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Livro-Reportagem – Trabalho de Conclusão de Curso – 2011 Apresentado à Unip, Universidade Paulistana, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de bacharel em Jornalismo, sob a orientação do Prof. Marco Moretti. Direção de arte: Thiago Lemos Revisão: Flávia Ferreira
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CRISTIANE JOPLIN LEONARDO PEREIRA NATHANNA RAISSA
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DEDICATÓRIA Dedicamos este trabalho aos pais Ana da Silva, Antonio de Oliveira, Jorgina Oliveira, Luzia Pereira; às irmãs Camila Oliveira, Flávia Ferreira; ao avô Expedito Silva e aos amigos Angélica Silva e Thiago Lemos.
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SUMÁRIO Introdução
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“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”
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Onde tudo aconteceu
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O cineclube que mudou tudo
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A queda
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Afinal, ainda existe cineclubismo em São Paulo?
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Agradecimentos
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INTRODUÇÃO A arte e suas manifestações têm acompanhado o desenvolvimento da humanidade, dispomos hoje de uma sofisticação imensa, gerada, sobretudo, pela alta tecnologia, que melhorou nossa relação com o artístico. Hoje é muito mais acessível ir ao cinema, ler um livro, apreciar um quadro, poderíamos até arriscar dizer que a arte está ao alcance de todos, ainda não é verdade, mas parece cada vez mais que um dia será. Com tantas mudanças ao longo dessa história, artistas, críticos e pessoas interessadas no assunto de um modo geral ainda fazem a mesma pergunta que o filósofo e poeta Horácio se fazia na Roma Antiga: Qual a função da arte? (A arte poética. São Paulo: Ed. Musa, 1999). Dizia Horácio que: “O poeta deve, simultaneamente, instruir e deleitar”. Para ele, o poeta, ou artista talentoso, era aquele que conseguia unir as duas coisas com facilidade, com equilíbrio. Estudiosos do mundo inteiro pensaram e repensaram, e pensam até hoje acerca da função da arte. Uns acham que ela não tem sequer uma função, que arte deve ser só pela arte. Muitos pensam como Horácio e elaboraram e desenvolveram de outras formas o que pensava o filósofo. Mais tarde, diversas ideologias mudariam e adaptariam a ideia de função da arte. No início dos anos 1980, surgiu um lugar, em São Paulo, criado por pessoas que também estavam preocupadas com a função da arte e ainda com a explosão do cinema blockbuster, que já tomava conta das salas brasileiras assim como fizera no mundo todo. O fato é que o país sofria com a ditadura militar, iniciada em 1964 e que só viria a acabar em 1985, e este grupo queria acabar com a alienação do público, que comia pipoca em salas de cinema enquanto o país desmoronava. Uniram, então, um foco ao outro mirando a política enquanto faziam ser acessível uma arte de verdade. Que problematiza a vida, não que conforta. Eles escolheram o prédio do número 124 na Rua Treze de Maio. Hoje, ele está malconservado e – como quase todos da mesma rua – passa o dia inteiro fechado por uma enorme porta de ferro. As três janelas – uma grande, quase de ponta a ponta e mais duas pequenas – têm vidros escurecidos e possuem grades e sujeira suficientes para esconder o interior. Há também uma porta lateral e pelo menos duas câmeras visíveis, que estão ali por conta do que guarda o imóvel. Lá dentro, funciona o depósito do Café Piu-Piu, que em 2011 completa 21 anos de atividade no número 134. Pouco antes de surgir a casa, o lugar que hoje serve como seu anexo
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era palco para outro tipo de atividade. Lá nasceu um dos mais importantes cineclubes do país, escola para muita gente envolvida com cinema no Brasil e ponto de partida para uma nova fase do movimento. O Cineclube Bixiga foi montado em 1981 onde antes funcionava uma lavanderia industrial e sua proposta era diferente do que havia até em termos de cinema comercial. Além de se tornar modelo para um novo tipo de cineclube, o Bixiga também abriu caminho para um formato que hoje se tornou padrão nas salas de arte. A proposta do livro é mostrar como esse cineclube surgiu, atuou e morreu, sendo que a reconstituição do processo será feita através de depoimentos das pessoas que estiveram diretamente envolvidas na sua criação e funcionamento. A história daquele ambiente se mistura com a do bairro, por isso, faremos um passeio pela região, remontando sua história. Veremos que o Cineclube Bixiga foi importantíssimo para o movimento, responsável por muitas transformações quando apareceu, e que seu fechamento também marca o final de uma época na história dos cineclubes e na da região.
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“Cineclube é a casa do cinema” Diogo dos Santos
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“Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” Imagine um filme que você conhece, sobre o qual já leu artigos e resenhas e que adoraria assistir. Agora, pense que você não pode ir ao cinema mais próximo, comprar um ingresso e saciar o seu interesse, enquanto come pipoca, simplesmente porque o filme não está em cartaz, nunca foi anunciado e não existe uma sala de cinema que possa atender a sua necessidade e a de mais alguns poucos interessados. O que você faria? O movimento cineclubista surgiu com o intuito de preencher essa lacuna na sociedade, a carência de salas de cinema que exibissem filmes, que não fossem produzidos apenas com o objetivo de atingir o maior número de espectadores, sem se preocupar com o conteúdo. “Cineclube é a casa do cinema, lugar onde se reúnem os seus amantes para ver, ouvir e discutir, o lugar onde os filmes e seus personagens vivem eternamente na memória de seus espectadores. Um filme só existe quando projetado”. Afirma Diogo dos Santos, um dos sócios fundadores do Cineclube Bixiga. O Neorealismo italiano e a Nouvelle Vague francesa estão diretamente relacionados ao cineclubismo. Foi a participação crítica no processo cinematográfico que levou à contestação das formas estabelecidas e à hipótese criativa de novas. Considerada uma ruptura na maneira de se fazer cinema, por conta de suas características inovadoras, a Nouvelle Vague buscava valorizar não as estrelas e os estúdios, mas sim os autores. O filme inaugural do movimento foi Nas Garras do Vício, de 1958, do diretor francês Claude Chabrol. Logo depois surgiriam nomes como Jean-Luc Godard e François Truffaut, também franceses, e outros diretores que entrariam para a história e eternizariam o movimento, que tem seguidores até hoje. No Brasil, o movimento que marca a era do cineclubismo é o Cinema Novo, com as mesmas características do Neorealismo italiano e da Nouvelle Vague. A ideia tomou forma quando jovens cinéfilos, frustrados com a falência das grandes companhias cinematográficas, resultado do intenso processo de industrialização que o Brasil sofreu na primeira metade do século XX, resolveram lutar por um cinema com mais realidade, conteúdo e menor custo. Em 1952, acontecem os primeiros congressos de cinema, o Paulista e o Brasileiro, para discussão de novas ideias para a produção de filmes nacionais, e então uma nova temática de obras começa a ser abordada. Apesar de a obra mais marcante do Cinema Novo ser Os Cafajestes, de Ruy Guerra, de 1962, o primeiro filme feito inteira-
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mente sob os moldes do movimento é Rio, 40 graus, de 1955, do diretor Nelson Pereira dos Santos, e que, por isso, melhor representa o início do movimento. As novas ideias seriam totalmente contrárias às superproduções de filmes da época e avessas às alienações culturais que as chanchadas refletiam. Surgiriam então grandes nomes do Cinema Novo, o principal deles era o baiano Glauber Rocha, que viria a fazer filmes sob seu famoso lema: “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, voltados à realidade brasileira, com uma linguagem adequada à situação social da época. “Foi um cinema feito por jovens, abordando temáticas jovens para o nosso cinema, uma maneira nova de ver o homem brasileiro na sua essência e não a partir do olhar do outro. Por isso que ele é novo! Porque foi um cinema feito por jovens, pela juventude que vivia num país em transformação”, completa Diogo. Foi em meio a estas transformações culturais que o cineclubismo se organizou. Uma atividade sem fins lucrativos, que promove sessões de filmes com exibição de obras com teor crítico, social e cultural, que transmitem a realidade da sociedade e geram questionamentos do público. A ideia era promover a discussão de filmes, a coletiva e democraticamente. Formado por um grupo de pessoas que queiram apreciar e estudar cinema, o cineclube não precisa necessariamente de uma sede, pois a pratica vai além de uma estrutura física, a arte de questionar pode ser feita em qualquer lugar, e com quaisquer pessoas que tenham o mesmo interesse. Os meios de comunicação confundem cineclubes com meras salas de cinema de circuitos comerciais, omitindo a intenção ideológica, o que distorce e dilui a importância de seus objetivos e realizações como estrutura específica que opera dentro das comunidades e do processo cultural. O conceito do movimento não é compreendido, na verdade, trata-se de um núcleo de senso crítico, que traz filmes que necessitam de uma interpretação, reflexão e discussão mais profunda, para compreender o porquê de uma determinada produção, não apenas fazendo análise da obra acabada, mas do contexto político-social em que ela está inserida e o que representou em um dado momento. A atividade cineclubista é muito mais que lazer, trata-se de um compromisso com a cultura e com a ética.
A supremacia da sétima arte
França, 1921, cinema Colisée, um projetor e pessoas diferentes que, talvez, nem se conhecessem, mas que estavam ali por um único motivo, o amor pelo cinema.
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O filme escolhido era estrangeiro, o expressionismo alemão de Robert Wiene iria deixar de boca aberta quem nunca havia visto as metáforas deformadas e góticas de O Gabinete do Dr. Caligari, obra-prima de 1920, que, mais tarde, se tornaria referência de estética cinematográfica. Os responsáveis: o jornalista francês Louis Delluc, ao lado do crítico italiano Riccioto Canudo. O evento: a primeira projeção cinematográfica seguida de um debate. Acontecia ali, no dia 14 de novembro, a primeira sessão oficial de um cineclube. Louis Delluc foi o francês que, um ano antes da primeira sessão cineclubista acontecer, deu origem à expressão ciné-club, com o lançamento do Journal du Ciné-Club em 1920, posteriormente sendo apelidado somente de ciné-club. Riccioto, por sua vez, fundou o Club d’Amis du Septime Art e deu origem ao rótulo de “sétima arte”, pois acreditava que o cinema, era a união de todas as artes, sendo assim a arte maior. Para esses críticos, era necessário entender o cinema de uma maneira completamente diferente, questionando e tentando compreender seus rumos, transformações e significados, ultrapassando seu valor comercial, por isso queriam criar um lugar que viabilizasse a oportunidade de se discutir o filme logo depois de assistir, era a solução que unia a paixão a uma curiosidade que beirava a necessidade. O movimento cineclubista sofre com o problema de falta de registros históricos. Seus documentos, fotos e fatos são confusos e dispersos, existe uma dificuldade em localizar provas concretas sobre seu surgimento, e, por conta disso, apesar do registro de 1921, a data correta de sua origem tem sido questionada por um dos maiores estudiosos do movimento no Brasil e no mundo, Felipe Macedo, paulistano de nascença e de coração, politicamente engajado e com um amor em particular: o cinema. Seu envolvimento com o movimento cineclubista começou meio sem querer, em 1972, quando um amigo o levou à Cinemateca Brasileira, que, na época, estava praticamente abandonada por causa da repressão do governo militar. A Cinemateca tinha um grande acervo em 16 mm, e os envolvidos passaram a emprestar esses filmes aos cineclubes para exibição clandestina. A partir dessa atividade, Felipe se envolveu cada vez mais com o movimento. Fundou e dirigiu a Federação Paulista de Cineclubes em 1975, criou diversos cineclubes como, por exemplo, o Bixiga e o Oscarito e ajudou a organizar a distribuidora de filmes Dinafilme, considerada a coluna vertebral do movimento cultural de resistência até a redemocratização do país. E, desde então, seu nome aparece em praticamente tudo o que diz respeito ao assunto. Hoje, Felipe está no Canadá, tentando juntar as peças soltas deste quebra-cabeça que é a história do cineclubismo.
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Ele defende a tese de que o primeiro cineclube teve origem por volta de 1913 com os cinemas do Povo, em Paris Cinéma du Peuple. Pois, sob os moldes em que era organizado e como acontecia, a iniciativa representava de maneira muito mais completa, precisa e extensa a conceituação de cineclube como forma de organização de público. “Eu acredito, e hoje isso já é aceito pela Federação Nacional de Cineclubes, que o primeiro cineclube foi um chamado ‘Cinema do Povo’, organizado por uma cooperativa anarquista, que queria filmes que representassem a realidade deles. Eles se organizavam, projetavam e produziam filmes, por isso eu acredito que cineclube é muito mais do que simplesmente projetar filmes”, defende Felipe. O “Cinema do Povo” surgiu a partir da ideia do “Teatro do Povo”, e foi uma iniciativa dos operários, anarquistas comunistas em Paris. “A teoria não é comprovada”, diz Felipe com cautela. Mas as características e finalidades são similares às de um cineclube, como a resistência ao cinema de alienação, por exemplo. As projeções eram periódicas, existiam debates, conferências e, para a primeira projeção, foi escolhida a obra As Misérias da Agulha, um grande drama social francês, dirigido por Raphäel Clamour, evidenciando que os critérios são muito parecidos, se não os mesmos, que os adotados por um cineclube. Enquanto a teoria não for comprovada, o surgimento continua sendo, oficialmente, em novembro de 1921, segundo documentos.
E fez-se o som
No Brasil, o Chaplin-Club é oficialmente o primeiro cineclube a entrar em atividade, mas, antes mesmo dele ser fundado, existiu no país uma atividade típica, mas não formalmente cineclubista, em 1917: o grupo do “Paredão” – Adhemar Gonzaga, Álvaro Rocha, Paulo Vanderley, Pedro Lima, entre outros, se reuniam para ver e debater filmes, nos cinemas Íris e Pátria, no Rio de Janeiro. “Criou-se o hábito de se discutir as obras entre poucas pessoas”, diz Diogo cineclubista. Na realidade, um “Cineclube Paredão” nunca se constituiu legalmente. Não existem documentos que provem o seu funcionamento de fato, restando apenas alguns relatos dos seus principais integrantes. Mas foi ali que nasceu o comprometimento com o cinema e uma atividade crítica estimuladora, que vão constituir a essência do relacionamento do cineclubismo brasileiro com o cinema e, em especial, com o cinema nacional. E isso quatro anos antes dos cineclubes europeus, de Riccio Canudo e Louis Delluc, que também têm seus precursores. Não demorou muito para que os moldes dos cineclubes franceses
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chamassem a atenção dos cinéfilos brasileiros. Logo os jovens universitários Otávio de Faria, Plínio Sussekind Rocha, Almir Castro e Cláudio Mello resolveram fundar o Chaplin-Club, no dia 13 de junho de 1928. É o primeiro que surge com diretoria eleita, estatuto e com regras definidas. Com o intuito de promover o estudo do cinema como manifestação artística da modernidade. Amigos desde os tempos do colégio, eles compartilhavam o culto aos filmes e a intenção de contribuir, através do exercício da crítica cinematográfica, para o desenvolvimento do cinema como arte. “Ele vem com a proposta de defesa do cinema mudo, a primeira defesa de cinema no movimento é esta, pois até então as pessoas ficavam mexendo com essa ideia de cinema de clube para aprender a fazer”, diz Diogo Gomes dos Santos. “O Chaplin-Club acrescenta, além disso, a defesa de um modo de fazer o filme. A década de 1920 é quando o cinema fecha a linguagem, se completa, chega em um momento que já conta história, tem narrativa, montagem, todos os ingredientes para poder ser chamado de sétima arte. Eles se completam.” Pouco tempo depois de sua fundação, o Chaplin-Club já tinha a sua própria publicação, o curioso e inquietante tabloide O Fãn, que apresentava uma seleção de resenhas e ensaios lidos após as sessões do cineclube. Este órgão oficial do cineclube teve seu primeiro número publicado em agosto de 1928 e, com uma periodicidade irregular, durou cerca de dois anos (equivalente a nove edições). Essa publicação registrou as discussões dos membros do grupo do Chaplin-Club no momento em que o cinema “silencioso” dava lugar ao cinema “sonoro”. Além disso, o cineclube estava diretamente ligado à história do filme Limite, de Mário Peixoto, que representa até hoje uma incursão de vanguarda da cinematografia brasileira, mas que só viria a ser apresentado, comercialmente, muitas décadas depois. Isso porque o cineclube promoveu a estreia do filme no dia 17 de maio de 1931. No Chaplin, se reuniam as figuras de maior prestígio do ambiente cultural carioca, influenciando as principais polêmicas cinematográficas da época. A sua influência na formação da cultura cinematográfica do Brasil é fundamental. O Chaplin-Club durou até o momento em que surgiu o cinema sonoro, em dezembro de 1931 o cineclube fechava suas portas. Após o fechamento do Chaplin, o cineclubismo no Brasil passou por um longo hiato, sem nenhuma iniciativa do movimento até a segunda metade de 1940, quando, com a queda da ditadura de Getúlio Vargas, o movimento sofreria um surto de desenvolvimento, reflexo direto do que acontecia na França e em vários países da Europa, que passavam por um surto de desenvolvimento, que tinha como objetivo reconstruir seus
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territórios e identidades após a Segunda Guerra Mundial. Em agosto deste mesmo ano, foi fundado o Clube de Cinema de São Paulo, na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Entre seus fundadores estavam importantes personalidades engajadas na vertente artística, como Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Cícero Cristiano de Souza e Lourival Gomes Machado. Esse cineclube promoveu mostras de cinema europeu e exibições de filmes americanos socialmente engajados, além de publicar a revista Clima, com dezesseis edições entre 1941 e 1944, sendo um dos grandes elementos de resistência à ditadura do Estado Novo e uma publicação de grande importância na história da imprensa cultural e crítica brasileira. Por interdição do DEIP, Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, esse clube teve curta existência, e, a partir de 1941, passou a funcionar clandestinamente nas residências de alguns dos seus fundadores, se tornando um foco de resistência à ditadura getulista. Após a Segunda Guerra Mundial, com o país já respirando ares democráticos, o cineclube voltou as suas atividades normais, e, em 1946, o Clube de Cinema foi oficializado e uma diretoria composta por Francisco Luís de Almeida Salles, Múcio Porphyrio Ferreira e Rubem Biáfora foi nomeada. Nessa segunda fase, exibia e debatia os filmes no auditório do Consulado Norte-Americano em São Paulo, era um espaço para debates de cinéfilos empenhados e engajados. Por ter sido contemporâneo da organização da Universidade de São Paulo, não era incomum que acontecessem debates em francês, onde os professores convidados também participavam. O Clube de Cinema de São Paulo se uniu ao MAM, Museu se Arte Moderna, e se tornou o embrião da Cinemateca Brasileira – que possui em seu acervo cerca de 200 mil rolos de filmes –, servindo de modelo para os futuros cineclubes brasileiros, já que, além das exibições cinematográficas e os debates, oferecia cursos e seminários. Nessa nova etapa, o cineclubismo aparece mais bem estruturado, com bases definidas e mais próximas do modelo europeu. Através principalmente dessa ligação, o Clube de São Paulo, e outros cineclubes que começaram a surgir, mantinham-se informados do que se passava nos meios cultos e de vanguarda do cinema europeu. Quatro anos depois, em 1950 foi fundado o Centro de Estudos Cinematográficos de São Paulo, que, dentre várias realizações, exibiu longasmetragens, dezenas de curtas-metragens, além de documentários sobre arte, conferências e seminários, e outros vários eventos onde se faziam presentes cinéfilos e cineclubistas da capital paulista. Teve suma importância, também, pois no mesmo ano de 1950 promoveu o Primeiro Congresso de Clubes de Cinema, que tinha como uma de suas resoluções
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a criação de uma Federação Brasileira de Cineclubes, desejo esse que não foi alcançado. Foi fundado nessa mesma época, por ideia dos críticos Rubem Biáfora e José Julio Spiewak, o Clube de Cinema de Orson Welles, uma iniciativa que teve uma vida curta, durando apenas um ano. Os anos 1950 foram marcados por um forte movimento de orientação católica, que estimulava a cultura cinematográfica e a fundação de cineclubes. As cidades do interior paulista e depois de outros estados, começaram a fundar os seus clubes de cinema, afirma o pesquisador cinematográfico e ex-programador dos cineclubes Elétrico e Oscarito, André Piero Gatti, em Enciclopédia do Cinema Brasileiro (São Paulo: Ed. Senac, 2000). Algumas dessas cidades conseguiram manter durante um longo período suas atividades cineclubistas, exercendo grande influência na formação de críticos, cinéfilos, cineastas e pessoas engajadas e interessadas em cultura, a exemplo de Campinas e Santos, além da capital paulista. “Na época as igrejas estavam experimentando uma nova mentalidade, começou a se falar que a Igreja Católica, que sempre foi gêmea dos poderosos, em uma parte passou a se preocupar com aquela imensidão de pobres que havia dentro dela. Resolveu-se, então, criar uma opção para elas, e, para isso, muitos padres e paróquias se colocaram contra o governo. Vários religiosos, padres e freiras, aderiram aos movimentos antiditadura, por isso muitos foram presos e mortos”, conta Frank Ferreira, um dos fundadores do Cineclube Bixiga. Nesse momento o movimento cineclubista se tornava forte em São Paulo, as salas de cineclubes eram disputadas e os debates acirrados. Esse crescimento levou os grandes circuitos comerciais de exibição a se sentirem ameaçados. Por conta disso, fizeram um acordo com as grandes distribuidoras americanas, que passaram a suspender a locação de filmes para cineclubes. Quando isso ocorreu, a Cinemateca Brasileira – ExClube de Cinema de São Paulo – passou a distribuir rolos de filmes para os cineclubes, livrando assim o movimento de se dissipar por conta da falta deles, e, em 1956, na sede da Cinemateca, é fundado o Centro de Cineclubes de São Paulo, que foi a primeira entidade representativa do movimento, tendo como presidente e fundador, Carlos Vieira, um dos grandes dirigentes cineclubistas do Brasil. O Curso Para Dirigentes de Cineclubes foi uma iniciativa também tomada pela Cinemateca, em parceria com Jean-Claude Bernardet, um dos mais importantes teóricos de cinema do Brasil, em 1958, quando aconteceu também o nascimento do Cineclube Dom Vital, criado por Rudá de Andrade e o então presidente do Centro de Cineclubes Carlos Vieira. O Dom Vital tinha como dirigentes o cineasta e crítico Gustavo
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Dahl e Jean-Claude Bernardet. O ano de 1959 foi marcante para a história do cineclubismo, pois foi o ano em que foi realizada, na sede da Cinemateca Brasileira – ou seja, no Centro de Cineclubes – a 1ª Jornada de Cineclubes, evento que teve a presença de representantes de 16 cineclubes, sendo a primeira de outras 21 jornadas que viriam a acontecer até o ano de 1989, em diferentes cidades e regiões do Brasil. No ano de 1962, foi oficialmente inaugurado no número 174 da praça Franklin Roosevelt o Cine Bijou, composto por duas salas, Bijou e Bijou Sérgio Cardoso. No começo, tinha uma sala apenas, com pouco mais de 100 poltronas de couro vermelho, e se tornou parte da cena alternativa que acontecia na Roosevelt, como a praça é carinhosamente chamada por seus frequentadores. A sala permaneceu funcionando até o ano de 1995, quando, junto com a deterioração da praça, fechou suas portas. Os anos 1960 eram bastante promissores, afinal já havia se estabelecido várias federações de cineclubes em todo o território nacional, e São Paulo era, ao lado do Rio de Janeiro, uma “potencia cineclubista”. Os ventos pareciam estar soprando a favor, quando, em 1964, com o golpe militar, as coisas começaram a se complicar, já que os filmes exibidos nos cineclubes tinham conteúdo considerado “subversivo”. A ditadura fez com que o movimento cineclubista fosse praticamente dizimado. No ano de 1968, depois da 7ª Jornada de Cineclubes, que aconteceu em Brasília, os cineclubes passam a ser perseguidos pela pelo governo militar e foi estabelecida uma censura. Nessa época, havia cerca de 300 cineclubes filiados ao Conselho Nacional de Cineclubes, algo em torno de doze sobreviveram até 1969. O Centro de Cineclubes de São Paulo sobrevivia, mesmo que praticamente inativo, por conta da persistência de Carlos. Foi por conta dessa persistência, aliás, que em 1971 começou a ser organizada uma “resistência”. Os poucos cineclubes sobreviventes juntaram-se a alguns jovens que, na então abandonada Cinemateca, mantinham um acervo de filmes. No ano de 1972, a Federação de Cineclubes do Rio de Janeiro foi reorganizada, e, no ano seguinte, foi a vez da Federação de Cineclubes do Nordeste. Estas, juntamente com a Federação de São Paulo, reuniram-se naquele ano no encontro de Marília, e, ali, houve uma reorganização ainda maior, a do CNC, Conselho Nacional de Cineclubes. Apesar de existir desde 1961, apenas 11 anos depois, com a sua reorganização, se tornou um órgão fundamental para a continuação do movimento cineclubista. O CNC foi organizado sob a forma de sociedade civil, com pessoa jurídica, sem fins lucrativos e sem cunho partidário ou religioso, funcio-
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nando pautado em um estatuto que tem como principal objetivo representar e defender os interesses dos cineclubes brasileiros, juntamente aos órgãos de direito público e privado do país. Assim coordenaria suas atividades de forma a possibilitar um maior aproveitamento da cultura audiovisual e representar o cineclubismo brasileiro junto à Federação Internacional dos Cineclubes, seção Latina, e também junto a instituições nacionais ou internacionais que estejam ligadas ao cinema. Os cineclubistas viam ali uma chance de combater a ditadura, de certa forma, “Minha geração viveu a ditadura militar, e muitos de nós, mesmo que não a maioria, procurava atividades que ajudassem a derrubar a opressão, e que nos preservasse fisicamente. A gente sabia que lutar era complicado, era insalubre. Então pensávamos ‘Tem algum jeito de combater o governo sem correr riscos? Sem apanhar muito? Sem tomar muita porrada?’ As atividades culturais, em especial o cineclube eram assim”, conta Frank. Em 1974, após um hiato de seis anos, acontece em Curitiba a 8ª Jornada Nacional de Cineclubes, onde foi apresentada a Carta de Curitiba. Esta mudaria os rumos do cineclubismo, traçando uma nova linha de trabalho, linha essa que seria seguida por pelo menos uma década. Foram eliminados os traços elitistas que os cineclubes carregavam até então, já que quem os frequentava eram, em sua maioria, as pessoas “entendidas” de cinema e arte, engajadas politicamente. Foi adotado um engajamento maior com o cinema brasileiro: “Esta carta definiu que o cineclube é uma entidade de divulgação de filmes antigos, um divulgador, promotor difusor da cultura cinematográfica. Ela apontava a necessidade de existir um cinema nacional e popular, defendendo os ‘neobrasileiros’, e apontava também a luta contra a censura”, conta Diogo. Em 1976, Felipe Macedo cria a Dinafilme, a Distribuidora Nacional de Filmes para Cineclubes, que ficava na Rua do Triunfo, em São Paulo. Entre os filmes no acervo estavam O Homem que Virou Suco, de João Batista Andrade, Gaijin, de Tysuka Yamasaki, e Eles Não Usam Black-Tie, de Leon Hirszman, além de uma grande quantidade de documentários e curtas em 16 mm, retirados de vários estados do Brasil. “Essa distribuidora teve enorme importância dentro do movimento cineclubista, pois possuía um acervo que veio por parte da Cinemateca Brasileira, e incluía títulos nacionais e estrangeiros, produções alternativas e independentes de pessoas que produziam e não tinham onde exibir, e então colocavam na cinemateca como ‘salvaguarda’. Eram muitas vezes filmes feitos com dinheiro próprio e geralmente discutindo algum problema social. O cineclube era uma válvula de escape, que antes da década de 1970 era uma organização pequena, não tinha fun-
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ção social de mobilizar a sociedade sozinho, mas depois veio a assumir uma postura contra a censura, a favor da normalidade democrática e de um cinema nacional e popular, que refletisse os nossos desejos, nossas ansiedades e problemas”, completa Diogo. Com a criação da Dinafilme, os cineclubes, que antes passavam por grandes dificuldades para conseguir filmes para exibição, por conta da organização do Estado, enfim conseguiriam eliminar essa dificuldade. A distribuidora, inclusive, montou no ano de 1978 equipes móveis para a exibição dos filmes que documentavam as greves do ABC Paulista, como Greve – filme produzido por Diogo Gomes, entre outro, e dirigido por João Batista Pimentel –, que eram apresentados em grandes assembleias sindicais, realizadas no por operários. Com o tempo, a Dinafilme passa por problemas financeiros, não conseguindo remunerar o custo de produção desses filmes. Isso começa a desencorajar seus realizadores, e a torna cada vez mais deficitária, abrindo espaço para a concorrência. É quando chega a CDI, Cinema Distribuição Independente. Por conta disso, a Dinafilme passa a fazer experimentações para que suas atividades sejam reestabilizadas. Ao mesmo tempo em que diluiu o movimento, a ditadura, contraditoriamente, o fortaleceu. Em seu auge, a Federação Paulista chegou a ter 180 cineclubes filiados, e a Dinafilme atendia mais ou menos 2 mil pontos de exibição em todo o país, sendo eles associações, sindicatos, igrejas, além de cerca de um terço destes pontos serem cineclubes organizados. O problema é que a repressão era enorme, e o movimento cineclubista era constantemente monitorado. A Polícia Federal chegou a invadir a Dinafilme por duas vezes, uma em 1977, outra em 1979. Grande parte do acervo apreendido não foi recuperado, outros títulos foram adicionados, mas o fato é, muitos rolos de filmes foram perdidos. Apesar disso, a constante presença de inimigos do movimento fazia com que os amantes do cineclubismo se juntassem cada vez mais, fortalecendo a resistência. Frank Ferreira, inclusive, entrou no cineclubismo por conta de seu teor politizado: “Me interessou, em especial, o caráter político da coisa, os cineclubes eram uma forma, por excelência, eram um foco de resistência cultural, já que a legislação nos facultava exibir filmes sem certificado de censura”. O certificado delimitava a vida útil comercial do filme, ou seja, ele tinha um prazo comercial de cinco anos em que poderia ser exibido no circuito comercial, e, para renovar, o distribuidor teria que apresentar uma cópia nova. “Havia uma censura de conteúdo, moral, onde era delimitado, por exemplo, que um garoto de 16 anos não poderia ver um filme, e um de 18 sim. Uma coisa meio louca, aliás, num país como o
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nosso, onde aos 10 anos de idade, as pessoas já estavam participando do orçamento doméstico. Além disso, era feita uma delimitação econômica, porque só os grandes produtores teriam condições de mandar fazer uma nova cópia do filme, já que era muito caro, além disso, não poderia ser em 16 mm, e sim em 35 mm. Isso não se aplicava aos cineclubes, que exibiam os filmes mesmo com cópias expiradas”, completa Frank. Nos anos 1980, alguns dos maiores cineclubes de São Paulo e do Brasil entraram em atividade, entre eles o Cineclube FGV, o Elétrico, o Oscarito e o Bixiga. O cineclube FGV pertencia à Universidade Getulio Vargas, em São Paulo, e foi fundado em 1972, por iniciativa de, na época estudante, Luis Gonzaga Assis de Luca e alguns cinéfilos que tinham interesse em cinema e em ter um espaço para a projeção e discussão, com uma programação diferenciada, sofreu muita repressão por parte da censura, mas sempre resistiu. Com a formação de Gonzaga, o cineclube caiu no esquecimento e encerrou suas atividades por voltar de 1975, e só voltou a reabrir em 1984, com auxílio da Federação Paulista. Pagava-se um aluguel para que o cineclube pudesse tomar lugar no auditório da faculdade, e, por isso, ele já passava por algumas dificuldades, pois dependia da disponibilidade daquela sala para funcionar. Se houvesse vestibular, festivais ou qualquer coisa que se passasse ali, não poderia ter sessão, pois a preferência não era para o cineclube. Em 2005, os alunos de pós-graduação em cinema e documentário da FGV tomaram a iniciativa e retomaram as atividades do cineclube, que permanece em funcionamento até hoje. Foi na FGV que, inclusive, André Sturm, hoje diretor executivo do MIS, Museu da Imagem e do Som, iniciou sua carreira como programador de cineclube, ainda quando estudava na Faculdade Getulio Vargas. O Elétrico Cineclube, que ficava na lendária rua Augusta, foi fundado no ano de 1988, quando o Brasil já era um país democrático, por Felipe Macedo e mais três amigos: Deisy Velten, Carlos Bacelar e Serge Roizman. Esses cineclubistas vinham há dois anos enfrentando dificuldades e buscando patrocínios que não chegavam – o aluguel do imóvel, naquela época era de 15 mil dólares por mês, e o dólar naquele momento estava altíssimo – afinal, qual seria a empresa louca o bastante para patrocinar um local que mostrava filmes subversivos, como os que eram exibidos nos cineclubes? Quem se prontificasse a fazer isso, poderia ter seu nome atrelado ao da esquerda, a filmes que falavam sobre e mostravam cenas de sexo, filmes que mostravam uma ideologia revolucionária, coisa que, naquela época não era uma coisa à qual alguém ou alguma empresa em sã consciência gostaria de estar atrelado.
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O Elétrico, segundo Felipe Macedo, tinha pretensões de ser o primeiro “Cineclube Multiplex”, ou seja, um cineclube grande e confortável, diferente do padrão de cineclubes, que se resumiam normalmente a uma sala, não tão cômoda assim. Nos cineclubes as poltronas e seus braços não eram reclináveis, não existia porta-copo, e as salas eram pequenas. O Elétrico, entretanto, possuía duas salas de cinema e uma de vídeo, e o projeto era criar outras três salas. Na tentativa de salvar o cineclube, Felipe Macedo tentou tombar o imóvel, que já havia abrigado o Teatro Record, e também fora reduto da MPB nos anos 1950 e 1960, sendo berço da Jovem Guarda. O tombamento havia sido deferido pela prefeita da época, Luiza Erundina, porém, o processo envolve muita burocracia e é bastante demorado. No meio dessa espera, Erundina saiu do comando da prefeitura de São Paulo, dando lugar à Paulo Maluf. “Havíamos conseguido o tombamento junto com a prefeita Erundina, mas quando ela saiu do cargo, o primeiro ato de Paulo Maluf à frente do gabinete, foi cancelar o decreto de tombamento por recomendação da Secretaria da Cultura”, conta Felipe. Desde sua inauguração até o seu fechamento, o cineclube durou apenas quatro anos, porém influenciou e estimulou o surgimento de várias outras salas, como o Cineclube Vitória, em Campinas; e o Metrópolis em Vitória, no Espírito Santo; além de apoiar, inclusive financeiramente, o Cineclube Oscarito. O Cineclube Oscarito surgiu em 1985, da iniciativa de um grupo de cineclubistas que tinham perdido a eleição do movimento que acontecia a cada dois anos. Eles defendiam a ideia de criar um espaço com exibição nos parâmetros do Bixiga, em 35 mm, e, mesmo derrotados, levaram a ideia adiante e, encontraram em uma das salas do Cine Bijou, o espaço perfeito: “Nós éramos um grupo grande de pessoas e juntamos dinheiro para os primeiros acertos do cineclube, como aluguel e tudo mais”, conta Felipe que foi um dos presidentes do Oscarito. “Nos meus 40 anos como cineclubista, posso dizer que o Oscarito foi uma das experiências mais democráticas que tive a oportunidade de viver”, completa. A sala, apesar do sufoco inicial, foi um sucesso de público, com sessões especiais, temáticas e infantis que sempre lotavam os pouco mais de 90 lugares, e ainda encontrava espaço para inovar, seguindo os passos do Eletric Cineclub de Londres. Foi o Cineclube Oscarito que deu início ao hoje, popular, Noitão, com apresentação de filmes durante toda a madrugada. No ano de 1994, o dono do prédio onde o Oscarito estava instalado, resolveu vender o espaço, “então começamos a levantar o dinheiro, e teríamos conseguido, se o dono não tivesse se recusado a vender para nós. Ele não queria que existisse um cineclube ali”, conta Felipe. O que
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levou, na gestão de André Gatti, as luzes do lugar a serem apagadas. Já antes mesmo da existência do Cineclube Elétrico, um grupo se reunia para montar aquele que seria um marco no cineclubismo paulista e brasileiro, o Cineclube Bixiga. Aquele que mudou tudo, dividindo a história dos cineclubes brasileiros em dois momentos, um antes e outro após a sua fundação.
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“Para amar o Bixiga, tem que ter nascido e vivido aqui” Walter Taverna
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Onde tudo aconteceu Os prédios altos e as ruas asfaltadas e calmas lembram, muito vagamente, o antigo bairro cheio de casas cobertas com telhas curvas e telhados altos. As memórias ficam por conta dos poucos cortiços que ainda existem na vizinhança, herança deixada pelos italianos, que promoviam a ocupação tanto para abrigar a família, quanto para incrementar a renda por meio do aluguel de quartos. As ruas estão malcuidadas, com um jeito de asfalto cansado. Nota-se que, apesar das mudanças nas fachadas dos prédios comerciais, existe uma tentativa de manter o padrão arquitetônico original. Preservação esta que não se deu sozinha, a iniciativa partiu de um cantineiro de fala mansa, Sr. Walter Taverna. Filho de italianos, nascido e criado no Bixiga, foi ele que em 1987 entrou com o pedido de tombamento do bairro: “Eu achei que eles (a prefeitura Municipal) não iriam aceitar a minha proposta, o processo foi muito demorado, e o tombamento só aconteceu em 2002. Foi o que salvou um pouco do Bixiga”, conta Walter satisfeito. Presidente da Sodepro, Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista, Walter é uma das pessoas mais engajadas no processo de preservação da região. Com um sorriso maroto e cumprimentando todo mundo que passa pela porta da Concheta, sua cantina, ele conta que seu desejo sempre foi ver o bairro mundialmente conhecido, nota-se o amor e a devoção em cada palavra dita: “Para amar o Bixiga, tem que ter nascido aqui e vivido aqui”, diz emocionado. Hoje, o Bixiga é considerado o bairro mais paulistano de São Paulo. Apesar de nunca ter sido oficialmente um bairro, foi de suma importância para o processo de composição da história paulistana. “Bixiga” foi o apelido dado à região localizada entre as ruas Rui Barbosa, Nove de Julho e dos Franceses, que pertencem ao Subdistrito da Bela Vista, nome oficializado em 1910. A alcunha tem origem na Chácara do Bexiga, local onde ficavam em quarentena as pessoas portadoras da varíola – ou bexiga, como era conhecida popularmente a doença na época. Na tentativa de afastar o sentido pejorativo do apelido dado ao bairro, os moradores mudaram a grafia de “Bexiga” para “Bixiga”. Existem outras versões da história que circulam entre pesquisadores e antigos moradores, mas esta é a mais conhecida e também dada como oficial sobre o nome do bairro que conhecemos hoje, o Novo Bixiga. Este Novo Bixiga surgiu com o loteamento da Chácara Bexiga, em 1878. Os pequenos terrenos eram baratos e próximos ao Centro, logo, os
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mais interessados foram os italianos, sem muito dinheiro, que chegavam com famílias inteiras. Dessa maneira, aos poucos, uma colônia foi ganhando forma, cultivando boa parte da cultura e das crenças religiosas. O Novo Bixiga não lembrava em nada os antigos momentos da região, nascia aí o bairro que, para alguns moradores da cidade, é o mais emblemático da capital paulistana. O que se perde da história é que, em contraste com a comunidade italiana, havia um grande número de negros, recém-libertados, na vizinhança. Essa comunidade tinha como a maior bandeira de união do Bixiga o cordão da Vai-Vai, que nos anos 1960, quando o carnaval foi oficializado, virou escola de samba e acumula mais de 12 títulos. Os italianos, por sua vez, quase todos vindos da região da Calábria no final do XIX, logo notaram a falta de mão de obra capacitada e se aventuraram como artesãos, marceneiros etc., se instalando nos bairros operários da capital, principalmente nas regiões da Barra Funda, Brás e, claro, no Bixiga. Dessa maneira, o bairro cresceu lentamente, sempre harmonizando a dualidade brasileira e italiana, tanto que, em algumas ruas, a língua mais falada não era o português. O que ficou do antigo bairro é mesmo a forte presença da culinária italiana da qual o ponto alto são as massas. Lugar onde nasceu a primeira cantina da capital, a Capuano, fundada em 1907 pelo calabrês Francisco Capuano, na rua Major Diogo. A cantina está aberta até hoje, mas agora na rua Conselheiro Carrão, 416. Walter, o “cantineiro do barulho” como é conhecido, já foi dono 15 restaurantes típicos. Hoje com quatro em funcionamento, afirma com propriedade: “Para você fazer um bairro italiano, tem que ser gastrônomo, e defender a colônia italiana através disso aí”. Hoje as cantinas são bonitas, iluminadas e contam com atendimento especializado, mas antigamente eram restaurantes simples, localizados dentro de pequenos porões que não possuíam nem cardápios. O nome “Cantina”, original do italiano, significa exatamente isso, porões ou adegas, existem até alguns restaurantes novos, que, para alcançar a atmosfera clássica, transformam de maneira artificial, seus estabelecimentos em porões. Outro ponto forte na culinária do bairro é a tradicional Festa de Nossa Senhora Achiropita. Realizada anualmente desde 1926, em homenagem à santa padroeira do bairro, a festa acontece durante todos os finais de semana de agosto, e tem o sabor da Itália dividido entre 30 amistosas barracas. Apesar das mudanças ocorridas com o tempo, o Bixiga é até hoje um bairro diferente do resto da cidade. As casas coloridas nos fazem pensar por um momento que estamos em um vilarejo italiano e esquecer que a
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Avenida Paulista está a menos de trinta minutos de distância. Essas casas se intercalam com mercados que mais parecem mercearias. Tem museus e teatros, e bares que tocam pagode e samba, tem mesas na calçada e gente jogando conversa fora enquanto tomam uma cerveja. Ao virar a esquina da Rua Treze de Maio, é impossível não notar a quantidade de estacionamentos com placas em que se lê: “Cantina do Roperto”. Um grande casarão, com uma fachada envelhecida. Em cima da porta principal, um painel escrito “Roperto” em letras garrafais, iluminado por luzes vermelhas; essa é a tal cantina. O movimento de entrada e saída é grande, as mesas são disputadas, quem quer almoçar ou jantar a deliciosa massa faz reserva antecipada. Entre outras que lá existem, a Cantina do Roperto é uma das responsáveis pela meca gastronômica que o Bixiga se tornou. Afonso Luiz Roperto tem hoje 54 anos, nasceu em 1957, quando a Roperto já tinha 16 para 17 anos, e morou junto com seus pais – os donos da cantina – no andar de cima do estabelecimento. Aquela foi a primeira cantina da Rua Treze de Maio, que algum tempo depois viria a se tornar um paradigma para o segmento. Famílias, namorados, amigos vêm de todos os cantos da cidade para apreciar a culinária italiana da região, que é colocada ainda mais em evidência com a festa da Achiropita, aliás, não dá para falar do Bixiga sem falar da Achiropita. Se chegar cedo, ainda dá pra ver a rua, e não só um mar de pessoas, dá para ver as barracas ainda vazias, dá pra entrar na igreja e molhar o dedo na água benta sem ter de esperar uma leva sair, dá pra ver o corre-corre de lá para cá das pessoas que lá trabalham. Por volta das 17h30, quando o grande público ainda está só começando a chegar, mas a noite já ameaça a cair, todos os “equipistas” (maneira que a equipe que produz o evento se autonomeia) da festa param toda e qualquer atividade que estejam fazendo para dar as mãos uns aos outros, formando uma grande roda, que ocupa boa parte da rua central, e fazer uma oração. Nada pode ser vendido antes disso, mas, depois, a música sobe e a festa começa. Evento esse que, para alguns dos equipistas, não pára o ano todo. Todas as pessoas que lá trabalham são voluntárias, todos passam por uma “formação espiritual”, o “Encontro de Jovens com Cristo” e o “Encontro de Casais com Cristo”. Só depois de um destes eles estarão hábeis para o trabalho. São cinco casais responsáveis pela organização da festa: o “Casal Finanças”, que cuida do caixa; o “Casal Relações Públicas”, que faz contato com a Prefeitura e busca patrocínios; “Casal RH”, que cuida da parte visual e da divulgação da festa; o “Casal Externas”, que cuida das barracas e da manutenção; e o “Casal Alimentação” que, é claro, cuida
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do que acontece na cozinha. Para esses casais, a Achiropita nunca pára, eles trabalham o ano todo para que cada final de semana de agosto seja o mais organizado possível. Na cozinha da igreja é onde tudo acontece. São dezoito panelões de molho e uma tonelada de macarrão. Lá trabalham por volta de 140 pessoas de segunda-feira a domingo, sendo que 120 destas estão somente na produção das fogazzas. Tudo isso para que as filas enfrentadas, que são grandes, valham a pena. No restante do ano aquele espaço fica fechado, a não ser quando acontecem os bazares beneficentes ou quando serve como suporte das obras da igreja. Hoje é marco no calendário paulistano, mas a festa da Achiropita começou como uma pequena quermesse, entre a Manoel Dutra e Conselheiro Carrão, ruas que cercam a igreja. Por volta das 20 horas é difícil andar. O máximo que se consegue é dar pequenos passos, que com alguma dificuldade e paciência, te levam a algum lugar. Essa dificuldade de locomoção é explicada pelo fato de ali estarem concentradas por volta de 30 mil pessoas por noite. “A festa só acontece por causa da religião”, conta uma das integrantes, parte do Casal Alimentação de 2011, que, curiosamente, assim como seus outros companheiros, prefere não divulgar seu nome por questão de segurança. O valor arrecadado durante o evento proporciona aproximadamente mil refeições diárias durante todo o ano, distribuídas para cerca de 200 pessoas que, para receberem esse benefício, devem ser previamente cadastradas. Além da grandiosidade da Achiropita, o Bixiga já esteve no Guinness Book quatro vezes por ter o maior bolo do mundo com 1,5 quilômetro – por iniciativa de Armandinho. Depois de seu falecimento, Walter, seu parceiro no projeito, deu continuidade a este grande evento. Há também o filão de pão com 600 metros, sanduíche de mortadela também com 600 metros e pizza com 454 metros, projetos estes também tocados por Walter. “Para gostar daqui, tem que nascer aqui, senão ninguém liga. É o que acontece com comerciantes, que têm aqui seus estabelecimentos, mas não estão nem aí pro bairro e o deixam ficar todo deteriorado. Por minhas lutas, que às vezes vão contra o que eles querem, acabo sendo visto como um elemento indesejado”, diz. No ano de 2007, Walter construiu, sem patrocínio, o “Centro de Memória do Bixiga”, que hoje tem sua neta, também nascida no bairro, como uma das diretoras. Ao entrar no memorial, ouve-se alto o ranger do antigo assoalho, e é impossível não se impressionar com os milhares de depoimentos, jornais e premiações – algumas das 400 ganhadas pelo
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próprio Walter – que se encontram no local. Muitos destes ficam expostos nas paredes, outros colocados pelas mesas, cada um deles conta uma história, e Walter parece se lembrar de todas elas. Em uma dessas paredes, encontra-se emoldurada uma reportagem falando sobre “Os Varais do Bixiga”, mais um dos projetos de Walter, um varal que ele montou na Rua Rui Barbosa. Veio de uma tradição da cidade de Nápoles, na Itália, onde as casas são muito próximas, e a fim de compensar a falta de um quintal, é montado um varal que vai de uma casa à outra, “Os varais simbolizam a união da família, sem preconceitos”, diz Walter, que também é poeta e compositor e, depois de concretizar seu projeto, fez a poesia “Os Varais do Bixiga”. Segundo ele, tudo que faz vira poesia, e algumas delas, inclusive, viram músicas. É o caso de “Bixiga Amore Mio”, que acabou por se tornar o hino do Bixiga e foi gravada por Gilson de Souza. A região também foi palco de importantes atividades culturais, suas ruas eram tomadas por atores, músicos e artistas de todos os tipos, personalidades como Paulo Autran, Sérgio Cardoso, Adoniran Barbosa e outros ficaram famosos frequentando as ruas estreitas do bairro. “No início, a Rua Treze de Maio, na década de 1970, foi o centro da contracultura com hippies, rock, bares. Como se dizia na época, a madrugada era um ‘desbunde’ geral. As cantinas, que já foram em maior número e deram fama ao bairro, eram frequentadas por artistas, intelectuais, políticos e boêmios em geral”, conta, saudoso, Afonso dono da cantina Roperto. Ainda hoje, a nata do teatro paulistano está concentrada no Bixiga. Os espaços ali criados já receberam nomes de peso, como Cacilda Becker, Odete Lara e Dercy Gonçalves, mas tudo começou com o industrial italiano Franco Zampari, que em 1948 trouxe de sua terra natal diretores e técnicos para montar no bairro o TBC, Teatro Brasileiro de Comédia. Foi esse o primeiro passo rumo à tomada da região por ambientes dedicados à cultura, mas na sequência vieram inúmeros outros : Abril, Bibi Ferreira, Brigadeiro, Cultura Artística, Mars, Oficina, Ruth Escobar, entre outros. É lá que funcionava o Teatro Bela Vista, fundado em maio de 1956 pelo então casal de atores Sérgio Cardoso e Nydia Lícia. Quinze anos mais tarde, quando o imóvel precisou voltar ao dono, o governo de São Paulo tomou o espaço e o transformou no atual Teatro Sérgio Cardoso – uma homenagem ao ator, que morrera ainda no início das obras de transformação. Parte dos grandes espaços teatrais da região possui histórias que lembram os dramas apresentados no palco. O Abril, por exemplo, nasceu em 1929 como Teatro Paramount e ficou famoso ao se tornar, na década de 1930, o primeiro lugar da América Latina a exibir uma produção de cinema falado, além de ser também o primeiro palco paulistano a receber o
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músico Tom Jobim, em 1964. Por essas e outras, teve seu nome esquecido para dar lugar ao apelido de “Palácio Encantado”. Na década de 1970, o Paramount foi reformado após passar por um incêndio que o destruiu quase completamente em 1969 e, em 1980, foi tombado pela Prefeitura como patrimônio histórico. Mas só apareceu com outro nome em 25 de abril de 2001, depois de ser adotado pela Editora Abril e pela CIE Brasil, que reergueram o lugar de uma decadência que durou décadas. Outro com história para contar, o Teatro Cultura Artística veio mais tarde, tendo sido construído entre 1947 e 1950. Em uma dupla inauguração, realizada em 8 e 9 de março, trouxe ninguém menos do que Heitor Villa-Lobos, junto com o também regente Mozart Camargo Guarneri. Assim como o Paramount, o TCA também foi destruído por um incêndio em 2008, e uma das poucas coisas que sobraram foi sua fachada, que exibe uma obra de 48 metros de largura e 8 de altura de Di Cavalcanti – o maior afresco do artista plástico brasileiro. Até a publicação deste livro, o espaço ainda passava por revitalização, mantendo o painel na mesma posição. Ativo desde 1961 no número 520 da Rua Jaceguai, o Teatro Oficina não chegou a pegar fogo, mas foi protagonista de uma batalha acalorada contra o Grupo Silvio Santos. Em 1982, a casa onde fica a trupe de José Celso Martinez Corrêa foi tombada pelo Condephaat, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, mas Silvio Santos queria montar ali um shopping center com ares culturais. O projeto incluía uma porção de cinemas e teatros, lojas de discos e lanchonetes. Praticamente todo o bairro concordou, mas a companhia teatral se opôs por conta do valor cultural do espaço, que em 1986 fora reconstruído sob projeto da arquiteta Lina Bo Bardi – a mesma que criou o prédio do Masp – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateubriand. A batalha entre Zé Celso e o Grupo durou quase dez anos, chegando ao fim em 24 de julho de 2010, quando o Teatro Oficina também foi tombado pelo Iphan, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, praticamente acabando com as pretensões do dono do SBT. Nem só de arte cênica vive o Bixiga, lugar que se acostumou a transformar os próprios moradores e frequentadores em personalidades símbolo da cidade. O bairro é conhecido por manter viva ainda hoje boa parte dos aspectos de sua fundação, como a arquitetura, a culinária e o estilo de vida das pessoas. Ali nasceram nomes importantes da cultura de São Paulo, senão no sentido literal, pelo menos no que diz respeito ao crescimento artístico de alguns sujeitos. Bom exemplo disso é o ator, humorista, compositor, cantor e sambista João Rubinato, mais conhecido por um dos personagens que criou para um programa de rádio: Adoniran
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Barbosa – alcunha gerada pela mistura dos nomes de um companheiro da boêmia e de outro sambista, Luiz Barbosa. Ele foi responsável pela criação de músicas marcantes, com motes que evidenciavam a capital paulista. Em “Um samba no Bixiga”, por exemplo, o compositor conta a história da ida a um samba dominical no bairro, revelando o italianismo local ao cantar que “era só pizza que ‘avuava’ junto com ‘as brachola’”. Isso porque Rubinato, na verdade, nem paulistano era, nasceu em Valinhos, em 6 de agosto de 1912 – o ano fora alterado tempos depois e, oficialmente, ele passou a ter nascido em 1910 para poder trabalhar quando ainda tinha 12 anos. O artista, que morreu em 23 de novembro de 1982, foi figura tão marcante do Bixiga que “Adoniran Barbosa” se tornou nome de rua na região e uma das praças mais importantes do bairro, a Dom Orione, ostenta um busto seu. Mas nem mesmo Adoniran Barbosa conseguiu aparecer mais do que Armando Puglisi, o Armandinho do Bixiga, que nasceu na rua dos Ingleses, em 1931, e foi criado na região. Ele sempre esteve envolvido em iniciativas que evidenciassem o bairro, como quando criou o extinto Jornal do Bixiga. Na década de 1970, chegou a presidir a escola de samba Vai-Vai e, em 1981, fundou, em parceria com Paulo Santiago, o Museu do Bixiga, considerado o mais antigo da região. A sede fica ao número 118 da mesma rua dos Ingleses, uma casa tombada como patrimônio histórico do início do século XIX que pertence à Secretaria da Fazenda. Na entrada, uma placa de 1997 mostra as opiniões do então presidente dos Estados Unidos sobre São Paulo com a declaração de que “as cores da Itália animam o Bixiga”. O lugar está fechado há vários anos e lá dentro estão documentos e fotos sobre a imigração italiana, além de peças doadas pelo próprio fundador e outros moradores e simpatizantes – alguns ilustres, como Adoniran Barbosa. Armando Puglisi ainda criou o bloco carnavalesco dos Esfarrapados. O homem tinha uma influência política tão grande, que boa parte do crescimento social das imediações da Bela Vista foi conquistada graças a ele, responsável também pela primeira edição do bolo que ano após ano cresce um metro com o aniversário de São Paulo, em 25 de janeiro. A ideia foi tocada junto com o companheiro Walter Taverna, que continuou o evento após a morte de seu amigo de infância, ocorrida em 1994 por causa de um câncer no pâncreas. Ao lado do Museu do Bixiga fica, no casarão do número 108, o Museu dos Óculos Gioconda Giannini, o único do gênero em toda a América Latina, com armações que foram tendência desde o século IV antes de Cristo. O espaço foi criado em 1996 por Miguel Giannini para surpresa dos clientes da loja de óculos que ele havia montado ali.
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O cineclube que mudou tudo – Frank, nós estamos com a ideia de montar um cineclube. A frase do advogado Arnaldo Vuolo pegou Frank Ferreira de sobressalto, tanto pelo fato de ele ter acabado de chegar em casa, quanto por não ter ideia do que o amigo estava falando. Ele morava no bairro do Bixiga, região central de São Paulo, quando foi surpreendido por Arnaldo e uma outra pessoa, depois apresentada como sendo o jornalista Antonio Gouveia Júnior. A única reação imediata que conseguiu ter naquela ocasião foi uma cara de interrogação, seguida pela inevitável pergunta mental: “O que é isso?”. Para ele, foi quando começou a se formar o cineclube que mudaria tudo o que o movimento já vira até então. Naquela noite em que Frank foi visitado por Arnaldo e Antonio, percebeu que os dois vieram com o projeto todo pronto, só precisavam de mais ajudantes. Ex-funcionário do Metrô, ele tinha acabado de passar por um corte em massa e por isso estava com um “tremendo Fundo de Garantia”, então resolveu entrar no negócio mesmo sem saber direito do que se tratava. Esse problema, lembra, foi resolvido ali mesmo, uma vez que os visitantes se prontificaram a explicar ao provável sócio o que, afinal, era cineclubismo. “O que eu fiquei sabendo naquela noite foi o seguinte: havia um tal de movimento cineclubista, um negócio meio ligado ao movimento estudantil, coisa de intelectuais”, diz. “Não era uma coisa muito ampla, por isso não era muito conhecido.” A conversa aconteceu no final de 1980 e contou com a participação da esposa de Frank, Eliana Asche, outra desentendida do assunto, mas que acabaria se envolvendo também. Os quatro passaram a madrugada inteira em pé falando sobre como seria o empreendimento, até então algo bem simples em relação ao que veio a se tornar posteriormente. Foi Antonio, que acabara de conhecer o casal, o responsável por convencê-los a entrar na aventura. Frank Roy Cintra Ferreira é paulistano nascido e criado no Bixiga, lugar escolhido pelo bisavô para fincar o pé quando veio da Itália. No início de 1980, antes de se tornar uma das pernas do cineclube daquele bairro, ele se mantinha ocupado militando pela rearticulação do Partido Comunista Brasileiro, então na ilegalidade por conta do regime ditatorial que deixou o país sob comando dos militares por longos 21 anos (1964-1985). Apesar de ter uma formação que passa pela física e pela engenharia, não era nenhuma novidade Frank se envolver com atividades culturais; segundo o próprio, aquela geração já tinha certa propensão
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a esse tipo de distração porque a televisão ainda não existia no Brasil durante a sua infância. Depois, muitos procuravam os movimentos alternativos por serem opções mais leves para o combate ao regime, algo que fugia do modelo tradicional de resistência, marcado pela violência. Eliana, esposa de Frank, foi colega de Arnaldo quando eram professores, portanto a amizade entre os três começou no início da década de 1970. Arnaldo Vuolo é de Espírito Santo do Pinhal, no interior paulista, e se mudou para a capital em 1967, quando tinha 17 anos. Formou-se em História pela USP e em Direito pela Faculdade do Largo São Francisco (também da USP) e foi lá que, em 1975, conheceu Antonio Gouveia Júnior. Eles se encontraram porque o Arnaldo queria montar um cineclube dentro da faculdade e precisava da ajuda de quem conhecia os trâmites. Antonio já militava na Federação Paulista de Cineclubes, por isso apoiou aquele que viria a formar com ele uma amizade de 36 anos. Partiu de Arnaldo a ideia de convidar Frank para participar da aventura chamada de Cineclube Bixiga, pois, segundo ele, o amigo era “um cara culto, poliglota”, o tipo de gente que procuravam para o negócio. “Pensando que essa entidade deveria ter pessoas com compromisso militante cultural-cineclubista, tinham que ter um perfil específico. Um advogado, um administrador de empresas, um jornalista, por exemplo”, conta. Na porta daquela casa o empreendimento começou a tomar forma concretamente, pois o local já estava escolhido e a verba para a construção começava a ser levantada. A decisão de criá-lo, no entanto, veio antes: foram Antonio e Diogo Gomes do Santos que encabeçaram a coisa toda. O primeiro, baiano migrado para a capital paulista, já era figura marcada no cineclubismo, que conheceu nos anos de 1970, quando praticava capoeira e teatro em uma academia que também fazia as vezes de centro cultural. O grupo ajudava nas atividades e um dia, ao chegar atrasado, Diogo foi dar apoio ao pessoal que exibia ali filmes em 16 mm – e acabou não largando mais a função. “Depois de passarmos o primeiro filme, fomos até a Federação Paulista de Cineclubes, na Rua do Triunfo – a “Boca do Lixo” –, onde ficava a Dinafilme, Distribuidora Nacional de Filmes para Cineclubes, que era onde nós pegávamos filmes mais baratos”, lembra. “Passamos um filme e em seguida recebemos um convite da federação para participar da Jornada Nacional de Cineclubismo que aconteceria em Campina Grande, na Paraíba.” Antonio estava ainda mais envolvido com o movimento. Ele nasceu na Ilha da Madeira, em Portugal, e se mudou para São Paulo ainda criança. Se formou em Direito também pela USP, onde presidiu o Centro
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Acadêmico XI de Agosto, e, embora tenha advogado por certo tempo, partiu para o jornalismo (cujo código de ética redigiu) e acabou entrando de cabeça no meio cineclubista – e que militou até sua morte, ocorrida por consequência de um linfoma, em 19 de janeiro de 2011. Antonio se tornou um tipo de consultor jurídico especializado, tendo participado da abertura de pelo menos três dos mais importantes cineclubes paulistanos: Bixiga, Oscarito e o do Sindicado dos Jornalistas. Também trabalhou na Federação Paulista de Cineclubes e atuou como conselheiro jurídico dos Cinemas Unibanco desde a sua criação. Por mais que os dois tenham resolvido pôr a coisa em prática, o idealizador principal do Cineclube Bixiga foi o próprio Antonio, por causa das andanças que o ajudaram a perceber como aquilo poderia ser viabilizado. “O Gouveia era um visionário em questão dessas coisas, ele já tinha outras experiências no campo da administração, era conselheiro da Embrafilme para o governo federal, então tinha essa visão de cinema bastante ampla, ele sabia com o que estava mexendo”, diz Diogo. Dois exemplos, em particular, lhe chamaram a atenção: o Electric Cinema Club, de Londres, e o Teatro Lira Paulistana. O Electric está aberto até hoje no bairro de Notting Hill e figura como um dos cinemas mais antigos da Inglaterra, tendo iniciado suas atividades em 1910. De lá para cá passou por diversas mudanças de postura, como a ocorrida no final da década de 1960, época em que o espaço funcionava efetivamente como clube, com apresentações de shows alternativos nas noites de sexta-feira e de sábado. O acréscimo do “clube de cinema” ao nome veio depois de adotada uma faixa noturna de exibição de filmes, iniciada com Ensaio de um Crime, do espanhol Luis Buñuel. O sucesso da novidade era tanto que, em 1970, os responsáveis pelo local investiram 50 mil libras (cerca de 143 mil reais em 2011) em uma reforma do ambiente e na criação do repertório cinematográfico, que ficou respeitado como um dos mais finos do mundo. Na época, o Electric ganhou notoriedade por se tornar um espaço íntimo e amigável, onde funcionários e frequentadores se conheciam pelo nome ou, em grande parte das vezes, pelo apelido. Isso porque as pessoas não se reuniam ali apenas para assistir a filmes que compunham a cena independente e o movimento Avant Garde, elas também discutiam as produções. Foi bem nesse período que Antonio conheceu o Electric. Ele passou a entender como um cineclube poderia funcionar de maneira mais profissional, pois não havia lugares assim no Brasil. Frank Ferreira vê ainda outro diferencial para o cinema londrino ter servido de inspiração: o fato de ser registrado como clube afastava a censura e a repressão. “Porque os clubes eram atividade cultural e isso é sempre visto como coisa de alto
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nível, sem as baixarias das atividades políticas, do terrorismo, esse tipo de coisa.” Havia um esquema de pagamento mensal ou por meio de taxas de adesão. O Electric funcionava mesmo como clube. Outro ponto forte de apoio foi um movimento cineclubista que começou dentro do SJSP, Sindicato dos Jornalistas de São Paulo entre os anos de 1977 e 1978. Antes de ser visto efetivamente como cineclube, o Sindicato cedia o Auditório Vladimir Herzog para exibição de filmes considerados subversivos. Lá, Antonio tinha companhia fiel de Oswaldo Colibri, também jornalista e que trabalhava para o Grupo Folha. Oswaldo sempre quis estudar cinema, mas em meados de 1973 arrumou emprego como jornalista e decidiu seguir no ramo. Fez coberturas policial, esportiva e cultural. A certa altura, entrou para a Agência Folhas, que trabalhava para os veículos do grupo da família Frias; foi quando começou a cruzar, nos bares, com o pessoal mais ligado a cinema. Nomes como o famoso crítico da Folha de S.Paulo Orlando Fassoni, ou Fernando Morgado, então responsável por fazer resumo de filmes para o jornal. Trabalhou também em dupla com Jairo Ferreira, que hoje é lembrado por ter feito críticas e realizar algumas obras, mas que na época era setorista de trânsito. Os jornalistas, no geral, entendiam de cinema e o SJSP era um espaço propício para exibições proibidas. Antonio, também da área, fez uma sugestão e acabou sendo criado ali um cineclube que foi de suma importância para a idealização do Bixiga. O pré-lançamento dos filmes Iracema, uma transa amazônica e Jari, ambos de Jorge Bodanzky, foram feitos lá, assim como o de Greve!, de João Batista de Andrade. “Virou um espaço importante para o cinema alternativo naquela época”, comenta Oswaldo. A experiência do Sindicato serviu como uma espécie de preparação para o Cineclube Bixiga, porque lá já sentiam a necessidade de se trabalhar em um lugar independente, para fazer a mesma coisa, só que com uma amplitude melhor. Mas o start para a criação do Bixiga ocorreu dentro do segundo local observado por Antonio, o Teatro Lira Paulistana, em Pinheiros. Lá, ele descobriu que era possível fazer exibições de qualidade usando um espaço pequeno. Em uma segunda-feira chuvosa, ele trabalhava com Diogo Gomes dos Santos na cabine de projeção do lugar quando os dois perceberam que já era hora de se criar um cineclube que refletisse a importância de São Paulo. Então, após exibirem o filme O Homem que Virou Suco, de João Batista, bateram o martelo. Talvez a decisão final tenha partido dali por conta dessa situação de terem sempre que atuar em salas cedidas, o que vinha ficando cada vez mais insustentável. “O Lira Paulistana era em um dia, só na segunda-feira, porque o foco do
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Lira era a música. O Sindicato dos Jornalistas era só de segunda, também”, lembra Diogo. “Os cineclubes sempre funcionavam em tempo esporádico: final de semana, um dia da semana, uma vez por mês... nunca teve sessões diárias.” O problema é que esse esquema esporádico não conseguia dar conta de escoar toda a produção, principalmente a independente. Muitos filmes que não tinham boa aceitação comercial acabavam ficando encostados na Dinafilme, por isso era chegada a hora de se trabalhar em um lugar que não fosse emprestado. Essa questão fora posta em discussão durante o encontro nacional do CNC, Conselho Nacional de Cineclubes de 1981, a Jornada de Campo Grande, no Mato Grosso. Quando Antonio levantou o tema, foi taxado de louco, porque a ideia dele era criar uma sala com exibição permanente e que tivesse cacife para bater de frente com o mercado. Tanto ele não foi levado a sério que, de todos os estados presentes, São Paulo foi o único a tocar a sugestão adiante – isso porque o “doido” não ficou parado. Antonio foi estrategista, pois viu o que faltava ao movimento cineclubista. Com uma sala fixa, cuja programação fosse diária e não “quando der”, acabariam as dificuldades em se conseguir títulos fortes para exibir. Ele foi o único a pensar em tudo isso, e não desistiu até conseguir. Cercou-se de pessoas competentes para determinados tipos de tarefa e começou a arquitetar o lugar.
Construa-se
Diogo Gomes dos Santos e Antonio Gouveia Jr. escolheram a Vila Madalena para acolher o tal cineclube dos sonhos. Eles queriam aquele bairro por entenderem que o “pedaço” se identificava com propostas culturais e de intelectualidade – o Teatro Lira Paulistana, por exemplo, ficava na praça Benedito Calixto, uma divisa entre Pinheiros e Vila Madalena. Como não conseguiram encontrar um espaço adequado por lá, pularam para a segunda opção: o Bixiga, que também tinha uma tradição cultural, porém mais voltada para o teatro e o samba. Nesse momento Frank Ferreira acabou caindo como uma luva, pois era praticamente vizinho da Rua Treze de Maio, onde foi encontrado o lugar perfeito. Outra vez a iniciativa partiu de Antonio, que topou com uma lavanderia industrial desativada naquela rua. O imóvel, no número 124, pertencia ao italiano Giovani Maltoni, dono também de uma pequena fábrica de massas no encontro entre a rua Treze de Maio e a avenida Brigadeiro Luis Antônio. O prédio estava vazio há muito tempo porque a lavanderia atendia às cantinas da região, o que significa que ou o
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interessado em alugar o espaço fazia a mesma coisa pagando pelo passe do ponto, ou mandava todas as caldeiras embora. Quando Antonio se apresentou, o italiano achou ótimo, pois a intenção dele envolvia justamente tirar do caminho aquele maquinário já inútil, aumentando o valor futuro do imóvel. Na conversa, o cineclubista-advogado-jornalista – que também tinha competência como contador – conseguiu convencer o locatário a fazer um contrato de apenas um ano. Normalmente, por se tratar de uso comercial, teria de ser fechado um compromisso de, no mínimo, cinco anos, o que foi feito em 1982, com a renovação. Mas ninguém reclamou, pois, caso não desse certo, as duas partes sairiam sem grandes prejuízos: por um lado, Giovani ficava com um galpão vazio; por outro, os cineclubistas não perdiam muito dinheiro. Esse, aliás, era um ponto delicado no empreendimento, pois além do Fundo de Garantia inteiro de Frank, o próprio Antonio colocou uma verba pesada na montagem do Cineclube Bixiga. Como ele era chefe de redação do jornal Gazeta Mercantil, arrumou um empréstimo bancário pessoal que nenhum dos outros envolvidos conseguiria; diz-se que chegou a penhorar a casa e vender um Fiat 147 (lançamento na época) pelo negócio. Arnaldo Vuolo também fez um investimento alto, fruto de um caso no qual atuara por dois anos, cujo valor dos honorários equivaleria a cerca de 60 mil reais em 2011. Tudo foi aplicado a título de investimento e, posteriormente, devolvido com juros e correções monetárias; uma conta com nome do cineclube estava disponível e os valores eram transferidos para lá. Nem sequer um centavo de dinheiro público entrou no negócio, assim como também não foi possível tomar empréstimos em nome do cineclube. O lugar foi aberto em fevereiro de 1981, com registro em cartório, como um clube convencional, tendo assembleia e tudo mais, porém, mesmo assim os bancos só apoiariam se ele fosse efetivamente uma empresa, pois, antes da Constituição de 1988, o Estado brasileiro não reconhecia entidades sem fins lucrativos. Só existiam instituições comerciais e pessoas físicas. O projeto original contemplava o seguinte: uma salinha comum em que pudessem ser feitas exibições com projetores de 16 mm. Só que no começo daquele ano, quando começaram as construções, apareceu por lá Marco Aurélio Marcondes, que havia presidido o CNC e, naquela época, era diretor comercial da Embrafilme, estatal responsável por produzir e distribuir filmes cinematográficos. “Ele chegou e disse o seguinte para o Gouveia e o Arnaldo: ‘Vocês podiam colocar isso aqui em 35 mm, cadeira estofada, carpete, ar-condicionado que a Embrafilme paga pra
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vocês, paga tudo’”, lembra Diogo. “Marco Aurélio era nosso amigo, não assinamos papel nenhum e projetamos, então, a partir daquele momento, a sala passa a ser em 35 mm.” E assim foi feito; do que era para ser uma coisa simples, começava a se desenhar um projeto ambicioso. A ajuda da estatal, segundo Frank, veio muito tempo depois, quando não precisavam mais dela, “não por causa do Marco Aurélio, mas por causa da burocracia da Embrafilme, que nem sabia o que era cineclube”. Até então, não havia outro cineclube no Brasil que trabalhasse com a bitola de 35 mm, e por vários motivos. Dentre os principais, estão o fato de que nenhum deles tinha pretensão de se tornar efetivamente cinema e fazer parte do cenário do movimento, que naquela época estava empenhado em trabalhar a serviço da redemocratização. Com isso, muitos desses espaços eram alvos constantes de batidas policiais e grande parte dos envolvidos com o movimento era perseguida, portanto o equipamento de 16 mm era ideal por ser portátil; se ocorresse algum problema, bastava botar o projetor em baixo do braço e correr. No Bixiga, por exemplo, toda a diretoria era engajada politicamente e boa parte, composta por comunistas.
No meio do caminho, havia uma sugestão
O prédio foi reformado cumprindo todas as exigências legais, tendo inclusive planta na Prefeitura e engenheiro responsável. O cargo ficou com o também cineclubista Marcos Azevedo Souza, que estava no final do curso de Arquitetura e fez tudo sem cobrar nada. Por mais que recebessem pela obra, até os pedreiros foram conseguidos pela rede de conhecidos de quem estava envolvido com o projeto. A sala de exibição, depois de pronta, ganhou um nome em formato de homenagem: Paulo Emílio Sales. Levou cerca de seis meses para a reforma da ex-lavanderia ser concluída. Nesse período, uma série de penduricalhos foi acrescida ao que fora proposto inicialmente, além das sugestões de Marco Aurélio Marcondes. Embora isso dê impressão de amadorismo – o que, de fato, era verdade –, foram essas pequenas modificações que ajudaram o Bixiga a futuramente atingir um status de modelo. Aquilo foi um verdadeiro laboratório de possibilidades. Cada um vinha e dava seu palpite, que era pensado e, se fosse interessante, entrava no projeto. Surgiu a ideia, por exemplo, de copiar no Bixiga o que o Grupo Cineclubista Tietê Tietê já havia feito na Biblioteca Hans Christian Andersen, no Tatuapé: colocar uma tela virada para a rua. O cineclube tinha um saguão de entrada, um café e uma parede com informações do filme
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e ali foi posto um toldo do tamanho de uma tela. Comprou-se uma lente especial e, da cabine, dando as costas para o público que estava na sala do cinema, projetava-se uma segunda tela em 16 mm. “Aquilo era a coisa mais fantástica que se pode imaginar em São Paulo”, lembra Diogo Gomes dos Santos. Como quem acompanhava o filme pela rua via tudo ao contrário, havia o cuidado de não passar títulos legendados quando se fazia essa exibição dupla. Ali passavam curtas-metragens, projetos experimentais e muita coisa do Charles Chaplin. O Bixiga foi o primeiro cinema de São Paulo a oferecer reserva pelo telefone e inovou ao implantar um sistema de escolha de lugares. Todos os 98 assentos eram numerados, portanto bastava o cliente apontar em um painel improvisado aonde queria ficar. É o tipo de coisa que posteriormente foi copiada por diversos exibidores comerciais. Mas as extravagâncias em relação ao convencional iam ainda mais longe e a diretoria chegou até a anunciar que não venderia pipoca no cineclube, sob argumento de que cinema não é lugar para comer. Apesar disso, também foi lá que começou a união entre cinema e lanchonete. A certa altura das obras, Frank Ferreira e Arnaldo Vuolo cismaram que o Bixiga tinha de ter um bar, o que não era interessante, na opinião de Antonio, e, portanto, não tinha sido previsto. A gambiarra era tamanha que a distância entre o chão e o balcão foi medida pelo cotovelo de Frank – o que, por mero acaso, é a medida padrão. Até o jeito adotado para manutenção do bar foi diferente: decidiu-se que os interessados em cuidar do miniestabelecimento deveriam apresentar propostas, sendo que o vencedor ficaria responsável pelo espaço e receberia uma porcentagem sobre as vendas. E já que estava ali, o bar serviu ainda como pano de fundo para outra instalação improvisada: prateleiras para o material da livraria que o cineclube criou. Outro ponto de inovação foi o único patrocínio que o Bixiga teve. Em 1983, tiveram a ideia de pedir apoio cultural ao Banco Nacional, que tinha certa tradição nesse tipo de negócio. A instituição concordou e passou a contribuir com uma verba mensal que servia para pequenos gastos, como as impressões dos panfletos que explicavam os filmes. Em troca, um adesivo com o logo do banco foi afixado no vidro da sala de projeções. Um sujeito chamado Adhemar de Oliveira, que na época era gerente do cineclube, participou da conversa com o Bando Nacional e, posteriormente, usou esse mesmo modelo de patrocínio para manter o Estação Botafogo, no Rio de Janeiro, e os Cinemas Unibanco, em São Paulo. Claro que nem todas as invencionices deram certo, a exemplo de quando resolveram mexer nos banheiros, que ficavam no final da sala de exibição – portanto, no fundo do prédio. A entrada do masculino ficava
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de um lado do galpão e a do feminino, de outro. Os dois banheiros eram opostos, se encontrando numa única parede, então deixaram-na aberta porque precisavam ventilar a área, onde havia algumas plantas. Só que o espaço permitia que homens e mulheres pudessem se ver do busto para cima lá dentro. “Era o único cineclube com banheiro unissex”, brinca Oswaldo Colibri. “O que na época parecia ser uma coisa muito avançada, para a gente, começou a gerar um certo constrangimento”, comenta Diogo, “então fechamos o espaço”. Mas o mais notório improviso do cineclube foi a cabine de projeção, que tinha um dos lados totalmente de vidro para que os frequentadores pudessem ver como era o trabalho do operador. O espaço para se construir a cabine era pequeno, então o isolamento acústico tinha de ser bem eficiente, uma vez que o projetor era extremamente barulhento – e precisavam ser dois aparelhos. Frank sugeriu que cada parede recebesse um forramento formado por duas folhas de amianto recheadas por uma camada de isopor, mas de repente alguém teve a ideia de fazer tudo transparente. Isso, claro, não seria viável, pois entraria luz dentro da sala, portanto resolveram fechar apenas três paredes – duas com amianto e uma com alvenaria. A que sobrou ficava virada para a entrada e ganhou um vidro à prova de balas, necessário para conter o som. “Queríamos desvendar, começar esse processo de desalienação do público lá no Cineclube Bixiga, mostrando para as pessoas uma coisa que eles nunca viam: o que é uma cabine de projeção”, afirma Frank. “Isso realmente foi um grande lance e foi decidido na ‘galega’.”
Programação de ouro
A criatividade daqueles aventureiros não se restringia à área da construção. Suas ideias, que às vezes soavam descabidas, elevaram todo o movimento a um novo patamar, mas antes transformaram o próprio Bixiga em coqueluche de São Paulo. Havia um cuidado bem particular com os frequentadores, cuja participação ativa começava no momento de escolha dos filmes a serem exibidos e terminava nas assembleias que elegiam a diretoria; são pequenos detalhes que conquistaram e fidelizaram o público. Nem sempre as cópias dos filmes estavam em bom estado, por exemplo. Portanto, quando anunciava a programação, o Bixiga informava também a qualidade, assim as pessoas teriam sempre certeza do que encontrariam ao chegar lá. O ingresso também era muito baixo, tanto que era chamado de “taxa de manutenção”, algo equivalente a uma meia-entrada permanente. Um forte atrativo era a programação, feita em cima de repertório
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e baseada em alguns critérios culturais cinematográficos específicos. A figura do programador era de extrema importância, pois era ele quem ia até a Boca do Lixo garimpar os filmes disponíveis para locação. Era seu trabalho garantir o fluxo permanente de títulos e negociar com as distribuidoras para conseguir os melhores preços, além de trazer e levar os filmes. O primeiro a exercer a função foi Diogo Gomes dos Santos, curiosamente o responsável pela primeira e pela última sessão ocorrida no Bixiga. No cargo, ele também tinha de correr atrás de quem estava terminando filme, com obra para lançar ou para realizar debates, palestras, oficinas etc. Grandes nomes do cinema mundial passaram pelo Bixiga seguindo essa proposta, como o alemão Werner Herzog. O programador não fazia tudo isso por ser um gênio, ele tinha de ser, evidentemente, conhecedor de cinema, pois fazia propostas ao cineclube com base no que tinha visto nas distribuidoras. No entanto, seu trabalho era respaldado por uma comissão que discutia a programação e pela opinião dos frequentadores do Bixiga. As pessoas podiam fazer sugestões por meio de um livro que ficava na recepção e todas as obras citadas ali tinham preferência. Se o filme não fosse programado, a comissão respondia o porquê disso. As reuniões de programação, segundo Oswaldo Colibri, eram intermináveis, com brigas “homéricas” entre todos. Havia certo temor de que o cineclube se tornasse underground demais, só com filmes “cabeças”. Já que a principal proposta lá era fazer política, a preferência eram as obras que suscitassem discussões de caráter oposicionista. No começo, havia apenas duas atividades remuneradas no cineclube, a do projecionista e a do programador, por isso, apesar de ter estado presente em todas as etapas de criação da sala, Diogo não aparece no primeiro estatuto como sócio-fundador. A mania de experimentação contaminou a programação do Bixiga, por isso sempre acontecia algum evento diferente por lá. Em um caso de 1982, a diretoria usou os filmes como estratégia para aumentar a arrecadação do mês. Era uma ocasião em que havia um acúmulo de empréstimos e prestações para vencer e alguém teve a ideia de fazer um ciclo de obras de Igmar Bergman. Todos os trabalhos encontrados do cineasta sueco na Cinemateca, em distribuidoras etc. foram passados, o que preencheu todas as sessões e resultou no recorde de público do cineclube. Até hoje os habitués têm o “ciclo Bergman” na cabeça como um marco na história do lugar. Outro circuito bem lembrado é o de obras de Luis Buñuel. Em 1983, quando Oswaldo presidia o Cineclube Bixiga, viu no jornal em que trabalhava um telegrama informando sobre a internação do cineasta; como
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o texto dizia que o estado era crítico, o jornalista chegou ao Bixiga e mandou todos saírem à procura dos filmes do espanhol para fazerem reservas. “Ninguém me entendeu muito bem”, lembra, “mas precisávamos ficar espertos com isso, como todo jornalista faz”. Buñuel veio mesmo a falecer naquela época, em 29 de julho, então a estratégia foi um sucesso. Eram duas exibições diárias, todas lotadas, com gente ficando para fora. “Alguns cineclubes de São Paulo tentaram reservar, mas não conseguiram, porque estavam todas as latas com a gente.” Eles foram os primeiros cineclubistas a fazerem uma mostra de filmes da Boca do Lixo que, segundo Diogo, era considerada detentora de um cinema de quarta categoria. Também promoveram um inimaginável ciclo de títulos pornográficos e, certa vez, realizaram uma sessão de Jornada nas Estrelas, a pedido dos fãs do filme – com o detalhe de que todos foram a caráter. “Passou-se o filme e eles discutiam mundos e fundos daquilo ali e eram coisas absurdas”, comenta. “Era um bizarro que tinha um quê de cultura, de carinho, uma coisa fraterna com as pessoas.” Claro que, assim como aconteceu com o banheiro pró-espionagem, algumas mexidas na programação também acabaram em fracasso. Isso aconteceu, por exemplo, quando inventaram de juntar num único dia dois documentários sobre o movimento punk paulistano: Garoto do Subúrbio, da produtora independente Olhar Eletrônico (de Fernando Meirelles), e Pânico em SP, de Cláudio Morelli e que teve produção da Escola de Comunicações e Artes da USP. Em determinado momento, os dois grupos se estranharam e acabaram saindo na porrada dentro da sala. Noutra ocasião a briga foi interna. Em meados de 1984, um grupo cobriu um evento musical no interior de São Paulo, mas fez isso usando máquinas fotográficas e criou uma peça de audiovisual, que era uma espécie de apresentação de slides musicada. Eles levaram o resultado ao Bixiga e acabaram dividindo a equipe do cineclube, pois parte dela não queria exibir aquilo por não se tratar de uma obra cinematográfica. Depois de um intenso debate, foi decidido pela sessão com o audiovisual. Esse mesmo tipo de caráter democrático prevaleceu quando resolveram programar Triunfo da Vontade, documentário de 1935 feito pela cineasta Leni Riefenstahl sobre o 6º Congresso do Partido Nazista. Quando o longa foi exibido, vários simpatizantes da causa apareceram portando símbolos como a suástica e a cruz de ferro. Algo muito comum era um filme que ia mal no circuito comercial ser exibido no cineclube e, por conta do sucesso, voltar com força ao mercado. Isso aconteceu com títulos como O Vampiro de Düsseldorf, de Fritz Lang, e as criações do grupo Monty Phyton, que acabaram virando tendência no Brasil.
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O filme O Homem que Virou Suco ficou aproximadamente uma semana em cartaz, não conseguiu movimentar grandes audiências e foi tirado do circuito tradicional. Como o diretor João Batista de Andrade acreditava no potencial de sua criação, entregou cópias à Dinafilme, que redistribuiu para os cineclubes. No Bixiga, o título seria exibido por uma semana, mas na sexta-feira anterior à estreia, veio o anúncio de que ele tinha recebido o prêmio de Melhor Filme no Festival Internacional de Moscou de 1981. Ao contrário do que acontece hoje, que os títulos são trocados na sexta-feira, a programação do cineclube era iniciada na segunda e, na naquela ocasião, lotou de gente querendo ver o tal filme, porque os jornais noticiaram que uma obra brasileira tinha levado a melhor em um festival internacional. O Bixiga chegou inclusive a dobrar a exibição do filme, que havia então conseguido voltar ao circuito comercial. Durante esse período de duas semanas, João Batista recebeu o troféu e o colocou em exibição na recepção do cineclube, lugar escolhido pelo diretor para a comemoração. Antes do Bixiga, que tinha um caráter mais profissional, não era fácil convencer os donos das obras a fornecê-las gratuitamente para exibição. O caso do João Batista era diferente, pois ele também era envolvido com cineclubismo, por isso uma das peças chaves para a ascensão do movimento foi o cineasta Jorge Bodanzky, que preferia ver seus filmes tendo um tratamento condizente com o circuito comercial. Na visão dele, os cineclubistas não tinham perspectiva nenhuma nesse sentido, algo sobre o que ele tinha razão. “O Gouveia ficou umas seis horas conversando com o Bodanzky pra convencê-lo de que nós seríamos a organização que poderia fazer isso com o filme dele”, diz Diogo. Os cineclubistas queriam – e conseguiram, graças à longa conversa – projetar Jari. “Esse filme é o fundamental”, continua, “porque a posição do Bodanzsky era a posição do cineasta da época: os cineclubes são um mercado paralelo de exibição”. Desde o início do projeto, o Bixiga sempre buscou trabalhar com a proposta de mostrar aos cineastas brasileiros que havia uma alternativa em relação ao mercado comercial, e casos como o de João Batista de Andrade e de Jorge Bodanzky ajudavam a reforçar essa intenção. Cada um usava do seu status, da sua influência para fazer com que os filmes fossem exibidos primeiro lá. “Forçava-se um pouco essa rede de influência pela nossa programação”, admite Oswaldo. Mas bem que dava certo.
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“Foi muito triste, mas foi uma morte anunciada� Oswaldo Colibri
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A queda Com programação diferenciada, em que sempre cabia uma grande estreia, ingressos a preços mais do que competitivos e uma localização privilegiada, todos saíam ganhando com o Cineclube Bixiga, menos Giovani Maltoni, o dono do imóvel. Pelo menos foi o que o italiano começou a pensar conforme o término do contrato se aproximava. Ele se pôs a sondar a diretoria do lugar para tentar aumentar o valor do aluguel, crente de que o Bixiga podia mais. E talvez o homem estivesse certo. A certa altura, o cineclube ganhou tanta notoriedade que já havia passado a brigar efetivamente com o circuito comercial. Mas havia aí uma enorme diferença: enquanto investidores privados, bancos, governo etc. podiam apoiar a manutenção contínua de quem estava no mercado, o Bixiga teve apenas um patrocinador, que ajudava com um valor praticamente simbólico; era tudo feito contando com a bilheteria ou com as amizades. Com o passar dos anos, ao invés de crescer e se impor frente à concorrência, o lugar acabou sendo engolido pelos adversários. Giovani não via isso. Para ele, aquele pessoal tinha condições de crescer e gerar lucro, o que não queriam. “Ele não entendia de cinema, achava que na sala cabiam quantas pessoas quisessem”, comenta Frank Ferreira. Esse pensamento levou o dono do prédio a pedir um aluguel mais alto; então, em 1987, quando o segundo acordo chegou ao fim, deu o ultimato. “Na renovação do contrato comercial o italiano fez uma exigência de aluguel que era inviável”, lembra o sócio-fundador. “Talvez ele tenha se informado pra ver quanto era uma sala de cinema, viu e quis a mesma coisa.” Era fácil pensar assim, uma vez que o lugar se tornou referência em São Paulo. Um exemplo dessa força é a retranca “Cineclubes” do jornal Folha de S.Paulo, que surgiu em 1982 justamente por causa do Bixiga. Quando essa crise começou, Antonio Gouveia Júnior estava afastado e era ele, naturalmente, que mantinha um contato mais próximo com o italiano. O jornalista trabalhava na assessoria de imprensa do Governo do Estado de São Paulo e tinha contatos fortes, portanto fazia certo lobby marcando presença no Bixiga. “Ele mostrava para o Giovani o cartão do Palácio dos Bandeirantes”, conta Diogo Gomes dos Santos, “quando se perde essas referências, tem todo um processo de queda por trás”. Nessa época, foram feitas campanhas pela manutenção do cineclube, com direito até a faixa de “não deixe o Bixiga fechar”, mas nada fazia Giovani mudar de ideia. Para ele era: “Ou compra o imóvel ou paga o que eu estou pedindo”. Comprar era praticamente impossível, pois esbarrava-se
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na questão do “caráter cineclubístico” da coisa, uma vez que não existiam investidores. Além disso, se arrecadar dinheiro suficiente para o novo aluguel era difícil, fazer o mesmo por um valor de compra era inimaginável. Por mais que isso tenha se tornado um problema sério para aqueles cineclubistas, eles ainda teriam de enfrentar outra questão que antes vinha matando o Bixiga aos poucos. Quando surgiu em São Paulo, o cineclube ganhou público por vários motivos; só o fato de se parecer com um laboratório de ideias já ganhava as pessoas. Só que as inovações do lugar começaram a ser copiadas pelo mercado, então sobrava ali apenas programação diferenciada, que aos poucos começou a migrar também para o circuito comercial por conta de uma brecha na legislação. A exigência do Certificado de Censura fazia com que apenas cineclubes e cinematecas estivessem livres para exibir filmes integralmente, conforme determinava a Lei 5.536, de 21 de novembro de 1968, que criou o Conselho Superior de Censura. Toda obra precisava passar pelo crivo do governo ditatorial, representado pelo Serviço de Censura de Diversões Públicas do Departamento de Polícia Federal – responsável por determinar a idade apropriada para o espectador e por avaliar se a obra feria algumas regras. O Artigo 3º do texto diz, por exemplo, que: “Para efeito de censura classificatória de idade, ou de aprovação, total ou parcial, de obras cinematográficas de qualquer natureza levar-se-á em conta não serem elas contrárias à segurança nacional e ao regime representativo e democrático, à ordem e ao decôro públicos, aos bons costumes, ou ofensivas às coletividades ou às religiões ou, ainda, capazes de incentivar preconceitos de raça ou de lutas de classes”. Isso deixava os filmes considerados subversivos apenas para os lugares com “finalidades culturais”. Mas havia aí o que Diogo Gomes dos Santos chama de “subterfúgio da lei”. O Artigo 6º garante que “A sala de exibição que haja sido registrada no Instituto Nacional do Cinema para explorar, exclusivamente, filmes de reconhecido valor artístico, educativo ou cultural, poderá exibi-los, em versão integral com censura apenas classificatória de idade, observada a proporcionalidade de filmes nacionais, de acôrdo com as normas legais em vigor”. Portanto, poderiam ser criadas salas com a possibilidade de se exibir obras na íntegra sem precisar contrariar a lei. Para estes casos, o governo emitiria um Certificado Especial permitindo que fizessem público em locais além das cinematecas e cineclubes. Um exemplo do que isso gerou foi a chegada do filme O Império dos Sentidos, do japonês Nagisa Oshima, que desembarcou no Brasil para ser exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A obra contém cenas bem francas de sexo entre os protagonistas, como uma em que ele ejacula na boca da parceira. Ninguém sonhava em ver esse tipo de filme
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num cinema convencional, mas os exibidores conseguiram. “No dia seguinte quase todos os cinemas de São Paulo estavam passando o filme”, lembra Diogo, “desde o circuito da São João-Ipiranga, que era o circuito popular, até o Consolação-Paulista-Brigadeiro, o circuito nobre.” “Do ponto de vista do mercado comercial, concorreu diretamente com a gente e, do ponto de vista da produção cinematográfica brasileira, trouxe muita novidade”, diz. Depois disso, o pessoal da Boca do Lixo começou a fazer filmes com sexo explícito, um pouco na base do “se o japonês pode, eu também posso”, mas também porque a pornochanchada começava a perder terreno no Brasil para os filmes estrangeiros que mostravam um pouco mais. Na mesma época, a TV Record estreou a sessão chamada – não à toa – de “Sala Especial”, dando espaço na televisão a obras antes só exibidas em cinemas especializados – em especial as pornochanchadas. Tudo isso veio em consequência da abertura contida no texto da Lei e criou concorrência para os cineclubes em geral. Os que, assim como o Bixiga, mantinham um esquema próximo do profissional acabaram sentindo mais por concorrerem diretamente com o mercado.
Ultrapassado
Chegou-se a um ponto em que os envolvidos no projeto deveriam decidir entre continuar atuando como cineclube ou partir para um negócio comercial. Muita gente percebeu isso, incluindo Giovani Maltoni, Adhemar de Oliveira e André Sturm, que também frequentou o lugar por um bom tempo. Cada um destes tomou a atitude que lhe convinha, o primeiro aumentou o valor do aluguel do prédio, o segundo foi montar o Estação Botafogo, no Rio de Janeiro, e o terceiro se lançou em uma série de empreendimentos, que futuramente envolveriam até mesmo o próprio Bixiga. Antonio Gouveia Júnior tinha essa percepção de que o lugar já transcendera ao projeto inicial, mas não quis encabeçar uma mudança para elevá-lo a outro patamar. Iniciou-se então uma concorrência mercadológica da qual o Bixiga não poderia fazer parte com suas instalações ultrapassadas, e não havia recursos para alavancar o negócio. Em 1981, por ser um cineclube, ele oferecia um conforto acima das expectativas, mas nos altos de 1987, já não conseguia manter a pompa. No começo daquela década, ninguém se importava se tivesse que sentar em uma cadeira de madeira para assistir a algum filme, como acontecia no Sindicato dos Jornalistas, mas as coisas foram mudando. A sala não tinha um declive muito bom, portanto, quando alguém levantava, interrompia a exibição porque a projeção pegava na cabeça. O som, que era de baixa qualidade, pareceu ser ainda pior quando o sistema Dolby começou a pipocar nos cinemas. Além disso, teve de ser mantida a tela pla-
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na, pois as lentes do projetor não permitiam que fossem feitas exibições em tela côncava, o que já se tornava praticamente uma obrigação para a época. “Ou seja, tecnologicamente estagnou”, afirma Diogo Gomes dos Santos. Ao mesmo tempo, a violência e o crescimento urbano empurraram os cinemas de toda a cidade para dentro dos shoppings. Os que ficavam na rua praticamente desapareceram, sobrando apenas alguns no centro de São Paulo, que depois viriam a se especializar na exibição obras pornográficas. E a criminalidade alcançou a Bela Vista, principalmente as imediações do Baixo Bixiga, que se tornou ponto de drogas e prostituição. O cineclube ficou visado, pois, por ser aberto, os traficantes que atuavam na Rua Treze de Maio constantemente entravam lá para se esconder da polícia, que passou a fazer batidas cada vez mais persistentes no estabelecimento. As pessoas foram deixando de frequentar com medo daquela situação, o que derrubou o entra e sai de gente do Bixiga. Esse problema prejudicou consideravelmente o bairro, que perdeu restaurantes e bares onde se encontravam artistas da MPB e habitués dos teatros da região.
Mea culpa
Nessa época, boa parte dos demais fundadores do Bixiga estava em outras atividades, sendo que ele havia se tornado algo secundário. Isso fez com que não vissem que o cineclube não conseguia acompanhar o crescimento do cinema comercial e enfrentar os problemas que vinham se acumulando. O afastamento causou uma situação complicada em termos de funcionamento, pois, no começo, o Bixiga era uma espécie de cooperativa, com as pessoas desempenhando diversas funções sem cobrar nada, todos atuando em conjunto por um bem maior. Depois, cada um foi para um canto, sem conseguir conciliar a vida que levava com o cineclube. Oswaldo Colibri, por exemplo, arrastou para a aventura a esposa e a filha, que nascera no mesmo ano em que o Bixiga abriu as portas; com o tempo, ele naturalmente teve de se ausentar para dar prioridade à família. E isso aconteceu de maneira geral, até mesmo Antonio deixou o lugar, que ficou praticamente sob cuidados de Diogo Gomes dos Santos. Essa debandada fez aumentar a quantidade de pessoas que efetivamente recebiam pelos serviços prestados, sendo que o Bixiga chegou a ter 20 funcionários. O andamento do cineclube se tornou algo incompatível com seu perfil, pois o negócio já estava passando por dificuldades devido à perda de público, não fazia dinheiro suficiente para bancar essa estrutura e não queria se transformar em estabelecimento comercial. Fez-se um impasse. “A gente tem que se culpar porque não profissionalizou direito e também um pouco pela omissão, por estarmos em outros projetos. Estávamos
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todos juntos contra a ditadura, antes, depois se perdeu um pouco isso”, lamenta Oswaldo. “Se tivéssemos feito essa profissionalização, seríamos mais organizados, mais estruturados, teríamos mantido o conselho ativo. As leis de incentivo já existiam, poderíamos ter tentado alguma coisa.” Não são todos que concordam com isso. Uma corrente encabeçada por Felipe Macedo e Frank Ferreira aposta na má administração como um dos principais fatores para a decadência do Bixiga. Portanto, há dois pensamentos sobre os motivos que levaram ao fim do cineclube: há os que culpam Diogo Gomes dos Santos e os que veem o fechamento como algo natural para o período, com a abertura democrática e de mercado. O próprio Diogo diz que o cineclube cumpriu sua função histórica e que só sobrava ali uma vontade, uma militância ferrenha querendo mantêlo, porque ele significava alguma coisa para as pessoas e também à cidade. “Nossa preocupação não era ser mercado”, afirma. “O Bixiga era uma opção política, e qual era nossa meta? Que o país voltasse à liberdade democrática. Ele estava voltando e a gente tinha que acompanhar a democracia e o modo como ela estava se apresentando, tanto no campo das ideias, quanto no campo da economia e no campo da experimentação.” O fato é que surgiam dívidas com salários e aluguel, mas não vinham soluções. Eles chegaram a repensar a história de não vender pipoca, que era considerada um item de autolucro e poderia ajudar na manutenção. Com isso veio também a ideia de levantar um mezanino em que pudessem ser instaladas cabines reservadas, onde as pessoas poderiam assistir ao filme enquanto conversavam e até comiam. Tudo para tentar salvar o lugar. O último movimento, o de desespero, foi uma tentativa de tombar a atividade no local – já que o prédio não tinha qualquer característica arquitetônica que justificasse a preservação. Foi o primeiro projeto que Marilena Chauí recebeu como secretária municipal de Cultura, cargo assumido com a eleição, em 1988, de Luiza Erundina para prefeita de São Paulo. Como as duas eram frequentadoras do cineclube, restava uma esperança de ajuda, mas a resposta não veio. Foi então que o Bixiga encontrou seu limite. Uma comissão formada por Diogo, Jorge Eduardo Barbosa e João Luiz de Brito Neto decidiu pelo fechamento, porém, o estatuto não permitia que o espólio fosse vendido, portanto alguém deveria ficar com tudo o que havia há dentro. Foi então que surgiu a Associação Cultural Alex Viany, presidida por André Sturm. Interessados pelo Bixiga fizeram a troca: André pagaria todas as dívidas e ficaria com o espaço. Depois da mudança, foi aberto, no mesmo número 124 da Rua Treze de Maio, o Veneza Cineclube. André ficou ali por mais alguns anos, até que não aguentasse também e tivesse de entregar o prédio, que hoje funciona como depósito do Café Piu-Piu.
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“Acho que não podemos dizer que o cineclubismo acabou” André Sturm
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Afinal, ainda existe cineclubismo em São Paulo? Os moldes nos quais o movimento cineclubista se dava nos anos 1970 e 1980 são atualmente escassos. Esse fato gera dúvidas quanto à existência ou sobrevivência dele nos dias de hoje, afinal, o movimento cineclubista ainda existe, ou o que existe hoje é cinefilia? A popularização das salas de cinema de arte e da tecnologia na década de 1990 culminando com a falta de recurso para os cineclubes começava a enfraquecer o movimento cineclubista, afinal, se você pode escolher ver um filme em uma sala de cinema confortável, ou comprar um VHS e assistir na sua sala, para quê ir a um cineclube? É o que passou pela cabeça de muitos, que abandonaram as pequenas salas de cinema e discussão: “Nos anos 80 não tinha TV a cabo, nem muitos vídeos, e não existia a quantidade de cinemas de qualidade que a cidade tem hoje, com grande variedade de filmes e programação diferenciada. Naquela época, por falta de opção, as pessoas se dispunham a ir assistir filmes em uma cadeira de madeira, como era o caso do sindicato dos jornalistas, por exemplo”, explica André Sturm. Outro fator determinante foi o aperfeiçoamento da Lei Rouanet, ou Lei de Incentivo à Cultura, que chegou também para as salas de cinema, ou seja, havia um incentivo do governo para que as salas de cinema se mantivessem abertas, aumentando o mercado cinematográfico, e, consequentemente, deixando os cineclubes cada vez mais volúveis. Nos anos 1990, a maioria dos cineclubes que não se adaptou ao modelo comercial acabou por fechar suas portas. Já a partir de 2003, começam a aparecer iniciativas para encerrar uma pausa que durou 14 anos, e é então que acontece em Brasília uma Jornada de Reorganização do Movimento Cineclubista. Revelando que ainda existiam cineclubes em funcionamento, atuando mesmo que mal-organizado e isoladamente em vários estados e capitais do Brasil, principalmente no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Foi isso que deu início a um tipo de volta que parecia estar prestes a acontecer a qualquer momento. Com a finalidade de novamente alavancar o movimento, em 2004 uma comissão para sua reorganização é formada por três grupos distintos: cineclubistas e dirigentes antigos, que estiveram à frente do movimento até o ano de 1984; cineclubistas liderados por Diogo Gomes dos Santos; e os novos cineclubistas, surgidos desde o final dos anos 1990 até então. “Leopoldo Nunes era uma velha ‘cria dos cineclubes’, que estava em um cargo importante no governo do então presidente Lula. Ele
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tentou dar uma força para ressuscitar o movimento, chamando pessoas historicamente importantes, e também pessoas novas que ele julgava ter relevância”, conta Felipe. Dali foi desenvolvida uma Pré-Jornada, que aconteceu em abril, e que, apesar de ter sido bem recebida, deixou de debater e aprofundar pontos importantes e projetos do movimento, colaborando para que a 25ª Jornada que aconteceria depois, fosse um fracasso. Essa falta de diálogo, porém, não foi a razão principal pela qual ela não foi bem-sucedida, o CCSP, Centro Cineclubista de São Paulo, que estava encarregado de organizar o evento teve problemas para atender às expectativas, se mostrando mais preocupado em obter o controle da entidade, que se concretizaria, e controlar os recursos que viriam do governo, do que em organizar o movimento novamente. Curiosamente, apenas os cineclubes se São Paulo ligados ao CCSP estavam em número igual a soma de todo o restante do país, o que era bastante duvidoso, já que a atividade cineclubista na capital era escassa. Esse fato levou os outros cineclubes do país a unirem-se entre si e organizarem uma chapa, que contava com a representação de dez estados, formando uma maioria absoluta na assembleia. Não existe como dizer ao certo se essa divisão nacional teve influência, mas em 2005, o governo deixa completamente de apoiar o movimento, e por falta de organização ou estrutura, os cineclubes não conseguiram se sustentar de maneira autônoma, e os anos seguintes se tornam bastante difíceis. Em 2005, as tradicionais Pré-Jornada e Jornada atrasaram, e foram produzidas apenas com recursos dos próprios participantes e apoio da Secretaria de Cultura de São Paulo. Até 2008, o cineclubismo evoluiu de maneira muito tímida, praticamente sem apoio algum, e, nesse ano, o governo criou a Programadora Brasil, um projeto dos cineclubes, que foi alterado pelo governo: “Essa Programadora nasceu de um projeto cineclubista, mas acabou se transformando em uma iniciativa para que os cineclubes existentes se constituíssem num espaço confortável e dócil. O Estado já havia evoluído bastante na política de produção e estímulo à produção de filmes e curtas, e precisava justificar o capital que estava sendo gasto com esses projetos, então, criou a Programadora Brasil, que exibia esses filmes e justificava o valor aplicado”, conta Felipe. Ao mesmo tempo, foi criado um programa, também sugerido por cineclubistas, em que eram distribuídos kits de projeção para cineclubes, custavam em média 10 mil reais, e levavam um projetor, uma tela desmontável e um equipamento de som. Depois de mudar de nome por várias vezes, foi chamado definitivamente de “Cine Mais Cultura”, e os
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grupos que recebiam esses equipamentos passaram a ser chamados de “cines”. “No momento em que o movimento cineclubista estava ficando forte, no Estado Democrático, poderíamos ter transformado esse projeto em criação de cineclubes, porém, aconteceu uma crise, até porque, na época, o Governo Federal pediu o meu afastamento do projeto e da área de formação dos grupos que recebiam esse material”, completa Felipe. Os cineclubes praticamente não têm mais receita própria, portanto, para existirem dependem do Estado, então pode-se dizer que o modelo do cineclubismo atualmente é quase como uma ferramenta dele, foi retirada sua essência e aplicada de maneira a se tornar um de seus projetos. Sobre esse modelo, Diogo Gomes dos Santos afirma que o Estado quer profissionalizar o voluntariado, “Dentro dos cineclubes ainda existem alguns voluntários e militantes, mas também são profissionais. Existe uma cooperativa de produção e exibição de filmes. O Estado ‘tomou’ a nossa ideia e transformou em alguns projetos”. Um desses projetos será inaugurado por Adhemar, se chama “Cinema Perto de Você”, e é patrocinado pela Ancine, Agência Nacional do Cinema, visando levar salas de cinema para pequenas cidades do interior. Segundo Diogo, essa mudança acontece porque o cinema no Brasil não é visto como uma estratégia econômica ou de interesse para o Estado, mas apenas como lazer, “O cinema é um ‘cala-boca’ para uma certa classe social, que faz a sua atividade e tem o que dizer”. Para Diogo essa mudança é decorrente ainda da ditadura, que criou em 1969 uma empresa de produção e distribuição de filmes, a Embrafilme, Empresa Brasileira de Filmes, que conseguiu a maior reserva do nosso cinema até os dias de hoje e alcançou as maiores bilheterias. Seus filmes eram patrocinados pelo governo também como uma espécie de “cala-boca”. Esses mostravam apenas o tipo de imagem que o Estado queria passar. No decorrer dos anos, uma série de tradições do movimento cineclubista foi sendo eliminada, não há imprensa própria, as discussões acontecem majoritariamente por listas na internet, “A discussão e as informações são fracas e não estimuladas, a direção da entidade não induz grande liderança, os encontros de cineclubes não são mais organizados, as oficinas foram descaracterizadas, deixando o nível de formação dos cineclubes praticamente inexistente”, afirma Felipe. “Acredito que hoje a movimento cineclubista não tem um programa, não tem uma cara, não tem uma direção que possa ser cobrada. Ele se torna na verdade um espaço de negociação de interesses”, completa. A dúvida que fica é se essa tomada do Estado ainda pode ser considerada como cineclubismo, se as raízes ainda permanecem em um movimento que parece ter se diluído com o tempo. Apesar de o modelo de
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cineclubes ser atualmente ligado ao Estado, vários fogem a ele. Felipe Macedo acredita que o movimento em sua forma mais verdadeira existe, mesmo que timidamente: “Ainda existem vários lugares onde o cineclubismo em sua essência prevalece, e os que estão hoje descaracterizados, não são os verdadeiros cineclubes, por mais que queiram que eles não sejam organizações do público, eles são. Existem o tempo inteiro, havia cineclubes sob as piores circunstâncias da ditadura, e apesar da hegemonia do Estado, existem ainda hoje”.
Suspiro
O número 2.423 da Rua da Consolação, na esquina com a Avenida Paulista, habitava desde 1943 um cinema, se chamava Cine Triannon, até que, em 1967 foi batizado de Cine Belas Artes, nome que carregou por 44 anos, e se tornou um símbolo cultural da cidade. O espaço tinha ambições de ser diferente dos outros cinemas de São Paulo, a Sociedade de Amigos da Cinemateca era responsável pela programação, que tinha propósitos de ser divertida e ousada. Aliás, não se limitava somente a filmes, o cinema receberia também pequenas apresentações de teatro, música, dança e palestras. Para Florentino Llorente, da Sociedade de Amigos da Cinemateca, um cinema que se dedicasse à arte, era uma necessidade de São Paulo, existia um público que gostaria de ver aquele tipo de filme, e por isso havia viabilidade comercial. Segundo ele, o cinema de arte não era mais um tabu na época, e isso acontecia em parte graças aos cineclubes. Para a grande estreia do Belas Artes, eram cotados filmes de Frederico Fellini, Milus Foman e Francesco Rosi, mas para a surpresa geral, foi um filme norte-americano que inaugurou a sala de 1.400 lugares, a comédia Os Russos Estão Chegando, de Norman Jewison, filme que havia disputado vários prêmios no Oscar de 1967 e inaugurado o festival de Cannes de 1966. O começo dos anos 1980 foi turbulento, o Belas Artes, além de passar por “polêmicas culturais” por conta de sua programação, passou algumas vezes por polêmicas urbanas, como em 1981, quando uma operação da prefeitura apontou irregularidades, e quase levou o cinema a fechar as portas; e em 1982, quando aconteceu um incêndio que destruiu duas de suas salas. Esse foi apontado como criminoso, pois foi encontrado um maçarico, e o cofre tinha sinais de arrombamento. Em 1983, após a reforma por conta do incêndio, o cinema reabre ampliado e mais moderno. Havia agora seis salas, e o Belas Artes se tornava um tipo de antecessor dos cinemas multiplex da atualidade. Os cartazes
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que ficavam estampados em sua fachada praticamente se incorporavam à paisagem da cidade. No ano de 2004, com o patrocínio do banco HSBC, o ex-cineclubista André Sturm se tornou sócio-proprietário do cinema. André iniciou sua carreira como programador de cineclubes ainda quando estudava na Faculdade Getulio Vargas. Em 1890, criou a Pandora, uma distribuidora especializada em filmes de arte e clássicos do cinema. Ainda no final dos anos 80 e início dos anos 90, chefiou a programação da Cinemateca Brasileira, realizando vários eventos, e lançou além de curtas-metragens, dois longas, Sonhos Tropicais, em 2002 e Bodas de Papel em 2008. “A programação do Belas Artes, era diferente, mesmo quando comparada à programação dos outros cinemas de arte da cidade. A diversidade dos filmes e o tempo que eles ficavam em cartaz era maior. Nós os deixávamos em exibição o maior tempo possível, não porque éramos caridosos, mas porque alguns deles têm longa vida, além disso, lançamos vários filmes exclusivamente lá, tanto brasileiros quanto estrangeiros”, afirma. Um desses filmes de longa vida foi o francês Medos Privados em Lugares Públicos, de Alain Resnais, que ficou em cartaz durante três anos. O Belas Artes foi um dos principais responsáveis pela popularização dos “noitões de cinema”. Acontecia uma vez por mês, e invadia as madrugadas paulistas com sessões de três filmes – sempre bem selecionados – seguidos, um prato cheio para os cinéfilos da cidade, que não se acanhavam em participar do evento e lotavam salas. Em 31 de março de 2010, porém, o HSBC retira seu patrocínio, deixando o cinema em maus lençóis. As lutas para que mantivesse suas portas abertas foram várias, protestos nas ruas e na internet, busca por um novo patrocínio, que em novembro de 2010 foi alcançado, porém, para a surpresa geral de seus frequentadores, o proprietário do prédio não quis renovar o contrato, a não ser que o valor do aluguel subisse de 65 mil reais para 150 mil reais. Foi proposto pela administração do cinema um aumento de R$ 20 mil, mas não foi suficiente. Como última estância, houve tentativa de tombamento que durou até o final de setembro de 2011, quando foi oficialmente negada. André Sturm afirma querer reabrir o cinema, mesmo que em outro local, mas por enquanto o que se tem do Belas Artes são lembranças. O processo iniciado pelos cineclubes teve continuidade de uma maneira diferente com a sala de cinema Belas Artes. E ganhou projeção mundial logo depois, com a Mostra Internacional de Cinema. Uma iniciativa do jornalista e crítico, Leon Cakoff, em 1977, para celebrar os 30 anos do MASP, Museu de Arte de São Paulo Assis Chate-
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aubriand. Desde 1974, o Departamento de Cinema do MASP era dirigido por Leon, com programações de grande sucesso por ser composta de grandes clássicos cinematográficos, que, na época, em meio à censura, se tornara o respiro dos cinéfilos apaixonados. Com 16 longas, 7 curtas, entre eles nacionais e internacionais e um pôster desenvolvido pelo próprio criador, nascia então a 1ª Mostra Internacional de Cinema. Neste ano, o documentário 25 dos exilados Celso Luccas e José Celso Martinez Corrêa sobre Moçambique teve que vir clandestinamente para exibição na Mostra, pois a censura exigia uma sessão reservada do filme e queria sequestrar a cópia. Fez-se então valer a imunidade diplomática da mala francesa, que impede a violação de seu conteúdo. Por fim, a sessão foi um completo sucesso. Cakoff travava um briga ferrenha contra a censura de qualquer gênero, o que justifica a maneira democrática como os filmes eram eleitos vencedores em seu festival. Uma das maiores marcas da Mostra é o prêmio com voto público, criado já em sua primeira edição que teve como vencedor o brasileiro Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia, do argentino Hector Babenco. Leon Cakoff nasceu em 1948 em Alepo, na Síria, porém suas origens são armênias. Um dos maiores nomes na resistência a ditadura, formouse em São Paulo na Escola de Sociologia e Política, com especialização em Antropologia. Mas, em 1969, passou a exercer a profissão de jornalista, como repórter e crítico de cinema para várias revistas e jornais. Nascido como Leon Chadarevian, adotou o Cakoff por problemas com a ditadura, pseudônimo este que foi imortalizado por seus feitos em meio ao movimento cinematográfico. Foi ele que apresentou para o para o público paulistano e brasileiro, o cinema iraniano, o chinês da 5ª Geração. Se não fosse pela Mostra, diretores como o português Manoel de Oliveira, o mais antigo cineasta ainda em atividade, e o húngaro Béla Tarr talvez fossem até hoje desconhecidos. Produtor, cineasta e executivo, a história do cinema na capital paulista jamais seria a mesma sem a dedicação e o amor de Cakoff. A mostra seguiu com a sua programação polêmica, e na edição de 1979, exibiu lá no vão do MASP, o sensual e forte Império dos Sentidos, do japonês Osama Nashida, de 1975. O filme foi um marco na época e como só podia ser passado em salas especiais, projetado em diversas sessões de cineclubes. A partir de 1984, Leon desligou-se do cargo que exercia no Masp e carregou consigo o evento que passou a ser independente. No mesmo ano, o mandado de segurança que derrubava a censura prévia dos filmes, conseguido antes do início da Mostra, é cassado, fazendo da 8ª edição
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do evento palco de um dos maiores embates contra a censura. O filme escolhido para marcar a abertura é O Estado das Coisas, do alemão Wim Wenders, de 1981. A trama, apesar de simples, discute a impossibilidade da criação artística no fim do milênio e o impasse que o cinema europeu vivia na época. O público que estava na sala do Cine Metrópole foi surpreendido ao final da sessão com a invasão da polícia federal, e a leitura da carta de ordem de fechamento do cinema e interrupção do festival. O fato repercutiu em diversos jornais no exterior e a Mostra retomou as projeções quatro dias depois. As restrições com o mandado seguiram até 1985, quando o Ministério da Justiça criou uma portaria liquidando com a censura em torno dos festivais brasileiros. O festival chega em 2011 a sua 35ª edição, mantendo a periodicidade anual, e levando ao público filmes que fogem do comercial e que rompem com a forma e o conteúdo pré-determinados. Cada mostra tem uma cara diferente da anterior, e por conta da sofisticação e cuidado para com os filmes escolhidos, se tornou uma referência em termos de festivais mundialmente conhecidos. São Paulo passa então a ser um símbolo cultural, ganhando mais evidência do que estados onde o cinema havia chegado anos antes, como, por exemplo, o Rio de Janeiro. No entanto, a cidade é carente de uma sala de cinema tecnologicamente mais avançada, com o fim da censura em 1988, as pessoas estavam sedentas por informações, música, leituras e, claro, filmes. Com a nova situação política e de mercado, os cineclubes passam a perder sua voz. E agora, como ficam os cinéfilos? Em época em que o mundo inteiro vai aos multiplexes, o paulista com alma carioca Adhemar Oliveira estimula a exibição de um cinema menos comercial. Esta à frente de uma rede de cinemas que está em franca e impressionante expansão, o Espaço Unibanco. Adhemar foi um dos fundadores do cineclube Estação Botafogo, em 1985, seguindo o modelo do cineclube Bixiga, com uma exibição heterogênea e de qualidade, formou uma nova geração de cinéfilos e, em seguida, expandiu-se para outras salas e cidades. Em 1989, participou da criação da então Mostra Banco Nacional de Cinema, que se tornou um dos eventos cinematográficos mais importantes do calendário carioca. Projetos de expansão do Estação fizeram com que Adhemar viesse para São Paulo e se desligasse do projeto carioca, que continua em atividade até hoje. De programador do Cineclube Bexiga, em meados dos anos 1980, para pouco depois passar para o Cineclube Macunaíma, no Rio de Janeiro.
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Adhemar de Oliveira nasceu no interior de São Paulo, mas tem uma queda pela cidade maravilhosa, é formado em Ciências Sociais pela USP, Universidade de São Paulo e apaixonado por cinema como todos os cineclubistas, mas com um diferencial importante: tem visão de mercado. Exibidor, distribuidor e principalmente um agitador cultural que preservou as características de um amante dos cineclubes e as aliou às de um moderno executivo de cinema, capaz de aproveitar criativamente as vantagens das novas tecnologias da exibição e adaptá-las a conceitos inovadores, como o do arteplex, um multiplex voltado para os filmes de arte. Em 1993, inaugura em São Paulo, o Espaço Unibanco, um projeto que transformou o decadente Cine Majestic em três confortáveis salas, com projeções em 35 mm, além de uma livraria especializada e um cafébar. Para a primeira projeção foram exibidos três filmes, mas o sucesso absoluto ficou por conta de O Banquete de Casamento, do diretor taiwanês Ang Lee, a comédia com temática gay, causou alvoroço no público. Em pouco tempo, o espaço se transformou no circuito mais cultuado da região central da capital paulista, recebendo cerca de um milhão de espectadores por ano e dando à região do Baixo Augusta uma nova identidade. Foi o primeiro investimento do Unibanco S/A na área do cinema. Iniciativa essa que teve como objetivo incentivar a divulgação e exibição de produções de alta qualidade e filmes nacionais, e também permitir o acesso da população de baixa renda a produções cinematográficas. O diferencial do Unibanco Cinemas em relação às outras do setor de exibição, seria uma maior preocupação com os aspectos sociais e culturais que envolvem a atividade. Sete anos depois, Cakoff, o criador da Mostra, e Adhemar se tornaram sócios e abriram a minidistribuidora de filmes europeus, a Mais Filmes. A partir dessa sociedade nasce mais um investimento no mercado cinematográfico paulistano, a inauguração do Unibanco Arteplex em julho de 2001, com nove salas e 1.500 lugares, no shopping Frei Caneca, com o objetivo de somar a qualidade da programação do cinema de arte com o conforto de um shopping. O que ganhou forma logo na estreia, com a projeção do filme Memórias Póstumas de Brás Cubas, adaptação do romance de Machado de Assis, dirigido pelo brasileiro André Klotzel. A iniciativa pioneira foi apenas a primeira de uma série. Em 2002, foram inaugurados o Arteplex de Porto Alegre; em 2004, o de Curitiba; e, em 2005, o do Rio de Janeiro, além de já ter contratos nos mesmos moldes para novas salas em Recife e Salvador. O Espaço de Cinema totaliza hoje 72 salas é a sétima maior exibidora de filmes do país. “Hoje, as pessoas têm a opção de assistir a filmes em bons cinemas, como o Reserva Cultural, Espaço Unibanco, Cinesesc, Cine Livraria Cul-
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tura, o Belas Artes, até outro dia, o Cine Sabesp. São Paulo é a cidade com maior número de salas de cinema de arte do mundo, tirando Paris, afirma Sturm. Se você vai para Londres, não encontra tantas salas que exibem cinema não hollywoodiano, somos privilegiados aqui. Não existe um filme importante lançado no mundo que não venha para São Paulo, mesmo que demore um ano, é lançado”, completa. Seguindo esta mesma linha, de exibição de filmes alternativos, marginais e fora do eixo, a USP, juntamente com o órgão da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, funda ainda em 1993 o Cinusp, Cinema da USP, que é batizado com o mesmo nome de uma das salas do cineclube Bixiga: “Paulo Emílio”. Com o objetivo de disseminar a cultura cinematográfica e audiovisual, veiculando conhecimento através de diversas atividades de extensão com vistas à formação de público e à complementação da formação profissional dos estudantes. O grande atrativo da sala é a qualidade das mostras temáticas, além da possibilidade de assistir várias pré-estréias de filmes nacionais, na maioria das vezes com a presença de atores e diretores, e a entrada das sessões é gratuita para todo o público, não só para os alunos da USP. Apesar de pequena, apenas 100 lugares, a sala que funciona dentro da faculdade já recebeu importantes mostras como a alternativa É Tudo Verdade e a já conhecida Mostra Internacional, se tornando assim um verdadeiro santuário para os cinéfilos paulistanos. São promovidos ainda debates, palestras e após as sessões dos filmes é possível, discutir a obra com professores, alunos e com os espectadores visitantes, sempre em busca da compreensão do cinema em relação ao cotidiano, o que remete a um saudosismo em relação à atividade exercida pelos cineclubes anos antes. Com o tempo, a avenida Paulista passou a ser um reduto para os cinemas de arte e ponto de encontro de estudantes, intelectuais, descolados e para os amantes do cinema, que depois do auge do cineclubismo, não têm mais um espaço só para as suas sessões. “Acho que não podemos dizer que o cineclubismo acabou, até porque se você olhar, esses cinemas, o Belas Artes, que era meu, o Espaço Unibanco, do Adhemar, e o Reserva Cultural do Jean Thomas, são salas de cinéfilos”, questiona Sturm. Foi dentro desta atmosfera que o francês Jean Thomas Bernardini inaugurou em 2005 a Reserva Nacional de Cinema, localizada no andar térreo da Fundação Cásper Líbero, instituição que gerencia o vasto complexo de comunicações da Rede Gazeta. O espaço é composto por quatro salas de cinema, tem mais de 500 lugares e exibe filmes em 35 mm. Com o intuito de ser muito mais que uma sala de projeção, o antigo espaço contou com uma ampliação, para que abrigasse também uma livraria
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especializada, um restaurante, o Reserva Bistrô, e um adorável e concorrido café, o Pain de France, seguindo a tendência das salas de cinema que surgiram antes. Localizada no coração de São Paulo, em um dos trechos mais charmosos da cidade, a sala que ocupa o lugar do antigo Cine Gazetinha, cinema alternativo dos anos 1980, vem se consagrando como um dos complexos mais inovadores da capital, com uma programação criteriosamente selecionada, que procura exibir o melhor do cinema mundial com filmes premiados em festivais nacionais e internacionais, e com uma certa tendência por produções europeias, detalhe que talvez remeta à nacionalidade de seu dono, o que torna a Reserva um lugar único. Essas são algumas das opções que São Paulo tem a oferecer hoje, caso você queira assistir a um bom filme. As salas são mais espaçosas, com poltronas reclináveis, telas imensas e côncavas; A projeção pode ser em 35 mm, mas normalmente é digital, ou, quem sabe, em 3D. Sem falar da comodidade de restaurantes, pufes, cafés e até internet Wi-Fi. Você tem a possibilidade de escolher o seu lugar em uma tela de computador, e assistir ao filme comendo e bebendo as mais diversas coisas. Parece maravilhoso, não é mesmo? Até que: “Acho que hoje São Paulo tem muitos espaços culturais, mas ainda falta um lugar como o Cineclube Bixiga, conta saudoso, Colibri. As salas que existem hoje, já não passam os filmes clássicos, ou realmente alternativos ao mercado. Sem contar que a projeção digital é muito inferior àquela feita com película. Eu sinto falta de um cineclube”. Apenas conversando com pessoas que participaram da época de ouro do cinema em São Paulo, é que é possível se dar conta do que há atualmente, mesmo com tanta evolução, é só o que restou de um movimento, de uma paixão. Antes, tudo era ideológico e empolgante, a arte não era só pela arte, ela tinha função. Talvez, se existissem mais iniciativas como aquelas nos dias de hoje, as coisas poderiam ser diferentes. Mesmo sem a pipoca, somos todos órfãos de um cineclube de verdade.
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AGRADECIMENTOS Aos pais Ana da Silva, Antônio de Oliveira, Jorgina Oliveira e Luzia Pereira, pela paciência e motivação; às irmãs Camila Oliveira, pelo apoio que se manteve apesar da distância, e Flávia Ferreira, pela ajuda em todo o processo de formação acadêmica, por ser um espelho e pelas palavras corrigidas. Aos amigos Angélica Silva, pelo suporte incansável; Flávia Travaglini, pela ajuda na escolha do curso de Jornalismo; Marcelo Gripa, o chefe que compreendeu e auxiliou desde o primeiro dia; e Thiago Lemos, pela inspiração, ajuda e arte. Aos professores André Carrieri, José Alves Trigo, Marco Moretti e Newton Pereira, que nos orientaram. A todos os entrevistados, em especial Diogo Gomes dos Santos, Felipe Macedo e Frank Ferreira, que nos doaram as memórias que tentamos reproduzir nesta homenagem ao cineclubismo. Sem a ajuda de vocês este projeto não existiria. Muito obrigado.
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