesso às habitações, mas esse percurso não se desenvolve próximo à fachada das bandas habitacionais
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existindo na mesma um espaço verde associado as fachadas sendo pontualmente interrompido para dar acesso aos fogos pelas traseiras.
OS PERCURSOS Os percursos e atravessamento do bairro fazem-se a vários níveis, segundo determinados critérios, de acordo com a altura e orientação, estabelecendo relações diferenciadas para com a parcela.
OS PERCURSOS LONGITUDINAIS Os percursos longitudinais são determinados pelos trajectos desenvolvidos ao longo das galerias de acesso aos fogos superiores em cada um dos edifícios, no segundo piso. O acesso a cada uma das galerias é efectuado nos extremos de cada uma das bandas. Conclui-se que o remate de cada banda nunca é resolvido por habitações, estas apenas se fixam no intermédio dos blocos, numa constante regra. Nos extremos sudoeste das bandas, o acesso às galerias longitudinais é feito por escadas, localizadas anteriormente aos equipamentos que fazem frente com a Rua das Águas Livres. No extremo oposto, a nordeste da parcela, esse acesso consiste numa outra galeria que se desenvolve à cota elevada (que concorda com o segundo piso dos blocos habitacionais) para além do muro de protecção da Unidade da Bouça, numa relação de paralelismo. Este percurso consistirá, também, num dos percursos transversais à proposta que liga o vazio limite a sudeste da parcela à Rua Meio, e ao mesmo tempo, permite o acesso à cada uma das galerias longitudinais, pertencentes a cada edifício de habitação.
OS PERCURSOS TRANSVERSAIS Este corpo de galeria é responsável, em conjunto com o muro de contenção, de congregar o bando dos quatro blocos habitacionais (união física, de percurso e acesso às galerias dos blocos habitacionais). Este percurso limite da parcela é definido por uma galeria coberta totalmente aberta ao exterior na orientação norte, enquanto a sul, a sua relação de abertura com a proposta é extremamente controlada e determinada pontualmente. Este percurso pode ser realizado a dois níveis: pela galeria superior, ou então, ao nível do solo, podendo este último curso comunicar directamente aos pátios, são eles o segundo e terceiro, devido à presença de passagens pontuais desenhadas no muro. A passagem do segundo pátio, a este do percurso exterior, é possível através
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do atravessamento da plataforma, no entanto este não tem a mesma expressividade dada no acesso no terceiro pátio longitudinal. O ingresso à galeria comum a todos os edifícios é feito por dois pontos: pelo extremo Este e pelo extremo Oeste do conjunto, ambos desenvolvidos em escada, de tiro. A existência de maior número de degraus no acesso poente comprova a pendente presente na parcela. O acesso à galeria ainda poderá ser feito por um conjunto de escadas localizadas nos topos sudoeste de cada um dos blocos habitacionais sendo necessário o atravessamento das galerias de cada um dos edifícios, localizadas anteriormente aos equipamentos colectivos que fazem frente com a Rua das Águas Livres. A galeria não consiste num simples corredor rectilíneo de exclusivo acesso às galerias dos vários blocos, apesar da clareza e dos seus traços e da sua largura constante. É um percurso rico, marcado por diversos acontecimentos, no entanto não apreensíveis no alçado norte do conjunto, uma vez que estes se desenrolam para além do pano vertical, o muro. O muro é apenas cúmplice pela presença de três vãos, que correspondem ao acesso de cada um dos blocos. Quando a galeria intersecta com os diversos blocos, surgem espaços variados, num jogo interactivo de luz, sombra e de enfiamentos visuais para com os blocos e os pátios confrontantes, contradizendo a monotonia gerada quando o percurso elevado se fecha à proposta. Toda a excepcionalidade concebida pela criação dos espaços de sociabilização e de transição entre a galeria aglutinadora e as galerias dos vários blocos, não é lida nem entendida quando vista dos pátios, pois é constante a regularidade e ritmo das fachadas. No fundo todos os percursos transversais, dando especial atenção às galerias presentes no muro que delimitam o bairro a Norte, unificam todo o conjunto do Bairro da Bouça.
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Fig.73 – Vista aérea do Bairro da Bouça (Foto: Google Earth) .
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Fig.74 – Rua da Boavista e Bairro da Bouça (Foto: Hisao Suzuki em El Croquis nº140) .
Fig.75 – Vista aérea do Bairro da Bouça (Foto: Hisao Suzuki em El Croquis nº140) .
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Fig.76 – O Bairro à cota de linha do metro (emcima), a relação do pátio principal com a Rua da Boavista e a Rua das Águas Livres (em baixo), (Foto: Hisao Suzuki em El Croquis nº140) .
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O Fogo
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O conceito O conceito de organização passa pelo prolongamento do discurso que até agora foi realizado a nível da proposta urbana para o interior da habitação e de todas a estruturas que a acompanham, como por exemplo os acessos. Com isto, a organização do fogo e a sua relação com os outros fogos resultam num jogo interessante de desníveis, ligações e transições.
Fig.77 – O discurso do exterior transposto para o interior.
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Organização Espacial A volumetria A volumetria resulta num paralelepípedo rígido, mas que na sua decomposição em elementos base, são várias formas que se baseiam na forma em L. É esta foram em L a responsável pela ligação das várias partes no todo e ao mesmo tempo a definidora dos espaços interiores, dos sociais e dos privados. No entanto e visto que o P.D.M de Ponte Lima para esta zona apenas permite a construção de R/Ch + 2 pisos, o último piso resulta num elemento mais rígido e simples que encerra todo o jogo de desníveis que acontece nos pisos inferiores. Ora se nos dois primeiros pisos temos tipologias em duplex, no ultimo piso todos os espaços são organizados á mesma cota sem variações.
Fig.78 – O volume/estética.
Fig.79 – Os desníveis.
Os desníveis Os desníveis surgem para além da delimitação dos fogos, também no seu interior como os responsáveis pela transição entre espaços. A nível do piso social, e porque hoje em dia as relações familiares devem ser valorizadas face ao estado actual as coisas como foi referido no inicio deste trabalho, a existência da habitual parede dá então lugar ao desnível. Com esta abertura espacial entre os compartimentos a vivência e as relações familiares são garantidas. No entanto, e visto que tanto por questões regulamentares e por ventura funcionais, estes compartimentos têm a possibilidade de estarem fisicamente divididos através dum sistema de portas de correr. Referente ao piso mais privado, o dos quartos, este automaticamente por estar no piso superior é mais recolhido. Neste caso a existência de divisões físicas permanentes, as paredes, são essenciais, pois todos nós necessitamos e gostamos de ter o nosso próprio espaço privado.
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A relação base A base desta configuração, resulta como já foi referido na forma L. É sempre com a combinação de dois L que os fogos e os acessos são definidos e se relacionam. Como não podia deixar de ser, é sempre na intercepção dos dois tramos que se faz a ligação entre pisos através de escadas. É este corpo de escadas que também define o nível de entrada e distribuição para os restantes compartimentos.
Fig.80 – A conjugação base dos módulos.
Os elementos base Com isto os elementos base são, duas formas em L organizados na horizontal que correspondem a um T2 e a um T1 + 1, enquanto a forma em L organizada na vertical corresponde ao corpo de acessos comuns. Por último a figura (paralelepípedo) que encerra o conjunto corresponde a um T2. São estes elementos base que ao fazerse uma simetria resultam no volume que é o lote.
Fig.81 – Os elementos base.
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Transição e Hierarquia dos Espaços A hierarquia e transição entre os vários compartimentos é essencial na proposta, pois desde inicio que estes têm a função de se afirmar sem que para isso seja preciso algo mais para os identificar. Ou seja, devido às configurações físicas e espaciais dos espaços conseguem-se automaticamente identificar mesmo que não acha qualquer tipo de mobília ou material. Por isso, a sala, sendo o compartimento mais importante da habitação é a que tem uma área mais generosa, e com um pé direito maior que os restantes compartimentos. Também as aberturas entre compartimentos estão pensadas para que não entrem em conflito, ou seja, para que o utilizador ou visitante não se “confunda” com o caminho a tomar. Com uma presença mínima de paredes e por consequência de portas tal é difícil de acontecer.
A Métrica Tal como já foi referido na proposta da parcela habitacional, a métrica apenas é aplicada de forma a ser um elemento regulador do traçado e definição dos espaços, não sendo portanto o elemento fulcral e onde todo o projecto se centra. No entanto a malha definida pelo módulo base de 1,5 por 1,5m é importante para a relação e proporção entre os espaços. A adopção deste módulo de 1.5 por 1.5m, centra-se no facto de este definir uma área (2.25m2), satisfatória para o corpo humano realizar vários movimentos sem se sentir demasiadamente “apertado”.
Fig.82 – A conjugação dos fogos.
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Os espaços Zona Social As circulações verticais, o hall de entrada e o hall de distribuições, apenas existem no piso do R/Ch e no 2º Piso, ou seja, sempre associados ao piso social do fogo. Tratando-se do piso social, este é definido para que as relações de abertura e interacção sejam valorizadas. Também os percursos estão pensados para que sejam claros e directos. Ou seja, o percurso para a sala de estar é automaticamente mais aliciante e intuitivo de fazer, pela sua abertura e luminosidade em contraste com o percurso para a cozinha ou casa de banho, mais contido e menos iluminado. Com este jogo hierárquico associado aos desníveis como elemento de transição, cria-se um dinamismo e uma interacção entre espaços e relações de qualidade, mantendo ao mesmo tempo a boa funcionalidade dos espaços. Por isso a cozinha está localizada perto da entrada em que o compartimento da casa de banho surge como o elemento que define o corredor, o hall e o limite da cozinha. Desta maneira a sala é o compartimento mais afastado em relação à entrada e mais generosa em luz natural, estando aberta para o corredor, para a biblioteca e por ventura também para a cozinha. Este afastamento e ao mesmo tempo centralidade da sala faz com que os restantes compartimentos estejam a convergir para a sala. A funcionalidade dos espaços, apesar das várias cotas, não é entrave para as circulações de pessoas com mobilidade condicionada, pois o espaço está pensado para que seja possível criar as condições para que tal seja possível. Zona Íntima A totalidade do 2º piso do lote é destinada à zona de quartos, escritórios e recolhimento das habitações. No 3º piso, por ser o encerramento dos desníveis e portanto as habitações estarem concentradas apenas num piso, a zona privada surge bem demarcada da zona social. O acesso ao piso privado é feito apenas pelo eixo de acesso principal definido pelo alinhamento da porta de entrada no 1º piso com a escada. Com a palavra recolhimento a elevar-se como a principal função da zona íntima, a disposição dos compartimentos é feita para que o utilizador possa ter o seu espaço pessoal livre de barulhos ou incómodos que muitas vezes os percursos mal pensados e longos assim o obrigam. Os quartos são assim equipados com casas de banho privativas ou quando não é possível por uma casa de banho central, em que o seu acesso é rápido, sem interferir com a zona social do fogo.
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Fig.83 – Perspectiva da cozinha.
Fig.84 – Perspectiva da sala.
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O Conforto Ambiental O conforto ambiental da habitação é o resultado de todas as opções adoptadas desde o planeamento da parcela até à escolha dos materiais no interior da habitação. Ou seja, para além da funcionalidade, a orientação, a distância, as barreiras, os materiais, a luz, o ruído, as cores, a qualidade espacial, o tipo de aberturas e sombreamento, foram conjugados para que o conforto ambiental tanto no exterior como no interior fosse garantido. Penso então que o pontos mais importantes a tratar e expor se prendem com a luz, os materiais e a solução construtiva, pois todos eles estão sempre ligados aos vários pontos referidos.
A Luz A luz do dia é sem dúvida umas das principais fontes de vida. O nosso bemestar, o nosso desenvolvimento e saúde depende dela. A luz natural é também o movimento a diversidade de ambientes e tempo que acontecem. A claridade dos espaços, as transparências, o jogo das cores ou o recolhimento criado pelas sombras devem acompanhar e valorizar as actividades do homem no quotidiano. “O sol ilumina a vida e deve ser utilizado como tal na concepção de qualquer casa”. Frank Loyd Right
“…è ridículo pensar que uma lâmpada eléctrica possa fazer o mesmo que o sol e as estações. Assim o que dá sentido autêntico ao espaço arquitectónico é a luz natural.” Louis Kahn
Com o carácter a tratar ser o de habitação, a orientação e a abertura dos vãos dos lotes é feita a Nordeste e a Sudoeste. Orientação que é um pouco o resultado da estratégia de intervenção em implantar os volumes no sentido perpendicular às vias, mas que no entanto a exposição solar não é demasiadamente comprometida. Durante o Inverno, a exposição solar é máxima o que é uma mais-valia para os ganhos térmicos da habitação, pois o Sol anda baixo, e no Verão, quando o sol atinge o ponto mais alto a Sul os vãos são protegidos pelo sombreamento de brisoleis na vertical que acompanham o movimento do sol e pelo recuo das aberturas. De salientar que o 132
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sistema de sombreamento de brisoleis na vertical é dividido por tramos com a capacidade de se recolherem e permitir uma total abertura do vão. No que diz respeito à compartimentação, sabendo que é nos compartimentos de cozinha, sala de estar e sala de refeições onde passamos grande parte do tempo, ou seja o piso social, estes são então espaços amplos, bem iluminados em toda a sua extensão de pé-direito e fortemente relacionados como já foi referido atrás. No piso privado, onde se situam os quartos, este apesar de ser mais recolhido não deixam de ser espaços bem iluminados e ventilados, tanto nos quartos como na casa de banho. Isto porque sendo o quarto uma zona de descanso e reflexão aqui a luz, que pode ser controlada pelo sistema de sombreamento, é essencial tanto ao homem adulto para o seu descanso como para a criança para o seu desenvolvimento. O facto de a casa de banho ser dotada de uma generosa luz e ventilação natural, faz com que seja um espaço de qualidade, agradável de usufruir. De salientar que graças ao tipo de sombreamento e a sua disposição segundo o movimento solar, este faz com que se crie um jogo de luz sombra no interior da habitação, mas que no entanto pode ser interrompido pelo sombreamento no lado interior do vão por telas. Os materiais Os materiais usados em qualquer contexto são sempre determinantes para a decisão entre boa qualidade e má qualidade, sendo um dos aspectos que contribuem também para o conforto ambiental e não o único como hoje em dia acontece. Ou seja, qualidade de vida na habitação não se resume a materiais de qualidade ou luxo. Qualidade de vida consegue-se através da boa conjugação das várias partes que compõe o conforto ambiental. Os materiais aplicados na proposta surgem sempre associados, à função, à forma, ao espaço, à luz e acima de tudo ao utilizador. Isto porque o tipo de material, a cor e a textura vão determinar o tipo de sensação que se quer transmitir.
Fig.85 – Cores escuras e claras e o seu efeito nas pessoas. Fig.86 – Conforto térmico e factores de dependência.
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O tipo de materiais usados resulta então em três materiais base, o betão, a madeira e o alumínio. O betão aplicado de forma estrutural e definindo assim o volume do lote. É assim betão à vista sem qualquer acabamento adicional, usando só a cofragem para marcar a medida do módulo de 1,5m e para marcar as linhas de laje entre pisos. A escolha do betão à vista assenta no facto de este estar ligado ao sentido de rigidez e segurança tal como a pedra. O uso de betão marca assim o sentido de uma intervenção nova e de raiz mas que tenta ir de encontro aos valores da região. Todas as paredes são rebocadas com acabamento de cor. Em locais onde a amplitude visual é grande, a parede do fundo é marcada com uma cor forte de forma a encurtar visualmente o espaço. As restantes paredes são brancas, realçando o contraste com o chão em madeira de sucupira. A transição entre a parede é o chão é marcada por o rodapé é cantoneira de alumínio lacado a branco. Em zona de degraus, para que o degrau seja bem perceptível pelo utilizador a orientação da madeira é posta na perpendicular ao restante. Com este contraste do claro das paredes e tecto com
o
escuro
do
chão,
transmite-se
um
ambiente
equilibrado,
sem
ser
demasiadamente carregado, nem demasiadamente abertos e claros. O alumínio, para além dos rodapés é usado nos caixilhos dos vão e nos brisoleis verticais de sombreamento de cor terracota. A escolha do alumínio em detrimento da madeira assenta sobre as suas propriedades de resistência e rigidez ao longo do tempo. Nas casas de banho, o material dominante é o mármore branco carrara, em contraste com as mobílias também em madeira de sucupira. Com este materiais transmite-se assim um ambiente de pureza e luz, que na minha opinião é essencial para que uma casa de banho seja agradável.
Fig.87 – Brisoleis verticais, UCL Cancer Institue, London, UK, Grimshaw
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Fig.88 – Mármore Carrara
Fig.89 – Madeira Sucupira
Solução Construtiva As Paredes A solução construtiva resume-se à aplicação de paredes de betão autoportantes libertando assim o interior de pilares. Todas as paredes exteriores são compostas por uma camada de isolamento térmico e caixa-de-ar entre o isolamento e a parede de betão evitando assim condensações. As paredes interiores de divisão entre fogos para além das estruturais em betão existem também as de alvenaria em tijolo, em que ambas são compostas por uma camada de isolamento acústico. As paredes de compartimentação interior são paredes simples de alvenaria de tijolo rebocadas a argamassa. O acabamento em argamassa é também adoptado nas restantes paredes, com a excepção das casas de banho onde a acabamento é em pedra mármore até 1,2m de altura. As Lajes As lajes são maciças, apoiadas nas paredes auto-portantes. Adoptou-se por este tipo de laje, para evitar pilares a meio dos vãos, visto que ao “substituir” as paredes pelos desníveis os pilares teriam grande presença. O acabamento das lajes, em zonas de estar é em soalho, assente sobre um ripado com isolamento acústico em lã de rocha. Em zonas de serviço, como exemplo das casas de banho, o chão é em mármore branco carrara. Os Vãos No caso das portas interiores, estas são sempre à face exterior, invisíveis, ou seja, sem aro na face exterior. Isto para que a clareza e linearidade dos percursos seja ainda mais conseguida. Já as portas de entrada para o fogo são colocadas à face interior para marcar a entrada do fogo. As portas de entrada são colocadas estrategicamente ao “canto” do fogo para que os ruídos que passem pela porta, isto porque a porta é um elemento de maior transmissão de som, não sejam perceptíveis nos restantes compartimentos. No que diz respeito aos vãos exteriores com excepção das aberturas da casa de banho são todas à altura do pé-direito livre.
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Planta 38 – Planta Pormenorizada do Fogo, 1º Piso, esc. 1/50
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Planta 39 – Planta Pormenorizada do Fogo, 2º Piso, esc. 1/50
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Referência Casa Moller (1927-28) A Implantação O lote de implantação situa-se perto das florestas de Vienna, na periferia a noroeste da cidade, apresentando-se com uma pequena pendente exposta a sul. O terreno apresenta-se também parcelado em vários espaços com a profundidade adequada para a implantação de moradias. Descrição Geral A casa apresenta-se com uma simetria da fachada principal, que foi propositadamente desenhada para a diferenciação do sentido “publico” desta, com a fachada posterior de carácter mais privado, com o terraço orientado para o jardim. Apenas as paredes exteriores da casa são estruturais, o que deixa assim todo o interior liberto para a aplicação do “Raumplan”. De facto, todo o desenho do interior transmite uma riqueza e complexidade excepcional. Neste desenho o que é verdadeiramente notável é o desenho das escadas que nos conduz ao primeiro piso. Isto porque, entre a entrada e o salão, ela muda de direcção cinco vezes, sempre em ângulo recto, o que faz com que a transição de espaços seja quase natural. Entra-se então na área de lazer do lado do jardim, sala de música e sala de jantar, ou então ao subirem-se alguns degraus alcança-se o nicho de lugares sentados ou a pequena sala de fumo (escritório). Do nicho tem-se uma percepção visual de todo o interior da casa e também do exterior através da janela. O nicho assume-se assim como o centro de toda a casa. Nesta dinâmica de ambientes, do salão com varias escadarias, balaustradas, patamares, Adolf Loos usa cores fortes na maioria das superfícies enquanto na sala de música e sala de jantar foram revestidas com contraplacado okumé e o chão em ébano. Na sala de jantar as pilastras e as bases foram cobertas a travertino. No primeiro piso, o piso privado onde se situam todos os quartos o chão está coberto uniformemente. Um corredor dá acesso aos cinco quartos e à casa de banho. Neste piso a maioria das paredes é feita através de módulos embutidos. Existe também uma pequena escada em espiral que dá acesso ao segundo piso, com dois quartos associados a um grande terraço.
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Piso Social Contrariamente à casa Tzara, aqui o terreno é amplo o suficiente para que as duas principais salas de recepção sejam acomodadas na parte de trás da casa, em que juntos, ocupam metade da profundidade da casa. A sala de jantar é abundante em luz natural e aberta para o exterior, ao contrário da sala de música que é mais escura e recolhida. Isto acontece também pelo jogo de luz, que na sala de jantar resulta da reflexão do terraço adjacente tornando-a assim mais brilhante e por usa vez, na sala de música, a varanda situada ao nível superior faz com que esta permaneça em sombra e assim reforçar o seu sentido de isolamento. A sala de música liga à sala de jantar por uma abertura ao centro com portas de correr. A sala de jantar é aproximadamente sessenta centímetros mais elevada em relação à sala de música e tal como acontece na Casa Tzara, não existe nenhuma balaustrada ou qualquer outro tipo de separação, existindo apenas um pequeno lance de escadas rebatíveis. O Hall Em contraste à Casa Tzara, nesta há espaço suficiente para integrar a área de circulação entre o hall e a sala de estar. Este compartimento encontra-se ao mesmo nível da sala de música. De um lado estão as escadas que descem e do outro as escadas que dão acesso ao piso dos quartos, sendo este compartimento iluminado pela janela existente no nicho localizado na frente da casa. Este nicho é conseguido através de uma janela de sacada formando uma zona de estar em U, com um assento também em U destinado à senhora da casa. É portanto o domínio privado da senhora da casa. Ao mesmo nível, situa-se mais ao lado a sala do fumo sendo este espaço o espaço pessoal do senhor da casa. A entrada A porta principal é colocada simetricamente a fachada. O vestíbulo leva-nos a um armário e a um corredor em que as dimensões são relativamente apertadas, o que faz com que esta zona de entrada seja a mais apertada. Já o mesmo não acontece nas outras áreas da casa onde se pode circular livremente.
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Características espaciais A zona social da casa pode ser vista como dois compartimentos interligados (sala de jantar e sala de musica), com os respectivos terraços e o hall. O centro da casa é marcado pela parede divisória onde o pilar central também esta posicionado. A zona social pode também ser visto como um compartimento central, o hall, rodeado por diversos compartimentos, sala de jantar, sala de musica, cozinha, nicho e sala de fumo. A fachada A casa tem ao centro uma janela de sacada encimada por um parapeito fechado. Esta articulação plástica reforça a distância considerável da casa à rua. O volume da casa assume-se como um bloco no espaço. Esse bloco é até certo ponto repetido pela janela de sacada. A fachada é toda ela rebocada, apenas existindo a nível do piso térreo um revestimento em pedra. Dois aspectos interessantes de mencionar é o facto de a zona rebocada formar um quadrado perfeito e a janela da cave é o único elemento na fachada que é assimétrico. O relevo da varanda na fachada principal é um exemplo único dos projectos de Adolf Loos com intenções de composição puramente gráficas. Por último na Casa Muller não existe nenhum desenvolvimento ao longo de um eixo central, tal como na casa Tzara, mas sim um jogo simétrico de um, dois ou três eixos.
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Fig.90 - Fachada Principal, Foto do livro, “Adolf Loos” de August Sarnitz da Tashen. Planta 40 – Piso Térreo.
Fig.91 - Imagem do Nicho, Foto do livro, “Adolf Loos” de August Sarnitz da Tashen.
Planta 41 – 1ºPiso.
Fig.92 - Imagem da sala de fumo, Foto do livro, “Adolf Loos” de August Sarnitz da Tashen.
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Planta 42 – 2ºPiso.
Fig. 93 - Corte Transversal
Fig.94 - Fachada Principal
Fig.95 - Fachada Posterior
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Fig.96 - Perspectiva do Piso Térreo
Fig.97 - Perspectiva do Piso Social
Fig.98 - Perspectiva do piso dos quartos
Fig.99 - Perspectiva do último piso
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Referência Unidade Habitacional de Marselha (1947-1952) A Unidade Habitacional de Marselha é um dos projectos mais importantes na obra de Le Corbusier e uma referência para a arquitectura. Obra inaugurada a 14 de Outubro de 1952, no mesmo dia, em que cinco anos antes se deu inicio à obra, é a primeira das cinco unidades habitacionais de medidas adequadas. O edifício projectado para albergar 1600 habitantes, surge: “Levantado sobre a relva no meio de um grande parque de 3 hectares, banhado de luz e sol, l´Unité d´Habitation está orientada a Este-Oeste sem aberturas a Norte. Medidas: 165m de comprimento, 24m de largura e 56m de altura. O edifício constróise sobre pilotis. O R/Ch é aberto e dedicado aos peões. Existe um parque para automóveis e uma pista reservada a bicicletas.”8 Cada piso tem 58 apartamentos projectados no famoso sistema dominó e que é uma referência para o projecto. O acesso é feito por um corredor interno que funciona como uma rua. Este projecto serviu como oportunidade para o arquitecto por em prática pela primeira vez as teorias da proporção e escala e a que se veio denominar de Modulor. Ao mesmo tempo, constituía uma visão inovadora de integração de um sistema de distribuição e bens e serviços autónomos que serviam de suporte è unidade habitacional, dando respostas às necessidades dos residentes. Esta necessidade de autonomia pretendida por Le Corbusier evidenciava a preocupação que começara desde os anos 20, na sua análise de fenómenos urbanos e distribuição da circulação que começava a reflectir na sociedade moderna. A concepção formal assimilava os princípios que hoje são conhecidos. Uma estrutura de betão à vista, com a expressão das texturas que salientam as imperfeições da cofragem de madeira realizada in situ, onde se encorpariam elementos pré-fabricados, incluindo as unidades habitacionais, ilustrado com o famoso encaixe de duas garrafas, que no caso do projecto são o encaixe entre as formas em L. “A realização da Unidade de Marselha como arquitectura contemporânea, elevará de certeza o esplendor do uso do betão armado em obra como um material visto ao mesmo nível que a pedra, a madeira ou a terracota A experiência é importante Parece verdadeiramente possível considerar o betão armado como uma pedra reconstruída, digna de ser apreciada no seu estado primário.”9
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Le Corbusier agrupa todas as instalações abaixo do edifício num piso artificial. Este piso é um espaço de transição que dá acesso ao centro técnico da unidade, facilitando rápida localização das maquinarias e condutas para que qualquer avaria possa ser rapidamente reparada.
A importância da acessibilidade e bom
funcionamento deste espaço, não é de menor importância pois à que ter em conta o tamanho e a complexidade do edifício que dará acolhimento a 1600 pessoas, dispostas num total de 337 apartamentos de 23 tipos distintos, distribuídos por 17 pisos todos eles com dupla orientação (vista para a montanha a Este e para o mar a Oeste), com excepção aos que estão orientados a Sul. A grande diversidade dos apartamentos faz com que seja possível a personalização da habitação de acordo com as necessidades de cada habitante. O interior dos apartamentos é projectado segundo os critérios utilizados no projecto da casa Citrohan, com a sala de estar a ter um pé direito duplo e janelas amplas, delimitadas e ao mesmo tempo valorizada visualmente pelo espaço aberto da cozinha e do quarto no piso superior. Os apartamentos de duplo pé direito justapõem-se em corte e o seu acesso realiza-se pelas já referidas “ruas” interiores dispostas de 3 em 3 pisos. “A rua interior é na realidade uma extraordinária e misteriosa sinfonia de cores.”10 De um lado do corredor, entramos no primeiro piso do apartamento o social, havendo em um dos lados uma escada de acesso ao piso superior dos quartos, do outro lado do corredor, entramos no apartamento vizinho, no piso superior onde ser organiza a cozinha até e descemos até ao piso inferior onde se organiza a sala, quartos e casa de banho. Os apartamentos recebem o nome de logements prolongés (habitações prolongadas), devido aos 26 serviços comuns oferecidos aos habitantes e distribuídos em grande parte na rua comercial situada nos pisos intermédios, identificada no exterior pelos brisoleis verticais. O vidro interior, por trás dos brisoleis, cria efeitos luminosos sempre diferentes criando um ambiente essencial a este espaço. Além disso, a “parede” de brisoleis mantém o piso fechado das habitações, evitando também a incidência da luz directa do sol no Verão mas sem impedir a entrada de luz durante o inverno, e dedicando o espaço intermédio com o vidro à varanda. 8 Baltanás, José, “le corbusier, promenades”, Ed. Gustavo Gilli, SA, Barcelona, 2005, p.113. 9 Baltanás, José, “le corbusier, promenades”, Ed. Gustavo Gilli, SA, Barcelona, 2005, p.114. 10 Baltanás, José, “le corbusier, promenades”, Ed. Gustavo Gilli, SA, Barcelona, 2005, p.115.
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Fig.100 – Planta dos apartamentos, (Foto: Hilary French em New Urban Housing.) 1 – Quarto 2 – Sala de pé direito duplo
3 – Cozinha 4 – Corredor comum de acesso
Fig.101 – Corte, (Foto: Hilary French em New Urban Housing.)
Fig.102 – Denominação dos espaços, (Foto: José Baltanás em “le corbusier, promenades”.)
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Fig.103 – Imagem geral da Unidade de Marselha. (Foto: www.essential-architecture.com/STYLE/STY-M11A.htm)
Fig.104 – Pilotis, (Foto: www.flickr.com/photos/esmuz/18 92581429/)
Fig.105 – Piso das instalações técnicas, (Foto: José Baltanás em “le corbusier, promenades”.)
Fig.106 – Corredor de acesso às habitações. (Foto: José Baltanás em “le corbusier, promenades”.)
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Fig.107 – Interior da habitação. (Foto: José Baltanás em “le corbusier, promenades”.)
Fig.109 – Interior da habitação. (Foto: http://www.galinsky.com/buildings/marseille/.)
Fig.108 – Interior da habitação. (Foto: José Baltanás em “le corbusier, promenades”.)
Fig.110 – Interior da habitação. (Foto: http://www.galinsky.com/buildings/marseille/.)
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Conclusão
A realização deste trabalho, mais que uma tese de mestrado, sobre o projecto final realizado na cadeira de Projecto Integrado Urbano e Projecto Integrado de Renovação, acabou também por ser uma mais-valia para a investigação e aprofundamento de conhecimentos de um tema que sempre me fascinou na arquitectura. Não só os desníveis em si, mas tudo aquilo que está relacionado com o tema. As relações de espaço e humanas, as transições entre ambientes, espaços e funções e a capacidade de o simples ser o belo e o eficaz. Por isso o esforço da investigação feita, que por ventura poderá estar em demasia, penso ser importante para explicar e fundamentar as opções tomadas. Isto porque mais importante que o resultado final, é o processo realizado até à solução final. Os desníveis como elemento de transição no projecto e tema central na tese, mostrou a conciliação daquilo que são os desníveis tratados na arquitectura tanto no passado como no presente, (com o projecto realizado e as obras e investigações feitas de arquitectos que marcaram a história da arquitectura), e como podem vir a ser tratados. Jogar com o desnível é de facto algo com que os arquitectos, os urbanistas e até mesmo os agricultores, são obrigados a lidar a todo o instante, pois é na topografia do terreno, a base de trabalho, onde se criam as referências. Ou por ser um local com pouca visibilidade, ou com pouca exposição solar, ou mesmo o tipo implantação e edificação dos edifícios existentes que alteram a topografia, são situações que relacionadas com o desnível ajudam a compreender o local em questão. Os exemplos dados mostram isso mesmo, no caso do Bairro da Bouça e a sua ligação à linha do metro de uma lado e a sua relação com a Rua Boavista do outro, ou no caso da Unidade Habitacional de Marselha, em que o edifício surge como um elemento que dá sentido a toda a imensidão do terreno. Jogar com o desnível não se limita apenas ao exterior e à grande escala, também no interior ao ser um elemento de valorização e definição dos espaços. No fundo o projecto final apresentado tenta conciliar tudo o que até agora foi dito. Quer em termos de implantação, definição dos espaços, hierarquia, transição e funções dos mesmos. Conclui-se portanto, que o tema Desníveis da Arquitectura, sendo um tema bastante recorrente nos dias de hoje, não deixa de ser interessante e um elemento essencial na arquitectura em que o seu tratamento pode ser abordado de inúmeras formas.
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Anexos
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Anexo 1
“Ornamento e Crime” “No ventre humano, o embrião passa pelas mesmas fases evolutivas de outros animais. Quando nasce, um ser humano possui as mesmas impressões sensoriais de um cão recém-nascido. Durante a infância, passará por todas as transformações que encontramos na história da raça humana. Aos dois anos de idade, vê tudo como se fosse um nativo de Papua, aos quatro, como um teutónico, aos seis, como Sócrates, aos oito, como Voltaire. Assim que faz oito anos, reconhece o violeta, cor descoberta no século 18. Anteriormente, o violeta era azul e o púrpura era vermelho. Os físicos da actualidade assinalam que existem outras cores no espectro solar, cujos nomes já se conhecem, mas o seu verdadeiro significado só será compreendido pelo homem do futuro. A criança é amoral. Para nós, também o nativo de Papua o é. O papua chacina os inimigos e come-os, mas não é um criminoso. Mas quando o homem moderno mata outro homem e o come, é um criminoso ou um degenerado. O papua tatua a pele, o barco, os remos e tudo em que toca, mas não é um criminoso. No entanto, quando um homem moderno se tatua é um criminoso ou um degenerado. Em algumas prisões, oitenta por cento dos reclusos têm tatuagens. Os tatuados que não estão presos são criminosos latentes ou aristocratas degenerados. Se um tatuado morre em liberdade, significa que morreu prematuramente, antes de cometer o seu acto criminoso. O impulso de decorar o rosto ou qualquer outra coisa que esteja ao alcance constitui a origem das belas-artes. É o primeiro balbucio da pintura. Toda a arte é erótica. O primeiro ornamento que foi criado, a cruz, teve uma origem erótica. A primeira obra de arte, o primeiro acto artístico que o primeiro artista tentou expressar foi borrar cores numa parede para renunciar aos seus excessos. Uma linha horizontal: uma mulher deitada; uma linha vertical, o homem penetrando-a. O homem que criou esta imagem sentiu o mesmo impulso que Beethoven quando compôs a Nona Sinfonia. O homem estava no mesmo paraíso que Beethoven enquanto criava a sua obra. Mas o homem do nosso tempo, que enche uma parede com símbolos eróticos para satisfazer um impulso interior, é um criminoso ou um degenerado. É óbvio que é no espaço reservado à higiene (casas de banho) que este impulso se acentua de forma mais impetuosa nas pessoas com tais sintomas
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degenerativos. A cultura de um determinado país pode medir-se pela quantidade de graffiti que cobrem as paredes dos lavabos. É um fenómeno natural que o primeiro acto de expressão artística de uma criança seja rabiscar símbolos eróticos numa parede. Mas o que é natural em Papua ou numa criança, é claramente uma manifestação de comportamento degenerativo num homem moderno. Descobri a seguinte verdade e apresentei-a ao mundo: «A evolução cultural equivale à eliminação do ornamento nos objectos de uso corrente.» Pensei que com isto estaria a proporcionar à humanidade algo de novo com que deleitar-se, mas a humanidade não me agradeceu. Entristeceu-se e o seu ânimo esmoreceu. O que a desanimava era que não se podiam criar novos ornamentos. Por que motivo seria negado ao homem do século 19 o que cada negro sabia criar, o que cada nação e épocas anteriores conseguiram produzir? O que a humanidade tinha criado há milhares de anos sem ornamentos foi ignorado e destruído. Não mais possuímos bancos de carpinteiros do período carolíngio, mas qualquer porcaria que apresente o menor sinal de decoração foi conservado, limpo e guardado em sumptuosos palácios, edificados para o efeito. As pessoas passam cabisbaixas pelas vitrinas, envergonhadas com a sua própria impotência. Cada época tem o seu estilo próprio. Deverá, então, ser negado à nossa época o seu próprio estilo? Por estilo, entenda-se ornamento. Por isso afirmei: Não chorem! O que constitui a grandeza cultural da nossa época é a incapacidade de produzir uma nova forma de decoração. Vencemos o ornamento, vencemo-lo até ao ponto de não existirem mais ornamentos. Vejam, o tempo aproxima-se, o sentimento de dever cumprido espera-nos. Em breve as ruas das cidades reluzirão como muros brancos. Como a cidade santa de Sião, a metrópole do paraíso. Só então o alcançaremos. Mas existem maus espíritos que não o toleram. Segundo eles, a humanidade devia permanecer escrava do ornamento. A humanidade chegou a tal ponto de evolução que o ornamento já não a deleitava, o corpo tatuado já não a atraía esteticamente, tal como atraía os nativos papua, antes, sim, diminuía-a. Chegou a tal ponto de evolução que pode deleitar-se em comprar uma cigarreira não ornamentada em vez de uma ornamentada, pelo mesmo preço. Estavam felizes com a sua roupa e satisfeitos por não terem de vestir calças vermelhas com tiras douradas, como macacos com um realejo numa feira. E eu disse: «Vejam o quarto onde Goethe morreu. É mais maravilhoso que toda a pompa renascentista, e um móvel mais encantador que uma peça de museu esculpida e tingida. A linguagem de Goethe é mais maravilhosa que qualquer poema ornamental escrito pelos Pegnitzschafer (Ordem da Irmandade dos Pastores de Pegnitz).» Os maus espíritos ouviram-no com desagrado; e o Estado, cuja tarefa é atrasar o progresso cultural das pessoas, encetou a luta pelo desenvolvimento e renascimento
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do ornamento. Pobre do Estado quando as revoluções são principiadas pelos conselheiros! Pode ver-se no Museu de Artes Decorativas em Viena um aparador com o título «A Pescaria Abundante»; havia armários chamados «A Princesa Encantada» ou algo parecido, que se referiam aos ornamentos que enfeitavam essa mobília desgraçada. O Estado austríaco leva as suas obrigações tão a sério que cuida das polainas da monarquia austro-húngara para que não desapareçam. Obriga todos os homens cultos de vinte anos a usar polainas em vez de calçado normal. Afinal, todos os Estados partem do princípio de que é mais fácil governar pessoas reprimidas. Bom, a epidemia do ornamento é sancionada pelo Estado e subsidiada por dinheiro público. Noto aqui um passo atrás. Não posso aceitar o princípio de que os ornamentos melhoram a qualidade de vida das pessoas cultas e também não posso concordar com a ideia expressa nas seguintes palavras: «Mas quando o ornamento é bonito...» Para mim, e para as pessoas cultas à minha volta, o ornamento não melhora a qualidade de vida. Quando me apetece comer um pedaço de bolo prefiro que seja liso e não esteja ornamentado com decorações em forma de coração ou que se pareça com um bebé, ou um cavaleiro. O homem do século 15 não me entenderia. Mas o homem moderno entender-me-á. O defensor do ornamento crê que o meu desejo de simplicidade equivale a uma mortificação. Não, estimado senhor professor da escola de artes decorativas, não me mortifico! Prefiro-o deste modo. Os vistosos pratos de séculos passados, que ostentam ornamentos cuja finalidade é fazer os faisões, pavões e lagostas parecerem mais apetitosos, produzem em mim o efeito contrário. Quando vou a um festival de gastronomia, sinto repugnância pela ideia de ter de comer os cadáveres recheados destes animais. Eu como rosbife. O enorme dano e devastação provocados pela reanimação do ornamento na evolução estética poderá ser confrontado com facilidade, já que ninguém, nem sequer o poder estatal, pode deter a evolução do homem! Só podem adiá-la. Podemos esperar. Mas é um crime contra a economia nacional que se destrua o trabalho, o dinheiro e os materiais do povo. É um prejuízo que nem mesmo o tempo poderá compensar. O ritmo da evolução cultural sofre devido aos retardatários, os que chegam sempre tarde. Eu vivo no ano 1908, o meu vizinho vive em 1900 e o homem de acolá, em 1880. É uma desgraça para o Estado que a cultura dos seus habitantes esteja separada por um período de tempo tão amplo e distinto. O agricultor de uma região isolada vive no século 12. E na procissão da festa de aniversário da região participa gente que, mesmo na época das grandes migrações dos povos, teria sido considerada retardatária. Feliz é o país que não tem estes retardatários e saqueadores. Feliz é a América. Aqui, entre nós, ainda há retardatários nas cidades, homens do século 18 que se sentem aterrorizados quando vêem um quadro que
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apresenta tonalidades violeta. Porque ainda não conseguem ver a cor violeta. Deleitam-se com o faisão se o cozinheiro passar todo o dia a cozinhá-lo, e a cigarreira com ornamentos renascentistas agrada-lhes mais do que as lisas. E o que se passa no campo? A roupa que vestem e o mobiliário pertencem a séculos passados. O agricultor não é cristão, ainda é pagão. Os retardatários atrasam a evolução cultural dos povos e da humanidade porque o ornamento não é produzido apenas por criminosos; o ornamento em si comete um crime ao prejudicar a saúde dos homens, a economia nacional e a evolução cultural. Quando dois homens com as mesmas necessidades, pretensões e rendimentos vivem ao lado um do outro mas pertencem a grupos culturais distintos, observa-se o seguinte, do ponto de vista económico: o homem do século 20 enriquece cada vez mais enquanto o homem do século 18 se torna cada vez mais pobre. Assumamos que ambos vivem vidas segundo as suas tendências. O homem do século 20 consegue satisfazer as suas necessidades com uma quantidade menor de dinheiro, podendo assim poupá-lo. Gosta dos legumes cozinhados simplesmente em água fervida, ao quais junta um pouco de manteiga. O outro homem só gosta dos legumes se forem cozinhados durante horas e condimentados com mel e nozes. Pratos ornamentados são muito caros, ao contrário de pratos brancos e simples, que são baratos e cativam o homem moderno. Enquanto um homem poupa, o outro endivida-se. O mesmo acontece com nações. Pobre do povo que se atrase na evolução cultural. Os ingleses estão a ficar cada vez mais ricos e nós mais pobres ... Mas ainda maior é o prejuízo que as pessoas sofrem numa cultura produtiva por culpa do ornamento. Visto já não ser um produto natural da nossa civilização, o ornamento representa um atraso ou uma degeneração. E o trabalho do ornamentista já não é compensado adequadamente. É conhecida a difícil situação dos entalhadores e dos torneiros, assim como os salários escandalosamente baixos que se pagam às bordadeiras e fabricantes de rendas. O ornamentista tem de trabalhar vinte horas para alcançar os dividendos de um trabalhador moderno que trabalhe oito horas. Regra geral, o ornamento encarece o preço de um objecto. No entanto, o produto ornamentado, com os mesmos custos de materiais, demora o triplo do tempo a produzir e é vendido por metade do preço de um objecto sem ornamentos. A carência de ornamento tem como consequência a redução das horas de trabalho e o aumento de salário. O entalhador chinês trabalha dezasseis horas, o americano, oito. Quando eu pago o mesmo por uma caixa lisa e por uma ornamentada, a diferença em termos de horas de trabalho pertence ao trabalhador. Se não houvesse ornamentos - o que poderá acontecer dentro de mil anos -, então uma
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pessoa trabalharia apenas quatro horas em vez de oito, já que metade do tempo se desperdiça, actualmente, a produzir ornamentos. O ornamento é mão-de-obra desperdiçada e, consequentemente, saúde desperdiçada. Sempre foi assim. Mas hoje em dia significa, igualmente, o desperdício de materiais, e ambas as coisas equivalem a capital desperdiçado. Como o ornamento já não pertence à nossa cultura de um ponto de vista orgânico, também já não é uma expressão da nossa cultura. O ornamento que se crie hoje não tem qualquer afinidade connosco, não tem em absoluto conexões humanas, nenhuma ligação com a ordem do mundo. Não tem nenhum potencial para evoluir. O que aconteceu com a ornamentação de Otto Eckmann ou de Van de Velde? O artista sempre se colocou na vanguarda da humanidade, pleno de vigor e saúde. O ornamentista moderno é, no entanto, um retardatário ou um caso patológico. Renega aos seus produtos ao fim de apenas três anos. Pessoas cultas consideram-nos insuportáveis de imediato, outros só se apercebem ao fim de alguns anos. Onde estão os ornamentos de Otto Eckmann hoje em dia? Dentro de dez anos, onde estarão as obras de Olbrich? O ornamento moderno não tem antepassados nem descendentes. Não tem passado nem futuro. O ornamento só é bem acolhido por pessoas incultas para quem a relevância dos nossos tempos é como um livro selado - e é renegado ao fim de pouco tempo. Na actualidade, a humanidade é mais saudável que nunca. Só alguns estão doentes. Estes, contudo, tiranizam os trabalhadores que são tão saudáveis que se mostram incapazes de criar os ornamentos que os tiranos desenharam nos mais diversos materiais. A mudança do ornamento provocou uma prematura desvalorização nos produtos produzidos. O tempo e materiais usados pelo trabalhador são capitais desperdiçados. Apresento uma reivindicação: a forma de um objecto deve durar (ou seja, deve ser tolerável) enquanto dure fisicamente. Tratarei de explicar esta ideia: um fato sairá de moda mais rapidamente do que uma pele valiosa. Um vestido de baile de uma mulher, criado para uma só noite, mudará de forma muito mais depressa que uma secretária. Que triste seria se tivesse de se mudar a secretária tantas vezes como o vestido de baile, só porque alguém achasse a sua forma insuportável. Então ter-seia desperdiçado inutilmente o dinheiro gasto na compra da secretária. O ornamentista sabe isso bem e os ornamentistas austríacos tentam aproveitar-se desta situação. Dizem eles: «Preferimos um consumidor que tem uma mobília que passados dez anos não tolera mais e por isso vê-se obrigado a renová-la todas as década, àqueles que só compram um objecto quando o anterior se deteriora com o uso.» A indústria exige-o. Milhões de pessoas conseguem trabalho devido a
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esta mudança rápida. Parece que este é o maior segredo da economia nacional austríaca; quando um fogo deflagra quantas vezes escutamos as palavras: «Graças a Deus! Pelo menos agora há algo para fazermos.» Proponho uma cura: incendeie-se uma cidade, incendeie-se o império todo e então estaremos todos inundados em dinheiro e luxo. Que se produza mobília que ao fim de três anos se possa queimar na lareira; que se façam guarnições ornamentadas que possam ser fundidas ao fim de quatro anos, já que nos leilões não se recuperaria nem um décimo do valor que custou a mão-de-obra e os materiais: assim, enriquecemos cada vez mais. A perda não só afecta o consumidor, mas também o produtor. Graças à evolução, alguns objectos deixaram de ser ornamentados. Actualmente, os ornamentos significam não só mão-de-obra esbanjada como também materiais desperdiçados. Se os objectos pudessem conservar tanto tempo o seu valor estético como o seu estado físico, o consumidor poderia pagar um preço que possibilitaria ao trabalhador ganhar mais dinheiro e trabalhar menos. Estou disposto a pagar quatro vezes mais por um objecto do qual estou certo que vou utilizar e obter o máximo rendimento, do que por outro que valha menos a nível de forma e material. Preferia pagar 40 coroas por um par de botas numa loja, mesmo sabendo que podia comprálas por dez noutro lado. Em todos os ramos de negócio onde reina a tirania dos ornamentistas, não se valoriza o trabalho bom ou mau. O trabalho sofre porque ninguém está disposto a pagar o seu real valor. É melhor dessa forma. Os objectos ornamentados só são suportáveis na sua forma mais miserável. Consigo suportar um incêndio mais facilmente quando sei que só se queimaram objectos sem valor. Dá-me prazer ver uma exposição de obras ridículas numa galeria de arte se souber que foi montada em pouco tempo e que será desmontada rapidamente. Mas considero muito mais inestético atirar moedas de ouro em vez de cascalho miúdo, acender-se um cigarro com uma nota, ou pulverizar-se uma pérola num copo e bebê-la. Os ornamentos só produzem um efeito verdadeiramente inestético quando são feitos com os melhores materiais e com a maior precisão, e consumindo muito tempo de trabalho. Não posso renegar o facto de ter pedido primeiro um trabalho de qualidade, mas evidentemente não para um caso destes. O homem moderno, que considera sagrado o ornamento como um símbolo da abundância de épocas passadas, reconhecerá, de imediato, que os ornamentos modernos são como doentes penosos e em estado de deterioração. Ninguém que viva ao nosso nível cultural poderá jamais criar algum ornamento. Mas a situação é diferente para os homens e povos que ainda não alcançaram este nível cultural.
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O meu sermão dirige-se aos patrícios. Por patrícios refiro-me àqueles que se encontram no cume da humanidade mas que, no entanto, compreendem profundamente a pobreza e a repressão que sofrem os mais desafortunados da vida: o cafre que entrelaça ornamentos num tecido-padrão, o persa entrançando ornamentos num tapete, a camponesa eslovaca que costura a sua renda, a velhinha que produz coisas maravilhosas de crochet feito com seda e contas. Todos eles eram bem compreendidos. O patrício deixa-os trabalhar porque sabe que, para eles, as horas de trabalho são sagradas. O revolucionário diria: «Isto são tudo disparates!» Tal como ele afastaria uma senhora idosa de um templo à beira de estrada e lhe diria «Deus não existe!» Mas o aristocrata ainda tira o chapéu quando passa diante de uma igreja. Os meus sapatos estão cobertos de ornamentos. Decorados por todas as partes com padrões em forma de ziguezague por cuja execução o sapateiro não foi pago. Vou ao sapateiro e digo-lhe: «O senhor quer 30 coroas por um par de botas, mas pago-lhe quarenta.» Ao dizer isto, o sapateiro sente-se no paraíso. Agradecerme-á com trabalho e materiais cuja qualidade fica bem acima do preço extra que lhe paguei. Sente-se extasiado. A sorte raramente lhe bate à porta. À sua frente está um homem que reconhece o verdadeiro valor do seu trabalho e não questiona a sua honestidade. Na sua cabeça só consegue ver os sapatos já acabados à sua frente. Sabe onde pode encontrar o melhor couro e qual o melhor empregado em quem confiar para um trabalho bem executado. Sabe que os sapatos serão cobertos pelo maior número de padrões em forma de ziguezague. Então eu digo-lhe: «Só ponho uma condição: os sapatos devem ser inteiramente lisos, sem decorações.» Com isto, o sapateiro sente que foi escorraçado do paraíso e enviado para o inferno. Terá menos trabalho para fazer mas roubei-lhe toda a alegria. Proclamo aos patrícios. Tolero usar ornamentos no meu corpo se isso trouxer a felicidade ao meu próximo. Nesse caso, seria um motivo de felicidade para mim próprio. Suportarei os ornamentos do cafre, do persa, da camponesa eslovaca, do meu sapateiro, porque nenhum deles tem outro remédio para alcançar o auge da sua existência. Mas nós possuímos a arte, que substitui o ornamento. Depois de um dia de trabalho regressamos a casa e relaxamo-nos ao som de Beethoven ou de Tristão. O meu sapateiro não pode fazer isso. Não tenho o direito de lhe roubar a alegria porque não tenho nada para lhe oferecer em troca. No entanto, o homem que vai ouvir a Nona Sinfonia e depois se senta a desenhar padrões para um modelo de papel de parede é uma fraude ou um degenerado. A ausência de ornamentos conduziu as artes a um patamar inesperado. As sinfonias de Beethoven nunca poderiam ter sido escritas por alguém que usasse seda, cetim e rendas. Quem se veste hoje em dia com cetim não é um artista, mas antes um
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palhaço ou um pintor decorador de casas. Tornámo-nos mais subtis, mais refinados. No meio da multidão, as pessoas sentem necessidade de se distinguir umas das outras através das cores distintas que usam. O homem moderno necessita de roupa como uma máscara. A sua necessidade de individualidade tornou-se tão incrivelmente imperiosa que já não pode ser expressada através da roupa. A ausência de ornamentos constitui um sinal de robustez espiritual. O homem moderno usa ornamentos de culturas antigas e estrangeiras à sua discrição. Para as suas invenções e descobertas, concentra-se em outras coisas.”
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Estudos, Intenções e Esboços da Proposta de Requalificação da E.N. 203
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Anexo 3 Esboços e Intenções Primárias da Parcela Urbana.
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