TFG - DO INDUSTRIAL AO SUSTENTÁVEL: RECONVERSÃO DE ÁREAS INDUSTRIAIS POR PROJETOS SUSTENTÁVEIS

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

DO INDUSTRIAL AO SUSTENTÁVEL: RECONVERSÃO DE ÁREAS INDUSTRIAIS POR PROJETOS SUSTENTÁVEIS

Nathalia da Mata Mazzonetto Pinto Monografia apresentada para Trabalho de Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Profa. Dra. Paula Raquel da Rocha Jorge

Orientação: Profa. Dra. Gilda Collet Bruna

Profa. Ms Renata Lima de Mello

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Universidade Presbiteriana Mackenzie

2017

professora convidada

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Dedico este trabalho primeiramente a meus pais, cujo apoio foi essencial durante toda a graduação; à Profa. Dra. Gilda Collet Bruna, que me norteou em vários momentos dos últimos cinco anos, e por quem tenho imenso carinho; finalmente, a todos os amigos, professores e minha família, que acompanharam de perto minha trajetória, sempre prestativos, compreensivos e dispostos a ajudar. A todos vocês, muito obrigada. Nathalia da Mata

fig. 1 - muro industrial em São Caetano do Sul (autoria própria)

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“Eu hei de contar, suspirando em algum lugar, daqui anos e anos duas estradas bifurcavam em um bosque, e eu Eu tomei a menos movimentada E isso fez toda a diferença.â€? (The road not taken - Robert Frost) 5


Resumo

Abstract

Este trabalho apresenta os princípios do urbanismo sustentável, focando em uma de suas possibilidades de aplicação: as áreas industriais esvaziadas e com possibilidades de receber bairros sustentáveis, incorporando principalmente habitação. Como forma de explicitar a implantação desse projeto, traz-se um projeto para esse local - um terreno localizado no município de São Caetano do Sul, que abrigava as Indústrias Reunidas Matarazzo - incorporando os elementos de sustentabilidade apresentados neste trabalho.

This paper presents the principles of Sustainable Urbanism, focusing at a possibility of design: empty industrial areas able of becoming sustainable neighborhoods, incorporating mainly housing. In a development of this project, it is brought here a design embodying sustainable elements presented in this paper for a large area located in São Caetano do Sul municipality, where once before there was a polluted industrial use.

Justificativa

O tema “Reconversão de Áreas Industriais por Projetos Sustentáveis” foi escolhido para o Trabalho Final de Graduação em decorrência de conclusão da pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida por esta autora intitulada “Tecnologia e Inovação em Bairros da Cidade”, finalizada em 2015. Nesta pesquisa, desenvolveu-se uma análise sobre a sustentabilidade nos bairros de São Caetano do Sul, fazendo uso dos dez princípios do Smart Growth (Crescimento Inteligente), movimento que se iniciou nos Estados Unidos a fim de promover o crescimento inteligente das cidades. Isso porque, segundo Rogers (2001), para que políticas de desenvolvimento sustentável sejam implantadas com sucesso, é preciso que exista uma base social e econômica adequada. A escolha de São Caetano do Sul como objeto de estudo para este primeiro artigo se deu por dois motivos: primeiramente, pela cidade apresentar bons índices socioeconômicos e ambientais, conforme foram levantados na pesquisa “Cidades e Edifícios Sustentáveis” realizada pela orientadora da Iniciação Científica (DA MATA, 2013), professora Gilda C. Bruna (e também deste TFG); por último, devido ao fato de São Caetano do Sul representar o melhor índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dentre os municípios de todo o Brasil no último relatório da ONU. Por isso existe uma base para o desenvolvimento sustentável (Rogers, 2001). Levando em consideração os 3 pilares da sustentabilidade (social, econômico e ambiental), concluiu-se que o município de São Caetano do Sul tem amplas condições para a implantação de políticas sustentáveis, pois apresenta 100% das residências com distribuição de água e coleta de esgoto, coleta seletiva de resíduos sólidos em toda a cidade, ciclovias, entre outros fatores. No entanto, no quesito social, São Caetano segue o quadro nacional de déficit habitacional e enfrenta um impeditivo para alcançar melhores condições de sustentabilidade: o alto custo da terra, a falta de áreas de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em seu Plano Diretor, e a existência de apenas 2 conjuntos de Habitação social na cidade contribuem para a expulsão das populações pobres (MORAES, 2013). Além disso, segundo a Secretaria de Obras e Habitação da cidade, 200 famílias se encontram hoje em situação de cortiço no município, que também faz divisa com favelas como Heliópolis. Apesar de ser 100% urbano e de ocupar um território de apenas 15km2, São Caetano possui áreas que viabilizam a implantação de novos conjuntos habitacionais. Isso porque o município vem sofrendo uma desindustrialização desde a década de 1960 (RIBEIRO JÚNIOR, 2008), o que faz com que áreas bem localizadas e providas de infraestrutura tornem-se disponíveis dentro do tecido urbano. Em especial, o terreno de 300.000m2 em que se localizava as Indústrias Reunidas Matarazzo, contaminada conforme avaliação da CETESB e com terreno livre em que é possível instalar áreas habitacionais; a reconversão de áreas deste tipo está inclusa na lógica da sustentabilidade pois, por exemplo, na certificação LEED-Neighborhood, incentiva-se a implantação de projetos em áreas denominadas Brownfields, isto é, locais de solo contaminado em áreas centrais, pois desta forma pode-se melhorar o solo e aproveitar a infraestrutura existente e com isso reduzir a pressão da urbanização em áreas ainda não desenvolvidas (GREEN BUILDING COUNCIL, 2009). Este tema mostra-se de extema relevância na realidade contemporânea, cuja resolução no cenário nacional e internacional tem sido bastante discutido: a sustentabilidade, a habitação e a reconversão das áreas industriais urbanas. 6


Sumário Preâmbulo: Por que sustentabilidade?...............................................6 1. A Sustentabilidade Urbana...............................................................8 1.1. As Origens do Urbanismo Sustentável .........................................................10 1.2. O Bairro Sustentável.........................................................................................11 1.3. Estudo de Caso: sustentabilidade urbana......................................................15

2. A Reconversão Industrial.................................................................24

2.1. Contexto da Reconversão Industrial..............................................................26 2.2. Brownfields.......................................................................................................27 2.3. Estudo de Caso: Contaminação do Solo...................................................28

3. Habitação.......................................................................................32 3.1. Estudo de Caso: escolha do tema Habitação................................................34 3.2. A Habitação na Reconversão de Áreas Degradadas.............................34 3.2. Desafios da Produção Habitacional para população de baixa renda...38

4. Estudo de Caso: Projeto de um Conjunto Habitacional de Interesse Social em Área Industrial de São Caetano do Sul........................42

4.1. O Masterplan...................................................................................................44 4.2. As Quadras Habitacionais...............................................................................44 4.3. Os Blocos Habitacionais..................................................................................50 4.4. As Unidades Habitacionais.............................................................................57 4.5. O Sistema Estrutural..........................................................................................60

Conclusão...........................................................................................66 Bibliografia...........................................................................................67 fig. 2 - torre de fornalha industrial em São Caetano do Sul (autoria própria)

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Preâmbulo: Por que Sustentabilidade?

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Nos últimos 10 anos, muito se tem discutido sobre sustentabilidade, fazendo com que a palavra sofresse um desgaste e levasse a certa dificuldade de entendimento, isto é, o significado e importância da aplicação deste conceito. A apropriação do termo de forma equivocada, com finalidades de marketing e venda, faz com que o conceito de sustentabilidade seja distorcido para diferentes interesses. Portanto, uma explicação sobre a origem da sustentabilidade se faz necessária, os motivos pelos quais essa discussão vem sendo feita em âmbito mundial e qual o seu conceito mais aceito no meio acadêmico. Primeiramente, deve-se entender que, durante o período entre os séculos XVIII e XX, houve intensa mudança no estilo de vida urbano em sociedade, enfatizado no incentivo ao individualismo. Diferentemente do que se entende hoje, a sociedade buscava na natureza a função exclusiva de ser provedora de matéria-prima e fonte de renda (KEELER, BURKE; 2010). Essa visão se mantém até a contemporaneidade, tendo sido impulsionada pelo incentivo ao consumo e amplo uso de recursos naturais e combustíveis fósseis, como o petróleo (FARR, 2013). Para tanto, o estilo de vida promovido por meio da mídia até a década de 1970 era aquele do de conforto proporcionado pela individualização e distanciamento do que é coletivo, ambientes abertos ou o meio natural. Isto teve um impacto na imagem da cidade em diversas esferas: na mobilidade, por meio do automóvel particular; nos edifícios envidraçados e espelhados, sem aberturas para o meio externo e com ar climatizado; iluminação artificial em ambientes internos, entre outros. (FARR, 2013). Sobre o advento do automóvel, por exemplo, pode-se dizer que este possibilitou que indivíduos percorressem longas distancias em curto espaço de tempo, fazendo com que as famílias pudessem morar longe de seus locais de trabalho e/ou estudo, assim como comprar em locais de concentração de consumo, como supermercados e shopping centers, em detrimento de lojas pequenas de bairro. Assim, a cidade tomou a forma do individualismo, por meio de concentrações residenciais em subúrbios (ou seja, distantes do centro da cidade), desenho de vias voltado para o transporte motorizado, edifícios com pouca conexão com a rua, entre outros aspectos. Essa morfologia individualista dificulta o desenvolvimento de meios de transporte mais econômicos como o transporte coletivo, o uso de bicicletas e a caminhada a pé, pois cria um ambiente hostil para o pedestre. Como consequência, tem-se uma dependência dos automóveis, assim como de outros confortos que o dinheiro pode comprar. Além disso, esse tipo de deslocamento demanda


altos investimentos públicos, pois precisa contar com a construção de estacionamentos e vias pavimentadas, além de levar ao desmatamento de áreas verdes e à impermeabilização do solo. Segundo levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2011, a cada R$1 investido no transporte público brasileiro, R$12 são investido em transporte individual (IPEA, 2011). Essa busca pela individualização nas cidades não teve implicações apenas econômicas, mas também na saúde pública: segundo Farr (2013), a prioridade e popularização do transporte motorizado individual fez com que a população, em geral, diminuísse as distancias caminhadas diariamente. Isto, somado a outros incentivos consumistas, como aquele do consumo de certos alimentos e estímulo ao lazer sedentário (televisão, internet, vídeo games, etc.) fez com que hoje haja uma verdadeira epidemia de obesidade no mundo todo. Segundo Varella (2014), para garantir a boa saúde dos sistemas biológicos, é aconselhável caminhar no mínimo 2,4 km diariamente. Além da obesidade, existe a condição de liberação de gases de efeito estufa provenientes da combustão de recursos fósseis; dentre esses gases destaca-se o CO2. A elevada concentração destes gases de efeito estufa no ar tem sido relacionada a complicações de problemas de saúde como a asma, dentre outros. No entanto, em 1970 houve uma reavaliação dessa condição devido a um evento histórico; a Crise do Petróleo, que colocou em cheque não só a dependência da sociedade ao automóvel, mas também para com outros recursos naturais, como o carvão, muito usado na geração de energia (FARR, 2013). A partir deste momento de crise, surgiram diversos movimentos ambientalistas que reivindicaram a reavaliação do modus operandi da sociedade em prol de um desenvolvimento mais saudável, e de uma nova visão da relação de dependência do ser humano perante o meio natural. Segundo Keeler e Burke (2010), sabe-se hoje que diversas sociedades fracassaram ao longo da história devido à má gestão e esgotamento de recursos naturais. Em 1987, durante a Conferência das Nações Unidas em Genebra, foi apresentado o Relatório de Brundtland, ou Relatório “Our Common Future” (Nosso Futuro Comum), que traz a definição de desenvolvimento sustentável como sendo aquele que permite conciliar as necessidades do momento com aquelas das gerações futuras (UNITED NATIONS, 1987). Esta definição de sustentabilidade aproxima a relação entre desenho urbano e sustentabilidade, pois as cidades são o grande artefato da humanidade, onde as populações se encontram e constroem novos ambientes para as gerações futuras.

No Brasil, o desenvolvimento sustentável encontra apoio na Constituição Brasileira de 1988, cujo Artigo 225 do Capítulo VI sobre Meio Ambiente afirma que todo brasileiro tem o direito à qualidade de vida em um ambiente saudável e o dever de preservar este ambiente para as gerações futuras (BRASIL, 1988). Segundo Keeler e Burke (2010), países em desenvolvimento como o Brasil apresentam dificuldades de aplicar políticas em prol da sustentabilidade, pois possuem problemas sociais a serem solucionados com urgência e que acabam por receber maior atenção das autoridades em detrimentos das questões ambientais. Devido a essas diferenças, as Nações Unidas trouxeram à discussão o conceito de Sustentabilidade Marrom durante a Conferência do Meio Ambiente em 1992: A Agenda Marrom (Brown Agenda), que indica a necessidade de conciliar questões ambientais e socioeconômicas a fim de solucionar problemas ambientais que, se persistirem, acarretam riscos à saúde da população (PESTANA, 2006). Dentro da lógica da Agenda Marrom, entende-se que os efeitos negativos da degradação ambiental não incidem da mesma maneira sobre toda a população, mas com maior intensidade sobre as camadas mais pobres e vulneráveis, pois estas muitas vezes estão concentradas em áreas de risco, como encostas e áreas inundáveis, além de frequentemente se responsabilizarem por habitarem áreas informais sem o devido saneamento básico, infraestrutura e sistema de descarte de resíduos (PESTANA, 2006). Na década de 1990, permaneceu a “acusação” de que eram essas populações pobres que comprometeriam a qualidade ambiental, e infelizmente até hoje essa visão é bastante comum. No entanto, deve-se entender que a parcela pobre da população precisa de atenção do governo para poder cumprir suas necessidades de desenvolvimento sustentável, diferentemente das classes mais altas, que têm acesso à informação e possibilidades econômicas para tal. No entanto, toda a população precisa da gestão do poder público, que tem papel essencial na promoção do desenvolvimento sustentável. Desta forma, pode-se concluir que a sustentabilidade em países emergentes como o Brasil passam por questões bastante relacionadas ao urbanismo e à necessidade de planejamento urbano, uma vez que está intimamente ligado a questões sociais, de moradia, transporte, infraestrutura, entre outros. Procura-se nas análises efetuadas neste trabalho interligar os três pilares da sustentabilidade: social, ambiental e econômico. Isto será desenvolvido por meio de estudo de caso de projeto na região metropolitana de São Paulo. 9


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SUSTENTABILIDADE URBANA fig. 3- Vancouver, Canadรก (foto de autoria prรณpria, 2011)

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1.1. As Origens do Urbanismo Sustentável Segundo Douglas Farr (2013), o urbanismo sustentável é “aquele com um bom sistema de transporte público e com a possiblidade de deslocamento a pé integrado com edificações e infraestrutura de alto desempenho” (FARR, Douglas. Urbanismo sustentável: desenho urbano com a natureza.1. Porto Alegre Bookman 2013. p.28). Para melhor compreender essa definição, é interessante entender o contexto em que o urbanismo sustentável surgiu. Como introdução a essa sustentabilidade urbana, traz-se aqui as ideias do arquiteto paisagista escocês Ian McHarg, cujo livro “Design with Nature” escrito em 1969 expõe a antiga dicotomia entre o enfoque da natureza por parte dos ambientalistas contra o enfoque social dos urbanistas até então. Esse distanciamento entre os dois modos de pensar passou a ser alterado a partir do século XX, quando três movimentos de reforma propuseram a integração dos sistemas humanos e naturais. Estes movimentos que serviram de base para o que se entende hoje como Urbanismo Sustentável foram: O Smart Growth, ou Crescimento Inteligente; o Novo Urbanismo; e o movimento das construções sustentáveis. O Urbanismo Sustentável contemporâneo funde a filosofia do desenho urbano destes três movimentos (FARR, 2013). O primeiro movimento influenciador do urbanismo sustentável, o Crescimento Inteligente, tem origem no movimento ambiental da década de 1970, sendo que o termo Smart Growth só seria cunhado em 1995 por Roy Romer, governador do Colorado nos Estados Unidos, ao propor uma nova visão para conter a urbanização dispersa naquele estado. Em 1996 o movimento, chefiado por Harriet Tregoning (então Diretora de Empreendimento Urbano, Comunidade e Meio Ambiente na Agência de Proteção Ambiental dos EUA) criou uma lista de 10 princípios para o crescimento inteligente de grande abrangência. Farr (2013) afirma que os princípios do Crescimento Inteligente são: “ 1. Crie uma gama de oportunidades e escolhas de habitação 2.Crie bairros nos quais se possa caminhar 3.Estimule a colaboração da comunidade e dos envolvidos. 4.Promova lugares diferentes e interessantes com um forte senso de lugar. 5.Faça decisões de urbanização previsíveis, justas e econômicas.

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6.Misture os usos do solo. 7.Preserve espaços abertos, áreas rurais e ambientes em situação crítica. 8.Proporcione uma variedade de escolhas de transporte. 9.Reforce e direcione a urbanização para comunidades existentes. 10.Tire proveito do projeto de construções compactas.” (FARR, Douglas. Urbanismo sustentável: desenho urbano com a natureza.1. Porto Alegre Bookman 2013. p.16)

Tais princípios uniram com sucesso as demandas de cidadãos ativistas e lideres municipais sob a mesma bandeira da sustentabilidade. No entanto, a imprecisão de seus padrões acabou por desvalorizar o movimento (FARR, 2013). De qualquer forma, o Smart Growth representa critérios importantes que auxiliaram a criação do urbanismo sustentável. O segundo movimento que deu origem ao urbanismo sustentável é um movimento com inspiração do antigo Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM): o Novo Urbanismo, iniciado no Congresso para o Novo Urbanismo (CNU) que aconteceu em Alexandria, Virgínia, no ano de 1993. O CNU foi organizado pelos arquitetos Peter Calthorpe, Andrés Duany, Elizabeth Plater-Zyberk, Stephanos Polyzoides e Daniel Solomon, a fim de promover o urbanismo como forma de combate à urbanização dispersa convencional (FARR, 2013). A partir de suas discussões, o CNU chegou à conclusão de que havia uma relação direta entre a visão da cidade racional proposta pelo CIAM e a atual dependência do automóvel. O CNU propõe bairros de uso misto providos de transporte público, centralidades, caminhabilidade e diversidade de edificações. O CNU também apresenta um Código Inteligente, isto é, uma série de diretrizes claras baseadas na forma das edificações, visando substituir o zoneamento existente e ser adequado a cada cidade. Os princípios propostos pelo movimento do Novo Urbanismo passaram a ser adotados primeiramente no programa HOPE VI de revitalização de habitações públicas nos Estados Unidos, o que foi uma peça essencial para que os princípios do movimento fossem difundidos para o mercado imobiliário nacional (FARR, 2013). No entanto, o movimento encontra impeditivo para seus projetos nas leis de zoneamento americano, que muitas


vezes tornam os empreendimentos ilegais por não seguirem as legislações impostas. Isso faz com que o movimento tenha se voltado demasiadamente para a tentativa de convencer legisladores locais a abrirem mão das práticas convencionais em prol do Novo Urbanismo. Desta forma, o CNU se especializou em criar novas formas de aprovação junto aos órgãos públicos, mas também se enfraqueceu como movimento efetivo (FARR, 2013). O terceiro e último movimento de origem do urbanismo sustentável é a tendência da construção sustentável. Nesse contexto, surge o U.S. Green Building Council (USGBC), fundado em 1993 por profissionais do setor imobiliário que mobilizaram o setor privado em prol da adoção de práticas de edificação ambiental e sustentável. Em 1996 o grupo adotou o nome Leadership in Energy and Environmental Design (LEED) para uma série de critérios que as edificações deveriam seguir a fim de atingir uma pontuação final. Para projetos com altas pontuações, adota-se certificações LEED que vão do mais baixo até o Platinum, o mais alto. Neste capítulo, trataremos do sistema LEED lançado em 2002 pelo USGBC: o LEED-Neighborhood, ou LEED para o Desenvolvimento de Bairros. Este sistema foi criado em parceria com o CNU. A certificação LEED- Neighborhood (ou LEED-ND) visa avaliar áreas que sejam consideradas de alta performance em termos de crescimento inteligente, urbanismo sustentável e edifícios verdes. Estas áreas podem ser bairros inteiros, ou uma parcela de um bairro, desde que respeitem os tamanhos mínimos e máximos de avaliação: a área deve corresponder a no mínimo dois edifícios habitacionais e no máximo um bairro de 320 acres (129,499 hectares). Embora seja possível certificar bairros existentes usando esse sistema de avaliação, procura-se avaliar novos empreendimentos de bairros sustentáveis conectados à malha tradicional, e desta forma, incentivar a adoção de princípios de sustentabilidade nestes projetos (U.S. GREEN BUILDING COUNCIL, 2011). No entanto, essa certificação ainda esteja limitada a certificar projetos situados nos Estados Unidos. Além da possibilidade de certificar bairros, os critérios do LEED-ND podem ser utilizados como uma forma de avaliar se legislações locais, como zoneamentos e códigos de obras, que facilitam a incorporação de princípios sustentáveis, o que a U.S. Green Building Council chama de “sustainable development ‘friendly’ regulations” (U.S. GREEN BUILDING COUNCIL, 2011). A certificação funciona da seguinte forma: os créditos são organizados em cinco eixos temáticos: Localização Inteligente e Conex-

ões; Desenho de Bairro; Infraestrutura Verde e Edificações; Inovação e Processos de Projeto; e Créditos Regionais. Cada eixo traz até 17 categorias com seus respectivos valores de pontuação caso sejam atingidos, além disso os três primeiros eixos temáticos apresentam de três a cinco pré-requisitos. A obtenção da certificação exige que o projeto cumpra todos os pré-requisitos e corresponda à pontuação mínima de uma das seguintes certificações: Certificação básica (entre 40 e 49 pontos); Certificação Prata (entre 50 e 59 pontos); Certificação Ouro (entre 60 e 79 pontos); e Certificação Platinum (a partir de 80 pontos).

1.2. O Bairro Sustentável Existem alguns elementos centrais trabalhados no Urbanismo Sustentável: Primeiramente, pode-se afirmar que o urbanismo sustentável age em três escalas diferentes, definidas na Carta do Congresso do Novo Urbanismo: o bairro, os distritos e os corredores, sendo o elemento central deste estudo a estrutura do bairro. Sobre os bairros, deve-se compreender sua definição, isto é, o que é um bairro. Trata-se de uma unidade básica de assentamento humano intimamente relacionada com o conceito de comunidade. Em 1924, Clarence Perry publicou um modelo moderno ideal de bairro, composto por 65 hectares (650000 m2), contendo usos diversos conectados por uma rede de vias, e com densidade populacional suficiente para viabilizar a existência de equipamentos, como escolas e parques, como se pode observar na figura 4. Esse primeiro modelo foi de grande importância para os novos urbanistas (FARR, 2013). Esse conceito de bairro bem foi melhor elaborado ao longo do tempo, pois o modelo de Perry não inclui muitos dos atributos tidos como princípios sustentáveis hoje, tais como transporte multimodal e a sustentabilidade dos edifícios que compõem o bairro (U.S. GREEN BUILDING COUNCIL, 2011). Farr (2013) traz uma definição ampla sobre o que seria um bairro sustentável. Para ele, trata-se de um assentamento de limites definidos, que respeite a escala dos pedestres e apresente diversidade de edificações, pessoas e usos (FARR, 2013). Já a definição trazida pela certificação LEED-ND é de que o que define um bairro costuma ser seu tamanho, isto é, a possiblidade de caminhar confortavelmente de um extremo a outro do bairro. Além disso, a certificação traz que 13


bairros devem apresentar áreas verdes de lazer, usos residenciais, escolas, entre outros equipamentos do cotidiano dentro de um raio caminhável de aproximadamente 5 minutos, além de incluir espaços que estimulem a convivência de seus moradores. Segundo o Congresso do Novo Urbanismo (in FARR, 2013), os bairros são caracterizados por serem compactos, por respeitarem os pedestres e apresentarem uso misto.

fig. 4 - Unidade de bairro de C. Perry (fonte: LEED-ND)

Nota-se que cada um dos movimentos que deram origem ao conceito de sustentabilidade urbana traz uma definição de bairro sustentável com atributos que se sobrepõem. Desta forma, entende-se que a estrutura do bairro é de extrema importância para o urbanismo sustentável, e deve integrar algumas dessas iniciativas de desenho urbano em comum: Diversidade de usos, tipos variados de habitação e caminhabilidade são algumas dessas iniciativas que, 14

vale lembrar, são relacionadas entre si. Essas características foram compiladas e organizadas por similaridade neste trabalho e serão apresentadas a seguir:

Diversidade de Usos e de Tipologias Habitacionais

A diversidade de usos está presente no sexto princípio do movimento do Crescimento Inteligente, que trata da mistura de usos do solo. O uso misto é elemento central para o urbanismo sustentável que o bairro possa satisfazer as necessidades diárias de seus moradores, assim como boa parte de suas necessidades eventuais também. Somado a isso, é interessante que essas funções do cotidiano possam ser feitas em sua maioria a pé e fazendo uso do sistema de transporte público quando necessário, reduzindo ao máximo a dependência do automóvel. Bairros que apresentam usos diversos, como lojas de esquina, creches, pontos de ônibus, escritórios, praças, escolas, centro de eventos, entre outros locais de uso cotidiano, somado à proximidade da oferta de habitação, possuem maior atração de pedestres. Farr (2013) adiciona que a possibilidade de satisfazer suas necessidades a pé ainda se mostra uma iniciativa inclusiva, pois beneficia não só cidadãos que não podem dirigir, como também pessoas com dificuldade de mobilidade, promovendo maior independência de seus moradores. A diversidade de uso traz a possibilidade de aproximar as habitações aos locais de trabalho, reduzindo longos deslocamentos diários que poderiam causar saturação nos modais de transporte. Já no que se refere a diversidade habitacional, representa o primeiro princípio do movimento do Crescimento Inteligente, ou Smart Growth (FARR, 2013). Os critérios do LEED-ND (2011) apontam que bairros com diferentes tipologias habitacionais, isto é, unidades de diferentes custos e moradias devidamente adaptadas para portadores de necessidades especiais, promovem equidade social, pois essa gama de opções permite que cidadãos de diferentes níveis socioeconômicos, idades e capacidades físicas possam coexistir como comunidade no bairro. O nono princípio do movimento Smart Growth também trata equidade social, pois diz que se deve direcionar a urbanização para comunidades existentes. Segundo Farr (2013), bairros com diferentes tipos de habitação também possibilitam aos cidadãos “envelhecerem no bairro”, isto é, um bairro completo permite que famílias permaneçam na região mesmo com as mudanças de suas necessidades ao longo do tempo.


Além de usos habitacionais, de serviços e de comércio, a existência de espaços abertos próximos às áreas de moradia e de trabalho, segundo documento do LEED-ND (2011), possibilita maior interação da comunidade, atividade física e tempo livre fora de espaços fechados, contribuindo para uma melhora da saúde mental e física dos habitantes. Outro uso destacado pela certificação LEED-ND são as escolas que, instaladas próximo a áreas providas de habitação, possibilitam às crianças se deslocarem a pé diariamente, reduzindo a dependência para com o automóvel e aumentando a quantidade de atividade física diária. Além disso, as escolas podem ter outros usos coletivos aos fins de semana (U.S. GREEN BUILDING COUNCIL, 2011). A oferta de diferentes tipos de habitação, com maiores concentrações nas áreas centrais, destinando os pavimentos térreos para locais de trabalho também é uma forma de estimular maiores densidades dentro de um bairro, o que contribui também para o desenvolvimento sustentável, como será tratado nos próximos critérios.

áreas degradadas ou contaminadas que possam ser recuperadas e reintegradas ao tecido urbano (U.S. GREEN BUILDING COUNCIL, 2011). Além de contribuir para fatores ambientais e econômicos, pode-se dizer que bairros com altas densidades apresentam um rebatimento na saúde de seus moradores: Segundo o U.S. Green Building Council (2011), bairros compactos incentivam atividades físicas diárias associadas ao caminhar e andar de bicicleta. Se por um lado as densidades acabam por depender dos projetos provenientes do mercado imobiliário, o zoneamento e as legislações cumprem um importante papel na definição das densidades desejadas para as cidades. Levando em consideração o décimo princípio do Crescimento Inteligente, o qual trata do aproveitamento de construções compactas, pode-se fazer uso de legislações que facilitem a incorporação de princípios sustentáveis (ditas “sustainable development ‘friendly’ regulations” no documento LEED-ND) para projetar edifícios que representem alta densidade populacional.

Densidade

Caminhabilidade e Transporte Multimodal

Segundo o Guia LEED-Neighborhood (2011), o urbanismo sustentável se torna inviável em baixas densidades, isto é, menores que 17,5 unidades de habitação por hectare, o que é um critério pouco rígido, pois essa referência de densidade é bastante baixa considerando as grandes metrópoles globais, como São Paulo. Densidades elevadas contribuem para a sustentabilidade de um bairro porque reduzem as distâncias percorridas pelos cidadãos no seu dia-a-dia, reduzindo a necessidade do uso do automóvel e viabilizando a caminhada como meio de deslocamento com mais frequência. Levando em consideração o quinto princípio do movimento Smart Growth, sobre implementar iniciativas justas e econômicas, deve-se entender que a sustentabilidade também depende da sua viabilidade em termos de custo-benefício. Em termos de economia de recursos financeiros, maiores densidades também possibilitam uma economia em infraestrutura, pois possibilitam que um maior número de pessoas faça uso de um mesmo sistema. Quanto mais moradores fizerem uso de um mesmo sistema, menor o custo proporcional. Também há rebatimento ambiental: concentrar a população em áreas já urbanizadas, denominada no documento LEED-ND como “áreas adjacentes”, faz com que o tecido urbano se expanda mais lentamente, preservando áreas verdes e ainda não urbanizadas em seu estado original. Pontuações adicionais são dadas a projetos em

Estes elementos estão presentes no segundo e oitavo princípios do Crescimento Inteligente: criar bairros nos quais se possa caminhar e proporcionar uma variedade de escolhas de transporte, respectivamente. O desenho do bairro deve promover deslocamentos a pé, de bicicleta, cadeira de rodas e por transporte público. Segundo Farr (2013) isso se viabiliza quando o bairro apresenta calçadas adequadas em suas vias, distâncias curtas entre intersecções e desenho de vias para velocidades máximas de 40 a 50 quilômetros por hora e com no máximo duas faixas carroçáveis. Desta forma, as vias tornam-se mais seguras para os pedestres e compatibilizam o compartilhamento da via por diferentes modais, melhorando os deslocamentos dentro do bairro. O rebatimento deste princípio na certificação LEED-ND (2011) é, entre outros exemplos, o pré-requisito “Vias para Pedestres “ (Walkable Streets no documento original), isto é, a avaliação exige que os projetos certificados promovam a caminhada segura, convidativa e confortável pelo bairro. Calçadas amplas e sombreadas por vegetação estão entre os fatores que atraem os pedestres: É possível que um cidadão opte por um determinado caminho em seu trajeto diário simplesmente porque este caminho possui mais áreas verdes e vistas agradáveis (LYNCH, 2011). Dentro da questão da caminhabilidade, é essencial levar em consideração a acessibilidade dos bairros e desenho universal aplicado ao traça15


do das ruas e calçadas (U.S. GREEN BUILDING COUNCIL, 2011). Entende-se hoje que o incentivo ao deslocamento a pé impulsiona também a economia: o maior fluxo de pedestres estimula a criação de pequenos negócios dentro dos bairros, aproximando o comércio de seus clientes (FARR, 2013). Sobre o transporte multimodal, a integração de diferentes tipos de deslocamento com o uso do solo do bairro é essencial para o urbanismo sustentável, pois interliga as tecnologias de transporte com as densidades desejadas (FARR, 2013). A certificação LEED-ND (2011), por exemplo, credita pontos para projetos que sejam implantados em locais onde já exista oferta de serviços de transporte, isto é, onde haja pontos de ônibus à no máximo 400 metros, ou estações de transporte sobre trilhos a no máximo 800 metros de distância de pelo menos 50% dos edifícios do bairro. Créditos adicionais são dados também a bairros que promovam o transporte por bicicleta que, além de representar mais um modal de transporte, também é uma atividade física (U.S. GREEN BUILDING COUNCIL, 2011). Um bom sistema de conexão no bairro claramente tem o potencial de diminuir a dependência de seus moradores para com o automóvel. Sobre o uso do transporte motorizado individual, o documento LEED-ND (2011) incentiva a implantação de projetos em áreas de baixa dependência, isto é, locais onde os cidadãos têm outras opções de transporte, podendo optar por modais coletivos que proporcionalmente emitam menos gases poluentes. Vale lembrar também que a certificação trata do impacto ambiental das áreas de estacionamento para carros nos bairros, isto é, o fato dos estacionamentos serem grandes áreas totalmente pavimentadas e sem permeabilidade, sem densidade construtiva e uso monofuncional faz com que haja um desincentivo à implantação de estacionamentos. No entanto, para que a população abra mão do transporte individual motorizado, é necessário que os indivíduos estejam seguros de que podem contar com o sistema de transporte público, e que este modal não será alterado ao longo do tempo. Desta forma, sistemas de uso a longo prazo, como estações de trem e de metrô costumam ser mais atrativos do que pontos de ônibus na escolha de onde morar (FARR, 2013).

Sociabilidade e Envolvimento da Comunidade

Bairros bem desenvolvidos possuem quadras de área reduzida e passeios caminháveis que acabam por estimular o encontro eventu16

al e a sociabilidade entre moradores (FARR, 2013). Assim como já foi dito nos quesitos anteriores, a diversidade de usos e a existência de espaços recreativos contribuem não só para a saúde dos cidadãos, mas também para estimular a sociabilidade e interação da comunidade. Tal como apresentado no terceiro e no nono princípio do movimento Smart Growth, deve-se estimular a colaboração da comunidade e dos envolvidos, assim como direcionar a urbanização para as comunidades, respectivamente. Bairros sustentáveis devem facilitar que seus cidadãos tomem consciência das questões sociais e ambientais desenvolvidas na região, e dessa forma estimula que seus moradores se responsabilizem pela manutenção e evolução do bairro (FARR, 2013). Como tratado no LEED-ND (2011), deve-se encorajar a responsabilidade comunitária e engajar os cidadãos em projetos de melhoria do bairro. Uma maneira de provocar o engajamento da população por meio do desenho do bairro é inserir elementos de vínculo emocional no desenho da cidade: como tratado por Lynch (2011), elementos urbanos antigos costumam aflorar a memória local e provocar sentimento de pertencimento nos habitantes. Segundo a certificação LEED-ND (2011), bairros existentes, isto é, que não sejam empreendimentos completamente novos, possuem uma vantagem: a existência de edifícios históricos e eventos culturais locais. O estabelecimento de marcos cívicos, como igrejas e edifícios históricos, estimula o desenvolvimento de orgulho em seus moradores, e desta forma, a vontade espontânea de participação na comunidade. Locais sem memória apresentam habitantes com dificuldade de se identificarem com o lugar. O movimento Smart Growth também trata desse elemento em seu quarto princípio sobre promover locais interessantes com forte senso de lugar (FARR, 2013).

Contato com Sistemas Naturais

As cidades contemporâneas não incorporam em seu desenho a real dependência do ser humano para com o meio natural e com os outros sistemas vivos. Diferentemente de situações do passado, quando a vida cotidiana e momentos de lazer eram frequentemente ao ar livre e em contato com meios naturais, a cidade industrial e o urbanismo convencional eliminam as áreas verdes, parques, gramados, ruas arborizadas e cursos d’água do tecido urbano. Essa supressão de elementos da natureza faz com que a maioria das pessoas tenha um contato com sistemas naturais bastante reduzido. A maioria dos cidadãos da cidade não sabe de onde vem a água, energia e al-


imentos que consomem, muito menos para onde vão seus resíduos sólidos e líquidos, ignorando os danos ambientais que seu estilo de vida pode vir a causar. Segundo Farr (2013), essa falta de conexão com o ambiente em que vive se manifesta na população por meio de problemas psicológicos, estresse, déficit de atenção, entre outros problemas que, invés de ser resolvidos por meio da reaproximação com a natureza, geralmente encontram solução em produtos farmacêuticos. Assim, o urbanismo sustentável vem como uma forma de adaptar os densos ambientes urbanos para que haja uma reaproximação dos indivíduos para com os sistemas naturais. Isso se dá por meio da arborização das vias e a implementação de áreas verdes onde se possa desenvolver atividades ao ar livre (FARR, 2013). Dentre os critérios do LEED-ND (2011), está o incentivo a criação de vias arborizadas a fim de criar caminhos sombreados e agradáveis para o deslocamento por caminhada e de bicicleta, além de reduzir o efeito das ilhas de calor e promover melhoria na qualidade do ar. No entanto, isso não significa ocupar áreas que devam ser preservadas: o movimento Smart Growth traz em seu sétimo princípio a iniciativa de preservação de espaços abertos, áreas rurais e ambientes em situação crítica, como encostas de morros. Além disso, alguns dos pré-requisitos do documento LEED-ND, por exemplo, são de que o bairro, para receber a certificação, não esteja localizado em área de habitat natural de espécies ameaçadas de extinção, assim como também não devem estar em áreas de mananciais e de várzea de rios (U.S. GREEN BUILDING COUNCIL, 2011). Por isso, visa-se adensar áreas próximas a regiões já urbanizadas, e com direito a pontos adicionais para projetos que recuperem áreas degradas por usos industriais, como será tratado no capítulo 2 sobre Reconversão Industrial.

fig. 5 - Stanley Park em Vancouver, Columbia Britânica, Canadá (foto de autoria própria, 2011) A cidade de Vancouver, que pretende ser a cidade mais sustentável do mundo até o ano de 2020, é um exemplo do que foi apresentado neste capítulo. A foto ilustra a conexão dos cidadãos com os meios naturais da cidade por meio de espaços caminháveis e de lazer ao ar livre, que ampliam a sociabilidade e contribui para a saúde dos moradores.

1.3. Estudo de Caso: Sustentabilidade Urbana Neste subcapítulo, procura-se expor a análise feita ao longo do desenvolvimento da pesquisa de Iniciação Científica realizada pela autora do ano de 2014 ao ano de 2015 (DA MATA, 2015). Tais análises levaram à escolha do tema de projeto a ser desenvolvido.

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Análise Físico-Territorial de São Caetano do Sul

São Caetano do Sul é um dos 39 municípios que fazem parte da Região Metropolitana de São Paulo. Trata-se de uma cidade totalmente urbana, ou seja, não possui áreas rurais, de preservação ou regiões não urbanizadas. O município faz divisa com as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Paulo (EMPLASA, s/d), interligados por importantes vias, como a Avenida do Estado (ver figura 6). Desta forma, entende-se que São Caetano do Sul tem localização privilegiada dentre os municípios da região.

Em termos geográficos, São Caetano do Sul encontra-se na Bacia Sedimentar de São Paulo, comportando os rios Tamanduateí e dos Meninos, além dos córregos do Moinho e Utinga (ver figura 7), ambos canalizados. As várzeas do Rio dos Meninos foram bastante ocupadas por industrias, devido à proximidade de importantes vias de transporte e fonte de água oriunda do rio. Em decorrência da topografia e da hidrografia do território, o solo é constituído de argila. Esta característica favoreceu a instalação de cerâmicas e olarias na região (PENTEADO, 1958).

fig.6- Localização de São Caetano do Sul (em amarelo) na Região Metropolitana de São Paulo (fonte: autoria própria) 18


Análise Histórico-Cultural de São Caetano do Sul

A urbanização do município de São Caetano do Sul esteve intimamente ligada à imigração italiana e à industrialização. A região, que até 1876 era chamada de “Fazenda São Caetano”, foi comprada pelo Governo Imperial Brasileiro e, no ano de 1877, recebeu 26 famílias provindas do Norte da Itália para que trabalhassem na fazenda junto de trabalhadores livres e escravos, fazendo da região um núcleo colonial (PENTEADO, 1958). O início da urbanização de São Caetano do Sul, isto é, o desbrava-

mento e loteamento das terras, deu-se por meios destes primeiros imigrantes, o que atraiu novos moradores e desenvolvimento local, fazendo com que a população aumentasse, a ponto de ser necessária a construção de uma estação de trem. Assim, desde 1883, a linha ferroviária já passava pela região. Os antigos fornos da fazenda original foram mantidos e aproveitados para iniciar uma fábrica de tijolos para a construção de novas casas (MIMESSE, MASCHIO; 2008). Apesar dos avanços, as condições ainda não eram plenamente urbanas. A fim de garantir a expansão da cidade, os colonos criaram a Società di Mutuo Soccorso Principe di Napoli, formada apenas por homens nascidos italianos e que se encarregavam de organizar a cidade e promover assistência médica e bem-estar aos habitantes da região. Entre as ações da Società, está a reconstrução da antiga capela da Fazenda São Caetano, hoje chamada de Matriz Velha, na figura 9 (MIMESSE, MASCHIO; 2008). A ocupação urbana ligada à industrialização baseou-se na implantação de galpões industriais e habitações operárias em áreas de várzea de rios, os quais muitas vezes tornaram-se via de esgoto industrial. Estas áreas de várzea, de lençol freático elevado e naturalmente alagáveis, têm condições sensíveis à poluição e, somado à ausência de controle das fontes de poluição nas indústrias, fizeram com que o ambiente ficasse bastante exposto à contaminação (MORINAGA, 2013). O crescimento populacional contribui para a alteração dos aspectos econômicos das grandes cidades, uma vez que as indústrias esvaziaram os antigos bairros industriais e migraram para outros bairros e regiões. Como consequência, os antigos bairros industriais apresentam com frequência grande quantidade de vazios urbanos e galpões subutilizados, muitas vezes bem localizados, que acabaram por não receber novos usos devido à potencial contaminação do local, oriunda das atividades industriais anteriormente realizadas na área (CAIXA, 2010).

Análise Social de São Caetano do Sul

fig 7 - Mapa Físico- Territorial de São Caetano do Sul (fonte: autoria própria com base em arquivo digital da prefeitura)

São Caetano do Sul se destaca dentre os municípios brasileiros por apresentar o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, equivalente a 0,862 (PNUD, 2010). Além disso, a cidade não apresenta áreas de concentração de favelas. No entanto, a melhora da qualidade de vida da população de São Caetano do Sul não atrai novos moradores. Isto se dá pelo fato de o município apresentar dificuldades em desenvolver políticas que controlem o merca19


do imobiliário, já que os empreendimentos de construtoras privadas visam a clientela de classe média-alta e alta (MORAES,2013). É possível notar que, embora o Estatuto da Cidade obrigue a existência de habitação social, o Plano Diretor vigente da cidade não destina áreas para essa finalidade (PREFEITURA DE SÃO CAETANO DO SUL, 2010). Somado a isso, existem apenas dois conjuntos de interesse social (HIS) em todo o município, como pode ser visto na figura 8. Desta forma, a população de baixa renda migrou para os municípios vizinhos, principalmente áreas próximas a morros, nascentes e represas, originando ocupações clandestinas e favelas, colocando em risco não só a vida desta população, como também ameaçando as reservas de água do Estado de São Paulo, levando não só à degradação do próprio município, mas aos municípios vizinhos.

Sustentabilidade no Município de São Caetano do Sul

Devido ao fato de São Caetano do Sul apresentar a maior renda per capita da região do ABC, melhor IDH do Brasil, bons índices socioeconômicos e infraestrutura, a gestão municipal tem um bom quadro socioeconômico como ponto de partida para implantar políticas de desenvolvimento sustentável, como por exemplo a re-

cuperação do meio ambiente regional, previamente agredido pela presença das industrias. Entre essas políticas está o Programa de Coleta Seletiva, lançado em 2012 pelo Departamento de Água e Esgoto de São Caetano do Sul (DAE). O programa segue diretrizes que contam na Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010 que consiste na coleta semanal de resíduos sólidos de porta em porta em sacos amarelos retornáveis (ABC DO ABC, 2015). Esses resíduos são enviados para Ecopontos, isto é, locais de coleta de materiais recicláveis. Outras ações estão sendo estudadas pela prefeitura dentro das políticas de sustentabilidade, como a geração de energia a partir de resíduos úmidos, que hoje são descartados em aterros sanitários em Mauá, visando a redução de 75% da massa de rejeitos úmidos até 2020, o que corresponde a uma das Diretrizes Nacionais para Saneamento Básico. Levando em consideração o planejamento regional, incluso no Estatuto da Metrópole de 2015, as políticas de sustentabilidade não devem se restringir ao alcance do município. Desta forma, o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC tem papel importante neste quesito, pois promove reuniões para definir reguladores regionais. Dentre os eixos do consórcio tem se o “Eixo Desenvolvimento Urbano e Gestão Ambiental” que visa articular legislações para o alcance do desenvolvimento sustentável, além de fiscalizar seu cumprimento e promover educação ambiental nos municípios consorciados (CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL DO GRANDE ABC, s/d). O esforço por parte de diversos órgãos resultou na certificação Município Verde Azul por parte da Secretaria do Meio Ambiente do município. A certificação Município Verde Azul é um programa do Estado de São Paulo cujo objetivo é estimular ações sustentáveis nas cidades do estado.

Seleção do Terreno

fig.8 - Localização do terreno escolhido (em amarelo) dentro de São Caetano do Sul (fonte: autoria própria) 20

Para a escolha do terreno do projeto, foi levado em consideração o primeiro eixo de créditos do documento LEED-ND, denominado “Localização Inteligente e Conexões”. Dentro deste eixo, o primeiro pré-requisito traz a noção de Localização inteligente, isto é, se o projeto está implantado em área adjacente a áreas já urbanizadas, onde se pode aproveitar infraestrutura já existente. Os pré-requisitos deste eixo temático também incluem evitar áreas de conservação ou inundáveis. Como já foi dito, São Caetano do Sul tem sua origem industrial,


porém, desde a década de 1960 a cidade vem passando por uma reestruturação econômica, fazendo com que muitas empresas instaladas no município migrassem para outras regiões, deixando vastos terrenos que foram previamente ocupados por empresas, vagos na cidade. Estes terrenos também frequentemente apresentam contaminação do solo oriunda da atividade industrial. Considerando que o critério 2 do eixo temático “Localização Inteligente e Conexões” (GREEN BUILDING COUNCIL, 2009) denominado “Reurbanização de Áreas Contaminadas” (Brownfields Redevelopment no documento original), entende-se que a escolha de uma gleba contaminada para a implantação do projeto pode aumentar sua contribuição para um maior desenvolvimento sustentável no município de São Caetano do Sul. Por isso, um destes terrenos vagos e contaminados foi escolhido para a implantação do projeto. O terreno está localizado na divisa entre São Paulo e o bairro Fundação do município de São Caetano do Sul (ver figura 12), onde costumava ser as Indústrias Reunidas Matarazzo. Lá eram produzidos cloro, soda cáustica, entre outros produtos (CUNHA, Rodrigo; Tese de Doutoramento, 1997). Devido ao uso do terreno ao longo do tempo, a gleba sofreu contaminação do solo. A gleba apresenta aproximadamente 300 mil metros quadrados no qual, segundo o Plano Diretor de São Caetano do Sul (2016-2025), a prefeitura pretende implantar o “Parque Fundação”, isto é, uma área de parque levando o nome do Bairro em que está inserida. Portanto, é necessário certificar-se se a contaminação da gleba inviabilizaria um projeto, como será tratado no capítulo seguinte.

fig. 9 - Igreja Matriz no Bairro Fundação, ao lado do terreno do projeto (foto: autoria própria)

Pré-existências

A indústria era composta por um conjunto de galpões e construções de épocas diferentes, que foram ou totalmente demolidos, com exceção de paredes de divisa do terreno (figura 10) e as torres de fornalha. Essa ação, segundo Sánchez (2001), pode ter sido motivada pelo desinteresse de que os edifícios viessem a se tornar patrimônio histórico devido ao seu valor de testemunho da industrialização em São Paulo. A área veio a se tornar um símbolo do desprezo pelo papel social da terra, pois em 2012 o complexo industrial foi praticamente demolido por completo. Segundo a Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, procuram-se outras formas de preservar o espaço e o legado histórico da área, devido a sua contaminação (DIÁRIO DO GRANDE ABC, 2012).

fig. 10- Muros que faziam parte dos galpões das Indústrias R. Matarazzo (foto: autoria própria) 21


Análise do Entorno

Para fins de análise do entorno, foram utilizadas distâncias caminháveis tratadas por Barton, Horswell e Millar (2012) em seu artigo Neighborhood Accessibility and Active Travel. Os autores trazem usos do cotidiano que devem ser acessíveis às habitações dentro de um raio entre 500 metros e 1 quilômetro, como exposto na figura 11. A partir desta referência, foram produzidos alguns diagramas de análise do entorno do terreno estudado, que podem ser analisados nos diagramas das figuras 12 a 17.

O terreno está localizado próximo à Estação São Caetano da CPTM (linha Turquesa) a uma distância de 10 minutos de caminhada. Existe também um ponto de ônibus na Rua Mariano Pamplona, uma das ruas que limitam o terreno. Além disso, a gleba foi posteriormente dividida, e hoje por dentro do grande terreno passa uma a avenida que interliga a Avenida do Estado com o Viaduto que vence a linha do trem, levando ao centro da cidade, o que criou nova conexões de transporte na região. Desta forma, pode-se dizer que, assim como tratado no oitavo princípio do Crescimento Inteligente, a localização está bem-provida de diferentes escolhas de transporte, e desta forma, possibilita a implantação de projeto de baixa dependência para com o automóvel. Assim, a recuperação e reconversão desta área contaminada esvaziada em algo que traria uso e movimento para o bairro seria não só sustentável em termos ambientais, mas também socialmente, pois faria com que uma região provida de infraestrutura e urbanidade pudesse voltar a cumprir a função social da terra. fig. 11 - Critérios de acessibilidade para usos cotidianos Sem que seja necessário en(fonte: autoria própria a partir de BARTON et al, 2012) trar em mérito de pontuações, pode-se considerar o documento LEED-ND e os pré-requisitos do eixo temático “Localização Inteligente e Conexões” para analisar seu o cumprimento no caso do terreno escolhido para o projeto, como consta na tabela 1: tabela 1 - cumprimento dos pré-requisitos sobre Localização da certificação LEED-ND 22

(fonte: editado de LEED-ND, z2010)


fig. 12 e 13 - Diagramas de localização e usos do entorno do terreno (fonte: autoria própria)

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fig. 14 e 15 - Diagramas de condicionantes e desconexĂľes do entorno do terreno (fonte: autoria prĂłpria)


ponto de ônibus

fig. 16 e 17 - Diagramas de conexões e marcos notáveis do entorno do terreno (fonte: autoria própria)

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RECONVERSÃO INDUSTRIAL fig. 18 - Muro idustrial em São Caetano do Sul (foto de autoria própria)

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2.1. Contexto da Reconversão Industrial Nos últimos 25 anos, tem se desenvolvido uma crise urbana em decorrência de reestruturação econômica global (CAMPOS NETO, SOMEKH; 2005). Esta crise tem como consequência diversos fatores que se apresentam no meio urbano: primeiramente, o acentuado aumento da população migrante do meio rural para o urbano, o que por sua vez tem resultado em um crescimento populacional e expansão das desigualdades em âmbito social nas cidades (CAIXA ECONÔNMICA FEDERAL, 2014). O aumento da população, atrelado às dificuldades de planejamento associado ao crescimento acelerado, dificultou demasiadamente a implementação de políticas e programas de suporte às populações urbanas, ocasionando uma rápida e desigual expansão da cidade (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2014). Outra consequência da reestruturação econômica, associada às inovações em tecnologia, com forte influência nas cidades é o que se pode chamar de desindustrialização dos centros urbanos, durante a década de 1960 juntamente da formação de grandes regiões metropolitanas no Brasil, ou seja, aglomerações urbanas associadas ao comércio e crescimento industrial. No caso da Região Metropolitana de São Paulo, ocorreu a estruturação de um conglomerado de empresas na região sudeste em detrimento de outras regiões, gerando renda e emprego e atraindo novas populações (BRUNA et al, 2006). A partir da década de 1970, a economia mundial começou a apresentar sinais de recessão e de transformação dos modelos industriais; antes fordistas, fabris e monopolistas que visavam a produção e o consumo em massa; em um novo modelo de produção denominado Industrialização Flexível, caracterizado pela diminuição da contratação de mão-de-obra e pelo aumento do uso de tecnologias de automação (BRUNA et al, 2006). No Brasil, essas transformações econômicas, somadas aos Planos Nacionais de Desenvolvimento visavam a formação de novos polos industriais no país, fazendo com que cidades de porte médio do estado de São Paulo passassem por um processo de desconcentração industrial, e trazendo a necessidade de mudança dos antigos modelos produtivos que deveriam se adaptar aos novos modelos flexíveis de produção. Essa mudança teve impactos nos padrões de uso e ocupação do solo nas cidades (BRUNA et al, 2006). Isto é, as indústrias, que geravam empregos e atraiam populações 28

para as cidades, rapidamente se modificaram tecnologicamente, e muitas delas perderam mercado e se viram obrigadas a transformar seus métodos de produção e deslocar unidades para outras regiões (CAMPOS NETO, SOMEKH; 2005). Desta forma, os bairros industriais se esvaziaram, houve mudança de indústrias para outros bairros e para outros municípios até mesmo fora do estado de São Paulo, deixando um legado de desemprego, um sistema tradicionalmente organizado pelas fabricas desgastado e um tecido urbano esvaziado e obsoleto (CAMPOS NETO, SOMEKH; 2005). As indústrias, tipicamente identificadas por se situarem em grandes áreas planas ocupadas por galpões, uma vez esvaziados, deixaram vastas áreas sem uso. Isto é, os antigos bairros industriais apresentam com frequência grandes quantidades de vazios urbanos e galpões subutilizados. Diante de tais circunstancias, as gestões municipais tentaram enfrentar a reestruturação econômica de maneiras diferentes: de um lado, a postura que visa implantar políticas sociais compensatórias; de outro, os governos empreendedores, que visam o planejamento estratégico e a renovação urbana precisando atrair investimentos, o que se intensificou a partir dos anos 1980 (CAMPOS NETO, SOMEKH; 2005). O esvaziamento das zonas industriais é um fenômeno mundial e ocorreu também em cidades como Detroit e Bilbao. Politicas empreendedoras, como a implantação de grandes equipamentos e o desenvolvimento do turismo, podem ser verificadas em cidades como Londres, Nova York e Buenos Aires (CAMPOS NETO, SOMEKH; 2005). No Brasil tem-se, por exemplo, o Projeto Eixo Tamanduatehy, que visa a articulação de sete cidades da região do Grande ABC na Metrópole Paulista de forma a criar um grande projeto de renovação urbana para os terrenos industriais e ferroviários ao longo do Rio Tamanduateí. A visão empreendedora dessas municipalidades costuma se basear em um projeto que tem como objetivo orientar as intervenções urbanas. No entanto, esses projetos são, como definidos por Campos Neto e Somekh (2005), uma “faca de dois gumes”, pois em geral se distanciam muito das questões sociais, como a da demanda por habitação e infraestrutura. Nos projetos urbanos que buscam requalificar áreas industriais realizados nas últimas décadas, com frequência veem-se efeitos negativos de sua implantação no campo social, como a exclusão social de determinados grupos na área requalificada. Em teoria, os projetos urbanos são uma tentativa de suprir demandas habitacionais, de equipamentos e infraestrutura, além de criar


emprego e renda, o que pode diminuir os efeitos negativos se o projeto atingir seu objetivo. Mas na prática, o que se vê infelizmente é a priorização do capital financeiro e imobiliário por meio dos agentes investidores. Desta forma, as melhoras urbanísticas trazidas pela recuperação urbana são quase sempre usufruídas por uma parcela da população com maior poder aquisitivo, clientes das construtoras investidoras. Segundo Campos Neto e Somekh (2005), para que tais projetos urbanos sejam efetivos, é necessário que haja certo envolvimento dos atores locais, sejam eles civis ou governamentais, e que o capital gerado pela valorização imobiliária em um primeiro momento possa ser revertido em infraestrutura, habitação e equipamentos sociais (CAMPOS NETO, SOMEKH; 2005). Ainda assim, não se teve até hoje uma opção sustentável para substituir os grandes projetos urbanos de empreendimento, que gerasse emprego e atividades nessas áreas industriais. Juntamente a questões econômicas e sociais, outra preocupação é a qualidade ambiental, isto é, a sustentabilidade como meta do desenvolvimento urbano local e regional. Desta forma, existe necessidade de superar o viés economicista das políticas urbanas em prol de uma visão integrada e sustentável (BRUNA et al, 2006). Os projetos de requalificação urbana, no geral, não priorizam questões ambientais, dando preferência para usos lucrativos. No entanto, entende-se hoje que a sustentabilidade pode ser abordada nos seus aspectos capitalistas e lucrativos, como por exemplo por meio da energia renovável. Nos casos em que questões sociais e ambientais recebem a devida atenção, se dá no sentido de recuperar áreas degradas (CAMPOS NETO, SOMEKH; 2005).

2.2. Brownfields Os vazios urbanos oriundos da migração das industrias muitas vezes são bem localizados e próximos de infraestrutura de transporte. No entanto, acabam por não receberem novos usos devido ao legado de degradação ambiental deixada pelas atividades industriais, isto é, a potencial contaminação do local oriunda das atividades industriais anteriormente realizadas na área (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2014). Nos Estados Unidos, tais terrenos vazios e subutilizados passaram a ser

chamados de Brownfields, abrangendo todo terreno que tenha passado por algum tipo de contaminação. Outros termos já foram cunhados para uso semelhante, como derelict lands na Grã-Bretanha para nomear vazios urbanos sem uso, além das friches industrielles na França para definir áreas industriais abandonadas. No entanto, no Brasil, adotou-se o termo Brownfields tal qual nos EUA (SÁNCHEZ, 2004). Em 1980, houve o reconhecimento das primeiras áreas contaminadas no Brasil, desencadeando uma ação por parte da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) que visava reparar tais danos. Em nível nacional, há pouco esclarecimento sobre essa questão, sendo que as legislações à respeito do gerenciamento de áreas contaminadas é recente. Apenas em 2009, foi editada pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente a Resolução CONAMA nº 420, que define critérios e diretrizes para o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas, como por exemplo a imposição do cadastro e divulgação das áreas contaminadas por parte dos estados (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2014). Mais especificamente para o estado de São Paulo, onde está localizada a maior parcela das áreas contaminadas por resíduos industriais no pais, existem legislações sobre essas áreas com potencial de contaminação. A lei estadual nº 13.577 tem como objetivo assegurar que o solo esteja livre de contaminações e que seu uso se dê de maneira sustentável. Entre as medidas estabelecidas por lei tem-se: a identificação de áreas contaminadas; a garantia de que populações expostas à contaminação tenham sua saúde e segurança protegidos; e o incentivo à ocupação das áreas com contaminação e tratadas. Entre as definições apresentadas na Seção III desta lei, estão: “ II- Área Contaminada: área, terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria que contenha quantidades ou concentrações de matéria em condições que causem ou possam causar danos à saúde humana, ao meio ambiente ou a outro bem a proteger; (...) III - Área Contaminada sob Investigação: área contaminada na qual estão sendo realizados procedimentos para determinar a extensão da contaminação e os receptores afetados; IV - Área com Potencial de Contaminação: área, 29


terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria onde são ou foram desenvolvidas atividades que, por suas características, possam acumular quantidades ou concentrações de matéria em condições que a tornem contaminada; V - Área Remediada para o Uso Declarado: área, terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria anteriormente contaminada que, depois de submetida à remediação, tem restabelecido o nível de risco aceitável à saúde humana, considerado o uso declarado; VI - Área Suspeita de Contaminação: área, terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria com indícios de ser uma área contaminada; VII - avaliação de risco: é o processo pelo qual são identificados, avaliados e quantificados os riscos à saúde humana, ao meio ambiente e a outros bens a proteger; (...) XIV - Intervenção: ação que objetive afastar o perigo advindo de uma área contaminada; (...) XVIII - Remediação de área contaminada: adoção de medidas para a eliminação ou redução dos riscos em níveis aceitáveis para o uso declarado;” (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Lei n 13.577 de 08 de julho de 2009, Seção III - Das Definições)

Em decorrência dos casos na América do Norte e Europa a partir dos anos 1970 e as leis que foram aplicadas, foram impostos diversos impeditivos para a reutilização de áreas contaminadas por resíduos industriais. Desta forma, as áreas contaminadas tornaram-se um problema devido a diversos fatores: primeiramente, devido ao risco à segurança e à saúde humana e do ambiente; além de representar uma dificuldade no desenvolvimento urbano e trazer uma posterior desvalorização imobiliária ao terreno e seu entorno (SÁNCHEZ, 2004). Faz-se necessário a revitalização dessas áreas em um sentido amplo: não só remediá-las (isto é, recuperar ambientalmente o terreno), mas inseri-las no tecido urbano novamente, fazendo da própria revitalização um instrumento de requalificação urbana. Para tal, pode-se optar por duas estratégias diferentes: restaurar a área, de forma que o terreno retorne à suas atividades originais anteriores à

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degradação; ou reabilitar o local, isto é, transformar a área a fim de possibilitar novos usos para o terreno (SÁNCHEZ, 2004). Levando em consideração a lei estadual citada anteriormente, onde o solo é apresentado como suporte da vida e habitat de pessoas e outros seres vivos, a continuidade dos ciclos de água e nutrientes, geração de alimentos, entre outros fatores, a necessidade de revitalização torna-se ainda mais evidente. Para Sánchez (2004), é bastante necessário que o Brasil desenvolva uma postura de reflexão para encontrar formas de revitalizar as Brownfields brasileiras. Dentro deste contexto, as leis de uso do solo têm um papel importante na revitalização dessas áreas, visto que segundo o Estatuto da Cidade de 2001 e o Estatuto da Metrópole de 2015 (que leva à necessidade dos municípios terem um Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado), as municipalidades são responsáveis por evitar ocupações de risco, garantir o uso seguro dos imóveis, bem como restringir os usos quando necessário. Instrumentos econômicos, como o imposto predial e territorial urbano (IPTU) progressivo, podem encorajar a revitalização. Além do objetivo de saúde e segurança pública, as iniciativas de revitalização podem servir a outros objetivos de política urbana, como: a conservação do patrimônio histórico, visto que muitas dessas áreas abrigam edifícios industriais antigos que, independentemente de seu tombamento, podem representar valor histórico e social para a cidade; a promoção do desenvolvimento sustentável local, pois projetos bem desenvolvidos podem gerar receitas e criar empregos, e desta forma, cobrir os custos da remediação e atingir objetivos sociais (SÁNCHEZ, 2004).

2.3. Estudo de Caso: Contaminação do Solo O terreno estudado abrigava, desde 1932, as Indústrias Reunidas Matarazzo, cujo endereço era a Rua Maria Pamplona no 220, no município de São Caetano do Sul, em sua divisa com o município de São Paulo. Produzia cloro e soda cáustica, agrotóxicos (Hexaclorociclohexano ou HCH, e toxafeno) e ácido sulfúrico, além de celulose de linter e rayon, que eram usados como matéria prima de outros produtos da fábrica, como o Rayon Super Cord (CUNHA, Rodrigo; Tese de Doutoramento, 1997).


Na década de 1960, devido as suas emissões de poluição no ar, água e solo, as Indústrias Reunidas Matarazzo com sede em São Caetano do Sul começaram a ser penalizada com advertências e multas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). Além disso, surgiram casos de intoxicação e problemas de saúde dentre os trabalhadores da indústria, o que fez a empresa sofrer nova pressão por parte dos sindicatos dos trabalhadores industriais. Segundo a CETESB, áreas contaminadas são: “(...). Locais que apresentam a presença de substâncias distribuídas de forma não controlada nos diferentes compartimentos do ambiente, as quais, em função do nível de concentração existente, determinam riscos potenciais à saúde dos seres vivos ou prejuízos à qualidade dos recursos naturais.” (CUNHA, Rodrigo; Tese de doutoramento, 1997; página 1)

A empresa foi paulatinamente desativando seus galpões: em 1978 alguns dos galpões de produção de rayon; 1983 área de soda cáustica, cloro e seus compostos; em 1986 o galpão de hexaclorociclohexano (H.C.H); e em 1987 o galpão de produção de ácido sulfúrico. No ano de 1987 a empresa foi desativada por completo, e seus galpões demolidos, permanecendo apenas os muros de divisa e duas torres de fornalha. A justificativa para as demolições foi que haveria redução de riscos de invasão por populações de baixa renda que, uma vez instaladas dentro do terreno, correriam risco de contaminação (CUNHA, Rodrigo; Tese de Doutoramento, 1997). A área permaneceu sem atividade até o ano de 1995, quando a CETESB iniciou as investigações que se estenderam até 1997. A investigação se deu por meio da avaliação de risco de contaminação, fazendo uso da metodologia da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA – United States Environmental Protection Agency) com o objetivo de verificar a probabilidade de danos à saúde dos futuros usuários daquele local (CUNHA, 1997). Esta avaliação consiste nas seguintes etapas: coleta de dados, avaliação dos dados obtidos, avaliação da toxicidade, avaliação da exposição e caracterização do risco. A partir desta metodologia, foram selecionados compostos com maior incidência de detecção na área, o hexaclorociclohexano (H.C.H.) e o mercúrio, para estudo de seus efeitos à saúde, grau e via de exposição. As investigações apresentaram altos níveis de concentração de hexaclorociclohexano (H.C.H.) e mercúrio no solo, o que levou a uma nova penalização à empresa.

No caso do mercúrio, em geral, a exposição humana pode ocorrer por ingestão, contato dérmico e inalação, está última sendo a principal, na forma de vapor, poeira ou partículas. Segundo Rodrigo Cunha (1997), o mercúrio costuma ser eliminado pelo organismo e a exposição aguda é relativamente rara, afetando o sistema respiratório (pneumotite e edema pulmonar) e o sistema nervoso central, além da possibilidade de danos renais, gengivite e estomatite. Em casos de exposição aguda por poucas horas, os indivíduos expostos costumam apresentar fraqueza, náuseas, vômito, dores de cabeça, entre outros sintomas. Indivíduos que sofreram exposição aguda crônica apresentam também sintomas neuropsiquiátricos, como depressão, confusão mental e tremores. Embora haja diversos efeitos colaterais a exposição de mercúrio, esta substância não é comprovadamente cancerígena (CUNHA, Rodrigo; tese de doutoramento, 1997). Em decorrência destes sintomas e problemas de saúde, fez-se necessário um estudo aprofundado sobre o grau de contaminação por mercúrio na Gleba das antigas Industrias Matarazzo. Em geral, no caso do hexaclorociclohexano (HCH), a exposição ocorre pela ingestão, inalação ou absorção cutânea, sendo interessante considerar a presença deste composto em inseticidas (a forma mais tóxica é em vapor). O HCH permanece no organismo até 6 meses depois do fim do período de exposição, pois se acumula nos tecidos adiposos. A ação da exposição a saúde humana é no sistema nervoso central, podendo apresentar desde dores de cabeça, tontura e espasmos musculares, até ataques de nervosismo repentinos e coma (CUNHA, Rodrigo; tese de doutoramento, 1997). Existem provas suficientes na literatura para que o HCH seja considerado cancerígeno à saúde humana, e, portanto, fez-se necessário uma avaliação aprofundada do grau de contaminação por HCH na Gleba estudada. Ao fim do estudo observa-se que, embora os riscos à população residente das imediações da gleba sejam considerados aceitáveis, adentrar o terreno não é seguro pois, segundo a tese de Rodrigo Cunha (1997), existe confirmação de diversos efeitos à saúde com exposição a longo prazo, chegando até mesmo a apresentar efeitos cancerígenos. Rodrigo Cunha (1997) afirma em sua tese que na época em que a avaliação foi feita, as medidas recomendadas para minimizar os riscos à saúde dos usuários foram o isolamento da área, impedindo o acesso de pessoas sem permissão; a remoção do material proveniente da demolição dos galpões da empresa; e o recobrimento 31


da superfície do solo utilizando material inerte e impermeável, de forma a restringir o contato direto e minimizar a emissão de gases poluentes. O material de recobrimento pode conter óxido de ferro, a fim de reduzir a volatilização do solo. Em 2001 a CETESB exigiu novamente que a empresa apresentasse um projeto de recuperação ambiental da área, o que ainda não ocorreu até hoje. Em 2005, uma intimação foi imposta à Prefeitura de São Caetano do Sul e às Indústrias Matarazzo, pois a CETESB constatou que foi construída uma obra viária na área contaminada (entre eles, um viaduto sobre a linha férrea) sem que houvesse autorização da Companhia Ambiental. Por isso, a CETESB permitiu a continuação das obras viárias, contanto que a área fosse isolada e fosse realizado um diagnóstico emergencial para avaliar a situação de risco. Em maio de 2005 o viaduto recebeu autorização de liberação, embora o relatório de avaliação de riscos apresentasse o não atendimento às exigências ambientais, o que resultou em nova advertência. Desde 2007, a empresa de Engenharia e Consultoria Ambiental (ConAm) foi contratada para realizar: a Investigação Preliminar; a Investigação Confirmatória e Detalhada; Avaliação de Risco; Plano de Intervenção e Remoção de Resíduos. Nas palavras da empresa, “Com o Plano de Intervenção aprovado, a Consultoria Ambiental pôde dar continuidade no processo de reutilização para Revitalização da área” (CONSULTORIA AMBIENTAL, 2016). Segundo engenheiro da empresa de consultoria, as avaliações mostraram que a maior parte da gleba pode receber novos usos tais como habitação sem riscos à saúde dos usuários, pois não possui contaminação significativa. No entanto, a parte que faz divisa com a Avenida do Estado é caracterizada como crítica e necessita intervenção para ser utilizada devido à alta concentração de contaminantes no solo com pesticidas HCH (conhecido como pó de broca) e na água, com benzeno (substância volátil), tendo liberação apenas para usos menos nobres, como o de estacionamento. Um fator complicador da contaminação na gleba desocupada em questão é a invasão, sendo que durante seis meses a parte em estado crítico da gleba foi invadida e ocupada. A área ao sul da gleba pertencia a indústria Cerâmica Louças Cláudia e também não apresenta contaminação (FREITAS, 2017). Em países industrializados é comum que exista áreas contaminadas, em especial naquela em que o crescimento industrial não esteve atrelado ao planejamento urbano. No caso da Região Metropolitana de São Paulo, houve um intenso processo de crescimento industrial 32

no início do século XX, o que foi acompanhado de um crescimento urbano sem planejamento suficiente. Esta combinação acaba por criar espaços com usos incompatíveis e conflituosos, como o residencial com o industrial (CUNHA, 1997). No exterior, já existem políticas referentes ao tratamento de áreas contaminadas. Nos Estados Unidos, um dos primeiros países a desenvolver ações a respeito deste tema, estabeleceu em 1980 o Comprehensive Environmental Response (CERCLA), legislação que definiu uma verba de US$1,6 bilhão a ser destinada, ao longo de cinco anos, para a remediação de áreas contaminadas em estado crítico (CUNHA, Rodrigo; tese de doutoramento, 1997). Seis anos depois o “Superfund Amendments and Reauthorization Act” adicionou U$8,5 bilhões ao CERCLA, além de destinar outros U$500 para locais contaminados devido a vazamentos de combustíveis. No caso do estado de São Paulo, a lei estadual nº 13.577 tem como objetivo assegurar que o solo esteja livre de contaminações e que seu uso se dê de maneira sustentável. Entre as medidas estabelecidas por lei tem-se: a identificação de áreas contaminadas; a garantia de que populações expostas à contaminação tenham sua saúde e segurança protegidos; incentivo a ocupação das áreas tratadas. A lei considera passível de contaminação as áreas que abriguem e/ou tenham abrigado empreendimentos e atividades potencialmente poluidores, que tenham suspeita de contaminação, entre outros casos relacionados à contaminação. Para tanto, divide-se as áreas em 3 classes: AI (área contaminada sob investigação), AC (áreas contaminadas) e AR (área remediada para uso declarado). A lei apresenta que o solo tem como função ser suporte da vida e habitat de pessoas e outros seres vivos, dando continuidade dos ciclos de água e nutrientes, geração de alimentos, entre outros.


fig. 19 - Torre de fornalha das Industrias Reunidas Matarazzo (foto: autoria prรณpria)

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HABITAÇÃO

fig. 20 - tijolos do muro idustrial em São Caetano do Sul (foto de autoria própria)

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3.1. Estudo de Caso: escolha do tema Habitação Ao fim da pesquisa de Iniciação Científica realizada por essa autora (DA MATA, 2015), conclui-se que a cidade de São Caetano do Sul apresenta características de município de desenvolvimento sustentável. No entanto, para que seja obtido grau satisfatório de sustentabilidade, deve-se levar em conta os três pilares da sustentabilidade: o ambiental, econômico e social. Considerando os diversos critérios e princípios de teor social do Urbanismo Sustentável apresentado no capítulo 1 deste trabalho, como por exemplo a diversidade de tipologias habitacionais que atendam diferentes grupos sociais e o acesso aos equipamentos e áreas verdes da cidade, conclui-se que São Caetano do Sul não atende em plenitude este pilar, pois embora a região seja bem provida em termos de infraestrutura de energia, esgoto, coleta de resíduos sólidos, transporte e equipamentos, a pouca oferta de habitação para populações de faixa de renda mais baixa faz com que o uso desta infraestrutura não seja utilizado em sua plenitude, sendo acessível majoritariamente a populações de renda mais elevada. Desta forma, existe a necessidade de criar mecanismos que propiciem a permanência de populações de diferentes faixas de renda dentro da cidade. Como será tratado neste capítulo, a previsão de áreas de ZEIS e a construção de conjuntos habitacionais são ferramentas que permitem a diversidade habitacional nas cidades. Assim, essas colocações levaram à escolha de se trabalhar habitação social no município de São Caetano do Sul.

fig. 21 - Modelo de “Casinha Mínima” proposta pela Comissão de Exame e Inspeção dos Cortiços (BONDUKI,2017)

3.2. A Habitação na Reconversão de Áreas Degradadas e a Temática Industrial A partir de 1880, vê-se no Brasil o início da produção arquitetônica para fábricas, constituindo um novo cenário industrial, tomado por galpões e chaminés tal qual o modelo europeu, adaptando o ambiente à nova realidade dos espaços de produção. A estética industrial também foi integrada às vilas operárias e núcleos fabris compostos por casas, escolas, igrejas e clubes. Tal estética remete aos

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fig. 22 - Foto da Vila Boyes ainda em uso habitacional (BONDUKI, 2017)


fundamentos fabris como economia, eficiência e funcionalidade (CORREIA, 2011). Levando em consideração que o início da habitação social se deu por meio da necessidade da elite industrial em criar um ambiente propicio para a manutenção de mão-de-obra nas cidades, seguindo critérios de higiene e moral correntes nos séculos XIX e XX, houve em São Paulo uma série leis de incentivo à construção de vilas operárias, como isenção de impostos municipais caso a empresa provesse habitações fora do perímetro central da cidade e seguindo os padrões da prefeitura para seus empregados. Em decorrência destes incentivos, entre os anos de 1900 e 1920 houve um surto de construções populares na cidade de São Paulo (BONDUKI, 2017). As vilas operárias seguiam o modelo de habitação unifamiliar, econômica e higiênica, construídas em série e que dispunha de um equipamento sanitário em cada unidade. Segundo Bonduki (2017), esta solução era a mais recomendada pelo poder público e pelos higienistas. Algumas propostas pioneiras de habitação operária foram, por exemplo, o modelo da Comissão de Exame e Inspeção dos Cortiços em 1893, que apresentou a “casinha mínima” (figura 321), planta bastante próxima do que passou a ser produzido para as vilas operárias (BONDUKI, 2017). Muitas vezes a urbanização vinha juntamente à industrialização. Esse aparecimento de cidades em torno de fábricas foi algo comum na República Velha, quando as empresas procuravam difundir entre os trabalhadores os padrões de vida burgueses, marcados pela moralidade e pelos valores capitalistas. O motivo principal para a construção dessas vilas por parte das empresas não era atrair mãode-obra, mas sim a necessidade de ter os trabalhadores de manutenção próximos aos locais de trabalho, para que pudessem ser convocados conforme a necessidade. Isso porque a maioria das vilas de empresas localizavam-se no interior do Estado e eram ligadas ao transporte por estrada de ferro. Além disso, as vilas representavam um investimento seguro e vantagens adicionais para as empresas, como por exemplo, a possibilidade de negociação de salários menores para os funcionários em troca de redução do aluguel (BONDUKI, 2017). Embora a arquitetura predominante nas indústrias do século XIX e XX fosse caracterizada como despojada e econômica, não deixava de fazer uso de ornamentos ecléticos, muitas vezes frequentes na composição das fachadas por meio de elementos de linguagem clássica, como frontões, cornijas, arcos plenos entre outros. Segundo

Correia (2011). Nas vilas operarias, essas características são chamadas de “ecletismo tipológico”, onde frequentemente se vê molduras e platibandas como elemento de destaque na composição da fachada. Esses elementos também aparecem com frequência em igrejas da época, mais voltados à arquitetura gótica. Dentro da linguagem despojada do mundo fabril, o tijolo aparente torna-se tendência, ostentando os elementos estruturais nas fachadas e até mesmo nos interiores. Seu uso foi difundido na segunda metade do século XIX, sobretudo na Inglaterra, e desta forma, o tijolo aparente torna-se um representante forte da funcionalidade fabril e tem expressão própria. Essa tendência se apoia na noção de “verdade da construção”, ao mesmo tempo que remetia a elementos clássicos e ecléticos. Além disso, outro movimento da época, o Arts and Crafts, difundia o emprego de materiais de origem local como

fig. 23 -Foto de Philip Gunn (2011) da Vila Boyes, também conhecida como Vila Matarazzo (CORREIA, T. 2011) 37


forma de criar unidade entre arquitetura e natureza, o que impulsionou ainda mais o uso do tijolo nas construções (CORREIA, T. 2011). No Brasil, o uso do tijolo inicia-se nos galpões industriais, até que se estende para casas, igrejas, entre outros. No estado de São Paulo este material foi amplamente utilizado, sempre munido de elementos da linguagem clássica, como frontões, cornijas, pilastras, platibandas, frisos, entre outros. No caso das vilas operarias, seguia-se a simplificação das fachadas, e por isso os elementos adicionais fabris dão lugar a outros recursos de variação de fachada, como jogos de volumes e movimento do telhado, estratégias recomendadas pelo engenheiro Everaldo Backheuser em 1906, que defendia que a supressão dos elementos e a adoção das variações de planos conferia às fachadas “certo encanto”. Além disso, o ornato serve como demarcador das moradias destinadas aos gerentes e funcionários de escalão mais alto. As casas operárias podiam ser dispostas de diferentes maneiras: em renque, isoladas, geminadas em duas a duas, em blocos ou sobrados (CORREIA, T. 2011). Como exemplo deste tipo de habitação traz-se a Vila Boyes (figuras 22, 23 e 24) construída por Simão Boyes (1919-1924) no bairro do Belém em São Paulo, e posteriormente vendida às Indústrias Reuni-

das Matarazzo para abrigar seus operários, assim recebendo o nome de Vila Matarazzo (SAAD et al, Pesquisa “Habitação Social em São Paulo”). Segundo Bonduki (2017), o uso do tijolo reforça a paisagem industrial do conjunto. Sua implantação ocupa pouco mais de um quarteirão e possui duas vias de circulação, além de duas ruas secundarias. De forma a intensificar a densidade de ocupação, todas as 97 unidades são geminadas de aproximadamente 60m2, além de serem iguais, com exceção das 3 unidades localizadas na entrada do conjunto, provavelmente destinadas à chefia da fábrica (figura 25). No caso de São Paulo, a grande difusão deste material deu-se devido à concentração de olarias artesanais no estado, tanto em pequenas oficinas como em grandes indústrias de produção de tijolos (CORREIA, T. 2011). Primeiramente, as olarias tinham produção manual. A primeira olaria mecanizada para produção em larga escala foi a de Sampaio Peixoto, instalada em Campinas em 1867, seguida da instalação de outras duas olarias mecanizadas: a dos irmãos Sacoman e a Cerâmica São Caetano, segundo Lemos (1989). As áreas esvaziadas devido a restruturação econômica iniciada na década de 1960 costumam ser os locais alvo das operações ur-

fig. 24 - Fachada da Vila Boyes (SAAD et al, Pesquisa “Habitação Social em São Paulo, s.d.) 38


banas no Brasil. Segundo Piza Fontes (2011), no desenvolvimento de tais projetos, não se deve focar apenas no retorno financeiro das empresas e investidores envolvidos nestas operações, mas também deve-se procurar melhorar as condições de vida das populações de baixa renda local. Estas intervenções devem resultar em benefícios tanto para a iniciativa privada quanto para a população carente, e como consequência, para o ambiente construído. Segundo Rogers (1997), intervenções urbanas pautadas pelo lucro prejudicam o meio ambiente e provocam desarmonias urbanas, muitas vezes ignorando direitos humanos básicos à população atingida. Aí se encontra o desafio de implantar uma operação urbana: fazer com que a necessidade de lucro e exploração por parte dos investidores possibilite também objetivos mais sustentáveis. Piza Fontes (2011) em sua tese questiona o porquê por trás do fato de que Operações Urbanas não sejam criadas para produzir habitação de interesse social. Em seu questionamento, a autora afirma que operações urbanas são áreas delimitadas a fim de permitir intervenções públicas e privadas com o objetivo de preservar, recuperar e transformar a área, ao mesmo tempo que se gera recursos financeiros para sua implementação de revitalização. Segundo Piza Fontes (2011), cabe ao poder público priorizar e direcionar as intervenções privadas para que a mais-valia gerada seja distribuída para todos os moradores, inclusive os de baixa renda, ou seja, operar em prol de todas as camadas sociais de alguma forma envolvidas no projeto. Isto porque o papel do Estado é de tentar solucionar problemas urbanos de desigualdade social, sejam elas preexistentes ou oriundas da própria intervenção. É preciso que isso seja frisado, pois a tendência é que haja uma expulsão das populações de baixa renda das áreas de intervenção, devido à valorização da região e a dificuldade destes moradores em investir em suas próprias moradias. Ao mesmo tempo, cabe ao poder público, por meio da legislação, regulamentar os investimentos da iniciativa privada, sem a qual a implantação do projeto seria inviável. Piza Fontes (2011) cita que em muitas cidades europeias as intervenções urbanas devem obrigatoriamente reservar uma parcela de área da região para habitação social, como no caso de Barcelona, cuja Lei do Solo destina 20% para esse uso. O instrumento da Operação Urbana surge no Brasil em 1985 por meio do Plano Diretor de São Paulo durante a gestão do prefeito Mário Covas, visando fazer uso de recursos privados para promover mudanças estruturais na cidade. Cada Operação Consorciada é

regida por uma lei própria, na qual técnicos do município calculam, entre outros aspectos, a quantidade de CEPACS (Certificados de Potencial Adicional de Construção) que serão utilizados para pagamentos das obras, como por exemplo na aquisição de terrenos para a construção de Habitação de Interesse Social, além de estabelecer o limite do valor de subsídio previsto para a compra destes terrenos (FONTES, 2011). Como consta no Estatuto da Cidade (Seção X, artigo 33), a Operação Urbana deve atender econômica e socialmente as populações diretamente afetadas pela operação. Como os recursos destinados à operação devem ser investidos dentro do perímetro do projeto, parece lógico destinar recursos para evitar a expulsão da população de baixa renda existente na área. Somado a isso, devese lembrar do Estatuto da Metrópole, legislação posterior que apresenta a necessidade de haver também um planejamento regional, isto é, um Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI). No entanto, a verdade é que o sucesso de uma operação urbana no Brasil está intimamente ligado ao envolvimento dos agentes privados, que investem recursos necessários para a execução das obras, mas que desejam a contrapartida da utilização dos benefícios gerados pelo projeto. Isso faz com que o poder público

fig. 25 - perspectiva aérea digital da Vila Boyes (SAAD et al, Pesquisa “Habitação Social em São Paulo, s.d.) 39


procure atender primeiramente os interesses dos investidores, para então atender às necessidades de toda a comunidade. No geral, os agentes privados não veem a habitação para população de baixa renda como uma fonte lucrativa. Até a metade do século XX, o mercado imobiliário privado brasileiro era bastante voltado para classes de alto poder aquisitivo, embora tenha existido outros programas habitacionais. As políticas públicas de habitação, precisavam recorrer às classes médias, pois o financiamento para essa faixa podia gerar renda de retorno para o fundo garantidor da habitação, enquanto a habitação para a baixa renda praticamente era com subsídio total (FERREIRA, 2012). No entanto, no ano de 2006, em decorrência de novas medidas jurídicas, financeiras e de ampliação de crédito, o mercado se voltou significativamente para classes médias, em especial a classe C (no IBGE, famílias de renda mensal entre 6 e 15 salários mínimos), criando um novo perfil de mercado, denominado pelas construtoras como “Segmento Econômico” (FERREIRA, 2012) e que, a exemplo do sucedido em décadas anteriores, também podia gerar receita para ser implantada em novas habitações. O Programa Minha Casa Minha Vida foi criado dentro da discussão sobre fazer com que a iniciativa privada se interessasse pela produção de habitações destinadas à população de baixa. Brevemente apresentando o Programa Minha Casa Minha Vida, lançado pelo Decreto 6819 de 13 de abril de 2009, pode-se dizer que o governo federal inicia o programa de habitação de interesse social para famílias de baixo poder aquisitivo. Destaca-se que estimula famílias de até três salários mínimos de renda mensal, que pagam uma taxa de até 15% e têm a casa subsidiada pelo estado. O Programa visa criar mecanismos que incentivem, entre outras formas de moradia, a aquisição e produção de unidades habitacionais. Dentro do programa existem modalidades, como o “Minha Casa, Minha Vida Urbano”, o MCMV Entidades e o “ Minha Casa, Minha Vida Rural” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2016). Inicialmente, o programa atendia famílias de até R$4.650, 00 (BRASIL, 2009). Em 2017, as faixas de renda do Programa sofreram alterações, ampliando a renda mensal máxima das famílias atendidas: a faixa 1,5 teve teto reajustado para R$2600 (ampliação de R$250), a faixa 2 para R$4.000 (R$400 de ampliação) e a faixa 3 para R$9.000 (aumento de R$2.500). O atual ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, afirmou que, embora haja uma inclusão de famílias com maior poder aquisitivo no programa, o Minha Casa Minha Vida não se desvirtua do 40

seu objetivo original de subsidiar habitações para famílias de baixa renda, pois continua contemplando as faixas mais baixas que atendem, inclusive, famílias em situação de risco (AMARAL, LIS; 2017), como no caso da Faixa 1. O PMCMV tem sido importante para o país no sentido de contribuir significativamente para a queda do déficit habitacional no país. No Brasil, a queda do déficit habitacional foi de -2,8% entre 2010 e 2014, diminuindo o déficit habitacional de 6940,7 famílias para 6198,3 (BRASIL, 2016). No entanto, a maior parte da produção habitacional do Programa Minha Casa Minha Vida é feita sem que seja feito estudos prévios para a implantação dos mesmos, como sobre a qualidade urbana, os impactos sociais e de meio ambiente, dificultando o usufruto de uma boa urbanização pelas gerações futuras (FERREIRA, 2012). Como exemplo, pode-se citar que estes conjuntos muitas vezes são compostos por uma repetição de tipologias, seja de pequenas casas ou torres idênticas, em áreas afastadas dos centros, isoladas de ofertas de emprego, transporte e de equipamentos de saúde e educação, além da presença constante da violência. Além de programas de financiamento, outro incentivo à produção habitacional para populações de baixa renda é o destino de áreas no zoneamento para as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) para as quais pode-se destinar conjuntos habitacionais de interesse social (HIS). As operações urbanas devem definir padrões de parcelamento, uso e ocupação do solo, preços e formas de financiamento destas habitações, além de definir critérios de construção acima do coeficiente de aproveitamento a fim de viabilizar a oferta de habitação de interesse social.

3.3. Desafio da Produção Habitacional para População de Baixa Renda Ao falar sobre conjuntos habitacionais para populações de baixa renda, algumas discussões são bastante recorrentes. Entre os temas frequentemente abordados dentro deste assunto estão a qualidade da produção habitacional, a permanência dos moradores em habitações fomentadas por órgãos públicos, as áreas mínimas das unidades, densidades de ocupação, entre outros muitos assuntos. Neste subcapítulo, procura-se tratar de alguns destes desafi-


os, e qual a relação entre as soluções possíveis dentro do contexto da sustentabilidade, para que os conjuntos habitacionais sejam bem-sucedidos. Mesmo considerando uma mudança natural dos moradores ao longo do tempo, o sucesso de um empreendimento habitacional para população de baixa renda pode ter como indicador o tempo que as famílias permaneceram morando nele. Toma-se o exemplo trazido por Doug Saunders (2013), em seu livro “Cidade de Chegada”, onde o autor trata de ocupações informais de famílias migrantes de áreas rurais para as cidades. Em sua obra, Saunders (2013) aponta que, após se estabelecerem nas cidades, as famílias podem ter uma melhora de renda e qualidade de vida, fazendo com que abandonem as ocupações informais (denominado por ele como Cidade de Chegada) para irem morar em bairros de faixa de renda mais elevada. No entanto, em sua pesquisa o autor percebe que algumas cidades de chegada alcançam um nível de qualidade satisfatório a ponto de seus moradores permanecerem nessas ocupações mesmo depois de uma melhora social. Para Saunders (2013), a permanência das famílias ao longo do tempo funciona como um termômetro do sucesso da ocupação informal. É possível traçar um paralelo entre a observação de Saunders (2013) e os conjuntos habitacionais, que muitas vezes abrigam famílias migrantes de diversas regiões do Brasil e exterior. Alguns fatores bastante relacionados à sustentabilidade urbana corroboram para alcançar o bom desenvolvimento de um conjunto habitacional dedicado à população de baixa renda. Saunders (2013) afirma que locais bem-sucedidos, isto é, que são bem aceitos pelos seus próprios moradores, costumam ser servidos por um sistema de transporte que leva ao centro da cidade; ter em sua proximidade escolas e centros de saúde; alta densidade; além de parques e espaços públicos. Considerando a grande possibilidade de que os moradores desses conjuntos tenham tido como moradia anterior as favelas, cortiços ou ocupações informais, deve-se considerar alguns hábitos enraizados na vida da população em questão, como a possibilidade de acrescentar cômodos ao seu domicílio e abrir lojas no térreo das construções. A flexibilidade da moradia, assim como outros costumes viáveis em favelas e ocupações, encontra um impeditivo na produção habitacional de baixa renda atual: os projetos habitacionais costumam seguir uma tipologia-padrão repetidas em diversos empreendimentos e que comumente não oferecem locais para lo-

jas, oficinas ou pequenas empresas, muito menos a possibilidade de flexibilidade de layout das residências ou conversão das unidades para funcionarem como comércio. Muitas vezes as unidades não possuem acesso à rua e aos pedestres, inviabilizando a atividade comercial (SAUNDERS, 2013). Esse “engessamento” da vida nos projetos habitacionais atuais dificulta a adaptação de moradores, podendo levar a baixa permanência nos conjuntos. Outra característica da produção habitacional atual para a população de baixa renda é a sua localização em áreas afastadas do centro, devido ao valor inferior dos terrenos nos subúrbios. É comum encontrar conjuntos habitacionais isolados do tecido urbano, cercados por muros e grades, sem fácil acesso à transporte público ou ao comércio e equipamentos de uso cotidiano, como padarias, escolas, farmácias mercearias, etc. Desta forma, o dia-a-dia das famílias torna-se dificultado, levando-as à saída desses conjuntos habitacionais. Além da permanência das famílias nos conjuntos habitacionais, outra questão muito debatida em relação aos conjuntos habitacionais é a área das unidades, além de sua qualidade construtiva. Para Bonduki (2017), existe uma falta de comunicação entre o mercado de trabalho e o mercado imobiliário, pois muitas vezes ao longo da história houve uma lacuna a ser superada entre os salários dos trabalhadores e o aluguel cobrado por habitações em boas condições. Como resultado, o mercado reduz a qualidade da produção habitacional para o mínimo aceitável a fim tornar os alugueis compatíveis com os salários dos trabalhadores (BONDUKI, 2017). Estes critérios mínimos são refletidos no dimensionamento das unidades, sua qualidade construtiva, seu desempenho em termos de conforto ambiental, e até mesmo na escolha do local onde será implantado. Folz e Martucci (2007) levantam um questionamento sobre as legislações atuais acerca da habitação de interesse social, em especial sobre qual seria a área mínima aceitável para o conforto das famílias de baixa renda. Os autores entendem que o que é considerado mínimo não deve abranger somente às exigências das atividades do cotidiano, mas também, nas palavras dos autores, aos “quesitos psicossomáticos”, isto é, ao conforto termo acústico, à sensação do indivíduo no espaço, entre outros fatores. Além disso, deve-se considerar nesta análise não só as unidades em si, mas a relação entre elas, assim como com a malha urbana, infraestrutura e equipamentos. A habitação mínima passou a ser discutida com maior intensidade 41


durante o início do século XX, no Segundo Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (2° CIAM) em Frankfurt, Alemanha. Neste encontro, os arquitetos procuraram discutir o espaço físico mínimo para as atividades domésticas, dimensões de mobiliário e racionalização da vida e uso dos espaços. Seguindo estes modelos europeus, a discussão sobre habitação mínima no Brasil teve seu início marcado pelo Primeiro Congresso de Habitação, em 1931, em São Paulo (FOLZ, MARTUCCI; 2007). Um registro da evolução desse assunto no Brasil pode ser visto nas mudanças ocorridas no Código Sanitário do Estado de São Paulo, como observado na tabela 2. É interessante notar o gradativo aumento da área dos dormitórios, que passam a ser entendidos como áreas não só para dormir, mas também para outras atividades, como por exemplo o estudo e o tempo livre; ao mesmo tempo, a área mínima das cozinhas é reduzida,

tabela 2 - Evolução Dimensional do Código Sanitário (BOUERI, 1989 in FOLTZ e MARTUCCI, 2007)

tabela 3 - Comparação entre as áreas mínimas de diferentes autores (FOLTZ e MARTUCCI, 2007)

apontando a diminuição dos aparelhos de cozinha e a junção da cozinha com a sala como espaço de estar, por exemplo. Também vale considerar outras análises feitas no pais, como a de Silva (1982), Boueri (1989) e a pesquisa publicada pelo IPT em 1988 acerca do assunto, como se pode observar na tabela 3 (FOLZ, MARTUCCI; 2007). O primeiro autor considerou os ambientes em seu aspecto geométrico; isto é, circulações, ventilação e layout, sem abordar questões de conforto do usuário; de forma que obteve valores de área inferiores aos outros autores, mas ainda assim superiores ao Código Sanitário, o que denuncia um potencial falha no 42

Código (FOLZ, MARTUCCI; 2007). Existe uma tendência de diminuição das áreas em conjuntos habitacionais no Brasil desde o período BNH (Banco Nacional da Habitação: 1964 – 1986). Hoje, duas instituições se encarregam da produção habitacional para população de baixa renda no Estado de São Paulo: A Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), e a Caixa Econômica Federal (FOLZ, MARTUCCI; 2007). Os projetos da CDHU seguem um Caderno de Tipologias de Edificações, ou seja, as tipologias se repetem por todo o estado, sendo


compostas por casas térreas, casas sobrepostas, sobrados e prédios. As tipologias em situação mais crítica são o tipo VI-22 de 37,81m2 com dois dormitórios (figura 26), e o tipo VI-22K com 44,95m2 (figura 27), este último com claro desperdício de área em espaços de circulação. No caso da Caixa Econômica Federal, a única exigência do órgão é a área útil mínima de 37m2 para unidades de dois quartos. Comparando a produção destes dois órgãos com os dados apresentados por Silva (1982) e Boueri (1989), percebe-se que existe uma situação patológica destas tipologias (FOLZ, MARTUCCI; 2007). O argumento utilizado para defender as áreas de unidades tão limitadas é de que esta redução barateia os projetos. No entanto, Mascaró (1998) demonstra que a relação entre custo e área não é diretamente proporcional, isto é, a diminuição das áreas não é justificada (FOLZ, MARTUCCI; 2007). “O problema não é só o fator metros quadrados construídos, mas também, fundamentalmente, a forma como são desenhadas essas superfícies, ou seja, o tradicional problema de quantidade versus qualidade do projeto, não só dos materiais” (MASCARÓ, 1998, in FOLZ, MARTUCCI; 2007). fig. 26 - Tipo VI-AA F Planta CDHU (FOLZ, MARTUCCI, 2007)

fig.27 - Tipo VI-22K Planta CDHU (FOLZ, MARTUCCI, 2007)

Isto é, para o autor, a qualidade do projeto é essencial nas habitações para população de baixa renda, pois um bom projeto faz uso das áreas mínimas com maior qualidade.

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1 4 44


ESTUDO DE CASO:

PROJETO DE UM CONJUNTO HABITACIONAL DE INTERESSE SOCIAL EM ÁREA INDUSTRIAL DE SÃO CAETANO DO SUL

fig. 28- terreno escolhido para o projeto (foto de autoria própria)

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4.1. O Masterplan A gleba, de aproximadamente 300 mil metros quadrados, é área suficientemente vasta para ser alvo de operação urbana por parte da prefeitura. Aqui neste trabalho, sugere-se suprir algumas necessidades apresentadas no novo Plano Diretor de São Caetano do Sul, vigente desde 2016. Dentre as proposições apresentadas no Capítulo III do Plano Diretor Estratégico de São Caetano do Sul de 2016 estão: a Sustentabilidade, o Desenvolvimento Social e Habitação, Mobilidade Urbana, entre outros. Dentro das proposições de Sustentabilidade, estão a implantação de um parque no bairro Fundação. Situada neste mesmo bairro, a gleba é uma boa escolha para a implantação do parque, que poderá conter dentro de sua vasta área diversos equipamentos públicos (PREFEITURA DE SÃO CAETANO DO SUL, 2015). Das proposições referentes ao Desenvolvimento Social e Habitação pode-se citar a valorização do patrimônio cultural, histórico e ambiental, e ampliação da rede pública de ensino. Aponta-se ainda outras proposições que constam no Plano Diretor em questão, como a instalação de instituições de Ensino Superior com Centros de Pesquisa, a criação de Centro de Tecnologia, a ampliação do Museu Municipal e a implantação de um Centro Municipal de Convenções (PREFEITURA DE SÃO CAETANO DO SUL, 2015). Somado a isso, tem-se o quadro habitacional da cidade, já tratado no capítulo 3. Desta forma, entende-se que uma opção adequada de diretrizes de Masterplan para a gleba estudada seria convertê-la em um parque, isto é, área bastante arborizada, contendo dentro dele alguns dos equipamentos apresentados como necessários pelo Plano Diretor vigente da cidade, como observado na figura 29. A porção central foi destinada a habitação, pois está suficientemente distante das linhas de trem e de alta tensão, não apresenta contaminação em níveis que inviabilizem o uso habitacional, e ainda está próxima de região majoritariamente composta com residências horizontais. A porção noroeste foi destinada ao Centro Municipal de Convenções, devido ao seu fácil acesso à Avenida do Estado e à proximidade para com os bairros de São Paulo. A porção Sul é próxima da linha do trem e da linha de alta tensão, e por isso não poderia receber usos habitacionais. Desta forma foi deixada uma faixa non-edificandi, deixando o restante da porção sul comportando então o um Ecoponto, ou Centro de Reciclagem, e Centro de Tecnologia. Ao norte do Cen46

tro de Tecnologia, implantou-se uma Instituição de Ensino Superior e Pesquisa, pois a proximidade desses dois equipamentos pode potencializar seus usos. Na porção norte do terreno, apartada por vias, identificou-se alto grau de contaminação (ConAm, s/d), inviabilizando usos que promovessem algum contato com o solo. Por isso, transformou-se essa porção em uma praça seca, totalmente pavimentada, que comporta a Ampliação do Museu Municipal, situado nas proximidades ao terreno.

4.2. As Quadras Habitacionais Para fins de elaboração de projeto para Trabalho Final de Graduação, a porção central de uso habitacional foi escolhida para ser detalhada. Usando como valor referencial de quadra a área de 1000m2, a porção foi dividida em 3 quadras de áreas 6331m2 (quadra 1 - norte), 12.859m2 (quadra 2 - central) e 9959m2 (quadra 3 - sul). Entre as quadras, foram criadas três novas vias de largura 6m para a passagem de automóveis. Ao longo destas vias, foram criados bolsões de estacionamento. Desta forma, não só se interligou os dois lados do terreno que eram pouco conectados, mas também se permitiu que o toda a área restante do projeto fosse de circulação exclusiva para pedestres, priorizando-os em relação ao carro, como observado na figura 30. A conexão das quadras se dá pelas faixas de pedestres, localizadas em pontos estratégicos das quadras. Ao longo da Avenida do Viaduto, implantou-se uma ciclovia, que facilita a interligação das diferentes áreas do parque. Juntamente das vias menos movimentadas e de uso residencial, foram implantados dois nichos para que os caminhões de coleta de resíduos sólidos possam estacionar quando necessário. Os nichos estão localizados a menos de 100 metros de qualquer ponto do conjunto, evitando que os moradores precisem caminhar muito para fazer o descarte adequado dos resíduos orgânicos. Os resíduos recicláveis do conjunto serão destinados ao centro de reciclagem, situado na porção sul do parque, como demonstrado na figura 31. Os blocos foram implantados de forma ordenada, garantindo a alta densidade do conjunto, mas garantindo as questões relativas à conforto, insolação, privacidade e circulação de pedestres, como pode ser observado na figura 32. A pré-existência industrial contida no terreno, composta dos um muro que antes fazia parte dos galpões das Industrial Reunidas Matarazzo, e uma torre de fornalha, foram incor-


fig. 29- espacialização dos equipamentos no terreno (fonte: autoria própria)

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fig. 30 - Diagrama de divisão das quadras (autoria própria)

fig. 31– Diagrama de circulações nas quadras (autoria própria)

poradas no projeto, tornando-se uma área comercial e um marco histórico da região. Incorporando as diretrizes de uso misto e diversidade habitacional tratadas pelo urbanismo sustentável, os blocos ao longo das vias apresentam unidades comerciais de 40m2, 50m2 e 70m2 em seu térreo. Em unidades de miolo de quadra, os blocos apresentam unidades destinadas a idosos e portadores de necessidades especiais. Entre blocos, foram implantados canteiros ajardinados, não só contribuindo para a permeabilidade de água da chuva na quadra, mas também para a privacidade das unidades. Esses canteiros possuem diferentes formatos, criando espaços de permanência e convívio

dos moradores, seja por meio de bancos de praça agregadores, academia ao ar livre, locais para jogar damas ou playground para as crianças, como observado na figura 33. Ao sul da quadra 3, foi implantada uma creche seguindo o modelo tipo C do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE, s/d), juntamente de uma quadra poliesportiva, uma praça e área ajardinada onde consta a torre de fornalha, liberando a visual da torre a fim de torna-la um marco para a cidade. Sabe-se que o alto grau de pavimentação das cidades faz com que o escoamento das águas das chuvas seja acelerado, sobrecarregando os sistemas de coleta. Como forma de contribuir para di-

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fig. 32– Diagrama da implantação dos blocos (autoria própria)

fig. 33– Diagrama das áreas permeáveis e equipamentos (autoria própria)

minuição da velocidade de escoamento das aguas das chuvas para o sistema de coleta, fez-se uso do pavimento Intertravado nas áreas pavimentadas do conjunto, pois este piso, além de garantir certo grau de permeabilidade da água no solo, é poroso, contribuindo para a redução da velocidade de escoamento da água das chuvas. Ainda sobre águas das chuvas, foi utilizado o piso permeável nos bolsões de estacionamento, isto é, peças de concreto vazadas e grama. Para os playgrounds, foi utilizado o piso emborrachado semipermeável. Estes pisos estão na figura 34.

fig. 34– Pisos aplicados na implantação do projeto (autoria própria) 49


fig. 35– Corte AA

fig. 36– Corte BB

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fig. 37– Implantação do Projeto

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4.3. Os Blocos Habitacionais O zoneamento vigente é datado de 2010, ou seja, não foi revisado na mesma ocasião que o Plano Diretor, de 2016. No zoneamento, o terreno estudado está inserido na Macrozona de Desenvolvimento Estratégico (ver figura 39), e na Zona de Predominância Industrial e Comercial (ou Zona Z-8C, como consta na figura 38). Para tais áreas, o zoneamento prevê. Na seção VIII, artigo 17, inciso III do Zoneamento de 2010, lê-se: “III - será permitida a construção de edifício residencial, observando que: a) os edifícios não poderão ter gabarito superior a 2 (dois) pavimentos mais o térreo, os quais, somados, não poderão ter altura superior a 10,00m (dez metros), podendo, ainda, ter subsolo; ” (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL. Lei 4944 de 27 de outubro de 2010).

Levando em consideração as densidades sugeridas no capítulo 1 para o desenvolvimento de um bairro sustentável, entendeu-se que o gabarito de 10 metros representaria um impeditivo para o alca-

nce das densidades necessárias para viabilizar o projeto. Em e-mail direcionado à Secretaria de Obras e Habitação do município, foi questionado se o gabarito de 10 metros, baixo para os padrões constritivos da Região Metropolitana de São Paulo, encontrava fundamento na contaminação do solo ou nas preexistências do entorno. A seguir, a resposta do secretário Enio Moro Junio, recebida por e-mail por esta autora: “(...). Existe essa limitação pelo fato da área ser Z8 e não há nenhuma ligação com características do solo ou qualquer outro determinante. Pelo Plano Diretor Estratégico em vigor, todas as áreas lindeiras à av. do Estado e à av. Guido Aliberti são áreas para Operações Urbanas. Na essência do novo Plano Diretor, essas avenidas de borda seriam locais para a verticalização, restringindo nos bairros. Ainda estamos em fase de estudos técnicos para discussão de índices possíveis para a área. Obviamente, os estudos serão debatidos por meio de audiências públicas com a população antes de sua aprovação final. Para finalidades acadêmicas, não há objeções para que você já considere esta área como de Operação Urbana consolidada (...)” MORO JÚNIOR, Enio. Secretaria de Obras de Habitação de São Caetano do Sul. [mensagem institucional]. Mensagem recebida por arq.damata@ gmail.com em 11 de agosto de 2017.

Assim, para o desenvolvimento do projeto, foi considerado o gabarito equivalente a térreo mais quatro pavimentos, isto é, o permitido para edifícios sem a necessidade de instalação de elevadores, o que viria a encarecer o projeto.

fig. 38– Macrozonas (fonte: editado a fig. 39– Zoneamento (fonte: editado a partir de documento da prefeitura) partir de documento da prefeitura) 52


fig. 40– Diagramas de desenvolvimento dos blocos (autoria própria) 53


fig. 41– Bloco A Planta do Térreo

fig. 42– Bloco A Planta Tipo

fig. 43– Bloco A Planta da cobertura

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Fachada Leste

Fachada Norte

Fachada Oeste

Fachada Sul

fig. 44– Fachadas do Bloco A

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fig. 45– Bloco B Planta do Térreo

fig. 46– Bloco B Planta Tipo

fig. 47– Bloco B Planta da cobertura

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Fachada Leste

Fachada Norte

Fachada Oeste

Fachada Sul

fig. 48– Fachadas do Bloco A 57


fig. 49– Diagrama de flexibilidade das unidades habitacionais

fig. 50–Corte AA 58

fig. 51–Corte BB


4.4. As Unidades Habitacionais Levando em consideração o que foi apresentado no capítulo 3 sobre o papel da flexibilidade das unidades e da existência de espaços de convivência, comércio e serviço para a permanência das famílias nesse local em conjuntos habitacionais, assim como a necessidade de diversidade de tipologias e usos para a sustentabilidade urbana como apresentado no capitulo 1, projetou-se três tipologias diferentes: de 70m2 (tipo 1), 50m2 (tipo2) e 40m2 (tipo 3). As unidades foram projetadas para proporcionar flexibilidade a seus moradores ao longo do tempo (veja a figura 49). Por isso, as áreas molhadas, como área de serviço, banheiro e cozinha foram dispostas próximo à torre de escadas, aproximando o shaft da localização da caixa d’água. Desta forma, o restante da área da unidade fica livre para ser organizado de diferentes formas, conforme a necessidade do usuário. As unidades foram organizadas em blocos A e B, como nas figuras 41 a 48. A circulação vertical dos blocos se dá por meio de torres de escadas com fechamento em elementos cerâmicos vazados, remetendo aos que antes eram encontrados no terreno. Cada torre dá acesso à 10 unidades e permitem a circulação transversal entre blocos no térreo, além de abrigar a caixa d’água e sistema de aquecimento solar em sua cobertura, como pode-se observar nas figuras 50 e 51. Foram previstas aberturas em sentido vertical devido ao sistema estrutural em alvenaria cerâmica. As proteções solares são compostas por venezianas móveis, que propiciam jogo interessante de fachadas tanto devido ao movimento quanto às cores, que auxiliam na identificação dos blocos.

fig. 52– Planta ampliada da Unidade tipo 3 com sugestão de layout

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fig. 53– Planta ampliada da Unidade tipo 2 com sugestão de layout

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fig. 54– Planta ampliada da Unidade tipo 1 com sugestão de layout

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fig. 55– Detalhe 1

4.5. O Sistema Estrutural

O sistema estrutural escolhido para o projeto foi a alvenaria cerâmica estrutural. A escolha foi feita em função de diversos fatores, que serão apresentados a seguir.

Preservação da Memória

Como apresentado no capítulo 1, a preservação da memória e da história local por meio de marcos urbanos pode contribuir para maior conscientização social dos moradores dos bairros, o que cum62

fig. 56– Detalhe 2

pre papel importante para a sustentabilidade urbana local. Desta forma, decidiu-se preservar a memória da cidade de São Caetano do Sul, que devido ao solo argiloso, tornou-se uma olaria (Cerâmica São Caetano) durante a formação da cidade, incorporando ao projeto os elementos cerâmicos. Somado a isso, o terreno escolhido para a implantação do projeto abrigou as Indústrias Reunidas Matarazzo, cuja torre de fornalha e muro remanescente (ambos em tijolos cerâmicos) foram preservados no projeto e incorporados à proposta. Como forma de alusão à história do terreno e à arquitetu-


ra típica das industrias e habitações para trabalhadores da época, a alvenaria cerâmica estrutural foi escolhida.

Custo Benefício

Considerando que o projeto foi feito para habitação de interesse social, que costuma fazer uso de verbas reduzidas para execução, a alvenaria cerâmica estrutural apresenta uma opção barata de construção comparada a outros sistemas estruturais. Além disso, os projetos que fazem uso desse material, quando bem projetados em função do módulo do bloco, apresentam maior facilidade de manejo na obra.

Sustentabilidade

Dentro da proposta de sustentabilidade na construção, entende-se que existe a necessidade não só de incorporar elementos de eficiência energética ao projeto, como também incorporar a sustentabilidade em um sentido mais amplo, como por exemplo na ciência da procedência dos materiais utilizados. Pensando nisso, foi considerado o fornecedor Anhanguera Cerâmica, cuja olaria está localizada na Rua Álvaro de Oliveira Marcondes, em Jundiaí. Essa empresa foi escolhida por dois motivos: as peças viriam da menor distância possível (73,6 km entre o terreno e a fabricação dos blocos), reduzindo as emissões de gases poluentes provenientes dos caminhões de transporte; e a sustentabilidade social por meio do incentivo à economia local, pois trata-se de uma empresa de origem familiar de médio porte. Foi realizada visita à fábrica para que o material fosse conhecido e amostras fossem obtidas para teste em laboratório. Foram realizados testes em câmara térmica e lâmpada alógena, e concluiu-se que o material apresenta ótimo desempenho térmico em relação a outros materiais de construção semelhantes, sendo ideal para aplicação em climas quentes como o do Brasil, proporcionando melhor conforto térmico e redução de gastos energéticos.

fig. 57– Perspectiva dos espaços de convivência

Flexibilidade de Layout

Os blocos cerâmicos estruturais compõem as paredes externas das unidades, deixando o interior livre para modificações ao longo do tempo. Os vãos são vencidos por placas alveolares pré-moldadas. fig. 58– Perspectiva interna da tipologia 1

63


fig. 59– Perspectiva da Avenida do Viaduto 64


fig. 60– Perspectiva das åreas comerciais 65


fig. 61– maquete do projeto 66


fig. 62– maquete do projeto

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Conclusão A sustentabilidade não deve ser entendida como uma série de elementos listados a serem incorporados aos projetos, mas sim como uma análise sistêmica e multidisciplinar. Isto é, não existe uma resposta pronta, faz-se necessário o estudo das necessidades de cada região para que seja possível chegar a uma resposta adequada a cada caso. Para áreas industriais, foi enfatizada a grande potencialidade que o projeto urbano venha trazer ao incorporar a sustentabilidade a projetos nestas vastas áreas com infraestrutura já estabelecida e próximas a áreas já urbanizadas. Os fatores ambientais têm caráter especifico e fundamental devido à possibilidade de contaminação. Ao projetar empreendimentos de caráter sustentável nessas áreas, deve-se ter em mente a possibilidade de contaminação, como uma condicionante a ser trabalhada. Entende-se aqui que, uma vez controlado o problema ambiental de eventual contaminação, a moradia é um programa apropriado para ser implantado nessas áreas: Primeiramente porque projetos habitacionais necessitam de grandes terrenos para sua implantação; além disso, foi apresentado que deve existir primeiro infraestrutura, saneamento, oferta de transporte público, entre outros fatores que pode-se encontrar em bairros em processo de desindustrialização; por fim, procura-se atender parte da demanda por habitação no contexto brasileiro. Foi trazido aqui o estudo de caso da gleba das Industrias Reunidas Matarazzo, junto às quais foi desenvolvido este projeto. Observa-se que com esse projeto traz a reconversão destas áreas industriais para que voltem a exercer sua função social na cidade, além de contribuir para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do bairro, ou seja, o desenvolvimento sustentável pleno.

fig. 63– Perspectiva aérea 68


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