Humanização dos Espaços Urbanos por meio da Arte e Cultura

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Universidade Presbiterina Mackenzie Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

HUMANIZAÇÃO DOS

ESPAÇOS

URBANOS

ARTE

E

POR

MEIO

DA

CULTURA

CENTRO CULTURAL MUNICIPAL SACOMÃ Nashalyn Faustino Casagrande

São Paulo, 2014



Nashalyn Faustino Casagrande

HUMANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS URBANOS POR MEIO DA

ARTE

E

CULTURA

CENTRO CULTURAL MUNICIPAL SACOMÃ Orientador:Prof.Dr.Lucas Fehr

São Paulo, 2014


CASAGRANDE, Nashalyn Faustino. Humanização dos Espaços Urbanos por Meio da Arte e Cultura Nashalyn Faustino Casagrande - 2014 100 f. Trabalho Final de Graduação (Graduação em Arquitetura e Urbanismo) Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014. Bibliografia f. 100 Palavras-Chave: Humanização, Urbanização, Centro Cultural, Arte e Cultura


RESUMO

Trabalho final de Graduação apresentado à Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a obtenção grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Estudo propõe um novo olhar sobre a urbanização da cidade de

São Paulo, e na periferia. Busca acima de tudo demonstrar a importância da humanização dos espaços urbanos, como uma forma de tornar a cidade um espaço menos segregador. Visa a tranformação por meio de seu próprio beneficiário: o ser humano e pelo uso da arte e da cultura.

Orientação: Prof. Dr. Lucas Fehr



INTRODUÇÃO | 07 1 PROBLEMATIZAÇÃO | 09 Espaço Urbano Humanizado | 11 Automóvel | 22 Novos Empreendimentos | 25 Desenvolvimento da Cidade de São Paulo e Indústrias | 26 Bairros periféricos | 31 Medo da Cidade | 33

2 ARTE COMO ESTRATÉGIA | 39 Instituto Baccarelli | 42 Projeto Religare | 44 Cine Favela e Vira-Latas de Aluguel | 46

3 REFERÊNCIAS PROJETUAIS | 53 Sesc Pompeia | 55 Centro Cultural Vergueiro | 57

4 OBJETO | 61 Fundamentação Localização Contexto Programa Formalização

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CONSIDERAÇÕES FINAIS| 93 AGRADECIMENTOS | 99 BIBLIOGRAFIA | 101



INTRODUÇÃO

Hoje em dia as cidades crescem desenfreadamente, trans-

formando-se o tempo todo, bairros morrem e renascem. O homem convive com essas mudanças constantemente, sempre é obrigado a adaptar-se.

Muitas vezes as mudanças são boas, mas na maioria das ve-

zes são muito cruéis. Os efeitos dessas mudanças afetam a cidade como um todo, criam segregações, barreiras e desigualdades que tornam a convivência muito mais complicada.

Dentro deste quadro é necessário investigar quais mudanças

fizeram a cidade se tornar um meio segregado e procurar as melhores soluções. Precisamos entender para quem as cidades são feitas e construir um novo espaço, que agrega e não repele o seu principal usuário: o ser humano.

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A arte é um meio de aproximar as pessoas e de levar conhecimento sem

distinções. Através dela é possível dar vida às ideias, criar debates novos; de várias formas ela nos permite enxergar e entender melhor a nossa realidade e a nossa cultura.

Este trabalho aposta que a priorização da dimensão do ser humano no

urbanismo e a valorização e expansão dos espaços de expressão, como os espaços dedicados à arte, tornam as barreiras criadas ao longo da história das cidades transponíveis. Uma cidade com menos segregações, com mais liberdade, saúde e segurança.

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PROBLEMATIZAÇÃO

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Antes mesmo de discutir o que é um

espaço urbano

humanizado

é

necessário

entender o que é humano, o que faz a humanização ser ferramenta importante na construção de uma cidade melhor. Entendo que humanizar é criar algo perceptível e aprazível aos sentidos (Olfato, visão, tato). Assim o significado de humanizar é criar algo quase ergonômico, adaptado para a experiência dos cidadãos.

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Atualmente observamos que uma megalópole como a cidade de São Paulo foi desenvolvida sem pensar na escala do homem; seu desenvolvimento acelerado visando a outras prioridades foi criando grandes físicos e sociais para o ser humano.

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obstáculos


"A cidade Passou me lavrando todo... A cidade Chegou me passou no rodo... Passou como um caminhĂŁo Passa atravĂŠs de um segundo Quando desce a ladeira na banguela... Veio com luzes e sons. Com sonhos maus, sonhos bons. Falava como um camĂľes, Gemia feito pantera. Ela era... Bela... fera."

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"Eu pairava no ar, e olhava a cidade Passando veloz lá embaixo de mim. Eram dez milhões de mentes, Dez milhões de inconscientes, Se misturam... viram entes... Os quais conduzem as gentes Como se fossem correntes Dum rio que não tem fim."

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"Esse ruído São os séculos pingando... E as cidades crescendo e se cruzando Como círculos na água da lagoa. E eu vi nuvens de poeira E vi uma tribo inteira Fugindo em toda carreira Pisando em roça e fogueira Ganhando uma ribanceira... E a cidade vinha vindo, A cidade vinha andando, A cidade intumescendo: Crescendo... se aproximando." Trechos da música "Lá vem a Cidade" de Lenine

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Edward T. Hall, antropólogo norte-americano, explica em seus estudos como o homem percebe e se apropria do espaço. Tudo que o homem é e faz está associado à experiência com o espaço; através de estímulos sensoriais, ele realiza uma síntese do espaço que ocupa e, baseado na sua cultura, tem um entendimento diferenciado, que interfere em sua ação no espaço. O antropólogo esclarece ser necessário o entendimento das diferentes culturas que coabitam uma cidade para melhor planejá-la; afirma que não defende a “guetificação”, mas a importância da identidade dos grupos étnicos, que possuem necessidades distintas, pois tem leituras diferentes do espaço. Os planejadores urbanos da atualidade ignoram esse fato e tratam os habitantes como iguais. (HALL,2005) Hall aponta três eixos transformadores para melhorar a vida dos homens na cidade:

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Escala:

Faz uma análise da Proxêmica,

que é o estudo das distâncias suportáveis ou indesejadas entre as pessoas, adequadas para o espaço público e baseadas nas diferenças dos grupos étnicos. A superpopulação de uma cidade pode gerar conflitos e prejudicar o relacionamento entre seus habitantes, e o estudo da escala aplicado ao planejamento seria uma solução para dar qualidade aos espaços. A relação correta da escala do homem com a escala do automóvel é considerada por Hall como a mais importante e difícil para ser compreendida.

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Identidade

e

necessidades ĂŠtnicas: Abordagem ĂŠtnicos,

dos respeito

grupos pelas

diferenças culturais, estudos comportamentais

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destas.


Espaรงos ao ar livre: Criados com base nos eixos apresentados anteriormente e propiciando fรกcil acesso.

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“Inicialmente nos moldamos às cidades - Depois elas nos moldam. Assim, quanto mais humano for o espaço urbano que produzirmos, mais valorizada nossa dimensão humana estará. Uma cidade de pessoas para pessoas.” (GEHL, 2013)

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Para Jan Gehl, a dimensão humana foi aos poucos sendo esquecida, em detrimento da solução da acomodação do tráfego de automóveis. A falta de preocupação com a dimensão humana trouxe uma série de problemas para os habitantes das cidades, tais como: espaços limitados, obstáculos, ruído, poluição e risco de acidentes. Estes pontos reduziram e sitiaram as oportunidades dos pedestres e as atividades cultu rais e sociais. A tradicional função da cidade como um espaço de encontro e fórum social foi deixada de lado, desenvolvendo um cenário racional e simplificado. O desejo universal é a criação de cidades mais vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis. Gehl também menciona a urbanista Jane Jacobs, que considerava que o aumento do tráfego associado à ideologia modernista de urbanismo gera cidades sem vida. (GEHL, 2013)

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O automóvel é o maior consumidor de espaço público e privado. Em Los Angeles, 60% a 70% do espaço público é consumido com ruas, vias expressas e estacionamentos; fora isso, as áreas livres são desagradáveis, por causa da poluição sonora e ambiental. Outro fato é a diminuição da percepção das distâncias e da paisagem; o homem foi feito para se movimentar no ambiente a uma velocidade inferior a 8 km/h, o aumento da velocidade reduz o nosso envolvimento sensorial e nossa percepção da paisagem, provocando limitação de interação. (HALL, 2005)

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Sobre

os

automóveis,

Gehl

ainda propõe como solução a priorização do transporte público em detrimento do privado; afirma que menos vias significam menos tráfego, ou seja, o ideal seria não abrir novas vias e estudar a possibilidade de fechar algumas das já existentes apenas para os pedestres; melhorar os espaços urbanos; o mobiliário urbano; e fazer um convite aos habitantes melhorando as condições do espaço, como ele fez em Copenhague.

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Os novos empreendimentos

não ajudam a amenizar a

condição dos pedestres, ao contrário, criam muros impenetráveis, quarteirões inteiros onde pedestres se sentem acuados, sem nada para ver, ouvir ou sentir. A junção desse tipo de arquitetura com o automóvel repele ainda mais o ser humano. Difundiu-se a ideia das pequenas comunidades autossuficientes onde, por exemplo, não é preciso sair do seu condomínio para ir até a academia; hoje há quem trabalhe em casa, as pessoas não são obrigadas a sair do seu espaço privado. Nesta situação, percebe-se que há um aumento do interesse das pessoas irem para as ruas, para voltar a tomar contato com a sociedade civil em geral. O contato com outros seres humanos é muito importante, pois é assim que nascem os novos relacionamentos, que acontecem grandes encontros e manifestações. (GEHL, 2014)

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O desenvolvimento da cidade de São Paulo e a industrialização

contribuíram para o progresso e também para o

processo de degradação da cidade. Por mais que existam instrumentos, legislação, zoneamento, a aplicação dessas ferramentas não se faz suficiente. O desenvolvimento da indústria dentro da cidade gerou lugares sem vida e a mudança posterior da localização das indústrias intensificou ainda mais os problemas; por outro lado, ofereceu espaços vagos que podem ser considerados uma potencialidade, ferramenta para um plano de mudança.

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INÍCIO DA VIA ANCHIETA | ÁREA DO PROJETO

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Podemos observar nos mapas que o bairro do Sacomã começou a urbanizarse entre 1930 e 1949, segundo dados da subprefeitura do Ipiranga. O parque industrial começa a se consolidar a partir de 1935; foi nessa época que grandes indústrias começaram a se instalar em São Paulo e na região do ABC, como a General Motors, a Artex, mais tarde ainda a Ford e a Volkswagen. (SubPrefeitura).

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TELHADO DE FÁBRICA DO BAIRRO MOINHO VELHO | HELIÓPOLIS E CONJUNTOS HABITACIONAIS


Dessa forma, nascem os bairros operários, para servir de residência a quem trabalha nos parques industriais. Atualmente ainda existem essas fábricas, e algumas continuam funcionando ao longo da Via Anchieta; ao percorrermos o sentido contrário, em direção ao centro, nota-se um forte declínio da indústria, desde a Avenida do Estado, Avenida Juntas Provisórias, até o início da Via Anchieta, ofertando espaços vagos nas bordas dessas importantes vias. Nos bairros periféricos, a qualidade de vida declina. As grandes rodovias e avenidas, o espraiamento das habitações e da oferta de trabalho, o trânsito, a insegurança, problemas de mobilidade e a oferta escassa de programas culturais contribuem para a enorme insatisfação dos habitantes da cidade. Existe uma grande dicotomia da ação do Estado em diferentes áreas da cidade, de acordo com os interesses econômicos; a oferta de equipamentos não é distribuída de forma igualitária no território. Uma democracia verdadeira deve ser autônoma e não subordinada ao modelo econômico. (SANTOS, 2007)

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“...Na grande cidade, há cidadãos de diversas ordens ou classes, e desde que, farto de recursos, pode utilizar a metrópole toda, até o que por falta de meios, somente utiliza parcialmente, como se fosse uma pequena cidade, uma cidade local...” (SANTOS, 2007) Humanizar uma cidade é entendê-la como um todo, é necessário distribuir melhor e facilitar o acesso de todos os equipamentos, tanto culturais como os de extrema necessidade. “...o mundo da cidade transforma o homem em instrumento de trabalho e não mais em sujeito.” (SANTOS, 2007)

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O medo da cidade

se faz presente no cotidiano; quanto mais nos

restringirmos ao nosso espaço privado, mais perderemos a afinidade com a cidade e, dessa forma, alimentaremos ainda mais esse medo.

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Francesco Careri diz que hoje a segurança é a única categoria com a qual se desenham as cidades. Na América do Sul, caminhar significa enfrentar muitos medos. O medo da cidade é: o medo dos espaços públicos, de ultrapassar barreiras muitas vezes inexistentes e medo dos outros cidadãos, inimigos em potencial. O único modo de haver segurança é trazer as pessoas de volta às ruas, elas servem como um controle recíproco, evitando o uso de câmeras, muros, dessa forma reproduzindo uma cidade viva e democrática, onde podemos caminhar sem a necessidade de suprir conflitos, respeitando as diferenças, onde podemos protestar e reivindicar o direito à cidade. (CARERI, 2014)

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"As grades do condomínio São para trazer proteção Mas também trazem a dúvida Se é você que está nessa prisão..." Trecho da música "Minha Alma" de O Rappa

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O desenvolvimento da cidade de São Paulo trouxe coisas boas para seus habitantes, mas também disparidades sérias. Um espaço urbano humanizado só pode ser concretizado quando os automóveis deixarem de ser priorizados pelo planejamento e pelas novas arquiteturas. As arquiteturas por sua vez têm que cumprir o seu papel com a cidade e a sociedade, devem ser projetadas de forma mais generosa, atentas a escala do ser humano e não da forma egoísta que testemunhamos. Devem assegurar um melhor aproveitamento dos habitantes, privados e públicos, assim se tornarão um convite a participar da vida na cidade; as leis também têm o dever de tornar a arquitetura menos vítima dos interesses do capital.

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O declínio da indústria oferta espaços que podem ser usados para dar início as estas mudanças, principalmente nos bairros periféricos, que carecem de uma centralidade, pois são lugares esquecidos pelo poder público.

Todas

estas

ações

visam uma cidade mais humana, quebrando o ciclo vicioso do medo. A volta da apropriação da cidade pelos seres humanos pode dar um novo sentido ao desenvolvimento da cidade.

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ARTE COMO ESTRATÉGIA


“Observa que numa sociedade dividida pela luta de classes, o efeito ‘imediato’ da obra da arte requerida pela estática da classe dominante é o efeito de suprir as diferenças sociais existentes na plateia, criando, assim, enquanto peça, uma coletividade ‘universalmente humana’ e não dividida em classes” (BRECHT apud FISCHER, 1981)


Ernest Fischer explica em seu livro, sobre a necessidade da arte, que ela é uma forma de oferecer um estado de equilíbrio entre os homens e o meio circundante. Mesmo nas sociedades mais desenvolvidas, ainda existem muitas diferenças, não existe equilíbrio permanente entre os homens e o mundo que os envolve e nada indica que algum dia haverá esse equilíbrio. (FISCHER, 1981) Somos Humanidade, com diferenças sociais, culturais ou étnicas, diferenças estas que só nos enriquecem. São Paulo apresenta uma série de eventos, centros culturais e museus acessíveis, que buscam aproximar e propiciar encontros para maior socialização e troca de conhecimentos entre os seres humanos. Temos o exemplo de muitos projetos sociais que veem na arte uma arma importante no combate ao preconceito:

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O Instituto Baccareli

localiza-se na Estrada das Lágrimas, uma ação

civil que atende mais de 1300 crianças e jovens, oferecendo a formação musical e artística que visa propiciar desenvolvimento pessoal e profissional dos jovens de Heliópolis.

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INSTITUTO BACCARELI

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Instituto Religare promove ações no campo das artes, para a inclusão e difusão de cultura para jovens que cumprem ou cumpriram medidas sócio educativas. A fundadora Valeria di Pietro afirma em entrevista que o cidadão que tem acesso a produção artística consegue entender melhor a complexidade de sua própria vida e aprende a reinvindicar a sua participação na sociedade, desenvolvem autocrítica e a autoestima. Aposta no teatro como forma de desenvolver a cidadania em jovens em situação de violência. (LOPES, 2013) “Quando um indivíduo participa de uma apresentação teatral e se vê diante de uma plateia, ele pode reconhecer o seu valor humano por meio do olhar do outro” Valeria di Pietro

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Vira-latas de Aluguel, foi o projeto de uma peça que ocorria nas ruas de Heliópolis, inspirada na obra de Quentin Tarantino, Cães de Aluguel. Para assistir à peça era necessário pegar uma van no metro Sacomã, a encenação já ocorria dentro da van, nas ruas e dentro do Cine Favela. Tinha com o objetivo agregar a comunidade e desmistificar o conceito que muitos têm da favela, que só existem bandidos morando nela. O projeto gerou renda para o comércio local, desenvolveu pessoas.

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DIVULGAÇÃO DA PEÇA VIRA-LATAS DE ALUGUEL

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O CineFavela apresenta sessões regulares de cinema em Heliópolis, é uma iniciativa que já está em 7 comunidades, realizam festivais, receberam mais de 400 filmes para serem exibidos, em diversas comunidades, não só em Heliópolis.

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Todos os projetos citados reforçam a ideia muito boas de ações, educativas, culturais, mas são concentradas na comunidade, não criam laços com outras comunidades, não fazem a ligação. Novas iniciativas poderiam propor essa conexão com o externo como buscou fazer a peça Vira-Latas de Aluguel, a arte também serve como ponte nesse caso.

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“Só a arte, principalmente a teatral, pode ser mais excitante que o crime, mais poderosa que a morte, mais transformadora que a política.” Zé Celso

“O teatro sempre será o lugar onde nos encontraremos para nos lembrarmos uns aos outros que somos seres humanos.” Eduardo Wotzik

“A arte existe para que a realidade não nos destrua” Nietzsche

Frase retiradas do site da Escola SP de Teatro

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S A I C N Ê S R I E A F U E T R E J O PR SESC POMPEIA

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SESC POMPEIA


SESC POMPEIA | LINA BO BARDI A fábrica de Lina Bo mostra que é possível dar vida aos espaços abandonados pela indústria. O Sesc Pompéia oferece diversas atividades esportivas, educativas e culturais. Lina em seus projetos sempre buscou basear-se pelo lado humanista e ético, buscava amenizar as deficiências socioculturais ao aproximar a população local de sua cultura. (LIMA e FERNANDES, 2012) “A arquitetura de Lina Bo Bardi é inclusiva. Nada, ninguém é excluído destas construções, sempre aptas a misturar o velho e novo, arte popular e arte erudita, intelectuais e analfabetos, pobres e ricos, adultos e crianças, negros e brancos, o passado e o presente.” (LIMA e FERNANDES, 2012)

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Uma crítica que podemos fazer do Sesc Pompéia é sobre o seu entorno, que não oferece mais nada durante o funcionamento do Sesc, percebemos assim como uma única ação no território, mesmo sendo qualificada para isso, não o torna mais humano em relação a cidade.

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SESC POMPEIA


CENTRO CULTURAL SÃO PAULO | LUIZ BENEDITO TELLES O CCSP foi criado ao lado de avenidas com um fluxo muito intenso de automóveis e próximo ao metro, a escala e as aberturas foram criadas para atrair o público da calçada para dentro do edifício. Esse projeto me inspirou muito, pois a área do objeto proposto fica entre avenidas de tráfego intenso, e tem proximidade com o Terminal Sacomã (acesso ao metrô).

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O edifício de Telles, cumpre muito bem com a sua função, promove diversos eventos, possui no programa locais de estudo e reunião, biblioteca e teatro, ou seja, um pouco da mistura e complementação de programas que gostaria de propor em meu projeto, que juntos promovem um local de encontros de várias tribos.

CCSP

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CCSP

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OBJETO

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FUNDAMENTAÇÃO A localização do objeto criado é o ponto forte do trabalho desenvolvido. Em observação contínua, pude notar uma série de acontecimentos na área que indicam uma potencialidade, uma vocação que poderia ser melhor aproveitada: a passagem de um número significativo de pessoas por uma passarela que transpõe a Via Anchieta, nos períodos de entrada e saída dos alunos das escolas públicas localizadas no bairro Moinho Velho. Afora essas ocasiões, a passagem perde sua vida, ou seja, é usada somente para atividade de extrema necessidade; no bairro não há nenhum outro interesse que faça com que as pessoas usem a passagem ou permaneçam nas proximidades em outros períodos do dia. O desafio proposto é trazer essas pessoas para permanecerem no bairro, criar um objeto que consiga, associado a outras atividades, melhorar as condições atuais de abandono e insegurança da área estudada. A

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questão da humanização vem sendo muito debatida atualmente, apesar de ter começado a ser discutida muito tempo atrás, e é possível entrever uma tentativa

efetiva de progresso. A ideia é também conservar este

mote: quais são as medidas para trazer as pessoas de volta às ruas e o que realmente é necessário para se construir uma cidade melhor.

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LOCALIZAÇÃO Localiza-se na esquina da Via Anchieta com a rua Américo Samarone; podemos dizer que fica no início da Via Anchieta, do lado que dá acesso ao litoral. Próximo à favela Heliópolis e do Complexo Viário de Engenharia Mackenzie. O Terminal Sacomã também é muito próximo, da acesso ao Expresso Tiradentes e a linha verde do metrô.

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Os antigos moradores do bairro Moinho Velho contam que todos os vizinhos se conheciam, que as praças eram locais de grandes encontros. O bairro nasceu por conta do processo de industrialização, localizado no início da Via Anchieta, importante via expressa para o escoamento de produtos; se consolidou por conta da proximidade das indústrias, é predominantemente residencial. Hoje, com o deslocamento das indústrias, existem muitos galpões abandonados próximo ao complexo viário Escola de Engenharia Mackenzie, criado para desafogar o tráfego. Os espaços vagos, a ocupação estritamente residencial e o isolamento causado pelas vias expressas transformaram o bairro em uma ilha; o acesso de pedestres é exclusivamente feito por passarelas; o uso do carro é priorizado pelos moradores da região, o que aumenta consideravelmente o trânsito.

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TERMINAL SACOMÃ

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Outras atividades dentro do bairro, comerciais ou culturais, raramente dão certo, fora as institucionais, como as escolas e outras pequenas fábricas, que forçam a movimentação de pessoas, mas que são insuficientes para trazer a vida ao bairro. A proximidade com Heliópolis entra como um “vetor” de mudança. Onde no passado eram chácaras, uma ocupação informal cresceu rapidamente e começou a se desenvolver ao longo dos anos. E deveria ser usada algumas vezes como referência para o bairro estudado, pois existe muito mais vida do outro lado da Anchieta do que no bairro formal. É principalmente de Heliópolis que têm origem os deslocamentos feitos via passarela: muitos cidadãos do lado de lá trabalham ou estudam no bairro Moinho Velho.

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COMPLEXO VIÁRIO DE ENGENHARIA MACKENZIE

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CONTEXTO O bairro onde se localiza o projeto tem uso misto: a maior parte da ocupação é residencial e entre as residências existem algumas empresas de pequeno porte, escolas públicas e particulares, pequenos comércios. Em contrapartida, o comércio, que poderia dar vida ao bairro, é muito fraco; embora venha se fortalecendo ao longo dos anos, ainda não é suficiente. O que observamos é um bairro onde a única padaria existente não abre aos domingos, os poucos comércios que existem fecham às 17 horas (no mais tardar às 18 horas). A partir de então o que se vê é um fluxo de trânsito completamente diferente de qualquer outro horário do dia e um bairro completamente morto. Muitas ocorrências de violência e assalto são registradas a partir desse período do dia, o que faz com que a vizinhança se locomova apenas de automóvel.

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A proximidade com Heliópolis também revela a segregação social e a discriminação, intensificando o medo da cidade, que é fundamentado pela aproximação de pessoas diferentes, que não pertencem a determinado grupo social, sabendo-se que é justamente o afastamento das pessoas que propicia a violência e aumenta ainda mais as segregações e preconceitos.

FAVELA HELIÓPOLIS

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Centro Cultural Municipal público, com atividades que atinjam um público variado, desde adolescente a idosos. Espaço com atividades que acontecem ao longo do dia, que trazem vida à região. É importante frisar que, a partir de estudos realizados para o projeto, percebi que uma única ação nesse território não é suficiente, ela é apenas um fragmento de toda uma rede de programas que já existem nas proximidades e de possíveis programas futuros, como um catalisador de pessoas.

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Teatro | Auditório Espaço dedicado a diversos eventos e à capacitação de jovens por meio da arte. O teatro serve, nesse caso, como um dos apoios na criação de um “complexo” cultural. O teatro em si aproxima muito as pessoas, existem programas sociais como a Religare, que conseguem inserir e reinserir jovens na sociedade.

Ateliês Desenvolver espaços de encontro e oficinas focadas na arte, como oficinas de grafite, escultura, artesanato, que atingem público variado.

Restaurante | Lanchonete Serve de apoio, pois no bairro em questão faltam muitos equipamentos que auxiliariam a visita de usuários que não vivem nas proximidades, além de ser suporte para as atividades cotidianas do complexo.

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Dança | Música De acordo com as dinâmicas já existentes, a dança atrai pessoas de diversas idades, sendo também um meio de difundir nossa cultura através de ritmos brasileiros, com aulas de maracatu, capoeira, samba, ou seja, pontos em comum da cultura brasileira.

Infocentro Apoio aos colégios do bairro, aulas e oficinas, acesso livre à internet.

Área de Estudos | Biblioteca Apoio aos colégios do bairro, os estudantes têm um espaço livre para se reunir.

Espaços de Permanência | Eventos | Agenda Cultural Para serem ocupados por eventos ocasionais.

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FORMALIZAÇÃO DO PROJETO A proposta se concentra em seis pavimentos dedicados aos diversos tipos de atividades culturais que funcionam ao longo do dia. Uma das estratégias é a continuidade da passarela pelo projeto, sua reformulação, ou seja, convidar os usuários que passam por ali diariamente a se apropriar do espaço criado. Seus acessos estão no mesmo nível (passarela, arena criada e praça existente), nesse nível o acesso pode ser feito através de elevadores e rampa para o primeiro pavimento, há também o acesso à arena central que proporciona o espaço de permanência junto à praça existente. A ideia da inclinação da fachada da Via Anchieta é fazer com que os usuários tenham a vista direcionada para Heliópolis e para o complexo viário. Para quem está do lado de fora é possível também observar o centro cultural em atividade.

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NÍVEL ANCHIETA

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NÍVEL SAMARONE + PASSARELA

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10.2014

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho nasceu da minha evolução, durante cinco anos, como estudante de arquitetura, cidadã e ser humano. O medo da cidade fazia parte do meu cotidiano, ele regulava os lugares por onde eu passava. Por estudar no centro, os familiares sempre diziam: “Tome cuidado, o centro, ou a ‘cidade’ (como muitos usam para se referenciar ao centro), é muito perigoso, ‘tem de tudo’”. Contam que na infância brincavam nas ruas da cidade sem medos; mas que nos dias de hoje isso é improvável. Sempre quis viver nessa cidade que eles testemunharam, mas não encontrava nenhuma forma de acreditar que seria possível com o que eu vivenciava.

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Ao desvendar os caminhos do centro pela necessidade e pelo estudo, passei a entender os seus problemas e suas belezas, passei a sentir mais segurança, mas também percebi que era mais complicado andar nas proximidades da minha casa do que andar pelo centro. O “tem de tudo” passou a ser uma solução na minha nova visão de centro, de “cidade”. Moro no Moinho Velho desde que nasci, meus pés aqui sempre tiveram quatro rodas, para ir ao mercado, à padaria, ao colégio, ou seja, o carro sempre foi a única opção. A expansão da linha verde melhorou a locomoção, mas o carro ainda se faz necessário para ir até o metrô. Como atravessar tantas passarelas vazias em certos horários? Depois da primeira barreira ultrapassada com a maturidade, a do medo de andar pela cidade, comecei a observar os lugares em que me sentia segura e com vontade de frequentar, mas também o que me incomodava nessa cidade. O novo olhar de estudante de arquitetura mudou muito os meus conceitos e

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trouxe a vontade de explorar ainda mais essa complexidade. Em São Paulo há coisas muito interessantes que antes eu não sabia aproveitar; ao voltar para casa, não sentia falta apenas de um comércio ou de uma padaria, sentia falta das pessoas e de toda essa diversidade que observava no centro e em outros lugares da cidade. Nos estágios e na faculdade, conhecendo as arquiteturas que atendem a maioria da população através das grandes construtoras, sendo elas construídas com unidades cada vez menores, com muros altos e muitos pavimentos dedicados aos carros particulares, fiquei um pouco decepcionada. Estagiar com consultoria para aprovação de projetos ficou difícil a partir do momento em que aprendi que é possível aprovar um edifício, em um terreno com saída para duas ruas, com muro de 4 metros bloqueando uma das ruas; projeto este aprovado porque a legislação permite e não indica qual é a melhor

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solução para o empreendedor, mas através das brechas da lei que ele consegue fazer da sua vontade, uma nova lei, a lei do capital. Mais uma vez vemos a humanização sendo bloqueada através da arquitetura, que, atendendo ao clamor da falta de segurança, de espaços públicos de qualidade, da priorização do automóvel, se vê arrastada ao que a cidade de São Paulo nos oferece hoje nas periferias. Dessa forma, o meu projeto propõe para a periferia uma forma de unir, de conviver, de assegurar um espaço onde o ser humano de qualquer condição social, cultural, étnica, tenha acesso ao conhecimento e lazer, através de programas que façam do meu bairro um novo ponto de encontro, uma nova centralidade com os bairros vizinhos, hoje isolados pelas passarelas, pelas vias expressas e principalmente pelo medo, do cidadão para com o outro cidadão.

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O objeto não se localiza na centralidade de nenhum bairro, mas em espaço de ligação entre bairros, que até mesmo durante a execução do projeto dificultaram meu acesso. O que proponho é eliminar justamente essas dificuldades de acesso aos meus vizinhos; sonho em realizar eventos onde o ser humano será visto apenas como ser humano e não catalogado como castas. A utopia tem força de sonho na minha Arquitetura, mas acredito que na arte todo sonho é possível. O meu projeto busca uma nova realidade, difícil de ser concretizada sobretudo pelo principal beneficiário que é o ser humano. Entretanto, a sustentabilidade é ponto fundamental para o progresso de uma cidade, mas considero que a cidade tem que crescer fazendo o seu habitante evoluir; o ponto central do meu projeto arquitetônico é a Humanidade.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente à Marcos Casagrande e Solange

Casagrande pelo apoio e incentivo á realização desta conquista, da paciência e compreensão neste período de cinco anos de muitos esforços para ela ser realizada. A toda a minha família que contribui e me inspirou sempre.

A todos os mestres que passaram pela minha formação. Aos queridos

professores que nas etapas mais difíceis e determinantes dessa trajetória, nos deram a vontade de continuar, de nunca perder o brilho nos olhos, que nos incentivaram a ser profissionais éticos, responsáveis e felizes.

Todos os colegas em especial da turma 409, que foram amigos, conselheiros,

cúmplices, só enrriqueceram ainda mais esta jornada. Também aos colegas do Escritório Modelo Mosaico, de diversos semestres, que também viraram grandes amigos e me inspiraram muito para a realização deste trabalho.

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BIBLIOGRAFIA CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo, Editora G. Gilli, 2013. FICHER, Ernst. A Necessidade da Arte. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. GEHL, Jean. Cidade Para Pessoas. LIMA, Evelyn Furquim Werneck, FERNANDES, Cássia Maria. Entre arquiteturas e cenografias: a arquiteta Lina Bo Bardi e o teatro. Rio de Janeiro, Contra Capa, 2012. HALL, Edward T. A Dimensão Oculta. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1989. SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. – Editora Universidade de São Paulo, 2007. Instituto Baccareli <http://institutobaccarelli.blogspot.com.br> acesso: jun/2014 Instituto Religare <http://pontoculturareligare.wordpress.com> acesso: nov/2014

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LOPES, Bárbara. REVISTA VIDA SIMPLES: Um café com: Valeria di Pietro, atriz e arte-educadora. São Paulo: Editora Abril. Edição 137 - novembro de 2013

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