TCC arqurbuvv MUSEU SOLAR MONJARDIM: REQUALIFACAÇÃO PAISAGÍSTICA

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UNIVERSIDADE VILA VELHA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO

NAYHARA MARTINS DOS SANTOS

MUSEU SOLAR MONJARDIM: REQUALIFICAÇÃO PAISAGÍSTICA

VILA VELHA 2017


NAYHARA MARTINS DOS SANTOS

MUSEU SOLAR MONJARDIM: REQUALIFICAÇÃO PAISAGÍSTICA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Vila Velha como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Simone Neiva Loures Gonçalves

VILA VELHA 2017


NAYHARA MARTINS DOS SANTOS


AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida e pela alegria de me proporcionar tantas pessoas queridas em minha trajetória. À minha querida mãe, Romilda, que sempre me incentivou e acreditou no meu potencial. Obrigada pelo apoio, amizade, paciência e sobretudo pelo amor incondicional. Ao meu pai e ao meu irmão, pelo carinho e apoio. Ao amor da minha vida, Ramon, pelo companheirismo, incentivo e pela ajuda nos momentos difíceis. À minha família, por todo apoio e suporte nestes cinco anos de caminhada. Aos mestres, pelo conhecimento disseminado, exemplos de profissionais e seres humanos. À minha orientadora Prof.ª Dr.ª Simone Neiva, pelo aprendizado compartilhado, paciência e carinho. Ao meu co-orientador Prof.º Ms. Alexandre Nicolau, pelas contribuições a este trabalho. À arquiteta e urbanista Patrícia Cordeiro, por ter aceitado o convite para compor a banca examinadora, compartilhando seus conhecimentos. Ao Antônio Carlos Mosquito e ao IPHAN, pela solicitude, transparência e ajuda. Às amigas e amigos do curso de arquitetura, que trilharam esse caminho comigo: Alyne Luiza, Vivianni Pifano, Vanderlúcio de Paula, Mariana Cézar, Carolina Borges, Danilo Moreto, Bárbara Bins, Bruna Pavese e, em especial, à amiga Sabrina Recepute, pela amizade para toda a vida, pela parceria, conversas e compreensão. Por fim, a querida amiga arquiteta Renata Morelato, parceira de todas as horas, que tanto me ajudou nesses anos de graduação. A todos, minha imensa gratidão.


“Em cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior, com planícies invioláveis, vales de silêncio e paraísos secretos” Antoine de Saint- Exupéry


RESUMO O Museu Solar Monjardim é a mais antiga construção rural particular do período colonial capixaba. Este trabalho visa a requalificação paisagística do terreno do museu, situado no bairro Jucutuquara, na cidade de Vitória- ES. A requalificação paisagística é um conjunto de medidas e ações que surgem com o objetivo de aplicar a determinada área um valor, isto é, conferir-lhe nova vida ou utilização. Por esta razão, foram analisadas as tipologias urbanas recorrentes, que compõe o chamado “recinto urbano”, tais como jardins, praças e parques. Como proposta de requalificação, foi desenvolvido um projeto paisagístico para a área de intervenção, com o objetivo de criar um parque urbano integrado ao Museu Solar Monjardim.

Palavras – chave: Museu. Paisagismo. Parque urbano. Requalificação.


ABSTRACT The Monjardim Solar Museum is the oldest private rural construction of the colonial period of the state of Espírito Santo. This work aims at the landscape requalification of the land, located in Jucutuquara neighborhood, in the city of Vitória-ES. Landscaping requalification is a set of measures and actions that was designed in order to apply a value to a given area, that is, to give it new life or use. For this reason, it’s analyzed the recurrent urban typologies that make up the so-called "urban area", such as gardens, squares and parks. As a proposal for requalification , a landscaping project was developed for the intervention area, with the objective of creating an urban park integrated to the Monjardim Solar Museum.

Key – words: Museum. Landscape. Urban Park. Requalification.


LISTA DE FIGURAS Figura 1. Perspectiva da Vila de Vitória, Capitania do Espírito Santo, 1805, feita por Joaquim Pantaleão Pereira da Consta, copiada do original no ano de 1811 por José Castanheda. Fonte:<http://www.arq.ufmg.br/nehcit/vitoria/iconografia/5dl0016.jpg.> .................... 25 Figura 2. Bairros integrantes da antiga Fazenda Jucutuquara. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_ 2000_ UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2016) .................................................................................................................................. 26 Figura 3. Gravura do Príncipe Maximiliano de Weid-Neuwied, onde se destacam os elementos

da

paisagem

da

região

de

Jucutuquara

no

séc.

XIX.

Fonte:<http://www.unoparead.com.br/sites/museu> ................................................. 28 Figura 4.Construção da Av. Paulino Muller, com o Solar ao fundo, 1930. Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN ...................... 30 Figura 5. Imagem do Sítio Roberto Burle Marx. Fonte: <http://www.nybooks.com/daily/2016/06/02/roberto-burle-marx>................... 37 Figura 6. Praça da Sé, São Paulo. Fonte:<http://blog.bestday.com.br/wp-content/uploads/2015/04/Se-Cathedral-in-saopaulo.jpg .................................................................................................................... 38 Figura

7.

Parque

público

urbano

em

Berlim.

Fonte:<http://blog.friendlyrentals.com/es/berlin/general> .......................................... 39 Figura 8. Planta de Situação da Residência Moreira Salles. Fonte: <https://casasbrasileiras.files.wordpress.com/2011/08> ................................ 42 Figura 9. Planta Geral do Projeto original de Burle Marx. Fonte: SANTOS, Eloisa. Os jardins da residência Moreira Salles. O projeto original de Burle Marx e a restauração de Isabel Duprat (2007) ................................................. 43 Figura 10. Fachada frontal e passeio de acesso – Instituto Moreira Salles. Fonte: <http://www.ims.com.br/ims/instituto/unidades/rio-de-janeiro> ...................... 44 Figura 11. Jardim geométrico - Proposta de Burle Marx. Fonte: SANTOS, Eloisa. Os jardins da residência Moreira Salles. O projeto original de Burle Marx e a restauração de Isabel Duprat (2007) ................................................. 45 Figura 12. Jardim geométrico. Fonte: <http://www.panoramio.com/photo/51682530> .............................................. 45


Figura 13. Pátio interno - Projeto de Burle Marx. Figura 13. Pátio interno - Projeto de Burle Marx. Fonte: SANTOS, Eloisa. Os jardins da residência Moreira Salles. O projeto original de Burle Marx e a restauração de Isabel Duprat (2007) ................................................. 46 Figura 14. Pátio interno - Instituto Moreira Salles. Fonte: <http://www.ims.com.br/ims/instituto/unidades/rio-de-janeiro> ...................... 46 Figura 15. Área da piscina. Fonte: SANTOS, Eloisa. Os jardins da residência Moreira Salles. O projeto original de Burle Marx e a restauração de Isabel Duprat (2007) ................................................. 47 Figura 16. Painel de azulejos - Autoria de Burle Marx. Fonte: <http://oglobo.globo.com/rio/bairros/painel-de-beleza-importancia-historica-nomoreira-sales-5729626> ........................................................................................... 48 Figura 17. Imagem da piscina- Instituto Moreira Salles. FONTE: <http://www.ims.com.br/ims/instituto/unidades/rio-de-janeiro> ................... 48 Figura 18. Lista dos pontos positivos do projeto. Fonte: Acervo da autora(2017).................................................................................. 49 Figura 19. Planta de localização do Parque da Juventude. Fonte: < https://arcoweb.com.br/projetodesign/arquitetura/> .................................... 50 Figura 20. Implantação geral do Parque da Juventude. Fonte: < https://arcoweb.com.br/projetodesign/arquitetura/> .................................... 51 Figura 21. Parque Institucional - Praça central e os 4 edifícios do entorno. Fonte:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.162/5213?page=3> ... 52 Figura 22. Edifício da Biblioteca. Fonte: < https://teoriacritica13ufu.wordpress.com/> .................................................. 52 Figura

23.

Recorte

da

área

que

compreende

o

Parque

Central.

Fonte:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.162/5213?page=3> ... 53 Figura

24.

Ambiências

do

Parque

Central.

Fonte:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.162/5213?page=3> ... 54 Figura 25. Corte esquemático do mirante linear. Fonte: < http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/12.046/3953> ................... 55 Figura 26. Deck elevado sobre estruturas remanescentes. Fonte: < http://vejasp.abril.com.br/materia/santana-parque-da-juventude> .............. 56 Figura

27.

Jardim

gramado

do

Parque

Central.

Fonte:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.162/5213?page=3> ... 56


Figura

28.

Corte

esquemático

da

ponte

sobre

o

córrego

Carajás.

Fonte:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.162/5213?page=3> ... 57 Figura

29.

Planta

geral

do

Parque

Esportivo.

Fonte:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/14.162/5213?page=3> ... 57 Figura 30. Quadras esportes e alameda central. Fonte: < https://teoriacritica13ufu.wordpress.com/> .................................................. 58 Figura 31. Pista de skate. Fonte: < https://teoriacritica13ufu.wordpress.com/> .................................................. 59 Figura 32. Lista dos pontos positivos do projeto. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 59 Figura 33. Imagem aérea do terreno. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 62 Figura 34. Recorte do zoneamento do PDU. FONTE: Lei 6.705 - Plano diretor Urbano de Vitória - com inserção da autora (2017) .................................................................................................................................. 63 Figura 35. Imagem da edificação de uso misto adjacente ao museu. Fonte: Acervo da autora(2017) .............................................................................................................. 64 Figura 36. Avenida Paulino Muller. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 66 Figura 37. Fachada posterior do museu. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 69 Figura 38. Vista da janela frontal do museu para o terreno. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 71 Figura 39. Tipologia de mobiliário existente. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 73 Figura 40. Imagem da vegetação. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 75 Figura 41. Mosaico de texturas encontradas na área de intervenção. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 79 Figura 42. Setor 01 do anteprojeto. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 86 Figura 43. Vista do estacionamento. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 87 Figura 44. Vista do bicicletário.


Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 88 Figura 45. Guarita de acesso. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 89 Figura 46. Caminho em pedriscos. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 89 Figura 47. Deck do estacionamento. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 90 Figura 48. Calçada ampliada. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 91 Figura 49. Setor do anfiteatro. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 92 Figura 50. Deck e anfiteatro. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 93 Figura 51. Área central. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 94 Figura 52. Caminhos e fachada principal. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 95 Figura 53. Área interativa e de recreação. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 96 Figura 54. Vista para área interativa. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 97 Figura 55. Vista integral do setor 4. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 98 Figura 56. Deck frontal. Fonte: Acervo da autora (2017)................................................................................. 99 Figura 57. Setor 05. Fonte: Acervo da autora (2017)............................................................................... 100 Figura 58. Vista superior da área do café. Fonte: Acervo da autora (2017)............................................................................... 101 Figura 59. Ambiência do café. Fonte: Acervo da autora (2017)............................................................................... 102 Figura 60. Espelho d'água e jardim vertical. Fonte: Acervo da autora (2017)............................................................................... 103 Figura 61. Vista do caminho de pedra e jardim vertical.


Fonte: Acervo da autora (2017)............................................................................... 104 Figura 62. Vista superior do terreno do museu. Fonte: Acervo da autora (2017)............................................................................... 105


LISTA DE MAPAS Mapa 01. Uso e ocupação do solo. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_2000_UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2017).........................................................................................................................65 Mapa 02. Vias e acessos. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_2000_UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2017).........................................................................................................................68 Mapa 03. Tipos de solo e pavimentação. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_2000_UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2017).........................................................................................................................70 Mapa 04. Vegetação. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_2000_UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2017).........................................................................................................................72 Mapa 05. Infraestrutura e mobiliário. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_2000_UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2017).........................................................................................................................74 Mapa 06. Microclima. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_2000_UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2017).........................................................................................................................76 Mapa 07. Problemas encontrados. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_2000_UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2017).........................................................................................................................78 Mapa 08. Setorização da proposta em bolhas. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_2000_UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2017).........................................................................................................................82 Mapa 09. Setores do anteprojeto. Fonte: Geobases Sistema Sirgas_2000_UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2017).........................................................................................................................85


LISTA DE TABELA Tabela 1. Problemas e Diretrizes. Fonte: Acervo da autora (2017) .................................................................................77


LISTA DE ABREVIAÇÕES

APP - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE AV - AVENIDA IMS - INSTITUTO MOREIRA SALLES IPHAN - PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL PDU - PLANO DIRETOR URBANO SP –SÃO PAULO SPHAN - SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL UFES - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO UVV – UNIVERSIDADE VILA VELHA ZOL – ZONA DE OCUPAÇÃO LIMITADA ZPA – ZONA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL


SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 20 1.1 OBJETIVOS GERAIS ...................................................................................... 22 1.2 METODOLOGIA .............................................................................................. 22 2. CONTEXTO HISTÓRICO...................................................................................... 24 2.2 A RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA MONJARDIM .................................................... 27 3. REQUALIFICAÇÃO PAISAGÍSTICA ..................................................................... 33 3.1 INTRODUÇÃO À ARQUITETURA PAISAGÍSTICA ......................................... 34 3.2 TIPOLOGIAS DE ESPAÇOS LIVRES ............................................................. 36 3.2.1 JARDINS ................................................................................................... 36 3.2.2 PRAÇAS .................................................................................................... 37 3.2.3 PARQUES ................................................................................................. 38 4. ESTUDO DE CASO .............................................................................................. 42 4.1 PROJETO DE ROBERTO BURLE MARX PARA OS JARDINS DA RESIDÊNCIA DE WALTHER MOREIRA SALLES................................................. 42 4.2 PROJETO DE ROSA KLIASS PARA O PARQUE DA JUVENTUDE ............... 50 5. PERCEPÇÕES E ANÁLISES ................................................................................ 62 5.1 ANÁLISES DO ENTORNO .............................................................................. 63 5.2 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO ....................................................................... 64 5.3 VIAS E ACESSOS ........................................................................................... 66 5.4 TIPOS DE SOLO E PAVIMENTAÇÃO ............................................................. 69 5.5 VEGETAÇÃO ................................................................................................... 71 5.6 INFRAESTRUTURA E MOBILIÁRIO ............................................................... 73 5.7 MICROCLIMA .................................................................................................. 75 5.8 SÍNTESE GERAL DA ANÁLISE ....................................................................... 77 5.9 SETORIZAÇÃO DA PROPOSTA EM BOLHAS ............................................... 81 6. PROJETO ............................................................................................................. 84 6.1 CONCEITO PROJETUAL ................................................................................ 84 6.2 SETOR 01_ÁREA DO ESTACIONAMENTO ................................................... 86 6.3 SETOR 02_ÁREA DO ANFITEATRO .............................................................. 91 6.4 SETOR 03_ÁREA CENTRAL .......................................................................... 93 6.5 SETOR 04_ÁREA INTERATIVA E DE RECREAÇÃO ..................................... 95 6.6 SETOR 05_ÁREA DO CAFÉ E MUSEU .......................................................... 99 6.7 SÍNTESE DA PROPOSTA ............................................................................. 104 7. CONCLUSÃO ...................................................................................................... 107


8. REFERÊNCIAS ................................................................................................... 108 9. APÊNDICES ........................................................................................................ 110



1. INTRODUÇÃO A colonização do solo capixaba foi iniciada em meados do século XVI e estruturou-se ao redor do núcleo colonial originário, conhecido à época pelo nome de Vila da Vitória. A Sede da capitania, a princípio, restringiu-se à ocupação da estreita faixa territorial localizada entre as montanhas e a baía. Dentre os motivos que ensejaram a localização estratégica da Vila da Vitória, incluem-se, dentre outros, a ameaça da invasão estrangeira, a resistência indígena e a falta de recursos do donatário da capitania. Assim, não foram muitas as áreas que extrapolaram o assentamento originário. A Fazenda Jucutuquara, nesse contexto, constituía exceção por estar implantada numa área subpovoada da Colônia capixaba. Retratada e descrita por exploradores e naturalistas europeus, como, por exemplo, Auguste de Saint-Hilaire, a Sede da Fazenda Jucutuquara, hoje sede do Museu Solar Monjardim, foi um verdadeiro marco da arquitetura colonial do Estado do Espírito Santo, o que levou ao seu tombamento no ano de 1940 pelo SPHAN, entidade então responsável pela curadoria do patrimônio histórico nacional. O primeiro capítulo introduz o tema deste trabalho, cujo objetivo é a requalificação paisagística do terreno do Museu Solar Monjardim, a fim de reinseri-lo no contexto urbano contemporâneo na forma de parque urbano. Afinal, por se tratar de um dos melhores exemplares da arquitetura rural do litoral sudeste do Brasil, justifica-se a sua conservação e requalificação pelo testemunho que fornece do passado colonial. O segundo capítulo do presente trabalho discorre sobre a contextualização histórica do Estado do Espírito Santo, desde sua formação colonial, passando pela criação da fazenda Jucutuquara no ano de 1805 até sua reabertura com o nome de Museu Solar Monjardim na década de 1980. Em sequência, no terceiro capítulo, é aprofundado o conceito-chave de requalificação paisagística, que norteia a proposta inicial desse trabalho. Esse conceito, muito utilizado nas últimas décadas, pode ser delineado sucintamente como um processo 20


que visa a melhoria estética e funcional de áreas desgastadas, em desuso ou que necessitam de alguma renovação no âmbito urbanístico, ambiental e paisagístico. Ainda nesse capítulo, é apresentada a história da arquitetura paisagística, tendo como referência a obra de Benedito Abbud e Juan Luis Mascaró. Por fim, são analisadas algumas tipologias paisagísticas recorrentes, como jardins, praças e parques, tendo em vista que a área do Museu Solar Monjardim, alvo da proposta de requalificação paisagística, melhor se adequou à tipologia de parque urbano. No quarto capítulo foram analisados dois projetos de renomados arquitetos paisagistas brasileiros: o primeiro, projeto de Roberto Burle Marx para os jardins da residência de Walther Moreira Salles, atual sede do Instituto Moreira Salles, localizado na cidade do Rio de Janeiro; e o segundo, projeto de Ana Rosa Kliass para o Parque da Juventude, na cidade de São Paulo. Os estudos de caso justificam-se pelo fato de fornecerem parâmetros que serviram como referencial de projeto para a proposta de requalificação paisagística apresentada nesse trabalho. Em seguida, no capítulo cinco, para melhor compreender o contexto no qual a área de intervenção e seu entorno estão inseridos, foram apresentados os mapeamentos das características bióticas e abióticas, classificadas em: uso e ocupação do solo; vias e acessos; tipos de solo e pavimentação; vegetação; infraestrutura e mobiliário; microclima. Por último, no capítulo seis, foi apresentada a proposta projetual, ancorada no conceito de intervenção mínima. Para melhor compreender a proposta, o presente trabalho foi dividido em cinco setores, que serão aprofundados neste capítulo: setor 01_área do estacionamento; setor 02_área do anfiteatro; setor 03_área central; setor 04_área interativa e de recreação; setor 05_área do café e museu.

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1.1 OBJETIVOS GERAIS Desenvolver um projeto paisagístico, a nível de anteprojeto, com o objetivo de requalificar e proporcionar interação entre arquitetura, natureza e cultura local no terreno do Museu Solar Monjardim, localizado no bairro de Jucutuquara, Vitória- ES. 1.2 METODOLOGIA Com o objetivo de alcançar uma proposta de requalificação efetiva, o presente trabalho seguiu a seguinte metodologia: 

Análise histórico-social do município de Vitória, com ênfase no bairro de Jucutuquara;

Estudo do tema requalificação paisagística;

Análise das tipologias de espaço livres de uso público;

Estudo de caso de projetos paisagísticos, com a finalidade de obter referenciais projetuais;

Análise e mapeamento de características da área de intervenção;

Síntese dos pontos negativos encontrados nos mapeamentos;

Discriminação das diretrizes projetuais a partir dos pontos negativos identificados;

Setorização da proposta projetual, a partir do levantamento das diretrizes;

Desenvolvimento do estudo preliminar;

Entrega do anteprojeto da proposta de requalificação.

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2. CONTEXTO HISTÓRICO A economia do Brasil Colônia (século XV-XVIII) não pode ser compreendida fora do contexto do universo mercantilista, cuja base era o Pacto Colonial. O historiador Francisco Iglésias esclarece que o Pacto Colonial era um sistema de leis e normas no qual “a Colônia existe para fornecer matéria-prima para a Metrópole” (IGLESIAS,1993, p.78). Nessa conjuntura, toda a economia do Brasil colonial estava orientada para a produção de excedentes agrícolas, que seguiam em grandes linhas o esquema clássico – monocultura, latifúndio, escravidão. O Espírito Santo, com efeito, não poderia ser exceção ao modelo econômico mercantil então vigente. Contudo, em comparação com as prósperas sesmarias localizadas no Nordeste, a capitania capixaba apresentava sinais de pobreza econômica desde a sua formação. Dentre os fatores que levaram à fragilidade econômica da capitania do Espírito Santo, destacam-se a falta de recursos do donatário, a resistência indígena e, ainda, o perigo das invasões estrangeiras, a exemplo das incursões de franceses e ingleses na costa brasileira (CAMPOS JÚNIOR, 1996). Tais considerações reforçam o sentido estratégico do local de implantação da Vila da Vitória, no século XVI, numa apropriação da geografia recortada da baía, assim como da topografia acidentada, num sítio mais favorável à defesa das investidas inimigas. Esse modelo de ocupação da ilha, iniciado no século XVI, persiste até o final do XIX, de modo que a cidade de Vitória, ainda chamada Vila da Vitória, se restringia ao pequeno núcleo urbano localizado entre as montanhas e a baía (fig.1).

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Figura 1. Perspectiva da Vila de Vitória, Capitania do Espírito Santo, 1805, feita por Joaquim Pantaleão Pereira da Consta, copiada do original no ano de 1811 por José Castanheda.

Fonte: Memória visual - Baía de Vitória (2016)

Assim, não são muitas as áreas que extrapolam o núcleo colonial originário. Campos Júnior menciona a ocorrência de “habitações rareadas de alguns sitiantes” no percurso de ligação entre o núcleo urbano e a fazenda Jucutuquara (CAMPOS JÚNIOR, 1996, p.127). A fazenda Jucutuquara, como se vê, já era à época um marco da colonização. Sandra Daniel, no livro “Jucutuquara”, explica que no século XVII a fazenda em questão era uma das maiores e mais importantes da Capitania capixaba (DANIEL, 1999). Situada na zona rural, a fazenda Jucutuquara, ficava a uma distância aproximada de uma hora e meia a cavalo da vila da Vitória e se dedicava ao cultivo da cana-deaçúcar, do algodão, da mamona, da mandioca, dos cereais, da produção de sal e da criação de gado.

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Seus limites abrangiam grandes áreas verdes, mangues e morros, e se estendiam até a Baía da Vila da Vitória, compreendendo os bairros atuais de Jucutuquara, Lourdes, Santa Maria, Forte de São João, Santa Cecília, Romão, Cruzamento, Fradinhos e o Centro de Vitória (fig. 02). Figura 2. Bairros integrantes da antiga Fazenda Jucutuquara.

Fonte: Geobases Sistema Sirgas_ 2000_ UTM_ ZONE_ 24S – com inserções da autora (2016)

Leonardo Monjardim, autor do livro “História política da família Monjardim”, narra que o Solar, sede da fazenda Jucutuquara, foi construído no final do século XVIII, por determinação de Francisco Pinto Homem de Azevedo – que viria a ser o avô do Barão de Monjardim (MONJARDIM, 2013).

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A sede começou a ser construída no final do século XVIII e ficou pronta no início do século XIX, por volta de 1805. No ano de 1816, a propriedade passa efetivamente ao patrimônio da família Monjardim, como dote de casamento de Dona Ana Francisca Maria da Penha Homem de Azevedo, filha única do capitão-mor Francisco Pinto Homem de Azevedo, com José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim, filho do capitão-mor Governador Inácio João Monjardim (1742-1822). Portanto, constata-se que a fazenda Jucutuquara foi um marco da colonização capixaba, pois, apesar de não estar localizada no núcleo urbano originário da capitania do Espírito Santo, contemplava significativa extensão territorial, além de desempenhar protagonismo na atividade latifundiária. Em seguida, será analisada com maior profundidade o percurso histórico da fazenda. 2.2 A RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA MONJARDIM Em 1810, dá-se o processo conhecido como “abertura dos portos”, período marcado pelo grande afluxo de pessoas e mercadorias estrangeiras na colônia. Nesse contexto, aporta na capitania do Rio de Janeiro a chamada “Missão Artística Francesa de 1816”. A historiadora Lilian Moritz (2016) assinala que, dentre outros integrantes, tal Missão fora composta por nomes ilustres como Joaquim Lebreton1, Jean-Baptiste Debret2, Nicolas-Antoine Taunay3 e Grandjean de Montigny4. Assim, não é de se estranhar a visita de dois naturalistas europeus, no mesmo período, à capitania do Espírito Santo.

Antigo diretor do Louvre Pintor e primo de Jacques-Louis David, o grande artista da corte de Napoleão 3 Professor do Instituto de França e pintor de paisagem 4 Arquiteto do Instituto de França

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O príncipe holandês Maximiliano Alexander Philipp de Wied-Neuwied, pioneiro na exploração e descrição das paisagens capixabas, deixou, como era comum à época, registro escrito de suas andanças no livro “Viagem ao Brasil (1815-1817) ”. Dentre suas anotações, destaca-se o breve excerto no qual o príncipe holandês descreve a Sede da fazenda Jucutuquara (fig.3), que, nas suas palavras, seria uma “casa alvejante” de uma fazenda “pertencente a um senhor Pinto”, isto é, o capitãomor Francisco Pinto Homem de Azevedo (WIED-NEUWIED, 1940, p. 145). Figura 3. Gravura do Príncipe Maximiliano de Weid-Neuwied, onde se destacam os elementos da paisagem da região de Jucutuquara no séc. XIX.

Fonte: Museu de Imagem e História (2016).

Cerca de dois anos depois, já em 1818, Jucutuquara foi visitada pelo naturalista francês Saint-Hilaire, que descreveu no livro “Segunda Viagem ao Brasil” as seguintes impressões sobre a Vila da Vitória: A Vila de Vitória estava escondida, por fim; entretanto, algumas cabanas apareciam aqui e ali sobre os morros e a visão da bela residência de Jucutacoara tornava menos austera a das montanhas vizinhas (SAINTHILAIRE, 2002, p. 37).

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O naturalista francês reservou algum tempo para observar a vegetação típica dos manguezais que então recobriam a Sede da fazenda – hoje inexistentes, em virtude das sucessivas intervenções urbanísticas na região. No diário de viagem, datado de 9 de outubro de 1818, é possível extrair a seguinte descrição: A habitação de Jucutacoara, para a qual me dirigira, estava construída na localização mais agradável. Era grande, regular; erguia-se a meia encosta sobre o monte coberto de erva rasteira. Em frente à casa estende-se um vale cortado por um regato ladeado por montanhas cobertas de mato, a mais notável das quais era a que dá nome à própria habitação (SAINT-HILAIRE, 2002, p.37).

O naturalista francês também não descuidou da presença de mão-de-obra escrava na fazenda Jucutuquara e dos cultivos agrícolas ali desenvolvidos: Grandes rochedos estão dispersos pelo vale. Um engenho e choupanas de negros foram construídos à direita e à esquerda, abaixo da residência do dono. Na extremidade do vale, havia uma plantação de uma cana-de-açúcar, no meio da qual a vista pousa sobre um grupo de elegantes palmeiras; vêm a seguir os mangues; mais adiante, divisa-se parte da baía e, além, algumas montanhas que a limitam ao Sul. [...] Herdeiro do conhecimento dos métodos que os jesuítas introduziram na administração de suas terras, o senhor Pinto tratava seus negros com humanidade [...]. Tinha o cuidado de uni-los e, por sábias medidas, conservava as crianças junto de suas mães (SAINTHILAIRE, 2002, p.37).

A edificação, projeto de autor desconhecido, possui 406 metros quadrados de área construída e está implantada na encosta do morro. Sua fachada principal é voltada para a Baía de Vitória, o que, na época, proporcionava o controle das terras, a proteção contra os ataques de índios e ventilação favorável. Do ano da entrega do dote (1816) até 1940, a fazenda Jucutuquara foi propriedade e residência rural, permanente ou temporária, de acordo com os interesses administrativos, políticos, sociais, de saúde, de lazer, e mesmo de segurança, da 29


família Monjardim (fig. 4). Contudo, é relevante destacar que a propriedade, embora tenha permanecido como moradia dos descendentes da família Monjardim, ao longo dos anos sofreu desmembramentos de suas terras por força de vendas e partilhas. Figura 4.Construção da Av. Paulino Muller, com o Solar ao fundo, 1930.

Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (2016).

Em virtude do seu valor histórico e cultural, em 25 de outubro de 1940 a edificação é tombada pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, sendo considerada pelos técnicos do órgão como um dos melhores exemplares da arquitetura rural do litoral sudeste do Brasil. Após, o prédio foi alugado ao governo do Estado do Espírito Santo nos anos de 1942, de 1944 a 1964, com a finalidade de abrigar o Museu Capixaba. Em seguida, entre 1964 e 1969, período em que esteve sob a gestão da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, a edificação abrigou o Museu de Arte e História, resultado da junção dos acervos do Museu Capixaba e Museu de Arte Sacra. Já na década de 1980, a Sede da fazenda Jucutuquara é reaberta com o nome de Museu Solar Monjardim, agora administrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Deste modo, a relevância arquitetônica da fazenda Jucutuquara é atestada pela sua presença nos relatos dos naturalistas europeus, que descrevem o porte da edificação, 30


sua atividade produtiva, seus hábitos e costumes, bem como a paisagem do entorno. Ademais, em que pesem as mudanças históricas e urbanísticas testemunhadas pela região ao longo das décadas, a edificação conservou seus traços originais.

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3. REQUALIFICAÇÃO PAISAGÍSTICA Em linhas gerais, pode-se definir requalificação como um conjunto de atividades que visam melhorar uma zona pública a nível urbanístico, ambiental, paisagístico, etc. Partindo dessa premissa, a requalificação pode ser caracterizada como um conjunto de medidas e ações que objetivam aplicar a determinada área um valor, isto é, conferir-lhe nova vida ou utilização. Tal processo, em suma, visa a melhoria estética e funcional de áreas que se encontram desgastadas, em desuso ou que necessitam de alguma renovação. No processo de requalificação deve-se levar em consideração a história, a cultura e as condicionantes do sítio. Este mesmo conceito pode ser empregado nos processos de requalificações paisagísticas. De um modo geral, a requalificação acaba por agregar novos valores ao patrimônio e a paisagem, de forma que a valorização dessas áreas culturais. Desse modo, é indispensável a requalificação paisagística em áreas de patrimônio histórico e de promoção cultural, pois as cidades se valem desses conjuntos como principais meios de vender e projetar sua imagem e atrair movimento de pessoas e diversidade de usos. Contudo, a requalificação da paisagem, seja urbana ou cultural, é um conceito relativamente recente, surgido no final do século XIX. Sua primeira manifestação remonta ao experimento americano da City Beautiful, cujo traço determinante era a requalificação do espaço através de projetos de edifícios monumentais, à maneira da Paris de Haussmann. Entretanto, Jane Jacobs, no clássico Morte e Vida das Grandes Cidades, observa que o modelo americano não foi adiante, pois, além de privilegiar tão somente o lucro, não tinha cunho social (JACOBS, 2011).

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Com efeito, a requalificação urbana deve, portanto, privilegiar a dimensão social, ser implementada em harmonia com o presente, sem descuidar da memória histórica, e em conexão com o futuro. Logo, pode-se afirmar que a justificativa do processo de requalificação tem por premissa a ideia de espaço enquanto palco, “onde ocorrem diversos processos de troca e vivências urbanas” (PESCARINI, 2003, p. 38). Ademais, a requalificação proposta neste trabalho também é orientada pela lição da historiadora francesa Françoise Choay, na obra “A alegoria do patrimônio”, que enfatiza o papel da arquitetura como disciplina responsável por “conservar vivo um laço com o passado ao qual devemos nossa identidade, e que é parte do nosso ser” (CHOAY, 2006, p.139). Neste panorama, conclui-se que a proposta de requalificar o terreno do museu não diverge dos preceitos acima citados, objetivando, de forma geral, sua reestruturação como área de uso público, em forma de parque urbano, para uso da comunidade local e dos bairros adjacentes.

3.1 INTRODUÇÃO À ARQUITETURA PAISAGÍSTICA O paisagismo é a “única expressão artística em que participam os cinco sentidos do ser humano”, ensina Benedito Abbud. De fato, diferentemente da arquitetura, da pintura, da escultura e das demais artes plásticas que demandam exclusivamente o sentido da visão, o paisagismo envolve também os sentidos do olfato, da audição, do paladar e do tato. Tal amplitude, sem dúvidas, proporciona uma vivência sensorial mais rica, ao somar as mais diversas experiências perceptivas contidas em uma paisagem (ABBUD, 2010, p. 15). A diversidade de experiências perceptivas, citada acima, é consequência da pluralidade de elementos e condicionantes da natureza que compõem a essência do espaço paisagístico, a saber: o ar, a água, o fogo, a terra, a flora, a fauna e o tempo. Portanto, o trabalho da paisagem deve considerar a presença desses elementos dinâmicos, dispondo de formas espaciais fluidas, livres e instáveis, que limitam e 34


subdividem espaços e se estendem pela paisagem do entorno, a fim de criar a composição paisagística desejada (ABBUD, 2010). Em virtude do contato permanente entre o homem e a natureza e seus elementos, a história da humanidade não é outra senão a história da paisagem. Tim Waterman (2010), estudioso americano do paisagismo, ensina que: As pessoas há milênios sentem a necessidade de construir e criar, não apenas para atender às necessidades primárias de alimentação, abrigo e companhia, mas também para edificar monumentos gloriosos que simbolizem suas ambições coletivas (WATERMAN, 2010, p.12).

Em outras palavras, a paisagem não é somente um meio do qual o homem se vale para satisfazer as exigências de subsistência e conforto. O entorno paisagístico aponta para a constante necessidade humana de construir sentidos e significados que superem a mera construção de abrigos para fins de habitação. A paisagem é um símbolo daquilo que é imaterial e necessita ser preservado. Da maneira praticada atualmente, a arquitetura paisagística é distinta de suas raízes históricas na jardinagem paisagística, e ainda se encontra em uma trajetória em evolução. Sílvio Soares Macedo, no artigo “O paisagismo moderno brasileiro – além de Burle Marx”, publicado na revista eletrônica Paisagens em Debate, define arquitetura paisagística como: [...] um processo de criação e/ou readequação intencional e formal de um espaço livre urbano, que se direciona para a formalização de praças, pátios, jardins, calçadas, calçadões, parques e áreas de conservação, em especial (MACEDO, 2003, p. 2).

Desse modo, a arquitetura paisagística está presente na dinâmica das cidades e diretamente associada à presença humana, tendo em vista que ela pode ser 35


visualizada nas mais diversas instâncias, como, por exemplo, em residências familiares, bairros, ruas e centros urbanos. Assim, diante de sua relevância social, com impactos imediatos na qualidade de vida, ambiental, visual, etc., há necessidade de se promover melhores espaços verdes dentro de grandes áreas urbanas, que é a proposta deste trabalho.

3.2 TIPOLOGIAS DE ESPAÇOS LIVRES Não existe projeto de paisagismo sem definição do conceito de lugar. Segundo Abbud, lugar é “todo espaço agradável que convida ao encontro das pessoas ou ao nosso próprio encontro” (ABBUD, 2010, p.24). Os espaços paisagísticos devem estimular a permanência e a prática de atividades distintas como, dentre outras, ler, meditar, descansar, conversar ou simplesmente contemplar os elementos integrantes da paisagem. O espaço de uso público compreende tipologias diversas, tais como jardins, praças e parques. Para Mascaró, tais ambiências são denominadas de “recintos urbanos” que, nas suas palavras, consistem em “espaços criados através da delimitação da natureza e definido por dois planos: o piso e a parede. É a arquitetura sem teto” (MASCARÓ, 2007, p. 40). A fim de se ter um apanhado geral dos espaços livres, serão analisadas a seguir essas tipologias recorrentes em ambientes urbanos. 3.2.1 JARDINS Esta tipologia é a forma mais sintética e representativa do espaço exterior construída pelo homem, geralmente fechada por muros ou grades, localizada junto a edificações, muitas vezes em lugares semi-públicos (fig. 5).

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Figura 5. Imagem do Sítio Roberto Burle Marx

Fonte: The New York review of books (2016)

O jardim também pode ser conceituado como área de terra destinada a uma composição paisagística ou que é parte integrante de um projeto arquitetônico ou urbanístico na qual se cultivam plantas ornamentais. 3.2.2 PRAÇAS A praça, conceitualmente, pode ser definida como um espaço verde pleno de significados e com ambiência própria. Delimitada, geralmente, pelas fachadas de edifícios circundantes, possui, em regra, alto conteúdo simbólico (fig. 6).

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Figura 6. Praça da Sé, São Paulo.

Fonte: Blog bestday (2016)

Além da presença de elementos naturais como são as árvores, a grama, a água, os arbustos e outros vegetais, as praças também podem ser definidas como espaços de convivência entre as pessoas (MASCARÓ, 2008). Outros autores, como Robba e Macedo, partem do conceito que “praças são espaços livres de edificação, públicos e urbanos, destinados ao lazer e ao convívio da população, acessíveis aos cidadãos e livres de veículos” (ROBBA; MACEDO, 2010, p. 17). Além disso, as praças, juntamente com a rua, consistem em dois importantes espaços públicos da história da cidade no país, tendo, desde os primeiros tempos da Colônia, desempenhado um papel fundamental no contexto das relações sociais. 3.2.3 PARQUES Rosa Kliass conceitua parques urbanos como “espaços públicos com dimensões significativas e predominância de elementos naturais, principalmente cobertura vegetal, destinada à recreação” (KLIASS, 1993, p. 19). O parque público é um atributo da maioria das grandes metrópoles, tais como São Paulo, Berlim e Nova Iorque, que

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atende a necessidade de manutenção de espaços livres e arborizados no interior das cidades (fig. 7). Figura 7. Parque público urbano em Berlim

Fonte: Blog friendlyrentals (2016)

Para Ana Maria Lima parque urbano “é uma área verde, com função ecológica, estética e de lazer, entretanto com uma extensão maior que as praças e jardins públicos” (LIMA, 1994, p. 552). Assim, para a autora o parque público desempenha três importantes funções em uma cidade: a estética, a natural e a ecológica. Em linhas gerais, a função estética visa a integração entre os espaços construídos e os destinados à circulação, assim como à diversificação dos elementos que compõem a paisagem urbana. A social, por sua vez, refere-se à oferta de espaços de lazer para a população. Por fim, a função ecológica, num contexto de urbanização e industrialização, exerce uma influência positiva para a melhoria do clima urbano, na purificação e refrigeração do ar, na manutenção da permeabilidade, fertilidade do solo, no amortecimento de ruídos etc. As autoras Ana Rita Carneiro e Liane Mesquita, por sua vez, caracterizam parque urbano como “espaços livres públicos com função predominante de recreação, 39


ocupando na malha urbana uma área em grau de equivalência superior à da quadra típica urbana” que, de modo geral, apresentam componentes da paisagem natural, tais como “vegetação, topografia, elemento aquático, como também, edificações destinadas a atividades recreativas, culturais e/ou administrativas” (CARNEIRO; MESQUITA, 2000, p. 28). Feitas estas considerações acerca das tipologias recorrentes em ambientes urbanos, evidencia-se que a área do museu Solar Monjardim corresponde à tipologia de parque urbano, tendo em vista que a mesma agrega elementos típicos desta função, pois, dentre outras características, possui grande espaço aberto de uso público, rica paisagem natural e, também, atividade de cunho cultural. Por último, cabe ressaltar que um dos objetivos da proposta vai ao encontro da temática de parque urbano, na medida em que almeja promover um espaço público de convívio e permanência, rico em interações sociais, que resulte na articulação do locus com a funcionalidade da edificação histórica, criando, assim, nova dinâmica no bairro de Jucutuquara.

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4. ESTUDO DE CASO 4.1 PROJETO DE ROBERTO BURLE MARX PARA OS JARDINS DA RESIDÊNCIA DE WALTHER MOREIRA SALLES A residência do embaixador Walther Moreira Salles, projetada em 1948 e inaugurada em 1951, é atualmente sede do Instituto Moreira Salles. Localizada no alto da Gávea, na cidade do Rio de Janeiro, num terreno aproximado de 10 mil metros quadrados, em meio a Floresta da Tijuca, com uma rica mata atlântica circundante, a residência foi projetada pelo arquiteto Olavo Redig de Campos. O projeto paisagístico, por sua vez, ficou a cargo de Roberto Burle Marx. Os jardins da residência Moreira Salles, ocupando uma área de 7.800 metros quadrados, foram setorizados em quatro ambientes diversos (fig. 8). A vegetação, a tipologia dos pisos e os elementos construídos são diretrizes que orientam os quatro conjuntos paisagísticos, denominados: jardim frontal, jardim geométrico, pátio interno e área da piscina. Figura 8. Planta de Situação da Residência Moreira Salles

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iii ii

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FONTE: Blog Casas Brasileiras- com inserções da autora (2016)

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Inicialmente, ressalte-se o contexto de morros e intensa vegetação de mata atlântica que circunda o jardim frontal. Assim, a intenção paisagística, nesse espaço, era a de incorporar a vegetação nativa às espécies de grande porte, sobretudo frutíferas, existentes no espaço reservado a este jardim. Com efeito, Eloisa Santos aponta que no projeto original, Burle Marx demandou apenas a indicação de “um pequeno número de novas espécies” (SANTOS, 2007, p. 228). Além disso, foram concebidos amplos espaços de passeio no interior do jardim frontal, criando alamedas em meio aos canteiros com vegetação arbustiva e rasteira. Esses canteiros, cuja função é setorizar o jardim, formam verdadeiros contornos de linhas orgânicas que expressam a essência do jardim desenhado por Burle Marx para tantos outros projetos (fig. 9). Figura 9. Planta Geral do Projeto original de Burle Marx Piscina

Lago

Pátio Ala Íntima

Lago

Jardim Geométrico

Painel de Azulejos

Ala de Estar/Lazer

Ala de Serviços Garagem

Entrada

Jardim Frontal

FONTE: SANTOS, Eloisa. Os jardins da residência Moreira Salles. O projeto original de Burle Marx e a restauração de Isabel Duprat (2016)

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Da listagem da vegetação contida no projeto, destacam-se árvores de grande porte, tais como a jaqueira, o jambeiro, o abacateiro, que atuam como protetoras visuais em relação ao exterior urbano, consolidando, desse modo, a ideia inicial de criar amplas áreas sombreadas e integradas à vegetação circundante. O jardim frontal, como o próprio nome sugere, está localizado na testada do terreno e antecede a edificação. Contudo, o arranjo da massa vegetativa preserva a monumentalidade da residência, através da utilização de vegetação de baixo porte e da criação de um largo passeio em pedras, que delimitam o espaço construído (fig. 10). Figura 10. Fachada frontal e passeio de acesso – Instituto Moreira Salles

FONTE: Instituto Moreira Salles – IMS (2016)

O jardim geométrico, por sua vez, está situado numa cota mais baixa do terreno, cujo acesso se dá por uma escada ao término da entrada principal. Tal acesso, que se prolonga pela área externa contornando os cômodos que compõe a ala de estar e lazer, é constituído por um piso de mármore com padronagem de losangos de duas cores - branco e rosada. Segundo Eloisa Santos, Burle Marx pensou o espaço como uma “alegoria referenciado ao jardim geométrico francês” (SANTOS, 2007, p. 230). Burle Marx buscou a bidimensionalidade com o propósito estético de reforçar o viés geométrico na composição desse jardim. Para tanto, utilizou espécies vegetais tropicais de colorido intenso, recorrente em sua obra, como, por exemplo, coleus e acalifas, podadas de modo a acentuar a disposição multifacetada do jardim (fig. 11). 44


Figura 11. Jardim geométrico - Proposta de Burle Marx

FONTE: SANTOS, Eloisa. Os jardins da residência Moreira Salles. O projeto original de Burle Marx e a restauração de Isabel Duprat (2016)

Por fim, convém ressaltar que o jardim geométrico, por sua própria disposição topográfica, encontra-se intencionalmente apartado do conjunto arquitetônico e dos demais ambientes externos. Além da diversidade da vegetação, listada em dez espécies de plantas, a alameda que contorna o jardim geométrico (fig. 12) é formada por uma pavimentação de seixos rolados cuja textura se contrapõe à padronagem do jardim e do piso de acesso. Figura 12. Jardim geométrico

FONTE: Panoramio Celso Marino (2016)

O pátrio interno foi concebido por Burle Marx como um espaço a ser transposto (fig. 13), na medida em que é um ponto de convergência dos acessos da ala íntima, da 45


área de estar e da área de lazer. O desenho orgânico do pátio foi alcançado pela junção das linhas do piso e do canteiro. Neste espaço, foram utilizadas vegetações como as nolinas e as dracenas, pois o porte dessas espécies não impede a continuidade visual do pátio, contribuindo para a integração espacial com seu entorno. Figura 13. Pátio interno - Projeto de Burle Marx.

FONTE: SANTOS, Eloisa. Os jardins da residência Moreira Salles. O projeto original de Burle Marx e a restauração de Isabel Duprat (2016)

As fachadas voltadas para o pátio (fig. 14) são compostas por painéis envidraçados que contribuem para a integração do espaço exterior e interior, reforçando a incorporação do pátio como elemento constitutivo da edificação. Uma das formas que o paisagista utilizou para reforçar o continuum espacial consistiu no avanço da padronagem geométrica do piso interior para o piso exterior. Figura 14. Pátio interno - Instituto Moreira Salles

FONTE: Instituto Moreira Salles – IMS (2016)

É oportuno destacar que no projeto inicial de Burle Marx o pátio interno estava desprovido de mobiliário de permanência, o que reforça a intenção de transitoriedade associada ao locus. Por fim, pontue-se a utilização do piso de mármore branco que 46


avança em direção à área da piscina, ilustrando a sensação de continuidade e integração entre os dois ambientes. A área da piscina, formado por um canteiro sinuoso que a envolve, tem por característica principal o elemento água, representado no desenho paisagístico sob três formas: a piscina, o lago maior em frente ao painel de azulejos e um pequeno lago em frente à ala intima (fig. 15). Como já mencionado, o piso de mármore branco, cujo desenho orgânico é limitado pelo canteiro, permeia a área da piscina disposta no centro, criando áreas de circulação e permanência ao seu redor. Figura 15. Área da piscina

Piscina

Banco

Banco

Lago

Lago

Painel de Azulejos

Sala de Refeição

FONTE: SANTOS, Eloisa. Os jardins da residência Moreira Salles. O projeto original de Burle Marx e a restauração de Isabel Duprat (2007)

A neutralidade na coloração do piso indica que a intenção do paisagista era destacar os elementos propostos para o ambiente, relacionados com as paredes limítrofes do terreno e a vegetação adotada nos canteiros. Já o painel de azulejos (fig. 16), assinado por Burle Marx, com 90 metros quadrados de área, exibe figuras abstratas 47


de lavadeiras e peixes pintados em inúmeros tons de azul e é integrado a um jardim aquático repleto de carpas. Figura 16. Painel de azulejos - Autoria de Burle Marx

FONTE: O Globo (2016)

Para o jardim contíguo ao espelho da água, o paisagista empregou espécies vegetativas como palmeiras e abricó-de-macaco, de porte maior, com a intenção de criar uma gradação de planos entre o painel, a copa das vegetações e os morros do entorno (fig. 17).

Figura 17. Imagem da piscina- Instituto Moreira Salles

FONTE: Instituto Moreira Salles – IMS (2016)

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Vale ressaltar também a relação arquitetura versus jardim. Por certo, fica claro no projeto paisagístico analisado o cuidado em criar ambientes integrados, pois o conjunto paisagem e arquitetura não pode ser compreendido separadamente. A partir destas pontuações, foram extraídos pontos positivos do estudo de caso (fig. 18), que serviram como referencial de projeto para a proposta de requalificação. Figura 18. Lista dos pontos positivos do projeto

FONTE: Acervo da autora (2017)

No presente estudo de caso, foi constatado que a intervenção paisagística está organicamente relacionada com seu entorno, ilustrada pelo uso combinado da mata atlântica nativa e da vegetação listada no projeto. Além da preocupação com o porte da vegetação e a escala do jardim, Burle Marx atentou para a gradação visual, combinando o perto e o longe, sem comprometer, dessa forma, a escala humana e a sensação de acolhimento.

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4.2 PROJETO DE ROSA KLIASS PARA O PARQUE DA JUVENTUDE Inicialmente, é interessante ressaltar o contexto histórico no qual está inserido o atual Parque da Juventude, pois o parque é resultado da desativação do complexo prisional do Carandiru, no Estado de São Paulo, na década de 90, palco do chamado Massacre do Carandiru (HANNES, 2014). Após esses acontecimentos, já no ano de 1995, consolidada sua desativação, surgiram diversas propostas de requalificação do antigo complexo, como a construção de um conjunto habitacional ou de um shopping center. Em 1998 foi realizado o Concurso Nacional de Ideias para o Carandiru, que previa em seu edital a criação de um parque no local. Contudo, somente em 2002 o projeto efetivamente saiu do papel (fig. 19). O escritório vencedor e responsável pelo projeto arquitetônico foi Aflalo e Gasparini Arquitetos, ficando o projeto paisagístico a cargo da arquiteta Rosa Kliass. Figura 19. Planta de localização do Parque da Juventude

FONTE: Blog Teoria e Crítica (2016)

O projeto de arquitetura paisagística contemplou uma superfície aproximada de 20 hectares, incluindo os pátios internos dos pavilhões reocupados. No bojo da proposta, a área do parque foi dividida em três setores, de acordo com o caráter de cada ambiente: o Parque Institucional, o Parque Central e o Parque Esportivo (fig. 20).

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Figura 20. Implantação geral do Parque da Juventude

FONTE: Revista Projeto Design- com inserções da autora (2016)

Além disso, o projeto contém dois eixos estruturadores, leste-oeste e norte-sul, criando continuidade entre as vias e interligando as áreas públicas e os equipamentos urbanos existentes. O primeiro setor, o parque institucional, é formado por um conjunto de quatro edifícios da antiga Casa de Detenção, um novo teatro e uma grande praça (90 m de largura por 160 m de comprimento). A reconversão desses quatro edifícios (fig. 21), por sua vez, contempla atividades voltadas ao ensino, à cultura, à formação profissional e ao abrigo de instituições público-privadas.

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Figura 21. Parque Institucional - Praça central e os 4 edifícios do entorno

FONTE: Revista Vitruvius (2016)

Esse setor foi projetado com a finalidade de atender ao público e à população local, além de contar com grande espaço livre e uma biblioteca (fig. 22), que contempla atividades culturais. Figura 22. Edifício da Biblioteca

FONTE: Blog Teoria e Crítica (2016)

O parque central (fig. 23), situado no segundo setor, foi inaugurado em setembro de 2004, com extensão de 9 hectares, e corresponde à área do parque qualificada pela presença de cobertura vegetal, grandes massas de porte arbóreo e extensos 52


gramados. Prevalece, nesse setor, a função orientanda para o lazer contemplativo, com agrupamento de jardins e bosques. Figura 23. Recorte da área que compreende o Parque Central

FONTE: Revista Vitruvius- com inserção da autora (2016)

Esse setor é formado por três ambiências principais: a primeira é caracterizada pela presença da muralha remanescente do complexo presidiário; a segunda é composta pelo conjunto de estruturas abandonadas e a terceira é marcada pela presença de pequenos morros gramados e densa mata nativa, além da contigua área de preservação permanente – APP (fig. 24).

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Figura 24. Ambiências do Parque Central

1ª APP 2ª 3ª

FONTE: Revista Vitruvius - com inserção da autora (2016)

Como mencionado, a primeira ambiência foi pensada a partir da reutilização de parte da muralha ali existente, com a finalidade de criar um mirante linear, com 300 metros de extensão, 1 metro de largura e 7 metros de altura, que alcança as copas das árvores do entorno. A paisagista projetou o acesso ao mirante por meio de caixas de escadas, de estrutura metálica de tom cobreado e piso em madeira, situadas no meio e nas extremidades do eixo da muralha (fig. 25).

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Figura 25. Corte esquemático do mirante linear

FONTE: Revista Vitruvius (2016)

Em relação a segunda ambiência, é oportuno destacar que nesse trecho do parque da Juventude, foram iniciadas as obras do segundo conjunto da casa de detenção, ainda na década de 90, as quais não chegaram a ser concluídas. Contudo, das construções remanescentes da época das obras, restaram intactas parte da estrutura das edificações – lajes, pilares e vigas. Esses vestígios estruturais encontram-se circundados por densa vegetação, constituída essencialmente pela espécie vegetal tipunas. Ademais, cabe salientar que Rosa Kliass incorporou a paisagem local ao projeto paisagístico, na medida em que instrumentalizou a ambiência inusitada do locus mediante a criação de decks e passarelas elevadas que permitiram o usufruto contemplativo da paisagem e a livre circulação do visitante (fig. 26).

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Figura 26. Deck elevado sobre estruturas remanescentes

FONTE: Revista Vitruvius (2016)

Por fim, a terceira ambiência é composta por um conjunto de caminhos que ladeia e atravessa os gramados e bosques, interligando o parque central aos diferentes setores do parque da Juventude (fig. 27). Ao lado desse setor, está localizada a área de

preservação

permanente,

composta

essencialmente

por

eucalipto

de

reflorestamento e espécies da mata atlântica. Esse agrupamento, que ocupa 1,6 hectares, é cortado por trilhas para caminhadas e foi o único que recebeu estrutura para atividade física – a tirolesa, esporte radical na qual desliza-se por cabo de aço que corre na altura da copa das árvores. Figura 27. Jardim gramado do Parque Central

FONTE: Revista Veja (2016)

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Além disso, prevalece nessa ambiência o caráter bucólico, proporcionado por duas pequenas pontes que, sobre o córrego Carajás, dão acesso às demais áreas do Parque da Juventude (fig. 28). Figura 28. Corte esquemático da ponte sobre o córrego Carajás

FONTE: Revista Vitruvius (2016)

O terceiro setor, que abriga o parque esportivo, foi implantado em uma área bastante degradada, antes destinada ao aterro e ao bota-fora do complexo. Com função explícita de lazer ativo, este espaço, com área de 3,5 hectares, compreende 8 quadras poliesportivas, 2 quadras de tênis, pista de skate, área de descanso, vestiários, pistas para caminhada e atividade física (fig. 29). Figura 29. Planta geral do Parque Esportivo

FONTE: Revista Vitruvius (2016)

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Esse setor é estruturado por uma alameda central (fig. 30), de pavimentação de solo batido, que conferiu uma aparência mais natural para o percurso. A arborização da área contém espécies vegetativas como o Guapuruvus, Paus-Brasil e Jequitibás-rosa, presentes ao longo da alameda e que estruturam o eixo de circulação de todo o parque (CALLIARI, 2007). Figura 30. Quadras esportes e alameda central

FONTE: Blog Teoria e Crítica (2016)

Além disso, esse setor conta com a presença de quadras de skate (fig. 31), que foram implantadas ao longo da alameda. Por fim, ressalta-se que esse setor foi privilegiado com vários equipamentos e mobiliário públicos, como bancos, luminárias exclusivas, lixeiras metálicas e bicicletário.

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Figura 31. Pista de skate

FONTE: Blog Teoria e Crítica (2016)

Por último, foram extraídos pontos positivos do estudo de caso (fig. 32), que serviram como exemplo de referencial de projeto para a proposta de requalificação. Figura 32. Lista dos pontos positivos do projeto

FONTE: Acervo da autora (2017)

No presente estudo de caso, foi constatado que o projeto de requalificação alcançou os objetivos propostos, seja no âmbito da arquitetura, seja no âmbito do paisagismo, 59


pois dispõe de espaços de lazer, esporte, convívio e permanência, além de um programa de atividades de cunho cultural e educativo que atraem visitantes e moradores locais de faixa etárias variadas.

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5. PERCEPÇÕES E ANÁLISES A área de estudo está localizada na Avenida Paulino Muller, no bairro Jucutuquara, Vitória- ES, e abriga o Museu Solar Monjardim, aberto à visitação do público, consistindo, assim, em potencial ponto turístico e cultural na capital do Estado. Apesar do crescimento urbanístico do entorno ao longo das décadas, a área foi preservada como “mancha verde” em meio às edificações contíguas, devido a sua baixa taxa de ocupação (fig. 33). Figura 33. Imagem aérea do terreno

ZPA2

FONTE: Google Earth com inserções da autora (2017)

Segundo o Plano Diretor Urbano de Vitória (PDU), o terreno (fig. 34) encontra-se numa área de Zona de Ocupação Limitada (ZOL/10), adjacente a mata atlântica nativa delimitada pela Zona de Preservação Ambiental (ZPA/2).

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Figura 34. Recorte do zoneamento do PDU

FONTE: Lei 6.705 - Plano diretor Urbano de Vitória - com inserção da autora (2017)

Devido ao seu potencial turístico e cultural, este trabalho propõe a criação de um parque urbano integrado ao museu Solar Monjardim, valorizando dessa forma a paisagem local e sua inserção estratégica na cidade. Afinal, o terreno encontra-se próximo do centro histórico de Vitória e das principais avenidas da capital, tais como a Beira Mar, Jerônimo Monteiro e Nossa Senhora da Penha.

5.1 ANÁLISES DO ENTORNO Para melhor compreender o contexto no qual o terreno está localizado, serão apresentados a seguir os mapeamentos de algumas características bióticas, abióticas e do entorno, classificadas em: uso e ocupação do solo; vias e acessos; tipos de solo e pavimentação; vegetação; infraestrutura e mobiliário; microclima. 63


5.2 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO Através do mapeamento realizado no entorno, é possível observar a predominância da tipologia residencial unifamiliar, com gabarito variando entre um e cinco pavimentos. Também foi constatada a ocorrência de algumas edificações de uso misto, com pavimento térreo comercial (fig. 35), além de algumas edificações de uso exclusivamente comercial, conforme mapa em anexo (MAPA 01). Figura 35. Imagem da edificação de uso misto adjacente ao museu

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Nota-se que o bairro é dinâmico durante o período diurno, sobretudo no horário comercial, e apresenta menor movimento de pessoas no horário noturno.

64



5.3 VIAS E ACESSOS A Avenida Paulino Muller (fig. 36), principal via do bairro e limítrofe ao terreno do museu, apresenta fluxo intenso, sendo classificada pelo PDU como via arterial municipal. A referida avenida atravessa o bairro Jucutuquara, ligando a Avenida Vitória à Avenida Maruípe. Figura 36. Avenida Paulino Muller

FONTE: Acervo pessoal (2017)

O terreno do museu conta com uma entrada principal, para veículos e pedestres, pela Rua Professor Carlos Mattos, e um acesso de carga e descarga localizado na Rua José Francisco Monjardim, as quais são classificadas como vias locais, com pavimentação em paralelepípedo, de baixo fluxo de veículos, conforme mapa em anexo (MAPA 02). O principal meio de transporte coletivo que atende a região é o sistema Transcol, bem como as linhas municipais da capital. De uma forma geral, prevalece o transporte automotivo, seja de veículos ou ônibus, em detrimento de formas alternativas de deslocamento, como bicicletas ou mesmo a pé. Essa análise é facilmente justificada pela precariedade das calçadas, pela ausência de faixas de pedestres, bem como 66


pela falta de proposta de ciclovias/ciclofaixas que viabilizem a ligação da área com ciclovias já existentes na região. Apesar dos problemas apontados, a região é bem localizada, tem um fluxo constante de pessoas e veículos, apresenta um comércio ativo, o que justifica a proposta de requalificação do museu Solar Monjardim, em virtude dos seus impactos positivos para o bairro.

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A ÉC OS AJ

AV.MA R

UÍ PE

RU

RUA JOSÉ FRANCISCO MONJARDIM

1 2 3 4 5

6

7 8 9 10 11 12

13 14

15

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AV .P AU

LIN

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A

PR

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CA

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S

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ÁREA DE INTERVENÇÃO

VIA LOCAL PRINCIPAL

ACESSO PRINCIPAL

VIA LOCAL

ACESSO CARGA E DESCARGA

FAIXA DE PEDESTRE

VIA ARTERIAL MUNICIPAL

PAVIMENTAÇÃO EM PEDRA

PONTO DE ÔNIBUS

M

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J OÃ O

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DE OME M

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EDO

MAPA 02 - VIAS E ACESSOS UNIVERSIDADE VILA VELHA – UVV SISTEMA DE REFERÊNCIA: NAYHARA MARTINS DOS SANTOS SIRGAS_2000_UTM_Zone_24S 2017 WKID: 31984 Authority: EPSG 0 7,5 15 30 Projection: m Transverse_Mercator


5.4 TIPOS DE SOLO E PAVIMENTAÇÃO Partindo do estudo dos tipos de solo e de pavimentação existentes, foi constatado que o terreno é quase todo permeável, pois predomina a pavimentação de solo batido e de forração com vegetação rasteira (fig. 37). O percurso principal de acesso à edificação é de pavimentação em pedra, existindo poucas áreas com pavimentação em cimento, como o anfiteatro e resquícios de construção no estacionamento. Por último, pontue-se que o terreno também apresenta esparsos afloramentos rochosos, pois encontra-se em terreno acidentado, na encosta de morro, conforme mapa em anexo (MAPA 03). Figura 37. Fachada posterior do museu

FONTE: Acervo pessoal (2017)

De modo geral, a área aparenta ter sofrido poucas intervenções projetuais ao longo dos anos, prevalecendo o feitio natural do espaço, o que inclusive dificulta o deslocamento na área, principalmente pela falta de acessibilidade.

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5.5 VEGETAÇÃO O terreno possui grande quantidade de vegetação arbórea nativa devido a sua proximidade com a ZPA (fig. 38). Os maciços de vegetação foram mapeados em árvores de grande, médio e pequeno porte, espalhadas pela área da intervenção, onde se destaca a espécie mangueira, abundante no terreno e incorporada à paisagem local, conforme mapa em anexo (MAPA 04). Figura 38. Vista da janela frontal do museu para o terreno

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Por apresentar essa rica vegetação arbórea, a ambiência do terreno destaca-se do seu entorno, essencialmente urbanizado. Diante desse cenário, é possível observar que o espaço do museu pode desempenhar três funções relevantes: estética, por diversificar a paisagem do bairro de Jucutuquara; psicológica, em virtude da possibilidade de interação com os elementos da natureza; social, por possibilitar uma área pública de interação e convivência. 71



5.6 INFRAESTRUTURA E MOBILIÁRIO A falta de infraestrutura e de mobiliário foram os problemas mais evidenciados no levantamento, conforme mapa em anexo (MAPA 05). Com exceção da paisagem exuberante, o terreno não dispõe de atividades e equipamentos que possam ser considerados atrativos pela população. Pode-se apontar a ausência de elementos básicos como, por exemplo, a falta de iluminação, que contribui para a percepção de insegurança do local. Além disso, o espaço carece de mobiliário, tais como bancos, mesas, lixeiras, bicicletário e pavimentação adequados (fig. 39). Figura 39. Tipologia de mobiliário existente

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Vale destacar que o projeto intenciona dinamizar as atividades e usos, pois o local é basicamente utilizado como acesso à edificação do museu para visitações. Assim, entende-se que a requalificação irá proporcionar um espaço verde melhor utilizado para o público em geral.

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5.7 MICROCLIMA Através do mapeamento do microclima, conforme mapa em anexo (MAPA 06), foi possível constatar que o local possui densa massa de vegetação (fig. 40), o que proporciona amplas áreas sombreadas ao longo do terreno, importantes em regiões tropicais e subtropicais. Além disso, o ambiente arborizado, favorável à oxigenação do ar, propicia um microclima mais ameno, com temperatura e ventilação agradáveis. Figura 40. Imagem da vegetação

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Verificou-se ainda que a Avenida Paulino Muller, em razão do seu fluxo intenso, ocasiona a elevação de ruídos no entorno, que são amenizados à medida que a vegetação da área se adensa. Além do mais, por se tratar de um espaço público arborizado, a área é rica em visuais e paisagens verdes.

75



5.8 SÍNTESE GERAL DA ANÁLISE Após realizada a etapa de análise, foi possível obter uma maior compreensão da área de intervenção, assim como sua inserção no contexto do bairro de Jucutuquara. Dessa forma, foram definidos os elementos essenciais para a proposta, aqui apresentados na forma de diretrizes a partir dos problemas constatados nos tópicos anteriores, conforme tabela (01) e mapa em anexo (MAPA 07). Tabela 1. Problemas e Diretrizes PROBLEMAS

1 2 3 4

Acessibilidade restrita

DIRETRIZES

Adequação da pavimentação em locais com demanda de acessibilidade

Estacionamento irregular e mal Redimensionamento e adequação da dimensionado Precariedade

área do estacionamento e

localização Reposicionamento e redimensionamento

inadequada da guarita

da guarita

Bicicletário precário em local Realocar e projetar novo bicicletário inadequado Proporcionar maior número e qualidade

5

Mobiliário insuficiente

de mobiliário, como mesas, bancos e lixeiras

6

Falta de iluminação

Readequar a iluminação do local

7

Falta de elementos atrativos

Diversificar usos e atividades Introduzir paleta de elementos de projeto

8

Falta de legibilidade no entorno que promovam clareza e continuidade visual

9 10

Sanitários insuficientes e sem acessibilidade Muro de arrimo aparente

Criar sanitários acessíveis e adequados Desenvolver um tratamento paisagístico para esta área

FONTE: Elaborado pela autora (2017)

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1 0 0 9

0 7

0 9

0 8

1 0

0 7

0 8

0 5

0 6

0 5

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0 4

0 2

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0 1 0 3 0 4

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UVI VERSI DADEVI LAVELHA ARQUI TETURAEURBANI SMO

0 2 , 5S 5E 1 0 1 5ADOS MAPADOSPROBLE MA NC ONT R

NAYHARAMARTI NSDOSSANTOS

J UN/ 2017

01/ 01

m


Para melhor compreender algumas das características encontradas no local, foi diagramado um mosaico de cores e texturas (fig. 41). A ideia do mosaico é identificar as texturas que apresentam problemas – que serão requalificadas - e as que apresentam potencialidades – que serão mantidas. Figura 41. Mosaico de texturas encontradas na área de intervenção

FONTE: Acervo pessoal (2017)

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Texturas retiradas

Texturas incorporadas

A partir dessas pontuações, foi possível definir os condicionantes essenciais do projeto, levando em consideração que a intenção da proposta é requalificar, mantendo algumas estruturas existentes a fim de alcançar uma intervenção compatível. Com base nestes dados, foi elaborada a setorização da proposta em bolhas, a qual será estudada no próximo tópico.

80


5.9 SETORIZAÇÃO DA PROPOSTA EM BOLHAS A proposta de requalificação tem como fundamento os levantamentos demonstrados acima, o entendimento sobre espaços públicos, parques e principalmente o contexto no qual está inserida a área de intervenção, conforme mapa em anexo (MAPA 08). Desse modo, foi realizada a setorização da proposta em bolhas, discriminadas em oito tópicos: 

Criar espaço adequado para estacionamento com número de vagas suficientes para atender ao público, tendo em vista que hoje o local possui apenas cinco vagas para veículos;

Adequar a área do anfiteatro, melhorando seu acesso e pavimentação, com o intuito de criar espaço integrado para eventos;

Privilegiar as visuais através da criação de área destinada ao deck;

Propor novo uso com a criação de uma área de convivência, mediante a implantação de um café;

Criar um espaço interativo com acesso à internet;

Criar uma área de recreação infantil;

Conferir tratamento adequado ao muro de arrimo;

Criar espelho d’água.

Além dos elementos novos, a proposta visa: manter as vegetações arbóreas existentes; privilegiar o pedestre através da readequação dos passeios, minimizando a utilização de automóvel na área; estimular a utilização dos espaços pela população em diferentes horários do dia a partir da requalificação e da criação de novos usos; potencializar as funções de lazer e estar identificadas na área.

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UÍ PE AV.MA R

RUA JOSÉ FRANCISCO MONJARDIM

1 2 3

4 5

6

7 8 9 10 11 12

13 14

15

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OM

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RU

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ÁREA DE INTERVENÇÃO

ÁREA DE FORRAÇÃO

ESPAÇO RECREATIVO

ACESSO PRINCIPAL

ESPAÇO CONTEMPLATIVO

ESPELHO D'ÁGUA

ACESSO CARGA E DESCARGA

CAFÉ DO MUSEU

TRATAMENTO DO MURO DE ARRIMO

PORTARIA DE ACESSO

ÁREA DO DECK

MATA NATIVA

ESTACIONAMENTO

ESPAÇO INTERATIVO

S

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EDO

MAPA 08 – SETORIZAÇÃO DA PROPOSTA EM BOLHAS

SISTEMA DE REFERÊNCIA: SIRGAS_2000_UTM_Zone_24S WKID: 31984 Authority: EPSG Projection: Transverse_Mercator

UNIVERSIDADE VILA VELHA – UVV NAYHARA MARTINS DOS SANTOS 2017

0

7,5 15

30 m


83


6. PROJETO O processo de projeto foi iniciado a partir da coleta de aspectos positivos e relevantes dos estudos de caso, que foram utilizados como referencial projetual na proposta. Os jardins do Instituto Moreira Salles, do paisagista Burle Marx, serviram de referência para a criação de uma paisagem variada com traçado orgânico sinuoso, diferentes texturas de pisos, massas de vegetações de cores contrastantes, além da utilização do elemento água no projeto. Por outro lado, os eixos estruturantes responsáveis pela interligação das diferentes áreas do parque da Juventude, de Rosa Kliass, também foi um elemento de inspiração para o desenvolvimento de um eixo estruturador unificador no projeto, um caminho principal, que distribui o fluxo de pessoas ao longo do sentido Norte-Sul/Leste-Oeste do museu. Além disso, cabe pontuar que o projeto de Rosa Kliass forneceu inspiração para a criação de espaços voltados para a contemplação. 6.1 CONCEITO PROJETUAL Este trabalho entende que a área de intervenção tem potencial como local de lazer, encontro e cultura. A premissa do projeto esteve ancorada desde o início no conceito de intervenção compatível, pois reconhece o peso histórico da edificação. Assim, para resgatar seu valor social e cultural dentro do contexto da cidade de Vitória, o trabalho desenvolvido buscou empregar elementos do paisagismo com a finalidade de alcançar a requalificação da área. Para melhor compreender a proposta projetual, o presente trabalho foi dividido em cinco setores: setor 01_área do estacionamento; setor 02_área do anfiteatro; setor 03_área central; setor 04_área interativa e de recreação; setor 05_área do café e museu, conforme mapa em anexo (MAPA 09).

84



6.2 SETOR 01_ÁREA DO ESTACIONAMENTO No setor 01 (fig. 42), foi constatado inicialmente o estado precário em que se encontrava o estacionamento. Identificaram-se irregularidades na pavimentação, bem como escassez de vagas para visitantes e obstáculos no percurso dos veículos. O projeto reorganizou o setor do estacionamento, expandido de cinco para quatorze o número de vagas existentes. Figura 42. Setor 01 do anteprojeto

FONTE: Acervo pessoal (2017)

A pavimentação do estacionamento também foi reformulada, mediante a utilização de piso intertravado, proporcionado maior acessibilidade. Partindo da premissa de uma intervenção compatível, o estacionamento foi desenvolvido de forma a preservar todas as árvores existentes nessa área. Desse modo, seu desenho se adequou às condicionantes do entorno (fig. 43).

86


Figura 43. Vista do estacionamento

FONTE: Acervo pessoal (2017)

O bicicletário (fig. 44) foi completamente reformulado e reimplantado em área adjacente ao estacionamento, com capacidade para oito bicicletas. Além disso, devese mencionar que foi utilizado piso cimentício, adequado para áreas externas, delimitando a área destinada a esse modal.

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Figura 44. Vista do bicicletário

FONTE: Acervo pessoal (2017)

A guarita de acesso (fig. 45) também foi reformulada e realocada, pois ficava na entrada do estacionamento, convertendo-se assim em verdadeiro obstáculo ao fluxo de veículos. Por outro lado, a guarita não apresentava condições adequadas para o uso dos funcionários responsáveis pelo acesso ao museu. Assim, a proposta criou uma instalação mais espaçosa, contando com um sanitário anexo para uso dos funcionários, bem como um novo desenho de piso para o seu entorno, assegurando sua integração com a ambiência do setor.

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Figura 45. Guarita de acesso

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Ainda no setor 01, foi desenvolvida uma trilha em piso de pedriscos, adjacente à guarita de acesso, possibilitando alternativas de passeios em meio a vegetação (fig. 46). Figura 46. Caminho em pedriscos

FONTE: Acervo pessoal (2017)

89


Para proporcionar novos caminhos e ambiências, foram projetados decks em madeira pelo seu aspecto estético e durabilidade, respeitando a elevação da encosta. Esses espaços também contam com bancos, aproveitam a sombra das árvores, e podem ser utilizados como área de permanência (fig. 47). Figura 47. Deck do estacionamento

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Como a proposta de requalificação também abrange as calçadas e vias do entorno do museu, verificou-se a necessidade de ampliar a largura da calçada em virtude de sua reduzida área de circulação. Para tanto, o muro do terreno foi recuado de forma a proporcionar uma calçada com dimensões adequadas (fig.48). Além disso, para sinalizar as entradas de pedestres e veículos, foram implantadas faixas de pedestre, inexistentes na área.

90


Figura 48. Calçada ampliada

FONTE: Acervo pessoal (2017)

No que se refere às vegetações empregadas, foram utilizadas herbáceas em grama preta, coleus e jiboia, essa última existente no local. Ademais, também foram acrescentadas arbustivas como a azaleia e monstera. Por último, cabe pontuar que não foi acrescentada nenhuma vegetação arbórea, mantendo-se assim todas as árvores existentes nesse setor. 6.3 SETOR 02_ÁREA DO ANFITEATRO Inicialmente, cabe destacar a existência de um anfiteatro no terreno do museu. Para adequar o acesso ao anfiteatro, foi desenvolvido nova pavimentação cimentícia, que conta com uma vaga de estacionamento adjacente voltada para pessoas com deficiência, em virtude do aclive existente no caminho principal para chegar até esse ambiente (fig. 49).

91


Figura 49. Setor do anfiteatro

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Também foi projetado um amplo deck integrado ao anfiteatro originário, o qual foi ampliado no projeto de modo a proporcionar integração entre os elementos (fig. 50). Diante da necessidade de preservar as árvores existentes, foram feitos rasgos no deck a fim de incorporar a vegetação à ambiência desse setor, com o intuito de criar um espaço de eventos e contemplação, reforçando a sensação de estar em meio a natureza.

92


Figura 50. Deck e anfiteatro

FONTE: Acervo pessoal (2017)

No que se refere às vegetações empregadas, foram utilizadas herbáceas como a grama preta, coleus e jiboia, essa última existente no local. Além disso, foram acrescentados arbustos como a azaleia, monstera e as acalifas, essas de tom avermelhado, que acrescentam um colorido ao verde dominante. Por último, cabe destacar que não foi acrescentada nenhuma vegetação arbórea, mantendo-se, assim, todas árvores existentes nesse setor.

6.4 SETOR 03_ÁREA CENTRAL Neste setor (fig. 51), voltado para a fachada principal do museu, foi priorizado o tratamento paisagístico com vegetação de menor porte, de modo que a visibilidade da fachada seja preservada. Para isso, foram utilizadas herbáceas como o coleu verde e as arbustivas acalifas, criando um contraste de tons. Também foram mantidas as árvores, da espécie mangueira, existentes neste canteiro central, que integram o visual do conjunto paisagem e edificação.

93


Figura 51. Área central

FONTE: Acervo pessoal (2017)

A área central tem um papel importante na distribuição de fluxos do museu, percorrese o caminho principal até a escadaria que leva à cota mais alta, onde está situada a edificação histórica (fig. 52). Partindo dessa área, os caminhos são direcionados no sentido leste-oeste do terreno, a leste está localizada a trilha em pedra que alcança a área do café; já a oeste, percorre-se o caminho principal até o nível da área do café e do deck frontal.

94


Figura 52. Caminhos e fachada principal

FONTE: Acervo pessoal (2017)

6.5 SETOR 04_ÁREA INTERATIVA E DE RECREAÇÃO Esse setor foi projetado com a finalidade de diversificar os usos, por meio da criação de três ambiências: área interativa, área recreativa e deck frontal.

95


Figura 53. Área interativa e de recreação

FONTE: Acervo pessoal (2017)

A área interativa foi concebida como espaço de estar e permanência. Além de bancos integrados aos canteiros sinuosos, essa área também possui um pergolado de madeira contíguo ao espelho d’água e ao jardim vertical, com o objetivo de criar um ambiente agradável e que proporcione acesso à internet. Para o piso deste espaço foi empregada pavimentação em piso de pedriscos fulget, além da utilização de mesas e bancos em madeira (fig. 54).

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Figura 54. Vista para área interativa

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Já na área recreativa, foi proposto um piso emborrachado, antiderrapante, capaz de absorver impacto, convidativo para se sentar. Essa área recreativa tem um caráter lúdico, dispondo de um espaço para narração de histórias, gincanas e atividades que proporcionem conscientização ecológica (fig. 55). Assim, foi dispensado os mobiliários usuais de parques infantis, por não se adequarem a essa proposta.

97


Figura 55. Vista integral do setor 4

FONTE: Acervo pessoal (2017)

No que diz respeito ao deck frontal (fig. 56), o mesmo foi pensado como um espaço suspenso por estar localizado no limite da cota de nível da área infantil e interativa. A partir desse ponto, o terreno apresenta um declive acentuado. Para resguardar os potenciais usuários, foi projetado um guarda-corpo ao longo de sua extensão. Vale ressaltar que o deck se integra a paisagem, uma vez que seu traçado orgânico acompanha o desenho sinuoso do afloramento rochoso existente no setor.

98


Figura 56. Deck frontal

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Por último, em relação às vegetações empregadas, foram utilizadas herbáceas como a grama preta, coleus e jiboia. Também foram acrescentados arbustos como a azaleia, monstera e as acalifas. Por fim, para a área do jardim vertical foram empregadas vegetações do tipo trepadeira, como a hera e a tumbérgia.

6.6 SETOR 05_ÁREA DO CAFÉ E MUSEU A edificação do museu está localizada no setor 05 (fig. 57), logo, sua integração foi um dos principais aspectos do projeto. Como um dos problemas diagnosticados no levantamento diz respeito à ausência de elementos atrativos, foi criado um café adjacente à edificação, possibilitando assim uma ambiência mais dinâmica e convidativa.

99


Figura 57. Setor 05

FONTE: Acervo pessoal (2017)

O café se projeta até o limite do muro de arrimo. Com a introdução desse novo uso, foi necessário criar sanitários masculino, feminino e acessíveis, a fim de atender a demanda do público potencial. Sua pavimentação, de desenho orgânico, contempla três tipos de texturas: o deck em madeira contíguo à edificação; o piso cimentício e o piso de pedriscos fulget. Pontue-se ainda que essa proposta foi elaborada com a finalidade de garantir amplos espaços de passeio e estar nessa área (fig. 58).

100


Figura 58. Vista superior da área do café

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Além disso, foi concebido para o café um sistema de cobertura retrátil, com material têxtil, que é funcional e ao mesmo tempo projeta leveza e fluidez. Esse espaço foi pensado como uma área de estar e possui mobiliário de permanência como mesas e cadeiras (fig. 59).

101


Figura 59. Ambiência do café

FONTE: Acervo pessoal (2017)

Como esse setor encontra-se numa cota de nível mais elevada, o projeto conta com uma vaga de estacionamento próxima ao café voltada para pessoas com deficiência. O elemento água também foi introduzido nesse setor, mediante a criação de um canteiro sinuoso que envolve o espelho d’água. Este é limítrofe ao jardim vertical, projetado para ser encoberto por vegetação do tipo trepadeira, com o intuito de suavizar o visual do muro de arrimo existente (fig. 60).

102


Figura 60. Espelho d'água e jardim vertical

FONTE: Acervo pessoal (2017)

No que se refere às vegetações empregadas, foi utilizada forração em grama preta. Também foram acrescentadas herbáceas como o coleu verde. Já na família dos arbustos foram utilizadas azaleias. Por fim, para a área do jardim vertical foram empregadas vegetações do tipo trepadeira, como a hera e a tumbérgia.

103


Figura 61. Vista do caminho de pedra e jardim vertical

FONTE: Acervo pessoal (2017)

6.7 SÍNTESE DA PROPOSTA De uma forma geral, os cinco setores estão integrados entre si, pois foram empregados elementos que proporcionam continuidade visual no projeto. Nesse sentido, entende-se que a proposta alcançou a finalidade de requalificação da área do Solar Monjardim, pois além de introduzir novos usos, gerou acessibilidade, diversificou os tipos de pavimentação e de vegetação, reformulou os acessos e área de estacionamento/bicicletário (fig.62).

104


Figura 62. Vista superior do terreno do museu

FONTE: Acervo pessoal (2017)

105


106


7. CONCLUSÃO O museu Solar Monjardim abriga uma das mais antigas obras arquitetônicas do período colonial capixaba, finalizada no ano de 1805. Seu peso histórico é indiscutível, na medida em que foi alvo de tombamento por ato do IPHAN ainda na década de 40. No presente trabalho, a proposta de requalificação dessa área teve por objetivo reestruturar sua composição paisagística sem descaracterizar sua função atual de museu. Em outras palavras, o que se buscou foi a reinserção da edificação histórica na contemporaneidade mediante a criação de um parque urbano integrado ao museu. Partindo da conceituação de requalificação paisagística, e passando pelas tipologias de recintos urbanos, o presente trabalho apresentou dois importantes projetos de arquitetura paisagística com a finalidade de exemplificar a importância do paisagismo enquanto projeto, seja na proteção visual, seja na integração espacial com o entorno ou mesmo na função de destacar e preservar a monumentalidade da edificação. A ideia de criar um parque urbano no bairro de Jucutuquara foi consequência do reconhecimento da importância que essas áreas verdes desempenham no contexto das cidades contemporâneas. Dessa forma, a proposta vai ao encontro do potencial turístico que a área apresenta, seja pelo elemento histórico, seja pela ambiência privilegiada, pois entende que é um espaço que poderia ser melhor aproveitado pela população. Este projeto buscou desenvolver os elementos problemáticos identificados nos levantamentos feitos no terreno, como a falta de legibilidade da área e de elementos atrativos no local, responsáveis pela subutilização desse espaço. Assim, foi possível compreender e traçar diretrizes para os cinco setores do projeto a fim de propor para cada setor a solução paisagística apropriada. Portanto, este trabalho atingiu os objetivos da requalificação, através de um projeto paisagístico preocupado com a integração visual, por meio de ambiências diversas, com unidade e coerência, diversificando usos e reforçando o potencial turístico e social do museu, atraindo um número cada vez maior e diverso de pessoas. 107


8. REFERÊNCIAS ABBUD, Benedito. Criando paisagens: guia de trabalho em arquitetura paisagística. São Paulo: Senac São Paulo, 2010. CALLIARI, Mauro. O parque da juventude: o poder da ressignificação. Disponível em:< http://www.vitruvius.com.br> Acesso em: 07 Out. 2016. CAMPOS JÚNIOR, Carlos Teixeira de. O Novo Arrabalde. Vitória, PMV, Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996. CARNEIRO, Ana Rita Sá; MESQUITA, Liana de Barros. Espaços livres do Recife. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife/ Universidade Federal de Pernambuco, 2000. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 2006. DANIEL, Sandra. Jucutuquara. Secretaria Municipal de Cultura,1999. HANNES, Evy. O parque da juventude: inserção ambiental e sustentabilidade. Revista LABVERDE, nº8, p. 141-156, 2014. IGLESIAS, Francisco. Trajetória política do Brasil: 1500-1954. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2007. KLIASS, Rosa Grena. Parques urbanos de São Paulo. São Paulo: Editora Pini, 1993. LIMA, Ana Maria Liner Pereira. Problemas de utilização na conceituação de termos como espaços livres, áreas verdes e correlatos. In. 2º Congresso Brasileiro Sobre Arborização Urbana, 1994, ANAIS... São Luís. p. 539-552. Disponível em: Acesso em: 20 Set. 2016. MACEDO, Silvio Soares. O paisagismo moderno brasileiro – além de Burle Marx. Disponível em: <http://www.fau.usp.br>. Acesso em: 20 Set. 2016. 108


MASCARÓ, Juan Luiz. Infra-estrutura da paisagem. Porto Alegre: Editora Mais quatro. 2008. MASCARÓ, Lúcia. Desenho da cidade e iluminação natural. RUA. Revista de Arquitetura e Urbanismo, v. 9, p. 38-43, 2007. MONJARDIM, Leonardo Passos. História da Política da Família Monjardim. Vitória: Lei Rubem Braga, 2013. PESCARINI, Ismael Andrade. Revitalização de avenidas em São Paulo – considerações morfológicas. Revista Exacta, núm. 1, abril, 2003, pp. 35-42. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/810/81000104.pdf>. Acesso em: 26 Out. 2016. ROBBA, Fábio; MACEDO, Silvio Soares. Praças brasileiras. São Paulo: 3. Ed. Editora EDUSP, 2010. SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce. Vitória: Secretaria Municipal de Cultura, 2002. SANTOS, Eloisa. Os jardins da residência Moreira Salles. O projeto original de Burle

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9. APÊNDICES ANTEPROJETO SEM VEGETAÇÃO ARBÓREA – PRANCHA 01/03 ANTEPROJETO COM VEGETAÇÃO ARBÓREA – PRANCHA 02/03 CORTE AA – PRANCHA 03/03

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CORTEAA ESC. : NDI CADA J UN/ 2017 03/ 03 I


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