Monografia carol manske

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FOLHA LIVRE: UM JORNAL ABOLICIONISTA EM JOINVILLE CAROLINA MANSKE FENRICH ACADÊMICA

MARÍLIA CRISPI DE MORAES PROFESSOR ORIENTADOR


ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL LUTERANA BOM JESUS/ IELUSC COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

CAROLINA MANSKE FENRICH

FOLHA LIVRE: UM JORNAL ABOLICIONISTA EM JOINVILLE

JOINVILLE 2016


CAROLINA MANSKE FENRICH

FOLHA LIVRE: UM JORNAL ABOLICIONISTA EM JOINVILLE

Monografia apresentada junto ao Curso de Comunicação Social, da Instituição Educacional Luterana de Ensino Bom Jesus/Ielusc, para obtenção de grau em Curso de Comunicação Social – Jornalismo, sob orientação da Professora Marília Crispi de Moraes.

JOINVILLE 2016


RESUMO Esta pesquisa realiza uma análise de conteúdo do jornal abolicionista Folha Livre, publicado em Joinville, no ano de 1887. Partindo da premissa de que jornalismo e história podem manter uma saudável relação de campos que se complementam mutuamente, a pesquisa mostra como a Folha Livre abordava os problemas sociais vivenciados pelos negros no final do século XIX e que estratégias discursivas adotava para atrair o público para a causa abolicionista. O conteúdo desse periódico representa um registro histórico até então pouco estudado acerca da presença dos negros em Joinville e que contraria o silenciamento de muitos historiadores locais em torno da escravidão praticada em nossa região. Palavras-chave: Jornal Folha Livre. Escravidão. Abolição.


AGRADECIMENTOS Primeiramente não consigo nem acreditar que consegui entregar esse trabalho depois de momentos tão difíceis vivenciados nas últimas semanas e de tantas dificuldades enfrentadas. Porém, essa não é uma vitória só minha. Ao longo de todos esses meses de monografia fui acompanhada não só pelo meu anjo da guarda, que sempre me protege e me dá forças, mas por amigos e pessoas incríveis que me deram todo apoio necessário para concluir essa fase tão angustiante. Gostaria primeiramente de agradecer minha mãe, Marilena Manske, por ter me feito chegar até aqui. Se eu estou apresentando essa monografia é porque você me proporcionou educação, você me incentivou, confiou em mim e me fez acreditar. Sempre fomos só eu e você e você lutou e luta há anos para ser mãe, pai e a melhor amiga que eu poderia ter. Agradeço por quem eu sou, por toda ajuda e apoio durante esse período de TCC e por você ser o exemplo mais lindo que eu poderia ter, você é incrível. Agradeço também a minha orientadora, Marília Crispi de Moraes, que embarcou nessa jornada comigo desde que o tema era outro. Me ajudou, me guiou maravilhosamente ao longo desses meses, se mostrou muito mais que uma professora, mas uma quase psicóloga e amiga por aguentar tantos surtos desesperados meus. Marília, você é sensacional e fico eternamente feliz e grata por ter tido a honra de ser orientada por ti. Obrigada por dizer que tudo ficaria bem, realmente ficou e foi com a sua ajuda. Obrigada por tudo. Essa trajetória também não teria sido fácil sem o apoio e parceria de amigas maravilhosas. Agradeço grandemente a Amanda Branco, Bruna Bechtold e Gabriela Bubniak. Vocês me apoiaram, foram as donas dos melhores abraços, ouviram centenas de áudios no Whattsapp, me ajudaram, me consolaram quando eu mais precisei e se tornaram minhas irmãs ao longo desses quatro anos de faculdade. Só tenho a agradecer por todas as risadas, todos os choros, por todo amor e mensagem de auxílio, vocês são minas incríveis que quero carregar comigo para sempre.


Aos meus amigos de fora da faculdade também devo agradecer. Muito obrigada, Cristiane Dias, Monique Vardanega e Rafael Mendes Holz , por mesmo longe se preocuparem e estarem comigo por tantos anos de história. Vocês três são maravilhosos, me ouviram mil vezes quando precisei e sempre se preocuparam se eu ainda não tinha morrido de desespero ao longo dos últimos meses. Não tenho palavras para agradecer tanto carinho vindo de vocês. Por fim, gostaria de agradecer a todos os colegas de faculdade, que dividiram esse ano junto comigo e também sofrearam para terminar seus trabalhos. Todos nos apoiamos de alguma maneira e torcemos muito uns pelos outros. Obrigada também aos professores que aceitaram compor a banca para avaliação deste projeto: Silvio Melatti e Maria Elisa Máximo.


LISTA DE FIGURAS Figura 1: Texto humorístico 1 ............................................................................. 54 Figura 2: Texto humorístico 2 ............................................................................. 55 Figura 3: contextualização ................................................................................. 55 Figura 4: Piada ................................................................................................... 56 Figura 5: Texto Folhetim 1 .................................................................................. 57 Figura 6: Texto Folhetim 2 .................................................................................. 59 Figura 7: Texto Folhetim 3 .................................................................................. 60 Figura 8: Texto Folhetim 4 .................................................................................. 62 Figura 9: Texto Folhetim 5 ................................................................................. .63 Figura 10: Texto Folhetim 6 ................................................................................ 64 Figura 11: Texto noticioso 1 ................................................................................ 66 Figura 12: Texto noticioso 2................................................................................ 67 Figura 13: Texto Noticioso 3 .............................................................................. 67 Figura 14: Texto noticioso 4 ............................................................................... 68 Figura 15: Texto noticioso 5 ............................................................................... 69 Figura 16: Texto noticioso 6................................................................................ 69 Figura 17: Texto noticioso 7................................................................................ 70 Figura 18: Manifesto do Centro Catharinense .................................................... 70 Figura 19: Texto noticioso 8................................................................................ 71 Figura 20: Texto Noticioso 9 ............................................................................... 72 Figura 21: Texto noticioso 10.............................................................................. 73 Figura 22: Trecho de artigo opinativo 1 .............................................................. 73 Figura 23: artigo opinativo 2 ............................................................................... 74 Figura 24: Trecho 2 de artigo opinativo .............................................................. 75 Figura 25: Trecho 3 de artigo opinativo .............................................................. 76 Figura 26: Trecho 4 de artigo opinativo .............................................................. 76


SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09 1. Como tudo começou .................................................................................. 12 1.1 Escravidão e Abolição ............................................................................ 12 1.2 A construção da República .................................................................... 22 1.3 O Jornalismo da Época .......................................................................... 25 2. JORNALISMO E HISTÓRIA ........................................................................ 28 3. FOLHA LIVRE: PELA LIBERDADE JOINVILENSE ................................... 38 3.1 A imprensa joinvilense no século XIX ..................................................... 38 3.2 Apresentação do Jornal Folha Livre ....................................................... 43 3.3 Análise de Conteúdo .............................................................................. 48 3.4 Análise das publicações abolicionistas do Jornal Folha Livre ............... 52 3.4.1 Humor ............................................................................................... 54 3.4.2 Folhetim ............................................................................................ 57 3.4.3 Notícias ............................................................................................ 65 3.4.4 Artigo de Opinião .............................................................................. 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 79 ANEXOS .......................................................................................................... 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS .............................................................. 101


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INTRODUÇÃO Este trabalho tem como principal objetivo analisar o conteúdo das publicações abolicionistas presentes no jornal joinvilense Folha Livre. Trata-se de um jornal que se autointitulava republicano, que circulou na Colônia Dona Francisca entre janeiro e junho de 1887, publicando apenas 24 edições de seu conteúdo na antiga Joinville do século XIX. O corpus da pesquisa restringe-se aos textos de viés antiescravagistas, a fim de destacar a importância do tema para a época e de reforçar a memória histórica da presença do negro no município. Apesar da história da Colônia Dona Francisca ser, geralmente, contada com ênfase nos imigrantes alemães e italianos, os negros também fizeram parte dessas terras, eram escravizados e lutavam por seus direitos como em qualquer outro estado brasileiro. A Folha Livre constitui-se em importante registro histórico da presença negra em Joinville, tema muitas vezes silenciado por historiadores locais. A pesquisa foi realizada entre agosto e novembro de 2016 e analisou o conteúdo de 52 publicações no veículo Folha Livre, separadas nas categorias: Humor, Notícias, Folhetim e Artigo de Opinião. Para tanto, foi necessário buscar compreender o contexto histórico da escravidão no Brasil, para entender a situação do escravo em diversas regiões brasileiras até se chegar a Joinville. Apesar dos livros históricos da cidade pouco revelarem sobre a presença negra nos anos de 1800, pode-se perceber, por meio dos estudos de Guedes (2007) e Dias (2013) que ela existiu e foi “camuflada” ao longo dos anos. No

primeiro

capítulo,

após

uma

contextualização

da

história

escravocrata, busca-se trazer a história do Jornalismo do século XIX e a forma como as notícias eram repassadas aos leitores não só em nível nacional, mas também no contexto catarinense e joinvilense. Também se apresenta como a imprensa de Joinville se desenvolveu ao longo dos anos para chegar até o objeto de análise deste trabalho: a Folha Livre. Ao longo da pesquisa, vários autores ajudam a compreender a campanha abolicionista e seu contexto, tais como Sodré (1999), que debate a imprensa no período de formação da república brasileira; Valle (2010) e Morel (2003), que discutem parte da criação da imprensa abolicionista que se formou no período.


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O segundo capítulo discute a relação ora conturbada ora de parceria entre os campos do Jornalismo e da História. Com o auxílio de autores de ambas as áreas, busca-se mostrar como ambos os campos do conhecimento podem atuar de maneira a complementar. Enquanto Cheuveau (1999) não acredita que o Jornalismo possa ser comparado à História pela sua forma insensata de apuração de fatos em um dia, Capelato (1988) afirma que a história apresenta várias maneiras de ser contada e que o profissional ligado ao jornalismo pode contribuir para isso. Silva (2012) defendendo o trabalho jornalístico como de um historiador diário, por estar sempre relatando fatos e notícias. O último capítulo traça um panorama da história inicial do Jornalismo em Joinville. Santos (2004), Fernandes (2000) e Herkenhoff (1998) ajudam a compreender a formação da imprensa na cidade, desde a criação do primeiro manuscrito, em 1852, até o conhecido Kolonie-Zeitung. A ênfase, é claro, está no objeto desta pesquisa, o jornal Folha Livre, que nasceu em 23 de janeiro de 1887. Após a leitura integral de todas as 24 edições do jornal, disponíveis no site da Hemeroteca Digital Catarinense, foram separados os 52 textos que abordavam a presença de negros na Colônia Dona Francisca, informações sobre escravos e artigos defendendo o fim da escravidão. A etapa seguinte consistiu em estabelecer as categorias de análise já mencionadas acima. Este contato com o corpus do trabalho, permitiu, a princípio, uma abordagem quantitativa de ocorrências para, em seguida, partir-se para a análise qualitativa do material. A luta abolicionista que inspirou os “jovens moços” da Folha Livre é um importante capítulo da história joinvilense que não pode continuar esquecido, pois traz à tona um intrincado jogo de interesses da época. Um dos pontos de discussão mais presentes quando se trata do trabalho do jornalista e do historiador é o fator tempo. Apressado por natureza, o jornalismo não dispõe da mesma paciência do historiador. Esta pesquisa também sofreu a pressão do tempo escasso, por isso mesmo não tem a pretensão de dar por esgotado o tema. Ao contrário, é antes uma iniciativa de trazer à baila um rico material narrativo – a Folha Livre – que há de merecer que outros pesquisadores sobre


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ele se debrucem ainda muitas vezes para esmiuรงar a riqueza da memรณria ali guardada.


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1. COMO TUDO COMEÇOU 1.1 Escravidão e abolição Para entender como o objeto de pesquisa deste trabalho, o jornal republicano e abolicionista Folha Livre foi criado, é preciso voltar ao Brasil do século XVI. A escravidão começou muito antes da vinda dos navios negreiros para o país. Em 1500, quando os portugueses chegaram ao Brasil, todo litoral era repleto de tribos indígenas, que foram alvos da primeira escravidão existente na história das terras brasileiras. Os indígenas que habitavam o Brasil em 1500 viviam da caça, da pesca e da agricultura de milho, amendoim, feijão, abóbora, bata-doce e principalmente mandioca. A maior parte do que se sabe sobre os primeiros índios encontrados pelos portugueses é o que se lê na carta de Pero Vaz de Caminha e documentos de padres jesuítas que também estavam na expedição portuguesa e tentaram catequizar os nativos. Os índios faziam objetos utilizando as matérias-primas da natureza. Construíam canoas, arcos e flechas e suas habitações (oca). A palha era utilizada para fazer cestos, esteiras, redes e outros objetos. A cerâmica também era muito utilizada para fazer potes, panelas e utensílios domésticos em geral. Penas e peles de animais serviam para fazer roupas ou enfeites para as cerimônias das tribos. O urucum era muito usado para fazer pinturas no corpo. (DONATO,1997, pg. 33)

Quando chegaram, os portugueses conquistaram parte do trabalho indígena por meio de escambo, oferecendo-lhes espelhos, facas e cordas em troca de serviços pesados de escavação, construção e corte de pau-brasil, primeira riqueza explorada pelo português em terras brasileiras. Porém, a partir do momento que os nativos começaram a se recusar a “ajudar”, foram forçados e escravizados sem ter como fugir. O relacionamento entre os traficantes e os indígenas em pouco tempo se deteriorou. Quando o índio, por um motivo qualquer, se recusava a realizar o trabalho desejado pelo europeu, este não hesitava em fazer uso da violência, partindo para a escravização do seu trabalho. (PRADO,1979,p. 25)

O auge da escravidão indígena no Brasil ocorreu durante todo período inicial da colonização, entre os anos de 1540 e 1580. Depois da grande quantidade de extração do pau-brasil, a árvore acabou se esgotando em


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praticamente todo o litoral brasileiro, sendo raro encontrá-la até hoje. Iniciou-se então a fase açucareira no país. As plantações de cana-de-açúcar tornaram-se a nova base econômica dos portugueses. Com o estabelecimento dos engenhos de açúcar no Nordeste do Brasil, os europeus precisavam de grande quantidade de mão de obra. “Muitos senhores de engenho recorreram novamente à escravização de índios. Organizavam expedições que invadiam as tribos de forma violenta, inclusive com armas de fogo, para sequestrarem os indígenas jovens e fortes para levarem até o engenho.” (ALMEIDA, 2010, p. 65) Nas regiões açucareiras houve até um mercado de negócios com escravos indígenas. Comerciantes organizavam expedições de captura indígena para lucrar com a venda destes escravos aos senhores de engenho. Como também era muito comum a guerra entre tribos indígenas, os portugueses aproveitaram esta rivalidade, faziam alianças com determinadas tribos e, em troca de apoio militar, recebiam índios adversários capturados como recompensa. (ALMEIDA, 2010, p.65)

Apesar de a escravidão indígena ter perdurado, oficialmente, por 257 anos, muitos problemas dificultaram sua prática e fizeram com que o tráfico negreiro se intensificasse. De acordo com a Mestre em História Maria Regina Celestino de Almeida, em seu livro “Os Índios na História do Brasil”, um dos motivos que fizeram com que os portugueses fossem deixando a escravidão indígena de lado é porque viram que os índios não aguentavam o trabalho forçado e intenso nos engenhos. Além disso, muitos morriam de doenças trazidas pelos próprios europeus, como sarampo, varíola e gripe. Muitos foram os fatores que fizeram a escravidão indígena diminuir. Havia forte oposição ao trabalho escravo indígena por parte dos jesuítas portugueses que vieram para o Brasil catequizarem os indígenas no período colonial. Além disso, com o aumento do lucrativo tráfico de escravos africanos, a própria coroa portuguesa começou a se opor à escravização indígena no final do século XVI. Oficialmente, a escravidão indígena só foi proibida em 1757 através de um decreto do Marquês de Pombal. (ALMEIDA, 2010, p. 70)

Depois do fim da escravidão indígena, o tráfico de escravos africanos aumentou consideravelmente. Portugal já importava escravos negros desde 1443, porém, sem a opção de utilizar os índios, os negros se tornaram um alvo ainda mais visado. De acordo com o historiador Maurício Goulart, em seu livro


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“A Escravidão Negra no Brasil”, estima-se que, entre os séculos XVI e XIX, somente para a América vieram em torno de 20 milhões de escravos. “De 1568 a 1859, o tráfico negreiro foi responsável pela introdução no Brasil de, aproximadamente, 3.600.000 escravos”. Além do número ser alto, muitos nem chegavam ao destino final. O transporte dos escravos saídos da África era realizado pelos chamados “navios negreiros”. Os negros eram colocados por dias nos porões, sem iluminação, falta de ar e de espaço. “Cerca de 20 a 40% dos negros, em razão dos maus tratos e péssimas condições de transporte, morriam. Por isso, em Angola, esses navios eram chamados de ‘tumbeiros’, palavra relativa à tumba ou sepultura”. (CALÓGERAS, 1967, p. 30) Chegando ao Brasil, eram colocados à disposição do mercado de escravos e vendidos aos senhores das colônias. Trabalhavam na agromanufatura do açúcar, no plantio do algodão, do café, no extrativismo mineral, serviços domésticos e artesanato. Devido ao excesso de trabalho, pouca alimentação e cuidados, a maioria resistia de sete a dez anos de trabalho. (SIMONSEN, 1967, p.134). Para os proprietários, a morte de um escravo significava, basicamente, a perda de uma valiosa mercadoria. O problema doía-lhe, apenas, no bolso e resolvia-se com a compra de outro escravo. É, portanto, o tráfico negreiro a principal fonte de reabastecimento de mão de obra escrava, pois, no Brasil, não se estimulava o crescimento vegetativo da população negra. O investimento na escrava grávida e na criança escrava era tido como antieconômico, em função dos interesses imediatistas da exploração do seu trabalho. Considerava-se mais lucrativo comprar escravos já desenvolvidos do que criá-los dentro da colônia. (SIMONSEN, 1967, p.134)

Não eram raras as tentativas de fuga de escravos. Os que não conseguiam concluir suas fugas com êxito e eram capturados pelos “capitães do mato”, eram castigados com trabalho redobrado e chibatadas, que deixavam em carne viva as costas de escravos “fujões”. Aqueles que, felizmente, conseguiam escapar da barbárie, buscavam abrigo nos chamados quilombos, pequenas comunidades formadas pelos fugitivos. O mais famoso foi o Quilombo dos Palmares, que recebeu esse nome por ocupar uma região de palmeiras, no estado do Alagoas. Nele, surgiu Zumbi dos Palmares, escravo que defendeu e lutou pela resistência do quilombo. “Zumbi foi o grande chefe


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dos negros dos Palmares. Era ele quem comandava o povo negro nas lutas pela defesa do quilombo. Em razão da sua coragem e inteligência, sua fama espalhava-se por toda região. Os negros o tinham como um herói invencível”. (COTRIM, 1986, p.41) No estado de Santa Catarina, o havia alto contingente de escravos. No final do século XVIII, africanos chegavam ao estado para trabalhar principalmente na pesca e na captura de baleias no litoral. Eles faziam todo trabalho. Desde a pesca e o corte da baleia, beneficiamento de carne e óleo e armazenamento, conforme Cardoso (2008). “O império português da região usava um número bastante expressivo de trabalhadores escravos, chegando facilmente a mais de uma centena.” (CARDOSO, 2008, s/p) Em 1872, a mando do governo imperial, foi realizado um amplo recenseamento da população de cada província. Nessa ocasião, só na população total da Ilha de Florianópolis foi contada em 22.239 pessoas, das quais 2612 eram ainda escravas. Dentro do total da população livre, o censo identificava a população de origem africana livre ou liberta, que já era superior em número aos escravos: 1429 homens e 1658 mulheres, num total de 3087 pessoas. A população identificada como “preta” ou “parda”, fossem escravos ou livres, somava um quarto de toda a gente da Ilha neste ano. (CARDOSO, 2008, s/p)

Na cidade de Desterro, litoral do estado, para onde os primeiros negros foram trazidos, trabalhos de historiadores mostram que a vida do escravo na cidade durante o século XIX era pior do que a de qualquer outro estado brasileiro. “Era a população que mais sofria as condições da pobreza na cidade. Realizavam praticamente todo o trabalho braçal, tinham as piores condições de abrigo, trabalho, vestuário, alimentação e saúde que os demais escravos da costa” (SANTOS, 2009, p.163) Santos disserta sobre a invisibilidade do negro na história catarinense. De acordo com o autor, a participação e presença de negros na formação e povoação de Santa Catarina foram desprezadas e amenizadas por muitos historiadores. Durante o século XIX, em plena escravidão, a presença dos negros era desconsiderada por historiadores da época. Em 1864, o arcipreste (cargo superior da igreja católica) Joaquim Gomes D’Oliveira Paiva, em sua “Notícia Geral da Província de Santa Catharina”, ao escrever sobre os habitantes, não fez nenhuma referência aos negros: “Os catharinenses descendem em sua maior parte de colonos açoristas e de alguns


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naturaes da capitania de São Vicente, são em geral afáveis, hospitaleiros e religiosos, sinceros e dedicados no trato social; bravos e resignados.” Segundo os dados do memorialista Paulo José Miguel de Brito, publicados em 1829 (apud, WAGNER, 2004, p. 154), no ano de 1810, a cada três moradores da cidade de Desterro, um era de origem africana. “Naquele ano, a população era de 5.250 habitantes, dos quais, entre libertos e escravos, estavam 1.866 pessoas de origem africana. Eles eram 35,6% do total. Destes, apenas 177 eram libertos e 1.689 escravos, 734 mulheres e 955 homens.” (BRITO,1829) Esquecidos pelas políticas públicas e pesquisas científicas, os negros deixaram de fazer parte do perfil étnico do Sul do Brasil. Invisibilizados pelas várias formas de representação literária e política foram segredados social e espacialmente, de modo a serem tratados como não existentes. Significativa parcela da literatura catarinense de inspiração positivista atribui todo o sucesso e progresso econômico do Estado exclusivamente à tradição europeia, ocorrendo uma participação reduzida do escravo negro na formação étnica catarinense. (LEITE, 1996, p. 40) O negro – africano ou descendente - trazido como escravo fora submetido a um sistema de escravidão que lhe roubou a identidade, tendo sua vida periferizada pela ordem política e econômica. O significado de ser negro no contexto de exaltação do europeu não possibilitou a inserção dele na vida política, seja através da ideologia do branqueamento ou pelas práticas de discriminações cotidianas. (VICENZI, 2012, p.55)

Nenhuma região brasileira, seja de maior ou menor grau, passou sem a mão de obra escrava africana ou indígena. Em Santa Catarina, fizeram parte das expedições de conquista e ocupação, da construção dos fortes, nas fazendas de gado, nas armações baleeiras, servindo aos funcionários do governo,

aos

serviços

de

navegação

e

cabotagem

(costeira),

aos

comerciantes, aos serviços domésticos, enfatizando-se o comércio, a pesca e o setor agrícola, conforme relata Cabral (1987, p. 167) Porém, mesmo com todos esses dados é possível perceber novamente que a identidade catarinense se construiu com a negação ao povo negro: O Estado não dependeu da mão de obra escrava. (...) os negros que aqui ficaram foram suplantados pelo contingente de imigrantes. (...) Graças à imigração, regiões antes mergulhadas no


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atraso e na estagnação se desenvolveram e progrediram. (...) Foram a raça, o vigor e a superioridade do imigrante europeu, assim como o seu trabalho e a sua inteligência, que construíram um sul desenvolvido. (...) Ao contrário de outras regiões, foi a não dependência da mão de obra escrava, principalmente, que possibilitou tudo isso. (...) O preenchimento deste espaço com uma raça superior (...) a sua vocação europeia pôde desenvolverse graças à ausência do Negro. (LEITE, 1966, p. 49).

Em Joinville, cidade do jornal abolicionista Folha Livre, tema deste trabalho acadêmico, a escravidão não apresenta grandes números ou pesquisas históricas. Nem mesmo alguns livros sobre a história da cidade abordam o tema como sendo relevante. Porém, alguns trabalhos acadêmicos realizados a cerca do tema demonstram que a presença negra na historiografia da cidade foi propositalmente destacada, já que a cidade não é inteiramente alemã como tanto se prega em festas populares e aulas de história. Ao tratar da abolição em 1888, Apolinário Ternes, autor do livro “História de Joinville: uma abordagem crítica”, comenta que o fato histórico não teve tamanha relevância para a cidade, já que os escravos presentes não eram de um número que merecia registro. Segundo ele, a escravidão na cidade não deve ter grandes linhas na história da região por não apresentarem números expressivos a seu ver. Efetivamente o fato da abolição dos escravos em Joinville, pouca ou nenhuma repercussão teve. A província de Santa Catarina, durante todo período da escravidão negra no Brasil nunca possuiu escravos em números dignos de registros. No entanto, mesmo assim, escravos haviam.” (TERNES, 1981, p.157)

Porém, como demonstram os dados citados anteriormente, o número de escravos no estado era alto, sendo que apenas no ano de 1872 e apenas na cidade de Florianópolis, 3087 foram registrados. “Em 1840 a população catarinense se limita a 67.218 habitantes, dos quais 12.580 de escravos e 54.638 de brancos e libertos e completava dizendo que esse número representava, em 1840, apenas 18% da população”(TERNES, 1981, p.31). A historiadora joinvilense Sandra de Camargo Guedes também questiona Ternes em seu artigo “A escravidão em uma colônia de alemães” (2007). Dezoito por cento de escravos não pode ser considerado um pequeno número, trata-se de uma considerável quantidade que se


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torna ainda mais significativa se for levado em conta que, anos antes, “em 1824, os escravos representavam 33% da população” do estado, conforme afirmou o mesmo autor (TERNES, 1993, p.31). Ora, será que se pode considerar pequena a participação da escravidão em um Estado onde 33% da população era escrava? Os dados não foram ainda completamente confrontados e analisados, mas já se pode afirmar que a presença escrava na colônia de alemães era real e que o número deles, relativamente à população total da cidade, não era tão insignificante como parecia a princípio. (GUEDES, 2007, s/p)

Na Colônia Dona Francisca, os negros eram proibidos de frequentar os clubes que os brancos frequentavam. Os ditos “alemães” orgulhavam-se e viam nesse apartheid um exemplo de civilidade, pois afirmavam que os “nãoalemães” eram preguiçosos e menos aptos ao trabalho. Mesmo após a abolição, o negro não foi reconhecido como cidadão por autores que o considerassem parte integrante da história. Esta exclusão na historiografia pode ser sentida mesmo no século XX ou mesmo na atualidade. (ROSA, 2006, p. 83). Nas escolas do município, a história contada aos alunos continua sendo a de um município de tradição germânica, fundado por imigrantes europeus, ignorando a presença dos negros desde a sua fundação. A história [do negro] não tem sido citada, sendo a fundação e colonização de Joinville atribuída somente aos imigrantes europeus, gerando uma invisibilidade sobre os negros que aqui estiveram, negando a presença dos mesmos no território da colônia, dando a entender que os europeus venceram todas as dificuldades de adaptação sozinhos. (CARDOSO, 2013, p.27) O historiador Carlos Ficker traz um breve relato, em seu livro “História de Joinville: crônica da colônia Dona Francisca”, sobre como foi o dia da abolição da escravatura em Joinville: Veio, a 13 de maio de 1888, a Lei da Abolição dos Escravos. Na noite do dia 15, sob chuvisco e tempo nebuloso, percorreram a cidade de Joinville os negros e mulatos, moradores da redondeza, soltando foguetes e bombas, manifestando assim a sua alegria e dando vivas à Princesa Isabel. (FICKER,1965, p. 327)

A presença de escravos na região de Joinville é pouco falada nos livros locais. Havia negros escravizados sim, como em todo o país. E não eram poucos. Embora não fosse permitido ao colono, a prática era comum nas famílias


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de origem lusa que já habitavam estas terras muito antes da Sociedade Colonizadora Dona Francisca começar a trazer para cá os primeiros imigrantes. (DIAS, 2013, s/p) Durante todo o período colonial, a escravidão fez milhares de vítimas negras. Além de tirar-lhes o direito ao trabalho e vida digna, eram maltratados e torturados. De modo geral, a escravidão não foi contestada pelos diversos setores da sociedade. O que existiam eram algumas manifestações isoladas contra a escravidão, porém, até certo período a libertação do escravo dependia apenas do próprio senhor. Foi no início do século XIX que o cenário começou a mudar. Com as ideias revolucionárias que começaram a ser veiculadas no final do século XVIII na França e na Inglaterra, começaram a surgir no Brasil grupos e movimentos voltados para a extinção da escravatura. Na luta pela abolição, os interesses comerciais também falaram mais alto. A Inglaterra começou a ver com bons olhos a abolição depois que percebeu que os negros seriam consumidores de seus produtos, caso tivessem um salário e maiores necessidades particulares. “O comércio inglês estava em franca expansão, em virtude do desenvolvimento da indústria, e precisava, portanto, de mercados consumidores cada vez mais amplos.” (FERREIRA, 1978, p. 215.) As populações escravas não eram consumidoras, uma vez que não recebiam salários, e, por outro lado, o seu padrão de vida era mantido sempre muito baixo pelos senhores, que não estavam interessados em gastar com seus escravos mais do que o estritamente necessário. Deste modo, a Inglaterra, usando sua condição de nação preponderante no quadro internacional, passou a atuar no sentido de fazer desaparecer a escravidão, sobretudo na América, onde seus interesses eram maiores. Nos anos 1806 e1807, o Parlamento inglês decretou a abolição do tráfico negreiro em todo o império inglês e em 1833 aboliu a própria escravatura. (FERREIRA,1978, p.215)

Depois de decretar a abolição em seu território, a Inglaterra começou a pressionar outros países a fazerem o mesmo. Porém, em meio à decisão da Inglaterra,

o

Brasil

continuava

sendo

representado

pelas

classes

economicamente favorecidas, cujas fortunas estavam ligadas ao trabalho escravo. O primeiro grande precursor da ideia abolicionista foi José Bonifácio que, em 1823, apresentou à Assembleia Constituinte uma representação sobre


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a escravatura, na qual colocava a necessidade de se tomarem medidas para a sua abolição gradativa. É tempo, pois, e mais que tempo, que acabemos com um tráfico tão bárbaro e carniceiro. É tempo também que vamos acabando gradualmente até os últimos vestígios de escravidão entre nós, para que venhamos a formar em poucas gerações uma nação homogênea, sem o que nunca seremos verdadeiramente livres, respeitáveis e felizes (...) (BONIFÁCIO in MOURA, Clovis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil, 2004, pg.86)

Os movimentos a favor da abolição foram aumentando, apesar dos donos de escravos não se mostrarem favoráveis a aceitar a situação. Enquanto o governo brasileiro adiava a discussão do tema, os ingleses estavam pressionando o país. Com a demora brasileira, o parlamento inglês aprovou em 1845 a Lei Bill Aberdeen, que permitia que os navios ingleses fiscalizassem as frotas de todas as nações e apreendessem as que carregassem escravos. Isso fez com o Brasil tomasse medidas e, em 1850, aprovasse a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o comércio transatlântico de escravos. O governo imperial brasileiro resistia em banir o tráfico de escravos, contando com o apoio da elite. Contudo, havia tratados, normas sociais e acordos firmados neste sentido com a Inglaterra, país que, por razões econômicas, defendeu o fim do tráfico de escravos. No dia 4 de setembro de 1850, pela lei n◦ 581, o Brasil deu-se por vencido e tornou oficialmente pública a Lei Eusébio de Queirós, a qual decidiu categoricamente eliminar o tráfico de escravos para o Brasil. (COSTA, 2001, s/p.)

Em

1870

o

Parlamento

brasileiro

voltou

a

receber

projetos

emancipacionistas. O fim da escravidão dos negros estava cada vez mais forte e em 1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre, que considerava livres todos os filhos de escravos nascidos a partir daquela data. Já em 1885 foi aprovada a Lei dos Sexagenários, que decretava a emancipação de todos os escravos que tivessem mais de 60 anos. Depois dessas aprovações a campanha abolicionista tomou toda a força que precisava. De acordo com o historiador Olavo Leonel Ferreira, em seu livro “História do Brasil” (1978), com o crescimento da sociedade, a presença de escravos submetidos a um tratamento humilhante representava um espetáculo que desagradava à população. Além disso, ele explica que o isolamento


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internacional ao Brasil, em 1863, fez com que a abolição se aproximasse ainda mais. “Os EUA e a América do Norte já haviam decretado a abolição da escravatura e o Brasil permaneceu, portanto, o único grande país a manter a instituição escravista e continuar sofrendo forte pressão inglesa” (FERREIRA, 1978, p. 101) No Brasil os jornais abolicionistas começaram a surgir por volta de 1880. Mesmo não sendo a maioria, eles eram a forma de mostrar a luta contra a escravidão e o meio mais fácil de “influenciar” leitores a pensarem o mesmo. De acordo com Marcos Morel (2003), havia jornais abertamente abolicionistas e veículos que, embora divulgassem debates sobre o escravismo, eram predominantemente conservadores do ponto de vista social. (MOREL; Barros, 2003, pg.89) Porém, muitos jornais só demonstraram sua opinião a respeito do tema depois de 1885, quando a abolição já se tratava de algo praticamente consolidado. “A adesão mais consistente só ocorreu quando a derrocada da escravidão era eminente, diante do alvoroço das ruas e das senzalas. Mesmo assim, nem todos aderiram” (Machado, 2011, s/p.) Os jornais abolicionistas eram minoria diante daqueles defensores da escravidão ou “indiferentes” à questão. O que queremos destacar é que tais meios de comunicação expressavam os embates da sociedade, agindo como reprodutores e criadores desses movimentos. A grande contribuição da imprensa era evidenciar as diferentes visões e os interesses em disputa, envolvendo uma maior parcela da população. Essa era a expectativa dos abolicionistas ao buscarem publicar seus artigos na imprensa e fundar seus próprios jornais. (VALLE, 2010, pg.118)

No intento de dar fôlego à campanha contra a escravidão, os jornais abolicionistas publicavam qualquer notícia favorável, isto é, selecionavam os acontecimentos e os relatavam, segundo sua perspectiva, de forma que pudessem estimular novos avanços e mobilizar a opinião pública para a causa. (VALLE, 2010, pg.119)


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Porém, o Brasil continuou evitando a abolição completa e foi apenas em 13 de maio de 1888, com a nova legislatura de Princesa Isabel que, foi assinada a lei proibindo a escravidão no país. A lei trazia consigo nos dois primeiros artigos: “é declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Revogam-se as disposições em contrário”. A extinção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das liberalidades particulares, em honra do Brasil, adiantou-se pacificamente do tal modo, que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admiráveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários. Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente colaborar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido, confio que não hesitareis em apagar do direito pátrio a única exceção que nela figura em antagonismo com o espírito cristão e liberal das nossas instituições (MENEZES, 2009, pg.95)

A abolição foi comemorada com festa, porém não correspondeu às expectativas dos abolicionistas. Esperava-se que, depois de livre, o escravo tivesse uma educação de qualidade e auxílio para iniciar uma vida nova, o que não ocorreu. “O escravo não conseguiu escapar da marginalização, e fugiu em massa para construir o que hoje chamados de favelas.” (SANTANA, 1979, p.105)

1.2 A construção da República

É necessário contextualizar o cenário político e social da sociedade brasileira que estava em uma acelerada transformação. Durante esse século (XVIII), o país passou por dois reinados que foram fundamentais para o entendimento da história nacional como um todo. O primeiro reinado teve seu início em 7 de setembro de 1822, com a independência do Brasil. Com ela, o país não era mais colônia de Portugal e iniciava-se então uma nova fase da história brasileira, denominada Brasil Império. O Primeiro Reinado foi comandado por Dom Pedro I. Porém, esse governo enfrentou muitas dificuldades para consolidar a independência, já que em algumas províncias do Norte e Nordeste do Brasil, militares e políticos ligados a Portugal não queriam reconhecer o novo governo


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de D. Pedro I. Nestas regiões ocorreram muitos protestos, reações políticas e até conflitos armados entre tropas locais e oficiais. (COTRIM, 1986, p.94)

A notícia da independência não foi recebida com agrado pelas tropas e pelos comerciantes portugueses. Na Bahia, Maranhão e Pará, a resistência das juntas governativas, controladas por maiorias portuguesas mais interessadas em manter os laços com Portugal do que se submeter ao governo. A aceitação de Portugal à independência só foi obtida depois que o Brasil concordou em assumir uma dívida de dois milhões de libras esterlinas de um empréstimo feito por Portugal em Londres. (MOTA, 1978 p. 121)

A criação da Constituição de 1824 também marcaria a história do período por mais críticas a D. Pedro I. O imperador convocou, em 1923, a Assembleia Constituinte, que tinha como objetivo a elaboração de uma Constituição para o Brasil. A criação de um conjunto de leis que asseguraria os direitos do governo e da população brasileira contou apenas com membros da elite (latifundiários, comerciantes, militares). Além de definir os três poderes (legislativo, executivo e judiciário), criou o poder Moderador, exclusivo do imperador, que lhe concedia diversos poderes políticos. A Constituição de 1824 também definiu leis para o processo eleitoral no país. De acordo com ela, só poderiam votar os grandes proprietários de terras, homens, com mais de 25 anos. Para ser candidato era necessário comprovar alta renda (400.000 réis por ano para deputado federal e 800.000 réis para senador). Inconformados com o caráter elitista da Constituição de 1824 e com o uso de um poder centralizador por parte de D. Pedro I, representantes de algumas províncias do nordeste defendiam a federação de algumas províncias do nordeste e a separação destas do Brasil. O movimento foi sufocado com extrema violência pela tropa imperial. (Monteiro, 1982, s/p). Durante o Primeiro Reinado, outro fato importante na história do Brasil foi a Guerra da Cisplatina, ocorrida em 1825. O conflito teve início quando um grupo de dirigentes da província Cisplatina (hoje Uruguai) declarou a separação do Brasil e a sua incorporação à República Argentina. D. Pedro declarou guerra à Argentina e o exército brasileiro foi derrotado causando grandes prejuízos pelos enormes gastos e grande número de soldados mortos. A Inglaterra interveio no conflito, pressionando o Brasil e a Argentina a assinar um acordo de paz. Assim, a província Cisplatina declarou sua independência desses dois países, tornando-se a República do Uruguai. (MONTEIRO, 1982 s/p)


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D. Pedro abdicou de seu cargo em 1831, depois de muita pressão política vinda da elite e populares brasileiros. Dessa maneira, quem assumiu foi seu filho, Pedro de Alcântara (Dom Pedro II), que tinha apenas cinco anos na época. Dessa forma, teve início o segundo reinado, que se iniciou oficialmente em 23 de julho de 1840. O governo de D. Pedro II durou 49 anos e foi marcado por mudanças sociais, políticas e econômicas no Brasil. Um de seus marcos foi a disputa entre o Partido Liberal e o Conservador, que se revezaram no poder durante o segundo reinado. O Partido Liberal protegia os interesses da classe média da sociedade, a ambição dos bacharéis e cuidava do que era importante para os donos de terras. Já o Partido Conservador pregava a conservação do poder político nas mãos dos grandes donos de escravos campestres e não defendia nenhum caráter revolucionário ou democrático dentro do império. “Apesar de amplas discussões, a verdade é que ambos quase defendiam os mesmos interesses elitistas da época”. (SANTANA, 1979, p. 87) Também na segunda metade do século XIX, começou o que recebeu o nome de “Ciclo do Café”, quando o grão tornou-se o principal produto de exportação brasileiro, sendo também muito consumido no mercado interno. Os fazendeiros, que ganharam o título de barões do café, principalmente paulistas, fizeram fortuna com o comércio do produto. As mansões da Avenida Paulista refletiam bem este sucesso. Boa parte dos lucros do café foi investida na indústria, principalmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, favorecendo o processo de industrialização do Brasil. Com o ciclo também se fortaleceu a imigração, já que muitos imigrantes europeus, principalmente italianos, chegaram para aumentar a mão de obra nos cafezais de São Paulo, a partir de 1850. (SANTANA, 1979, p. 88)

Apesar de o café estar alçando voos naquela época, o império de D. Pedro II começou a entrar em crise. A classe média, inclusive funcionários públicos, profissionais liberais, jornalistas, estudantes, artistas e comerciantes, desejavam mais liberdade e maior participação nos assuntos políticos do país. Os mesmos grupos começaram a apoiar a implantação da República no país. Além dos ideais republicanos tomarem maiores proporções, outros problemas também levaram à derrocada do imperador. Integrantes do Exército


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Brasileiro se mostravam descontentes com a corrupção existente na corte. Além disso, os cafeicultores clamavam por maior poder político, visto que já tinham o poder econômico para tal, de acordo com as leis da época. (Ritzkat, 1999, p.63) Por fim, em 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca, com o apoio dos republicanos, que já haviam tomado força no país, destituiu o Conselho de Ministros e seu presidente. No final do dia, Fonseca assinou o manifesto proclamando a República no Brasil e instalando um governo provisório. No dia 18 de novembro, D. Pedro II e a família imperial brasileira viajaram para a Europa. Era o começo da República Brasileira com o Marechal Deodoro da Fonseca assumindo, de forma provisória, o cargo de presidente do Brasil. 1.3 O jornalismo da época É importante relembrar parte do início do funcionamento da imprensa no Brasil para entender os caminhos trilhados antes do surgimento do objeto de pesquisa deste trabalho, o jornal Folha Livre. Os dois primeiros jornais brasileiros foram o Correio Braziliense e a Gazeta do Rio de Janeiro, lançados em 1808. Porém, a liberdade de imprensa não acompanhou seus lançamentos. “Pouco mais de um mês depois, uma série de medidas renovou os dispositivos referentes à censura e à vigilância sobre os impressos.” (Associação Nacional dos Jornais) No Brasil, somente com a vinda de D. João VI, em 1808, começa a circular o jornal Gazeta do Rio de Janeiro. Como não podia ser diferente, ele tem como linha editorial divulgar e difundir os interesses da Coroa, sem conteúdo social. No mesmo ano da chegada da família real ao Brasil, José Hipólito da Costa edita o primeiro jornal de oposição ao domínio português, o Correio Braziliense, impresso na Inglaterra por total falta de liberdade de se o fazer no país. (Jardim & Brandão, 2014, s/p)

O surgimento do Correio Braziliense, editado em Londres por Hipólito da Costa, fez nascer a crítica contra o poder regente da época. Era o único veículo da época que mostrava as falhas da administração brasileira. Ao longo da história, a imprensa brasileira ia se desenvolvendo à medida que a política nacional ia tomando o rumo pós-independência. Com a proclamação da República, a grande imprensa manteve seu crescimento, agora com um pouco mais de prestígio, força e combatividade.


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Com a censura da corte, os jornais nasciam sempre controlados e, mesmo com a República, a imprensa não assumiu um papel mais evidente e contumaz de se posicionar acerca dos fatos. Sodré ressalta que, mesmo ostentando uma certa independência, os jornais brasileiros optavam por ocupar suas páginas com publicidade, a “empregar sua influência na orientação da opinião pública” (SODRÉ, 1999, p. 252)

O fim da censura da imprensa em 1821 facilita o aparecimento dos jornais comunitários, informativos de grupos políticos, étnicos e de categorias profissionais: alguns deles defendem a independência e a abolição da escravatura; outros estão ligados a ideias políticas de visão libertária de tendência anarquista; e outros são feministas, que defendem os interesses das mulheres. Em 1845, nasceu a imprensa social de caráter político no Brasil. Em 1° de agosto, foi editado o O Socialista, da Província do Rio de Janeiro, em Niterói, desafiando os poderosos representantes da Coroa Portuguesa (Rodrigues, 1996). Até 1900, são publicados 64 tipos de informativo no Brasil, o que ocasiona a prisão e o assassinato ou deportação de centenas de cidadãos ligados àqueles veículos. (Jardim & Brandão, 2014, s/p)

Do ponto de vista ideológico, no final do século XIX, a segmentação deuse em torno de duas clivagens: entre monarquistas e republicanos, como já mencionado, e entre abolicionistas e partidários da ordem escravocrata. “Em defesa dessas causas, as principais lideranças políticas e intelectuais debateram pelos jornais até que, num intervalo de 18 meses, a monarquia escravista

desse

lugar

à

república

de

homens

livres.”

(ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS)

No período que antecedeu a proclamação da República, surgiram jornais com tendências republicanas e abolicionistas. Isso em função de jovens de famílias abastadas que iam estudar na Europa e voltavam ao Brasil com idéias novas e liberais: idéias republicanas. Os ideais republicanos conquistaram a imprensa. Jornais defendiam a República e a libertação dos escravos. O movimento abolicionista era cada vez mais forte. (LOPES, Dirceu Fernandes, 2008. Diponível em: http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2008/jusp831/pag08.htm)

A imprensa destacava-se e recebia elogios, como este reconheciemnto de Machado de Assis: “Houve uma coisa que fez tremer as aristocracias mais


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do que os movimentos populares, o jornalismo”. Quintino Bocaiúva, jornalista republicano, fez do jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, uma tribuna para destruição do regime monárquico. Em 1875, nascia A Província de São Paulo, que mais tarde passou a se chamar O Estado de S. Paulo. A imprensa republicana já contava com 74 jornais: 20 no Norte e 54 no Sul. Em 1891, surgia o Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, montado como empresa. Trazia inovações como distribuição em carroças e ampliação dos correspondentes estrangeiros. Em 1895, era criado em Porto Alegre o Correio do Povo. (LOPES, 2008, disponível em http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2008/jusp831/pag08.htm) No estado de Santa Catarina o desenvolvimento da imprensa foi ocorrendo a passos lentos. O primeiro jornal do estado foi lançado em 1831, na cidade de Desterro, pelo capitão Jerônimo Francisco Coelho. Porém, de acordo com a historiadora Maria Joana Pedro (1995), até o final dos anos 40 do século XIX o jornalismo desterrense não passou de ensaios. “No começo já podíamos perceber características que marcariam o jornalismo catarinense até os anos 80 do século XX: vinculação partidária direta ou indiretamente com o poder público; vida curta; instrumento de política partidária”. No editorial de capa da edição inaugural, Jerônimo Coelho apresenta O Catharinense como um sentinela da liberdade movido “pelo amor pátrio” e não “pelo sórdido interesse”. O jornal colocase como redentor do povo contra os opressores. As palavras mais agressivas são dirigidas a Dom Pedro, a quem Jerônimo Coelho classifica de “estúpido, avarento e doido, que há pouco, espavorido, abandonou as praias do solo americano”. E continua seu ataque mordaz, convidando os provincianos a combater “esses orgulhosos mandões que, comumente, nas povoações pequenas, costumam ser o flagelo dos fracos”. (FERNANDES, 2007, p.124)

O exemplar era vendido a sessenta réis, na casa do próprio editor, onde estava instalada a gráfica na rua do Livramento, e em algumas casas comerciais. A assinatura custava mil réis, pelo período de três meses. Os primeiros anúncios, entre eles os da venda de escravos, apareceram somente na edição de número 22, publicada em 5 de janeiro de 1832, ano que também marca o fim do jornal. (FERNANDES, 2007, p.125) Desde o lançamento do Catharinense, passaram-se 31 anos para que a imprensa chegasse à região Norte do estado, mais especificamente à cidade de


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Joinville. O terceiro capítulo aborda mais detalhadamente a criação da imprensa em terras joinvilense.


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2. JORNALISMO E HISTÓRIA Não é de hoje que o Jornalismo e a História estão ligados e cruzam suas ocupações enquanto vivem a trocar informações. Com frequência, os jornalistas buscam a História para auxiliá-los em uma reportagem ou matéria sobre temas específicos. Por outro lado, aquilo que hoje escrevem os jornalistas pode, no futuro, servir à História e se tornar material de pesquisa. Enquanto existem discussões controversas sobre o real trabalho de cada um, a historiadora e pesquisadora de Jaraguá do Sul, Vera de Toffol, acredita que quem constrói a História é uma construção coletiva de todas as pessoas, através de seus atos, falas e escritos. Em entrevista para a monografia “A história e o jornalismo: possíveis aproximações” (2002), de Évilin Karina Fritzke, ela explica que a mídia, a notícia jornalística, escrita ou falada, somente reproduz informações históricas, mas não transforma fatos em história. São as pessoas do cotidiano que fazem a história que, de forma subjetiva ou imparcial, torna-se matéria jornalística e, por sua relevância, pode vir a ser um fato histórico.

A história é baseada em fatos passados, mas que podem ser provados através de documentos, objetos e até escavações subterrâneas. O jornalismo ajuda, e muito, na busca de algumas informações, como datas e nomes de pessoas. Mas as conclusões só são baseadas em análises de outros documentos escritos. (TOFFOL, 2002, pg. 23)

Para Silva (2004), o Jornalismo, enquanto segmento da comunicação de massa, mantém relações claras com a História. Ele se caracteriza como uma importante ferramenta de compreensão e repercussão do passado. As relações entre o Jornalismo e a História não são distantes, tampouco raras. A informação veiculada, sobretudo a informação proveniente de empresas jornalísticas, constitui um recurso largamente utilizado por historiadores e pesquisadores da história como instrumento de contextualização e retratação do passado. Por vezes, uma série de textos jornalísticos se une à história para recriar narrativas podendo até se tornar best-sellers, como é o


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caso do livro Hiroshima, do jornalista norte-americano John Hersey. Ele escreveu sobre a cidade de Hiroshima, devastada pela bomba atômica, a partir do ponto de vista de seis personagens, sobreviventes da tragédia. Se o passado for visualizado como algo que pode ser recuperado, as fontes, documentos e emblemas do passado que chegaram até o presente, sob forma de rastros, serão privilegiados na interpretação. (BARBOSA, 2007. p.17).

Barbosa ainda comenta que o historiador não é o único que poder ter direito a escrever sobre fatos históricos, porque estariam sendo excluídos também antropólogos, filósofos, sociólogos e cientistas políticos. Para ela, seria mais adequado debater qual metodologia foi utilizada por cada profissional para se chegar ao resultado de pesquisa. Há que se considerar ainda que o passado, mesmo se considerado como real, é sempre inverificável. Na medida em que ele não mais existe, só indiretamente é visado pelo discurso da história. Assim, tal como a ficção, também a reconstrução histórica é obra da imaginação. Por outro lado, qualquer construtor de textos configura intrigas que os documentos autorizam ou proíbem, combinando coerência narrativa e conformidade aos documentos. É também essa combinação que faz dos textos permanentes interpretações. (BARBOSA, 2007, p. 21)

Jornalismo e História não são distantes e suas relações não são raras. Como forma de completar um o trabalho do outro, a informação jornalística é utilizada para complementar o registro da historiografia. “Consideramos que são poucos os meios mais eficientes que o jornalismo utiliza para demonstrar os costumes, os valores e as ideologias de um determinado período ou momento histórico”. (SILVA, 2003, p. 5). O posicionamento de Fritzke (2002) sobre o debate em torno das duas áreas de atuação é de que ambos, jornalista e historiador, procuram-se quando precisam escrever o que realmente aconteceu. As disciplinas se mesclam e a imparcialidade e a veracidade de tudo se tornam indispensáveis para a continuação do Jornalismo e da História. A historiadora Maria Helena Rolim Capelato (1988), identificou que, na primeira metade do século XX, os historiadores brasileiros posicionaram-se de duas formas em relação ao documento-jornal: com desprezo, ao considerar os


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periódicos

como

fontes

suspeitas,

portanto

sem

validade;

ou

com

enaltecimento, ao encarar o jornal como repositório da verdade, considerando as notícias como relatos fidedignos dos acontecimentos registrados. Para ela, as duas posturas são contestáveis. O jornal não é um transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos e tampouco uma fonte desprezível porque permeada pela subjetividade. A imprensa constitui um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social. Partindo desse pressuposto, o historiador procura estudá-lo como agente da história e captar o movimento vivo das ideias e personagens que circulam pelas páginas dos jornais. A categoria abstrata da imprensa se desmistifica quando se faz emergir a figura de seus produtores como sujeitos dotados de consciência determinada na pratica social (CAPELATO, 1988, p. 21).

O que deve ser considerado também é que o jornal, assim como outra qualquer fonte histórica, deve ser utilizado de forma crítica pelos historiadores. Não é possível confiar em tudo que está escrito ou se deixar levar pelo discurso da fonte ali impressa. Apesar de ser uma ótima fonte de pesquisa e informação, o jornal deve ser acompanhado de uma análise profunda para ser utilizado em algum conteúdo histórico pelos profissionais da área. O pesquisador deve ter ciência de que um periódico, independente de seu perfil, está envolvido em um jogo de interesses, ora convergentes, ora conflitantes. O que está escrito nele nem sempre é um relato fidedigno, por ter por trás de sua reportagem, muitas vezes, a defesa de um posicionamento político, de um poder econômico, de uma causa social, de um alcance a um público alvo etc., advindos das pressões de governantes, grupos financeiros, anunciantes, leitores, grupos políticos e sociais, muitas vezes de modo dissimulado e disfarçado. O historiador deve estar atento que, na construção do fato jornalístico, não apenas os elementos objetivos e subjetivos de quem produz estão presentes, mas, também, os interesses do próprio jornal, além do que a produção jornalística mantém suas particularidades. (SARAIVA, 2015, p.9)

Celestino (2011) acredita que, após tantos anos de discussões entre os campos da História e do Jornalismo, está mais do que na hora de não só essas duas áreas, mas também outras serem englobadas na “escrita” diária da história de forma didática e natural. O que autoriza somente a historiadores a escreverem a história? Excluem-se daí não só jornalistas, mas antropólogos,


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filósofos, sociólogos, cientistas políticos? Não seria mais adequado propor a uma discussão de qual metodologia foi utilizada na pesquisa por esses diferentes atores em vez de simplesmente pleitear-se uma exclusividade sobre a abordagem de determinados temas? (CELESTINO, 2011, s/p) Histórica ou jornalística, é a narrativa que legitima o discurso, pois cria efeitos de continuidade do real, constituindo-se, talvez, na única forma de tornar inteligível o passado. O que é continuo não é a realidade, ou a forma na qual a realidade existe, na sua óbvia descontinuidade. A continuidade está corporificada no caminho da narrativa, que explica pelo seu curso sequencial ainda quando simplesmente informa. (FRITZKE, 2002, p.24)

Para Burke (1992), guardadas as diferenças entre o trabalho historiográfico e o jornalístico, a narrativa jornalística pode ser entendida como uma forma diferenciada que dá um tratamento singular ao acontecimento, a partir da narração do evento no presente, forçando-o a se relacionar com o passado, numa ordem inversa à da maioria dos livros de história, cujo enredo é construído do passado para o presente. (Burke, 1992, p.121). Isso coloca em jogo uma forma diferente de abordagem da relação entre eventos e estruturas. Quanto mais se analisa, mais argumentos são encontrados para aproximar a história do jornalismo. Beltrão (1992) considera o jornalismo como “a história que passa no presente. É interessante observar que as estruturas da produção historiográfica e jornalística encaixam os acontecimentos em forma de narrativa construída por um modelo específico de tempo e espaço. “A relação entre essas narrativas e os modelos de tempo/espaço que elas integram fica evidente a partir de uma análise das ciências da linguagem, observando as condições em que as próprias narrativas foram geradas.” (FRITZKE, 2002. p. 22) A notícia jornalística, assim como a narrativa histórica, pertence à ordem da linguagem natural, da retórica, e, por isso, submete-se às regras de sua própria produção. A arbitragem do jornalista, tal qual a do historiador, diz respeito a critérios e rigores profissionais que fogem do seu domínio consciente, mas que estão incorporados à estrutura institucional-burocrática da sua profissão e à sua lógica produtiva, com todos os seus pressupostos técnicos, teóricos e metodológicos. É preciso saber que é o fato


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que permite descrever os acontecimentos e é este que designa uma experiência de representação. (FRITZKE, 2002, o.23)

O sociólogo francês Gabriel Tarde considera a história como uma coleção das coisas mais bem-sucedidas que outras. Sendo assim, “uma nova palavra que vai sendo introduzida em uma língua pouco a pouco, mesmo que absolutamente indiferente para certa história, teria feito história, no sentido tardeano” (Ribeiro,Herschmann, 2008, p.84) Um fato histórico deveria inserir-se, para Tarde, em uma das seguintes opções: como progresso ou declínio de gênero de imitação, como invenção que é propagada por imitações ou, finalmente, como série de ações, humanas ou não, que impõe novas condições à propagação das correntes imitativas. Por exemplo, um tsunami que atinge um vilarejo ou a morte de um grande líder político. (Ribeiro. Herschmann, 2008, p. 84)

Este trecho está presente no livro “Comunicação e História: interfaces e novas abordagens” e sugere a ligação existente entre as duas profissões. Os autores ainda abordam o fato de que os jornalistas utilizam a História desde o século XIX, quando se tornaram comuns as conhecidas “retrospectivas” que trazem resumos de tudo que ocorreu ao longo de um ano inteiro ou mês. Há, portanto, uma dimensão histórica no jornalismo brasileiro permanentemente atualizada e utilizada para fins simbólicos e de distinção dos próprios profissionais que vai sendo construída na longa duração. As edições comemorativas, por exemplo, são práticas recorrentes nos jornais diários brasileiros desde o século XIX. (Ribeiro, Herschmann,2008, p.85)

Alguns autores explicam em suas teorias que, ao longo dos anos, a história mudou seus objetivos e sua forma de problematizar os acontecimentos. Essa mudança teria colaborado para intensificar a comparação com o trabalho jornalístico. De acordo com o historiador Rafael Ruiz (2005), houve três modos de entender a história e o papel do historiador. O primeiro foi o modelo clássico, que se voltava para o passado para mostrar o futuro, e perdurou até meados do século XVIII. O segundo tratou a descoberta da história como um processo progressivo e teológico, que leva a algum lugar e busca objetivos, abordando


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uma história do futuro. Já o terceiro e último modelo é a história do presente, a que mais se assemelha ao papel jornalístico pela maneira de trabalhar as narrativas e notícias. Porém, o próprio pesquisador mostra que o historiador não daria conta de todo trabalho do presente apenas com a bagagem histórica que possui, necessitando de outro tipo de narrador: o jornalista.

E esse mesmo narrador sempre adotará uma cosmovisão abrangente, sempre nos permitirá olhar para as personagens e para o fio condutor da sua história com um olhar mais amplo, mais relacional, onde tudo ou quase tudo – o político, o social, o individual, o íntimo, o econômico, o religioso, o explícito e o implícito... tudo, enfim, o que compõe a estrutura do humano – possa ser compreendido num único golpe de vista, o golpe de vista ao leitor, que será, ao mesmo tempo, espectador da história que está sendo contada e que lhe permitirá adquirir uma visão muito além do que até agora lhe permitiam os antigos modelos da história. (RUIZ, 2005, p.91)

Silva (2011) questiona até que ponto o que o leitor recebe é a realidade em si ou um compilado das vivências de historiadores e jornalistas, mas também considera que todo conjunto narrativo de notícias, seja qual for, acaba se tratando de uma representação e, mesmo assim, a informação não fica prejudicada por conta disso. Toda narrativa jornalística é uma representação da realidade, não a realidade em si. Do mesmo modo, todo trabalho de história é uma representação do passado. Ou seja, toda história é um relato subjetivo resultante de quem a escreve, do seu tempo e espaço. A história nos chega como narrativas, constitui um discurso dentre uma série de discursos (SILVA, 2011, p. 167)

Só podemos concluir que o jornalista, no que pese as especificidades da sua profissão, pode ser considerado um historiador do presente. Seus relatos são produzidos criteriosamente, com o uso de técnicas apropriadas e tendo em vista que ele não escreve, a priori, para a posteridade, mas para um público do presente que quer entender, de imediato, o que se passa nesse presente. Já foi dito que se há um lugar onde pulsa o coração da história, certamente esse lugar não são as salas frias


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dos arquivos e bibliotecas, mas as redações do jornal. (SILVA, 2011, p. 166)

O texto jornalístico é importante como aporte documental para estudos históricos por ser um lócus no qual a experiência sócio-histórica é filtrada e discutida, mas, como ocorre com qualquer discurso, tem base na ideologia de quem escreve. O discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala. Ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc. Qualquer enunciação por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta. (BAKHTIN, 2002, p.27)

Porém, uma das grandes críticas enfrentadas pelo jornalismo é justamente sua tendência ao imediatismo, o que, muitas vezes, pode acabar prejudicando uma boa cobertura de notícias e fatos, e isso incomoda muitos historiadores. O jornalismo transformou-se em uma profissão emergente e o repórter tornou-se o responsável por descobrir os acontecimentos, apurar e enquadrar os fatos perspectiva de notícia, com poder de despertar o interesse do público (SODRÉ, 1999, s/p). Hoje, devido à falta de tempo para apurar mais detalhadamente as informações e executar um trabalho de pesquisa com maior densidade, normalmente os jornalistas não conseguem reportar os acontecimentos de forma relacionada com os sistemas e contextos em que estão inseridos. Assim, a cobertura jornalística muitas vezes é feita apenas superficialmente. (SILVA, 2012, s/p)

O impacto tecnológico marcou o jornalismo do século XiX como iria marcar toda a história do jornalismo ao longo do século XX até o presente, apertando cada vez mais a pressão das horas de fechamento, permitindo a realização de um valor central da cultura jornalística – o imediatismo. De novas edições dos jornais no mesmo dia à quebra da programação televisiva anunciada como boletins, novos avanços tecnológicos nas últimas décadas do século


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XX tornaram possível, de longa distância, atingir o cúmulo do imediatismo – “a transmissão direta do acontecimento” (TRAQUINA, 2001, p.53).

Agnès Chauveau e Philippe Tétard também criticam em seu livro “Questões para a história do presente” a maneira como o Jornalismo “corre” contra o tempo para entregar matérias. De acordo com eles, os historiadores podem se concentrar mais no trabalho, trazendo informações mais completas e corretas, ao contrário do que apresentado pelos jornalistas. “A página do jornal é destinada ao lixo, a palavra e a imagem voam sem deixar traço tangível e são pouco arquivadas” (Chauveau, 1999, p.42). Com isso, demonstram grande isatisfação com a profissão jornalística, sem se colocar no lugar do repórter ou pensar que os historiadores não dependem de tempo tão curto e imediato para entregarem seus relatos.

As profissões do Jornalismo e da História cresceram separadamente, há um século e meio, e, pouco a pouco, delimitaram seus respectivos territórios numa indiferença recíproca. O jornalista, quer tenha os papéis de repórter, de redator ou de cronista, é um Sísifo do efêmero que 'escreve para o esquecimento’, como já dizia Henry Béraud. (Chauveau, 1999, p.42)

Enquanto Chaveau e Tétard apontam que o historiador se move comodamente desde o fim do século XIX em seu papel de “sábio moderno exercido na crítica das fontes, de grão-sacerdote da memória nacional e intelectual em pleno exercício”, também apresentam, na mesma reflexão, que estes não se preocupam com o tempo dos fechamentos diários. Ou seja, o jornalista se preocupa com a apuração, entrevista de fontes, escrita da matéria, edição do fato e entrega do texto, muitas vezes no mesmo dia, ao contrário dos historiadores, que dispõem de semanas, meses, até anos para explorar com toda cautela um mesmo tema. Essa diferença temporal é própria das profissões, mas, de todo modo, não assegura que o trabalho de um seja melhor que o do outro. Deve-se entender que os métodos de pesquisa e apuração de ambos os profissionais são muito parecidos. Tanto a História como o Jornalismo


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valorizam o relato oral de quem vivenciou fatos, buscam a veracidade ao longo de todo trabalho e escolhem suas fontes pelas prioridades. Essas escolhas, em ambas as profissões, fazem com que muitas minorias deixem de ser ouvidas em decorrência da comodidade de se ouvir fontes oficiais sobre os fatos, principalmente históricos. A História conta como Tiradentes foi morto, mas nos livros não estão os seus familiares que sofreram sua perda ao longo de tantos anos, apenas um exemplo para fazer pensar que ambas as profissões lidam com dificuldades para ouvir todas as fontes envolvidas em um mesmo fato. A forma como essas fontes são utilizadas é diferente, já que o jornalismo, muitas vezes limitado a determinado número de caracteres, não consegue inserir grandes relatos em matérias diárias; a História pode explorar amplamente as informações obtidas. Para a historiadora Maria Helena Rolim Capelato, apesar de ambas as profissões nem sempre ouvirem todas as fontes necessárias para escreverem sobre certo assunto, o uso de fontes “comuns” e não apenas oficiais no Jornalismo está alterando e enriquecendo a maneira como as histórias estão sendo repassadas ao público, o que é considerado um avanço para a profissão e para o desenvolvimento da história. A vida cotidiana nela registrada em seus múltiplos aspectos, permite compreender como viveram nossos antepassados – não só os “ilustres”, mas também os sujeitos anônimos. O Jornal, como afirma Wilhelm Bauer, é uma verdadeira mina de conhecimento: fonte de sua própria história e das situações mais diversas; meio de expressão de idéias e depósito de cultura. Nele encontramos dados sobre a sociedade, seus usos e costumes, informes sobre questões econômicas e políticas (CAPELATO, 1988, p.21).

Ainda para discorrer sobre os avanços do Jornalismo em relação à História, as historiadoras Heloísa Cruz e Maria Peixoto destacam o importante papel da imprensa periódica na historiografia contemporânea: A relação estreita entre História e Imprensa nas últimas décadas, tem contribuído de forma significativa para o conhecimento histórico das sociedades do passado, o que levou os historiadores a renovarem seus olhares e readaptarem seus posicionamentos e métodos frente à fonte jornalística. (CRUZ, PEIXOTO, 2008 s/p)


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História e Jornalismo devem, portanto, ultrapassar as barreiras da disputas para que todos os profissionais entendam que um trabalho complementa o outro. Dessa forma, jornalistas e historiadores podem compartilhar fontes, informações e conteúdos de maneira aberta e contribuindo para o conhecimento da sociedade. Dessa perspectiva, o Jornalismo deixa de ser visto como objeto de pesquisa “morto” e sem veracidade por certos historiadores, e a história deixa de ser considerada apenas como um campo do conhecimento ligado ao passado, já que é construída e moldada diariamente em toda sociedade.


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3. FOLHA LIVRE: PELA LIBERDADE EM JOINVILLE

3.1 A imprensa joinvilense no século XIX

Quando se pesquisa sobre a imprensa de Joinville há uma grande dificuldade em encontrar todos os jornais que passaram pela cidade, principalmente no século XIX, quando muitos abriram e fecharam as portas com menos de seis meses de funcionamento. Os registros no Arquivo Histórico do município também não são exatos, pois há falta de alguns exemplares ou matérias perdidas ao longo dos anos. Um marco na imprensa local foi o jornal alemão “Kolonie Zeitung”. Lançado em 1862, muitos acreditam que ele foi o primeiro jornal a ser escrito em terras joinvilenses, porém algumas pesquisas históricas mostram que a imprensa na cidade teve início dez anos mais cedo, em 1852. De acordo com a jornalista e pesquisadora Lilian Mann dos Santos, em seu livro “Kolonie-Zeitung , Uma História”, pouco mais de um ano após a fundação da Colônia Dona Francisca, ocorrida em março de 1851, o imigrante Karl Konstantin Knüppel foi o primeiro em solo joinvilense a publicar um jornal. Lavrador, ele chegou a bordo do veleiro Neptun, vindo de Pinne, província da Prússia ocidental, em 13 de dezembro de 1851. “Ele criou o primeiro jornal de toda região e o segundo em língua alemã no Brasil, apenas precedido pelo Der Kolonist, de Porto Alegre” (SANTOS, 2004, p. 26) Após ser nomeado escrivão da Colônia, Karl se inspirou a escrever sobre os fatos da região e da Europa, criando, assim, no dia 2 de novembro de 1852, o “Der Beobachter AM Mathiasstron”. A publicação, que traduzida significa “O observador às margens do Rio Mathias”, começou a debater os problemas da sociedade joinvilense da época com humor e leves críticas. Além disso, divulgava técnicas agrícolas, informações e orientações sobre a melhor forma do imigrante adaptar-se à nova terra. O jornal durou apenas oito meses, terminando de circular em 31 de julho de 1853. “Mesmo sem uma imprensa, Karl Konstantin Knüppel lançou o primeiro número do Observador manuscrito em papel carta duplo, vendendo cada exemplar a 120 réis aos leitores que disputavam sua aquisição.” (FERNANDES, 2000, p. 11)


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Em seu primeiro exemplar, o “Der Beobachter AM Mathiasstron” trazia um artigo sobre a imigração e o sentimento de estar em uma nova terra: Demos adeus às plagas do torrão natal...ah! Doloroso adeus! Apoderou-se de nós e consigo nos arrastou a possante corrente de desconfiança e do fracasso. Não tinha mais espaço para nós, a terra que fez a felicidade de nossos pais e que amávamos mais do que nosso sangue? O que foi - e continua sendo - que nos expulsou, aos milhares, da idolatrada e inesquecível pátria? É a vontade de uma Providência onisciente e insondável, que generosamente se revela, sempre que um coração torturado anseia por mitigação e que, pródiga, estende sua mão, onde existe alma em desespero. Eu te saúdo, minha nova pátria! (KNÜPPEL, 1852 apud SANTOS, 2004).

O que Karl realizou em 1852 faz parte de um movimento que Fernandes (2000) chama de “Imprensa de imigração”. Isso se dá quando, ao imigrar, criase um veículo próprio para divulgar inovações da nova terra, histórias do descobrimento da nova cidade e as diferenças entre os países. Essa imprensa de formou também em outras regiões de Santa Catarina, colonizadas por imigrantes alemães, italianos e húngaros ao deixarem suas terras em busca de melhores condições de vida no sul do país. Porém, mesmo que a ideia de Karl tenha sido considerada um marco na história e na imprensa joinvilense, até hoje pouco se fala do “Der Beobachter AM Mathiasstron” nas pesquisas e materiais de acervo. O arquivo histórico de Joinville não possui qualquer edição do jornal, que só parou de circular em 1853, depois que o imigrante resolveu se mudar para São Paulo. “Ele foi o jornalista pioneiro da Colônia Dona Francisca. Embora não se questione a importância do seu trabalho, não há até hoje na cidade de Joinville qualquer edificação, homenagem ou monumento com o seu nome.” (FERNANDES, 2000, p.13) Depois de dez anos, o dia 20 de dezembro de 1862 representa a data do retorno da imprensa joinvilense. Neste dia foi lançado o número experimental do “Kolonie Zeitung”, informativo da Colônia Dona Francisca e Blumenau. Pensada e produzida por Ottokar Doerffel, juntamente com o impressor e dono da publicação, Carl Wilhelm Boehm, a primeira edição vendeu 750 exemplares na Colônia.


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O custo para comprar o informativo avulso era de 160 réis, já a assinatura anual custava 6$000 e trazia as principais notícias do dia, temas políticos, piadas e informações da Europa. A partir do número um e pelo tempo afora, o jornal apresenta na página de rosto e na página interna a “Tagesgeschichte” (História do Dia), uma resenha dos mais importantes acontecimentos nos quatro cantos do mundo e nas várias regiões do Brasil, com destaques das ocorrências em Santa Catarina e, evidentemente, das noticias locais (SANTOS, 2004, p.27). O Kolonie era um jornal muito avançado para a sua época. Já em 1870, o periódico publicava as previsões meteorológicas, o índice pluviométrico de cada mês do ano e a temperatura. Os anúncios de casamento, óbito, venda, compra, noivado desmanchado e retratação eram freqüentes. Nas páginas da publicação, encontravam-se recados que hoje dia terminariam em processo – “Aviso que o fulano de tal é um ladrão. Favor não emprestar nada para ele. (SANTOS, 2004, p.29)

Porém, a vinda do Kolonie não foi fácil. A impressão do periódico só foi possível graças ao esforço de Ottokar Doerffel para a obtenção de uma oficina tipográfica na cidade. Em fevereiro de 1961, quando o embaixador suíço J.J. Von Tschudi veio à Joinville, Ottokar Doerffel relatou a absoluta necessidade de um órgão que propugnasse pelos anseios dos habitantes das colônias Dona Francisca e Blumenau. Tschudi conseguiu o financiamento por intermédio do Ministro dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, João Lins Vieira Cansanção e então foi encomendada a oficina tipográfica. No dia 11 de dezembro de 1862, a bordo do veleiro “Gellert”, chega a Joinville.Doerffel participou do primeiro exemplar como redator. Depois de tanto empenho, foi eleito o pai da imprensa joinvilense. (FICKER, 1965, p. 229)

SANTOS (2004) explica em suas pesquisas sobre o jornal KolonieZeitung que em seu início ele começou a ser pensado e editado todo em alemão, em duas colunas, no formato tamanho “chanceler” (dimensões aproximadas a uma folha de papel A4). Além disso, também circulava em Blumenau e São Bento do Sul.


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A primeira edição fez uma apresentação ao público, apresentando a linha editorial da publicação e seu comprometimento em divulgar a realidade social e política dos países da Europa: (...) o jornal publicará sempre um resumo, claro e compreensível, das mais importantes ocorrências mundiais, sobretudo dos fatos mais em evidência na Europa, dando atenção especial às coisas e à evolução dos acontecimentos nos países de língua alemã, (...). (DOERFFEL, 1862 apud FERNANDES, 2000)

A escritora Thereza Böbel (2001) conta que o Kolonie era um jornal muito avançado para a sua época. Já em 1870 o periódico publicava as previsões meteorológicas, o índice pluviométrico de cada mês do ano e a temperatura. Os anúncios de casamento, óbito, venda, compra, noivado desmanchado e retratação também eram frequentes. A publicação encerrou-se sem aviso prévio no 21 de maio de 1942, de forma que deixou os leitores confusos. “A redação do jornal publicou um aviso na edição do dia 21 de maio avisando que por conta das festividades de Pentecostes, o próximo jornal sairia somente dia 28 de maio. Porém, aquela foi a última vez que o Kolonie saiu na banca” (BÖBEL, 2001, p.466) Segundo SANTOS (2004), os jornalistas e proprietários do KolonieZeitung, Carlos Willy e Max Boehm, estavam enfrentando problemas para manter a publicação depois que o Brasil entrou ativamente na Segunda Guerra Mundial, o que acabou acarretando seu fechamento repentino: Filhos de pai e mãe brasileira, mas netos de imigrantes alemães, a situação dos editores do jornal se agravou após o afundamento de navios brasileiros durante a guerra, que provocou no país uma onda incontrolável de ódio, perseguições e aniquilamento dos descendentes brasileiros de italianos, japoneses e principalmente alemães ou portadores de nome alemão que aqui viviam. O Kolonie já estava na “lista negra” inglesa e assim impossibilitado de conseguir o material necessário para a impressão do jornal. (SANTOS, 2004, p. 32)

Quinze anos após o lançamento do histórico Kolunie-Zeitung, surge a Gazeta de Joinville, inaugurada em 25 de setembro de 1877. “Órgão de interesses agrícolas, mercantis e industriais da província de Santa Catarina”, como se denominou na primeira edição, tratava-se de publicação semanal, publicada toda terça-feira e vendida por 6$000 réis (assinatura anual).


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De acordo com a pesquisadora Elly Herkenhoff, em seu livro “História da imprensa de Joinville”, o jornal não mencionava editores nem identificava os responsáveis. Na primeira edição havia um artigo de apresentação à população, mostrando interesse em repassar, agora na língua portuguesa, as informações sobre as atividades econômicas da colônia. No nosso entender é de utilidade pública tudo o que tem por fim o melhoramento das condições moraes e materiaes do povo, o desenvolvimento e a grandeza da pátria, toda discussão das condições agrícolas, industriaes e econômicas em geral (Gazeta de Joinville, 1877 apud HERKENHOFF, 1998).

A história da Gazeta durou seis anos. A publicação fechou as portas em 1883 por falta de recursos financeiros para manter as impressões. Depois foi a vez do lançamento do periódico “O Globo” chegar às bancas da cidade. Lançado em 9 de março de 1884 e editado por Moreira Reis, apenas quatro meses após a inauguração trocou de nome para “O Democrata”. A mudança veio após o jornal assumir uma identidade liberal, com folhas político-partidárias. O jornal durou até junho de 1886 quando, nas eleições daquele

ano,

o

Partido

Conservador

do

Governo

Imperial

ganhou.

(HERKENHOFF, 1998, p. 71) A partir de 1884 se inicia a fase de criação de muitos impressos na cidade que duraram pouco tempo. Ainda em 1884 surge, no mês de julho, o jornal “A União”, redigido em português e com apenas uma página em alemão. Suas publicações eram apartidárias e relatavam assuntos semanais da Colônia. Já no mês de outubro do mesmo ano nasce também o impresso “Balão Correio”, que assume como finalidade primordial sua luta pela abolição da escravatura. O impresso Kolunie-Zeitung inclusive publicou as “boas vindas” ao Balão em uma de suas edições: “Recebemos e saudamos com satisfação imensa o colega que pretende sanar a falta profundamente sentida de um jornalismo posicionado em regiões acima de toda e qualquer querela política” (BOEHM, 1884 apud SANTOS, 2004). Já em 28 de outubro de 1885 surge o “Constitucional”. Redigido em alemão e português e, assim como todos seus antecessores, impresso na Tipografia Boehm, a publicação se encerra em 26 de março de 1886. O fechamento do periódico se deu depois de ter seu objetivo de criação


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alcançado: a eleição de Visconde de Taunay para Deputado Provincial pelo Partido Conservador. Também com objetivos políticos foi lançado, em 25 de dezembro de 1885, o “Neue Kolonie-Zeitung”. O “novo jornal da colônia”, na tradução, surgiu para apoiar a candidatura do advogado Francisco Antunes Maciel para Deputado, pelo Partido Liberal. Após a vitória de Taunay, o jornal decidiu mudar de nome e se reformular. Com o título de “Reform”, circulava duas vezes por semana em alemão e funcionou até o final de 1889. (HERKENHOFF, 1998, p. 76)

3.2 Apresentação do Jornal Folha Livre

É em 23 de janeiro de 1887 que chega à imprensa joinvilense o jornal que serve de objeto de análise desta monografia: Folha Livre. Em sua primeira edição, assim o periódico se apresentava: Ao público catharinense apresenta-se hoje a Folha Livre. Devido a iniciativa e aos esforços de um grupo de moços bem intensionados, a Folha Livre aparece a concorrer também ao jornalismo da província. O nosso programma é o programma de toda imprensa democrática e livre, moldado no mais sincero e acrysolado patriotismo. É FOLHA LIVRE porque alheia-se completamente das lutas inglórias e dissolventes da política partidária. É FOLHA LIVRE porque sua missão é o devotamento à causa pública e porque suas colunnas estarão sempre francas para tudo quanto for honesto e justo. Não queremos colher louros na carreira que vamos encetar-desejamos simplesmente granjear a estima do povo. Assim esperamos” (Folha Livre, 1887, nº1)

Após sua primeira edição, o jornal Kolonie-Zeitung se manifestou para dar as boas-vindas ao mais novo periódico da cidade: Folha Livre. Sob esse título, acaba de estrear um novo colega entre nós. Já havíamos noticiado o provável lançamento de uma folha local, em língua portuguesa, em nossa primeira edição deste ano, mas acreditávamos tratar-se de uma publicação de cunho republicano, lançada por um clube republicano a ser aqui fundado e realmente acaba de ser concretizada a fundação de uma sociedade de nome ‘José Bonifácio’, associação esta de um grupo de jovens que se declara responsável pelo lançamento do jornal. O número é otimamente redigido e acreditamos que o jornal terá um belo futuro, com a concretização de seu programa (BOEHM, 1887 apud SANTOS, 2004).


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A Folha se denominava republicana e foi fundada dentro da Sociedade José Bonifácio pelo paranaense Manoel Corrêa de Freitas. A organização fazia menção a José Bonifácio de Andrada e Silva, naturalista e estadista que lutava contra a escravidão e acreditava que a abolição era o futuro da economia brasileira, já que, para ele, não deveriam existir classes privilegiadas, todos deveriam ter seus direitos, consumir e assim, aumentar o ciclo econômico. (ROCHA, 1963, s/p) Manoel Corrêa de Freitas era um republicano paranaense, que dedicou parte de sua vida à “peregrinação”, viajando por todo país para difundir os ideais republicanos. Além de realizar conferências, era envolvido em ações políticas e culturais existentes para deslegitimar o regime monárquico. Ele também colaborou com vários jornais entre os anos de 1882 e 1889 que fossem antiescravagistas ou defensores dos ideais republicanos, caso da Folha Livre, onde se tornou redator da publicação. (VANALI; OLIVEIRA, 2014)1. A Folha Livre era dominical, vendida ao público por 3$000 réis a assinatura de 6 meses e por 3$500 réis se as edições fossem entregues na casa do assinante. Com quatro páginas divididas em três colunas e o pequeno formato de 26 x 36 centímetros, a Folha teve 24 edições até 3 de julho de 1887. Dizia-se propriedade de uma Associação, não identificando seus diretores ou proprietários. Porém, ao longo das edições, em pequenas notas de cumprimentos entre colegas de redação, descobre-se que eram seus redatores Ignácio Bastos, 25 anos, Celestino Júnior, Manoel Corrêa de Freitas e Leônidas de Barros. Na assinatura das matérias, nenhum destes nomes eram vistos, mas haviam os pseudônimos “Gonsalinho, Forragaita e Curuvina”. Apesar de não se saber quem era quem em cada texto, sabe-se que eram de algum dos republicanos. (FERNANDES, 2007, p. 173)

Fernandes (2007) analisou como a Folha Livre seguia uma estrutura editorial comum dos jornais da época, apesar de seu conteúdo ser mais áspero, com uso mais frequente de ironias e provocações. A publicação tinha seções fixas de artigos que ocupavam quase toda a primeira página e se 1

Disponível em: http://www.eeh2014.anpuh-rs.org.br/resources/anais/30/1403632630 _ARQUIVO_AnaCVanali-SimposioTematico14-resumocompleto.pdf


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estendiam pela seguinte. Além disso, continha um Folhetim, presente em praticamente todas as edições, chamado “Chuviscos”. “A bem da verdade, não se tratava de um folhetim no sentido clássico – romance em capítulos – mas de uma coluna de notas irônicas e críticas sobre o cotidiano dos joinvilenses. Era assinada pelo pseudônimo de Forragaita”. Outro espaço fixo era a Seção Noticiosa, com pequenas notas que frequentemente ocupavam até duas páginas de notícias gerais sobre Joinville e outros estados. A Seção Amena era de pequenos comentários, assinados por Gonsalinho e Curuvina. A Seção Livre (cartas de leitores) ocupava um reduzido espaço na última página. Os classificados também ficavam na página 4, eram em torno de oito anúncios diferentes por edição. “Este fluxo de anúncios evidenciava a já emergente economia de Joinville e a simpatia dos empresários locais à causa republicana. Afinal, quem não compactua com a causa, não vai anunciar seu produto naquele espaço”. (VANALI; OLIVEIRA, 2014).2 Porém, a Folha Livre foi um jornal mais abolicionista que republicano, embora a primeira causa não constasse no seu programa apresentado na primeira edição. Alguns artigos de fundo chegavam a ocupar até duas páginas combatendo o escravagismo, além de várias notas a respeito do tema. Em 20 de março, por exemplo, publicou o manifesto abolicionista do Centro Catarinense. Após a publicação, alguns proprietários de escravos chegaram a escrever para o jornal comunicando que tinham libertado seus cativos. “A Folha Livre era, antes de tudo, um jornal liberal no sentido de estar vinculado às mudanças exigidas pelo seu tempo e defendê-las com vigor. Era de espírito democrático, abrindo espaços para críticas inclusive contra o próprio jornal”. (FERNANDES, 2007, p. 175) Apesar da publicação ter fortes publicações e artigos contra a escravidão na Côlonia, ela não teve grandes repercussões nos livros de história da cidade. Carlos Ficker chega a comentar em uma linha de seu livro “História de Joinville, Crônica da Colônia Dona Francisca” sobre o surgimento da Folha Livre, porém, erra ao comentar que o veículo não possuía tendências

2

Idem ao anterior


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políticas. “Em 23 de janeiro de 1887, saiu a lume a ‘Folha Livre’, órgão sem tendências políticas” (FICKER, 1965, p. 326). Já o livro “História de Joinville: uma abordagem crítica”, de Apolinário Ternes, não faz qualquer menção sobre a existência do jornal Folha Livre. Quando relata a imprensa da cidade durante o século XIX, explica que muitos jornais aparecerem, mas que não tiveram tamanha relevância para o desenvolvimento jornalístico da região. A imprensa em língua portuguesa só viria aparecer em 1877, com a Gazeta de Joinville. Foi ela e o Kolonie Zeitung que se destacaram na cidade. Muitos outros jornais apareceram, mas tiveram vida efêmera, de muitos poucos meses ou de alguns anos. O Kolonie e a Gazeta foram os que, cada um na sua língua, mais conquistaram ressonância, profundidade e alcance mais largo junto à opinião pública. (TERNES, 1981, p.153)

Ao completar três meses de funcionamento em Joinville, a Folha já estava causando críticas e elogios dos moradores locais com suas publicações abolicionistas e republicanas. Abaixo transcreve-se, na íntegra, o artigo escrito em 1º de maio de 1887, na 15ª edição do jornal Folha Livre, que bem ilustra esses percalços: Tres mezes de Jornalismo: Na arena do jornalismo miúdo, muitos são os que cahem e desaparecem, sem deixar uma recordação, um vestígio. A indiferença e quase desprezo do povo pelos pequenos periódicos locais, faz com que eles gozem, na maior parte das vezes, apenas, uma vida ephemera e obscura, cheia de receios, de obstáculos de toda a natureza, que ameaçam-no de morte à todos os momentos. E entretanto são justamente as pequenas folhas locaes as que deviam, quando imparciaes e compenetradas da sua missão civilizadora, attrair maiores sympathias e colher mais fortes adhesões do povo, e isso por um irrefragável motivo – é que as pequenas folhas sobrecarregam de sacrifícios unicamente e não podem se tornar por consequência uma tarefa exclusiva de quem escreve para o publico, ao passo que os grandes periódicos podem, por sua vasta circulação, offerecer os necessários meios de subsistência. (...) As folhas publicadas nos grandes centros podem ser impunemente sinceras e imparciais. No meio de cem mil habitantes as verdades são fáceis e raramente acarretam odiosidades mesquinhas. Porém, entre nós é necessária


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alguma intrepidez para fazer a apreciação da marcha dos negócios públicos e commentar desapaixonadamente os acontecimentos do dia. Nessa luta obscura contra a ignorância, somos nós quase sempre os vencidos, porque por menor que seja o numero de ignorantes despeitados, sempre é o sufficiente para terminar a existência das pequenas folhas que só se conversam em pé à custa de sacrifícios. Se temos inspirado ódios e ridículos despeitos durante o primeiro trismestre, essas animadversões estão exuberantemente contra balançadas pelas innumeras sympathias que tem acolhido a Folha Livre em toda a área de circulação. Bem amesquinhados estaríamos nós se nossos modestos escriptos não tivessem occasionado fortes shympathias e múltiplas odiosidades, porque só as ideias de algum mérito civilizador tem o dom de ateiar sentimentos appostos, conforme ao caráter dos que a repellem ou assimilam. Os que por ventura esperavam que lançássemos a indiferença e olvido a questão do elemento servil, foram burlados em suas expectativas: nossa Folha tornou-se o acho enthusiasmado da causa da vítima. O ultra-abolicionismo não estava, é verdade, expresso verbalmente em nosso programa, mas ressaltava d’elle, como um raio de um foco. Era um corollario das nossas ideias democráticas. A epocha de transição passou para nós. Nosso caminho alargou-se, estendeu-se e uma estrella de esperança brilha em nosso céu. Os que auguravam com um sorriso maligno a nossa queda, enganaram-se inteiramente. Ao povo do 1º destricto temos a agradecer o decidido apoio que tem prestado à nossa Folha. (Folha Livre, 1º de maio de 1887) Apesar de anteriormente terem desejado “vida longa” à folha, a redação publica na 24ª edição do jornal que aquela era a última publicação do periódico abolicionista: Com o presente número chega a Folha Livre ao marco de sua existência, completando o semestre que foi o período marcado para teu viver. Por mais curta que fosse a sua vida poude ter ensejo de desviar-se do seu programa, entretanto nunca o fez. Trabalhou o quanto possível em prol do município e da província, já lembrando meios para desenvolvel-os, já reclamando medidas, já apontando deffeitos e louvando as boas praticas; no meio das lutas partidárias collocou-se sobranceira, estigmatisando os excessos


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e as enimosidades pessoaes; esposando as grandes causas, combateo a escravidão e a esterilidade governamental, sem comtudo offender, porque nunca entrou nos domínios da vida particular. Com o desaparecimento da Folha Livre acaba-se a nossa luta, da qual nos recolhemos sem louros porque nunca os pretendemos, mas sem levar comnosco ódios nem ressentimentos, e conservando uma grande soma de gratidão pelo acolhimento com que tão liberalmente foram pagos os nossos desinteressados serviços em favor dos negócios públicos. Se contra nós se armou alguma hostilidade, Ella foi tão impotente e ridícula, que não nos mereceu o trabalho de considerá-la: se tivemos desafectos elles foram tão poucos e pequenos que os despresamos. Lutando com serias difficuldades, procuramos vencê-las para tornar a nossa Folha independente dos pequenos interesses pessoais e livre de infundadas considerações. Está cumprida a nossa árdua missão: recebam os que apoiaram os nossos agradecimentos. A redação. (Jornal Folha Livre, 3 de julho de 1887)

E assim se despediu a Folha de seus leitores, deixando um legado de publicações abolicionistas e republicanas que serão analisadas neste trabalho nos próximos tópicos. A importância do jornal Folha Livre é inquestionável tanto como documento histórico da imprensa joinvilense, quanto dos movimentos sociais na cidade.

3.3 Análise de conteúdo

Segundo Bardin (2004), a análise de conteúdo é um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a discursos diversificados. O objetivo desse tipo de análise consiste na manipulação de mensagens, para que se possa enxergar mais além do que, aparentemente, está dito no texto. A análise de conteúdo é dividida em dois tipos: qualitativa e quantitativa. O que caracteriza a análise qualitativa é o que se pode deduzir ou o sentido que se pode atribuir às palavras, temas, às personagens etc. Já na análise quantitativa, o que pesa mais na pesquisa é a frequência com que determinados eventos aparecem no discurso. (BARDIN, 2004, s/p)


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Pode-se, por assim dizer, que o método de análise de conteúdo é balizado por duas fronteiras: de um lado a fronteira da linguística tradicional e do outro o território da interpretação do sentido das palavras (hermenêutica) o que, inegavelmente, requer considerar certa margem de subjetividade, posto que toda interpretação está sujeita à influências da história de vida do analista. Entretanto, tal grau de subjetividade tende a ser mais diminuído quanto maior for o aprofundamento teórico e rigor metodológico de quem analisa. De acordo com Franco (1986), se o pesquisador escolher seguir o caminho do domínio da linguística tradicional, a análise de conteúdo abarcará métodos lógicos e estéticos, onde se buscam os aspectos formais típicos do autor ou texto. “Nesse território, o estudo dos efeitos do sentido, da retórica (estilo formal), da língua e da palavra, invariavelmente evolui, na linguística moderna, para a análise de discurso”. Muitas vezes ouvimos dizer que nem sempre aquilo que se está escrito é o que verdadeiramente o locutor queria dizer, ou mesmo, que existe uma mensagem nas entrelinhas que não está muito clara, pois bem, chegamos a encruzilhada, onde nem sempre os significados são expressos com clareza absoluta, ou onde acaba a objetividade e começa o simbólicos de pesquisa que necessitam ser respondidas. (GOMES, 2004, p.612)

Algo que pode facilitar a análise de conteúdo de um jornal são as escolhas de recortes de tema ou categorizações. A análise da Folha Livre será voltada para as publicações abolicionistas do jornal ao longo de suas 24 edições, dessa forma, além da concentração em um campo mais exato da pesquisa, existem menos chances de se realizar uma análise superficial. O tema pode ser compreendido como uma escolha própria do pesquisador, vislumbrada através dos objetivos de sua pesquisa e indícios levantados do seu contato com o material estudado, como ensina Gomes (2004, p.613). O objetivo da utilização da análise de conteúdo no estudo da Folha Livre é buscar elementos, na própria materialidade do texto, que auxiliem a compreender como se dava a abordagem da temática abolicionista por este veículo de comunicação joinvilense, numa sociedade bastante conservadora e formada por uma maioria branca. Na atualidade, salvo por pesquisas esporádicas, percebe-se um nítido silenciamento e até apagamento dos


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assuntos ligados à escravidão na região Nordeste de Santa Catarina. Entendese, portanto, que um olhar mais atento aos textos do Folha Livre podem trazer à luz informações que auxiliem a identificar a atuação abolicionista em Joinville, seus êxitos e suas dificuldades. Em que pese a análise aqui proposta ser voltada ao conteúdo e não uma análise do discurso, é preciso não perder de vista que o contexto histórico. O material publicado em um jornal do século XIX é muito diferente dos jornais que existem atualmente. Além de não existir nenhum código de ética jornalística na época, as inovações eram poucas e a maneira de escrever e ordenar as matérias eram diferentes. Porém o papel do Jornalismo dentro da formação de opinião não está relacionado à época, está sempre presente. Os veículos de comunicação não apenas passam uma série de notícias a suas audiências, mas ajudam a construir a realidade e a montar sua própria opinião a respeito dos temas tratados. O entendimento dessas práticas permite compreender o jornalismo “na contemporaneidade e o modo como ele se insere e se relaciona com as mudanças sociais e culturais em curso” (STRELOW, 2010, p. 47). De acordo com Mills (1977, p. 307), os meios de comunicação não servem somente para oferecer informação, eles “orientam nossas experiências. Nossos padrões de credulidade de realidade são determinados por eles, e não pela nossa experiência pessoal fragmentária.” Lage (2006) explica que, para obter êxito nas pesquisas relacionadas à análise de conteúdo, é necessário compreender melhor o campo do jornalismo atentando para a linguagem utilizada pelos profissionais da área. Além disso, é preciso saber como se dá o processo de construção das notícias e das reportagens. Definir a linguagem jornalística “é restringir um conceito. As restrições que se aplicam à linguagem jornalística serão relacionadas com os registros de linguagem, com o processo de comunicação e com compromissos ideológicos”. (LAGE, 2006, p. 48)

Ao entender o “interior” das matérias jornalísticas e o que o repórter realmente estava querendo dizer ao noticiá-la, pode-se compreender melhor a influência dos meios de comunicação na formação e estruturação do acervo de conhecimento, as coisas que damos por supostas e que formam parte do nosso conhecimento de sentido comum, a influência nas pautas de interação e na definição de normas sociais e as formas específicas de controle social etc. Dessa forma, os meios serviriam como mediadores ativos no processo de


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construção social da realidade, ou seja, a realidade é enxergada como os meios mostram; o que existe é o que os meios exibem. (MONTERO, 1993, p. 122)

No jornal Folha Livre também é importante analisar, ao longo das matérias abolicionistas, a relevância, a proximidade daquele tema com a Colônia, qual o nível de interesse humano presente nessas informações, a importância científica, histórica e curiosidades sobre o assunto. Tudo são medidas para entender porque as notícias foram levadas da forma que foram ao público leitor, seja por meio de artigos de convencimento ou por meio de provocações e ironias, dois modos bem utilizados ao longo da Folha.

3.4 Análise das publicações abolicionistas da Folha Livre Como já informado anteriormente, a Folha Livre era mais abolicionista do que republicana. Porém, apesar de denunciar os maus tratos a escravos e defender abertamente o fim da escravidão não só em Joinville, mas em todo país, a Folha não consta como fonte de material histórico em livros sobre a imprensa de Joinville. Além disso, a história dos negros joinvilenses sempre fica em segundo plano diante da força da cultura alemã e dos discursos que reforçam essa “germaneidade”, como o de Apolinário Ternes (1981) que afirma que a abolição da escravatura não teve muita influência pela cidade, já que “os escravos presentes na época não eram de um número que merecia registro”. Com a análise de alguns trechos a seguir será possível perceber que a presença do negro e as notícias sobre eles existiram sim, e que, por mais que pudessem ser considerados em pequeno número se comparado a outras cidades, sua história, lutas e relatos são importantes como de qualquer outro imigrante alemão ou italiano da colônia. Para a análise de conteúdo foram identificadas cinco categorias diferentes, de acordo com o gênero discursivo ou forma estética adotada pelo jornal para repassar qualquer conteúdo que diga respeito ao abolicionismo e à presença de negros na cidade. A categorização é a seguinte: Humor: Ao longo do jornal Folha Livre percebe-se que uma das características da publicação é o uso da ironia, do sarcasmo dentro nas notícias e notas.


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Apesar de em alguns poucos momentos fazerem realmente piadas, a utilização do humor tem claramente o objetivo de realizar uma crítica social, fazendo o leitor refletir sobre o que está sendo dito “nas entrelinhas”. Folhetim: Diferente das tradicionais novelas e romances publicados em pedaços a cada edição de um jornal, como os tradicionais folhetins da época, a Folha Livre apresentou o seu com nome de “Chuviscos”. O espaço estava presente em praticamente todas as edições e trazia breves diálogos entre um dos escritores do jornal, com o pseudônimo de Forragaita, e o chamado “Moleque”. O moleque com quem Forragaita conversa ao longo das edições é um menino negro, mas não existem maiores informações sobre ele, sua idade ou o que aconteceu com o mesmo quando o jornal acabou. Apenas se sabe que ele não continuou acompanhando o repórter, já que na última edição, ao se despedir, Forragaita comenta que o moleque havia fugido há tempos. Os assuntos debatidos nesses folhetins eram aleatórios, conversava-se sobre a igreja, a sociedade de Joinville, política e as “fofocas” locais. Notícias: Qualquer notícia, mesmo que sejam pequenas notas sobre a presença de negros da cidade, dados sobre o número de escravos na região e outras informações estão separadas neste tópico. Algumas notícias eram denúncias de maus tratos a escravos, avisos de alforria, senhores que estivessem devendo aos negros e avisos de óbitos. Artigo de opinião: Os artigos de opinião estão presentes em algumas edições do jornal. Alguns não dizem respeito à abolição, mas esta pesquisa detém-se somente na temática abolicionista, por ser o foco principal deste trabalho. Os artigos variam bastante pela forma de sua escrita. Alguns apresentam a ideia de liberdade dos escravos por meio de argumentos racionais, tendo como objetivo convencer o leitor de que a abolição irá trazer benefícios para a economia e para toda sociedade em geral. Em outros momentos, a Folha utiliza a persuasão, apelando para argumentos emocionais, como a exposição de situações de sofrimento dos escravos tanto na colônia como no Brasil e mostrando que é desumano alguém não ter o direito à própria liberdade.


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Abaixo, a tabela refere-se às quantidades de ocorrências de textos com os conteúdos ligados a cada categoria ao longo de todas as 24 edições da Folha Livre: Tabela 1 – Quantidade de textos por categoria Categoria Humor

Quantidade 3

Folhetim

13

Notícias

24

Artigo de Opinião

12

Fonte: MANSKE, 2016

Ao todo, são 52 ocorrências de textos que citam negros, trazem o assunto da abolição à tona ou apenas realizam comentários a respeito do tema. O maior número se trata de notícias, logo em seguida vêm os 13 trechos de folhetins e 12 artigos de opinião, bastante utilizados para expressar o ideal republicano e abolicionista dentro da publicação. Os trechos que contém comentários humorísticos são poucos, mas não devem deixar de ser catalogados da mesma maneira. Em seguida, a análise do conteúdo aborda amostras de cada de cada categoria.

3.4.1 Humor Já na edição de número dois é possível ver a primeira provocação em tom de humor que, como já dito anteriormente, é ácido e sarcástico. A ideia da história diz que um pedante (pessoa que quer demonstrar conhecimentos exacerbados) conversa com um negro de maneira rebuscada apenas para demonstrar seu vocabulário, enquanto o negro possivelmente só faria cara feia de quem não compreende o que havia sido dito. Em alguma outra publicação, poderia parecer crítica à inteligência dos negros, mas conhecendo o histórico e contexto da Folha Livre, logo se percebe que é uma ironia e a figura ridicularizada é a do sujeito pedante.


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Figura 1 – Texto humorístico 1

Fonte: Jornal Folha Livre, nº2 – 30/01/1887

Na edição nº 4, do dia 13 de fevereiro de 1887, a nota assinada por “Um Curioso” questiona por meio de uma “pergunta innocente” se é permitido por lei abonar por 25 mil réis a filha de uma escrava por quatro anos de serviço.

Figura 2 – Texto humorístico 2

Fonte: Jornal Folha Livre, nº4 – 13/02/1887

A publicação

pode

parecer

confusa

e

sem

nenhum

tipo

de

contextualização até então. E, de fato, o leitor só entenderá do que se estava falando na edição de número 7, quando se publica uma crítica a respeito do tema. Trata-se, pois, de uma estratégia de comunicação usada, sobretudo pela publicidade, nos dias atuais, o teaser. Consiste em aguçar a curiosidade do leitor com uma informação incompleta que somente será dada mais tarde.


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Figura 3 - Contextualização

Fonte: Jornal Folha Livre, nº7 – 06/03/1887

Após comemorar o fato de que a corrente abolicionista está tomando força, o texto, assinado por “Um abolicionista”, explica o questionamento que havia sido lançada três edições antes. Como se pode ver, o “Senhor”, cuja identidade não é revelada, “alugou” os serviços de uma escrava por quatro anos. Porém, ao notar que esta tinha uma filha, resolver alugar os trabalhos dela como forma de recuperar os 25 mil já empregados e ainda lucrar mais cinco. É de se conjecturar que, à época, casos como este, publicados no jornal, corressem de boca em boca no povoado, sem grandes obstáculos para se descobrir logo de quem o texto tratava. Dessa forma então se entende a primeira “pergunta innocente” lançada. Pode-se perceber que com esta atitude o jornal não se preocupou sobre a continuidade da história para seus leitores. Afinal, alguém pode ter comprado a edição de número três e não adquirido a de número sete. Este então ficaria sem entender a primeira publicação? Apesar da crítica ser considerada válida e relevante para defender o fim da escravidão, a publicação poderia já ter tomado uma continuidade antes para evitar esse desencontro contextual.


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Entretanto, nos jornais da época era comum essa prática de lançar alguma indagação, sem uma resposta nem mais informações imediatas, como estratégia para provocar discussão entre os leitores e, ao mesmo tempo, conquistar mais público. Ainda hoje, em alguns jornais do interior tal prática ainda é adotada, ainda que contrarie os preceitos de clareza do jornalismo. A edição número 7 conta, em sua terceira página, com a piada abaixo:

Figura 4 - Piada

Fonte: Jornal Folha Livre, nº7 – 06/03/1887

Essa anedota não está dentro de nenhum outro contexto do jornal, apenas foi apresentada, separadamente, como forma de chamar a atenção para a abolição da escravatura, como se pode perceber. A conotação pode ser a de que a abolição já conta com o apoio das mulheres e, portanto, defensores da escravidão podem não mais ser considerados bons partidos pelas moças da Colônia Dona Francisca. 3.4.2 Folhetim O Folhetim “Chuviscos” existiu desde o primeiro exemplar do jornal, porém, para esta análise, importam os textos publicados a partir da edição de 20 de fevereiro, quando o repórter que o assina, “Forragaita”, informa seus leitores de ter “arranjado um negrinho” para comentar algumas de suas publicações ao seu lado. O jornalista não informa como o negrinho o encontrou, se foi alugado, comprado ou se apenas é um colega que fez na região. Porém, a partir desta edição, o negrinho participa de diálogos aleatórios sobre diversos assuntos da Colônia que podem ser vistos nas próximas edições. Não há como saber se o “moleque” ou “negrinho” é um personagem


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real ou fictício. O que fica evidente é a valorização do menino negro, como alguém inteligente e sagaz. Figura 5 – Texto do Folhetim 1

Jornal Folha Livre, nº5 – 20/02/1887

Neste primeiro diálogo apresentado ao público já se pode notar um tom de descontração quando o “Moleque”, como é chamado em todas as publicações que está presente, diz que seu objetivo é reparar nas mulheres bonitas e contar ao seu “Senhor” sobre as irregularidades da cidade. A leve crítica a respeito da igreja também fica perceptível na última fala. Ao longo das edições também se verá outros trechos críticos aos “falsos cristãos” da província, que gastam horas de reza, mas maltratam os escravos. Em outra edição, a crítica é feita ao Brasil e à maneira como o país sempre se vê na obrigação de tomar para si dívidas e problemas de outros países. No caso, o Moleque questiona quem arcaria com as despesas geradas entre alguns países europeus, caso guerreassem e caso a cólera atingisse as populações. Nisso, Forragaita expõe sua opinião afirmando que o Brasil é “o eterno paio dos outros países”. Destaque-se, portanto, que o espaço do Folhetim

era

também

utilizado

para

levantar

questões

nacionais

e


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internacionais e que, mesmo nestas, a opinião do “Moleque”, que representa os negros, é sempre levada em consideração. Forragaita e Moleque conversam como bons amigos, sem levar em conta qualquer diferença racial ou de classe. Este parece ser o efeito de sentido global desejado pela seção. Figura 6 – Texto Folhetim 2

Fonte: Jornal Folha Livre, nº5 – 20/02/1887

Outra publicação de Forragaita acompanhada pelo Moleque questionou a Guarda Nacional. No “Chuviscos” do dia 13 de março, o autor brinca com o fato de ter que se apresentar fardado ao comandante da Guarda e pede ajuda do Moleque para levar sua antiga espada a um ferreiro e desenferrujá-la.


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Figura 7 – Texto Folhetim 3

Fonte: Jornal Folha Livre, nº8 – 13/03/1887

O texto é irônico do começo ao fim e faz chacota da Guarda Nacional que, de tão inútil, há muito tempo o “Tenente Forragaita” não veste sua farda e só usa a espada (enferrujada) para matar ratos. Atente-se também para o trocadilho polissêmico com a palavra “fundição”, utilizada, primeiro no sentido de fundir metal, depois no sentido de “prejuízo” causado pelo “ex-presidente Paranaguá”. A parte final da conversa é metafórica, pois compara a Folha Livre a uma espada. Os “moços do grêmio” que oram perto da fundição, parece ser uma


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alusão aos jovens do Grêmio José Bonifácio, que deu origem ao periódico Folha Livre e que, notadamente, pelo teor irônico do texto, não aprovam a Guarda Nacional. Em alguns trechos, a ironia é também marcada graficamente, com o uso do itálico, como em “amigos” e “se fazem por bom senso”, justamente no momento em que o escritor está realizando uma crítica e, deste modo, utiliza o sarcasmo para se expressar. O itálico, assim como as aspas, são marcações que podem servir como um aviso ao leitor menos atento, de que o que se diz ali é uma ironia. O uso de figuras de linguagem, como a ironia, demandam um segundo nível de leitura, ou seja, trabalham com a interpretação do que não está explícito no texto. A identificação da ironia, do mesmo modo como ocorre numa relação intertextual, provoca a satisfação do leitor que se sente apto a decifrar uma mensagem que pode não ser clara para todos. No jornal de 20 de março, Forragaita repassa informações de que o Centro Catharinense está tentando alforriar alguns cativos e lamenta que, se isso acontecer, poderá perder seu Moleque de vista. Ao longo de vários exemplares de Chuviscos ele repete o verso “Adeus, Forragaita! Adeus, meu bensinho! Aonde estará o teu molequinho?” A insistência na trova parece aludir que a abolição está próxima e é certa.

Porém o autor sempre parece

comemorar a vida que o Moleque teria longe dele, livre como qualquer cidadão. A mesma publicação questiona os cristãos que vão à igreja rezar, declaram-se santos e depois batem no peito pedindo o perdão de Deus. Para a crítica ele se coloca no lugar da população, novamente grafando em itálico: “opinião de muitos: o negro não é gente”. Ele faz isso porque essa não é realmente sua opinião, mas deseja demonstrar como as pessoas que está criticando pensam.


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Figura 8 – Texto Folhetim 4

Fonte: Jornal Folha Livre, nº9 – 20/03/1887

Dentro do espaço “Folhetim”, o texto acima é o que traz a crítica mais mordaz, pois, com o fim de provocar compaixão, apela para a fé dos cristãos, evidenciando a hipocrisia daqueles que maltratam e escravizam os negros. Apesar de jocoso, o texto utiliza o próprio discurso religioso para demonstrar a incoerência de parte dos cristãos. O texto termina com a comparação desses cristãos a “demônios”, escolha léxica forte para o público a quem se destina. A publicação abaixo, que foi publicada no Folhetim do dia 27 de março de 1887, é interessante. Ao mesmo tempo em que parece ser mais um “Chuviscos” comum ao lado de Moleque, algo chama a atenção. Forragaita se


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mostra indignado com o fato de uma criança ser mandada para casa depois de entrar atrasada na sala de aula. Para quem, como esta analista, lê o texto fora do contexto de seu tempo, pode parecer, a primeira vista, que não há uma ligação com a questão dos negros. Porém, é uma relação intertextual – isto é, a referência a outro texto – que traz tal relação á tona. O trecho: “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, Se é mentira, se é verdade, Tanto horror perante os céus!”, pertence ao conhecido poema Navio Negreiro, de Castro Alves. Embora não seja possível afirmar com certeza, é possível inferir, por conta da citação do poema, que, talvez, a criança em questão fosse negra e, portanto, tenha sofrido racismo. Figura 9 – Texto Folhetim 5

Fonte: Jornal Folha Livre, nº10 – 27/03/1887


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Na última edição do Jornal Folha Livre, em 3 de julho de 1887, o Folhetim, despede-se do público e de tudo que há de sentir falta na cidade de Joinville. Figura 10 – Texto Folhetim 6

Jornal Folha Livre, nº24 – 03/07/1887


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Até na despedida, “Forragaita” mantém o estilo sarcástico e não poupa críticas às autoridades e destacando a morte da Folha como um alívio para essas autoridades que se verão livres da vigilância e das cobranças do periódico. É fato que a publicação não estava agradando a todos na cidade, visto as reclamações acerca de perseguições sofridas pelos próprios redatores dentro da publicação. Os materiais disponíveis para pesquisa, até aqui, não permitem saber se a Folha Livre fechou as portas por acreditar já ter cumprido seu objetivo, por algum tipo de pressão externa não divulgada ou por dificuldades financeiras. Ao final de sua despedida, Forragaita ainda faz menção ao Moleque, explicando que o menino fugiu, por isso não estava presente para dialogar com ele na última edição. Destaque-se, contudo, que o Moleque foi sempre um personagem importante para as crônicas do Folhetim da Folha. O jornal, portanto, considerava como preponderante, por meio desse personagem, o papel do negro no cenário joinvilense.

3.4.3 Notícias Como mostrado anteriormente, as notícias são a categoria com mais publicações, gerando 24 ocorrências sobre abolição ou assuntos relacionados aos negros, ao longo das 24 edições da Folha Livre. A primeira a ser analisada é do dia 30 de janeiro, quando o jornal faz uma denúncia de maus tratos praticados pelo comericiante Carlos Schnneider ao filho de uma escrava que trabalhava próximo à residência de Procópio Gomes. Apesar da insatisfatória qualidade do original prejudicar a leitura, é possível compreender:


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Figura 11 – Texto noticioso 1

Fonte: Jornal Folha Livre, nº2 – 30/01/1887

O intuito da denúncia foi fazer chegar ao Juiz e Promotor Público da cidade – e por certo à comunidade da Colônia - o relato de que Schneider havia agredido um menino negro de apenas 4 anos,

chamado Antônio. A

notícia deixa claro que o menino merece estar sob proteção da lei. Note-se o papel social do jornalismo cumprido neste tipo de notícia, que denuncia uma injustiça. A próxima notícia analisada é de 6 de fevereiro de 1887. A Folha noticia a visita de um homem negro americano à Itália, Frederico Duglass, de 70 anos, considerado, à época, um dos maiores apóstolos da liberdade. A Folha também publicou um trecho do que comentavam sobre ele no país europeu. A publicação narra parte da história sofrida de um descendente de escravos que estava “com a cabeça venerada, cuberta de cor branca e de glória” como a publicação mesmo expressa. A matéria alude que Frederico seja um dos personagens do famoso livro “A Cabana de Pai Tomás” (Uncle Tom's Cabin), da escritora Harriet Beecher Stowe. Lançada nos Estados Unidos em 1852, a obra inspirou a luta abolicionista e narra, com indignação, o comércio de escravos. Dois anos depois do lançamento, surgiu, nos Estados Unidos o Partido


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Republicano, que defendia a causa abolicionista. O presidente norte-americano Abraham Lincoln teria dito à Harriet: “Foi a senhora que, com seu livro, causou essa grande guerra”, referindo-se à Guerra da Secessão (1861-1865).3

Figura 12 – Texto noticioso 2

Fonte: Jornal Folha Livre, nº3- 06/02/1887

A próxima notícia mostra como era a vida dos escravos fugidos da época e os desafios que enfrentavam ao tentar se livrar de seus Senhores. Figura 13 – Texto noticioso 3 Fonte: Jornal Folha Livre, nº7 - 06/03/188

3

MENEZES, Hugo Lenes. Folhetim da escravidão: o caso de Bernardo Guimarães. Disponível em: http://www.brasa.org/wordpress/Documents/BRASA_XI/Hugo-Menezes.pdf


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A notícia comenta sobre duas jovens escravas que fugiram de seu antigo senhor depois que o mesmo tentou agredi-las. A duas vieram fugidas para Joinville, após dias sem comer e passando mal, foram atendidas pelo abolicionista e liberal João Evangelista Leal, que pedindo ao Juiz da cidade, conseguiu a liberdade de Rita, uma das escravas. Não se comenta mais nada sobre Eugênia, a segunda escrava fugida. Fica evidente, a postura da Folha Livre de defesa dos escravos e, ao mesmo tempo, de denúncia de agressões por parte dos senhores de escravos ou de qualquer outro tipo de violência que tivesse os negros por vítimas. As notícias de solturas de escravos também eram publicadas com destaque pela Folha Livre. Cada episódio de soltura era motivo para comemorar o avanço do pensamento abolicionista na Colônia, mesmo que fosse pequeno. Notadamente, qualquer notícia nesse sentido era utilizada como exemplo e estímulo para que outros fizessem o mesmo. Na época, quem soltava seus escravos tinha por hábito fazê-los trabalhar por mais alguns anos como “pagamento” pela sua liberdade. Mesmo após anos de trabalho escravo, ainda “deviam” aos seus senhores pela liberdade. Se, por um lado, a Folha não concordava com essa prática, ainda assim buscava elogiar tais ações como meio de incentivar outros fazendeiros a fazerem o mesmo.

Figura 14 – Texto noticioso 4

Fonte: Jornal Folha Livre, nº8 -13/03/1887


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Figura 15 – Texto noticioso 5

Fonte: Jornal Folha Livre, nº11 - 03/04/1887

Figura 16 – Texto noticioso 6

Fonte: Jornal Folha Livre, nº21 -12/06/1887

Anúncios de óbitos de negros e pessoas ligadas à causa abolicionista também eram motivos de notícia no Folha Livre. A equipe de redação, ao que é possível perceber até o momento desta análise, tinha como objetivo valorizar qualquer participação do negro na sociedade e sua luta diária. Abaixo, trecho


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que noticiou a morte de Frederico da Silveira, “abolicionista sincero”, segundo a redação da Folha.

Figura 17 – Texto noticioso 7

Fonte: Jornal Folha Livre, nº8 -13/03/1887

Na edição de número 9, em 20 de março de 1887, a Folha publicou na íntegra o manifesto do Centro Catharinense. Embora se trate de um texto que poderia estar vinculado à categoria Artigo de Opinião, está aqui exposto porque dele depende a contextualização de notícias que se seguiram a sua publicação. Além disso, o referido artigo não foi escrito por articulistas do periódico. O manifesto aborda como a escravidão atrasa a evolução progressista brasileira e como estava na hora de o Brasil tornar todos seus cidadãos livres para viverem suas vidas. “Nossa famosa terra natal não será das últimas a apagar de seu seio a escravidão”, diz Miguel Antonio Fontana, presidente do Centro. Abaixo o manifesto na íntegra:


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Figura 18 – Manifesto do Centro Catharinense


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Fonte: Jornal Folha Livre, nº9 -20/03/1887

Após a publicação do manifesto, as próximas edições trazem notícias sobre como sua publicação influenciou a Colônia. Uma em si merece destaque: a informação de que um mesmo Senhor que libertou seus cinco escravos sob condição de pouco mais de um ano de serviço apenas, uma vitória para a época que merecia ser comemorada. O texto claramente atribui a atitude ao manifesto do Centro Cathariense, conforme demonstram as linhas iniciais.


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Figura 19 – Texto noticioso 8

Fonte: Jornal Folha Livre, nº10 -27/03/1887

No dia 3 de abril, a Folha Livre traz informações sobre a atualização de matrícula de escravos, que deveria ser feita uma vez por ano para que seus senhores tivessem o direito de possuir tais negros, caso contrário, era direito deles, por lei, serem soltos. Na notícia, uma longa lista com todos os nomes de escravos libertos é divulgada, assim como o número de 96 escravos registrados oficialmente em Joinville no ano de 1887.


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Figura 20 – Texto noticioso 9

Fonte: Jornal Folha Livre nº11 – 03/04/1887

Dez edições depois, a Folha volta a trazer dados sobre o número de escravos. Porém, desta vez, consegue trazer números atualizados de todo Brasil. Santa Catarina é um dos estados que menos possuíam escravos na época, o que não eliminava o sofrimento desse contingente. Interessante observar a preocupação do periódico com os dados numéricos comparativos para uma época em que prevaleciam as opiniões.


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Figura 21 – Texto noticioso 10

Fonte: Jornal Folha Livre nº21 – 12/06/1887

3.4.4 Artigos de opinião Embora a ocorrência de artigos opinativos sobre a temática abolicionista seja menor que as notícias e os textos do Folhetim, há que se destacar que ocupam mais espaço, variando de uma a duas páginas inteiras. O primeiro artigo de opinião postado na Folha Livre sobre a escravidão foi do dia 6 de fevereiro de 1887, na 3ª edição do jornal. Com o título “Lavoura e Indústria”, o texto é voltado para o setor agrário e econômico brasileiro que, segundo a Folha, não vai progredir até abandonar a mão de obra escrava. O texto valoriza o papel das famílias que trabalham para garantir seu sustento e afirma que as terras catarinenses devem trabalhar cada vez mais, mas pensando no futuro e nos avanços sociais que estariam a caminho com a liberdade dos escravos. Há muitas críticas ao governo e a reclamação de que a província catarinense não recebe o mesmo tratamento de outras, consideradas mais importantes e, sobretudo, a defesa do trabalho livre “que não só dá o pão de cada dia ao povo, mas também leva ao lar da família a ordem e a moralidade,


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os princípios de paz e o nobre orgulho de independência conquistada”. Trata-se de argumento que apela à persuasão, a desafiar o brio dos catarinenses. Outra estratégia discursiva adotada para argumentar a favor da abolição é a exemplificação. O autor utiliza a província de São Paulo como exemplo de que o trabalho livre favorece o crescimento econômico. Figura 22 – Trecho de artigo opinativo 1

Fonte: Folha Livre 6/2/ 1887

O segundo artigo de opinião foi publicado no exemplar de número 7 e tinha como título “A escravidão por cá”. Figura 23 – Artigo opinativo 2

Jornal Folha Livre, nº7 – 06/03/1887


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Novamente, o texto cita outros estados que já estão demonstrando forte interesse pelo abolicionismo, enquanto Santa Catarina não parece se importar em acabar com esse problema. Neste texto, predominam argumentos persuasivos, ou seja, que apelam para a emoção do leitor, citando os maus tratos aplicados aos escravos. O artigo parece dirigir-se, especialmente, aos conservadores,

como

forma

de

tentar

demovê-los

de

seus

hábitos

consolidados e perceberem que precisam tomar atitudes, tomar as rédeas de sua vida e não ficar esperando pelas ações de governantes que só agem em próprio benefício e de seus pares. A edição de número 11 lança o maior artigo de todas as edições: “O Abolicionismo”, que questiona as práticas econômicas em que grandes fortunas estão nas mãos dos que menos trabalham, enquanto negros escravos morrem de fome. O texto expressa um sonho abolicionista de ver negros trabalhando normalmente nas lavouras ou onde for, a economia crescendo e o povo liberto como deve ser. O articulista recorre a uma comparação para enaltecer a força abolicionista em outros lugares do país. Compara o Ceará com o coração do Brasil e o Amazonas, a cabeça e o Rio Grande do Sul, os pés. Ao enaltecer essas províncias, o Folha Livre argumenta que dali a abolição se irradiará para o restante do país. Em seguida, por meio de linguagem metafórica, compara a abolição com a força da água, que pode começar com uma gota, mas se transforma em torrente com força para levar tudo que há pela frente. É o modo de dizer que o movimento abolicionista ganha força e, em breve, não poderá mais ser detido. O trecho reproduzido abaixo é o argumento que será, ao longo do artigo, desconstruído pela Folha Livre. Figura 24 – Trecho 2 de artigo opinativo

Fonte: Folha Livre, 3/4/1887


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A contra-argumentação fundamenta-se em: - informação de que, no Ceará, mesmo depois de libertos, escravos continuaram a trabalhar muito; - o atraso brasileiro se deve à escravidão que “avilta a religião do trabalho” - a indústria no Brasil é nula e o comércio privilegia o estrangeiro; - alto custo do funcionalismo (que serve aos governantes); - injustiça social, como se vê no seguinte trecho: Figura 25 – Trecho 3 de artigo opinativo

Fonte: idem

No fragmento acima, novamente por meio de metáfora (a lavoura é um vampiro) ocorre a denúncia da desigualdade desumana entre senhores e escravos. - que a vontade popular quer a abolição, mas uma minoria, incluindo abastados e os governantes, não a aprovam porque são os beneficiados; Em seguida, o articulista passa a denunciar maus tratos ainda sofridos pelos negros, inclusive em Joinville e também a perseguição sofrida pelos abolicionistas, como no trecho abaixo:

Figura 26 - Trecho 4 de artigo opinativo

Fonte: Ibidem


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O artigo é também uma conclamação para que mais pessoas se juntem à causa da abolição. “O abolicionismo inativo é tão inútil como as árvores sem fruto; agir, agir e agir, eis a mola do triunfo”, incita o articulista. A comparação e a repetição, estratégias retóricas, são recorrentes para defender a ideia defendida. O texto termina otimista, reforçando a ideia de que a abolição é certa e breve, mas, novamente, recorre à metáfora: “A aurora desponta além, o sol não tarda.” Também o artigo publicado no dia 19 de junho de 1887 mostra a esperança de a abolição estar perto. O artigo se estende afirmando que a escravidão estava expirando pela região. Todos os demais artigos de opinião seguem a mesma toada: a defesa efusiva da abolição por meio de argumentos que mesclam motivos racionais, sobretudo econômicos, dando conta de que, com o trabalho livre o Brasil alcançaria o progresso - já que as pessoas se esforçariam mais para produzir riqueza para si mesmas; os ricos investiriam também em indústrias, em vez do então cômodo caminho de explorar a agricultura com mão de obra escrava – e também motivos que apelam para a emoção, como a denúncia de maus tratos e da situação degradante dos negros. A estratégia discursiva de mostrar exemplos é recorrente em quase todos os textos opinativos, seja mencionando casos de libertação de escravos, seja citando regiões onde o movimento abolicionista é mais forte no Brasil. O esforço de análise empreendido neste capítulo evidenciou que Joinville de modo algum esteve ausente do contexto escravocrata e, consequentemente, da luta abolicionista, ao contrário do que alguns historiadores fizeram parecer. Se o Folha Livre precisou adotar mecanismos discursivos tão distintos para tratar da importância da abolição – seja pelo humor, pelo Folhetim, por notícias ou por artigos de opinião – e se precisou apelar tanto para a persuasão emotiva quanto para argumentos racionais, é que, por certo, lidava com sentimentos extremamente conservadores na Colônia Dona Francisca e arredores. Ainda que a trajetória da Folha Livre tenha sido curta, seu legado informativo para a história de Joinville e para parte da história catarinense, precisa ser melhor explorado a fim de se evitar o silenciamento da participação do escravizado na construção de Joinville, assim como o silenciamento ou


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pouca valorização dos abolicionistas na construção da imprensa local. Assumidamente combativo, o Folha Livre desafiou o status quo de sua época e de seu lugar e, por certo, foi uma influência positiva para libertar muitos negros da escravidão em solo catarinense.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde seu nascimento em 23 de janeiro de 1887, o jornal joinvilense Folha Livre já mostrou que nascia com tendências republicanas. Porém, ao longo de suas edições ficou ainda mais destacada a causa abolicionista, trazendo folhetins, sátiras, notícias e artigos de opinião que relatavam a presença dos negros e da escravidão na então Colônia Dona Francisca. É

importante

ressaltar

que

o

jornal,

apesar

de

defender

as

ideias antiescravagistas, não informava apenas sobre esse tema, também comentava sobre os fatos diários de Joinville, de outros estados brasileiros e até mesmo de outros países. Além disso, lançava duras críticas políticas e sociais sobre temas como a falta de gestão pública da época, por exemplo. O jornal também apresentava anúncios diversificados em todas as edições, o que nos leva a pensar que a publicação agradava a muitos comércios locais, como um bom veículo de propaganda. Foi possível perceber que a Folha Livre não possuía qualquer tipo de ressalvas em criticar aqueles que simpatizassem com a escravidão, fossem membros da comunidade, fossem senhores de escravos. Do mesmo modo, a pena afiada voltava-se contra grandes fazendeiros, a guarda nacional e o governo vigente, escancarando seus erros ou falhas. Apesar da publicação se mostrar com um pensamento evoluído defendendo o direito dos negros e lutar contra a escravidão, fica evidente nas edições a presença do pensamento machista, próprio daquela época. Enquanto a publicação representava muito bem os direitos antiescravocratas, não dava a devida atenção ou não tinha a devida consciência de outras lutas sociais e das demais minorias da Colônia. Obviamente não nos cabe realizar uma análise a respeito desse tema, já que o trabalho se propôs a focar apenas no conteúdo que diz respeito aos negros e à abolição. Fica o desejo de uma próxima análise voltada para a luta feminina joinvilense para a qual a leitura da Folha Livre também será importante registro da sociedade joinvilense do final do século XIX.


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A Folha pode ser considerada um veículo à frente do seu tempo. Além da causa abolicionista que defendia avidamente, utilizava artifícios discursivos diversificados e interessantes para conquistar o público leitor para o entendimento dos negros como seres humanos tão merecedores de liberdade e respeito quanto os brancos. Como evidenciado ao longo da análise de conteúdo, o humor, sobretudo por meio do sarcasmo e da ironia, eram armas recorrentes para criticar e relatar fatos voltados ao negros e, até mesmo, para idealizar um mundo no qual brancos e negros tivessem os mesmos direitos e obrigações. Além disso, a criação do folhetim Chuviscos traz a presença de personagens e expõe as ideias da Folha por meio de uma aparente conversa fiada, tal como costumam fazer os cronistas. Moleque é um "negrinho" que conversa com Forragaita, pseudônimo de um dos jornalistas da Folha, sobre diversas situações da Colônia, geralmente aquelas que merecem ser criticadas. Ou seja, o Folhetim esmera-se por trazer a visão de um jovem negro para tudo que se passa em uma sociedade dominada por brancos, como a mostrar a necessidade de ouvir e, mais que isso, dar atenção ao que os negros de então tinham a dizer. Não é demais repetir que o “Folhetim” da Folha Livre não seguia o padrão dos folhetins tradicionais de outras publicações da época, ou seja, embora os trechos publicados a cada edição apresentassem sempre os mesmos personagens, não se tratava de uma história em ordem cronológica, mas de fragmentos de diálogos entre Forragaita e Moleque. O uso de pseudônimos pelos escritores também é uma característica – própria do movimento abolicionista brasileiro – e que se repete na Folha Livre. Parece mais uma forma de acompanhar essa tendência presente em centros maiores, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, do que, propriamente uma preocupação em ocultar a identidade, já que todos acabam, em momentos diferentes do jornal, revelando seus nomes próprios ao longo de notícias e artigos de opinião. Além do mais, há que se considerar que no pequeno povoado que formava a colônia na época não fosse tarefa das mais difíceis saber quem escrevia um jornal tão polêmico. O uso de artigos de opinião, forma mais convencional para os jornais da época, adotava também duas estratégias argumentativas distantes com o propósito de atrair o público para a defesa do abolicionismo. Ora utilizavam o


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convencimento por meio de argumentos racionais, como a necessidade de progresso econômico, por exemplo, ora apelavam para a persuasão, isso é, para argumentos que fisgassem o leitor pela emoção, como o relato de maus tratos sofridos por mulheres e crianças negras. Esse tipo de argumentação inclui reflexões sobre como todo ser humano deve ter direito à saúde, educação, trabalho, direito de ser livre para conduzir sua própria vida. Os argumentos calcados em motivos racionais abordam a injusta distribuição de renda, denunciando a concentração da riqueza nas mãos de poucos fazendeiros e do governo. Defendiam que a escravidão impedia que os negros fossem também consumidores e que o trabalho escravo emperrava o crescimento econômico do país. Com o fim da escravidão, os negros receberiam por seu trabalho e poderiam consumir artigos e bens necessários, o que faria a economia girar. Fica evidente nos artigos de opinião, o largo uso de exemplos, metáforas e analogias, a fim de facilitar o entendimento e o convencimento dos leitores. A exemplificação também ocorre nas notícias. Ao noticiar a libertação de cativos ou, ao se exaltar estados mais adiantados no caminho do fim da escravidão, o jornal incentiva seus leitores a procederem da mesma forma. As notícias, e também os artigos, ainda possuem a função de denunciar abusos, maus tratos e injustiças em relação aos negros. Ao longo desse trabalho foi possível perceber como o material histórico presente na Folha Livre é pouco utilizado por historiadores e pesquisadores da cidade. Os livros de história da cidade praticamente não comentam sua existência ou a existência do povo negro na região, o que é um grave problema social até os dias de hoje, pois essa visão distorcida interfere na construção histórica não só de Joinville, mas de todo norte catarinense. Essa monografia surge também com esse objetivo: de mostrar a presença do negro e da luta abolicionista em Joinville. Convém dizer que não foi tarefa fácil concluir a análise das publicações que formam o corpus deste trabalho. Apesar da Hemeroteca Digital Catarinense ter realizado um trabalho magnífico de valorização da história da imprensa joinvilense, com a digitalização de todo o material da Folha Livre e disponibilização online dos arquivos em PDF, algumas páginas e trechos já se encontravam rasgados ou por demais desgastados, dificultando assim a


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leitura. Outro obstáculo enfrentado foi a falta de material que auxiliasse a contextualizar as publicações. Isso fez com que o trabalho de análise dos textos se parecesse, em muitas ocasiões, com a tarefa de juntar um quebracabeças sabendo que há peças faltantes. Se, por um lado, a leitura dos exemplares da Folha Livre permitiram viajar ao passado, por outro também permitiram refletir sobre o tempo presente e estabelecer conexões com o momento atual vivido pela imprensa brasileira, sobretudo com os chamados veículos independentes. Impossível não pensar em “jovens moços” que atuam na Mídia Ninja, nos Jornalistas Livres, na Pública e em tantos outros canais que travam diariamente uma luta contrahegemônica. Tal como os rapazes da Folha Livre, lá no século XIX, esses veículos independentes de hoje desenvolvem um jornalismo ativista em defesa dos direitos humanos, das minorias, de causas ambientais... São odiados pela parcela conservadora da população. Impossível não cogitar como seria a Folha Livre nos dias atuais? Com a internet, novas plataformas de publicação, rapidez da informação, como estariam Forragaita, Gonsalinho e Curuvina relatando as crises vivenciadas pelas minorias do país? O jornal Folha Livre se mostrou uma rica fonte de memória tanto da imprensa de Joinville quanto da sociedade daquela época. Deve, pois, estar presente em outros trabalhos acadêmicos – de Jornalismo, História, Sociologia... - como objeto de pesquisa fundamental para se compreender a Joinville de ontem e de hoje. Se servir este trabalho para trazer à tona a importância da Folha Livre, de sua luta ao lado dos escravos, já terá sido de grande valia. Se, além disso, estas páginas puderem incentivar outros estudantes e pesquisadores a se aprofundarem no estudo da Folha Livre para uma melhor compreensão do negro, das mulheres e de outras minorias regionais e suas histórias de luta, a sensação de dever cumprido será ainda maior.


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ANEXOS

Anexo A - Artigo de Opinião, Jornal Folha Livre nº 22.

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


91

Anexo B – Notícia. Jornal Folha Livre, nº04

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


92

Anexo C – Notícia de Jaraguá. Jornal Folha Livre nº 05

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo D – Pergunta Inocente. Jornal Folha Livre nº07

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


93

Anexo E – Folhetim Chuviscos. Jornal Folha Livre, nº 07

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


94

Anexo F – Forragaita. Jornal Folha Livre, nº 07

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo G – Conversa com Moleque. Jornal Folha Livre, nº07

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


95

Anexo H – Adeus, Forragaita. Jornal Folha Livre, nº09

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo I – Resultado do manifesto. Jornal Folha Livre, nº 10

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


96

Anexo J – Sessão noticiosa. Jornal Folha Livre, nº11

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo K – Liberdade do escravo Luiz. Jornal Folha Livre, nº11

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


97

Anexo L – Nós e Vós. Jornal Folha Livre, nº13


98

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo M – Lista escravizados. Jornal Folha Livre, nº13 Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


99

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo N – Conversando com Moleque. Jornal Folha Livre nº13

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


100

Anexo O – Escravizados. Jornal Folha Livre, nº14

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo P – Escravos no Paraná. Jornal Folha Livre, nº14

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo Q – Alforria. Jornal Folha Livre, nº14

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


101

Anexo R – Três meses de jornal. Jornal Folha Livre, nº15

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


102

Anexo S – São Bento. Jornal Folha Livre, nº15

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo T – A vara. Jornal Folha Livre, nº15

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


103

Anexo U – Moleque vai ao circo. Jornal Folha Livre, nº17

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


104

Anexo V – Bispo de Olinda. Jornal Folha Livre, nº18

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


105

Anexo X – Pelos Escravos. Jornal Folha Livre, nº19

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


106

Anexo Y – Projeto de Lei. Jornal Folha Livre, nº21

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo Z – Relação Escravos. Jornal Folha Livre, nº21

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


107

Anexo AA – Efervescência Abolicionista. Jornal Folha Livre, nº21

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo BB – Sr. Capitão Leal. Jornal Folha Livre, nº 22

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


108

Anexo CC – Escravidão e Prosperidade. Jornal Folha Livre, nº23


109

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.

Anexo DD – Conselheiro Dantas. Jornal Folha Livre, nº23

Fonte: Jornal Folha Livre, disponível em Hemeroteca Digital Catarinense.


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