VINCENT SESERING
A MENTIRA NOS TEMPOS DE INTERNET: VIRALIZAÇÃO DE BOATOS NA ERA DAS REDES SOCIAIS
Monografia
apresentada à Associação Educacional
Luterana Bom Jesus/Ielusc para obtenção do grau de Bacharel
em
Comunicação
Social
-
Habilitação
Jornalismo, sob a orientação da professora Drª Maria Elisa Máximo.
Joinville 2016
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“De todos os lugares repletos de mentira neste mundo imenso, a internet ĂŠ sem dĂşvidas o mais repleto deles" Clarice Lispector
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AGRADECIMENTOS Quando penso em agradecimentos, aqueles discursos longuíssimos do período anual de premiações em Hollywood logo vêm à mente, mas espero que este trecho não fique tão enfadonho quanto alguns deles. Quero agradecer, então, da maneira mais sincera mas também da mais breve possível, a todos que direta ou indiretamente estiveram envolvidos no processo de produção desta monografia. À minha família que sempre me apoiou não só nos altos e baixos da minha vida acadêmica mas também da minha existência. Aos meus pais que me dizem desde sempre que eu posso conquistar tudo o que desejo, mas principalmente a minha irmã, talvez a minha amiga de mais longa data e uma das pessoas mais importantes da minha vida. Aos meus colegas e a meus professores e professoras do Bom Jesus Ielusc, que proporcionaram uma descoberta pessoal minha de amor pelo jornalismo, algo que antes deste período da minha vida eu nunca imaginei que fosse sentir. E em especial um muito obrigado à Maria Elisa, minha orientadora, que não só me orientou e me ajudou a sistematizar uma tempestade de ideias mirabolantes como suportou todas as minhas "flexibilizações de prazo". E finalmente à Karol, que é também família e é também colega jornalista, mas que, além de tudo, é uma inspiração. Dona não só desse coração como de metade do mérito de tudo que alcancei nos últimos quatro anos.
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RESUMO Este trabalho parte da um questionamento diretamente ligado às rotinas jornalísticas no contexto do ciberjornalismo e à viralização de boatos nas redes. Estas rotinas estão, afinal, conectadas a maior presença de factóides, rumores e teorias conspiratórias nas redes? Esta pergunta leva não só à exploração da possível correlação entre estes costumes, mas ao questionamento de outros aspectos como a construção de verdade e mentira e das definições precárias de objetividade e subjetividade. Por meio de uma categorização de tipos de boatos que aparecem com certa frequência nas redes e da leitura de uma impressão generalizada de que estamos num cenário onde tais boatos são cada vez mais frequentes, a ideia de que um mundo mais globalizado e que põe a imprensa no mesmo patamar financeiro de qualquer outro segmento se solidifica como uma propriedade problemática do jornalismo atual. Palavras-chave: Boatos. Apuração. Ciberjornalismo. Objetividade. Facebook. Redes sociais
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SUMÁRIO INTRODUÇÃO
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1. A OBJETIVIDADE E VERDADE JORNALÍSTICA
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1.1 O problema da objetividade
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1.2 A verdade jornalística construída
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1.3 As características determinantes do jornalismo na web
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2. VERDADE E MENTIRA
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2.1 A verdade como ausência de mentira
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2.2 A mentira
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2.3 Nem verdade, nem mentira
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3. DISTORÇÕES, SENSACIONALISMOS, ASSESSORIAS ACIDENTAIS, CORRELAÇÕES E TEORIAS CONSPIRATÓRIAS
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3.1 Distorção de discurso ou fatos
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3.2 Falta de apuração usada como ferramenta pelo sujeito da notícia
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3.3 Correlações estranhas
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3.4 Teorias da conspiração
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4. UM OCEANO DE FACTÓIDES
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4.1 A palavra do ano
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4.2 As eleições norte-americanas e o Facebook
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4.3 Jornal, revista, portal, site, blog, canal? A forma do jornalismo online
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4.4 Como ganhar dinheiro na rede mundial de computadores
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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INTRODUÇÃO Esta monografia pretende analisar as relações entre a viralização de mentiras na internet e a apuração jornalística no contexto do ciberjornalismo. Para tal, o trabalho terá como base uma revisão teórica dos conceitos de verdade e mentira, bem como sobre as características e o modus operandi comuns no ciberjornalismo e mesmo do jornalismo antes da internet. A partir disso, a pesquisa tem como foco o levantamento de boatos e rumores que surgem na rede a partir de websites que reúnem boatos e notícias mentirosas. Pensei pela primeira vez no tema e no problema a ser abordado em meados de 2014, ao refletir sobre a quantidade de notícias mentirosas que circulavam nas redes sobre os candidatos à eleição presidencial daquele ano. Concentrados no Facebook, na maior parte, os boatos, na época, iam desde o envolvimento dos participantes em esquemas criminosos até citações falsas de personalidades sobre eles. Percebi que imagens chamativas e com textos curtos e diretos também são passadas quase que automaticamente para frente. É notável também que, além de ser comum dentro das mídias sociais, os padrões podem atingir veículos que possuem credibilidade. Através de textos falsos postados em blogs, estas mentiras circulam por toda a rede e, por falta de verificação e apuração dos jornais, podem se tornar uma bola de neve e crescer, atingindo a internet de maneira viral. Vale ressaltar neste ponto que, por mais que sejam bastante comuns no Brasil na época da minha pesquisa - talvez por conta das crises política e econômica pelas quais o país passa - os boatos inventados e transmitidos não são exclusivamente de cunho político e se estendem por uma gama que vai desde mortes de celebridades até conflitos internacionais. As perguntas que surgem ao abordar uma temática acabam denunciando a sua amplitude de possibilidades de estudos, visto que a discussão sobre verdade e mentira não é nova e nem a relação com a imprensa. Além disso, o leque se expande quando se pensa no mundo “conectado” que vem se estabelecendo e se
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enraizando ao longo das duas últimas décadas com a expansão da internet comercial. Os objetos empíricos desta pesquisa são, portanto, os veículos de mídia e os sites e portais que reúnem o tipo de notícia inventada, tema central deste trabalho. Tendo como base os estudos de mídia, é possível estruturar a pesquisa para que ela seja feita por dois caminhos bem definidos, mas que se conectam ao longo do processo: conceitos de verdade e mentira e fazer jornalístico no ambiente online. Para falar de notícias mentirosas neste trabalho, parti do princípio mais básico possível, o de estabelecer e definir o que é uma notícia mentirosa ou o que é uma mentira. E para tentar definir ou pelo menos buscar um caminho para a definição, as primeiras leituras partem da instituição do que é a verdade. As bases teóricas são o texto ditado pelo filósofo Friedrich Nietzsche, em 1873, Verdade e Mentira no Sentido Extra-moral, A Ordem do Discurso (1970), de M. Foucault e o livro Um Monte de Mentiras (1994), do antropólogo John Arundel Barnes. A partir destas fontes já é possível estabelecer como princípio que o conceito de que existe uma verdade imutável é tão construto da sociedade humana como qualquer mentira inventada e que até mesmo a luta da ciência pela compreensão do que é natural acaba interferindo no que seria a “real verdade”. Outro tema relevante a este estudo é a divisão de áreas nas quais a verdade é mais frequente que em outras, como nos estudos científicos, justamente, em comparação com política, por exemplo. No campo jornalismo, a rotina ideal passaria pela escolha da pauta, apuração, produção, edição e publicação. A realidade, contudo, principalmente quando se trata do factual e não de reportagens mais aprofundadas, a sequência destes processos acontece de modo mais rápido do que deveria. Características determinantes do contexto do jornalismo praticado nesta era de redes sociais deverão ser uma das bases teóricas do trabalho. É importante considerar também a importância da confiança empregada no jornalismo pelas pessoas. Se uma notícia é publicada por um veículo, logo
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entende-se que ela é verdadeira. Então, se os jornais, revistas, blogs e sites passam a publicar factóides com mais frequência, algumas coisas acontecem. O jornalismo fere uma de suas mais importantes funções, a de informar, e o público perde a confiança no que é publicado e acaba, com isso, ferindo a credibilidade dos veículos. Além disso, esta “epidemia” de mentiras ou de meias verdades pode gerar um ciclo vicioso que resulta no aumento de discursos de ódio, intolerância ou quaisquer ideologias que se alimentam desse tipo de ignorância. Acompanhando a construção do que seria verdade e mentira num sentido mais amplo, o primeiro capítulo tenta encontrar uma definição, ou algo próximo disso, da verdade jornalística, além de trazer à tona particularidades do fazer jornalístico atual. Em seu livro, Ciberjornalismo (2012), a jornalista Carla Schwingel elenca
como
principais
características
instituidoras
do
ciberjornalismo,
multimidialidade, interatividade, hipertextualidade, customização de conteúdo, memória, atualização contínua, flexibilização e processos automatizados. Talvez pelos processos mais líquidos e flexíveis em comparação com os sólidos métodos antigos, o jornalista não tenha que lidar com o fato de que a notícia será impressa e imutável como acontecia. O trabalho deve se apoiar, principalmente, mas não somente, nesta pesquisa bibliográfica para a construção dos capítulos de contextualização. Como fonte de dados reais e modo de auxiliar a pesquisa e a busca de respostas à problemática principal, devo também analisar websites que reúnam formal ou informalmente boatos que viralizam na web e que estão ou não envolvidos com má apuração jornalística. O foco, contudo, estará nos boatos mais ligados às más práticas da função do repórter, do editor. A monografia é dividida quatro capítulos. Os dois primeiros com foco em teorias e definições para contextualizar respectivamente conceitos de mentira e verdade dentro do jornalismo, além de trazer à tona características do ciberjornalismo e o questionamento mais amplo sobre verdade e mentira em outros campos; o terceiro concentrado na análise dos objetos e de casos espalhados para a web e além, entre os escolhidos tanto por meio do levantamento dentro dos sites
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que desmascaram boatos quanto nas próprias redes sociais (sobretudo o facebook) dividi as mentiras que circulam em quatro categorias de análise com naturezas específicas; e o último capítulo analisa não só os casos expostos como também relaciona as características destacadas nos capítulos um e dois com evidências de uma impressão geral de que os factóides estão muito mais presentes na rede do que estavam anteriormente.
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1. A OBJETIVIDADE E VERDADE JORNALÍSTICA Num mundo idealizado, o fato, o acontecimento seriam as únicas matérias-primas possíveis para jornalismo, a objetividade seria o caminho a ser seguido e a subjetividade e os interesses pessoais teriam um peso muito menor. Subjetividade, interesses pessoais, contudo, fazem parte da complexidade humana. É improvável, para não dizer impossível, que alguém consiga despir-se de toda uma construção social única e pessoal antes de escrever uma matéria ou fazer uma apuração. E objetividade, verdade e mentira são conceitos que foram construídos ao longo de séculos de civilização também por meio de uma infinidade de subjetividades e interesses. A este capítulo inicial cabe a tarefa de se aproximar de uma definição do que é a verdade para o processo jornalístico praticado nas redações e nas não redações onde ele é produzido atualmente. Para atingir tal objetivo, buscam-se conceitos como objetivos da notícia, critérios de noticiabilidade entre outros que sirvam como fundamentação para a construção de tal definição. Além da verdade, este segmento do trabalho deve também construir uma contextualização sobre o jornalismo atual e levantar alguns dos seus problemas característicos a serem debatidos no capítulo final de análise. Como o foco da análise, dentro do campo jornalístico, é a proliferação de boatos ou factóides, a pesquisa deve se concentrar principalmente em notícias e não em reportagens. Ou seja, busco aqui um foco mais em boatos que surjam do imediatismo das rotinas jornalísticas, dos erros que podem surgir de falhas no processo de apuração em vez de mentiras deliberadas. Como uma base do que é notícia, partamos do princípio de definição de Lage (2001) em Ideologia e Técnica da Notícia: Entre os gêneros de texto correntes nos jornais, a notícia distingue-se com certo grau de sutileza da reportagem, que trata de assuntos, não necessariamente de fatos novos; nesta, importam mais as relações que reatualizam os fatos, instaurando dado conhecimento do mundo. A reportagem é planejada e obedece a uma linha editorial, um enfoque; a notícia, não. (LAGE, 2001, p.25)
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Por mais que a última frase da citação possa ser vista como questionável porque as notícias dadas por um veículo não necessariamente estariam livres de linhas editoriais ou enfoques específicos, a simplificação é efetiva: enquanto reportagens são costuradas a partir de assuntos ou temas relativamente complexos, notícias, além de mais curtas na maioria dos casos, surgem a partir de fatos novos. Em sua leitura de John Hohenberg (também citado por Lage), Adelmo Genro Filho n’O Segredo da Pirâmide (1987) traz uma expansão de uma possível definição do que é notícia. Hohenberg afirma que é impossível conceituar a notícia porque o conceito varia em função do veículo. "Para os matutinos é o que aconteceu ontem; para os vespertinos, o fato de hoje. Para as revistas, o acontecimento da semana passada. Para as agências noticiosas, emissoras de rádio e televisão, é o que acabou de ocorrer". Por isso, ele nos oferece apenas as "características" da notícia: "As características básicas da notícia são precisão, interesse e atualidade. A essas qualidades deve ser acrescentada uma quarta, a explicação. Qual a vantagem de um noticiário preciso, interessante e atual, se os leitores não o entendem?" (GENRO FILHO, 1987, p. 25)
Por meio de tais perspectivas é possível trazer à tona não só uma definição como também objetivos - ou características - de precisão, interesse, atualidade e explicação. De encontro a isso estão as quatro razões de ser do jornalismo segundo o pesquisador norte-americano F. Fraser Bond no livro An Introduction to Journalism: “Journalism has four main reasons for being: to inform, to interpret, to guide, to entertain”1 (BOND, 1964, p.5). Além das razões de ser, Bond traz em sua análise o que considera deveres fundamentais da imprensa como imparcialidade e independência. É válido deixar claro aqui que informar, guiar, orientar, entreter, por mais que não tenham uma definição tão difícil quanto a de verdade ou mentira, são conceitos carregados de subjetividade e dependem não só da qualidade da interpretação do jornalista como também do contexto pessoal do leitor, do ouvinte, do espectador, enfim, do receptor do produto jornalístico. Numa notícia comum na editoria de economia como por exemplo a apresentação da lei anual de diretrizes orçamentárias do governo, alguém que trabalha na área financeira ou que estuda orçamentos públicos, acessa o fato de uma maneira completamente diferente de 1
Jornalismo tem quatro razões de ser principais: informar, interpretar, guiar e entreter
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alguém leigo e distante disso. A capacidade de orientação e da interpretação do jornalista são mais importantes para o segundo do que para o primeiro sujeito, que vai acessar os dados brutos com maior facilidade. Logo não só os conceitos são subjetivos como eles têm pesos diferentes, o que faz com que muitas vezes a capacidade de entreter leigos sobre temas de difícil acesso sejam tão importantes quanto a capacidade de informar. 1.1 O problema da objetividade Para possibilitar um jornalismo que se proponha, informar, interpretar, guiar e entreter e para que este jornalismo não exclua ninguém ou tenha o menor índice de exclusão possível, diversos autores apontam para alguns preceitos fundamentais, para caminhos que permitam que estas razões de ser sejam alcançadas. E é central na busca pelo dito jornalismo ideal é a objetividade, um conceito tão traiçoeiro e inalcançável quanto a própria verdade. Esta objetividade foi sempre problematizada nas teorias do jornalismo e por isso, talvez, autores como Lage a coloquem nesta posição inacessível, como se pertencesse ao mundo platônico das ideias. Um jornalismo que fosse a um só tempo objetivo, imparcial e verdadeiro excluiria toda outra forma de conhecimento, criando o objeto mitológico da sabedoria absoluta. Não é por acaso que o jornalista do século XX mantém, às vezes, a ilusão de dominar o fluxo dos acontecimentos apenas porque os contempla, sob a forma de notícias, na batida mecânica e constante dos teletipos (ou, mais recentemente, o cidadão que os vigia na tela do browser ligado à Internet). O conceito de objetividade posto em voga consiste basicamente em descrever os fatos tal como aparecem; é, na realidade, abandono consciente das interpretações, ou do diálogo com a realidade, para extrair desta apenas o que se evidencia. A competência profissional passa a medir-se pelo primor da observação exata e minuciosa dos acontecimentos do dia-a-dia. No entanto, ao privilegiar aparência e reordená-las num texto, incluindo algumas e suprimindo outras, colocando estas primeiro, aquelas depois, o jornalista deixa inevitavelmente interferir fatores subjetivos. A interferência da subjetividade nas escolhas e nas ordenações será tanto maior quanto mais objetivo, ou preso às aparências, o texto pretenda ser. (LAGE, 2001, p.16)
Lage dá aqui algumas pistas de como a subjetividade atua no texto final do jornalista, ao ordenar os acontecimentos, privilegiando alguns em detrimento de outros. É possível colocar nesta mesma lógica a utilização das fontes também: ao
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escolher um ou outro especialista, ao optar por dar lugar de fala a testemunhas, a personagens criam-se narrativas completamente diferenciadas a partir de um mesmo acontecimento. A teoria é quase que universalmente aceita. Muitos autores corroboram desde que o jornalismo se tornou um campo de estudo específico para esta ideia de que a subjetividade sempre influencia em algum nível na notícia. Me parece problemático, contudo, que muitas vezes, isso seja usado quase que como uma certeza científica e o fato de que a objetividade é inalcançável, a afaste do fazer jornalístico ao passo que o jornalismo abertamente opinativo seja mais valorizado. Não é porque a objetividade plena pertence a um idealismo segundo diversos autores que não seja importante buscá-la. Adelmo Genro Filho, em O Segredo da Pirâmide (1987), problematiza a teoria da objetividade inalcançável. O que Rossi não percebe - porque, teoriza a partir do "senso comum" da ideologia burguesa e da sua relação pragmática com as técnicas jornalísticas - é que os próprios fatos, por pertencerem à dimensão histórico-social, não são puramente objetivos. Não se trata, então, da simples interferência das emoções no relato - o que constituiria uma espécie de "desvio" produzido pela subjetividade -, mas da dimensão ontológica dos fatos sociais antes mesmo de serem apresentados sob a forma de notícias ou reportagens. Existe uma abertura de significado na margem de liberdade intrínseca à manifestação de qualquer fenômeno enquanto fato social. Portanto, há um componente subjetivo inevitável na composição mesma do fato, por mais elementar que ele seja (GENRO FILHO, 1987, p.30)
O que autor analisa aqui é a ideia de objetividade apresentada em O Que É Jornalismo, de Clóvis Rossi: "É realmente inviável - explica o autor - exigir dos jornalistas que deixem em casa todos esses condicionamentos e se comportem, diante da notícia, como profissionais assépticos, ou como a objetiva de uma máquina fotográfica, registrando o que acontece sem imprimir, ao fazer seu relato, as emoções e as impressões puramente pessoais que o fato neles provocou". (ROSSI, apud GENRO FILHO, 1987, p. 29)
De acordo com Genro Filho, o problema central da a análise funcionalista adotada por Rossi está no princípio de que o fato original fosse acessível de alguma forma: “Assim, o ‘mito da objetividade’ é criticado sob o ângulo puramente psicológico, como se a subjetividade do jornalista fosse uma espécie de resíduo que
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se interpõe entre o fato, tal como aconteceu, e seu relato neutro.” (GENRO FILHO, 1987, p.30) Por mais que não explore algum efeito negativo claro da repetição desta teoria, Genro Filho ajuda a expandir o campo de estudos ao questionar a maneira simplista como certos teóricos abordam o tema. No nono capítulo do livro, ele explora o processo de leitura dos próprios acontecimentos. O material do qual os fatos são constituídos é objetivo, pois existe independente do sujeito. O conceito de fato, porém, implica a percepção social dessa objetividade, ou seja, na significação dessa objetividade pelos sujeitos. (GENRO FILHO, 1987, p.128)
O pesquisador aborda outros aspectos desta significação em seguida, questionando o que seria a realidade objetiva, a realidade histórico-social, a conceituação de conhecimento. Não cabe a este capítulo e sim ao próximo explorar conceituações sobre realidade ou conhecimento humano. É preciso deixar claro aqui que nenhum dos autores envolvidos em todos estes questionamentos (e eu, como autor deste trabalho me incluo nisso) - por criticar ideias solidificadas de objetividade ou quaisquer outras - defende que a objetividade plena é, de algum modo, possível. 1.2 A verdade jornalística construída Tendo em vista estes aspectos da complexidade do fazer jornalístico e da dificuldade de definição do real dentro e fora do jornalismo, o que é, então a verdade jornalística? Espero que, mesmo não entrando neste tema a fundo como farei no capítulo seguinte, já tenha ficado claro aqui de que a verdade absoluta é inalcançável senão um conceito completamente inventado. Esta ideia, contudo, não deve ser vista sob uma ótica fatalista e cínica de que, se um dos conceitos-chave deste estudo pode ou não ser algo inventado ou improvável, então tudo construído com base nele é de certa forma inútil. Pelo contrário. Ao constatarmos a ausência de um caráter absoluto de definição, o primeiro questionamento natural que surge é o de como, então, esta definição se dá não só no jornalismo como em outros campos. A verdade jornalística não é absoluta, não vem de uma lei rígida ou de uma “iluminação divina” surgida a partir de interesse de supostos profetas. Não está aqui
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como ferramenta secreta utilizada por portadores destinados a isso. Ela não é um objeto, mas um objetivo e, por isso, o papel do jornalista que busca a verdade não é usá-la como ferramenta, mas alcançá-la por meio da apuração - um processo por muitas vezes afetado por um sem número de variáveis externas e pessoais de quem o segue. Entre os sub-processos da apuração jornalística estão entrevistas a fontes oficiais ou testemunhas da notícia, análise de dados exatos e de pesquisas, a observação, o entendimento de um contexto e, um dos mais importantes, o questionamento de interesses dos envolvidos. É possível afirmar que o jornalismo sempre se aproxima de uma verdade cada vez mais plena a depender do processo de apuração de cada notícia: quanto mais bem apurada - ou quanto mais recursos forem investidos em cada caso - mais o jornalista se aproxima desta verdade-objetivo. Todo este processo tem muitas semelhanças com outro processo de construção de verdades a partir de um tipo de apuração e em outro campo onde existe um consenso de que a verdade está no final de um caminho e não é acessível de maneiras dogmáticas e que não requerem trabalho da parte de quem a busca: o processo científico ou, como é conhecido no jargão dos pesquisadores, método científico. Aqui, como no jornalismo, busca-se uma descoberta, o que denota um posicionamento mais ativo que passivo do pesquisador. Nilson Lage traçou também este paralelo no já citado Ideologia e Técnica da Notícia (2001). Na parte final do livro, “Investigação sobre a verdade nas notícias”, o autor traz o conceito da verdade histórica - que também traz uma carga científica mas, no caso, de teses surgidas das ciências humanas - que seria distinta da verdade científica. “Tal distinção parece ser justamente necessária no presente momento da produção teórica, já que se torna imperativo extrair os conceitos de verdade das relações concretas com o mundo real, que é um mundo de fatos naturais e culturais” (LAGE, 2001, p.68). Logo em seguida, Lage traz à tona algumas das características relacionadas a tais processos científicos relevantes ao paralelismo com o processo jornalístico.
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Este imperativo conduzirá, no entanto, a reavaliações que não parecem tão óbvias. O mundo em que se movem os cientistas e em que se formam seus critérios de verdade é um mundo de violenta abstração. Queremos dizer com isso várias coisas. Primeiro, seguindo Foucault (e Nietzsche), que as ciências não se originam da descoberta de seus objetos e métodos, embora tais descobertas possam demarcar seu nascimento; foram inventadas. A partir de quê? De desejos. Mas o desejo ou nada e ou e a projeção de uma necessidade, em algum nível. As necessidades históricas continuam sendo a última instância. O que quer que pensem de si mesmas, as ciências são produtoras de técnicas e servem a interesses. (...) (LAGE, 2001, p. 68)
Interesses como os interesses a quem o jornalismo serve direta e indiretamente. Quem financia o jornalismo? E por que financia? Sobre o campo científico, Lage continua: Os critérios de verdade gerados no interior de cada ciência têm, pois, validade particular. Estabelecidos no campo específico de sua formulação, obedecem, na aplicação ao mundo real, a outras verdades mutáveis e menos formalizadas – verdades que se evidenciam na luta pelo poder e, em última instância, nas relações da economia. A contradição entre a verdade privada de uma ciência e a verdade social é também um fato histórico, sujeito, portanto, à crítica histórica. (LAGE, 2001, p. 69)
A tendência das teorias e inverdades que tiveram base na pesquisa científica, contudo, tendem a serem revistas, criticadas e desmentidas com o tempo. Como, por exemplo, a pesquisa do campo da psicologia divulgada em 20092 por Helen W. Wilson e Cathy Spatz Widom que, depois de analisar e cruzar 30 anos de trabalhos pregressos, concluía que não existe qualquer evidência que sustente a crença de que abusos físicos, psicológicos ou negligência na infância tenham qualquer relação com propensão a relacionamentos do mesmo sexo. E mesmo o campo de ciências exatas como a física não é totalmente livre disso, como foi o caso da recém comprovada3 da existência de ondas gravitacionais, teorizadas por Albert Einstein há mais de um século e que já eram contrárias à ideia de Isaac Newton de que a gravidade seria uma força semelhante ao magnetismo. No jornalismo, as barrigadas, matérias falsas, frutos muitas vezes de erro de apuração também passam por um processo semelhante ao científico. Na maior 2
Disponível em <http://link.springer.com/article/10.1007/s10508-008-9449-3> Acesso em: 26 nov. 2016. 3 Disponível em <http://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.116.061102> Acesso em: 26 nov. 2016.
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parte dos casos, a discussão tem fim com a publicação de uma errata ou de uma correção por parte do veículo. Alguns exemplos dos mais emblemáticos, contudo, causam danos tamanhos que a justiça acaba envolvida. O exemplo da escola base, nos anos 1990 é um destes casos: em 1994, os proprietários da uma escolinha particular em São Paulo, SP, foram acusados pela imprensa sem qualquer prova material ou evidência de abusar sexualmente alguns dos alunos. Um ano mais tarde, uma ação na justiça responsabilizou os órgãos de imprensa envolvidos - entre eles: Rede Globo, SBT, Record, Folha de São Paulo, Estado de São paulo, Veja, IstoÉ e o extinto Notícias Populares. 1.3 As características determinantes do jornalismo na web A diferença essencial entre os campos jornalístico e científicos em casos como estes está ligada a uma perspectiva muito mais intangível da análise e da auto verificação, tanto da imprensa como do método científico. Enquanto, na ciência, tentativas de artigos científicos sem evidência tradicionalmente acabam em sua maioria, não em sua totalidade - sendo rechaçados pela comunidade científica ou até mesmo antes da publicação, por bancas avaliadoras; as tentativas de narrativa jornalística que são fruto de falta de apuração, se não acabam na parte opinativa dos veículos, podem ser divulgadas com extrema facilidade em redes sociais, blogs e sites independentes. O jornalismo não deixou de ser jornalismo para se tornar ciberjornalismo, mas o que mudou? Tal qual os outros assuntos abordados até agora neste trabalho e que ainda serão abordados, é difícil resumir o jornalismo realizado nesta era atual a uma definição, apenas. Isso acontece, claro, pela angústia natural de se definir algo e, logo, limitar algo, mas também por conta de uma das temáticas principais do trabalho em si: a constituição destes termos utilizados. Como maneira de tentar resolver tais dificuldades de modo que isso não trave o decorrer da minha pesquisa, escolhi “Ciberjornalismo” (2012), de Carla Schwingel, que constrói suas definições a partir de muitas outras. Ciberjornalismo é a modalidade jornalística no ciberespaço fundamentada pela utilização de sistemas automatizados de produção de conteúdos que possibilitam a composição de narrativas
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hipertextuais, multimídias e interativas. Seu processo de produção contempla a atualização contínua, o armazenamento e recuperação de conteúdos e a liberdade narrativa com a flexibilização dos limites de tempo e espaço, e com a possibilidade de incorporar o usuário nas etapas de produção. Os sistemas de gerenciamento e publicação de conteúdos são vinculados a bancos de dados relacionais e complexos. (SCHWINGEL, 2012, p. 37)
O mais relevante para entendermos não só o que é, mas também como funciona o ciberjornalismo, contudo, a autora define logo em seguida, os princípios básicos, que avançam para além desta definição. O ciberjornalismo possui como princípios básicos: 1) a multimidialidade; 2) a interatividade; 3) a hipertextualidade; 4) a customização de conteúdos; 5) a memória; 6) a atualização contínua; 7) a flexibilização dos limites de tempo e espaço como fator de produção; e 8) o uso de ferramentas automatizadas no processo de produção. (SCHWINGEL, 2012, p. 37)
A autora se aprofunda mais em cada um destes aspectos no segundo capítulo, revelando que os processos que caracterizam o ciberjornalismo, mesmo que impulsionados num primeiro pelas possibilidades da tecnologia, têm como principais características a maneira como as rotinas se adequaram a tais possibilidades. A multimídia, a interação e, a meu ver, são evoluções simples de categorias já presentes no jornalismo feito antes da década de 1990, que segundo ela é a década de início do o ciberjornalismo. Porém quando se fala em objetividade, subjetividade, verdade ou mentira, talvez os temas principais deste trabalho, as características mais importantes definidas por Schwingel são: a Hipertextualidade, a teia que se constrói, e é percorrida ao se descolar-se por informações; a Customização do conteúdo, possibilidade de o usuário escolher o conteúdo desejado e a hierarquização de acordo com interesses próprios; a memória, possibilidade de arquivar, conservar e acumular a informação; a atualização contínua, possibilidade de a cada momento ir dispondo a informação que, automaticamente, está disponível para o usuário da web - característica segundo a própria autora muito conectada com as rotinas de rádiodifusão, mas que vejo como extremamente potencializada no ciberjornalismo; e as ferramentas automatizadas, que dizem respeito à utilização de sistemas automáticos para gestão e organização de conteúdos de conteúdos e informações
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associados com bancos de dados próprios ou das organizações jornalísticas. (SCHWINGEL, 2012) Estas características têm efeito direto na apuração jornalística. Não só a utilização das ferramentas automatizadas como o acesso quase ilimitado à informação. Segundo a autora, este é um dos grandes diferenciais. No ciberjornalismo, uma das grandes diferenciações da apuração jornalística é a grande quantidade de informações disponíveis na web e a forma de buscá-las. Ferramentas de busca e seleção baseadas em algoritmos de programação, como o caso do Google News, demonstram que muitas vezes a disponibilização das informações não garante o fácil acesso e seleção das mesmas, requerendo sistemas específicos com buscas inteligentes. Porém, o fato de haver bancos de dados de órgãos públicos, das agências de notícias e de organizações jornalísticas ou socialmente representativas disponíveis para acesso, já se configura como um grande diferencial. Outro fator que constitui diferença deve-se à interatividade, em função de que a forma do internauta interagir com os produtores da informação passou a ser muito mais direta (e-mails dos jornalistas, de editores, comunicações instantâneas como MSN, skype e serviços de alerta), ou seja, o acesso ao campo jornalístico tornou-se “instantaneizado”. (SCHWINGEL, 2012, p. 91)
Talvez há quatro anos, quando a autora afirmou esta característica como uma das grandes diferenciações do processo de apuração do ciberjornalismo tenha lhe parecido uma evolução simples e bastante efetiva. A ideia deste trabalho, contudo, partiu de uma impressão de estagnação deste modelo. Espero deixar isso mais claro a partir do terceiro capítulo, mas não me parece que a disponibilização da informação e a possibilidade maior de interação para fortalecer os processos esteja sendo usada de maneira plena. Isso não quer dizer que o que a autora afirma não faz sentido, mas que existem alguns elementos também característicos do ciberjornalismo que entram no caminho. Com o propósito de comparação, vale trazer à tona aqui que a lógica de distribuição do jornalismo mesmo antes da internet sempre dependeu: da tecnologia disponível, o que influi diretamente no espaço possível, no tempo calculado de impressão e no alcance; e dos interesses de quem produz e de quem financia todos estes processos. As mudanças trazidas pela tecnologia no ciberjornalismo têm a capacidade de praticamente anular toda as dificuldades de alcance, tempo e espaço, mas com as portas abertas e a internet ao alcance de todos, esta
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“democratização súbita” da produção jornalística mudou completamente os modelos de financiamento e, logo, de produção. Schwingel fala da mudança de perspectiva que isso provocou, comparando a teoria do Gatekeeper com a ideia do Gatewatching. Seria neste momento que o processo de produção integraria a função de gatewatching (BRUNS, 2003. 2005), ou seja, atividades que envolveriam por parte do público, coleta, filtragem e discussão de informações publicadas em outros veículos para selecionar notícias relevantes. No jornalismo tradicional, o processo de seleção das informações, sistematizado pela teoria do gatekeeper, seria um processo de escolhas feitas pelos jornalistas. (SCHWINGEL, 2012, p.121)
A ideia vai de encontro diretamente ao chamado “jornalismo cidadão”, conceito muito presente a partir da primeira década do século XXI, mas resumido pelo jornalista Mark Glaser em 20064. Segundo ele: “The idea behind citizen journalism is that people without professional journalism training can use the tools of modern technology and the global distribution of the Internet to create, augment or fact-check media on their own or in collaboration with others” (GLASER, 2006) O reflexo desta mudança fica claro em diversos aspectos do ciberjornalismo, inclusive pode estar diretamente conectado aos boatos, mas é preciso considerar antes de uma conclusão dessas a existência de diversos factóides antes desta era e também os aspectos positivos que o jornalismo cidadão trouxe. O viés mais importante para a reflexão destes “novos tempos”, contudo, talvez seja o financeiro. Ao longo da maior parte do século XX, existiu o entendimento de que uma imprensa financiada por empresas privadas e por meio de espaços publicitários privilegiados nas páginas impressas dos veículos de maior alcance era uma imprensa livre - e aqui há de se questionar o que realmente é uma liberdade que está sob uma lógica de lucro do capitalismo. No ciberjornalismo, este sistema se modifica. Em 2012, no “Town center for Digital Journalism”, da escola de jornalismo da universidade de Columbia, foi escrito um relatório por C.W Anderson, Emily Bell e Clay Shirky e intitulado “Jornalismo Pós-Industrial: Se Adaptando ao Presente”.
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Disponível em <http://mediashift.org/2006/09/your-guide-to-citizen-journalism270/> Acesso em: 26 nov. 2016.
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O documento, que se define como “parte pesquisa, parte manifesto”, questiona as práticas jornalísticas americanas num momento de plena e inevitável mudança das mesmas. E também da plena e inevitável morte do conceito de uma indústria de notícias. “Existia uma indústria [de notícias], mantida pelas mesmas coisas que mantém qualquer indústria: similaridade de métodos entre um grupo relativamente pequeno e coerente de negócios, e a inabilidade de qualquer um fora daquele grupo produzir um produto competitivo”. (ANDERSON;BELL;SHIRKY, 2012) Com a morte de uma indústria, ou pelo menos deste modelo, muitas das características que a definiam passam pelas mesmas revoluções. E as mais direta ou indiretamente conectadas a construção de uma verdade jornalística são as características financeiras e a da comunicação nas redes sociais. Se antes os próprios veículos eram espaços importantes de publicidade e os veículos eram financiados principalmente pela verba publicitária, porque eram estes os mesmos espaços “frequentados” pela maior parte da população consumidora, a internet mudou esta lógica. E a ideia proposta no manifesto de que quem ficava de fora deste grupinho privilegiado de mercado não conseguia ser competitivo é o que se conecta com o jornalismo cidadão e com algumas das principais características do ciberjornalismo segundo Carla Schwingel. Sobre isso, é válido perceber a mudança completa nos modelos de comunicação. One of the most disruptive effects of the internet is to combine publishing and communications models into a single medium. When someone on Twitter shares a story with a couple of friends, it feels like a water cooler conversation of old. When that same person shares that same story with a couple thousand people, it feels like publishing, even though it’s the same tool and the same activity used to send the story to just a few. Furthermore, every one of those recipients can forward the story still further. The privileged position of the original publisher has shrunk dramatically. (ANDERSON; BELL; SHIRKY, 2012, p.16)5
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Tradução livre: Um dos efeitos mais disruptivos da internet é combinar modelos de publicação e comunicação numa única mídia. Quando alguém no Twitter compartilha uma história com alguns amigos, parece com uma bate-papo descontraído. Quando a mesma pessoa compartilha a história com alguns milhares de pessoas, parece uma publicação, mesmo que seja a mesma ferramenta e a mesma atividade para enviar a mesma história. Além disso, qualquer um dos receptores pode encaminhar a história para ainda mais longe. A posição privilegiada do interlocutor original encolheu dramaticamente.
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2. VERDADE E MENTIRA Num trabalho que se propõe analisar efeitos da proliferação de mentira dentro do jornalismo, ou mesmo em qualquer outro âmbito, é interessante senão bastante recomendável pelo menos tentar definir verdade e mentira. É válido, claro, já no início deste capítulo fazer um alerta sobre a volatilidade destes conceitos. Porque tão difícil quanto descobrir se um possível boato tem ou não alguma base na realidade é tentar encontrar uma definição que delimite o que “realidade” significa. Para que essa dificuldade não impeça a análise do que é mais relevante na proposta desta monografia - as relações entre a rotina do jornalismo dentro do cenário apresentado no primeiro capítulo e epidemia de boatos que toma conta da internet - o que proponho com este segundo capítulo é tentar alcançar algo como um consenso sobre o que é verdade e mentira. Acho também importante trazer à tona como estes conceitos são utilizados dentro dos discursos enquanto ferramentas de dominação de quem possui lugar de fala na sociedade. 2.1 A verdade como ausência de mentira Friedrich Nietzsche, em Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral (1873), parte do princípio da insignificância de instituições humanas fora da civilização. E quando fala do nosso intelecto, reforça isso, mas com um propósito muito claro, usando esta característica natural como base de sua teoria. Para o filósofo, este intelecto nada mais é que um meio de conservação na natureza. “Ele a quem todavia não foi dado senão servir precisamente como auxiliar dos seres mais desfavorecidos, mais vulneráveis e mais efêmeros” (1873, p.8). E é por meio da dissimulação, segundo ele, que estes seres buscam sobrevivência. Se na natureza ele demonstra que não pode haver, por meio de um instinto natural, uma inclinação à verdade, com a mudança de cenário e com a vida em sociedade esses “instintos” se invertem. Mas, na medida em que o homem, ao mesmo tempo por necessidade e por tédio, quer viver em sociedade e no rebanho, necessário lhe é concluir a paz e, de acordo com este tratado, fazer de modo tal que pelo menos o aspecto mais brutal do bellum omniun contra omnes6 6
“guerra de todos contra todos”
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desapareça do seu mundo. Ora, este tratado de paz fornece algo como um primeiro passo em vista do tal enigmático instinto de verdade. (NIETZSCHE, 1873, p.9)
A conclusão imediata para o autor é que “nesse caso, os homens fogem menos da mentira do que do prejuízo provocado pela mentira” (NIETZSCHE, 1873, p.10) e de que não teria nada de naturalmente instintivo que nos afastasse destas instituições. Seria possível por esta perspectiva discordar de tal conclusão e questionar o que é instinto afinal e porque a inclinação de usar a dissimulação para se proteger de predadores na natureza é mais natural que a inclinação de buscar a verdade como melhor maneira de viver em grupos, comportamento que do ponto de vista científico nos permitiu como espécie sobreviver à “corrida” da evolução há quase 40.000 anos? Apesar de não ser uma digressão completamente irrelevante quando se pensa na real origem dos instintos de verdade, não cabe aqui se aprofundar mais num questionamento puramente biológico. O relevante da teoria de Nietzsche é a demonstração de que o nosso comportamento não nos leva instintivamente à mentira ou mesmo à verdade. Como seres adaptáveis a quaisquer ambientes, os seres humanos adotam hábitos de comunicação neste sentido não porque são naturalmente compelidos a isso, mas porque temem os efeitos contrários, como os a exclusão, por exemplo. Michel Foucault reforça a ideia em “A Ordem do Discurso” (1970) quando apresenta a hipótese de que o discurso, como uma espécie de poder, acaba naturalmente gerando sistemas de exclusão que permeiam nossa sociedade: Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e terrível materialidade. Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também, é a interdição. Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou a exclusividade do sujeito que fala: temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa que não cessa de se modificar. (FOUCAULT, 1970, p.8)
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Já neste trecho, Foucault traz as características que podem contribuir para os sistemas de exclusão (tabu, circunstâncias, espaços privilegiados relacionados a direitos conquistados ou ao sujeito em si). Mais adiante o filósofo passa a explanar outros princípios de exclusão: o da separação entre razão e loucura, que teria se iniciado na idade média acabado no fim do século XIX, com a psicanálise; e, mais importante para o estudo atual, a oposição do verdadeiro e falso. Aqui é possível perceber que a vontade de verdade que permeia a sociedade é bastante diferente de outros sistemas de exclusão como as interdições institucionais ou o papel da loucura dentro da chamada civilização. E reforçando até mesmo o que foi dito em algumas das conclusões de Nietzsche apresentadas neste capítulo - de que a humanidade não teme a verdade ou a mentira em si, mas seus efeitos - Michel Foucault afirma que a oposição entre verdade e mentira não é apenas diferente de sistemas institucionalizados de exclusão, que ela até mesmo se fortalece ao passo que outros sistemas se enfraquecem. Dos três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso, a palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade de verdade, foi do terceiro que falei mais longamente. É que, há séculos, os primeiros não cessaram de orientar-se em sua direção; é que, cada vez mais, ele procura retomá-los, por sua própria conta, para, ao mesmo tempo, modificá-los e fundamentá-los; é que, se os dois primeiros não cessam de se tornar mais frágeis, mais incertos na medida em que são agora atravessados pela vontade de verdade, esta, em contrapartida, não cessa de se reforçar, de se tornar mais profunda e mais incontornável. E, contudo, é dela sem dúvida que menos se fala. Como se para nós a vontade de verdade e suas peripécias fossem mascaradas pela própria verdade em seu desenrolar necessário. E a razão disso é talvez esta: é que se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que exerce o poder, na vontade de verdade, na vontade de dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo senão o desejo de poder? (FOUCAULT, 1970, p.18)
E então se a vontade de verdade demonstra tal espaço privilegiado e poderes de exclusão dentro da nossa civilização, é natural que surjam questionamentos aqui no contexto deste trabalho sobre por que existe então, uma proliferação de mentiras na sociedade. Mais importante, contudo, é questionar mais especificamente aqui no contexto deste capítulo, se estes sistemas de poder e exclusão tiveram influência direta ou indireta na definição do que seriam, então, a verdade e, especialmente, a mentira.
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2.2 A mentira É quase como uma regra, um acordo tácito entre os estudiosos: qualquer artigo científico que traz a mentira como tema central ou pelo menos como tema importante relacionado ao cerne de tal estudo, em determinado momento vai tentar definir, nem que superficialmente, o que é mentira; e também vai trazer à tona, nem que seja num parágrafo, a dificuldade de tal tarefa. Pois bem, a mentira é sim um conceito traiçoeiro e que pode ter um sem número de definições sem que, ainda assim, alguma destas se aproxime completamente da realidade. Em Um Monte de Mentiras(1994), o antropólogo J.A. Barnes inicia a sua introdução dizendo que “Há mentiras por toda parte”. O autor traz à tona então, algumas afirmações sobre o tema ao longo da história. Em janeiro de 1880, Oscar Wilde (1889, p. 216) lamentava, em uma revista, que com a possível exceção dos discursos dos advogados, mentir como arte havia entrado em decadência. Cem anos depois, a maioria das pessoas poderia dizer que hoje se mente mais que outrora. Um jornalista inglês (Lott 1990) chamou a década de 1980 de “a década da mentira”. Em 1991, um jornalista americano (Bradlee 1991) comentou: “Parece-me que a mentira alcançou proporções epidêmicas nos últimos anos e que todos nos tornamos imunes a ela.” (BARNES, 1994, p. 15)
O sentimento é familiar. Como explicado na introdução, uma das razões para a escolha do tema deste trabalho foi justamente uma impressão muito pessoal de navegar por um oceano de factóides dentro do ambiente online. O que Barnes tenta nos dizer com a coletânea de questionamentos ao longo de mais de um século é que a impressão é comum aos que buscam estudar o tema e que, principalmente a mentira é algo natural à sociedade. O que corrobora com as impressões de Nietzsche. Ainda no primeiro capítulo, Barnes parte para definições de mentira e de engano. O mais relevante aqui é o destaque à amplitude de tais definições. “Alguns escritores conferem um significado muito amplo à palavra ‘mentira’, ao passo que outros evitam o termo substituindo-o por expressões eufemísticas tais como ‘elaborações de verdade’...” (1994, p. 30). Isso se dá, ao meu ver justamente por
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conta do outro aspecto que o autor destaca logo na página seguinte, quando faz uma distinção mais clara entre o que é mentira e o que é um engano. Nossa definição, diferente de algumas definições propostas por outros escritores, ignora o sucesso e o fracasso da tentativa de enganar. Ela também leva em conta uma afirmação a ser percebida incorretamente como mentira, por aqueles que já a ouviram ou leram, quando, na realidade, quem a criou não tinha a intenção de enganar. Segundo a nossa definição, os erros e os mal-entendidos não constituem necessariamente mentiras, já que surgiram de boa fé, muito embora na fala das crianças pequenas, e em alguns usos populares, algumas vezes eles sejam rotulados como tais. (BARNES, 1994, p.31)
A intenção do interlocutor é um tema importante para o estudo do autor e volta à tona quando ele questiona o “sucesso” da mentira. Sucesso, leia-se, quando os receptores acreditam na mesma. A distinção entre veracidade e engano gira em torno das interpretações do mentiroso, e não do sucesso ou do fracasso do que foi pretendido. Quem recebe uma mensagem pode ser levado a um entendimento enganoso, mesmo que a mensagem tenha sido transmitida corretamente. Mais importante ainda, a vítima-alvo de uma mensagem enganosa pode, durante o processo, perceber o engano e, de um modo ou de outro, evitar ser enganada. As mentiras permanecem mentiras, mesmo quando falham. (BARNES, 1994, p.34)
Neste trabalho especificamente, contudo, a intenção de quem cria ou espalha a mentira, por mais que seja importante e relevante dentro do campo do jornalismo, não é menos relevante que as mentira, ou enganos, segundo Barnes, que são fruto de erros como a falta de apuração ou a checagem de fatos, por exemplo. Seja a mentira deliberada ou não, o impacto das mesmas não deve ser ignorado. Dentre os conceitos jornalísticos apresentados no primeiro capítulo, as quatro funções fundamentais do jornalismo são Informar, Interpretar, Orientar e Entreter. Tendo isso em mente, quando uma mentira ou engano trazem como consequências o impedimento da informação ou da orientação, eles estão prejudicando o fazer jornalístico e, indiretamente, a sociedade. Analisando além de pontos específicos como definições, Barnes traz algumas divisões de espaços sociais e situações onde mentiras são ou não esperadas. No segundo capítulo, quando trata mais especificamente de tais domínios, o autor coloca a guerra e a política como campos mais frutíferos para mentiras no sentido já definido por ele anteriormente: embustes com um propósito de mentir. No capítulo
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seguinte, Os Domínios Ambíguos, ele lista como campos mais complexos os tribunais e a polícia, a propaganda, a burocracia, a história e a tradição. Na guerra utiliza-se a mentira como estratégia para prejudicar o outro lado, nos tribunais, a verdade é uma instituição sagrada, o que fortalece ainda mais quem tem domínio sobre as ditas mentiras bem sucedidas. Algo semelhante acontece com o campo da propaganda: por mais que existam regras para punir quem leva o consumidor ao engano, o ato de modificar e de construir certas impressões deste consumidor sobre o tal produto está no cerne das funções dos profissionais da área. No caso da história, o autor reforça a ideia de que existe uma complexidade muito maior para o estudo do passado. “Se podemos ser enganados sobre o que está acontecendo à nossa volta, quanto não podemos ser enganados sobre coisas que ocorreram no passado?” Não é incomum descobrirmos que o que era tido como certo acaba se mostrando como uma mentira. Em tempos mais recentes, vários relatos do passado, que estão em desacordo com aqueles geralmente aceitos, foram acusados de mentirosos, principalmente as tentativas persistentes de negar a ocorrência do Holocausto, sob o regime nazista. Na Austrália, 1988 foi celebrado como 200 anos de colonização pacífica dos europeus, ou aos olhos de muitos aborígenes, como os 200 anos de ocupação contestada e ilegal. Em uma conferência dada durante o ano do bicentenário, o romancista Patrick White (1989) foi levado a adotar uma observação que ele atribuiu a Peter Brok: “No momento em que uma sociedade deseja dar uma versão oficial dela própria, essa versão se torna uma mentira.”( BARNES, 1994, p.88)
Aqui ele fala menos em mentira e mais em distorção dos fatos ou em perspectivas com interesses próprios. Vem à tona a máxima clássica de que a história é contada pelos vencedores. Sem muita pesquisa é possível encontrar mais um punhado de exemplos de situações semelhantes com ou sem interesses ocultos. Juntando esta ideia de interesses que acabam por interferir em relatos que deveriam ser reais à ideia de que a sociedade é ela mesma um campo ambíguo neste sentido assim como os tribunais ou a propaganda, fica fácil fazer a ligação com o campo jornalístico por mais que este não seja um dos domínios destacados pelo autor.
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Aqui fica muito clara a ideia de Foucault e a importância do poder de discurso nesta sociedade complexa e ambígua. A política, um dos campos onde a mentira é mais esperada, segundo Barnes, é também um microcosmo do cenário construído. Como os regimes democráticos atuais são construídos com base em eleições universais em que candidatos a quaisquer cargos precisam se destacar em meio aos outros, utilizam-se justamente da distorção, da enganação e muitas vezes da mentira para que sejam vistos. E o jornalismo, supostamente neutro, pode ser usado como ferramenta para fortalecer estes poderes por meio do discurso. 2.3 Nem verdade, nem mentira Enxergando a mentira e a verdade como conceitos traiçoeiros, é preciso refletir também sobre a dicotomia e a polarização deles. Uma maneira de fugir disso é enxergá-los como lados opostos de um espectro ao contrário da simplificação lógica com que nos deparamos normalmente: a simples ideia de que, se algo não é mentira, é verdade e vive-versa. Um dos conceitos que tentam entender algo para além desta ideia simplória é o da pós-verdade. Escolhida como palavra do ano de 2016 pelo dicionário de Oxford, post-truth foi utilizada pela primeira vez nos anos 1920, de acordo com o post de apresentação do site oficial do English Oxford Living Dictionaries no dia 16 de novembro. A definição de pós-verdade de acordo com o dicionário se trata de um Adjetivo: “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais” (Oxford Dictionaries, 2016)7 Abri este trabalho afirmando que num mundo idealizado, a única matéria-prima possível para o fazer jornalístico é o fato, o acontecimento e a impressão quando afirmei que este é um mundo inalcançável pode ser a de que o jornalismo real, afetado pela subjetividade humana é, então, um jornalismo que se baseia na mentira. A pós-verdade vem preencher esta lacuna. De acordo com a pesquisadora Ivana Bentes, em coluna8 à revista Cult publicado no dia 31 de 7
Disponível em <https://en.oxforddictionaries.com/definition/post-truth> Acesso em: 26 nov. 2016. Disponível em <http://revistacult.uol.com.br/home/2016/10/a-memetica-e-a-era-da-pos-verdade/> Acesso em: 26 nov. 2016. 8
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outubro de 2016, o termo pode ser definido como “Algo que não necessariamente aconteceu, mas que a simples enunciação e circulação massiva produz um efeito de verdade”. A pós-verdade é a informação que buscamos para satisfazer nossas crenças e desejos. Como nas editorias de jornalismo em que o repórter sai a campo para encontrar as melhores “aspas” que comprovam um enunciado prévio. Fábrica de fatos e produção de notícias, mas que hoje ganha nas redes um poderoso complemento: a memética, a evidência instantânea, que produz sensações, ódio, riso, ridículo, inferiorização do outro através de uma imagem ou de um truísmo. (BENTES, 2016).
O mais importante, talvez, desta definição breve dada pela professora está no jornalista que sai a campo para encontrar as melhores “aspas”. A ideia de um jornalismo que surge já no momento de apuração
com uma conclusão
pré-estabelecida de fatos ou pelo menos em busca de algo que sirva como gatilho para a emoção está intrinsecamente conectada a erros, como será possível perceber no capítulo seguinte. E se voltássemos à conexão com o campo científico apresentada no primeiro capítulo, é o mesmo processo do pesquisador que utiliza um estudo para provar uma de suas crenças pessoais. A autora também fala em memes, imagens que trazem resumos que propõe simplificar temas complexos para produzir algumas das reações. Sem se aprofundar muito neste aspecto neurológico psicológico - porque passarei brevemente pelo assunto na análise - esse tipo de reação emocional é quase sempre certo porque é natural do cérebro humano economizar energia e fazer as conexões mais fáceis. Carlos Castilho, pós-doutorando no PÓSJOR da Universidade Federal de Santa Catarina também tocou nesse tipo de reação fisiológica quando alertou para a “era da pós-verdade” em artigo9 publicado no site Objethos em 26 de setembro de 2016. O autor fala muito do que foi discutido também no primeiro capítulo deste trabalho, do fato da verdade dentro do jornalismo ser o fruto de uma construção e, logo, “o que chamamos de fatos, na verdade são representações de um fato, dado ou evento desenvolvidas pela mente de cada indivíduo” (CASTILHOS, 2016).
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Disponível em <https://objethos.wordpress.com/2016/09/26/comentario-da-semana-apertem-os-cintos-estamos-entran do-na-era-da-pos-verdade/> Acesso em: 26 nov. 2016.
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Ele também fala da teoria da cognição preguiçosa, do pesquisador Daniel Kahneman, que explica a tendência das pessoas a ignorarem “fatos, dados e eventos que obriguem o cérebro a um esforço adicional”. A teoria está muito presente não só no fazer jornalístico mas também no compartilhamento de notícias falsas, como vamos perceber na categoria de correlações forçadas do próximo capítulo. O principal da reflexão de Castilho, contudo, é o alerta à própria categoria jornalística: A pós verdade coloca para nós jornalistas o desafio da repensar a credibilidade e os parâmetros profissionais para avaliar dados, fatos e eventos. Não é uma casualidade o fato da credibilidade da imprensa, em países como os Estados Unidos, estar hoje num dos pontos mais baixos de sua história. O leitor está cada vez mais confuso e desconfiado em relação à imprensa. É uma resistência intuitiva ao fenômeno da complexidade informativa gerada pela internet. (CASTILHO, 2016)
A pós-verdade é central para entendermos o jornalismo e a comunicação atual. No capítulo de análise deste trabalho, pretendo voltar ao tema para falar das relações entre o adjetivo e a quantidade altíssima de informações que bombardeiam nosso dia a dia na época atual.
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3. DISTORÇÕES, SENSACIONALISMOS, ASSESSORIAS ACIDENTAIS, CORRELAÇÕES E TEORIAS CONSPIRATÓRIAS Como mencionado na introdução, a ideia original para este trabalho surgiu há pouco mais de dois anos, na reta final das eleições presidenciais de 2014. Em ambas as redes sociais onde passo a maior parte do tempo, Twitter e Facebook, boatos, factóides, mentiras surgiam de todos os espectros políticos eram usados por eleitores para justificar suas escolhas. Mesmo quem não defendia lados específicos e, dentro do âmbito político, se limitava a ajudar a pintar um quadro terrível do governo federal, estadual ou municipal, caia muitas vezes nesse tipo de farsa. A minha impressão - e acredito que era só isso, uma impressão baseada na bolha numa ideológica própria - era de que a maior parte das mentiras e distorções se concentravam no Facebook. Talvez pela facilidade do compartilhamento de imagens que se propunham a resumir em piadinhas ou em memes algumas ideologias ou ironias, pessoas que considero até razoáveis no sentido de sempre defenderem discussões limpas e baseadas em argumentos embasados também eram afetadas. A efervescência política não cessou mesmo depois da eleição. Pelo contrário. Com o país afundando em uma crescente crise financeira ao longo de 2015 e com o agravamento da crise política ao longo deste ano, a frequência de boatos pareceu aumentar. E por mais que aceite que esta também seja apenas uma impressão de um agravamento e de um aumento das mentiras na rede, acredito que não seja uma perspectiva só minha - no capítulo final falo mais disso. Pensando na escolha de exemplos que eu pudesse usar para ilustrar o tipo de boato que frequentemente surge na rede, foi natural pra mim partir de alguns casos que foram emblemáticos e muitos discutidos nos meios em que frequento: O caso da fosfoetanolamina sintética, uma substância com ares de pílula milagrosa apresentada como cura de qualquer câncer; o caso da empreendedora Bel Pesce cujo currículo inflado ganhou força depois de passar pela imprensa; e a falsa citação do procurador Deltan Dallagnol, que apresentou à imprensa a suspeita de corrupção contra o ex-presidente Lula. Mas além destes e até mesmo para fugir de um possível viés próprio, analisei diversos conteúdos de sites especializados em
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desvendar boatos na internet. Trabalhei principalmente com o E-Farsas e com o Boatos.org, talvez os dois mais presentes na internet brasileira, mas também analisei postagens do norte-americano Snopes.com. A metodologia de escolha se baseou em estudos comparativos entre os diversos boatos. E este estudo culminou em algumas categorias de análise. O objetivo foi tentar criar categorias que pudessem gerar um entendimento não só do porque eles são criados, mas também porque são compartilhados. Conectados ou não com a falta de apuração dos veículos já estabelecidos, o que os diferencia é a maneira como eles surgem e como são espalhados. Estas quatro categorias são: a distorção de depoimentos ou de testemunhos; o aproveitamento da falta de apuração em alguns veículos para objetivos diversos; a falsa correlação de dados ou de fatos já comprovados para fortalecer uma narrativa; e a teoria da conspiração tipo que não está necessariamente conectado à imprensa mas que traz algumas características importantes presentes em outras categorias. Ainda no campo das teorias conspiratórias pretendo analisar também boatos puramente inventados mas que tomam conta da rede e que, mesmo não trazendo o elemento conspiratório, se aproximam mais da quarta categoria do que das outras três, visto que não são frutos de distorções, faltas de apuração ou correlações forçadas. 3.1 Distorção de discurso ou fatos Esse tipo de boato surge quando parte da imprensa replica algo distorcido ou inventado a partir de um princípio real. É comum surgir quando alguém ou algum blog que, normalmente livre da suposta obrigação da imparcialidade, distorce um fato ou uma fala que passa a ser replicado por jornais e blogs jornalísticos sem a verificação necessária. A distorção também acontece com o uso de imagens ou vídeos fora de contexto. A principal característica aqui é o exagero, que às vezes pode parecer plausível dependendo da ideologia e da perspectiva do receptor do boato. Em 14 de setembro de 2016, Deltan Dallagnol, procurador da operação Lava-Jato no Ministério Público Federal, fez uma apresentação denunciando
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formalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-primeira dama Marisa Letícia. Entre as evidências da relação de Lula com o esquema está um apartamento na cidade do Guarujá e que seria dele, de acordo com a denúncia. Como não existe documentação comprovando isso, um outro procurador, Roberson Pozzobon, explicou, neste mesmo dia, à reportagem10 do G1: “Em se tratando de lavagem de dinheiro, ou seja, em se tratando de uma tentativa de se manter as aparências de licitude, não teremos aqui provas cabais de que Lula é efetivo proprietário no papel do apartamento. Pois, justamente, o fato de ele não configurar como proprietários do tripléx, da cobertura em Guaruja, é uma forma de ocultação de dissimulação da verdadeira propriedade”. Na mesma reportagem é possível notar que, paralelo a isso, Dallagnol, procurador principal do caso afirmou no início da apresentação que: “Provas são pedaços da realidade, que geram convicção sobre um determinado fato ou hipótese. Todas
essas
informações e
todas essas provas analisadas como num
quebra-cabeça permitem formar seguramente a figura de Lula no comando do esquema criminoso identificado na Lava Jato”. E também, ao fim da apresentação, à imprensa: “Dentro das evidências que nós coletamos, a nossa convicção, com base em tudo que nos expusemos, é que Lula continuou tendo proeminência nesse esquema, continuou sendo líder nesse esquema mesmo depois dele ter saído do governo”. No mesmo dia, uma matéria11 curta do blog Conexão Jornalismo intitulada “Não temos como provar. Mas temos convicção” questionava o porquê de um posicionamento como este do Ministério Público. Aliado a isso, o post no Facebook que dizia: “E assim se faz Justiça no Brasil: o procurador federal convoca a imprensa e assim sustenta uma denúncia contra Lula: “Não temos como provar. Mas temos convicção!”
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Disponível em <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/09/mpf-denuncia-lula-marisa-e-mais-seis-na-operacao-lavajato.html> Acesso em: 26 nov. 2016. 11 Disponível em <http://www.conexaojornalismo.com.br/colunas/politica/brasil/nao-temos-como-provar.-mas-temos-convi ccao-73-45073> Acesso em: 26 nov. 2016.
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Por mais sentido que faça questionar a falta de evidências físicas que apontem ao crime de ocultação de patrimônio, o título leva claramente ao erro. No mesmo dia, dois grandes blogs que têm no caso um viés “pró-Lula” repercutiram a frase que nunca foi dita: o Pragmatismo Político (14/09/2016), em matéria13 assinada pela editoria do site chegou a dizer “Foi quando o procurador Roberson Henrique Pozzobon afirmou: ‘Não temos como provar, mas temos convicção’”. Outro blog de grande alcance, o Diário do Centro do Mundo (14/09/2016) também replicou a citação falsa em um artigo14 do jornalista Kiko Nogueira que atualmente ostenta um aviso “Este artigo foi atualizado. A frase do procurador Deltan Dallagnol,
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Disponível em <https://www.facebook.com/conexaojornalismo/posts/787113278058706> Acesso em: 26 nov. 2016. 13 Disponível em <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/09/denuncia-contra-lula-nao-temos-como-provar-mas-tem os-conviccao.html> Acesso em: 26 nov. 2016. 14 Disponível em <http://www.diariodocentrodomundo.com.br/nao-temos-provas-mas-conviccao-o-powerpoint-de-dallagn ol-nos-jogou-de-vez-no-paraguai-por-kiko-nogueira/> Acesso em: 26 nov. 2016.
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dita à GloboNews, é: ‘Provas são pedaços da realidade que geram convicção sobre um determinado fato ou hipótese’. Ou seja, continua enrolando”. O Buzzfeed publicou, no dia seguinte (15/09/2016), uma matéria 15 explicando todo o caso da replicação da frase falsa. A citação chegou a viralizar no Facebook e no Twitter, onde hashtags como #NãoTenhoComoProvar16 brincavam com o absurdo da suposta fala. 3.2 Falta de apuração usada como ferramenta pelo sujeito da notícia Por mais que a falta de apuração esteja direta e indiretamente conectada à rotina dos jornais que replicam distorções e falsas correlações, esta categorização tenta analisar casos em que um ou mais sujeitos do acontecimento acabam sendo beneficiados pela negligência ou desconhecimento dos profissionais do jornalismo. São casos em que, deliberadamente ou não - e por mais que esta discussão seja importante ela não é relevante para esta parte do estudo - a perspectiva da imprensa ou a falta de entendimento atendem a interesses externos. Existem dois casos de análise que optei por decupar aqui por conta do alcance que tiveram e por conta das consequências sofridas fora do jornalismo, o primeiro é sobre a fosfoetanolamina sintética, droga que promete curar o câncer e o segundo sobre a construção da persona pública de Bel Pesce, que desafiou a linha tênue entre jornalismo e assessoria de imprensa. Se no primeiro caso, perspectivas mais sensacionalistas e que relativizam os aspectos científicos do tema geraram efeitos jurídicos nacionalmente e afetaram uma universidade e órgãos públicos diretamente, no segundo caso a passividade em relação à apuração e a abordagem otimista dos veículos geram benefício direto para uma empresária. A fosfoetanolamina, um tipo de composto produzido naturalmente no fígado humano foi sintetizada na década de 1980 no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) a partir da junção da monoetanolamina e do ácido fosfórico
15
Disponível em <https://www.buzzfeed.com/alexandrearagao/provas-conviccao-lula-lava-jato?utm_term=.bo5qR8kPl#.ls BymvzgA> Acesso em: 26 nov. 2016. 16 Disponível em <https://twitter.com/hashtag/N%C3%A3oTenhoComoProvar?src=hash> Acesso em: 26 nov. 2016.
36
como um composto químico sem fins medicinais. Nos anos 1990, o então coordenador do laboratório, Gilberto Chierice se interessou pela droga e coordenou um estudo químico. Até sua aposentadoria em 2014 ele produziu e distribuiu a fosfoetanolamina de maneira informal, como maneira de curar câncer. Em junho desse mesmo ano, o Instituto publicou uma determinação17 que permitia a distribuição
de
drogas
com
finalidade
medicamentosa somente
após a
“apresentação de licenças e registros expedidos pelos órgãos competentes”. Em 17 de agosto, o G1 São Carlos e Araraquara publicou a notícia18 de que pacientes que recebiam a droga pediram à justiça paulista para intervir na decisão da USP. No dia 26 agosto, com base numa matéria produzida pela EPTV, filiada da Rede Globo na região do interior de São Paulo e no sul de Minas Gerais, uma entrevista com o Dr. Chierice foi publicada19 no G1 Araraquara com o título “Pesquisador acredita que substância desenvolvida na USP cura o câncer”. Na entrevista o químico afirma algumas vezes que a substância cura o câncer e acusa a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de má vontade com o suposto medicamento. Ele afirma também que a fosfoetanolamina só funciona quando ingerida por quem não tenha o sistema imunológico enfraquecido por outras drogas como é o caso de quem faz quimioterapia. O problemático na defesa dele, do ponto de vista das rotinas científicas e do ponto de vista médico, está em distribuir um composto químico como se fosse um medicamento sem qualquer estudo clínico feito em seres humanos. O método utilizado no Brasil, assim como em outros países, para a aprovação de um medicamento passa por três fases - de tolerabilidade para garantir que não haja nenhum efeito nocivo, de atividade para garantir que ele tenha o efeito esperado e a de comparação com medicamentos padrão para que um tratamento não interfira em outro de maneira inesperada. Na matéria, o químico acusava a Anvisa de má 17
Disponível em <http://www5.iqsc.usp.br/files/2015/09/Portaria-distribuicao-de-medicamentos.pdf> Acesso em: 26 nov. 2016. 18 Disponível em <http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/08/pacientes-pedem-na-justica-que-usp-fornecacapsula-de-combate-ao-cancer.html> 19 Disponível em <http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/08/pesquisador-acredita-que-substancia-desenv olvida-na-usp-cura-o-cancer.html> Acesso em: 26 nov. 2016.
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vontade ao passo que a Agência o acusava de não possuir os resultados positivos nas três fases dos testes clínicos. Ele mesmo admitia nas matérias não ter feito testes em humanos mas sim em camundongos em estudos distintos, mas defendia a eficácia da droga com base no retorno informal de mais de 800 pessoas. Ao analisarmos pelo critério de noticiabilidade utilizado, os fatos se tornam relevantes como sintoma de irregularidade e burocracia do sistema e, pelo menos na primeira matéria publicada, a do dia 17, as fontes se equilibram entre a Universidade, os especialistas do lado do judiciário e pacientes. Com o passar do tempo, contudo, a partir da entrevista com o Dr. Chierice, é possível notar o surgimento de outras matérias com um peso maior para os históricos de pacientes e com contornos mais sensacionalistas que esclarecedores. Em 18 de outubro, foi ao ar no Domingo Espetacular da Rede Record uma reportagem20 de 12 minutos sobre o caso. A matéria trouxe como personagem principal Alcilena Cincinatus, de 68 anos, que sofria de um câncer agressivo na região do pâncreas e era usuária da substância. Além do Dr. Chierice, a única especialista entrevistada pelo Domingo Espetacular foi uma advogada para explicar que o dispositivo legal que que dá direito aos pacientes requisitarem a droga à Universidade é o direito à saúde previsto na constituição. Um médico que trabalhou na equipe do Dr. Chierice também apareceu no fim da matéria, mas juntamente com diversos depoimentos colhidos do Youtube de pessoas que se diziam curadas da doença. Alguns veículos buscaram um lado mais analítico, esclarecendo a maneira como funciona o processo científico de aprovação de medicamentos, como é o caso da revista Época21 e do Fantástico22, além da própria comunicação institucional23 da
20
Disponível em <http://noticias.r7.com/domingo-espetacular/videos/polemica-pacientes-sonham-com-a-liberacao-da-fosf oetanolamina-na-luta-contra-o-cancer-02032016> Acesso em: 26 nov. 2016. 21 Disponível em <http://epoca.globo.com/vida/noticia/2015/10/fosfoetanolamina-sintetica-oferta-de-um-milagre-contra-o-c ancer.html> Acesso em: 26 nov. 2016. 22 Disponível em <http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/10/drauzio-varella-alerta-sobre-capsulas-distribuidas-comocura-do-cancer.html?utm_medium=twitter&utm_source=twitterfeed> Acesso em: 26 nov. 2016. 23 Disponível em <http://www5.usp.br/tag/fosfoetanolamina/> Acesso em: 26 nov. 2016.
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USP. Paralelamente a estas reportagens, campanhas em redes sociais como Facebook e, principalmente, Whatsapp, clamavam pela liberação da substância. No Whatsapp, imagens e vídeos produzidos por terceiros como a Associação Brasileira do Consumidor24 traziam elementos característicos de teorias da conspiração, afirmando que as proibições eram fruto de complô entre Anvisa e Fundação Oswaldo Cruz e representantes da indústria farmacêutica - categoria de boato que deve ser abordada no fim deste capítulo. Comentários como o do apresentador Carlos Massa, o Ratinho em fevereiro de 2016 também viralizaram. O vídeo no Youtube foi visualizado 235 mil vezes até então e o vídeo do segmento completo do programa chegou a ser compartilhado mais de 5 mil vezes.
25 26
De acordo com a reportagem do Domingo Espetacular, mesmo com a decisão da USP em não distribuir, mais de 700 pessoas conseguiram direito ao uso por liminares judiciais. A discussão que se estendeu pelos próximos meses serviu inclusive como ferramenta política. Na Câmara dos Deputados do estado de São Paulo, foi aberta uma CPI27 para apurar a demora do estado na realização de testes e o Conselho Regional de Farmácia do estado chegou a autuar a USP no mês de novembro pela ausência de farmacêuticos acompanhando a produção da 24
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=YDC6Fol-100> Acesso em: 26 nov. 2016. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=dQoCn62IyFk> Acesso em: 26 nov. 2016. 26 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=Mk-MAvbFAuI> Acesso em: 26 nov. 2016. 27 Disponível em <http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2015/10/23/deputados-querem-abrir-cpi-da-pilu la-do-cancer.htm> Acesso em: 26 nov. 2016. 25
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substância. A universidade era obrigada por lei a continuar produzindo a droga, mesmo se posicionando a favor da suspensão da produção até o fim de testes com animais e dos testes clínicos. Em 13 de abril deste ano, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou uma lei federal28 que permitia o uso da substância no tratamento. A lei foi suspensa29 em maio pelo Supremo Tribunal Federal. Atualmente e a substância passou à segunda fase de testes clínicos. A primeira vista pode ser difícil categorizar o fato como boato. A narrativa, contudo, contraria as funções de informar e orientar do jornalismo. Em casos como o da Rede Record é como se o veículo se juntasse à causa de quem lutava pela liberação da substância antes dos testes necessários. Falhou-se também em elucidar informações básicas como o fato do câncer não ser uma doença só e sim uma categorização de centenas de enfermidades completamente diferentes uma da outra, como explicado pelo doutor Drauzio Varella, especialista com o tratamento do câncer em seu canal no Youtube30 (30/10/2015). A narrativa não foi fortalecida apenas pela imprensa tradicional dentro ou fora da internet, mas o papel do sensacionalismo em desinformar está bastante presente. De acordo com a minha metodologia, nesta categoria se encaixam também os casos em que a passividade de veículos jornalísticos em relação à apuração em certos tipos de matéria deixa espaço para que envolvidos tirem vantagem disso. O caso da empresária Bel Pesce é um bom exemplo deste outro extremo. Paulistana, 28, Isabel Pesce Mattos mudou-se para Massachusetts para estudar no MIT com 17 anos. Lá, formou-se - tem dois majors - em Engenharia Elétrica e Ciência da Computação e em Administração. Também estudou ao longo dos quatro anos economia e matemática. O sistema norte-americano permite que o estudante entre na universidade e escolha as áreas de estudo em que deseja formação. Majors são áreas maiores de estudo em que você consegue diplomas específicos e minors são como disciplinas optativas, áreas de interesse pessoal. Ao 28
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13269.htm> Acesso em: 26 nov. 2016. 29 Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=317011> Acesso em: 26 nov. 2016. 30 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=o9dOi65pKMQ> Acesso em: 26 nov. 2016.
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longo do seu tempo de estudos, ela participou de experiências e estágios não remunerados em empresas como Google e Microsoft. Mudou-se para a Califórnia, onde trabalhou para uma empresa de vídeos chamada Ooyala liderando uma equipe de engenheiros. Em de 201131, depois de ter saído da Ooyala, entrou para o time da Lemon, uma startup do Vale do Silício. Foi nesta época que começou a se formar a imagem da jovem e prodigiosa empreendedora brasileira. Foi entrevistada pelo empresário brasileiro Flávio Augusto, fundador de diversas empresas e atualmente por trás do grupo Geração de Valor, que entre outras coisas possui a escola de negócios Meu Sucesso, que tem como principal método de aprendizado o estudo de caso de empreendedores de sucesso. O vídeo 32
publicado em 14 de setembro de 2011 parece ser o responsável por algumas das
lendas que surgiram em volta dela, como as cinco formações no MIT, como a ideia de que ela possui múltiplas formações, fortalecida no trexo inicial, quando Flávio a apresenta: "ela se formou em engenharia elétrica.. ó, me ajuda, computação, administração, matemática, economia também..." Ainda nos Estados Unidos, escreveu seu primeiro livro “A Menina do Vale Como o Empreendedorismo Pode Mudar Sua Vida”, lançado pela editora Casa da Palavra em 2012, no Brasil. Em 01 de junho de 2012, foi entrevistada pelo portal UOL, que em dois posts falou sobre ela ter fundado a Lemon e sobre as cinco graduações. Bel foi entrevistada também pela Istoé, em 10 de abril de 2013. A matéria33 diz que ela “trabalhou no Google e na Microsoft e montou sua própria empresa, a Lemon”. Na época, ela fundou a própria escola de empreendedorismo, a FazInova e preparava o lançamento do segundo livro, “A Menina do Vale 2 - Seja um Empreendedor Responsável e Saia na Frente”, financiado por uma plataforma de financiamento coletivo.
31
Disponível em <http://thenextweb.com/la/2011/12/10/meet-isabel-this-23-year-old-entrepreneur-dropped-google-and-mi t-for-lemon/> Acesso em: 26 nov. 2016. 32 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=QpJMT9cUaP8> Acesso em: 26 nov. 2016. 33 Disponível em <http://istoe.com.br/288426_NINGUEM+FAZ+SUCESSO+SEM+QUEBRAR+A+CARA+/> Acesso em: 26 nov. 2016.
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“O povo aumenta, mas não inventa.” Ao longo do tempo, o fato dela ter feito estágios em grandes empresas se tornou “trabalhou em empresas como Google e Microsoft; os 2 majors e 3 minors se tornaram “cinco diplomas no MIT”, ou “cinco graduações” ou “formação em engenharia, computação, matemática, economia e administração” e a participação na Lemon Wallet acabou transfigurada em “startup fundada por brasileira. Em agosto deste ano que esse histórico passou a ser questionado, depois de uma tentativa muito criticada de utilizar o financiamento coletivo para abrir uma lanchonete em São Paulo ao lado do vencedor do reality show MasterChef, exibido pela Bandeirantes, Leonardo Young e do blogueiro José Soares. O fato de três pessoas financeiramente abastadas fazerem uso de um financiamento coletivo para abrir uma “hamburgueria gourmet” no já aquecidíssimo mercado gastronômico paulistano gerou discussões e críticas online, apesar de ter conseguido levantar mais de R$ 10 mil em poucas horas. Ninguém sabe as razões do foco ter caído sobre ela, mas a partir daí, a biografia de Bel passou a virar tema de discussão. Em um texto com mais de três mil recomendações no Medium34, o blogueiro e vlogueiro cearense que mora no Canadá, Israel Nobre, fez uma espécie de dossiê sobre toda ela. O texto que, segundo o ele, tirou o seu site do ar por conta da quantidade de acessos, acabou viralizando principalmente no twitter. É preciso deixar claro aqui que as distorções e interpretações duvidosas não têm
como
alvo
das
críticas
Bel
Pesce,
especificamente.
O
chamado
“empreendedorismo de palco” é uma prática comum tanto por empreendedores que têm históricos de absoluto sucesso em todas as áreas em que investiu, como por empreendedores que lucram apenas sobre supostas histórias de sucesso. E, se verdade, mentira, objetividade já são termos com definições abertas, sucesso também não pode ser resumido de maneira simplória. Se ela não tivesse nenhum talento, dificilmente conseguiria uma bolsa no MIT ou posições privilegiadas dentro de todas as empresas onde trabalhou. O alvo aqui é uma imprensa passiva que não fez questionamentos básicos do tipo: “Como alguém tem cinco diplomas do MIT em apenas quatro anos?”; “Por 34
Disponível em <https://medium.com/@izzynobre_24233/bel-pesce-e-o-empreendedorismo-de-palco-porque-a-meninado-vale-n%C3%A3o-vale-tanto-assim-da9e0c917844#.r3lst38fp> Acesso em: 26 nov. 2016.
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que alguém funda uma empresa que recebeu um aporte de US$ 8 bilhões35 e não recebe sequer uma parte do dinheiro?”; ou sequer verificou ou se interessou pelas posições ocupadas em duas das maiores empresas de tecnologia da atualidade. A falta de apuração pode ter sido por falta de conhecimentos básicos, por falta de interesse
ou por
uma
cultura que endeusa o típico empreendedorismo
norte-americano ou histórias que fortaleçam mitos como o da meritocracia. Em dois de setembro de 2016, só alguns dias depois do texto de Nobre, ela lançou sua resposta, explicando o próprio lado em todas as acusações sem citar especificamente o texto original dele. Também no Medium36 ela esclareceu fatos curiosos como Engenharia Elétrica e Ciência da Computação ser apenas uma especialização - um major - no MIT e também deixou muito mais claro o extenso trabalho dentro da Lemon juntamente com uma equipe considerável. A sua biografia dentro do site passou por algumas mudanças depois da polêmica. Com o recurso Wayback Machine da organização Internet Archive é possível comparar versões de 29 de agosto de 2016 com a atual. Já no primeiro parágrafo é possível perceber mudanças e adaptações sobre sua formação e sobre o seu papel dentro da Lemon.
35
Disponível em <https://techcrunch.com/2012/06/12/mobile-money-management-app-lemon-launches-digital-wallet-clos es-8-million-series-a/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+Techcru nch+%28TechCrunch%29&utm_content=Google+Reader> Acesso em: 26 nov. 2016. 36 Disponível em <https://medium.com/@belpesce/a-verdade-sobre-bel-pesce-82c706e16b4a#.qteph9r5p> Acesso em: 26 nov. 2016.
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37
38
No lado da imprensa, na entrevista de 2013 da IstoÉ citada anteriormente, Bel permanece como dona da empresa, mas em dois posts do dia 01 de junho de 2012 no UOL, informações foram atualizadas.
37
Disponível em <https://web.archive.org/web/20160829122530/https://www.belpesce.com.br/sobre> Acesso em: 26 nov. 2016. 38 Disponível em <https://www.belpesce.com.br/sobre> Acesso em: 26 nov. 2016.
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39
Disponível em <https://web.archive.org/web/20160609075647/http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/06/01/ conheca-a-historia-de-bel-pesce-a-menina-que-conquistou-o-vale-do-silicio.htm> Acesso em: 26 nov. 2016. 40 Disponível em <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/06/01/conheca-a-historia-de-bel-pesce-a-menina-qu e-conquistou-o-vale-do-silicio.htm> Acesso em: 26 nov. 2016.
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Na matéria que mostra as 10 dicas para empreender, a versão original41 afirmava, no seu segundo parágrafo: “Graduou-se em vários cursos: engenharia elétrica, ciências da computação, administração, economia e matemática. Mudou-se para o Vale, onde trabalhou para gigantes como Google, Microsoft e agora fundou sua empresa, a Lemon, de aplicativos de finanças pessoais”. Mas, atualmente, além da mudança, existe uma correção destacando a mudança nas informações.
42
A atualização é do dia 5 de setembro, o mesmo dia em que Wences Casares, fundador da Lemon, esclareceu no Twitter a posição de Bel Pesce dentro da start-up. Segundo ele, Isabel se juntou à Lemon em agosto de 2011, um mês depois da fundação e também afirmou que ela pode sim ser considerada parte do time de fundação da empresa.
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Disponível em <https://web.archive.org/web/20160118065836/http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/06/01/t alento-brasileiro-nos-eua-bel-pesce-da-10-dicas-para-empreender-com-sucesso.htm> Acesso em: 26 nov. 2016. 42 Disponível em <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/06/01/talento-brasileiro-nos-eua-bel-pesce-da-10-dic as-para-empreender-com-sucesso.htm> Acesso em: 26 nov. 2016.
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43
Disponível em <https://twitter.com/wences/status/772853186231013377> Acesso em: 26 nov. 2016. Disponível em <https://pbs.twimg.com/media/Crm5gWzVUAAV1P-.jpg:large> Acesso em: 26 nov. 2016. 44
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3.3 Correlações estranhas A terceira categoria comum encontrada nas minhas pesquisas é a da correlação estranha, correlação forçada ou até falsa correlação. Aqui, diferente do anterior, não se vê uma notória falta de apuração por parte de veículos ou especialistas, visto que o que caracteriza um caso desses é normalmente a junção de dois ou mais fatos e o entendimento de que ambos estão relacionados um ao outro. Os casos dentro deste grupo são bastante comuns no campo econômico, principalmente em se tratando do mercado financeiro. Um exemplo comum para entender como isso ocorre são as correlações feitas entre cenários políticos e o valor de ações estatais. E é emblemático o caso das ações da Petrobras. Depois de dois anos de investigações federais sobre corrupção ocorrida dentro da companhia, é possível enxergar as diversas narrativas que têm como a volatilidade do valor das ações como base de se tornarem legítimas. Ao analisarmos o gráfico feito pela Agência Reuters disponível no portal UOL45 que mostra movimentação do valor da ação no último ano, dá pra perceber um baixo valor no início do ano com uma queda máxima no fim de janeiro quando chegou a custar R$ 4,20, mas percebemos uma recuperação a partir disso, chegando a R$ 18,20 no dia 24 de outubro.
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45
Disponível em <http://economia.uol.com.br/cotacoes/bolsas/acoes/bvsp-bovespa/petr4-sa/> Acesso em: 26 nov. 2016. 46 Disponível em <http://economia.uol.com.br/cotacoes/bolsas/acoes/bvsp-bovespa/petr4-sa/> Acesso em: 26 nov. 2016.
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No mesmo dia da alta, o Estadão publicou uma notícia47 - “Com alta de 170% nas ações, Petrobrás começa a reverter efeitos da Lava Jato”, de Fernanda Nunes, Mariana Sollowicz e Vinícios Neder - com a participação de diversos especialistas analisando as razões por trás da recuperação: a desvalorização do Dólar frente ao real por conta do endividamento da moeda americana, as mudanças regulatórias do presidente Michel Temer - que assumiu oficialmente o cargo ao final de agosto com o impedimento de Dilma Rousseff. O título destaca que a alta começa a reverter os efeitos da Lava Jato, relacionando indiretamente não a alta, mas a baixa no valor com a operação que investiga o esquema de corrupção já citado. Cinco dias depois, em 29 de outubro, o jornal O Globo publicou um editorial48 dando mérito à alta das ações diretamente à mudança de administração com a troca de governo. Sob o título “Gestão sem ideologia começa a recuperar a Petrobras” a linha fina é bastante explícita: “Com defenestração do lulopetismo, empresa passou a ser administrada de forma profissional, e, por isso, preço da ação já quadruplicou”. É bom deixar claro aqui que não se trata de uma reportagem ou de uma matéria com pretensões de imparcialidade e sim de um editorial, ou seja, um artigo que se propõe a expressar unicamente o ponto de vista do veículo. Com ou sem pretensões de objetividade, pluralidade de lados ou quaisquer qualidades do jornalismo, é fácil entendermos a correlação que os jornais fazem. No caso do Estado de São Paulo, com o aval de especialistas é possível imaginar que a operação Lava Jato foi nociva ao valor das ações da estatal e que a desvalorização do Dólar e as mudanças regulatórias do novo governo tenham sido positivas para a estatal. No caso do artigo opinativo do Globo, a relação com o novo governo e com uma gestão supostamente sem ideologia é posta de maneira muito clara e muito direta (“por isso”). Não é meu objetivo aqui especular o porquê da valorização da empresa do primeiro trimestre ao início do último trimestre deste ano, 47
Disponível em <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,com-alta-de-170-nas-acoes-petrobras-comeca-a-reverte r-efeitos-da-lava-jato,10000083936> Acesso em: 26 nov. 2016. 48 Disponível em <http://oglobo.globo.com/opiniao/gestao-sem-ideologia-comeca-recuperar-petrobras-20377627> Acesso em: 26 nov. 2016.
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mas demonstrar o uso de diversos fatos já comprovados - o efeito da Lava Jato, a desvalorização do Dólar, a mudança de gestão no Governo Federal - como construção de uma narrativa. É interessante notar, nestes casos, o que foi deixado de fora. Não é preciso muito conhecimento em teoria econômica ou no mercado de ações para, por exemplo, entendermos que se uma empresa tem como principal fonte de lucro, a exploração de combustíveis fósseis, o valor de mercado destes combustíveis talvez tenha algum efeito na flutuação das ações. No site da Organização dos Países Produtores De Petróleo (OPEP), da qual o Brasil faz parte, é possível analisar a evolução do preço do barril de Petróleo no mercado internacional. No gráfico, logo de cara é possível notar algumas semelhanças com a movimentação das ações, como o fato do valor mais alto do ano até então ter sido no mês de outubro. Partindo de US$ 26,50 em 16 de janeiro, o preço chegou a US$ 47,87 no dia 16 de outubro.
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Por mais que seja um terreno frutífero para isso pela quantidade de agentes conectados e pela infinidade de variáveis presentes, não é só na economia que as correlações são vistas. Um caso emblemático e que até mesmo levantou o interesse de um veículo jornalístico sobre o tema foi o da judoca Rafaela Silva, primeira atleta brasileira a conquistar o ouro nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. No dia 8 de agosto, 49
Disponível em <http://www.opec.org/opec_web/en/data_graphs/40.htm> Acesso em: 26 nov. 2016.
50
Rafaela subiu ao pódio e já neste mesmo dia, veículos sistematizaram e dramatizaram sua biografia, criando relações da vitória com a disciplina militar, destacando a superação da pobreza e o racismo que ela sofreu. A matéria50 do Estado de São Paulo optou por dar destaque à ausência da continência no pódio, gesto comum nos jogos pan americanos de Toronto; a do El País Brasil51 partiu da perspectiva de raça e classe social, enquanto nas redes os comentários citavam programas sociais e meritocracia. A matéria de Thiago Guimarães ao BBC Brasil52 no dia seguinte à vitória (19/08/2016), contudo, é a mais interessante para entendermos a complexidade por trás de correlações simples. Aqui o jornalista destaca as quatro maneiras de usar a vitória para confirmar crenças próprias: “Vitória sobre o racismo”, “Militares como reserva moral”, “Poder dos programas sociais” e “Superação Individual”. Ele relaciona isso com o viés de confirmação. O viés de confirmação ou viés confirmatório se refere a uma tendência de interpretar situações ou informações para que as mesmas confirmem hipóteses, crenças ou teorias iniciais do pesquisador. O viés confirmatório pode confirmar não só uma ideologia do próprio jornalista mas também uma ideologia do veículo ou até mesmo uma ideologia ligada ao interesse de quem financia o veículo. Mas, o viés não explica sozinho o uso das correlações. Relacioná-lo completamente com a prática seria por si só uma correlação forçada. Antes de entrar de fato no capítulo de análise deste trabalho, quero destacar aqui algo que também pode explicar o fenômeno: a relação entre o maior uso desse tipo de correlações forçadas e uma certa tendência de simplificação de temas complexos. É claro que um dos papéis do jornalismo é justamente interpretar e explicar assuntos complicados, mas a simplificação a que me refiro não é necessariamente a que interpreta os dados e resume da melhor maneira possível,
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Disponível em <http://esportes.estadao.com.br/noticias/jogos-olimpicos,militar-da-marinha-rafaela-silva-desiste-de-faze r-continencia-no-podio,10000067965> Acesso em: 26 nov. 2016. 51 Disponível em <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/09/deportes/1470695638_790195.html> Acesso em: 26 nov. 2016. 52 Disponível em <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37022870> Acesso em: 26 nov. 2016.
51
mas a que tenta transformar questões multifacetadas, intrincadas, labirínticas em questões atrativas para atingir a um público maior. 3.4 Teorias da conspiração A categoria de teorias da conspiração diz respeito a boatos que consistem em histórias mentirosas que atacam diretamente ideias já estabelecidas ou fatos muito comentados em determinado contexto. Em seu vídeo53 (17/02/2016) sobre a recentemente ressuscitada teoria da terra plana - Terra Plana e o Filtro para Teorias da Conspiração (#Pirula 130) - o vlogger e biólogo Paulo Miranda Nascimento, o Pirula, usa a ideia terraplanista para ilustrar a possibilidade de criar e embasar uma teoria em seis passos relativamente simples: 1.criar uma história que desafie uma ideia estabelecida, 2.criar um motivo pelo qual a verdade foi oculta da população, 3.pinçar fatos reais que ajudem a sustentar a teoria, 4.divulgar, 5.desbancar a ciência, o jornalismo e outras autoridades, 6.inventar autoridades destes campos. Comuns desde meados do século XX e talvez potencializadas pela paranóia da Guerra Fria, estas histórias inventadas são das mais diversas: a de que o pouso na lua teria sido uma farsa, a da nave espacial que caiu em Roswell, ou as suspeitas acerca do assassinato de John Kennedy. Mas foi na internet comercial que os teóricos da conspiração viram uma ferramenta poderosíssima de disseminação desse tipo de narrativa. A ideia de que George W. Bush estaria diretamente envolvido com o planejamento
os atentados terroristas de 11 de
setembro de 2001 ou de que o aquecimento global é uma farsa criada pelos chineses são algumas destas mais recentes. Recentemente, por conta principalmente de um surto de microcefalia, teorias envolvendo a doença que afeta bebês recém-nascidos em diversos países ganharam forças dentro das redes sociais. Causada pelo vírus Zika que é transmitido pelos mosquitos Aedes Aegypti, a microcefalia atinge o feto, fazendo com que a circunferência da cabeça seja menor que a média. A condição afeta permanentemente o desenvolvimento cerebral da criança. Duas teorias envolvendo a doença ganharam força nas redes sociais, a mais perigosa delas acusava um lote 53
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=yzY7swaTwmA> Acesso em: 26 nov. 2016.
52
de vacinas vencido como a causa, ao contrário da tese cientificamente aceita do zika vírus. Difícil rastrear a origem deste rumor em específico, mas percebi que ele está diretamente relacionado a textos divulgados pelo Whatsapp em meados de dezembro de 2015, mas ganha formas mais complexas no início deste ano. Além do rumor das vacinas vencidas, também se popularizou um boato que tinha base num suposto estudo de um pesquisador independente, um Doutor Plínio Bezerra dos Santos Filho, PhD por três universidades norte-americanas, doutor por uma delas, bacharel e mestre em Física pela Universidade Federal de Pernambuco. Plínio Santos Fillho de fato existe e tem formação em Física pela UFPE, onde também defendeu uma dissertação de mestrado, em 198254 , mas a busca do seu nome nas universidade norte-americanas citadas não gerou resultado - o que não quer dizer que ele não tenha toda essa experiência. Quanto ao suposto estudo, não se trata de um estudo científico mas sim de uma postagem55 no Facebook do dia 22 de janeiro. A ideia de pesquisa científica parece ter surgido menos de uma semana depois. No Blog “Da Gestação ao Pós Parto”, de Quitéria Chagas, uma ativista pelo parto natural e contrária às vacinas, eu encontrei o post de blog mais antigo sobre este boato, de 28 de janeiro de 2016. O post56 “Causa da Microcefalia não é Zika Vírus, pode ser as vacinas em gestantes; diz estudo” reproduz na íntegra o conteúdo da postagem no Facebook.
54
Disponível em <https://www.ufpe.br/ppgfisica/index.php?option=com_content&view=article&id=381%3Ateses-e-dissert acoes-1982&catid=52&Itemid=273> Acesso em: 26 nov. 2016. 55 Disponível em <https://www.facebook.com/plinio.santosfilho/posts/961874390568916> Acesso em: 26 nov. 2016. 56 Disponível em <https://quiteriachagas.com/2016/01/28/causa-da-microcefalia-em-pernambuco-nao-e-zika-virus-foramas-vacinas-em-gestantes-diz-estudo/> Acesso em: 26 nov. 2016.
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O texto da postagem, na íntegra ou resumido foi replicado pelo portal Blasting News Brasil57 e por blogs de saúde, como o Agentes de Saúde58. Entre as recomendações apresentadas ao fim do texto, estão a de suspensão imediata de vacinas dadas a gestantes e jovens mulheres em período fértil. A denúncia é longa e bastante confusa, mas o que vale ser destacado são detalhes como o fato da
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Disponível em <http://br.blastingnews.com/ciencia-saude/2016/02/estudo-diz-que-a-causa-da-microcefalia-nao-e-zika-v irus-e-sim-as-vacinas-em-gestantes-00788909.html> Acesso em: 26 nov. 2016. 58
Disponível em
<http://www.agentesdesaude.com.br/2016/02/causa-da-microcefalia-nao-e-zika-virus.html> Acesso em: 26 nov. 2016.
54
vacinação contra a rubéola fazer parte da tríplice viral59, que também imuniza contra sarampo e caxumba e é feita com 12 meses e 4 anos de idade. Interessante notar que o mesmo tipo de vacina é acusado de causar autismo nos Estados Unidos, segundo mostra o site especializado em boatos Snopes.com em um post60 de 03 de fevereiro de 2015. As únicas imunizações recomendadas para gestantes são contra a gripe, contra a hepatite B e a tríplice bacteriana contra difteria, coqueluche e tétano. Se colocássemos estes boatos dentro dos passos de criação de teoria conspiratória propostos por Pirula, conseguiríamos fazer uma relação quase completa. ● Criar uma história que desafie ideia estabelecida: vacinas causam microcefalia; ● Criar um motivo pelo qual a verdade foi oculta: Incompetência do SUS; ● Pinçar fatos reais que ajudem a sustentar a teoria: todas as mães de bebês com microcefalia foram vacinadas contra rubéola; ● Divulgar: denúncia ao MPF, postagem no Facebook; ● Desbancar autoridades: causalidade entre zika vírus e microcefalia teria sido inventada; ● Inventar novas autoridades: físico com currículo acadêmico de dar inveja a Bel Pesce; O valor da categorização das teorias da conspiração para este trabalho não é necessariamente demonstrar problemas de veículos jornalísticos, até porque é raro que um veículo compartilhe alguma delas.Certos elementos como a sucessão maior de erros em temas quentes como é o caso da microcefalia ou a prática de pinçar fatos reais para sustentar a narrativa são presentes em todas as outras categorias.
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Disponível em <http://guiadobebe.uol.com.br/vacina-triplice-viral/> Acesso em: 26 nov. 2016. Disponível em <http://www.snopes.com/medical/disease/cdcwhistleblower.asp> Acesso em: 26 nov. 2016. 60
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4. UM OCEANO DE FACTÓIDES A ideia inicial deste trabalho era descobrir o que no ciberjornalismo permitia que boatos fossem compartilhados com tamanha facilidade. Esta impressão, admito, surgiu como algo puramente pessoal em um momento de efervescência nas discussões políticas dentro das redes. Mas, mesmo que eu não tenha realizado uma pesquisa capaz de alcançar todas as redes sociais e todo o conteúdo compartilhado - sinceramente, me parece improvável a realização de um estudo científico desta magnitude - existem algumas evidências que demonstram não necessariamente o aumento da presença de notícias mentirosas, mas um aumento desta sensação de que a mentira está tomando conta da rede. 4.1 A palavra do ano A palavra destaque do final do segundo capítulo deste trabalho e escolha do dicionário de Oxford para “palavra do ano” pode ser sinal de que esse sentimento é bastante ubíquo nas discussões sobre o estado atual da comunicação. Pós-verdade ou pós-factual, apesar de já ter sido utilizada desde o início do século XX, ganhou nova relevância em 2004, quando o pesquisador Ralph Keyes lançou o livro The Post Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporany Life. No post oficial da palavra do ano, divulgado no oxforddictionaries.com, é disponibilizado um gráfico que demonstra a frequência de uso do termo dentro das redes sociais. Existe um salto muito claro desta frequência a partir do mês de junho, culminando com o fim da campanha e a votação do referendo do “brexit”, a saída do Reino Unido da União Europeia escolhida por 51,8% do eleitorado. Isso demonstra os efeitos práticos do fenômeno.
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61
A ideia por trás da expressão “pós-verdade política” pode parecer um meio de nomear algo muito comum na democracia há muito tempo, mas o contexto atual parece demonstrar um padrão. O Brexit é fruto de uma campanha que tinha o fim de repasses milionários à União Europeia e a redução da imigração para dentro da Inglaterra como principais plataformas. Em novembro, Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos com um discurso que também punha nos ombros dos imigrantes a culpa pelo desemprego no país. Além disso, boa parte da plataforma eleitoral foi construída com base na demonização da candidata democrata, Hillary Clinton. A ideia de que Trump, um “empresário de sucesso” seria a única alternativa viável para uma quebra do status quo da rotina política norte-americana tomou conta de parte considerável do eleitorado. Tendo como propostas sólidas e repetidas diversas vezes a construção de um muro na fronteira com o méxico, a deportação dos imigrantes e um “plano secreto” para derrotar o grupo terrorista Estado Islâmico, 61
Disponível em <https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016> Acesso em: 26 nov. 2016.
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trump ganhou controle total de uma narrativa fácil de entender e fácil de se conectar. Mesmo fora do âmbito político-eleitoral destas votações, a lógica da pós verdade - a de que a emoção é mais forte que o fato - é presente em diversos dos casos ilustrados no capítulo anterior. A falsa citação do procurador que apresentou a denúncia contra Lula confirma um sentimento de perseguição, a pílula milagrosa que teria o poder de curar milhões de brasileiros, a melhora nas ações da Petrobrás depois da saída de Dilma. A proliferação de rumores parece ganhar força com a polêmica, em eventos ou em temas de discussão muito polarizantes. No ápice da crise política do governo Dilma, em 17 de Abril, a BBC publicou uma matéria62 revelando que, das cinco notícias mais compartilhadas no Facebook em relação
ao processo de
impeachment, três eram falsas. Um recente post63 no Buzzfeed Brasil revelou também que as notícias falsas sobre a operação Lava Jato compartilhadas na rede social geram mais engajamento que as verdadeiras. Esse tipo de fenômeno gera uma crise de confiança no jornalismo. O fato da pós-verdade e do viés de confirmação, expressões que dificilmente eram vistas fora do âmbito científico, estarem cada vez mais presentes em veículos jornalísticos que se propõem a atingir públicos maiores é sinal dessa crise. Nos últimos meses, a preocupação com a viralização de boatos passou a pautar veículos jornalísticos. O jornal Nexo, em 12 de Outubro, lançou um guia64, escrito pela repórter Ana Freitas, de identificação de notícias falsas na rede. O post no Facebook passou dos 2500 compartilhamentos. As 10 sugestões do veículo para
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Disponível em <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160417_noticias_falsas_redes_brasil_fd?ocid=socialf low_facebook> Acesso em: 26 nov. 2016. 63 Disponível em <https://www.buzzfeed.com/alexandrearagao/noticias-falsas-lava-jato-facebook?utm_term=.ueBPWAzN 8A#.ehx3xgD4mg> Acesso em: 26 nov. 2016. 64 Disponível em <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/11/Como-identificar-a-veracidade-de-uma-informa%C 3%A7%C3%A3o-e-n%C3%A3o-espalhar-boatos> Acesso em: 26 nov. 2016.
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identificar os rumores são bastante semelhantes ao modo como decupei os casos apresentados no capítulo anterior: cruzamento de fontes, busca da fonte original, análise da credibilidade de quem publicou, atenção ao excesso de adjetivos, busca reversa por imagem, pesquisa em sites especializados em encontrar boatos (e-farsas, boatos.org), verificação da data de publicação, leitura além do título, desconfiar da ausência de fontes e pensar duas vezes antes de compartilhar (2016, FREITAS). Em 21 de novembro de 2016, a página do Senado Federal compartilhou uma imagem com cinco dicas de como não cair em boatos na internet.
65
65
Disponível em <https://www.facebook.com/SenadoFederal/photos/a.176982505650946.49197.150311598318037/152 0125641336619/?type=3&theater> Acesso em: 26 nov. 2016.
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Das boas práticas propostas para evitar o compartilhamento de rumores tanto no post do Senado quando no guia do Nexo, algumas delas são adaptações diretas do que é considerado uma boa apuração jornalística: o cruzamento de fontes, o ceticismo em relação à credibilidade da notícia, a desconfiança em relação a alarmismos e ao uso de adjetivos. Outras práticas, contudo, falam diretamente aos hábitos de usuários das redes: verificar datas de publicação e ir além do título. Uma das práticas mais nocivas e diretamente conectadas com a viralização de notícias falsas é também uma das mais difíceis de serem mensuradas. Não existe maneira simples de demonstrar o percentual de usuários compartilha notícias sem ler nada além do título. Existem, claro, algumas evidências desse comportamento. O estudo Social Clicks: What and Who Gets Read on Twitter?66 da Universidade de Columbia analisou no Twitter mais de 3 milhões de compartilhamentos de notícias de cinco grandes veículos jornalísticos (BBC, Huffington Post, CNN, New York Times, Fox News) e descobriu que apenas 39% das notícias foram clicadas. 4.2 As eleições norte-americanas e o Facebook No dia 07 de Abril de 2016, uma agência de notícias da Macedônia, a meta.mk publicou a notícia67 de que macedônios da cidade de Veles estariam criando websites para fazer propaganda a favor de Donald Trump, que na época era candidato à presidência. Em 25 de agosto, o jornal inglês The Guardian, numa reportagem68 sobre sites de notícias políticas que existiam com o principal objetivo de lucrar por meio do engajamento das matérias, identificou mais de 150 domínios registrados no nome de cidadãos de Veles.
66
disponível em <https://hal.inria.fr/hal-01281190/document > Acesso em: 26 nov. 2016. disponível em <http://meta.mk/en/macedonians-from-veles-open-propaganda-web-portals-to-work-in-favour-for-donaldtrump/> Acesso em: 26 nov. 2016. 68 disponível em <https://www.theguardian.com/technology/2016/aug/24/facebook-clickbait-political-news-sites-us-electio n-trump> Acesso em: 26 nov. 2016. 67
60
Um dos entrevistados do periódico britânico que preferiu não se identificar (“Alex” na matéria) afirmou ter começado a escrever sobre política norte-americana com o objetivo de influenciar a política dos Estados Unidos, mas a possibilidade de dinheiro fácil “inspirou” seus concidadãos. No dia 03 de novembro, o Buzzfeed News fez uma matéria também sobre o caso, onde revelou que a criação de sites tinha se tornado uma forma de renda para adolescentes do país, que não permite que menores trabalhem. De acordo com um músico entrevistado, só o valor gerado em um site é o suficiente para comprar o equipamento. Alguns dias antes, no dia 01 de novembro, uma reportagem69 do Buzzfeed tinha revelado que uma mudança no Trends do Facebook - recurso que destaca os 10 temas mais comentados dentro da rede social - havia aberto espaço para o compartilhamento de notícias falsas. A matéria explica que a mudança ocorreu após a denúncia de que a equipe de editores que selecionava os tópicos tinha o hábito de abafar notícias relevantes para o público conservador. Os funcionários foram demitidos e a equipe atual precisa seguir uma série de diretrizes e não tem tanto poder quanto o grupo anterior. No período entre ambas as equipes, contudo, as notícias falsas ganharam mais relevância. O algorítmo promoveu pelo menos cinco histórias falsas em três semanas de análise da reportagem. Em 09 de novembro, no dia seguinte à eleição a estadunidense, a ideia de que as notícias falsas ajudaram a vitória do candidato republicano Donald Trump recaiu sobre o Facebook. O posicionamento do seu CEO e fundador Mark Zuckerberg foi apaziguador. Em um post70 no seu perfil pessoal ele afirmou que “De todo conteúdo do Facebook, mais de 99% do que as pessoas veem é autêntico. Somente uma quantidade muito pequena é de notícias falsas e boatos”. No mesmo dia, em resposta ao comentário na postagem, Zuckerberg afirmou que o foco
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Disponível em <https://www.buzzfeed.com/craigsilverman/o-algoritmo-trending-do-facebook-nao-consegue-im?utm_ter m=.xy84kV1yWV#.tvaX1bY46b> Acesso em: 26 nov. 2016. 70 Disponível em <https://www.facebook.com/zuck/posts/10103253901916271> Acesso em: 26 nov. 2016.
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principal do Facebook não é ser uma organização de mídia, mas ajudar pessoas a se conectarem umas com as outras. No domingo, dia 13, Donald Trump afirmou71 em entrevista ao “60 minutes” que a força de sua campanha veio do Twitter e do Facebook. A fala de Trump, que apesar de ter vencido a eleição pelo sistema de colegiado eleitoral teve menos votos que a democrata Hillary Clinton, gerou repercussão negativa global sobre a rede social. De acordo um levantamento do Pew Research Center, 62% dos adultos norte-americanos usam redes sociais como fonte de notícias. A pesquisa mostra que o Facebook é a rede mais utilizada. Em 17 de novembro, 20 sites de checagem de fatos assinaram uma carta aberta72 a Mark Zuckerberg se pondo à disposição da rede e propondo o início de uma nova conversa “urgente” a respeito do tema. Entre os sites participantes da Internacional Fact-Checking Network, estão os brasileiros Aos Fatos e a Agência Lupa. No dia 19, Zuckerberg fez mais uma postagem sobre o tema, onde anunciou uma série de medidas para evitar a proliferação de informações errôneas: detecção mais forte de rumores, facilitar o processo de reportar boatos, delegar checagem de fatos a serviços terceirizados, marcar histórias suspeitas, romper redes de que lucram com factóides e melhorar a comunicação com os usuários. A detecção mais forte dos rumores, o processo facilitado para reportar notícias falsas e uma melhora de comunicação podem ser respostas óbvias a uma crise da empresa, mas a ideia de delegar checagem de fatos e de dificultar o financiamento de quem lucra com essas notícias demonstra não só uma resposta à crise, mas evidencia uma preocupação real com a lógica das redes. E levanta questionamentos. O Facebook não se vê como uma empresa de mídia, mas de tecnologia, mas quantos dos usuários que se vêem como organização de mídia o utilizam como ferramenta para essencial gerar receita? E, como terreno fértil para 71
Disponível em <http://www.cbsnews.com/news/60-minutes-donald-trump-family-melania-ivanka-lesley-stahl/> Acesso em: 26 nov. 2016. 72 Disponível em <https://aosfatos.org/noticias/em-carta-ao-facebook-sites-de-checagem-se-unem-contra-noticias-falsas> Acesso em: 26 nov. 2016.
62
geração desse tipo de rendimento, qual a responsabilidade do Facebook sobre os efeitos que esses factóides têm no mundo real? 4.3 Jornal, revista, portal, site, blog, canal? A forma do jornalismo online Dentro do contexto do ciberjornalismo, na lógica das rede sociais, jornais centenários concorrem por relevância com webcelebridades e com blogs independentes. Usando como base os exemplos das categorias descritas no capítulo anterior e buscando os veículos que criam e compartilham boatos inventados ou de distorções sensacionalistas, é possível notar que alguns destes usam de uma espécie de aparência jornalística. É o caso do blog Conexão Jornalismo, que aparece como origem do boato da fala do procurador Deltan Dallagnol, mas também foi um dos blogs a perpetuar boatos em relação ao caso da fosfoetanolamina sintética. Outro site que não foi citado mas adota uma apresentação que remete à imprensa tradicional, ainda que esteja repletos de factóides, é a “Folha Brasil”. Ele se organiza em seis editorias bastante curiosas: Política, Sexualidade, Cultura, Escândalos, Religião e Saúde. E, por mais que nada dentro do site deixe clara a intenção de ser um periódico satírico - como é o caso do Sensacionalista ou do Piauí Herald, a descrição na página do Facebook do Folha Brasil afirma: “Jornalismo de verdade feito por jornalistas com credibilidade. Folha Brasil é informação com opinião. É opinião com fundamentação. É jornalismo de verdade!”. Do outro lado do espectro, veículos tradicionais ou não tão tradicionais, mas pertencentes a conglomerados midiáticos, buscam relevância com as mesmas ferramentas que blogs “desprendidos de certas obrigações” usam. Os títulos chamativos e a linguagem despojada tomam conta de grandes portais e, em alguns casos, blogs ou páginas específicas são criadas dentro dos veículos para buscar espaço na rede. É o caso do “Page not found” do jornal O Globo, administrado pelo jornalista Fernando Moreira:
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73
Na Folha de São Paulo, o blog de Ygor Salles, o “Hashtag”, assume uma posição semelhante, trazendo notícias curiosas e chamativas:
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Esse tipo de mudança por parte da mídia tradicional demonstra uma vontade de aproximação com um estilo típico da internet. E o fato das “notícias” divulgadas dentro destes blogs não ficarem limitadas às redes deles mas ocuparem também o 73 74
Disponível em <http://blogs.oglobo.globo.com/pagenotfound/> Acesso em: 26 nov. 2016. dISPONÍVEL EM <http://hashtag.blogfolha.uol.com.br/> Acesso em: 26 nov. 2016.
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espaço dos perfis oficiais da Folha e do jornal O Globo nas redes, pode ser indicativo de que algum retorno de engajamento para os veículos como um todo seja esperado. 4.4 Como ganhar dinheiro na rede mundial de computadores A derradeira temática a ser discutida neste capítulo de análise é a maneira do jornalismo gerar receita no contexto do ciberjornalismo. Como abordado no primeiro capítulo, a lógica de funcionamento do campo jornalístico mudou completamente. Um veículo, que antes era um espaço privilegiado de publicidade e que, por isso, era valorizado por anunciantes se viu num contexto em que precisa reconquistar um espaço e concorrer com outros veículos. Os espaços publicitários têm valor mensurado por uma infinidade de métricas que usam como base de cálculo o número de visitantes por páginas, as curtidas e reações de seguidores, os compartilhamentos, o número de comentários. Esse tipo de variável, conhecido no marketing digital como engajamento nas redes sociais é a base para toda a construção de uma presença online e do chamado capital social das mídias sociais. Seria impreciso afirmar aqui, contudo, que qualquer veículo jornalístico tem “as mesmas dificuldades” que uma marca ou empresa de qualquer segmento dentro do espaço das redes sociais, visto que os grandes conglomerados midiáticos nacionais e internacionais ainda têm muito alcance e um poder muito desproporcional dentro deste contexto. Globo, Folha de São Paulo, Estadão, por exemplo, já tinham um capital social construído e estabelecido muito antes das redes. A dificuldade da conquista de engajamento é enfrentada por veículos independentes e que tentam conquistar espaço nas redes, o que pode nos fazer questionar a ideia de que a internet seria um espaço democrático para o jornalismo. Dentre os veículos “independentes” que podem ter passado pelo processo dificultoso não só da conquista de espaço, mas da confiança do seu público, podem ser citados o Huffington Post75, o Buzzfeed76 - que é ainda muito criticado por seu
75 76
http://www.huffingtonpost.com/ http://www.buzzfeed.com
65
formato mas faz um jornalismo que informa, entretém, guia e orienta - a Agência Pública77 , o jornal Nexo78, entre outros. O caso do Facebook deixa clara a influência desta lógica na proliferação de boatos. Tanto que boa parte dos entrevistados pela reportagem do Buzzfeed (03/11/2016) admitiram criar e manter os sites de rumores e factóides não com um objetivo político, mas como forma de renda. É importante também lembrar de uma das características determinantes do ciberjornalismo destacadas no primeiro capítulo: a da customização, que permite ao usuário escolher e hierarquizar o conteúdo desejado de acordo com os próprios interesses. Atualmente o usuário nem precisa fazer isso ativamente. Ele dificilmente consegue escapar, aliás, porque os serviços do Google e do Facebook fazem essa customização de maneira automática, o que de fato melhora a experiência do usuário sob a perspectiva de consumo, mas influencia diretamente no tipo de notícia que será priorizada nas timelines que frequenta. Antes de partir para as considerações, gostaria de destacar um outro aspectos, não do jornalismo, mas da web atual, que podem ter forte influência jornalismo. Os aplicativos e extensões para navegador que bloqueiam a publicidade na internet, conhecidos como “add-blocks”. Quando instalados, estes programas ocultam toda e qualquer publicidade na internet. Os resultados da popularização desse tipo de ferramenta são incertos, mas alguns veículos como a Folha de São Paulo, o Estadão, a Wired, a CNN, entre outros já redirecionam o leitor para a página de planos de assinatura quando detectam o uso dela.
77 78
http://www.apublica.org http://www.nexojornal.com.br
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS A pergunta inicial a ser respondida neste trabalho era algo como: as rotinas do jornalismo praticado na época atual dentro da internet, o ciberjornalismo, contribuem para uma proliferação maior de mentiras na rede? Resumindo de maneira simplória o processo de pesquisa, seria relativamente simples descobrir se a resposta seria afirmativa ou não: estudar os processos jornalísticos presentes no contexto atual, as origens dos boatos mais compartilhados e fazer uma análise comparativa. Nada tão amador neste campo de pesquisa que esperar resultados lógicos de questões ilógicas. Mas depois de me deparar com algumas dificuldades fundamentais para o questionamento - o fato de não ser possível afirmar com tanta facilidade que realmente existem mais boatos agora que existiam antes; o fato de não conseguir simplificar qual das inúmeras variáveis envolvidas em todos os casos de boatos estudados é a grande responsável pela viralização dos factóides; e a dificuldade de definir o que é, afinal, mentira, verdade, objetividade - a conclusão é que, sim, rotinas e características do ciberjornalismo contribuem para a proliferação da mentira, mas não, não é nada tão simples quanto os processos de apuração. Se não foi possível uma comprovação tão clara de que a presença de rumores aumentou de fato no contexto do ciberjornalismo, a recente onda de preocupação com o tema, o caso das suspeitas em relação ao Facebook como plataforma que teria indiretamente aberto caminho para a eleição de Trump pela facilitação de espalhar inverdades dentro da rede, a popularização de plataformas de checagem de fatos são ao menos evidências deste aumento. E algumas características do ciberjornalismo têm, de fato, uma conexão direta com isso. A facilitação de acesso, a customização de conteúdo, o nivelamento de veículos com marcas, empresas, pessoas, blogs, canais bem e mal intencionados, comprometidos e não comprometidos com valores jornalísticos são algumas destas características. É como se tudo o que a tecnologia e as redes sociais proporcionaram tenha equiparado a tal ponto o poder de fala de todos ali
67
conectados que o campo jornalístico tenha passado por uma involução. Não uma involução no sentido de piorar, mas num sentido de regressão para um período anterior a métodos jornalísticos já quase universalmente aceitos. As novas formas da publicidade - ou o fim da publicidade no esquema de compra e venda de espaços - acabaram por serem agentes deste nivelamento. O fato de jornais já consolidados precisarem, na briga por espaço, conquistar espaço por meio de engajamento e, para isso, produzir conteúdo digno de engajamento e focalizar parte da estrutura de trabalho na produção de tal conteúdo, está diretamente conectado a esse novo paradigma. É neste contexto de um jornalismo atrofiado que precisa concorrer com veículos sem pretensão sequer de busca por objetividade que é aberto o espaço para mentira. Dos casos analisados no terceiro capítulo, dois se destacam, para mim, como mais
emblemáticos
e representativos como frutos deste contexto: o da
empreendedora Bel Pesce e o da falsa citação do procurador Deltan Dallagnol. Não que as teorias conspiratórias não tenham espaço e força total para fluírem pela internet ou que as correlações espúrias e as promessas de cura fácil para “males do século” não continuem tão problemáticas como sempre foram, mas a falta de apuração da grande mídia e de blogs com viés declarado nos dois destaques podem ser sinal de que algumas rotinas precisam ser revistas. Estes dois casos: um deles que pretende fortalecer e legitimar uma narrativa meritocrata
e
de
conquistas
pessoais,
da
fetichização
do
modelo
de
empreendedorismo norte-americano e de um capitalismo darwinista; e outro que pretende blindar uma narrativa de perseguição e demonizar completamente o trabalho do Ministério Público - e isso não quer dizer que Bel Pesce não seja uma empreendedora talentosa ou que a operação Lava Jato não tenha um viés político muito forte por trás das investigações - remontam pra mim a origem da minha escolha do tema, que aconteceu no período das eleições presidenciais de 2014. É chover no molhado falar de polarização, mas esse tipo de simplificação leva não
68
necessariamente à mentira perse, mas justamente à situação em que a satisfação emocional vale mais do que o fato. E não quero afirmar, com isso, qualquer tipo de conspiração, uma batalha entre duas narrativas conscientes. É bem adequada aqui a citação à história “Logic of Empire” (1941), do escritor de Robert A. Heinlein: “Você atribuiu condições à vilania que podem ser simplesmente resultado de estupidez”. E seja esta estupidez a estupidez de não ter apurado como deveria ou a de achar que fortalecer a própria narrativa geraria um bem maior, a saída mais correta ainda parece ser o bom jornalismo. Isso porque o excesso de informações, mentirosas ou não, paradoxalmente tem o poder de deixar as pessoas tão desinformadas quanto a escassez de informações. E este nivelamento do poder de informação dentro das redes vem acompanhado de uma tecnologia que permite que o bom jornalismo acabe se destacando, permite que, ao invés de pensar antes em narrativa ou recorrer ao fatalismo da objetividade impossível, pense-se antes em buscar a imparcialidade mesmo que a imparcialidade plena seja inalcançável. É claro que não se quebra o ciclo vicioso apenas com um sentimento otimista, mas é preciso não desistir dele antes de partir para passos mais práticos. Por mais que o ciberjornalismo seja caracterizado também por uma infinidade de ferramentas tecnológicas - como o acesso a bancos de dados, à memória, uma multimidialidade nunca vista - parece que tais ferramentas não são plenamente utilizadas pela maior parte dos veículos. Então é necessário valorizar o jornalismo que usa destas ferramentas para cumprir suas razões de ser, seja esta valorização pagando
pela
assinatura
ou
de
maneira
institucional,
responsabilizando quem se reconhece como veículo de mídia.
refularizando
e
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