L a y l a
G a b r i e l l e
d e s e n h a n d o p a l a v r a s . t u m b l r. c o m
“
Dissimule minhas verdades cruas. Destrua meus fatos. Cause-me novos olhares. Cause-me. Cause. Cause em mim.
“
Layla Gabrielle
O 2 .
Layla Gabrielle
“
Layla Gabrielle: Meu desenho, minha pintura e minhas escritas são modificadas e melhoradas diaa-dia. Sou assim mutável, amável e agradável com alguns.
“
Layla Gabrielle
U M A
C O N V E R S A C O M I N S P I R A Ç Ã O .
M I N H A
N
Naquela calçada esquecida sentei e vi passar o fim do dia. Foi um dia de poucas conversas e poucas pessoas. Sabe aqueles dias calminhos onde a inspiração bate a porta ou pula a janela? Foi assim, literalmente assim. Ela chegou sem rumo. Fez-me entrar e sentar junto com ela no sofá. Ofereci-lhe um chá, onde ela mal tocou. Ficou calada. Tentei até animá-la, porém foi uma tentativa frustrada. Depois desisti e protestei: -Onde você estava! Sabe te tinha tão presente. Era só ver os raios solares que você aparecia. Onde você andou Ela continuou calada com a cabeça baixa. Depois cansei de tentar protestar e calei-me ao seu lado. Foi aí que ela resolveu falar. Logo me disse: -Estive aqui, sempre estive aqui. Você que não soube me procurar. Forçou suas palavras a fim de me encontrar e isso não é culpa minha. É culpa sua. Um poeta deve olhar para o ar, para a janela, para o desabrochar e principalmente deve olhar para dentro de si. Não vê? Não vê que aí dentro é mais belo do que qualquer gracejo espacial? Veja, perceba e viva isso. Depois que você se vê dentro de si mesmo. Aí sim posso te ajudar. Ela saiu pela janela e nunca mais veio comigo conversar. Ela estava certa. Ela estava aqui só eu não sabia a encontrar.Olhar dentro de si, esse deve ser o lugar -pensei. O 4 . Layla Gabrielle
E
Estou parada olhando o hall vazio no meio da madrugada. Observando o elevador ir e vir. Pessoas subindo e descendo. Paixões se formando e se desfazendo. Quem sabe na minha fixação por espera me traga algumas poesias avulsas sobre o amanhecer que irei contemplar. Quem sabe me baseio apenas no café parado que me mantêm acordada. Talvez escreva algum versinho sobre essa tal demora. Coisa inconveniente. Não, não demora é algo chato de se falar. Irei escrever do que espero chegar. Talvez rabisque algo mais ou menos assim: “Na escuridão dos azulejos te vi chegar. Belo, lento e quase a rastejar. Lamento, lamento o tormento de ter que te esperar. Recompense-me meu bem com um amanhecer saudoso. Perdoe-me por pensar que não irias mais voltar.” Talvez… mas a madrugada anda tão maravilhosa que acho que irei para janela contemplar um pouquinho das estrelas brilhosas. O elevador se tornou algo chato de se olhar.
O 6 .
Layla Gabrielle
C A R TA
A O S
P O E TA S
E S C O N D I D O S .
T
Teus hinos devem ser tocados. Tuas letras devem ser lidas. Tua voz deve ser escutada. O que planeja se ficar calado? O que almeja se for desprezado? Parar de escrever? Porque parar? Se o mundo não te escuta, não se importe. Não és poeta do mundo, és poeta de si. Por isso pegue um líquido que te acalme. Não se importe se é tarde. Só não fique parado como poeira velha atrás do armário. Escreva. Escreva sem rumo. Conte teu mundo. Publique histórias. Coisas belas devem ser profanadas em um papel em branco. Pense e despeje tudo aquilo que perambula por tua mente. Com calma e essência escreva tudo aquilo que te atormenta.
O 8 .
Layla Gabrielle
N
Noite, dia, tardezinha. O céu revelava seu esplendor. O tempo rolava e a partida estava próxima. Eu não queria ir, mas deveria ir. Parei. Sair dali levaria um peso enorme. Foi aí que você tocou-me. Sussurrou bem devagarinho “fica”. Deslizou pela minha pele vazia e a preencheu com um arrepio insistente. Puxastes o coberto, ficaste com o que não precisava ser usado. Até que você foi bem discreto. Os botões, fivelas, cadeados, fitas, brincos foram abertos. Revelações esquecidas. Era certo ou incerto? Era para agora ou eterno? Não saberia, nunca saberei. Navegava nos teus lábios frios. O calor chegou a ser uma definição pequena. Meu corpo, teu corpo. Os pensamentos colidiram. Torneime sua. Tornastes meu. Selados, suados, ocupados, cansados. Só repetia: “nosso, nosso, nosso…” Por fim, não acabou. Por fim você ficou.
1 O .
Layla Gabrielle
PA R T Í C U L A S
D E
L E T R A S .
A
Aquelas letras miúdas revelavam tudo que eu queria. Corredores e escadarias. Corria e sorria. Música antiga e com letra bonita rodeava o térreo do prédio. Suava por causa da velocidade. Continuei mantendo o mesmo ritmo. Bilhete em uma mão e passagem na outra. Fui atrás da ocorrência pedida. Tropecei em pedras na calçada, mas ainda continuei. Quarteirões e lombadas de distância. Finalmente apertei a comanda do ônibus. Desci em um desespero até chegar a portaria daquele edifício antigo e gigante. Disparei meus sentidos. ”É agora”, repetia. Elevador devagar, poucas perguntas. Nada programado. Dou um suspiro que arranca meus medos. Com o bilhete na mão encontro aqueles olhos surpresos. Uma voz grossa que quase não sai, dizendo: -Você veio? Respondi engolindo a satisfação: -Não te disse que persigo o que quero meu bem. Ele puxou a bainha da minha camisa e me entregou um beijo completo. Forçou as mãos na minha coluna enquanto eu guardava o pequeno pedaço de papel no bolso. Parecia um bilhete de loteria premiado.
1 2 .
Layla Gabrielle
D
Dia quente, corpo escaldante. Parada, só me restam pensamentos. Elaboro mundos libertos. Trechos e versos. Lembro do clima do meu corpo, tão quente quanto hoje, só de chegar perto do teu tecido cheiroso. Vou além, lembro beijo inacabado que deixei a estradas e mais estradas de distância. Aquela noite chuvosa foi o local da nossa despedida. Não queria tirar o cinto e sair daquele carro. Paralisei por alguns segundos. Senti tuas mãos frias se derretendo nas minhas quentes e nervosas. Sussurrastes: -Vá minha linda, o tempo há de passar, se não passar irei te buscar. Agarrei o ombro largo do meu amado como se não fosse mais soltar. Bati a porta do carro e em pé na chuva estava. Olhando para os beijos que soltava. Aqui fico nesse dia quente, dia longe. Sentada numa mesa, sozinha. Só faço remoer aquela noite fria. Nossa despedida. Repito por trás das minha ideias: “o tempo há de passar, meu querido.”
1 4 .
Layla Gabrielle
S
Sobre o tempo, te digo: fechei os olhos e se foi. Eu pensava que iria pesar, só senti peso do vento passar leve levou meus poros. Treloso carregou alguns fios de cabelo. Tudo tão suave que acabei me dissolvendo lentamente em cada parte tua. Despedaçava e carregava tua composição comigo. Fixava cada célula, gota de sangue, osso, vértebras… tudo, toda a complexidade dos nossos corpos. Pulsava em uma multiplicação completamente nossa. Pensei naquele momento como algo particular demais para ser revivido. Era melhor desaparecer, mais fácil. Foi ai que dissestes: -Venha aqui minha cara, criaremos novas soluções, tudo será pequenos pedaços da nossa longa história. Aceita meu bem? Minha vermelhidão, era um simples detalhe, porém minha resposta estava estampada para ele ver. Então acrescentei: -Só se cada momento tenha uma sensação nova, nossa. Cheia de detalhes fascinantes e uma vontade constante. Será possível meu amado? Acho que ele até se surpreendeu com minha resposta e logo retrucou: - Se depender de mim, serei o teu querer, tuas palavras logo ditas, tua compreensão, … serei teu meu bem. Será que você permite? Respondi: -Será um grande prazer, meu. Beijei cada particularidade dos lábios dele, foi mais que um beijo. Foi um certificado onde estava escrito e assinado, pela emoção e o pouco de razão dos nossos atos.
1 6 .
Layla Gabrielle
E
Ei, vem cá… Deita sua cabeça aqui te aninharei a noite e a manhã inteira. Vem cá meu bem me diz o que te perturba. Juro que irei te escutar. Se possível dominar teus pesares. Eu sei que és meu remédio com cura imediata. Vou descobrir teu tratamento. Pode até ser eu? Imagina só, dois complementos. Depois das conversas calmas, teu olhar na penumbra, tão meu, afirmava “és minha, és minha… cura”. No ultimo quadro vivido, viciamos nos efeitos colaterais desse antibiótico com data de validade infinita. Mais que necessidade, doença ou loucura. Li a bula e tinha prescrito: “efeitos duradouros se o paciente não for esquecido…” Depois disso tive quase certeza que nosso tratamento seria eterno.
1 8 .
Layla Gabrielle
F
Foi um embaraço, você não sabia onde colocar os braços. Logo acertou em cheio, subiu a mão com força por toda a minha coluna. Senti um arrepio forte. Ficastes com a mão aberta bem em meu pescoço. Olhava-me como se seu mundo estivesse em suas mãos. Teu olhar me consumia seriamente. Eu não queria por nem um segundo desistir de você. Minha mente gravou um vídeo do seu corpo no meu corpo. Dava risadas altas às vezes, eram as cócegas que tu me fazia. Irresistível como você me pertencia, não era uma mera fantasia. Era só eu você e a nossa alegria.
2 O .
Layla Gabrielle
P
Preciso de um tempo meu. Fechado e exclusivo. Não será ouvida a opinião alheia. Soluções é o que desejo. Um lugar no espaço loucamente criado para mim. O autor deve ser meu subconsciente. Espaço para eu organizar esse conflito interno. Esvair pensamentos antigos. Renovar, recomeçar é isso.
2 2 .
Layla Gabrielle
C
Começa mais ou menos as cinco. O grandioso Sol engolindo o mar. Um toque glorioso do fogo com a água, nem parece tão figurativo quanto é. Os tons ferventes despertam os olhos frios. Cada folha sente a eletricidade se desmanchar ou se aproximar. Uma sensualidade oprimida, não é tão escondida, é somente o Sol tornando o dia a noite ou a noite o dia.
2 4 .
Layla Gabrielle
Q
Qualquer dia desse te jogo na minha bagagem. Sem documento e com poucas roupas. Vamos para bem longe. A pé, de trem ou até de carro. Só quero me deslocar para fora daqui o mais rápido possível. Pegue aquele mapa antigo. Vou fechar os olhos e apontar para nosso destino. Pode ser Europa ou o Alabama. Se for frio demais, terei teu calor. Se for quente demais, terei os frios na barriga. Sem conhecimento e data exata. Sem demora, vamos conquistar esse mundão a fora.
2 6 .
Layla Gabrielle
L AVA N D E R I A ,
L A Ç O S
E
V E R S O S .
S
Uma vez por semana ele descia rua a baixo e ia a lavanderia. Qual o dia escolhido? Logo a sexta. Enquanto todos estão em bares, restaurantes e festas ele estava lá com um caderninho aberto e uma caneta porosa preta. Em cima da máquina de lavar na lavanderia vazia. Semana atrás de semana. Centrado nas suas palavras. Depois de tanta solidão a porta da lavanderia bateu. Virou somente os olhos de lado e a viu entrar. Com sandália de dedo, calça folgada, camisa colada e um livro na mão direita. Nossa, nossa, nossa - foram os primeiros pensamentos dele. Ela escolheu uma máquina longe da dele. Colocou toda sua roupa dentro e sentou em cima da mesma. Com fones de ouvidos e um livro de umas 500 páginas. Estava no início do livro ele notou. “Bipe, bipe” - as roupas estavam lavadas e secas - hora de partir. Foi para casa e pensou na noite surpresa que teve, mas realmente não mudou nada em sua vida. Seguiu e uma semana depois ela estava lá no mesmo horário. Não puxou assunto. Sentou em cima da máquina e colocou a pilha de roupas de uma vez. Nem separou branco, colorido e preto. Veterana - ele pensou. Ela ainda ficou lá com a música nas alturas e nem ligando que suas roupas iriam ficar com uma cor esdrúxula. Nossa… calma, ela está lendo Shakespeare e escutando música clássica - ele notou. Diferente - pensou. “Bipe, bipe”, as roupas dela estavam prontas. Só quero ver o espetáculo - ele disse bem baixinho. No mesmo instante ela desliga o mp3, joga-o de lado. Joga o livro. E fala: - Mais que droga! Está tudo rosa. Tinha que ser logo rosa? Ele riu em voz alta. Ela chateada logo falou: - Você usaria isso? Ele gargalhou mais alto ainda. Ela colocou tudo na cesta enorme e saiu caminhando rápido. Ele sentiu o desprezo correu até a porta e gritou: - Você deve ficar bem de rosa. Ela foi andando na escuridão daquela noite dando as costas para ele. Com uma cesta cinza e rosa. Ele gargalhou. Foi até sua máquina. Tirou e separou suas roupas. Quando passava na frente da máquina usada por ela reparou na fita vermelha solta lá no meio. Pegou e correu para tentar alcançar a moça. Era tarde, só a viu entrando no seu apartamento. Ficou lá parado observando e viu uma luz no primeiro andar ascender. Era lá onde ela morava. Ele voltou para casa com a fita na mão e uma pilha de roupas. Não conseguiu dormir. Passou uma boa parte da noite alisando a fita vermelha, causadora das roupas rosa. Resolveu escrever algum versinho e adormeceu. Logo cedo tomou um café bem disposto. Resolveu colocar a fita na porta da menina de umas seis da manhã. Espantado com os versos diferentes que tinha feito. Leu, releu e decidiu entregar junto com a fita. Afinal era ela nas palavras dele. Estranho – pensou. Pegou a fita e a enlaçou no papel branco. Colocou na porta dela e saiu. Dez horas da manhã ela saí calçando os sapatos na maior velocidade possível. Abre a porta e chuta a fita. Estranho – sussurrou. Pegou o papel
2 8 .
Layla Gabrielle
Pegou o papel o jogou na bolsa e correu. Como seu trajeto dentro do ônibus era de mais de meia hora. Resolveu abrir a fita e no papel dizia: “Desenvolta. Sorriso de matar qualquer um. Atrapalhada e encantadora. Uma liga no cabelo que mata meus pesadelos. Belos braços. Bela mão. Belo andado. Bela moça. Magnífica moça.” A vermelhidão dominou seu rosto branco. Quem seria? Quem a mandaria isso? Quem? Quem?- pensou sem resposta alguma. Cumpriu seu dia de trabalho com uma alegria indomável. Seis dias depois. Lá estava ele em cima da máquina. Ela bate a porta no mesmo horário, causando aquele som gostoso de companhia. Nesse dia resolveu sentar um pouco mais perto dele só por diversão. Ele continuou calado e escrevendo. Ela estava na metade do livro. Ele espiou a capa e era “União das melhores peças de Shakespeare”. Achou magnífico seu gosto literário, mas ainda assim continuou calado. Era gostoso escutar as sinfonias que saiam dos fones dela. Ela resolveu quebrar o silencio e disse: - O que tanto escreves menino? Ele ainda calado disse: - O que não me contam menina. Ela gostou da resposta e disse: - Tenha uma boa noite poeta da lavanderia vazia. Ele respondeu: - Tenha uma boa noite garota que não deixou minha lavanderia vazia. Ele recolheu suas roupas e partiu. Deixando outros versos em aberto. Como podia ser possível era ainda ela nos seus versos. Jogou o papel na mesma porta. Antes de dormir ela foi tirar o lixo e quando viu outro bilhete. Abandonou o lixo com velocidade. Lavou as mãos e devorou palavras novamente. Estava escrito: “Minha bela me faz poemas corporais, me faz pensar nela. Minha bela me cerca de inspiração.” Isso se repetiu semana após semana. Ela esperava ansiosa. Sem hora, sem dia certo. Só apareciam. Bilhetes e bilhetes de alguém. Alguém que ia a conhecendo a cada risco no papel. Ela ia se encantando com as palavras doces dele. Em uma das sextas eles já eram visinhos de máquinas. Riam alto das respostas sábias que davam um ao outros. Ela o deixava escutar suas músicas. Compartilhava até o fone com ele. Ficavam até depois das roupas limpas. Era gostoso compartilhar conversas tão fluentes. Ele largou de ser calado. Ela parou de ser irritada. A sexta se tornou o dia mais esperado da semana. Ela continuava confusa pelos versos que recebia. Como podia ter ganhado dois pretendentes em uma mesma época? Depois de uns quatro meses de encontros semanais. Ela o perguntou: O que tanto escreves moço? Ele fechou o caderninho no mesmo instante e respondeu: - Nada demais moça. Ela puxou o caderninho e foi lendo em voz alta correndo dele. Começou a ler: - “Conheci minha bela por meio de um laço de fita. Quem mais escutaria música clássica e leria Shakespeare? Quem mais me tocaria a alma e me daria uma inspiração absurda? É um presente minha bela. É meu sorriso contente. É a alegria nas minhas correntes. É minha roupa limpa. É minha menina, minha doce menina.” Ela ficou sem reação. Pulou no pescoço do mesmo e o beijou.
Logo disse: - Era você? Você? Pegou o caderninho dele e escreveu: “Meu menino me deu um sorriso que durava toda a semana. Meu menino fazia das canções uma grande confabulação. Meu menino me ensinou a ser sua menina, mesmo que não o tocasse. Meu menino é um grande homem. Um grande homem se fez de meu menino.” Ela enrolou a fita no braço dele e disse: - Prometi para mim que quando encontrasse meu menino iria prendê-lo a mim, assim como ele me prendeu a ele. Ele disse: - Lava as roupas comigo? Ela respondeu: - Só se forem todos os dias meu menino. Foram para o fundo da lavanderia e… Bem vocês já sabem o fim da história
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Layla Gabrielle
C A F É ,
B I L H E T E
E
C O M PA N H I A
T
Todos os dias após o jantar ela fazia uma garrafa inteira de café. Morava sozinha. Colocava a mesa para duas pessoas, esvaziava seu prato e ia para o sofá. Colocava uma xícara no apoio ao lado dela e outra xícara no apoio paralelo a ela. Pensava no dia e na ironia que fazia para si mesma. Engraçado era que ela não tinha nenhum pretendente em vista. Muito menos algum amor passado. Ela nunca tinha provado o tal amar. Mas achava sua vida suficiente. Era feliz na medida do possível. Tinha uma rotina plausível. Honrava seus compromissos. Conversava pouco. Adorava ler alguns livros, tinha gosto por poesia. Assistia os atores contracenando em series e filmes. Gostava dos antigos, onde falavam de um amor bonito e esquecido. Por sua personalidade incrível, ela não se sentia sozinha. Assim ia levando os dias, semanas e anos. Todo dia ele escrevia um verso em um papel avulso e o jogava pelo muro, janela, até deixar alguns no metrô ele já deixou. Adora rimar e formar palavras. O jeito como ficavam juntas e a sintonia que formavam. Era gostoso ditar versos em voz alta para o nada. Morava só, mas era feliz. Era simpático, carismático e bonito, muito bonito. Era na dele. Tinha seu próprio mundo, suas próprias fábulas. Era escritor, um escritor abandonado e esquecido pelo mundo. Mas destemido, depois de todo abandono ainda escrevia seus versos todo dia. Era simples e com pouco dinheiro no banco resolveu mudar-se para um prédio menor e com uma vista linda. Assim foi. Naquele dia ele chegou ao hall com trezentas caixas e uma mochila nas costas. A chave a mão e com uma nova inspiração. Muito atrapalhado que era foi subir as escadas com uma caixa enorme que cobria os olhos. Ela, a moça sozinha, descia apressada por que o ônibus já estava passando. “Baf” foi o estrondo dos dois. A mulher ficou de pernas para cima e ele não parava de rir. A caixa de livros rasgou, foi folha para todo lado. Ela disse com excesso de raiva: - O senhor não olha por onde anda? Ele ainda continuava a rir. Estava vermelho. E disse em meio a engasgos: - Desculpa menina, deparamos no mesmo segundo, no mesmo pensamento, hein? Ela mal o escutou, bateu o vestido e deu as costas pra ele. Ele gritou: - Sabe o que eu preciso? De ajuda, por isso caio sempre. Um sintoma de compaixão a revestiu toda. Ela ficou juntando os papéis de livros e reconhecia aquelas páginas das suas tardes vazias. Entraram no apartamento sujo e vazio dele. Foram colocando as caixas no chão e empurrando os móveis. Aí que ele disse com o ar preocupado: - Te fiz perder um dia de trabalho não foi? Ela sorriu e respondeu: - Tudo bem, eu que me perco todo dia naquele emprego. Ela se sentiu solta com ele ali. Ele era divertido e descontraído. Nossa como a fazia rir. Ele pensava “que risada de despertar os céus”. A tarde foi passando e a noite chegando. Era hora do jantar, hora do café. Foram para o apartamento dela. Ela fez a mesma garrafa cheia, mas agora a xícara tinha companhia. Riam, conversavam. Contavam da solidão e como não se sentiam mais
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Layla Gabrielle
sozinhos. Ele confessou ser escritor. À noite fora longa. Conversas enormes, mas tinham que ir, era hora. Ela foi até a porta. Ele elogiou seu bom gosto. Ela segurava e quase empurrava a porta até que ele a empurrou no sentido oposto, segurou seu rosto e a beijou. Um beijo suave e calmo. Um dos poucos beijos que ela deu na vida. O melhor que ela deu na vida. Fechara a porta e um sorriso se estendeu nas duas caras. A noite foi leve. Ela acordou tomou café e quando viu tinha um pequeno papel branco embaixo da porta. Ansiosa logo leu: “Descobri o encanto que procurava. Descobri uma moça linda na madrugada. Descobri o que é dormir sonhando com um rosto. Descobri o que é ter gosto em uma conversa. Descobri o que é espera ansiosa ao amanhecer do dia. Descobri você querida, a mais doce peça que o destino podia pregar em mim. “ Ela correu pegou um lápis e rabiscou: “Vem aqui, toma café comigo. Todos os dias meu querido.”
P R O J E T O :
É
E M
V O C Ê S
Q U E
M E
m e a c h e i . t u m b l r. c o m n a o d i g i t e . t u m b l r. c o m
A C H O !