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2008 2008 NOVEMBRO NOVEMBRO
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Paralela
Equipe
Colaboradores Maria Emanuela Vasques Alves, 24 Manu é jornalista e gosta das artes, principalmente música e cinema. Admira o trabalho de Beck, Strokes, Radiohead, Tarantino, Richard Kelly, Gondry e Kaufman, mas como feminista – no bom sentido – prefere Cat Power, indo aos dois shows dela em 2007, e Sofia Coppola, cineasta de quem ela revê todos os filmes, quase sempre, nos seus dvds originais. manuualves@hotmail.com
Natalia Christofoletti Barrenha, 22 2
Apaixonada por cinema e literatura, candidata à crítica e manteiga derretida que chora por toda e qualquer coisa. Avessa aos haicais e ao Antonioni, amante da nouvelle vague e de Cortázar, sonha passar muitas temporadas em Cannes, aprender francês e escrever (publicar também!) um livro. natibarrenha@hotmail.com
Natália Tamaio de Almeida, 21 Natália é uma menina-mulher, daquelas que surpreendem a gente a todo instante. Ela pode rir como uma criança no momento mais inesperado ou cometer a travessura de comer uma panela de brigadeiro em um domingo à tarde. Mas ela também é daquelas mulheres decididas, que sabem e vão atrás do que querem. E são essas duas faces que compõem a jornalista, que tem a garra necessária para ir atrás da notícia e a sensibilidade de um poeta para escrevê-la. nattamaio@gmail.com
A Revista Paralela é uma produção realizada como Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação do Prof. Dr. Mauro Ventura, na FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação/UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Impressão: Gráfica DPI 2008 Foto de Capa: Reprodução (Maria Emanuela Vasques Alves)
Ana Carol Lahr, 22 Olhar blasé e dragão estampado nas costas, Ana Carolina Lahr é menina prendada que costura, pinta e borda. Freqüentadora assídua de academia e adepta às latas de leite condensado em dias estressantes, ela é uma jornalista das passarelas e faz o ensaio desta edição. carol_lahr@yahoo.com.br
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Cesar Augusto Rodrigues, 24 Cesar nasceu em São João da Boa Vista com quase um século de atraso. Pretenso poeta, corinthiano, fã de cinema, literatura, vanguarda, rock n’ roll e biografias trágicas, arrisca escrever poesia, ensaio e até alguma ficçãozinha das que vencem por nocaute. cesarasrodrigues@gmail.com
Isaac Pipano, 21 Isaac é estudante de jornalismo e candidato a escritor, misto de músico frustrado e crítico de brincadeira, dono de gargalhada constante e inflamada, são-paulino só em dias de título e não assina seus próprios perfis. isaacpipano@gmail.com
Entrada Natalia Barrenha
E lá se foram elas tentar a sorte juntas. Tentar alocar borboletas no juízo das pessoas e graça nos olhos. Aqui, andando por linhas paralelas e por um teto todo seu, entre a plástica das artes e a virtualidade posta aos mesmos propósitos dos gramofones, passando pelo torpor de uma tela grande, por versos impressos em catacumbas, por literatas até... Até lugar nenhum. Não as apetece proporcionar respostas a nada, ou a tudo, ou a qualquer coisa que seja. Talvez epifanias, que são muito agradáveis, aliás. Mas acreditam que isso também elas não possam fazer, que pretensão, e nem é da conta delas. Quiçá, a intenção seja proporcionar só um lazer desinteressado? Mas isso não vale de nada para elas, para quê todo o trabalho: melhor deixar isso para Hollywood, que, inclusive, o faz muito bem (aliás, que beleza o Batman lançado este ano, não?). E porque foram se meter a fazer uma coisa dessas? Primeiro, por força do destino. Não propriamente do destino, elas sabiam que estariam sujeitas a este trabalho logo que entraram naquele admirável mundo novo que era a faculdade. Depois, porque as idéias vêm, elas são inevitáveis, impossíveis, acabam com a gente. E elas estavam lá, as meninas e as idéias. E agora ela está aqui: a revista. Não que esse seja um bom nome – não querem revisitar nem revistar nada ou ninguém –, mas não se importam, é o nome convencional e, como sabemos, os signos nem sempre tem a ver com o significante. Por isso gostam ainda mais da língua portuguesa, e também por isso se meteram numa coisa dessas – para usá-la e abusá-la. Para colocar borboletas no juízo e graça nos olhos.
X-Offender
HEY
BLONDIE !
Se Blondie é a banda, vou falar mesmo é da Debbie. Texto: Maria Emanuela Alves
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Fotos: www.flickr.com
8 Não há como pensar em Blondie, a banda, sem associá-la à sua frontwoman e também blondie, Deborah Harry. A loira, que de autêntica só não tinha a cor do cabelo, marcou uma época em que o cenário musical precisava de um novo fôlego e o punk já não causava mais tanta anarquia. Final da década 1970, era a vez do new wave, uma vertente debochada do rock que podia ser resumida em abuso de sintetizadores e teclados, maior sofisticação musical e sonoridade mais divertida, tanto nas melodias quanto nos temas das músicas. Debbie, que sempre sonhou em ser cantora, mudou-se para Nova York decidida a seguir seu sonho. Lá trabalhou em supermercado, salão de beleza, foi secretária, garçonete e coelhinha da Playboy, até fazer parte do grupo glitter-rock The Stilettoes, descolorir os cabelos e conhecer seu parceiro de banda e namorado, Chris Stein. Os Stilettoes passaram a se apresentar no lendário berço do movimento punk, o bar CBGB’s. O grupo se separou e novas formações aconteceram até chegarem ao definitivo Blondie. O reconhecimento da banda veio com os dois primeiros singles, X-Offender e In the Flesh, que apesar de não tão bem sucedidos, renderam um contrato para
a gravação do primeiro álbum, o homônimo Blondie, de 1976. Em 1977 gravaram o álbum Plastic Letters, mas foi com Parallel Lines, de 78, que o Blondie alcançou reconhecimento, criando um som próprio dentro da estrutura pop contemporânea da época. O álbum continha todos os elementos que fizeram da banda o que era e ainda é: letras comerciais bem escritas e executadas dentro da acidez do punk mas com o frescor do new wave, guitarras divertidas, batidas dançantes, tudo interpretado pelo talento vocal indubitável e a presença, por vezes bizarra, mas super atraente, de Debbie Harry, representante máxima do grupo. Parallel Lines é uma síntese do lado mais cru do punk com o melhor do pop dos anos 60, misturados ao glamour do new wave. Sem dúvida o single que marcou o disco é Heart of Glass, um lamento de amor descrito em sua forma mais simples e completa, impulsionado pelos vocais de Debbie. Mas Parallel não seria tão grandioso por apenas uma faixa, há também outras tantas preferidas como Hanging on the Telephone, One way or another, Pretty Baby, 11-59, I’m gonna love you too.
Os trinta anos de lançamento do mais famoso, e porque não, melhor ábum da banda, serão comemorados com uma turnê mundial de retorno do grupo e uma edição comemorativa chamada Parallel Lines (30th Anniversary Edition), que inclui o disco original, quatro temas bônus, um DVD com três vídeos e uma atuação inédita no já extinto Top OF The Pops, da BBC. Ainda faz parte desta edição especial um livro de fotografias com uma sessão feita há 30 anos para o álbum original. Pode-se dizer que muito do que foi o Blondie deve-se à própria Debbie. Ela foi pioneira nos vocais femininos de destaque dentro do new wave e primeira pinup do rock, com seu rosto grande e anguloso e o biquinho inocente, combinando glamour e rebeldia que a tornaram o símbolo do grupo. Debbie inspirou tendências de moda tanto quanto foi sex simbol, e traduzia como ninguém o espírito das roupas vintage como quando se apresentou no palco com um cafona vestido de noiva dizendo ao público que era o único modelo que a mãe dela gostaria que usasse. Os meninos a queriam e as meninas queriam ser como ela. A cena pop musical da época não estava acostumada com divas e Deborah garantia
seu lugar no posto. Ela escreveu a maior parte do repertório do grupo e até mesmo o nome da banda surgiu por causa de Debbie, que chamava atenção por onde passava arrancando gritos masculinos (hey blondie!) clamando por um simples aceno da loira platinada. Muitos até pensam que Blondie seja o apelido de Debbie, uma confusão que não agrada muito a banda. Broches com os dizeres “Blondie é um grupo” chegaram a ser lançados para tentar esclarecer qualquer dúvida a respeito, mas, trabalhando em um gênero musical dominado por homens, não teria como ser diferente. Na época, Patti Smith era a grande estrela feminina do rock em Nova York. O visual guttersnip de Patti estava em alta e houve pressão para que Debbie explorasse o estilo “sujo” de Smith na tentativa de alcançar mais espaço. Mas a loira se manteve fiel às mini saias e aos saltos super altos e finos, que mais tarde definiriam seu estilo. Com a passagem do punk foi o visual de Debbie, uma mistura dos anos 60 com glamour e elementos do rock, que ficou no topo. E Debbie, parecendo já saber o que viria, já avisava em um dos hits de Blondie: “One way or another, I’m gonna find ya’/I’m gonna get ya’, get ya’, get ya’, get ya’.” ll
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Baú
Quem tem medo de
Virginia Woolf?
Nas palavras da própria Orlando, essa é simplesmente a história de alguém que busca “a vida e um amor” Natalia Barrenha
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meramente humano – Virginia leva o leitor a esse saboroso engano -, as aventuras de Orlando são tomadas como quaisquer acontecimentos cotidianos: como um belo dia quando Orlando simplesmente acorda mulher. Sem dissociar as obras de sua vida – sempre -, Virginia utiliza a androginia, a desconstrução e a idéia de homens e mulheres como seres incompletos em um texto repleto de regalado humor, de onde emergiram burburinhos sobre um suposto biografado real: Vita Sackville-West, a mulher que obcecava Virginia e para quem Orlando teria sido escrito como uma extensa carta de amor. Famosa até hoje por seu conturbado amor pelas mulheres, Virginia teve um casamento (heterossexual) feliz, e uma vida atrapalhada pela loucura e pela depressão. Sentindo-se incapaz de controlar a vida, realizou diversas tentativas de suicídio até encontrar-se definitivamente com a morte, quando, excelente nadadora que era, afogou-se em um rio com os bolsos abarrotados de pedras. Enquanto isso, Orlando sobrevive imortal com seus fluxos de consciência, recriando o ambiente mágico de sua vida também em filme (Orlando, de Sally Potter, 1992), peças de teatro (a montagem brasileira é de Bia Lessa), e como um grande exemplar do modernismo inglês e o ápice da literatura de Virginia Woolf. II
(Orlando pode ser encontrado em qualquer livraria em diversas edições, diversas línguas e diversos preços: de R$ 9 a R$90)
sexualityinart.wordpress.com
O que aconteceu hoje de manhã?” - ela perguntava aos sobrinhos durante o chá, toda tarde, acrescentando que as coisas só acontecem se são escritas. E depois ia para o campo gritar frases só para dar ritmo a elas. Considerada a “Proust inglesa”, Virginia Woolf tinha uma mesa especial para escrever em pé – como ela mais gostava. E assim escreveu seus dois primeiros livros, A Viagem (1915) e Noite e Dia (1919), que ainda seguem, como ela mesma dizia, a “horrível missão narrativa do realismo”. O Quarto de Jacob, de 1922, marca o corte definitivo com a tradição e a transforma na pioneira do modernismo na literatura inglesa, além de revelar a alma feminina em meio a um universo literário dominado pelos pontos de vista masculinos. Com o constante deslocamento do sujeito em seus escritos, Virginia lança, ainda na década de 20, Mrs. Dalloway (que deu origem ao livro e respectivamente ao filme As Horas) e o delicioso Rumo ao Farol, nos quais examina presente e passado, limita o tempo da ação e emprega recursos poéticos para retratar a experiência individual de suas personagens. Em 1928, atira-se na talvez mais woolfiana e - com certeza mais brilhante de suas obras: a biografia fantástica de Orlando. Novamente e definitivamente, em Orlando os traços realistas ficaram de fora para dar lugar à exploração dos limites da consciência humana e à reflexão sobre o efeito do tempo no homem. Improvável saga de um ser imortal, Orlando atravessa os tempos fazendo um paralelo com a história da Inglaterra, de 1600 até o ano em que o livro foi escrito. Charmosamente descrito como
Futurível Isaac Pipano
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s operações que envolvem sistemas digitais trouxeram novas perspectivas quanto ao uso de cores, formas e representações. Softwares específicos para ilustrações e pintura geraram a concepção de um ideal de arte que, se é absolutamente imanente à pintura em sua essência, difere-se dela por apresentar possibilidades distintas de construções variáveis, já que as imagens são geradas não mais por um meio táctil – como tinta e pincel – mas por uma ferramenta virtual. Assim, a computação gráfica apropriou-se de ferramentas características da pintura e das artes plásticas para construir um meio de representação próprio. Dentre essas representações estão os desenhos vetoriais, imagens geradas a partir de descrições geométricas e valores matemáticos, ao contrário dos bitmaps – gerados pelos minúsculos pontos chamados pixels. As Curvas de Bézier, estruturas básicas dos desenhos vetoriais, permitem que entre as linhas de cada desenho sejam criados laços manipuláveis. São esses segmentos de reta que darão forma às idéias. Como não são baseados em pixels, os desenhos vetoriais podem ser redimensionados sem perder qualidade, criando múltiplas possibilidades de representação e impressão. Nas próximas páginas serão apresentadas algumas obras vetoriais do artista plástico Paulo Flatau, que representa sua identidade artística através de referencial pessoal. “Faço questão de criar uma atmosfera de mistério sobre a técnica. Uso referências contemporâneas da arte urbana, como o grafite e a moda, repaginando-os com elementos vintage”. Das diferenças substanciais entre sua obra e a de outros artistas vetoriais, Flatau comenta a obsessão pela técnica em busca da impressão de movimento constante. “Em minhas composições, a presença da forma triangular é marcante, parece organizar e harmonizar os visuais caóticos”. II
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Last ponto o quê? Rádio virtual quebra barreiras de possibilidades a serem exploradas pelos usuários. Texto: Maria Emanuela Alves Imagens: arquivo pessoal
Martin Stiksel, 33, Masculino, Reino Unido
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úsica boa, música ruim, lenta, agitada. Há quem se importe mais com, há quem nem sequer um rádio tenha. Mas na geração do êfemero, querer sempre mais também inclui a música e a curiosidade por ela. A acessibilidade que a Internet permitiu trouxe consigo a dificuldade de se encontrar diante das vastas possibilidades musicais. Para quem acha que a vida deveria ter trilha sonora mas não sabe como organizá-la, a melhor opção é deixar um site de recomendação musical fazer o trabalho pesado. Aprender o que o usuário gosta de ouvir e assim ajudar na construção do site. Essa é a proposta da Last.fm, uma mistura de rede social, sistema de recomendação e rádio online, que reúne uma comunidade virtual com foco principal na música, onde são trocadas informações e recomendações musicais entre pessoas do mundo todo. Fundada no ano de 2002 no Reino Unido, o site é atualmente a maior rede social de música na Internet, com mais de 21 milhões de usuários ativos em mais de 230 países, e no Brasil, é queridinha principalmente entre os jovens. No site, cada usuário possui um perfil baseado em suas preferências musicais, e as faixas ouvidas são registradas por meio de um plug-in instalado no aplicativo de execução de músicas do computador do usuário. O perfil vai sendo construído aos poucos através do repertório ouvido, e poderá conectar o usuário a outras pessoas que possuem gostos musicais parecidos. Segundo os criadores do site, o objetivo da Last.fm é democratizar a cultura da música; assim, as pessoas ouvem o que elas querem, quando
querem, sem qualquer intermediário tomando decisões por elas. “A idéia é que esse serviço funcione como aquelas visitas que você faz à casa de um amigo. Ele lhe mostra seus discos preferidos e você percebe que estes lhe agradam também, porque vocês dois têm afinidades”, disse em entrevista ao jornal Folha de São Paulo Martin Stiksel, um dos três fundadores do site. O estudante Gabriel Corbini, 23, relutou em participar da Last por dois anos, mas quando viu o quanto poderia explorar percebeu como poderia ser interessante fazer amigos ao mesmo tempo em que ouvia música. “Sempre que lembro dou uma olhada nos meus vizinhos, tem gente que está lá faz muito tempo; deve ser minha ‘alma gêmea’! Com algumas pessoas acabei criando contato, pois as encontrei em shows. Aproveito para treinar outras línguas, como o espanhol, com usuários de outros países”, conta. Os vizinhos de que falou Gabriel são os usuários automaticamente relacionados ao perfil por meio da afinidade musical. Assim, a primeira coisa que se sabe de um vizinho é que gosta, senão das mesmas músicas, de estilos semelhantes a você. Logo, o interesse em conhecer pessoas e o que elas gostam de ouvir torna-se muito maior. “No começo, a Last era usada apenas pra ouvir música. Aos poucos acessando e prestando atenção na vizinhança e, ao entar em outra página e ver o grau de compatibilidade topado era inevitável um: ‘nossa, que belo gosto musical’”, comenta a estudante Talita França, 24. Outro diferencial da Last é a interatividade, estimulando a participação do usuário na construção
execuções desde 4 Mai 2004
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Talita, 24, Feminino, Brasil execuções desde 7 Fev 2008
Gabriel, 23, Masculino, Brasil execuções desde 30 Abr 2006
www.flickr.com
24 Painel de álbuns mais ouvidos gerado pelo sistema da Last.fm
em uma rádio convencional. Para quem quer ser ouvido, nada melhor do que criar o seu perfil. Gravadoras e artistas são encorajados a promover suas produções por meio da Last; cada artista pode ter sua própria página, criada por ele ou por ouvintes, que podem modificar descrições, fotos, comentar o perfil ou, ainda, ligar a página a blogs dentro do site. Estando relacionado a outros artistas, a possibilidade de ser ouvido acaba sendo grande, e tudo isso sem precisar pagar nada. Quem ganha são os ouvintes, já que hoje não é preciso muito esforço para conhecer uma banda de outro país ou descobrir e encontrar aquela música daquele comercial. Para Stiksel, atualmente a hierarquia de produção e consumo se inverteu. “É o melhor momento na história da música para os ouvintes. Eles têm poder para pressionar os artistas por qualidade. Podem até alterar capas de CDs se não gostarem das originais. Artistas e indústria não
A Last mais bonita
Além de preocupação com a qualidade dos serviços em relação ao aspecto musical, na Last.fm há também um cuidado com o visual da página de cada usuário. Recentemente o site passou para versão beta, que deixou as páginas com um aspecto mais bonito, e mudar a da cor do alto da página é apenas uma das opções para personalizá-la. Sites como o Master Giraffe, por exemplo, possibilitam transformar em composição visual a lista de artistas do perfil do ouvinte. Quando a lista está pronta ainda é possível escolher fonte, cor da fonte, do fundo, armazenar sua lista na galeria do site e ver listas criadas por outras pessoas do mundo todo. O nome do brinquedo online que cria “nuvens” de palavras a partir de qualquer texto é Wordle. O mais legal é que se pode fazer listas de qualquer coisa, trabalhando numa espécie de arquitetura virtual com palavras. Ficou com vontade de ter o seu? É só entrar aqui: http://www.mastergiraffe.com/index. php/music/turn-your-lastfm-profile-into-a-wordleimage/, colocar o nome de usuário da Last.fm no campo indicado e voilá! Sua “obra de arte” para ver (e ouvir) está pronta para ser exibida onde achar melhor.
www.mastergiraffe.com
e modificação constantes do site. Um exemplo é a classificação de faixas por meio de tags, ou etiquetas. “As tags são úteis para conhecermos coisas novas. Hoje mesmo queria lembrar o nome de uma banda francesa, cliquei em Nouveau Rock Français e achei”, explica Gabriel. Com as tags as canções são nomeadas de acordo com os critérios pessoais de quem as ouve, e a classificação é registrada e mantida pelo sistema, o que dá ao usuário a idéia de algo mais pessoal, feito por ele e para ele. “É a comunidade de ouvintes que constrói o conhecimento da Last.fm. Nós fazemos uma primeira análise das músicas e estabelecemos relações entre elas. Depois, é o ouvinte que alimenta e transforma esse sistema”, falou Stiksel para Folha. O estoque de músicas disponíveis na Last.fm contabiliza mais de 100.000 faixas que não podem ser baixadas (mas existem algumas faixas disponíveis para download dentro do site), e são executadas como
terão outra alternativa senão trabalhar mais para agradar”, falou para o jornal Folha de S. Paulo. Gabriel acrescenta: “o mp3 revolucionou a música. Há dez anos era impossível conhecer um artista novo das Filipinas; hoje com poucos cliques você consegue baixar o cd dele, fazer uma comunidade no Orkut e organizar uma petição para trazer o show para o Brasil. Sites sobre música alternativa são verdadeiros missionários tentando difundir bandas excelentes para um público maior”. A associação de cada vez mais pessoas às redes sociais de música tem provocado mudanças no mercado fonográfico e no comportamento das grandes corporações da música. Para Adilson Cabral, doutor em Comunicação Social e professor na Universidade Federal Fluminense, o mercado aproveita a situação para experimentar possibilidades e “utilizar as redes sociais de tal forma que irão saturar, até o mercado perceber que é preciso usá-las com parcimônia e de modo adequado a como estão construindo marcas ou pensando promoções pontuais. E cada qual buscará seu caminho diante do mar de informações que é a Internet”, disse. A classificação do mercado em nichos também tem ficado cada vez mais difícil diante de tantas novidades de estilos que surgem e da conseqüente variação das preferências musicais dos ouvintes. “Antigamente, uma pessoa tinha umas 20 bandas preferidas, de um ou dois estilos, por toda a vida. Hoje elas têm 50, 100, e de diferentes gêneros, porque podem escolher, solicitar e rejeitar tudo com mais facilidade”, explica Stiksel. Se a Web 2.0 parece inovadora, não se impressione. Plataformas mais modernas já são vislumbradas por quem conhece o assunto. “Web 3.0 é a chamada web semântica, caracterizada pela organização de conteúdos para atender interesses dos usuários. Além disso, mecanismos de busca que funcionem a partir de outros suportes que não o texto, mas imagens, áudios vídeos. Acredito nesses caminhos como ponto de virada”, aposta Cabral. Nós ouvintes agradecemos com ouvidos bem abertos. II
Last mais bonita
Wordle de lista musical
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Conversa caótica qu e leva a tudo
À beira da piscina Água, torpor, ambigüidade, decadência e a maior cineasta argentina contemporânea Texto: Natalia Barrenha Fotos: Isaac Pipano
alar de um cinema tão particular como o da argentina Lucrecia Martel não é nada fácil. Difícil enquadrá-la em gêneros, tipologias, redes de afinidades. Enquanto se assiste aos seus filmes, cheios de peculiaridades e sensitividade únicas, tem-se a impressão de que nada acontece. E essas sutilezas nos pegam depois, despercebidos, sem parar de pensar naquilo que não aconteceu. Exatamente o que ela quer com isso: permitir que os espectadores alcancem uma leveza que os faça ter outras idéias, outras reflexões - que muitas vezes, não têm nada a ver com o próprio filme. Lucrecia Martel fez seus primeiros contatos com o cinema após ganhar uma câmera do pai, aos nove anos. Não se cansava de filmar a família, em Salta, província distante 1600 quilômetros ao norte de Buenos Aires, onde nasceu em 1966 e viveu até os 19 anos – apesar de voltar pra lá toda vez que está criando algo novo. Em Salta também foi rodada toda sua filmografia até agora – não à toa. “Não consigo filmar em outro lugar, apesar de em Buenos Aires ser muito mais barato fazer filmes. Em Salta se unem certas décadas e pessoas, há sabores dos quais eu gosto e conheço bem, há uma geografia inventada, na qual consigo localizar a história”, diz ela. Alguns apontam em suas obras um silêncio a la Antonioni, um onírico lynchiano ou alguma coisa de Cassavetes, além de características narrativas que lembram a literatura de Faulkner. Mas, as inspirações de Lucrecia não vêm de nenhuma cultura cinematográfica. “Não foi o cinema que mais me determinou. O mais próximo disso é a minha câmera da infância. Eu não me baseio em cinema para fazer cinema, eu não faço parte de uma comunidade cinematográfica neste aspecto. Também levei muito tempo para saber que eu ia fazer cinema pelo resto da vida, que aquela era minha profissão”. Ela ri ao contar que se põe em maus lençóis toda vez que lhe perguntam sobre suas influências. “Me criei em um lugar onde não havia a possibilidade de cinefilia. Só haviam os westerns da tevê – que me gustan mucho - e os cinemas da cidade, que se revezavam entre filmes pornôs e hollywoodianos. O que me determinou foram as narrativas orais de Salta, principalmente as de minha avó, que contava histórias de Horacio Quiroga [escritor muito popular na Argentina] que me fascinavam, pois eu sempre achava que eram histórias que haviam acontecido à minha família”. Além disso, Lucrecia diz que é apaixonada pela saga de Alien e,
“como a maioria das pessoas ignorantes”, ela gosta de quase tudo o que vê. Ao filmar a família, ela conta que começou a perceber e a compreender outras formas de narração e algumas instâncias audiovisuais. O velado, que não se dizia e afetava a todos, a sensualidade e o intercâmbio de pessoas foram outras chaves que a aproximaram do cinema. Ficções - Seu processo de produção de roteiro relaciona-se intimamente com a conversa. Ela explica que, quando as pessoas conversam, as coisas se juntam de maneira caótica, e os objetivos são imprecisos. “No processo da conversação há uma diluição das pessoas que conversam e uma diluição do tempo, que ao mesmo tempo pode também ser condensado: as pessoas vão para o passado, futuro, se perdem na infância... E é isso que me determina na minha criação, a estrutura da fala, da linguagem e da forma de conversar”. Quando era pequena, Lucrecia costumava acompanhar a avó nas visitas às amigas doentes, e se surpreendia com a deriva dos temas, a manipulação do tempo e as más intenções expostas de maneiras tão delicadas, por certas vezes, durante os bate-papos. Além disso, se recorda muito bem das conversas que tinha com a mãe após mudar-se para Buenos Aires, nas quais “a mutação e metamorfose permanente da realidade, a impossibilidade de chegar a um objeto e a sensação de estar perdendo tempo” também motivaram o interesse pela sétima arte. Realismo - Lucrecia se mudou para Buenos Aires em 1986. Estudou Animação e Ciências da Comunicação. Ajudava amigos na produção de algumas películas, e em 1988 começou a dirigir seus próprios curtasmetragem, entre os quais se destacam El 56, Piso 24, Besos rojos e Rey Muerto, este último participante da coletânea de curtas Historias Breves, que reuniu produções de novos cineastas argentinos selecionados em uma mostra, revelando grandes talentos e dando origem ao Novo Cinema Argentino (além de Lucrecia, pode-se citar Pablo Trapero e Daniel Burmán). Historias Breves também foi o projeto pioneiro que ins-taurava ajuda financeira governamental às novas produções, o que possibilitou (e possibilita) à Argentina destacar-se no mercado de cinema (apesar de a distribuição não possuir nenhum incentivo, e da presença das grandes redes de cinema prejudicarem o conhecimento dessa vasta e ótima produção).
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Cartazes dos filmes de Lucrecia Martel: O Pântano (La Ciénaga - 2001), A Menina Santa (La niña santa - 2004) e A Mulher Sem Cabeça (La Mujer Sin Cabeza - 2008)
lutar. O calor, o torpor dos corpos, o enroscar-se nas camas, dão a impressão de pessoas afundando-se lentamente num pântano. A sensualidade e a dor estão sempre presentes, numa violência contida até na proximidade da câmera, que pode sentir a respiração dos personagens. A classe média naufragada, as relações familiares, os empregados, a vaca que vai pro brejo (literalmente) e gente fracassada dão o tom de um filme no qual a cada tempo se descobre algo. “Sim, porque em meus filmes sempre há algo acontecendo fora de foco”. Simbologias, como adoram os críticos ou os estudiosos? “A leitura simbólica que se faz é uma espécie de debilidade humana a qual tenho muito simpatia. Porém, me parece que é uma espécie de posição primordial de uma pessoa que se senta para ver cinema e crê que encontrará uma reflexão sobre a realidade. E, às vezes, isso traz prejuízos ao cinema. A propensão à alegoria é uma qualidade inerente ao ser humano, na qual há um misticismo de tentar encontrar objetos que resolvam o sentido das coisas rapidamente. O símbolo dá a sensação de que há um significado que cedo ou tarde se entende. Meus filmes são construídos em capas, camadas, com sucessões de situações e simultaneidade sempre presentes nas cenas. Quando há muitos elementos condensados, às vezes há a sensação de que a leitura simbólica é o caminho mais curto. Isso é uma tentação humana, há uma tentação de certa leitura. É algo bom, não é algo ruim, mas não é algo que eu faça – eu não fiz os filmes com
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Catástrofe anunciada - Seu primeiro longa, O Pântano (La Ciénaga), foi lançado em 2001 e arrebatou vários prêmios internacionais - inclusive o Urso de Ouro, no Festival de Berlim -, alavancando a jovem cineasta aos olhos do mundo. Para a produção de La Ciénaga, além dos recursos providenciados pelo governo argentino, Lucrecia recebeu ajuda para realizar o filme através da seleção de seu roteiro pelo Festival de Sundance, em 1999. Fazer uma sinopse do filme não nos leva a nada. O sensorial presente na película é indescritível e, como realmente interessava a Lucrecia, “pretendia algo mais atmosférico”. A sensação de iminência dos acontecimentos é incessante desde o início: nuvens passam por um vale, pesadas, trovejando, e fazem um conjunto sonoro com as cadeiras que se arrastam à beira de uma piscina imunda, em torno da qual corpos cambaleantes giram em meio a garrafas de vinho. O lugar onde se desenvolve toda a ação pode dizer alguma coisa sobre a história: a casa de campo La Mandrágora. A mandrágora é uma planta que, há alguns séculos na Europa, era usada pelas suas propriedades analgésicas e afrodisíacas. Lucrecia diz que queria que o filme oscilasse entre estes dois pólos, o adormecimento e a volúpia, e talvez seja esse o maior drama do filme. Cada personagem inventa proteções para fugir da realidade, mas, de repente, desistem de salvar-se e não tratam o que está mal. Há uma espécie de deleite em acomodar-se no sofrimento em vez de
essa intenção. O que eu fiz foi colocar coisas sobrepostas que causam uma densidade e podem gerar esse desejo de metáforas”. À flor da pele – O segundo longa de Lucrecia Martel, A Menina Santa (La Niña Santa), veio a público com um apoio muito especial: o da Produtora El Deseo, dos irmãos Almodóvar. O famoso cineasta Pedro Almodóvar se quedó encantado por el cine de aquella chica que até proclama por aí que ela é “um Almodóvar de saias”. O filme também participou de diversos festivais pelo mundo, inclusive na Mostra Oficial de Cannes. Como em O Pântano, descrições e resumos são inúteis. A atmosfera mais lírica e a ambigüidade contornam toda uma história também à beira da piscina, também na provinciana cidade onde a religiosidade tem um papel indispensável e a sensualidade (ou sexualidade?) rege tudo aquilo que, mais uma vez, está prestes a acontecer e, mais uma vez, não acontece. A delicadeza com que se expõe a tomada de uma vocação divina ao despertar do corpo de uma adolescente se dá entre os sussurros de duas amigas, que também sempre estão a se esparramar numa cama. Enquanto isso, os adultos se perdem na direção de um hotel decadente, em suas vidas já despedaçadas. Mais decadência da sociedade argentina? Crítica política? Nunca se sabe. Pisando em ovos – A Mulher Sem Cabeça (La Mujer Sin Cabeza), terceiro longa de Lucrecia Martel, que também contou com o apoio da El Deseo e também participou da Seleção Oficial do Festival de Cannes, ainda não tem data de estréia. Houve, porém, uma sessão especial de pré-estréia do filme no Brasil, durante a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), da qual Lucrecia participou, em julho de 2008, e uma exibição durante o Festival de Cinema do Rio, em outubro. O filme tem dividido a crítica cinematográfica com uma recepção morna, além de vaias no festival francês. Pode-se entender a surpresa: Lucrecia não é mais a mesma. Mais denso do que os outros dois longas, mantendo o foco em um só personagem (literalmente) e seus devaneios pessoais após um acidente, a cineasta explora uma atmosfera mais rarefeita e instável – sem dispensar, no entanto, características específicas ao seu cinema, como as piscinas. A história se desenvolve quando uma mulher
sensação de que havia terminado algo. Mas ainda é muito pouco tempo para uma reflexão acerca disso”.
Lucrecia durante a pré-estréia de A Mulher Sem Cabeça, em Paraty
atropela algo em uma estrada. Depois do acidente, ela passa a viver em um clima atordoante e de delírio interior que embriaga também a quem está na platéia. Complicado saber o que está acontecendo, inclusive conosco mesmo. Segundo Martel, “o que há em torno deste filme é um acontecimento bastante permanente que é a capacidade para não ver o que vai se desenvolvendo nas pessoas na sociedade, em não perceber certas coisas. O ser humano é algo tão sensível que deixa de perceber algumas coisas, sobretudo quando essas coisas acontecem em torno dos demais. E o filme se constrói ao redor disso”. Lucrecia começou a escrever A Mulher Sem Cabeça antes mesmo de filmar O Pântano. Alguns afirmam que o filme fecha uma trilogia, porém Lucrecia discorda. “La Mujer Sin Cabeza amplia a geografia a que pertencem os outros filmes, assim como pertence a um tempo anacrônico, indeterminado, dos outros filmes, o qual gira entre os anos 70 e 80 – embora com a presença de celulares, o que faz com que o tempo seja mais indefinido ainda. Não sei se ele vai encerrar uma preocupação ao redor de alguns temas que tomam espaço na minha cabeça. Eu não vejo como uma trilogia, apesar de que quando o finalizei tive a
Invasão alienígena – Alguns desacreditam, mas o próximo projeto de Lucrecia Martel é dirigir uma ficção científica: El Eternauta. El Eternauta é uma história em quadrinhos mitológica na Argentina. Projetos anteriores tentaram levá-lo ao cinema, embora nenhum tenha se concretizado devido a problemas com os direitos da obra. Uma produtora argentina conseguiu os direitos e propôs a Lucrecia a direção do filme. “Primeiro eu pensei que nunca faria algo de ficção cientifica, que nunca seria a diretora candidata para este gênero, mas tive uma idéia que seria boa para a adaptação e agora estou trabalhando nisso. Pretendo filmar no ano que vem”. É a primeira vez que Martel adapta algo escrito por outra pessoa: “Me parece que esse é um terreno bastante complexo, ainda mais com uma história que tem fanáticos, gente violentamente apaixonada... Para começar, para mim não há muito sentido levar um livro de literatura ou uma história em quadrinhos ao cinema, se aquilo já está bem feito em seu meio. O único sentido que tem é levar o que isso provoca em alguém ao cinema ou a outro meio. Senão, o transporte de uma coisa a outra me parece absurdo”. Além de tudo, Lucrecia se identifica com a história. Primeiro, devido à presença do fantástico, que sempre a fascinou e ao qual sempre esteve muito ligada, inclusive nos seus outros filmes. Segundo, porque a ação tem como cenário uma invasão extraterrestre em Buenos Aires. Além do interesse em filmar na cidade portenha, a cineasta confessa que, mesmo vivendo em Buenos Aires há mais de 20 anos, se sente um ET a respeito dos portenhos. Ela também comenta a sensação de caminhar por lugares desconhecidos, cidades desconhecidas, pois isso tira as pessoas da realidade, dá uma sensação onírica. Retomada - Participante do Novo Cinema Argentino período de “florescimento” do cinema dos hermanos, o qual após anos no limbo voltou a produzir obras em quantidade e de qualidade a partir de meados da década de 90 -, Lucrecia defende a idéia de que esse bom momento do cinema de seu país não pode ser considerado uma onda homogênea. Apesar de al-
A cineasta em conversa com a imprensa durante sua passagem pelo Brasil, em julho de 2008
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gumas características em comum, como a exposição dos dramas nacionais através de histórias particulares e a onipresença da crise argentina, ela acha que de maneira nenhuma isso pode ser considerado um movimento. “Parece que houve um exercício da imprensa de chamar isso de uma onda, enquanto os filmes são diversos e possuem interesses diversos. Depois da ditadura, e no início da democracia, a instituição que cuidava de cinema no país estava desmantelada; muitos diretores deixaram de filmar, outros foram mortos, exilados, desaparecidos. Não só diretores, mas técnicos, escritores. Reconstruir o tecido narrativo de um país é um processo muito delicado. Só com muito tempo e trabalho se pode realizar. Essa gama de diretores veio de um vazio cinematográfico. Não se passou de uma classe de cineastas para outra. A produção argentina era muito escassa. Dez anos de democracia foi o tempo para reorganizar o cinema. Isso não significa que os diretores sejam entre si uma onda. Porque, quando pensamos em uma onda, pensamos em diretores que compartilham idéias políticas, idéias estéticas, ou pelo menos discutem, política e filosoficamente, questões narrativas, e isso não ocorre entre os diretores argentinos. Está cada um lutando por seu filme, sem nenhuma idéia de movimento. O que há não é um movimento, é uma coincidência”. Festa de família – A presença da família e suas relações é algo que chama atenção na obra de Martel. “É muito difícil explicar isso porque pode parecer uma apologia da destruição. Antes de tudo, eu tive uma infância muito feliz, com sete irmãos, todos unidos. Entretanto, eu penso que a família é uma unidade onde se aprende desde muito pequeno a corrupção, onde o sangue e os bens privados definem um montão de coisas em forma de participação. Se aprendem tantas coisas más que, depois, socialmente, para mim são tão nocivas... É uma instituição difícil. Sua ausência significa um enorme problema para a sociedade, e sua existência também. É uma contradição. As pessoas com família vivem em um inferno, e as pessoas sem família vivem em um inferno. É um paradoxo interessante. E como sempre há uma coisa muito católica, de países católicos, de falar da família como se já nessa palavra houvesse a salvação. Tem que se suspender a idéia de que há salvação tão facilmente. E observar as coisas de outra maneira. Mostro a família com uma idéia de decadência nas películas pois me parece que
muitos valores que sustentam nossa família e nossa sociedade são tão inúteis e tão pouco propícios para a felicidade que toda essa decadência parece uma esperança de que as coisas podem ir a outro lugar”. As mulheres também ocupam um lugar de destaque em seus filmes, enquanto os homens são sempre retratados como fracassados. Ela explica que coloca o foco nas personagens das crianças e das mulheres, sobretudo porque foca a casa: “As películas estão situadas em um período no qual as casas estavam cheias de tias, mães, avós, crianças, e o personagem do homem nesse universo é muito tangencial. Não posso negar a simpatia que tenho pelos homens que naufragam nas idéias acerca de o que deve ser um homem, como tenho muita debilidade pelo naufrágio das mulheres que fracassaram as expectativas sociais do que deve ser uma mulher. Os personagens que não podem cumprir as expectativas sociais me resultam muito simpáticos, e de certo modo me identifico com eles”.
O som é táctil. Essa qualidade táctil do som é uma coisa privilegiada. No cinema há a possibilidade de estar tocando todo o corpo, diferente do papel ou de qualquer outra arte Sem crise - Uma metáfora que os críticos sempre pretendem colar à obra de Lucrecia é a da crise argentina. Porém, a atitude política em seus filmes é muito mais intrínseca do que engajada. Lucrecia pertence a uma geração pós-ditadura, a qual, segundo ela, teve a impressão de que os canais de participação civil naturais na vida política foram quebrados, pois não se sabia exatamente uma forma de ser cidadão ou de se participar da história do próprio país após a década de 80. Esta carência, para ela, resultou em algo um pouco pesado, pois sentia que não pertencia ao destino comum de quem habita o mesmo solo. Entretanto, o cinema foi o lugar no qual ela encontrou uma maneira de participar de tudo isso. “Eu entendo o cinema como um compromisso político. Fazer público, compartilhar uma visão com as pessoas, criar uma espécie de diálogo. Para mim o cinema foi o terreno onde voltei a encontrar essa vida civil, essa participação cidadã, este diálogo com conterrâneos. De uma maneira bastante natural isso se sucedeu – não
Divagações - Para Lucrecia, é uma pena quando a narrativa cinematográfica se define unicamente ao sentido de começo, meio e fim. “O cinema é um exer-
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cício de percepção onde é muito mais válido identificar-se com palavras, atos, gestos e sensações do que prender-se a explicações”. Além disso, ela diz que o cinema é basicamente uma experiência sonora. Cita também o poder da montagem: “No cinema, podese unir passado e futuro de forma extraordinária. O poder dos verbos na montagem faz com que ela se pareça muito com o exercício de memória. E a memória é seletiva e emotiva”. Mergulho – Mesmo após toda a discussão sobre simbologia, porque as piscinas e a água têm tanta importância nos filmes de Lucrecia? “Primeiro, tenho um problema com as piscinas de natação, nas quais nunca me meto porque tenho um asco enorme! Aquela água azulada e cristalina; eu suspeito que está toda contaminada de imundícies e que vou ter uma conjuntivite que vai me deixar cega! Mas a piscina é para mim fascinante – não sei por quem passou pela cabeça um quarto cheio de água metido na terra. A particularidade da piscina é de que em volta dela há pessoas desnudas e certa promiscuidade. Isso é visto de uma maneira totalmente diferente se as pessoas estivessem em qualquer outro lugar, como na sala, onde a situação seria completamente diversa e absurda - estão desnudos, não saberiam como se sentar... Isso para mim é muito atrativo”. Para desfiar mais um aspecto interessante de seu cinema - o som (ou a ausência dele) -, Lucrecia também usa as piscinas: “As piscinas e os sons se relacionam muito. Em uma piscina há a sensação de imersão, uma sensação de imersão que se perde fora da água. Mas, estamos imersos em um fluido que é o ar, e que tem propriedades muito parecidas com as da água... O uso do som tem sido para mim próprio da imersão do ar. O som é táctil. Os sons são algo invisível que chega aos ouvidos, e também chega à pele – toda vibração chega à pele. Essa qualidade táctil do som é uma coisa privilegiada. No cinema há a possibilidade de estar tocando todo o corpo, diferente do papel ou de qualquer outra arte. O som devolve ao corpo essa sensação de imersão. O cheiro, tudo que é táctil, tudo que é físico, é mudado pela percepção do som”. Martel nos conta que, durante as filmagens de O Pântano, fazia muito frio. Discordo: quando assistimos ao O Pântano o que podemos sentir é calor. “É o som”, ensina ela. II
Conto
Olivander/www.flickr.com
foi uma louca e desesperada busca. Muitos diretores de cinema de minha geração de alguma maneira estão em uma zona de cinema político, mas não como era antes. Hoje é algo mais programático. Um sentido político de incluir-se dentro de uma classe, incluir-se dentro de um sentido de fala, de uma circunstância social. Reconhecer-se nisso, observar e prestar atenção. Isto dá uma certa qualidade política ao cinema. Me sinto associada nisto. Além disso, para mim, todas as narrativas estão na zona do político, porque dialogam entre os indivíduos. Assim, para mim o cinema é uma oportunidade política de participação”.
Os últimos versos de Maiakóvski Cesar Rodrigues
Apenas os dois na salinha apertada e intimidadora. Ela claramente tenta disfarçar os sentimentos, talvez envergonhada, talvez apenas com intenção de parecer mais forte do que sempre pareceu. Não é de se estranhar que queira parecer durona diante de um senhor de bigode delgado, vários anos mais velho e que desde a postura escancara sua certeza de superioridade. Ele fala algumas coisas irrelevantes, explica dois ou três detalhes acerca do procedimento e a partir daí passa a ela a palavra:
– Desde o princípio sabia que as juras de amor eram mentira, mas quando ele me recitou suave no ouvido os últimos versos de Maiakóvski chorei desesperadamente e me entreguei. Era metido a poeta e se vestia impecavelmente como um bardo a convencer multidões de que a poesia era a salvação para a humanidade. Conquistou-me com o domínio das palavras: não tinha absolutamente nada de atraente nas feições. Já aos vinte e poucos o cabelo começava a escassear e o estado dos dentes deixava claro o descaso que tivera sempre consigo mesmo. Assumia publicamente interessar-se mais por pornografia que por política e culpava a Revolução pelo fracasso do mundo. Tinha o brilho da infância nos olhos e não havia quem não se apaixonasse pelo entusiasmo com que exaltava artistas e poetas. Afastou-me dos amigos mais próximos: implorou-me dedicação especial, dedicou-me infinitos poemas [roubados de outros, não tenho dúvidas] e fez acreditar-me musa. Deixei-me seduzir e toquei o céu por instantes. Escancarei-lhe meu amor e realizei todos os seus caprichos [e como são exóticos os caprichos de poeta!]. Ele me tinha na mão com as palavras, todas elas roubadas de grandes poetas, eu sabia, mas tão belas a saltar-lhe dos lábios [que grande recitador ele era!] que tornei-me deleitosamente dependente dele. Pensava no poetinha o tempo todo e queria-o por perto durante o sono, as compras, o trabalho, a igreja. As horas ficavam penosas distante dele. Mas a Leila jurou-me tê-lo visto com outra. Disse que mais de uma vez. Que a menina era sua colega em psicologia e tinha os olhos verdes mais lindos da universidade. Eu sabia que como ele me conquistara poderia conquistar qualquer uma. Não são os mais belos de todos os versos, os últimos de Maiakóvski? Achei que fossem dele, mas um dia me contou a origem e presenteou com um livrinho: “Vê, que paz no universo. A noite impôs ao céu a servidão de tantas, tantas estrelas. Chegou a hora em que a gente se ergue e em que fala aos séculos, à História, ao universo...” . Que mulher não se apaixonaria ao ouvir uns versos desses? Mas então a Leila me contou que ele andava com a bonitona da psicologia. Chorei. Amaldiçoei-o. Amaldiçoei-me por ter-me apaixonado tão profundamente. Tola, não sabe como são os homens??!!! Claro que homem nenhum ama tanto quanto ele dizia e espalhava aos ventos. Voltei desarvorada pra casa e tranquei-me por dois dias. Mantive-me completamente sozinha. Não atendia a ninguém, nem ao telefone. Sabia que era ele. Não podia deixar que me ganhasse outra vez com as palavras. Sabia que existem milhões de versos tão lindos que me colocariam de joelhos diante dele. Mas então ele apareceu em frente à minha casa e fez escândalo. Assustou os vizinhos. Exigiu [e lá ele estava em condições de exigir alguma coisa depois de me trair?], exigiu que eu saísse e falasse com ele. Gritava que se mataria se eu não saísse, que não podia viver sem mim, que eu era sua musa, o motivo de sua poesia e de sua vida. Fingia não saber do motivo de minha clausura e desespero. Censurei-me muitas vezes diante do espelho e me proibi terminantemente de sair. Ele que fosse se inspirar com a psicóloga dos olhos verdes! E foi então que ouvi o tiro. O primeiro. Saí correndo desesperada para a rua e lá estava ele, com o revólver apontado pra cabeça. Respirei fundo e disse “não te amo mais” tão convicta que mesmo eu, ainda loucamente apaixonada, acreditei. Desculpe pelo choro, mas então ele recitou de novo o Maiakóvski, o poema inteiro, e puxou o gatilho. Acho que o meu grito foi mais ruidoso que o estrondo, Seu Delegado, e os miolos de poeta dele se espalharam pela rua toda, até pertinho dos meus pés. E isso é tudo o que sei sobre ele e sobre o suicídio.
Carrie White/www.sxc.hu
Hillary/www.flick.com
- Tudo bem, garota. Obrigado e acalme-se. Sabe que vai ter que passar a noite aqui, né? É suspeita do assassinato. Até que se comprove que foi suicídio mesmo você é a única suspeita: é a mulher traída, como você mesma disse, e o corpo estava em frente à sua casa...
Os pais e amigos do poeta jamais perdoaram a menina por não acreditar em seu amor. Alguns anos depois descobriu-se em seu caderno de poesias inúmeros poemas inacreditáveis dedicados à menina, cuja publicação póstuma tornou-o um dos grandes poetas da língua e fê-la suicidar por remorso. Nas lápides de ambos estão inscritos os últimos versos de Maiakóvski, escritos logo antes de se suicidar. II
Literatas e m pa uta
Literatura feminina: o rótulo que mais segrega que afirma e as discussões que ele gera Natalia Barrenha
Fernand Léger. Woman with a book (1923). www.moma.org
A
A linguagem não tem sexo?
Academia Brasileira de Letras foi fundada em 1897 e em seu estatuto constava que ela era só para os brasileiros, e não para as brasileiras - menina não entrava. Em sua primeira formação, por exemplo, a aclamada romancista, cronista e contista Júlia Lopes de Almeida foi deixada de lado e seu marido, Filinto de Almeida, escritor inexpressivo, foi convidado em seu lugar. A Academia também deixou de fora Clarice Lispector e Cecília Meirelles. Somente em 1970 uma mulher pôde tornar-se imortal – Rachel de Queiroz. Esta história vem à baila para lembrar que a literatura foi escrita e institucionalizada exclusivamente pelos homens, e que isso vem mudando há pouco tempo: quase meio século, apenas. Ana Cristina Cesar afirmava que a linguagem não tem sexo. Porém, não faltam discussões para decidir sobre a existência ou não de uma literatura feminina. Alguns dizem que é uma fatalidade só tocar neste assunto, declarando-o ultrapassado como queimar sutiãs. Melhor do que debater se existe ou não uma coisa tão impalpável e subjetiva como a literatura feminina, é debater se vale a pena essa mania de categorização do ser humano com a invenção de mais um gênero literário, e se tem utilidade um adjetivo que não acrescenta nada ao substantivo que acompanha. Rosa Montero, consagrada jornalista espanhola e autora de 26 livros, com a qual a escritora inglesa Zoë Heller (autora de Anotações sobre um escândalo, que virou filme) concorda utilizando as mesmas palavras, diz que não entende por que mulher precisa escrever sobre a experiência feminina e homem não precisa se prender à experiência masculina. Quando um homem escreve, elas completam, é sobre a “condição humana”. Quando uma mulher escreve, espera-se que seja sobre a “condição feminina”. Nos anos 90 e neste início de século, nos quais as mulheres lideram a nova geração de escritores brasileiros, é fácil ver que as mulheres estão bem longe de escrever somente sobre a condição feminina. O que perturba a paz nas mesas de literatura
que rondam o assunto é por que, por exemplo, um livro como Memórias de Minhas Putas Tristes, de autor masculino, narrador masculino e conflito masculino é tido por literatura, sem o adjetivo “masculina”? “É comum entre as escritoras um grande malestar diante dessa espécie de subgênero, essa parte que lhes caberia no latifúndio (patriarcal, falocêntrico, etc.) literário. A maioria delas preferiria enterrar a categoria”, dispara Adriana Lisboa, autora de oito livros, além de inúmeras publicações em coletâneas. “A primeira e mais óbvia refutação da existência de uma literatura feminina vem desse contraponto rasteiro: jamais se falou de uma literatura masculina. É como se essa última fosse, então, uma espécie de a priori, conjunto dominante no qual se inscrevem subgêneros: o feminino, o gay, o negro. Além de masculino, o grande cânone literário é, naturalmente, branco”, continua. Já Lúcia Helena, professora titular da Universidade Federal Fluminense e autora de Nem musa, nem medusa: itinerários da escrita em Clarice Lispector, fala, primeiramente sobre a literatura feminista: “Creio que a literatura só é feminista quando trata de questões políticas: uma política do gênero, uma valorização do perfil da mulher na cultura ocidental e em um país patriarcal, por exemplo. Mas não tem nada a ver com a linguagem literária e, sim, com a semântica, o tema. O assunto é feminista e esta posição pode ser defendida por escritores e escritoras”. Ela continua: “Não acho que exista uma literatura feminina. Acho que isto é, ainda, uma denominação de estratégia de poder, como o acento na literatura ‘homoerótica’. Ou seja, é uma forma de luta contra a exclusão. Mas, de novo, não tem a ver com a literatura - procedimentos de linguagem e reflexão. Apesar de essas atitudes poderem partir de grupos que desejam ser abertos, progressistas, e etc., tal comportamento pode gerar reducionismos perigosos, rasos, incultos, que nos afastam da literatura de qualidade, seja de homens, seja de mulheres”.
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ra feminina”), entendendo o feminino não como uma tradução de “da mulher”, mas a partir da concepção psicanalítica de que o feminino se caracteriza como uma certa posição do sujeito em relação ao simbólico (segundo Freud e Lacan). Sobre a forma, ela afirma que a escrita feminina pode ser descrita como “escrita do gozo, da respiração simultaneamente lenta e acelerada, da fantasia exacerbada, do mergulho no inconsciente, dos segredos e das confissões, da loucura. É a escrita dionisíaca e noturna, que está sempre se chocando com o apolíneo e ensolarado racionalismo masculino”. Ainda sobre a forma, a escrita feminina é tida como intimista, lírica, elíptica, espasmódica, ofegante, passional, confessional e fragmentária.
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Zoë Heller: “Quando um homem escreve, é sobre a ‘condição humana’. Quando uma mulher escreve, espera-se que seja sobre a ‘condição feminina’”. Isaac Pipano
Com isso, não há como não lembrar que a escrita de Joyce ou Proust se utiliza destas características, sem se esquecer, por exemplo, de Charles Bukowski, Álvaro de Campos ou Murilo Mendes. E lembrando que muitos outros escritores homens se envolveram no universo de uma mulher e a colocou no centro de suas obras primas, como José de Alencar, que traçou o mais completo retrato da mulher “urbana” da corte no Brasil pós-Independência, no auge do romantismo; Lima Barreto, que se debruçou como ninguém sobre a mulher “republicana”; ou Machado de Assis, que edificou a mulher como personagem capital e leitmotiv básico de seus textos. Machado escrevia sobre mulheres. Amores e frustrações femininos eram temas constantes, sendo presentes o ciúme, o adultério e a prostituição, e onde as personagens femininas ocupam lugar privilegiado. Há ainda a Madame Bovary, de Flaubert; a Lolita, de Nabokov; ou Anna Karenina, de Tolstoi. Isso só pode significar que limitar a escrita feminina a dois cromossomos X e descrevê-la como a literatura feita por mulheres não tem sentido nenhum. Da mesma maneira que a literatura policial não é a literatura escrita apenas pelos policiais, ou a literatura negra (outro gênero que traz polêmicas) não é escrita somente por negros, a literatura feminina não precisa necessariamente ser a
Inês Pedrosa: “ Tretas. A literatura feminina não existe. A literatura divide-se em boa e má” Natalia Barrenha
A primeira e mais óbvia refutação da existência de uma literatura feminina vem desse contraponto rasteiro: jamais se falou de uma literatura masculina
literatura escrita apenas pelas mulheres. E é exatamente disso que também nos fala Zoë Heller, ao afirmar que escrever somente sobre si próprio é muito chato e restrito. “Escrever ficção é justamente a tentativa de entrar no terreno das vivências e sensibilidades de outros”, completa. A jornalista e escritora portuguesa Inês Pedrosa diz que tudo isso são apenas tretas. “A literatura feminina não existe. A literatura divide-se em boa e má. Guetos como literatura feminina, judaica, homossexual ou negra não servem para nada. Os homens e mulheres são diferentes, mas há coisas para as quais os guetos não servem”. A escritora brasileira Adriana Lunardi concorda com Pedrosa: “Há bons e maus escritores, o que resume o longo repertório de indagações sobre o fazer literário. A única novidade, desde que as mulheres começaram a publicar em maior número, foi a evidência de uma subjetividade nas letras que o cânone demorou a absorver”. A opinião de Cíntia Moscovich é parecida com a das autoras: “Em primeiro lugar, gostaria de pensar numa literatura que leva um adjetivo posposto como quem pensa em guetos. Penso que os guetos - qualquer gueto - são lugares de segregação tanto de fora para dentro, quanto de dentro para fora. Pensar numa literatura feminina é pensar numa literatura de gueto, uma forma segregada e apartada de se tomar algo que é universal. Não creio que exista uma literatura feminina, assim como não creio que exista literatura homossexual, negra, gaúcha, ou coisa que o valha. Talvez se possa pensar em literatura produzida por mulheres, mas não sei bem por que pensaríamos nisso. A literatura é uma forma de expressão universal e abrangente, e cada vez que a adjetivamos, reduzimos seu caráter e sua amplitude essencial. Talvez a discussão tivesse algum sentido há uns 40 anos, quando as mulheres começaram a reivindicar seus direitos de cidadania. Mesmo assim, seria uma abordagem preconceituosa, sexista, datada. À literatura não importa se o autor ou seu personagem fazem xixi de pé ou sentado. Literatura simplesmente é boa ou não é boa”. E finaliza: “Se for para falar em literatura feminina, teremos que falar de literatura gay, literatura gay ativa, literatura gay passiva, e por aí vai...”. Copiando Adriana Lisboa, “escritores de ambos os sexos merecem ser lidos pela qualidade literária do que fazem, isentos de rótulos”. E ponto. Espera-se. II
Isaac Pipano
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Luiz Ruffato, autor de Eles eram muitos cavalos e organizador da coletânea 25 Mulheres que estão fazendo a literatura brasileira - que reúne textos de 25 autoras brasileiras que começaram a publicar prosa de ficção a partir de 1990 -, também não acredita em literatura feminina, assim como não acredita em literatura gay ou literatura afro-descendente. “O que nós temos são autores homens ou mulheres, gays ou heterossexuais, brancos, amarelos ou negros escrevendo literatura. Acho que os rótulos de gênero são segregacionistas, porque parecem conformar uma realidade à parte. Agora, evidentemente, numa sociedade machista, racista e homofóbica como a nossa, é importante manifestar essas diferenças, por uma questão de visibilidade do problema. O ideal seria que lançássemos luzes na produção afro-descendente, por exemplo, para ressaltar que Machado de Assis ou Lima Barreto eram filhos de negros e são dois dos grandes autores da literatura brasileira, assim como questionar por que Júlia Lopes de Almeida, um dos grandes nomes da literatura brasileira, nem sequer é citada na maioria absoluta dos compêndios, pelo fato de ser mulher. Entretanto, é uma visão reducionista ressaltar que o Lima Barreto, por exemplo, é um dos maiores nomes da literatura afro-descendente ou que a Julia Lopes de Almeida é um grande nome da literatura feminina. Agindo assim, ao invés de incluí-los na história da literatura brasileira, nós estamos contribuindo para sua exclusão”, diz ele. E o que seria a literatura feminina? Podese pensar nisso de duas maneiras, considerando-a sob duas matrizes: o conteúdo e a forma. Primeiramente, a literatura feminina poderia ser percebida através dos temas abordados pelas escritoras, que se dirigiriam ao universo feminino, olhando-se pelo viés do conteúdo. Cíntia Moscovich comenta sobre a limitação temática que essa descrição pode trazer a partir do assunto de seu mais recente livro, Por que sou gorda, mamãe?. “No meu livro trata-se a questão da gordura, e supõe-se que essa é uma questão que atinja mais às mulheres – mas não é verdade e eu nem fiz o livro pensando nisso. Há homens tão ou mais cuidadosos que as mulheres na questão do peso”. Lúcia Castello Branco, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e autora de três livros e inúmeros ensaios sobre o assunto, diz que prefere falar em “escrita feminina” (e não “literatu-
Cíntia Moscovich: “Pensar numa literatura feminina é pensar numa literatura de gueto, uma forma segregada e apartada de se tomar algo que é universal”.
Ensaio Ilustrações: Ana Carolina Lahr
Atração imediata.
Dentre delicadeza e fragilidade, extrema resistência. Capaz de se adaptar a qualquer espaço da imensidão geográfica.
O primeiro passo para cultivá-la com sucesso é identificar a espécie em questão.
Orquídeas.
Mulheres.
Mulheres.
Orquídeas.
Incontáveis, são sempre graciosas e incomuns. Cores, aromas e formas extremas instigando as mais variadas emoções.
Certamente evoluídas, tamanha beleza e distinção sexual.
Ensaio Ilustrações: Ana Carolina Lahr
Amor, beleza, luxo e força.
O
s contos de fadas, direcionados ao público infantil, têm função totalmente diferente da literatura comum: os acontecimentos e a “moral da história”, presentes em cada enredo destinado a essa faixa etária, servem muitas vezes para a formação do caráter da criança, e não apenas de diversão, como pensam alguns. Eles apresentam adversidades na vida das personagens, mas sempre o final feliz, mostrando que tudo pode ser superado. O que muitas pessoas ignoram é o uso da Psicologia altamente aguçado que ocorre em meio às histórias infantis, aparentemente despretensiosas. Segundo a psicóloga Ivani Arjona, estudiosa do tema, as personagens representam bem os possíveis conflitos pelos quais a criança vai passar na vida, externalizando-os. De acordo com Ivani, o conto de fadas consiste em encontrar a solução para algum conflito interno apresentado por uma personagem: o caminho para essa solução e o chamado “final feliz” constituem o enredo ideal. “Essas histórias utilizam-se da Psicologia porque a preocupação do conto de fadas não é dar uma informação sobre o mundo exterior, mas sobre os processos interiores que ocorrem num indivíduo, ilustrando conflitos internos”. A psicóloga explica que o trabalho mental feito nas crianças com essas histórias lhes dá a impressão de que elas podem “vencer o gigante que as amedronta”. Ivani também conta de que forma eles utilizamse da Psicanálise: “Os contos de fadas simbolizam a difícil batalha que todos temos de travar, que é a de não cedermos ao princípio do prazer, que nos leva a conseguir uma satisfação imediata de nossos desejos ou a busca de uma vingança violenta para as nossas frustrações”. Segundo a psicóloga, essas histórias não mostram apenas os possíveis caminhos para a solução de um problema, mas também dão autoconfiança à criança. “O herói do conto de fadas tem um corpo que pode executar efeitos miraculosos, qualquer criança pode compensar e superar os seus medos”, explica ela. De acordo com Ivani, apesar da imagem de “herói” atribuída à personagem principal, a história embutida em um conto de fadas permite à criança sentir raiva, não de forma negativa, mas de maneira a reverter um determinado quadro em sua vida. O enredo é construído de forma a fazer a criança aceitar que as decepções surgirão, mas saber que ela não está “derrotada” por causa disso. “Portanto, existe uma conquista na integração, a conquista da autonomia e a troca dos princípios do prazer pela troca do princípio da realidade, otimismo contra o pessimismo”. Uma história que se destaca em termos de Psico-
logia e de elementos como a construção da identidade ao longo de seu enredo é Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. A personagem principal do conto é levada a um mundo totalmente novo, onde encontra diferentes personagens e tem novos aprendizados, fazendo com que ela tenha a impressão de que sua personalidade mudou. Alice diz em uma das passagens: “Eu sabia quem era até hoje de manhã, mas desde então mudei muitas vezes”. Para Ivani, o conto faz inclusive uma relação direta com a adolescência, e não necessariamente à infância. “A comparação com essa fase é bem interessante, porque o conto da Alice mostra o quanto a vida é monótona, entediante, e nessa fase ocorre muito isso”, afirma ela. De acordo com a psicóloga, o princípio do prazer é colocado em primeiro plano na história. “O mais notável dessa fase é a curiosidade, o prazer de descobrir coisas novas, de vivenciá-las de forma plena”, explica Ivani. Quando Alice encontra o Coelho Branco, ela passa a ver as oportunidades diferentes (e todas elas) que a vida oferece. “Nesse momento, podemos dizer que houve uma ruptura entre a vida sem emoções para uma outra com grandes descobertas. Ora ela necessita ser grande para tomar decisões, e em outros momentos é uma menina pequena que quer divertir-se muito, mas sempre mostrando o quanto é corajosa, mesmo não sabendo para que lado ir”, demonstra a estudiosa do livro. Em um determinado momento da história, Alice também pede a existência de algumas regras, para que ela saiba que tipos de conduta pode adotar. “Acredito ser uma passagem bem importante, como um freio de mão para não experimentar o que vem pela frente. A insaciável busca pelas ‘coisas’ diferentes que essa fase transcorre nos faz pensar que os nossos jovens precisam cada vez mais de limites. Ela, Alice, vivenciou essa fase quando experimentou o conteúdo da garrafa em que estava escrito ‘beba-me’ de forma agradável; mesmo sabendo que corria sérios riscos, a aventura falou mais alto”, argumenta a psicóloga. Além disso, segundo Ivani, Alice queria ser mais de uma pessoa, pois ela não se bastava. “Esse ir e vir de emoções de Alice mostra o quanto altos e baixos são vividos intensamente nessa fase”, conclui a estudiosa. A adolescência é a fase onde “viver o prazer” sobrepõe outras prioridades, de acordo com a psicóloga. “Alice mostra a difícil procura de um caminho de uma identidade. Nessa fase da adolescência muitos jovens, por se passarem por Alice, acabam consumindo muitos antidepressivos - verdadeiras drogas -, e acabam andando em círculo e repetindo sempre a história de Alice”, finaliza. II
Alice
no
país
da
Psicologia Natália Tamaio
Como a história de Alice, e outros contos-de-fada, contribuem na formação de valores e construção de identidade do público infanto-juvenil
em que ela ofereça relatórios e informações ao cliente. “É importante que se você tiver necessidade de falar por telefone, você possa ligar e conversar com alguém da corretora para poder te apoiar na hora da decisão. O importante é você estar sempre em contato com o analista, com a sua corretora e vendo quais ações que elas estão indicando para compra. E também acompanhar se essa corretora não mudou o pensamento. Porque, de repente, pode-se mudar uma análise, dependendo da informação que saiu no mercado”, recomenda Clodoir. Escolhida a corretora, a etapa seguinte é preencher um cadastro contratando o serviço e abrir uma conta de investimentos, que é como se fosse uma conta bancária – requer apenas cópias do RG, CPF e comprovante de residência. Em seguida, é preciso transferir recursos para a corretora, pois só é possível começar a negociar ações com saldo positivo. Depois é só investir. Com a ajuda de analistas, a investidora escolhe a ação de uma empresa que se deseja comprar e dá a ordem para a corretora, que por sua vez compra a ação na Bovespa. A investidora é agora uma sócia da empresa, uma acionista. Se a empresa obtiver lucro, a acionista recebe valor proporcional à quantidade de ações possuídas. O gerente exclusivo da e.um Investimentos, Hamilton Ribas, aconselha às iniciantes ir devagar no começo, e fazer transações de pequeno porte para adquirir mais confiança e segurança. “Quanto ao valor, sugiro não investir um dinheiro do qual você dependa. Também não procure se sustentar com a remuneração do seu capital no início da jornada, pois, devido ao pouco conhecimento sobre este mercado, a volatilidade poderá deixá-la sem a remuneração e sem o capital”, esclarece o especialista. De acordo com o próprio site da BM&F Bovespa, não existe um valor mínimo exigido para investir na bolsa de valores. Isso varia em função do preço das ações que se deseja comprar e até mesmo da corretora que a investidora escolher. Entretanto, existem corretoras que exigem um mínimo inicial de mil a cinco mil reais. Cada ação de uma empresa tem seu determinado valor, que pode mudar a cada dia ou até mesmo em um segundo. Uma ação da Petrobrás, por exemplo, pode custar hoje R$ 32, como valer R$ 45 na próxima semana.
A BM&F e a Bovespa são empresas que se uniram na fusão que criou a terceira maior bolsa do planeta em valor de mercado, superando até mesmo a Bolsa de Valores de Nova York e ficando atrás apenas da Deutsche Börse (Alemanha) e da Bolsa de Chicago (Estados Unidos). A fusão foi realizada em maio de 2008 e aprovada em julho do mesmo ano. O valor de mercado da nova bolsa, a BM&F Bovespa, é de cerca de 20 bilhões de dólares. O que diferencia a BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros) da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) é que a primeira é uma bolsa de mercadorias, e não de valores, ou seja, se negociam contratos de matérias-primas e mercadorias como o café, a soja e o dólar, para pagamentos à vista ou futuros. Já uma bolsa de valores é o local em que são negociadas ações e outros títulos mobiliários. Na BM&F, as negociações são feitas por sistema eletrônico e também por meio do pregão viva voz, aquela famosa agitação de operadores negociando ao telefone e com papel na mão. Na Outra dica de Bovespa, as operações são feitas apenas eletronicamente através do sistema Mega Bolsa. As Hamilton é que a ordens de compra e venda são postas pelos operadores de mesa das corretoras ou pelo iniciante aprenda a sistema Home Broker, que permite que o próprio investidor, através do site da sua fazer análise e a operar corretora, envie as ordens de compra ou venda diretamente no Mega Bolsa. em um simulador de negociaO pregão viva-voz da Bovespa foi extinto em 29 de setembro de 2005, ções, como, por exemplo, o site www. pois há tempos vinha perdendo muitos negócios. Na BM&F, são joveminvest.com.br, onde cada participante poucas as rodas de negociação. recebe um valor fictício de cem mil reais, em que poderá simular compras e vendas de papéis negociados na Bovespa, com as mesmas ferramentas usadas a tendência é se preocupar menos com as oscilações por investidores profissionais. “Acompanhar as notícias diárias da bolsa, já que os que pensam em prazos e informações até você ter mais ou menos a idéia de maiores poderão ter a chance de reverter eventuais como funciona o mercado, sempre desconfiando de perdas, ao contrário daqueles que investem a curto e tudo, porque mesmo assim ele ainda vai te pegar médio prazo. Para um investimento mais confortável, de surpresa. O negócio é prática, mas estude antes”, o ideal é não estipular uma data para resgate, a fim sugere o gerente exclusivo, que também declara: “Lede não assumir prejuízos desnecessários, vendendo as vam vários e vários anos pra se tornar um expert no ações em uma data pré-determinada. assunto, e no começo o caminho é bastante árduo e O que se conclui é que investir em bolsas de trabalhoso. Não existe dinheiro fácil na Bolsa, isso é valores pode ser uma faca de dois gumes. Pode dar ilusão. Muitos investidores quebram por falta de coprejuízo para aquele que não tão tem tanta sorte ou nhecimento e disciplina”. para aquele que não é cuidadoso, porém pode ser Para o profissional Clodoir, a pessoa que inuma excelente forma de ganhar dinheiro. Muitas vezes, veste em renda variável deve pensar em lucro a longo quantia que não conseguiria com nenhum outro tipo de prazo: “Você não pode pegar todos os seus recursos investimento. Basta que o investidor não dependa dos e colocar em uma única ação. Não existem garantias recursos aplicados para despesas básicas e imediatas de ganho, mas a gente tem um histórico que, no longo e que, também, antes de qualquer negociação, estude prazo, os melhores ganhos que tiveram foi em renda bem as opções. O mercado acionário é de importânvariável. Por que? É o crescimento do país, é o crescicia vital e influencia diretamente o comportamento da mento do PIB, é o que vem acontecendo”, pondera o economia do Brasil. Só resta torcer para que a maré economista-chefe. do mercado de capitais esteja favorável ao país e, é Se o perfil da investidora for de longo prazo, claro, ao bolso da investidora. II
Pregão na BM&F (Tahles Alves)
O recomendável é que a investidora não aplique recursos que vão ser usados em primeiras necessidades ou que vá depender deles a curto prazo. Cautela e cuidado nunca são demais. Investir em bolsa de valores é como jogar um jogo: qual no xadrez, é preciso paciência para mover as peças no momento certo; como no Banco Imobiliário, é essencial ter dinheiro para poder comprar; são necessários alvo e planejamento semelhantes aos vistos em War; e é imprescindível o fator sorte, assim como no Jogo da Vida. Só que dessa vez não é brincadeira. Falando assim, parece ser complicado comprar ou vender ações. Mas é mais simples do que parece. Qualquer pessoa pode começar a investir. A partir do momento da decisão, o primeiro passo é procurar uma corretora credenciada junto à Bovespa. Para escolher a corretora ideal de acordo com cada perfil, só mesmo pesquisando, conversando com clientes e com os próprios gerentes de investimento das corretoras, que são profissionais voltados à análise de mercado, de setores e companhias, com quem a investidora poderá se informar sobre o melhor momento de comprar e vender determinadas ações e, assim, conseguir melhores resultados. Clodoir Vieira, economista-chefe da Corretora Souza Barros, afirma ser fundamental que a corretora ofereça um canal de comunicação eficiente,
Balakov/www.flickr.com
Bolso Investir em bolsas de valores pode ser boa opção para mulheres com dinheiro extra. É necessário saber aplicar, mas uma pitada de sorte é sempre bem-vinda Paula Pulga
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anhar rios de dinheiro, perder mares ou então conquistar oceanos. Quando o assunto é investir em ações, uma palavra que se vem à mente é a “imprevisibilidade”. O repentino está lado a lado com esse tipo de investimento que é considerado de risco, justamente por não apresentar garantia alguma de retorno financeiro. A pessoa que investe em bolsa de valores precisa estar consciente de que pode aplicar
R$ 1000 em um dia e depois de um ano tirar R$ 50 como adquirir R$ 10.000. Quando o investidor compra ações de empresas sólidas visando lucro a longo prazo, como realmente um investimento e uma poupança futuros, o negócio pode se tornar extremamente rentável. O que se observa é que o mercado acionário brasileiro é bastante promissor, sobretudo para pessoas que têm vontade, ambição e dinheiro sobrando para investir.
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na aparência e são poucas as que se preocupam com o bem estar do corpo e da mente. Muitas dizem não praticar esporte porque já fazem exercícios o dia todo limpando a casa. Isso não é a mesma coisa”, alerta ela. Marcella mantém sua tese da aproximação do sexo oposto: “Cada um tem seus gostos, no entanto, entender sobre esportes ou tentar captar o espírito da prática ou da torcida promove a capacidade de se enturmar em qualquer lugar, com qualquer tipo de pessoa. Talvez isso facilitasse para aquelas que sempre reclamam por estar sozinhas. O pouco conhecimento ou a vontade de entender sobre esportes nos aproxima, e muito, do sexo oposto”, acredita ela. Megui diz que tenta não julgar aquelas que não têm o mesmo sentimento: “Não as condeno, mas acho que o esporte não merecia essa apatia por conta delas. Esporte não é difícil de entender. Um mito muito grande (o qual se perpetuou por muito tempo) de que esporte é somente pra homem meio que causou essa rebeldia de muitas mulheres pelo esporte”, defende. A comerciante Maria Olívia responde diretamente e simplifica: “Acho que as mulheres que não gostam são aquelas que não conhecem os esportes e não entendem as regras”. II
Maré alta ou baixa Single Malt/www.flickr.com
problemas graves do Brasil, e tentar fazer algo? Não que eu seja uma ‘contra-governo’ nem ‘pseudo-salvadora-teen’, até porque acho isso ridículo. Mas é realmente contraditório e absurdo o povo brasileiro se mover e comemorar por tão pouco, com tanta coisa ruim no país”, critica a estudante. Paula tem uma opinião parecida: “Penso que nada vai mudar na minha vida se o país perder ou ganhar. Não acho legal a comoção pública que a Copa do Mundo traz. O brasileiro só lembra de ser patriota quando é época de Copa ou Olimpíadas, ou seja, só na hora do esporte e, se o Brasil ainda perde, haja crítica. Semanas depois, todos esquecem que são brasileiros. Ninguém se importa com o país, só com sua seleção”, analisa ela. E como as “apaixonadas pela bola” enxergam esse time adversário? “É preferência. É igual aos homens que também não gostam. Cada um tem um gosto. Não acho que mulher que não gosta tem diferença de homem que também não gosta”, argumenta Bruna. Já Marcelle acredita que, mesmo não gostando, as “revoltadas do esporte” deveriam dar atenção à prática esportiva pelo bem da saúde: “As mulheres pensam muito no estereótipo,
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ex-namorados era tenista e a vida dele era isso... Por ele, fui atrás de aprender e peguei gosto”, admite Marcella. Apenas Maria Olivia Scotton Ortolan, comerciante de 48 anos, afirma que seu fanatismo por esportes – especialmente as corridas de Fórmula 1 – surgiu naturalmente. “Nunca sofri influência de ninguém porque na minha família ninguém se interessava por esportes. Mas, mesmo assim, me interessei por Fórmula 1, vôlei e futebol durante a juventude e continuo acompanhando até hoje”, conta ela. Devido a essa paixão, ainda um tanto quanto incomum no universo feminino, as “mulheres esportistas”, ou simpatizantes desse mundo, acabam recebendo certos rótulos e sofrendo por alguns estereótipos. “Sempre fui a menina-homem da família, diga-se de passagem”, afirma Megui Conti Donadoni, 21, jornalista. Bruna confirma o rótulo, e conta que já foi ignorada por colegas em situações nas quais tentou demonstrar seu interesse pelo mundo da bola. “Pelo fato de eu gostar bastante de futebol, eu tento entender as regras, as jogadas e tudo o mais. Na escola, quando tinha alguma rodinha de meninos conversando sobre futebol, eu sempre tentava entrar no assunto, mas eles sempre fingiam que não me escutavam”, relata. Já Marcelle conta que do mesmo lugar de onde veio o sentimento pelo esporte, veio também o preconceito com a situação de uma mulher interessada no assunto. “Antes eu não conseguia sentar na sala de casa e assistir a um jogo do Corinthians sem meus irmãos me perguntarem o que eu estava fazendo ali”, revoltase ela. Marcella tem situação oposta: garante que não só não sofreu preconceitos como foi bem aceita graças à
sua paixão. “Nunca senti preconceito; meus amigos sempre fizeram questão de me convidar para assistir futebol com eles. Esporte aproxima do sexo oposto”, acredita a futura advogada. Maria Olívia reforça a tese de Marcella: “Tirando o problema de ter que ficar na frente da televisão em horários inconvenientes para uma dona de casa e sofrer críticas da família, nunca sofri nenhum tipo de preconceito. É bom gostar de esportes porque tenho assunto para conversar em rodinhas masculinas”, argumenta a comerciante. Como todo fã tem um pouco de louco, elas também já provaram o amor pelo esporte em atitudes apaixonadas. Sendo o fanatismo de algumas originado ainda na infância, elas relatam memórias de um passado um tanto distante, porém vivo na mente dessas meninasmulheres. “Na época dos jogos regionais, eu ficava o dia inteiro fora de casa”, conta Bruna. Marcelle lembra de algo parecido: “Eu andava quase todos os dias do colégio até o ginásio de esportes na época de jogos escolares só pra assistir às partidas”, empolga-se ela. As “loucuras” de Marcella são mais atuais: “O máximo que fiz foi perder muitas aulas às terças-feiras para assistir ao Timão” (na Série B, o Corinthians tem jogos às terças, sextas e sábados). Maria Olívia, dona-de-casa e mãe de dois filhos já maiores de idade, também tem lembranças mais recentes. “Já acordei de madrugada, deixei de ir a algum lugar importante e até esqueci atividades rotineiras”, recorda-se. Algumas delas também têm em seu passado uma intensa prática esportiva, o que muitas vezes esconde uma possível frustração por não ter seguido o
O outro time O Brasil é o país do futebol. Sendo assim, nada mais natural que as brasileiras aprendam a gostar ou no mínimo convivam com a cultura esportiva predominante. Certo? Errado. Mesmo diante de tal panorama, o “país da bola” ainda produz reações adversas ao meio esportivo. Não há um levantamento que aponte se existem mais homens ou mulheres odiando a prática esportiva, porém, apesar de toda a mudança nos perfis de cada gênero, ainda há representantes do sexo feminino que acham uma tremenda perda de tempo assistir (ou mesmo torcer) para “11 (são 11, né?) caras tentando pôr uma bola no gol”. Ludmilla Alves, vestibulanda de 20 anos da cidade de Anápolis (GO) e dona da frase - entre aspas - acima, é exemplo disso. A goiana também é a
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criadora da comunidade “Eu Odeio Esportes!” no site de relacionamentos mais utilizado por sua faixa etária no momento, o Orkut. Nela, 115 membros de ambos os sexos apóiam e entendem o sentimento de Ludmilla, cujo ódio pelos esportes vem desde o primário - “1ª. série mesmo”, segundo ela. “Mas no começo era por vergonha, porque eu tenho seios ‘avantajados’, e desde pequena já apareciam, e as outras meninas não tinham... daí dava vergonha ficar correndo e pulando e os seios ‘balançando’”, admite ela. Porém continua:
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“Antes eu não conseguia sentar na sala de casa e assistir a um jogo do Corinthians sem meus irmãos me perguntarem o que eu estava fazendo ali”
esporte como carreira. “Eu já tentei praticar e não tive muito êxito”, conta Bruna, em meio a risos. Já Marcelle chegou a jogar vôlei no time de sua escola e, mesmo não defendendo mais a equipe, prossegue a prática da modalidade. “Apesar de não ser alta, procurei aprender todas as regras e algumas técnicas de jogo. Pratico desde os 13 anos”, conta ela. Além da disputa, Megui também simpatiza com a “prática pela prática”: “Gosto de tudo. Praticar pelo gosto de fazer exercícios, movimentar o corpo, ter a adrenalina num pico inexplicável, satisfazer um prazer e sempre tentar melhorar – tanto na atuação de brincadeira como até mesmo competição”, revela. Marcella, por sua vez, é apenas uma “esportista apaixonada” e demonstra sentir-se bem com tal condição. “Nunca fui muito fã de praticar esportes, sempre preferi exercícios de academia, mas tenho paixão por torcer”, diz ela. Maria Olívia lamenta a falta de incentivo aos esportes na época de sua juventude. “Não pratico porque minha geração nunca teve acesso a práticas esportivas”, afirma ela.
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“Mesmo depois que virei mulher e já sabia conviver bem com seios grandes, eu nunca gostei. Não acho que correr numa quadra atrás de uma bola para enfiar num buraco/cesta seja algo interessante”, diz ela. Paula Costa Bottesi, 21, estudante de Comunicação Social e estagiária, divide a mesma opinião, e possível raiz do ódio, de Ludmilla: as aulas de educação física. “Nunca gostei de esportes e acho que isso agravou quando era obrigada a fazer aula de educação física na escola. Nunca tive vontade nem o dom de praticar esporte e passava muita vergonha quando criança, pois não sabia nem como pegar na bola”, revela a estudante. O trauma, no entanto, deixou uma salva-guarda para Paula: “O único esporte que pratico é a caminhada. Adoro andar, mas não tenho nenhum preparo físico”, comenta. A maior crítica de Ludmilla quanto aos esportes é a comoção nacional que provocam. “O país pára pra assistir. Por que não param pra encarar os
Mulheres qu e...
Dos 20 aos 50 anos, elas mostram que não há idade (nem sexo!) para demonstrar paixão pelo esporte em pleno país do futebol Natália Tamaio
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Biblioteca do Congresso - EUA/www.flickr.com
Elas são estudantes, atrizes, estagiárias e comerciantes. São mulheres comuns, que seguem uma rotina de atividades; algumas têm TPM como 75% da população feminina e sofrem (ou deliciamse) com os tempos de “igualdade entre os sexos”, tentando um espaço ou demonstração de seu valor no mercado de trabalho. Porém, algo as diferencia das outras mulheres: o amor pelos esportes. Futebol, vôlei, judô, natação, handebol, ginástica artística e rítmica, futsal, tênis e até Fórmula 1. Entre a prática do exercício e o acompanhar dos fatos de cada modalidade esportiva através da imprensa, as mulheres mostram que muita coisa mudou nas últimas décadas. Seja por uma possível carreira esportiva frustrada, seja por influência cultural dos ambientes em que foram criadas, elas apaixonaram-se por esportes de todos os tipos, desde os mais leves aos mais violentos e (assim considerados) “masculinos”. É ponto comum entre quase todas as “amantes do esporte” uma forte influência de pessoas tão ou mais apaixonadas pela mesma prática esportiva. “A influência do futebol veio pela sociedade. Por ser o esporte mais popular no Brasil, você o tem constantemente na sua vida, querendo ou não”, lembra Bruna Fábio Antunes, 20, estudante. Mas ela também não esconde a influência familiar em sua paixão: “Minha mãe sempre gostou de acompanhar os esportes, principalmente nas Olimpíadas. A gente passava o dia inteiro vendo tudo o que podia”, conta ela. Marcelle Stefany da Silva, 20, que acumula as funções de telefonista, atriz e produtora de eventos artísticos, confirma. Fã de vôlei e futebol, ela garante que o pai, ex-jogador amador de vôlei, foi um dos principais incentivadores ao gosto por esportes. Quanto ao futebol, “sempre acompanhei meu pai nos jogos do meu irmão mais novo”, diz a multi-trabalhadora. A estagiária de Direito Marcella Querino Mangullo, 21, foi influenciada por ex-namorados e também pelo irmão. “Eu admirava o quanto meu irmão amava (e ama) o Corinthians. Aí não teve jeito. Já um dos meus
Amam esportes
Festivais de quitutes para estômagos resistentes Natalia Barrenha
Natalia Barrenha
A gastronomia brasileira como um todo ferveu como uma feijoada a borbulhar na cumbuca nos últimos anos. Lançamento de livros, filmes, visitas de grandes chefs do mundo todo, eventos, premiações, regulamentação da profissão de cozinheiro... Sem contar os inúmeros festivais gastronômicos que balançaram grande parte das maiores cidades do país. E a gastronomia de boteco não ficou de fora: pelo contrário. Um dos maiores festivais de comilança no Brasil dedica-se especialmente a ela: o Comida di Buteco, que chegou em 2008 à sua nona edição com 41 botecos inscritos, ao contrário dos apenas dez em seu ano de largada, 2000.
Além do Comida di Buteco (eleito o evento gastronômico do ano de 2006 pelo prêmio 100 Mais Brasil, da revista Seleções), que se realiza anualmente nos bares de Belo Horizonte - conhecida como a capital brasileira do boteco: título merecido para a cidade de 2,5 milhões de habitantes e cerca de 12 mil botecos -, há outros festivais botequeiros que se destacam pelo Brasil: os ainda mineiros Palabar e Festival Redentor de Gastronomia de Boteco, e o Roda de Boteco, em Recife. A boemia de São Paulo também tem sua celebração que requer um antiácido à mão: o Boteco Bohemia, que também já conta com uma edição em Curitiba.
Além do arroz e feijão Flávia Oliveira
Inicialmente, a idéia era buscar as comidas exóticas de botecos. De primeira, as salsichas “boiadeiro” e os ovos azuis em conserva foram descartados por causa da comprovação de que em todos os botecos há pelo menos um desses petiscos. Foi então que
me deparei com a relatividade da expressão comida exótica. Ou seja, para uma conterrânea até espetinho de coração de galinha pode ser exótico. Dessa maneira, foi estabelecido que a busca seria por pratos que não são costumeiros nos lares de nosso país. Incumbida da missão de experimentar algumas especialidades culinárias que se pode encontrar em botecos, comecei com um prato que, além de causar a repugnância machista, traz em si o pré-conceito de ser um símbolo da crueldade: o grão de boi ao molho de especiarias. Em um prato fundo, pedaços de bago de boi e de lingüiça calabresa apimentada sobrenadavam em um delicioso molho muito bem temperado. Alho, cebola, tomate, cebolinha, pimenta e outros condimentos aromatizavam o suculento caldo. O acompanhamento eram fatias de pão francês. A surpresa foi a interessante textura que lembrava fígado de galinha. Confesso que o segredo para ter
coragem de degustar o grão de boi foi não pensar exatamente no que consistia a carne. Também deixei de lado o meu restrito conhecimento sobre métodos para se retirar os testículos bovinos. Aliás, um deles muito curioso consiste em amarrar as patas traseiras do animal e, com uma marreta, acertar as bolinhas do pobre boi que com tamanha dor desmaia. Desse modo, cortam-se as ditas. Outra experiência se deu com a guarnição de miúdos. Afinal, porque não aproveitar o calor da máquina para assar alguns pés, pescoços e moela que não irão acompanhar o frango? Foi pensando nisso que o Zé, dono de um boteco em Bauru (SP), criou a guarnição que agrada velhos e novos fregueses. A cortesia da casa é o aperitivo perfeito para a cerveja gelada antes do almoço de domingo. Aos freqüentadores é servida uma porção de pé, pescoço e moela de frango, acompanhados com mini-batatas, tudo caramelizado com a mistura de tempero e gordura que escorre dos frangos a girar. Esse petisco se come com as mãos para que se possa sentir a textura pegajosa antes de lamber os beiços e os dedos. II
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Hum, que saco: Acima, grão de boi ao molho de especiarias. Abaixo, guarnição de miúdos com uma cervejinha. Fotos: Flávia Oliveira
Prato cheio
Ao leitor, as batatas
Especiarias em sentido horário: salsicha “boiadeiro”, torresmo, tremoço com salgadinhos e aliche.
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E o bolinho de bacalhau, o caldinho de feijão, a carne seca com aipim... E aquela gelada, porque ninguém é de ferro! Texto e Fotos: Natalia Barrenha
O
nde tem civilização, há um bom boteco. Para o brasileiro, o bar é paixão. Foi em um bar que Jorge Amado criou Gabriela, foi em Ipanema que Tom e Vinícius imortalizaram a sua Garota. Foi assim, de bar em bar, que se construíram grandes e infinitas histórias. Sem falar nas inúmeras teorias e movimentos, que possivelmente tenham nascido de alguma divagação “botequiana”. Boteco não é só lugar de birita. É lugar dos grandes encontros. E faz tempo que boteco também é lugar de comer. Foi-se a época em que a gastronomia de boteco estava limitada a ovos em conservas, mergulhados em líquido suspeito, e a coxinhas e pastéis engordurados.
Ao lado dos bolinhos embebidos em óleo e de uma diversidade de pratos aclamados como “baixa gastronomia”, os botecos possuem seus clássicos PFs, que nada mais são do que refeições simples, semelhantes ou iguaizinhas às que se fazem em casa, com os ingredientes mais tradicionais: arroz, feijão, ovo, bife e verduras. Segundo o gourmet Eduardo Maya, “a comida de boteco nasce dentro da nossa casa e vai para a rua, diferentemente da culinária de restaurante, que a gente come na rua e tenta imitar em casa”. A palavra “boteco” é diminutiva de “botequim” que, por sua vez, tem a sua origem na palavra “botica”, armazém onde se vendia de tudo um pouco no começo do século passado. Os clientes iam para as
boticas, faziam compras e aproveitavam para colocar a conversa em dia. Com o tempo, os proprietários das boticas começaram a servir aos fregueses aperitivos junto com uma bebida. Como muitos bares naquela época não eram tidos como locais para “homens de família”, as boticas eram uma alternativa e logo se transformaram em um ponto de encontro, aonde os fregueses iam mesmo quando não precisavam abastecer suas despensas. Os PFs vieram depois, a partir da década de 50, e popularizaram os botequins: nessa época, o Brasil começava a se urbanizar e a se industrializar, e os operários e operárias precisavam de uma comida rápida, barata e caseira. Foram para o botequim. Esse tipo de estabelecimento, que oferece comidinhas rápidas e baratas, ao contrário do que se pensa, não foi inventado no Brasil. Uma das atrações da Espanha, por exemplo, são as casas de tapas, onde
os clientes se reúnem no balcão e consomem fartas porções de presunto cru, camarões, queijos e torradas, muitas vezes acompanhados de sangria. Na Inglaterra, serve-se a comida de pub (pub grub), das quais uma das mais tradicionais é a cottage pie, torta caipira feita com carne moída e cobertura de purê de batatas. Na França, há os bistrôs, que oferecem o prato do dia (plat du jour) junto com uma taça de vinho. E, é claro, há os cafés, espalhados em cada esquina de Paris e transformados em uma verdadeira instituição da cidade. Por aqui, o cardápio é extenso e pode variar de acordo com a região, mas a uniformidade se dá pela simplicidade no preparo e a honestidade dos preços. Não há nada que defina uma autêntica comida de boteco, o importante é ser saborosa, ir bem com cerveja e, de preferência, fazer mal pro coração.
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Priscila nasceu para ser a exceção à regra. Os pais, que esperavam por menino, nada fizeram para evitar que as suas primeiras roupas variassem sempre com as combinações disponíveis em verde e azul. Não sei se é essa a razão da natureza contraditória que cedo se manifestou em sua vida. Podia ser sórdida e dócil com a delicadeza dos brutos. Se mulheres viessem ao mundo com um manual de instruções ela seria a responsável pelo seu fracasso. Priscila é, até hoje, o exemplo maior da espécie feminina que vigora no século XXI. Nunca vi força semelhante capaz de chicotear na cara dos teóricos de plantão que mulher é a evolução da espécie, o sim e o não juntos. Depois dela fico até envergonhado em reconhecer que homem é bicho reduzido e maniqueísta, água ou vinho. Elas, só elas, são capazes de misturar o sagrado ao profano, Foucault com You Tube, spinning e pilates. Algumas verdades do senso comum se desmancharam em mitos na sua mão. Ir ao banheiro em grupo, por exemplo. Para Priscila, banheiro era o lugar de estar só, na intimidade em fuga de um mundo com bilhões de formigas. Mas quando viu no cinema a executiva convicta e firme recolher-se no toalete da empresa em que trabalhava para berrar toda a raiva que em silêncio cultivava uma cirrose, considerou aquilo tão ridículo que readmitiu a idéia do bando para a fofoca do pipi. Anos depois a questão ganhou asas comerciais, banheiro feminino virou nome de site e ela esteve certa de que o fim dos tempos estava próximo. Se a moda prenunciava o uso de scarpin, ela arrancava as galochas do fundo do baú e causava alvoroço na rua. Todas as suas atitudes indicavam que tinha maneiras próprias de se colocar no mundo.
a r a e ous h p k e Co mo Win
Lad y Di.
Feliz por não ter nascido na época da sua bisavó, compreendia o casamento encomendado e os crochês pelo resto da existência como males evitados pelo tempo e pela ordem de chegada dos espermatozóides nos óvulos, que desviaram a sua existência da era Cenozóica para que pudesse desabar de pára-quedas no mundo dos homens que assumem sem remorsos o ofício de babás, onde sexo não é aula de anatomia e ninguém pensa em apedrejar a Madonna. Quando nos conhecemos, ela implorava por um Engov em algum bar que fiz questão de esquecer. Ela não, certamente. Organismo recomposto, o perfil “eu sou pós-feminista” foi tudo o que captei. Como mais um macho pós-moderno, tratei de enfatizar a minha concordância com todas as posturas condizentes com o universo feminino evoluído, onde a mulher moderna é a autêntica Amélie Poulain na contramão, a do contra. Gargalhada feroz foi resposta que doeu nos ouvidos. Eu, o macho altamente desesperado por um manual de instruções, fiquei sem graça. Ela se virou e foi embora para nunca mais. Daquele dia guardo algumas lembranças daquele ser que daria orgulho a Darwin, afinal havia ali um outro estágio vivo da evolução. Fui para casa, recolhido à minha insignificância e perdido ao lado de tantos reduzidos e maniqueístas que perambulam por aí. Hoje, o cenário invertido e tudo, tenho amigos que me acompanham nas idas ao banheiro masculino. Mas nada das velhas piadas machistas. Conversamos sobre Priscilas e suas charadas. Todos me garantem que duas coisas ainda são certas e imortais: mulher nenhuma gosta de ser chamada de engraçada, nem que lhe perguntem a idade. Que desgraça! Priscila já dobrou trezentas esquinas depois daquele dia, aderiu e abriu mão do bando do pipi outras trezentas e nós teimamos em escrever outro manual. II inoza Texto: Bruno Esp Foto: Holgabot*/www.flickr.com
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Pelo próprio enredo que Machado criou, apesar da nuvem de desconfianças e incertezas que cobre Capitu vista pelos olhos de Bentinho, segundo os estudiosos o autor não pecou ao realizar uma descrição detalhada - tanto fisicamente quanto emocionalmente - da esposa do personagem-título da obra. Beatriz, inclusive, vai mais além em sua opinião a respeito da caracterização da moça. “Na realidade não é Machado quem a descreve, ele se utiliza de Bentinho para descrever. E é próprio do ‘ser humano’ descrever o que vemos e o que damos importância. Bentinho, o narrador, dava a Capitu a maior importância, então é natural que ele a descreva com o valor que ela merece para apoiar suas convicções”, diz ela. Já para Renata, descrever Capitu com tal veemência serviu para que Bentinho tentasse convencer o leitor de que Capitu o traíra, sim, com seu amigo Escobar. “A descrição detalhada me parece ser uma forma também de incriminála. Os adjetivos em torno de Capitu estão todos ligados à dissimulação, à ambigüidade. As ações da personagem que o narrador resolve contar reiteram esse laço”, demonstra a doutoranda. Entretanto, quanto à convicção do próprio Bentinho no tocante à traição da esposa, a opinião das estudiosas da obra machadiana é dividida. “Acho que o personagem tinha convicção da traição, tanto que muitos anos de afastamento não o fizeram refletir e mudar de opinião, mas o deixaram cristalizar a idéia. Talvez houvesse crença e dúvida apenas no início dos acontecimentos, mas quando ele se coloca como narrador da obra está convicto da traição”, opina Beatriz. Já para as irmãs “de Felippe”, o narrador-personagem não está assim tão convicto quanto pretende demonstrar. “Acredito que ele não tinha certeza e que não só procura nos convencer como convencer a si próprio, e assim afastar qualquer possibilidade de culpa por ter banido Capitu de sua vida”, defende Rossana. Após criar tal polêmica, Machado dividiu os leitores de Dom Casmurro e os pesquisadores e interessados em sua obra entre os que defendem Capitu e não acreditam no adultério, e os que “compraram” a versão de Bentinho e condenam a esposa pela traição. Surgiram, então, inúmeros argumentos para provar, ou não, que o filho de Bentinho é, na verdade, fruto da relação de Capitu com Escobar, melhor amigo do casal. Um deles
apóia-se no fato de que Dom Casmurro faz parte da escola realista e, portanto só poderia ser retratado pelo narrador algo que de fato ocorreu. Para Beatriz, defensora da inocência de Capitu em seu livro, tal argumento não é suficiente para comprovar o ponto de vista de Bentinho. “O realismo não é necessariamente uma corrente que discute o adultério”, diz, referindose a enredos como O Primo Basílio e o próprio Dom Casmurro, “mas uma corrente que fala dos fatos da vida de uma forma menos superficial, caracterizando os personagens de uma forma mais profunda”, sintetiza ela. Renata e Rossana concordam de forma veemente. “A idéia de Realismo, como proposta estética e literária, não está necessariamente ligada ao critério de ‘verdade’”, explica Renata. Machado é tido como um autor tão brilhante que foi incompreendido em seu tempo. Para tanto, apenas após a morte do escritor é que surgiu tamanha polêmica em torno da traição (ou não) de Capitu, fazendo de Dom Casmurro uma história anacrônica, que atravessa os tempos, sempre com o surgimento de novas teorias e novas versões desse conto criado há mais de 100 anos. Um dos pontos de especulação é: teria Machado intenção ou mesmo noção do tamanho do tabu – e do mistério – que estava criando em torno do livro, ou mesmo da personagem Capitu? “Não tenho convicção disso. Acredito que Machado possa ter tido essa intenção pela genialidade do conjunto de sua obra, mas acho também que pode ter criado uma história com personagens muito bem caracterizados e fortes, sem o maniqueísmo, que muito agrada uma boa porcentagem de leitores. Essa condição dúbia do ser humano é que gera a discussão”, argumenta Beatriz. “É difícil dizer. Talvez o próprio escritor não tivesse a intenção de polemizar, mas de criar uma espécie de mistério. O público da época não percebeu essas possibilidades e simplesmente acreditava na traição”, opina Renata. O autor ainda criticou duramente o romance O Primo Basílio, de Eça de Queirós, no qual o adultério é claro e explícito, o que o Machado “crítico” taxou como “indecente”. Por isso mesmo, a professora Rossana defende: “Talvez Dom Casmurro tenha sido uma espécie de resposta ao romance do escritor português, como se Machado quisesse demonstrar que o adultério como insinuação ou como possibilidade seja um modo mais interessante de tratar sobre o tema. A polêmica em torno da traição foi criada por leitores e críticos, não pelo escritor”. II
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A polêmica da polê No ano em que se comemora o centenário de morte de Machado de Assis, escritor: teria Capitu traído Bentinho?
mica inventada (?) ainda permanece a pergunta em torno da personagem mais famosa do Natália Tamaio
Imagem: Pamela Glew/www.flickr.com
Após 100 anos da morte de Machado de Assis, comemorado neste ano de 2008, o conjunto de sua obra ainda intriga e fascina, mantendo-o como expoente quando se trata de literatura brasileira. Apesar de criar enredos marcantes tais como Memórias Póstumas de Brás Cubas e O Alienista, foi em Dom Casmurro que Machado inventou a personagem que mais ganhou destaque e “roubou a cena” neste centenário, entrando para a história como uma das mais misteriosas personalidades envolvidas em uma trama machadiana: a dona do famoso “olhar de ressaca”, cujo nome é tão excêntrico quanto seu jeito de ser: Capitu. A mística que ronda a moça, conhecida como o primeiro amor de Bentinho – personagem que dá título ao enredo -, e a “presença” criada pela personagem, que acabou tornando-se foco central da história em Dom Casmurro ao ser acusada de adultério vem, para alguns, do fato de que Capitu é “uma personagem muito bem caracterizada emocionalmente, e o foco das memórias do narrador/personagem”, argumenta Beatriz Meirelles, 47, professora e autora do livro O Olhar de Capitu: o outro lado da história. Já para Rossana de Felippe Böhlke, atual professora adjunta da FURG - cuja tese de mestrado foi Duas visões traduzidas de Capitu em Dom Casmurro: uma investigação textual e contextual de características na construção da feminilidade -, e sua irmã, Renata Farias de Felippe, doutoranda em Literatura Brasileira pela UFSC, o foco na personagem, através do narrador em primeira pessoa – Bentinho - teria fundo “acusatório”. “Caso Capitu fosse uma figura muito secundária, a acusação de traição perderia a sua força”, alega Rossana.
Viva, Las Vegas?
Paris,
LAS VEGAS Ou A Volta ao Mundo em 80 Dias Natalia Barrenha
Natalia Barrenha
V
ivi na cidade-luz pouco mais de 80 dias. A Torre Eiffel estava em meu itinerário todos os dias, assim como o Arco do Triunfo. Tudo bem que a Torre Eiffel tinha apenas a metade do tamanho da original, mas isso não importava, já que logo ali eu poderia ver uma esfinge em tamanho natural. A cidade que dorme - ao contrário do que muitas pessoas pensam está encravada no deserto e tinha tudo para ser nada - até a jogatina ser legalizada. E a jogatina pode ser o principal motivo que faz com que mais de 40 milhões de pessoas (90% provenientes do próprio país) visitem a cidade por ano: talvez ela sofra dessa insônia crônica devido aos cotovelos que se esfregam no feltro verde tanto de manhã, de tarde, de noite, ou madrugada adentro. Ao invés disso, não são só os milhões de dólares que deitam no pano verde que move a cidade que, em meio à crise financeira mundial, vive na belle époque. Além dos caça-níqueis, presentes desde o aeroporto, os cassinos (localizados dentro de grandes centros de compras – apesar de se achar o contrário) são apenas parte da diversão, que se baseia em gastar dinheiro em uma quantidade muito além do que qualquer mu-
lher consumista com o cheque em branco pode pensar. Entre os quartiers chics, onde a igualdade simplesmente inexiste, só se vê a liberdade e a libertinagem, acompanhados da luxuosa arquitetura exagerada kitsch digna de um Luís XIV, e de lorettes e grisettes estampadas em cartões que fariam o Moulin Rouge corar. Afora os filósofos, aristocratas e aburguesados, apenas aristocratas, aburguesados e bons vivants, dignos de uma guilhotina ao lançar uma ficha preta a cada virada de carta em um lugar onde há um campo de golfe particular, e no qual os passeios são feitos com faustosas bolsas francesas nos braços ao invés de mochilas nas costas. Além de proporcionar uma lua-de-mel na qual se pode conhecer vários destinos, é possível casar na cidade do amor e do pecado por míseros 30 euros - e sem papelada. Como com os trens balas europeus, de absintos e cafés chega-se à Veneza e à Praça São Marcos, depois a um castelo inglês com direito a torneio de cavaleiros à beira de um jantar medieval (onde se come com as mãos). Atravessamos a Ponte do Brooklin vendo a Estátua da Liberdade, e acompanhamos um duelo de piratas enquanto o vulcão mais ativo do mundo explode no meio de uma miragem. Enquanto isso, a dança das águas está logo ali, depois do palácio de César, depois do show de mágica, e das comédias stand up. Parodiando Thomas Appleton, Paris é o lugar para onde vão as pessoas boas quando morrem. Podiase esperar, segundo as crenças populares, que Las Vegas é o lugar para onde vão as pessoas boas quando vivem. Entretanto, de la vie en rose, Las Vegas não tem nada, pelo menos durante 80 dias. II
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A moda do Mundo Fotos: www.teenvogue.com
Aimee Ha Melbou n rne, Au strá
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Antonio Cunha Ontário, Canadá
hnson Floyd Jo Ohio tti, Cincina
Kaly Queiroz Poços de Caldas, Brasil
Nur Dini Sarif udin Tampines, Ci ngapura
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Aubrey Fisch Lausan ne, Suíç a
Justine Shaw res Lond , Inglaterra
Mila Anzib Bandung, Indonésia
Christine Nicholson Brooklin, Nova Iorque
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Cordelia Talk Swansea, País de Gales
Cristina Ruiz Sanaloa, México
Madeleine W elch Round Rock , Texas
Angelique de La Cruz Macati, Filipinas en Silje Tromm oruega Aalesund, N
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Caminho para a felicidade Ficou interessada? Aqui vai uma lista de blogs, fotologs e afins para matar
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Wardrobre Remix: Comunidade criada por Tricia Royal, cada vez mais visitada (e complementada) por gente do mundo todo interessada em moda criativa e, por que não, barata. [ http://www.flickr.com/groups/wardrobe_remix/ ] Flickr Boboniaa: Confira as mais de 500 fotos das produções de Bobo. [ http://www.flickr. com/photos/boboniaa/] Le Blog de Betty: Fotos, textos, idéias e compras, muitas compras, na incansável busca de Betty por artigos interessantes pelas ruas de Paris. Com direito a endereço de suas lojas favoritas. [ http://www.leblogdebetty.com/ ] Fashion Lab: Felipe Castro é estudante de moda e mostra no blog os resultados da busca por estilo pelas ruas do Rio de Janeiro. [ http://fashionlab-rio.blogspot.com/ ] Vista sim!: Vinícius Cardoso e suas fotos de pessoas cheias de estilo que chamam atenção (dele) nas ruas de São Paulo.[ http://www.vistasim.globolog.com.br ] Estilo Brasileiro: Fabi, Juliana, Raquel e Fernanda. Com a proposta de retratar a verdadeira identidade da moda nacional, as amigas contam com a colaboração de leitores que mandam fotos cheias de estilo de pessoas de norte a sul do país. [ http://estilobrasileiro. wordpress.com/ ] Hoje eu vou assim: O estilo (e o armário) de Cristiana Guerra. [ http://hojevouassim. blogspot.com/ ] Filet para quem é mignon: Blog onde Cris vende peças do seu armário. [ http:// filetpramignon.blogspot.com/ ] Face Hunter: O conceituado blog de moda das ruas é considerado fonte de referência e inspiração para muitos. Do amado, e odiado, Yvan Rodic. [ http://facehunter.blogspot.com/ ] The Sartorialist: Ao lado do Face Hunter é dos mais comentados, e importantes, blogs de rua do mundo. [ http://thesartorialist.blogspot.com/ ] Oslostil: Traz o melhor estilo das ruas da capital da Noruega. [ http://www.oslostil.com/ ] Austin Style Watch: Austin (Texas) não tem o legado fashion de Nova Iorque ou Londres, mas o blog mostra que não é preciso estar nos grandes centros para ter uma incrível cultura jovem e um espírito artístico único. [ http://www.austinstylewatch.com/index.html ] Meia três quartos: Olivia Hanssen é stylist e blogueira. [ http://meiatresquartos.blogspot. com/ ]
a curiosidade e, quem sabe, despertar a fashionista em você.
Look At Me: Você pode não entender russo, mas pode se inspirar pelas fotos de moda das ruas de toda Rússia, incluindo Moscou e São Petesburgo. [ http://www.lookatme.ru/ ] Hoy Fashion: Representa o melhor estilo do Reino Unido. [ http://www.hoyfashion.co.uk ] Flickr Lewis: Arquivo de fotos pessoais do canadense e ainda sofisticadas produções de moda fotografadas pelo garoto que dariam um editorial. [ http://www.flickr.com/ photos/49818858@N00 ] Dus*****infernus: Do escritor, redator e jornalista, Vitor Angelo. Ele assina coluna gay na Revista da Folha, é colaborador da UOL e empunhava o microfone pelo GNT Fashion. Humor ácido, muita informação de moda e etcs. [ http://dusinfernus.wordpress.com/] LOOKBOOK.nu: Experimento social internacional em estilo. Foi inspirado no blog The Sartorialist assim como fóruns de moda na internet. [ http://lookbook.nu/ ] HEL LOOKS: moda das ruas de Helsinki, capital da Finlândia. Projeto de Liisa Jokinen and Sampo Karjalainen, e um tributo às revistas Fruits e Street, pioneiras na fotografia de moda das ruas. [ http://www.hel-looks.com/ ] Prata na moda: Blog de editora de moda da Vogue Brasil, Maria Prata. [ http://prataporter. blig.ig.com.br/] Hypercool: Sylvain Justum, colaborador do site RG Vogue, de Homem Vogue, de Vogue, do Estadão. [ http://hypercool.wordpress.com/ ] FORA DE MODA: Do crítico de moda da Caras, Ricardo Oliveros. Arte, moda e relacionados. [ http://forademoda.wordpress.com/ ] Freakstyle: Blog de street-style da jornalista Maíra Goldschmidt, da revista Joyce, ex-RG Vogue. [ http://www.freakstyle-freakstyle.blogspot.com/ ] ABOUT FASHION: Do blogueiro Luigi Torre, que ajuda Alexandra Farah nos vários veículos em que ela atua, inclusive no blog de Alexandre, o Filme Fashion. [ http://aboutf.wordpress. com/ ] Filme Fashion: A jornalista Alexandra Farah e seu videoblog: moda, cinema e tecnologia. [ http://www.filmefashion.com.br/site08/ ] Style Slut: Blog de jovens ingleses antenados em o que existe de mais moderno em música, estilo underground, cultura. Muitos degraus acima das grandes revistas. [http://styleslut. blogspot.com/ ]
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14 Cris Guerra
Gostar muito de roupas e passar um bom tempo escolhendo o figurino levou a publicitária mineira de 37 anos, Cristiana Guerra, a criar um diário virtual. No queridinho Hoje Vou Assim, ela posta fotos com legendas das peças que veste para trabalhar e fala um pouco sobre si mesma. “Tem o cara que adora carro, tem o que adora futebol. Eu adoro roupas”, diz. E Cristiana acabou sendo adorada por quem já visitou seu diário. Além de sensata na escolha do guardaroupa, Cristiana vai além e reflete sobre o que vestimos e o significado de nossas escolhas na moda. “Já parou pra pensar que ao acordar você se prepara para um desfile diário, voluntário ou não, e ao se vestir faz suas escolhas? Que assim como o estilista elege cores, formas, texturas, estampas, você seleciona as suas entre o que está disponível por aí? Que é influenciada pelo mundo, pelo seu próprio humor, pelas alegrias e tristezas, dias de tédio ou paixão? Que ao fazer uma simples combinação de
cores, texturas, estilos, você está mostrando a sua forma de ver a vida?”. Mignon, corpo tatuado, cabelos curtos, Cristiana é um modelo traduzindo nas roupas toda criatividade e importância atribuídas ao vestir que carrega consigo. Mistura cores, texturas, formas, brinca com as roupas em combinações incríveis, autênticas, tirando delas o melhor que consegue. “Acho que, de certa forma, transmito noções de estética. Não digo ‘amém’ para a moda. Busco o que tem a ver comigo. E sinto que transformo o dia-a-dia de muita gente”, diz consciente. No blog, a publicitária relaciona links dos estilistas que fazem parte de seu invejável guardaroupa, links para sites de moda, brechós online e, vez ou outra, ainda vende peças de seu armário pessoal no Filet pra quem é mignon, bazar do Hoje vou assim, que acontece periodicamente para “reciclar meu guarda-roupa e garantir a sobrevivência da minha conta bancária”, brinca.
Não restam dúvidas de que cada vez mais pessoas se arriscam no “combine você mesmo” da moda. Blogs e fotologs são prova disto e se tornaram um importante suporte para a divulgação de idéias de pessoas criativas, interessantes, e insatisfeitas com a informação de moda que recebem. A febre tem chamado tanta atenção que estilistas se renderam à mania percebendo nos blogs um caminho mais curto para chegar ao público. Muitos criadores de moda passaram a utilizá-los como referência para avaliar o alcance de seus produtos nas ruas além de considerá-los importantes fontes de inspiração, levando os blogs à posição de bancos de pesquisa gratuitos. Estudando o que o público gostaria de vestir, o êxito em captar estilos e assim satisfazer vontades pode ser muito maior. “Com acesso rápido ao que está nas ruas, os estilistas renovam inspirações e isso acaba se refletindo com mais agilidade nos produtos disponíveis no mercado”, falou em entrevista à Folha Yvan Rodic, criador do Face Hunter, blog de moda de rua mundialmente explorado. Num processo inverso ao da moda que sempre ditou tendências, o circuito super exclusivo das mega corporações mundiais passou a buscar inspiração onde antes determinava as regras. Mais do que inspirar, os blogs interferiram na ordem regular da moda, façanha que garante respeito e persuade os ainda resistentes à mudança. Moda está muito além de simplesmente escolher uma roupa pra se cobrir, é tradução de personalidade, sentimentos, idéias, vontades. Registro de uma época vivida, a moda carrega significados, ideais, ou simplesmente uma vontade de querer ser ou parecer. E quem se veste para ser visto sabe muito bem o que pretende transmitir com o visual que escolheu. Concordando ou não uma coisa é certa: a moda é estar fora dela, e autenticidade e estilo simplesmente não se compram por aí, mas espiar a moda desses blogs pode ser um bom começo e uma grande fonte de inspiração. II
Cristiana Guerra, do blog Hoje vou assim
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O estudante canadense Lewis Mirret: muita personalidade e ousadia na hora de se vestir.
Só para meninas?
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Mas gosto por moda não é exclusividade das meninas. O estudante canadense de artes visuais Lewis Mirret, 18, amante de moda e fotografia, comprova o fato através de seu respeitável arquivo de fotos. “Eu faço meu próprio estilo e normalmente tento não seguir tendências. Tento não me prender a apenas um estilo pois logo me sentiria entediado. Gosto de experimentar, fazer combinações malucas, misturar as coisas ao acaso”, diz o estudante. Lewis não tem medo de ousar e impressiona mesmo os mais moderninhos com os jeans skinny super justos, lenços e maxi bolsas, recorrentes nas produções pouco usuais para um menino. Se resta alguma dúvida de que se sente totalmente à vontade com o próprio estilo e se diverte com a moda, Lewis faz questão de explicar melhor. “Para você ter idéia de como minhas combinações podem ser inesperadas, uma vez usei bermuda social, suspensórios, meu par de Nike prateado, uma corrente preta e dourada, lenço estampado e meus óculos cobre e laranja, tudo em um mesmo look!”, diz orgulhoso. No Brasil, o registro da moda das ruas ainda é pequeno se comparado a outros países. O pensamento crítico de moda em nosso país é muito recente: há menos de 40 anos começou a se pensar em cultura de moda e sua profissionalização, o que em parte explica a dificuldade encontrada na valorização e apoio a uma área que ainda tem muito que ser explorada. “A formação de uma corrente crítica de moda passa por diversos problemas: o papel de periferia de idéias no qual o país ainda se reconhece, o colonialismo cultural, a produção muito recente de semanas de moda, entre outros”, comenta o jornalista
Vitor Angelo no seu Dus*****infernus, blog sobre moda, cinema , música e artes. Se pensarmos ainda no clima e no baixo poder aquisitivo da maior parte da população do Brasil, as opções de vestuário e as possibilidades de escolha acabam ficando limitadas; além disso, predomina o equivocado estigma de que o preço define a qualidade e importância de uma peça. Blogs como o Fashion Lab, do Rio, ou Vista,sim!, de São Paulo, trabalham dentro da idéia de fotografar o que há de mais interessante nas ruas. A falha é que a pesquisa acaba ficando restrita aos grandes centros ou, como no caso de São Paulo, à Oscar Freire, e a idéia de moda livre e democrática acaba se perdendo. O blog Estilo Brasileiro, uma versão colaborativa dos blogs de moda das ruas, tenta seguir adiante no eixo Rio-São Paulo, partindo para o registro fotográfico em estados um pouco esquecidos como Bahia e Goiás, tentando retratar a verdadeira identidade da moda nacional. Criado por quatro amigas de pós-graduação em marketing de moda que estudam, pesquisa e respiram o assunto, o blog surgiu da vontade de mostrar o modo de vestir do brasileiro e seus hábitos de consumo. A relações públicas e produtora Juliana Laguna é uma das idealizadoras do projeto e aponta a interatividade como diferencial e fator indispensável para a permanência do site, que define como “uma brincadeira divertida de coolhunting: basta encontrar alguém estiloso, em qualquer cantinho do país, que tenha a cara do blog e enviar a foto. Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar o seu valor”, afirma Juliana.
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Entre os maiores contribuidores do Wardrobe Remix está a ilustradora tailandesa Siriwan Bobo, 30, mais conhecida por Boboniaa. Amante das peças vintage, Bobo define seu estilo como Glam Vintage e tem como ícones de estilo a atriz Mischa Barton, as irmãs Olsen e Twiggy. Mas, no Flickr, é a carismática Bobo quem assume o papel de ícone de moda para milhares de usuários de diversas partes do globo, viciados em acompanhar o guarda-roupa da garota com estilo especial. Prova disto são as mais de mil visualizações em cada uma das mais de duas mil imagens do adorável arquivo de Bobo. Da Tailândia para a França, conheça Le Blog De Betty, da atriz, modelo, cantora e blogueira parisiense de 24 anos, Betty Autier. Betty costumava participar de fóruns na Internet em que descrevia as roupas que usava diariamente e, quando conheceu o Wardrobe Remix, decidiu ir além e criar seu próprio blog, onde poderia escrever sobre o que mais gosta: moda (e as compras infinitas que tal paixão mantém). O blog é uma mistura de textos sobre os muitos e incríveis “achados” de Betty nas lojas de Paris, fotos das combinações que veste no diaa-dia e coisas que a inspiram. “Eu amo dividir o que encontro e tenho orgulho em dizer que minhas roupas não custam muito e são acessíveis”. Betty se baseia em renomados blogs de moda das ruas como Facehunter e The Sartorialist para criar seu estilo e, democrática, diz que nada a desagrada em relação à moda. “Todo mundo tem um estilo e uma maneira pessoal de se vestir”, fala.
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A charmosa Betty Autier.
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Bobo, garota de estilo adorável com fotos admiráveis.
Tricia Royal, criadora do grupo de mais estilo no Flickr.
Trocar de roupas muitas vezes, tentar combiná-las da maneira mais criativa possível, fotografar tudo e depois colocar na Internet. A mania das fotos “com que roupa eu vou” invadiu a rede e tem levado cada vez mais anônimos a serem admirados por seu senso de estilo, que quanto mais inusitado for, melhor. A idéia é simples e não exige muito esforço; basta uma câmera e muito estilo para fazer uma boa foto e conquistar muitos seguidores. E as fotos, publicadas em blogs, fotologs ou Flickr (aplicativo online de gerenciamento e compartilhamento de imagens) são cada vez mais procuradas por interessados em uma moda que não segue os padrões das grandes semanas, muito menos se prendem a marcas. “O importante não é de onde as roupas tenham vindo, mas a maneira como foram combinadas”, fala Tricia Royal, 38, criadora do maior grupo sobre o assunto no Flickr. O Wardrobe Remix surgiu como um projeto pessoal de Tricia em 1995, quando começou a postar em seu blog as fotos das roupas que usava no dia-a-dia. Depois da idéia se espalhar de forma viral pela Internet, Tricia criou o grupo no Flickr cujo nome se refere à mistura criativa que pode ser feita com as roupas que se tem no armário. Hoje, o Wardrobe Remix contém mais de 10 mil membros e aproximadamente 63 mil fotos de produções diárias de pessoas, para ir bem longe, da Tailândia à Finlândia. “Eu acredito que os maiores criadores de moda estejam nas ruas e não nos editoriais ou nos bastidores de desfiles. Os verdadeiros inovadores de estilo somos eu e você: pessoas reais, de bom gosto, homens e mulheres”, completa Tricia. Personalidade, estilos inspiradores e combinações incríveis são características comuns entre as fotos, e o vintage (ou roupas antigas), é preferência geral entre quem faz sua própria moda. Marca ou preço perdem importância, pois quanto mais exclusivo for um modelo, mais descolado quem o exibe. E por exclusividade não falo de peças caríssimas ou feitas sob medida, mas conseguidas por meio de trocas, encontradas em brechós, bazares de caridade, emprestadas do armário da mãe ou da avó.
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Moda de verdade
Bem-vindo ao meu armĂĄrio A melhor moda vem das ruas e nĂŁo depende do grande mercado. Texto: Maria Emanuela Alves Fotos: Arquivo pessoal
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Grandes esperanças Maria Emanuela Alves
De um encontro inusitado nasceu uma união mais que positiva e bem- sucedida. A solução para um problema e a concretização de uma vontade de muito tempo puderam acontecer graças a encontros ao acaso, coisas que não se explicam e que parecem não fazer sentido quando se tenta entender, mas que não poderiam ter acontecido de maneira melhor. Parte do resultado de tantas metáforas, que para você leitora parecem não fazer o mínimo sentido, mas que para mim representam grande parte do que se tornou este projeto, está aqui, na primeira edição da Paralela. Assim começa a primeira seção de comportamento, onde colocamos um pouco sobre muitos assuntos. Moda para quem pode, não aquela limitada, mas a real, inspiradora; histórias de quem viveu na cidade do pecado e não deixou em Vegas o que aconteceu por lá; divagações infindáveis sobre Capitu; Alice e psicologia, Priscila e suas modernices, gastronomia sem frescura para as fortes de estômago e abertas de coração; esporte também, pois mesmo você não gostando nós ainda conseguimos falar sobre isso por aqui, e para completar, independência financeira, ou idéias para quando se chegar lá. Espero que aproveitem, é para vocês!
Janae./www.flickr.com
Paralela Colaboradores
Equipe
Bruno Espinoza,
Maria Emanuela Vasques Alves, 24
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em jornalismo ho. Bruno se formou rin ca s, sa er nv co e, r Sotaqu m a capital. Melho ndo seu talento co ou a e agora está dividi fic só filo nhã, uma discussão a coxinha pela ma . companhia para um jogar conversa fora simplesmente para m .co ail brunespinoza@gm
Manu é jornalista e se veste muito bem, ou com seus achados das lojas de departamentos daqui, ou com sua herança indumentária de Londres, onde morou por um tempo. Faz muitas críticas ao modo de se vestir dos outros, sempre com um olhar diferenciado e engraçado. manuualves@hotmail.com
Natalia Chistofoletti Barrenha, 22 2
Jornalista que antecipa ao extremo o dead-line, Natalia é virginiana convicta obcecada por pontualidade e perfeccionismo. Aventureira em viagens malucas e em experiências gastronômicas exóticas - das quais nunca é autora, pois não entende nada da cozinha além da louça suja -, quer ficar rica logo para aprender a degustar vinhos secos e viajar sem passar perrengue. natibarrenha@hotmail.com
Natália Tamaio de Almeida, 21 Corintiana roxa, Natália Tamaio não perde um jogo do timão e coloca muito homem no chinelo quando o assunto é futebol. No dia-a-dia ela se divide entre o trabalho como jornalista radiofônica e o lazer de ficar por horas na Internet. Mas ela sonha mesmo com dia em que ela vai entrar em campo e se tornar a jornalista do curingão. nattamaio@gmail.com
A Revista Paralela é uma produção realizada como Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação do Prof. Dr. Mauro Ventura, na FAAC - Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação/UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Impressão: Gráfica DPI 2008 Foto de Capa: Debbie Harry, por Andy Warhol, 1980
Fl á v i a O l
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2
Aspirante à comunic óloga, Flá aromas e via diz qu texturas d e sua ânsi if erentes a a por sab longa visit conduziu ores, a aos sen para o in ti dos da ga íc io de uma e, princip stronomia almente, . Gosta d provar dri e prepara sonora. S nks e com r empre é id a s com uma a ú lt im a a sair d por vaga boa trilha a mesa, n reza mesm ão por gu o. flaviama lodice, ma chad@ya s hoo.com.b r
Paula Jorge Pulga, 21
mas e agora está adora aprender outros idio la Pau sa, fes con eira ad Bal jornalismo, ela espera ia. Apaixonada por tele se aventurando em econom o âncora. Louca por ocupar uma bancada com o sonhado dia em que vai zas (dispensa as poder comer quilos de piz comida, também sonha em dia seguinte. se matar na academia no azeitonas) sem precisar il.com paulajorgepulga@gma
Paralela
4 Entrada
A revista de bolsa de novembro de 2008
n0 01
Natalia Barrenha
28 Gastronomia de Boteco Boboniaa/www.flickr.com
26 Conto Yoda Nacarrete/www.flickr.com
6 Moda das ruas 20 Vegas
32 Amam esportes www.sxc.hu
37Por dentro da bolsa!
www.sxc.hu
Natalia Barrenha
22 Capitu
40Alice
Paralela
Revista de bolsa
comportamento
2008 NOVEMBRO
01