Aspectos Teóricos da Conservação de Bens Tumulares
Publicação dirigida aos concessionários
2ª CAPA
CADERNO DE INSTRUÇÕES I
Aspectos Teóricos da Conservação de Bens Tumulares
Publicação dirigida aos concessionários
2016
GEAAC
CRÉDITOS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO xx
1. NOTAS A RESPEITO DO PATRIMÔNIO CULTURAL 1.1 O que é uma obra de arte? 1.2 Alegorias 1.3 Aspecto novo ou velho - fator determinante à preservação do patrimônio cemiterial 1.4 A danosa busca pela eterna juventude para as esculturas tumulares 1.5 O que constitui um original escultórico?
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2. BREVE ESTUDO HISTÓRICO 2.1 O início dos rituais de enterramentos 2.2 A chegada dos cemitérios extramuros ao Brasil 2.3 A fundação do Cemitério da Consolação 2.4 Marmorarias
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3. MATERIAIS 3.1. Considerações sobre o desempenho dos materiais empregados 3.2 Fatores de degradação 3.3 Estado de conservação
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4. PROPOSTAS DE CONSERVAÇÃO 4.1Conservação de argamassas 4.2 Conservação do bronze 4.2.1 breve introdução à técnica escultórica em bronze 4.2.2 Conservação de peças em bronze 4.3 Conservação de pedras 4.3.1 Manutenção anual 4.3.2 Manutenção periódica
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CADERNO DE INSTRUÇÕES I
Aspectos Teóricos da Conservação de Bens Tumulares
Publicação dirigida aos concessionários
GEAAC1
Este Caderno de Instruções I apresenta os resultados das pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC) para o Projeto Memória & Vida. A lista com o nome dos autores deste trabalho se encontra ao final do volume.
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APRESENTAÇÃO Após a fase de planejamento, no final de 2015 foi firmado um convênio entre a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e o Serviço Funerário do Município de São Paulo, criando-se o projeto Memória & Vida, o qual envolveu profissionais, pesquisadores e docentes de diferentes áreas da universidade, como Administração, Psicologia, Direito e Conservação e Restauro, que passaram a desenvolver trabalhos dirigidos à apresentação de possibilidades que viessem a implementar os serviços oferecidos por aquela superintendência, a fim de tornar os espaços cemiteriais, em São Paulo, áreas que, além do luto e das manifestações memoriais e honoríficas dirigidas aos mortos, pudessem ser vistas como praças e parques favoráveis ao lazer e ao recolhimento, assim como espaços aplicáveis à realização de diversas manifestações culturais. Além do desenvolvimento de novos modelos de gestão e de modos diferenciados de atendimento psicológico aos concessionários que perderam entes queridos e aos funcionários da prefeitura ou prestadores de serviços, que entram em contato com essa realidade, e do estudo de questões legais, fundamentais à aprovação dessas novas propostas no âmbito municipal, mostrou-se fundamental o desenvolvimento de um conjunto de regras que pudesse favorecer e facilitar a conservação dos originais, arquitetônicos e artísticos, presentes em cada um dos 22 cemitérios da cidade. Para os estudos da história da arquitetura e da arte e de processos de conservação e restauração de bens culturais, o Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC) integrou-se ao projeto Memória & Vida, com o objetivo de, a partir da coleção museológica presente no Cemitério da Consolação, elaborar um conjunto de instruções dirigido à conservação de bens tumulares, no intuito de favorecer a conservação do conjunto patrimonial pelas pessoas atuantes naquele tipo de espaço, normalmente sem estudo ou treinamento anteriores, com fundamento nos mais embasados procedimentos científicos. O conjunto de informações resultante dessas pesquisas é aqui apresentado e dirigido aos concessionários, grupo a quem cabem as responsabilidades pela manutenção e pela conservação dos bens tumulares distribuídos pelos espaços cemiteriais. Com a colaboração desse importante segmento, será possível promover uma mudança urgentemente necessária, passando-se a utilizar nos bens patrimoniais procedimentos de mínima intervenção, os quais em lugar de danificar os conjuntos artísticos e arquitetônicos, como infelizmente vem ocorrendo, preservem suas características originais, assegurando às futuras gerações a possibilidade de entrar em contato direto com essa importante produção representativa da estética vigente em São Paulo entre a segunda metade do século XIX e o século XX.
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INTRODUÇÃO O turismo cultural pode favorecer o contato com os monumentos e sítios históricos e artísticos representativos das realizações de uma comunidade, entre os quais se encontram os cemitérios, que, além de abrigarem os restos de personalidades que tiveram papel determinante na formação e no desenvolvimento de uma localidade, possuem coleções compostas por exemplares de arte e arquitetura, que documentam a evolução social, artístico-cultural, política, religiosa, científica e até mesmo plástica de uma região, sob diversos aspectos ou instâncias, entre eles os históricos, estéticos, técnicos, estilísticos e simbólicos, podendo ser vistos como espaços museais. A abordagem do espaço cemiterial pode ser favorecida pela Educação Patrimonial, que ressalta as potencialidades do conjunto tumular, do ambiente e do paisagismo cemiteriais, enquanto documentos detentores de informações a respeito dos mais diversos aspectos históricos e culturais de uma comunidade ou localidade. A conservação de bens tumulares ocupa, ou deveria ocupar, um lugar central em um sistema voltado ao estudo e à apresentação de originais tumulares ao público, uma vez que esses conjuntos arquitetônicos e artísticos, que podem ser vistos como documentos e analisados sob diversas óticas, podem ter a manutenção da sua originalidade favorecida pelos avanços obtidos pelas ciências da conservação e, em casos extremos, pela área da conservação e do restauro. Entre os mais tradicionais cemitérios da cidade de São Paulo está o Cemitério da Consolação, que, além de abrigar o túmulo de personalidades entre as mais relevantes para o desenvolvimento da cidade, do estado e de outras regiões do país, reúne um conjunto artístico e arquitetônico representativo de diversas fases estilísticas ocorrentes entre a segunda metade do século XIX e os dias atuais, com destaque para as obras de marmoristas e fundidores, brasileiros ou, mais predominantemente, estrangeiros, entre portugueses, espanhóis, italianos, alemães etc., atuantes ou em permanência na cidade, a partir do final do século XIX, e para as esculturas de artistas modernistas como Victor Brecheret, assim como para os diversos desdobramentos artísticos, estilísticos e técnicos desenvolvidos, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial. O Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC), integrado ao Projeto Memória & Vida, foi formado com o objetivo de realizar estudos teóricos, históricos, artísticos, estilísticos, técnicos, simbólicos etc., a respeito de arte e arquitetura cemiteriais, assim como elaborar um conjunto de instruções práticas, dirigido aos concessionários, sob quem recaem as responsabilidades sobre o patrimônio cemiterial, e aos profissionais atuantes em conservação de bens tumulares, com base em séries de testes e exames efetuados sobre alguns dos principais materiais componentes dos originais presentes em espaços cemiteriais. As pesquisas iniciais foram dirigidas à coleção museológica presente no Cemitério da Consolação, em São Paulo. O GEAAC é composto por arquitetos, geólogos, historiadores, historiadores da arte e conservadores-restauradores, assessorados por estagiários, alunos da PUC-SP, que se reúnem semanalmente na universidade e/ou no Cemitério da Consolação, para a produção de conhecimento, com base em pesquisas ou em experimentações, em busca de aplicações práticas dirigidas à conservação e à 8
limpeza de bens tumulares. Os resultados obtidos nos trabalhos de pesquisa realizados para o Projeto Memória & Vida são disponibilizados no presente Caderno de Instruções, dirigido aos concessionários responsáveis pela guarda e pela conservação de bens artísticos e arquitetônicos componentes do patrimônio cemiterial presente no Cemitério da Consolação, em São Paulo. O presente texto trata de algumas das principais informações obtidas nesse processo de pesquisa como possibilidades e meios de conservação, dirigidos às obras desse acervo, e discute alguns entre os procedimentos inadequados aos quais vem sendo submetidos os originais em questão, bem como aborda as diretrizes norteadoras do trabalho desenvolvido pelo GEAAC visando a preservação desse patrimônio que representa significativa parcela da história paulista (Imagem 01).
Nobis conse nobit pererferum et erum volorro blam quam, sit liatum volupta temquam, quam, comnistium que porehendit plic tempore
1. NOTAS A RESPEITO DO PATRIMÔNIO CULTURAL O patrimônio cultural é o conjunto de expressões materiais e espirituais de uma nação, região ou comunidade, incluindo seu ambiente natural, sendo composto pelos bens materiais e/ou imateriais que contam a história dos diversos grupos e da sua relação com seu meio ambiente, constituindo o legado ou a herança impregnados dos conhecimentos resultantes das realizações ancestrais, as quais objetivaram a solução de problemas relativos à existência, ou seja, a experiência do passado, a ser transmitida às gerações futuras. 9
Os elementos constituintes do patrimônio cultural estão definidos no artigo 216 da Constituição Federal Brasileira, de 1988, incluindo os bens de natureza material e imaterial, de maneira individual ou conjunta, para as realizações que guardem registros referentes à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos atuantes na formação da sociedade brasileira, incluindo as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, os objetos, os documentos, as edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o patrimônio material é composto por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza, podendo ser arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; de belas-artes; e das artes aplicadas. Nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988, ampliou-se a noção de patrimônio cultural, reconhecendo-se a existência de bens de natureza material e imaterial. Como forma de preservação, o tombamento, vigente a partir do Decreto-Lei n° 25, de 30/11/1937, se adéqua à proteção de edificações, paisagens e conjuntos históricos urbanos, entre os quais se encontram os espaços e conjuntos patrimoniais cemiteriais. Desse modo, entre os bens de natureza material tombados estão cidades históricas, imóveis isolados, sítios arqueológicos e paisagísticos, bens individuais e bens móveis, como coleções arqueológicas e acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. Os bens culturais de natureza imaterial, reconhecidos a partir da Constituição Federal de 1988, envolvem as práticas e os domínios da vida comunitária que passam a constituir conhecimentos, como os ofícios e suas técnicas, as festas e comemorações, as expressões populares ligadas às artes cênicas, plásticas e musicais, os jogos e as brincadeiras, as danças de roda e, entre os locais que abrigam manifestações culturais coletivas, os mercados, as feiras públicas e os santuários. A preservação desse patrimônio cabe ao Estado, em parceria com a sociedade, e envolve os bens culturais representativos dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. A transmissão do patrimônio imaterial se dá a cada geração, após sua reprodução ou recriação por comunidades e grupos, de acordo com seu meio imediato, sua interação com a natureza e sua história, podendo favorecer o surgimento de um sentimento de identidade, fundamental à formação do cidadão e útil à promoção do respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.
1.1 O que é uma obra de arte? Todo objeto resultante de uma intenção, representativa e/ou expressiva, realizado com preocupações estéticas que, desse modo, envolva o belo e os sentimentos que suscita nos seres humanos, pode constituir uma obra de arte (Imagem 02), que, mais do que reproduzir formas, cores e texturas, se dirige à materialização e à consequente apresentação ao observador do resultado de alguma reflexão ou ideia. 10
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A apreciação do objeto estético pode se dar por diferentes caminhos, podendo ser iniciada a partir da identificação das características de sua materialidade, por meio do reconhecimento e da descrição dos componentes da obra, assim como das linhas e formas, da estrutura da composição, das cores, das direções, das texturas e todas as informações que, extraídas nesse processo de fruição, possam contribuir para um aprofundamento, em um rico processo de conhecimento. No que diz respeito aos aspectos técnicos, é possível verificar questões como o domínio técnico e a perícia na execução do trabalho, que nas artes tradicionais chega a envolver o realismo na representação, a qualidade dos suportes e materiais utilizados ou, contrariamente, o grau de transgressão atingido pelo artista no processo de desenvolvimento e execução da obra, nesse caso submetida à desconstrução e mesmo à desmaterialização. Após essas abordagens, é possível buscar na obra de arte significados mais aprofundados, desde a decodificação do tema, os aspectos alegóricos ou mitológicos e sua simbologia até a investigação de novos meios perceptivos e reflexivos, dirigidos à abertura de novas possibilidades expressivas. No discurso associável às obras, a descrição dos elementos formais constitui a iconografia, e a interpretação de seus significados simbólicos, a iconologia. Por meio da análise dos elementos formais é possível identificar, nas linhas predominantes nos trabalhos, componentes ligados à estilística, os quais chegam a envolver diferentes soluções formais e técnicas, variantes segundo as concepções, as tecnologias e os materiais disponíveis em diversas épocas, regiões e períodos históricos. É importante ressaltar que a leitura de um observador a respeito de uma determinada obra de arte resultará, também, de seu conjunto de informações ou repertório. Assim, determinada obra de arte poderá assumir para cada observador os significados que seu repertório permitir, incidindo esse complexo processo em aspectos interpretativos e mesmo na possibilidade de recriação ou ressignificação. Outros índices para a obtenção de informações a respeito de obras de arte podem estar ligados a seu reconhecimento por instituições especializadas, como museus, galerias e instituições culturais, o que pode implicar sua va11
loração, inserindo-as em um universo ligado à pesquisa acadêmica ou nos meandros do mercado de arte. No caso do patrimônio cemiterial paulista, as obras de reconhecido valor histórico e/ou artístico vêm sendo tombadas2 por órgãos de proteção, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) e o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). Com o passar do tempo, provavelmente outros índices poderão ser agregados às obras de arte, como os resultantes de desgastes dos materiais de suporte e dos demais extratos componentes dos originais. As marcas do tempo poderão resultar em simples alterações superficiais, sendo perceptíveis no enfraquecimento de cores, texturas, relevos etc., assim como em deformações que poderão afetar as partes estruturais ou resultar em alterações superficiais parciais ou gerais no conjunto de formas de uma obra. Embora representem alterações em relação às suas condições originais, essas marcas do tempo passam a compor o conjunto da obra, documentando seu percurso histórico. As diferentes instâncias associáveis aos diferentes modos de abordagem das obras de arte, acima discriminadas, não representam todas as possibilidades de fruição do objeto estético, que pode ser visto por outros vieses, o que demonstra a grande riqueza envolvida no contato entre observador e obra de arte, em um processo que será favorecido pela manutenção das características originais do objeto. No caso do presente trabalho de pesquisa, são estudadas as obras artísticas, escultóricas ou pictóricas, que integram os conjuntos arquitetônicos tumulares, erigidos com finalidades memoriais ou honoríficas, dirigidas a personalidades atuantes em uma diversa localidade por seus familiares ou entes queridos ou por seus concidadãos como forma de reconhecimento. Esse segmento de obras é diferenciado, uma vez que, devido à constante exposição a intempéries e, em cidades como São Paulo, à exposição à poluição e a outros agentes degenerativos detectáveis na atmosfera, se apresenta sob constante ameaça. Buscam-se aqui, portanto, meios que possibilitem a extensão de sua duração, a fim de que possam ser conhecidos pelas futuras gerações, enriquecendo o processo de apropriação da herança histórica e estética, fundamental à constituição dos cidadãos.
1.2 Alegorias As representações alegóricas objetivam transmitir informações transcendentes ao significado literal presente nos objetos representados. Desse modo, por meio da linguagem figurativa, a alegoria, historicamente empregada em narrativas mitológicas, se utiliza de símbolos, visando constituir uma possibilidade de aprofundamento de reflexões relativas à vida humana e às forças naturais. Para os gregos, representava uma atraente possibilidade interpreta-
O tombamento é o mais conhecido instrumento de reconhecimento e proteção do patrimônio cultural, podendo ser promovido e oficializado pela administração federal, estadual e municipal.
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tiva. Por meio das alegorias se podia buscar a constituição de novos ideais e paradigmas. A alegoria teológica, também utilizada em espaços cemiteriais, objetiva revelar verdades ocultas presentes nos textos religiosos, por meio de imagens escultóricas ou pictóricas. Essa rica gama de possibilidades teria sua presença intensificada entre as obras tumulares do Cemitério da Consolação a partir da importação de peças executadas na Europa, principalmente com a utilização do mármore da região de Carrara, na região italiana da Toscana, segundo os padrões representativos e alegóricos em voga no Velho Continente entre fins do século XIX e a primeira metade do século XX. Dentro do ritual de sepultamento existem várias formas de manter vivo o afeto cultivado durante a vida àquele que já não está mais entre os seus. Esses sentimentos encontram representação desde o ato de velar o corpo em uma cerimônia na qual os familiares e amigos estão presentes até a construção do túmulo, que pode ser ornamentado com diversos símbolos, os quais fazem referência ao ente perdido. A iconologia é o estudo de ícones e símbolos artísticos, e as famílias costumam escolher as figuras alegóricas mais representativas de seus sentimentos em relação à pessoa falecida, com referências à sua bela passagem pela vida, ou para registrar a dor causada por sua ausência. Arte tumular ou funerária é o nome dado a essas representações realizadas com finalidades memoriais e honoríficas, que se ligam diretamente ao contexto histórico, ideológico, social e econômico no qual essa pessoa viveu e morreu. As obras arquitetônicas e escultóricas encontráveis nos cemitérios mais antigos, os quais abrigam túmulos e mausoléus que, muitas vezes, chegam a adquirir valor histórico, em muitos casos foram executadas por artistas reconhecidos, os quais, além de representarem na rocha os mais sinceros sentimentos daqueles que ficaram e manterem a memória do homenageado, também deixaram registros do contexto histórico e social no qual ele viveu, transformando essas obras em importantes documentos de sua época. Na elite paulistana, assim como ocorria com outras elites do país, havia segmentos entre os tradicionais cafeicultores e entre os emergentes industriais, normalmente de ascendência europeia e recentemente estabelecidos na região, que mantinham expectativas dirigidas à construção de mausoléus, os quais, além das finalidades memoriais e honoríficas habituais, representassem de maneira condizente o grau de importância social alcançado pelos sepultados na comunidade. Essas iniciativas no Cemitério Consolação resultaram em um numeroso conjunto patrimonial funerário, constituído por construções de porte, realizadas com base em complexos projetos de arquitetura e excelentes componentes escultóricos, normalmente executados por artistas de renome, especializados ou não em arte funerária, radicados ou não em São Paulo. Esse conjunto constitui, hoje, uma das mais importantes coleções de arte a céu aberto da cidade. Entre os ornamentos encontráveis na arte tumular, alguns são mais recorrentes que outros, como as cruzes e outros elementos simbólicos religiosos que, para o fiel, são representativos de diferentes momentos ligados ao culto cristão e evocam a fé e os demais ensinamentos presentes no Evangelho. Nesse contexto, naturalmente, Cristo aparece com destaque, em representações normalmente ligadas à Ressurreição ou evocando sua morte. A cena de Cristo morto nos braços de Maria, que passaria à representação a partir do século XIII, na Alemanha, teria um célebre 13
precedente na escultura Pietà, obra-prima executada por Michelangelo, a qual se tornou símbolo do sentimento cristão perante a morte. Essa alegoria aparece com diversas variações no Consolação, como se pode ver nos túmulos das famílias Constantino de Matheus (Imagem 03) e Miguel Calfat.
Imagem 03 - Túmulo da família Constantino de Matheus. Foto: Marcelo Ferreira.
A figura do anjo pode ser representada com base em diferentes tipos de alegoria, por exemplo a da desolação ou da saudade, como se pode encontrar no túmulo de Francisco de Paula Leite, em que o anjo está com as mãos juntas entrecruzadas e a cabeça inclinada em estado meditativo. Outro exemplo é o túmulo da família do Comm. Sabbado D’Angelo, no qual a presença do anjo evoca a alegoria da ressurreição: uma jovem, calma e sonhadora, aponta uma das mãos para o céu, símbolo da vida celestial, enquanto estende para baixo a outra mão, que segura uma trombeta. A cena, relacionada com a vida terrena, representa o chamado aos mortos para a ressurreição no dia do Juízo Final (Imagem 04). 14
Imagem 04 - Mausoléu de Francisco de Paula Leite. (Foto: Marcelo Ferreira)
Imagem 05 - Pranteadora - Túmulo da família de Alcibiades Campos (Foto: Marcelo Ferreira)
Em meio às mais diversas representações do imaginário católico, como anjos e santos, representativos da crença e da fé das famílias e de seus sepultados, no Cemitério da Consolação também são encontradas representações originárias do universo pagão, como a alegoria da Pranteadora (Imagem 05), constituída 15
pela imagem de uma mulher, que carrega em sua expressão o fardo da dor e do sofrimento, moral e físico, de quem se encontra diante da morte. Ela se apresenta como uma pessoa ligada às emoções: dócil, hábil para suportar a dor da separação com resignação e serenidade e capaz de consolar os familiares; uma representação simbólica da mãe e/ou da viúva. Representa também o cansaço e o se debruçar diante da morte, em uma atitude de quase aceitação da fugacidade da vida, mas envolvida pelo pesar.
1.3 Aspecto novo ou velho - fator determinante à preservação do patrimônio cemiterial A apreciação do aspecto novo e a rejeição ao aspecto velho são fenômenos usuais entre nós, que podem interferir na preservação de originais artísticos e arquitetônicos, enquanto fatores ligados à sua adequada conservação ou quando responsáveis por alterações com potencial para conduzir à sua degradação e, até mesmo, à destruição dos atributos que lhe conferem, devido à originalidade, valor documental. Considerável parte do patrimônio tumular presente no Cemitério da Consolação encontra-se ameaçada, devido aos procedimentos inadequados conferidos aos originais em processos de limpeza ou em reformas3. Durante a realização dessas pesquisas, foi surpreendente verificar que alguns dos profissionais que atuam na limpeza tumular no Cemitério da Consolação utilizavam produtos e materiais de alto grau de toxicidade e agressividade abrasiva, alterando drasticamente as qualidades dos originais pelos quais se tornaram responsáveis, por pura falta de conhecimento dos procedimentos indicados pelas ciências da conservação para o trato com bens tumulares originais. Mas foi ainda mais surpreendente verificar que, em boa parte dos casos, essas ações danosas ao patrimônio eram fruto das exigências de muitos entre os próprios concessionários, que, por desconhecimento, encomendavam limpezas visando resultados que remetessem à aparência de novo, artificialmente obtida, à custa de procedimentos agressivos, os quais eliminam sistematicamente extratos ou camadas inteiras dos originais dos bens tumulares, artísticos e/ou arquitetônicos, expondo-os a agentes deteriorantes, uma vez que abrem os poros antes protegidos pelo polimento do material de suporte e ampliam a capacidade de absorção de umidade. Infelizmente, esse tipo de encomenda é a que predomina entre as exigidas pelos concessionários aos profissionais atuantes nos cemitérios da cidade. Por isso, é urgente uma mudança desse paradigma, a fim de que se passe a promover a conservação, em lugar da alteração e da destruição da originalidade do patrimônio.
Na maior parte dos casos, os procedimentos adotados nos cemitérios locais não constituem restauro, mas reformas, as quais, no caso do patrimônio artístico e arquitetônico, podem constituir intervenções inadequadas, uma vez que chegam a apagar ou destruir os vestígios de originalidade e são normalmente executadas por pessoal sem qualificação profissional adequada ou especialização na área da Conservação e Restauro, principalmente os especificamente dirigidos à conservação de bens arquitetônicos e escultóricos, que são a base para a preservação de obras tumulares.
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Deve-se deixar aqui registrado que durante o ano de realização de pesquisas de campo, no contato que tivemos com os que executam intervenções nos túmulos, inclusive no curso de conservação de bens tumulares oferecido no Campus Consolação da PUC-SP aos funcionários do Serviço Funerário do Município e demais profissionais envolvidos com o trato dos bens tumulares, foi possível sentir uma predisposição para contribuir para a preservação dos originais, desde que isso não implique na redução das encomendas por parte dos concessionários, devido às suas expectativas de devolver a aparência de novo e, desse modo, mesmo que não saibam, de obtenção de efeitos de limpeza, ao custo da lenta e gradual destruição das peças. Entre os primeiros casos de aceleração de degradação constatados nessa pesquisa está o caso das peças escultóricas executadas em mármore, rocha muito utilizada para a execução de esculturas tumulares formada por um mineral solúvel em água, a calcita, o qual, ao absorver dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, se torna ácido, o que amplia a disposição para a dissociação de moléculas de carbonato de cálcio (CaCO3), responsáveis pela formação da calcita. O ambiente altamente poluído das grandes cidades, como São Paulo, apresenta maior quantidade de CO2, o que torna a água mais ácida e favorece a degradação do mármore e a consequente desfiguração das esculturas. Devido a essas condições, a tão apreciada coloração branca do mármore (proveniente das pedreiras da região de Carrara, na Toscana, Itália), muito utilizado na produção das peças escultóricas exportadas para o Brasil para serem integradas aos conjuntos tumulares do Consolação, não poderia ser duradoura, devido à inadequação da exposição desse material às intempéries, aos pós, à fuligem e à poluição, uma vez que se trata de material poroso, impróprio para ambientes externos e indevidamente utilizado para a confecção de esculturas tumulares destinadas à exposição em áreas descobertas. Outro material a merecer estudos, utilizado na realização de obras escultóricas fúnebres presentes no Cemitério Consolação, em São Paulo, o bronze também vem sofrendo sérias agressões em processos inadequados de limpeza, por acomodação inadequada sobre os túmulos, quando, por meio de rejuntes, as áreas destinadas a permitir a renovação do ar no interior das peças são eliminadas. Além disso, por meio de vandalismo, obras inteiras ou partes são removidas de seus locais originais, a fim de serem vendidas pelo simples peso do material, o que demonstra desconhecimento em relação a seu valor histórico e artístico, além de econômico. Os frequentes roubos que esse rico segmento patrimonial vem sofrendo levaram os concessionários a optar, devido à já referida falta de conhecimento e também à falta de segurança nos espaços cemiteriais, por alguns tipos de agressão, como a aplicação de grafite sobre as esculturas originais, a fim de encobrir a configuração do bronze, ou seja, para camuflar suas qualidades plásticas, características dos tipos de pátina tradicionalmente provocados artificialmente nas peças pelos escultores. Nas experimentações efetuadas com o apoio dos especialistas em fundição artística do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em consultorias prestadas a nosso projeto com o objetivo de determinar meios para a conservação das obras de arte aqui estudadas, verificou-se a grande dificuldade de remoção desse material, que infesta as superfícies escultóricas patinadas de grande parte das obras componentes do riquíssimo acervo do Consolação. 17
Com o passar do tempo e a exposição ao sol e à chuva, assim como às variações de temperatura, as esculturas passam a apresentar manchas e áreas escurecidas, normalmente em locais que ladeiam os canais por onde escoam as águas pluviais, além de trincas e até a perda de partes, exigindo, para a recuperação da aparência original, intervenções cada vez mais agressivas e indevidas, por meio do uso de substâncias ácidas, simples ou compostas, e até de processos abrasivos com a utilização de lixas, manualmente ou em maquinários, eliminando desde o polimento, que constitui o processo de acabamento e proteção da peça, até outras camadas cuja extração significa drástica alteração das características originais das esculturas, com a inevitável perda da originalidade.
1.4 A danosa busca pela eterna juventude para as esculturas tumulares Em sua clássica obra Tristes trópicos4, Claude Lévi-Strauss analisa um fenômeno comum às cidades do Novo Mundo, as quais teriam ido “do viço à decrepitude sem parar na idade avançada”, o que o autor considera ter feito das Américas “uma terra que passou da barbárie à decadência sem conhecer a civilização”. Ele ainda cita a dificuldade encontrada pelos cidadãos americanos5 para entrar em contato com a aparência envelhecida dos materiais, a qual, nas construções, resulta do desgaste natural sofrido pelos corpos físicos com a passagem do tempo e é acentuada com a exposição às intempéries, à poluição e aos traumas, chegando à conclusão de que, devido à essa inexperiência em relação ao contato com as obras envelhecidas de um passado, a brancura e a limpeza seriam os únicos critérios disponíveis para avaliação das qualidades de uma cidade. As palavras do conceituado filósofo e antropólogo, que participou da fundação da Universidade de São Paulo, onde lecionou entre os anos 1935 e 1939, podem, certamente, parecer exageradas ou pouco elogiosas, uma vez que não ressaltam propriamente as qualidades dos paulistas, mas apontam para particularidades dos nativos do Novo Mundo e denunciam uma provável dificuldade no que diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de apreciar as marcas conferidas pelo tempo às realizações humanas e reconhecer nelas um valor documental. Talvez este momento, marcado pela realização desta pesquisa a respeito do conjunto patrimonial tumular, artístico e arquitetônico presente no Cemitério da Consolação, em São Paulo, possa constituir uma oportunidade de se propor uma análise dirigida aos padrões a serem considerados aceitáveis, no que diz respeito à possibilidade de apreciação das características originais das construções e das obras de arte, entre elas a pátina6 do tempo, que, em lugar de desvalorizar, agrega valores que podem ser considerados positivos, inclusive economicamente, aos originais. O fato de haver desvalorização econômica, ou seja, de as obras passarem a valer menos quando descaracterizadas, pode contribuir para que se busque
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São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 91.
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Naturais das três Américas: do Norte, Central e do Sul.
No contexto do presente trabalho de pesquisa, camada superficial que recobre as obras escultóricas, resultante de reações químicas ocorridas na superficialidade do suporte físico, no contato com substâncias encontráveis em seu meio circundante.
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a manutenção de sua originalidade, uma vez que, certamente, esse aspecto fundamental, que pode viabilizar a preservação do valor documental das obras de arte e dos monumentos arquitetônicos, poderá elevar de maneira significativa seu valor econômico. A pátina do tempo (Imagem 06) compõe os registros físicos das reações químicas, da própria existência dos originais e dos caminhos percorridos no tempo por eles, em contato com seu meio e a sociedade que os gerou, o que lhes confere status de documentos históricos, resultantes de uma vontade artística, da disponibilidade de materiais básicos e de determinadas necessidades em relação a eles, os quais serviriam de suporte para as obras, executadas segundo técnicas e tecnologias de seu momento, em civilizações determinadas, marcadas por um modo de pensar, utilizando-se de ferramentas e instrumentos disponíveis quando de sua concepção, em atendimento a expectativas estéticas dos artistas e dos encomendantes etc., ou seja, todo um conjunto de informações estéticas e técnicas, configurado por meio do domínio possibilitado pelas ciências dos materiais.
Nobis conse nobit pererferum et erum volorro blam quam, sit liatum volupta temquarro blam qua m, quam, comnistium que porehendit plic tempore
É possível que obras expostas ao tempo, à fuligem e à poluição permaneçam com a aparência de novas? Não! Não é naturalmente possível... Porque a natureza prevê que a matéria se desgaste e se degrade, mesmo no que diz respeito a materiais duros e aparentemente resistentes como as rochas ou as ligas metálicas, tratando-se apenas de uma questão de tempo. O fato é que todas as realizações humanas, mesmo as que, por sua constituição, vierem a ter duração mais longa do que a breve vida humana, um dia deixarão de existir. É sabido que a conservação é a chave para ampliar a durabilidade das obras de interesse histórico e artístico. Esse fato, largamente conhecido e experimentado entre os círculos de estudiosos e conhecedores, tem feito parte dos conhecimentos básicos de muitas entre as pessoas responsáveis pelo patrimônio cultural. Para que sejam preservados na sociedade atual, será oportuno que cheguem ao domínio público.
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1.5 O que constitui um original escultórico? Além de ser constituída por uma parte física, material, estrutural e superficial, cromática e textural, cuja construção implica, além de valores estéticos, procedimentos técnicos e avanços tecnológicos, desenvolvidos e implementados em meio a culturas e em períodos históricos determinados, uma obra de arte é, em primeiro lugar, o resultado de uma reflexão ou de uma intenção criativa e/ou expressiva. Para que esses e outros registros, enquanto documentos do modo de pensar e das possibilidades técnicas e tecnológicas da época na qual foram gerados, permaneçam inalterados e legíveis, faz-se necessário o desenvolvimento de possibilidades dirigidas à sua conservação. É importante lembrar que o tempo produzirá marcas nos originais e que a inalterabilidade dos suportes físicos por meio dos quais se materializam as ideias é, no mundo em que vivemos, tão utópica quanto improvável. O envelhecimento envolve o percurso das obras, determinantemente, e, quando suas estruturas físicas não forem suficientes para a manutenção de sua integridade, se chegará à degradação e ao desaparecimento. As ciências da conservação vêm buscando meios que possibilitem a extensão da durabilidade dos materiais, a fim de que os conhecimentos contidos nas obras de arte e arquitetura, que constituem verdadeiros documentos, possam ser conhecidos pelas gerações futuras. Por onde começar a abordagem que conduzirá à uma noção de originalidade? Trata-se de tema complexo, que exigiria uma longa explanação em espaço indisponível no presente caderno. Desse modo, a esse respeito, seguem algumas breves reflexões. Há muitas maneiras de se analisar uma obra de arte, por exemplo a compositiva, partindo-se da estrutura básica e da combinação de simples pontos, linhas, cores e texturas, planos e volumes, os quais, com a peça constituída, possibilitam diferentes relações com o meio circundante e revelam as formas escultóricas por meio da ação da luz incidente sobre o objeto e compõem, assim, um conjunto de informações determinantes às suas possíveis relações com o espaço circundante e o observador. Há também aspectos de maior profundidade, como o teor simbólico e/ou alegórico, assim como questões de cunho puramente conceitual, sendo necessários estudos mais aprofundados para se ter acesso a elas. Como a maior parte das realizações humanas, uma obra de arte nasce de uma ideia, de um conceito, adaptado a um meio e um contexto, podendo ou não referenciar algo, ter um estilo tradicional ou inovador, expressar um conjunto de valores, ser representativa de uma estética ou de um modo de pensar o belo. De qualquer modo, são necessárias condições favoráveis para a materialização dessa ideia ou desse conceito. Esse conjunto de condições envolve o domínio técnico e instrumental sobre os materiais que servirão de suporte para a obra. Por sua vez, os conceitos ou as ideias poderão ser conservados, por exemplo, em depoimentos orais registrados em diferentes tipos de mídia ou por meio da linguagem escrita. Em relação ao conjunto de técnicas e os resultados obtidos sobre os materiais, serão documentais as realizações que guardarem as informações e características originais, incluindo-se as marcas do tempo, resultante do processo de envelhecimento, sem alterações. Para algumas linhas teóricas da restauração, 20
a intervenção sobre um original efetuada de modo a fazer desaparecer a área danificada constitui falsificação. Desse modo, a originalidade reside no conjunto de registros que integram e compõem a obra desde sua concepção até a execução por seu autor, sendo, portanto, documentais em relação a cada parte componente do processo que conduziu à sua existência. O que chega a envolver fases, desde a seleção e escolha dos materiais de suporte, brutos, no local da extração e seu transporte até o canteiro de obras ou a oficina, até a realização e finalização da escultura, sua comercialização e instalação, tenha ela se mantido ou não no local para o qual foi executada. As marcas adquiridas por uma escultura no contato com o meio e com as pessoas também passam a integrar e constituir informações de seus registros originais, atestando o desempenho de alguma função, por exemplo, decorativa, assim como a apreciação que recebeu das pessoas e, portanto, o grau de importância conferido à peça, bem como a posição que historicamente ocupou no contexto e nas estruturas sociais e econômicas vigentes no momento de sua realização. Os registros que documentam cada um desses momentos da peça chegam a sobrepujar em grau de importância a simples aparência, externa e superficial, do original. As esculturas em rochas, como o mármore, o granito e o monzonito, assim como em ligas metálicas, como o bronze, distribuídas pelo Cemitério da Consolação, em São Paulo, resultam de um considerável conjunto de ações representativo das possibilidades estéticas, técnicas e tecnológicas disponíveis na época de sua execução. Isso também pode ser dito em relação às realizações arquitetônicas que abrigam as obras de arte. Desse modo, as informações que podem prestar são inestimáveis, uma vez que a formação do cidadão se dá pela apropriação de sua herança histórica e estética, sendo fundamental, portanto, sua preservação. Quaisquer ações que venham a danificar ou alterar os registros originais presentes nos bens culturais poderão constituir crimes contra o patrimônio histórico e cultural.
2. BREVE ESTUDO HISTÓRICO 2.1 O início dos rituais de enterramentos Os primeiros sepultamentos aconteceram na Pré-História, quando o homem decidiu enterrar os cadáveres dos membros de suas comunidades em cavernas, a fim de que não fossem profanados por animais, reunindo “grande profusão de ossadas humanas”7 em espaços inseridos em sua proximidade. Tempos depois uma população que vivia em áreas litorâneas, também chamada de “povos sambaquis”, que não tinha grutas ou cavernas para se abrigar passou a construir moradias com conchas, restos de ossadas animais, madeira e pedra. Além de esses locais servirem como abrigo, também abrigavam os restos mortais em locais de repouso para os membros das famílias.
LOUREIRO, Maria Amália Salgado. Origem histórica dos cemitérios. São Paulo: Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura do Município de São Paulo, 1977, p. 12.
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Na Antiguidade, os egípcios eternizaram por meio de seus monumentos funerários a crença da vida após a morte. Os etruscos retrataram os aspectos da vida cotidiana e sua religiosidade em seus túmulos. E por fim lembremos dos gregos e dos romanos, ambos com sepultamentos ritualísticos e solenes, afinal “a família não poderia abandonar as almas de seus antepassados, devendo sempre cuidar de seus túmulos, além de lhes levar refeições fúnebres”.8 Eles acreditavam que as almas ficariam protegidas pelas divindades do mundo subterrâneo. Todos os corpos eram cremados e encerrados em urnas funerárias, guardadas em lóculos dentro de grandes columbários9. As famílias com mais posses construíam os seus, destinando-os a abrigar também os restos mortais de seus escravos e agregados. Com o crescimento do cristianismo, o rito da cremação foi abolido, passando-se a enterrar os corpos envoltos em tecido de linho, também conhecido como sudário, os quais eram depositados em sarcófagos. No intuito de abrigar esses corpos, os columbários foram substituídos por nichos encravados nas paredes, criando-se assim as catacumbas. “Como cada geração cavava novas galerias, formou-se gradativamente uma cidade subterrânea”10, ocorrência que se repetiria por todo o território italiano. Além de servirem para o repouso final, as catacumbas também foram esconderijo e abrigo para os cristãos, perseguidos durante o século III d.C. No século seguinte, adotou-se o costume de enterrar os mortos nas igrejas ou em seus entornos, surgindo assim os cemitérios, “do grego Koumetèrion, de Kion, eu durmo, e do latim coemeterium, designava a princípio, o lugar onde se dormia, quarto, dormitório ou pórtico para peregrinos”11. Para os cristãos era uma nova ideia de descanso para os mortos, que estariam à espera de sua ressurreição no final dos tempos. O francês Philippe Ariès, em seu livro A história da morte no Ocidente12, nos lembra que pela “Lei romana das doze tábuas” era proibido fazer os enterramentos dentro das cidades, eles deveriam ocorrer em locais afastados ou nas margens das estradas. A adoção do cristianismo como religião oficial permitiu o surgimento do culto aos mártires, os chamados ad sanctos13. Os locais onde eles foram enterrados se tornaram espaços de peregrinação, ou campos santos, perto dos quais os devotos desejavam ter também seu descanso final. “Chegou um momento em que desapareceu a distinção entre os bairros periféricos – onde se enterravam os ad sanctos, por que sempre se estava extra urbem – e a cidade, sempre proibida às sepulturas”14. Logo, os sepultamentos passaram a acontecer em espaços como paredes ou átrios, nas igrejas ou em abadias. Havia tipos distintos para os sepultamentos entre as classes sociais: para os
8
Ibid., p.21
9
Edifício provido de numerosos nichos no qual se conservam as cinzas de cadáveres humanos incinerados.
10
Ibid., p. 26
11
Ibid., p. 28
ARIÈS, Philippe. História da morte no ocidente: da idade média aos nossos dias. Trad. de Priscilla Vianna de Siqueira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977, p. 22.
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22
13
Tradução do latim: aos santos.
14
Ibid., p. 23.
menos favorecidos restava o descanso em covas coletivas, dentro das igrejas, sempre próximas às paredes ou ao átrio; para os de maior poder aquisitivo, o destino seria o sepultamento nos pátios internos das igrejas, preferencialmente “perto dos santos [...], perto do altar da Virgem ou do Santo Sacramento [...]. Pouco importando o que se faria com ele, contanto que se conservasse dentro de seus limites sagrados”15. Com as igrejas ainda sem os bancos ou cadeiras, hoje tradicionais, os devotos acompanhavam as celebrações em pé ou ajoelhados “quando cansados e quando apropriado sentavam-se no chão, isto é, sobre as sepulturas”16. Além das covas localizadas no piso da parte central da igreja, existiam os jazigos ornamentados nas capelas e na nave central, proporcionando que os mortos passassem “do completo anonimato à inscrição curta e ao retrato realista”17. Muitos dos jazigos eram acompanhados por lápides com inscrições sobre a vida do morto.
2.2 A chegada dos cemitérios extramuros ao Brasil Em 1801, o príncipe regente de Portugal expediu uma ordem régia determinando que em seus domínios ultramarinos, para o bem da saúde pública, fossem proibidos os sepultamentos nas igrejas, prescrevendo orientações precisas para a construção de cemitérios extramuros nas cidades.18 Tendência na Europa, as medidas higienistas chegam ao Brasil com o objetivo de eliminar os miasmas19, porém elas só começaram a ser adotadas após a vinda da Família Real, em 1808, afinal a cidade do Rio de Janeiro era a capital da colônia portuguesa e, em pouco tempo, seria necessário reurbanizá-la de acordo com os padrões europeus. A pesquisadora Vanessa Castro (2007) escreve: No Brasil, a observação para o cumprimento da Ordem Régia de 1801 só seria lembrada oficialmente em 18 de novembro de 1825, quando o Imperador D. Pedro I mandou divulgar em portaria oficial, no Diário Fluminense, ordens para os fins dos sepultamentos nas igrejas. Ao mesmo tempo mandou que fossem executadas as determinações sanitárias para a construção de cemitérios na Corte.20
15
Ibid., p. 25.
REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 174.
16
17
ARIÈS, 1977, p. 36.
CASTRO, Vanessa. Das igrejas ao cemitério: políticas públicas sobre a morte no Recife do século XIX. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007, p. 69.
18
Miasma significa poluição, mas não no sentido que hoje lhe damos. Miasma é toda a sujidade associada ao mundano, a sujidade que este gera: quando corremos e transpiramos estamos a criar miasma, quando sangramos temos miasma, se caímos numa poça de lama geramos miasma. Também quando proporcionamos algo de mal ao próximo. Além de ser a emanação mefítica originada de matérias pútridas, sendo a causa suposta de várias doenças endêmicas.
19
20
Ibid., p. 70.
23
Essa medida provocou um desconforto entre o governo e os devotos religiosos que, a partir de então, não poderiam enterrar os irmãos em suas respectivas capelas, dentro das igrejas. Em 1836, Salvador encabeçou um levante, a Cemiteriada, “um episódio que teve como motivação central a defesa de concepções religiosas sobre a morte, os mortos e em especial os ritos funerários”21, passos importantes para os católicos. Mas, apesar dos protestos, os soteropolitanos não conseguiram impedir a construção dos cemitérios extramuros, que em breve iriam se tornar uma realidade em todo o território brasileiro.
2.3 A fundação do Cemitério da Consolação Em 1855, São Paulo inicia a busca por um espaço para abrigar o primeiro cemitério laico e extramuros da capital. A Câmara Municipal se interessa por dois terrenos, ambos próximos à Igreja da Consolação. O primeiro deles pertencia ao Cap. Hermenegildo José dos Santos, adquirido pelo município em 1855; o outro pertencia ao Sr. Marciano Pires Oliveira, que só concordou em vender o terreno em fevereiro de 1858. Para regulamentar os sepultamentos, a Câmara Municipal decidiu em 3 de maio de 1856 criar algumas medidas, uma delas previa que os enterramentos não aconteceriam dentro das paróquias, mas poderiam ser executados no entorno até que o cemitério público fosse inaugurado. A tarefa de projetar o novo espaço coube ao engenheiro alemão Carl Rath (1802-1876), que iniciou diversos estudos, entre eles a respeito das condições do solo e dos ventos na região. Na assembleia do dia 5 de junho de 1858, foi aprovada pelos vereadores presentes a construção do Cemitério da Consolação. Oficialmente ele foi inaugurado no dia 10 de julho do mesmo ano. Registros nas Atas da Câmara do Município apontam que nenhum sepultamento foi registrado até o mês de agosto, isso porque as igrejas continuavam a receber os mortos. A própria igreja de Santa Efigênia estava recebendo as vítimas da varíola, os chamados bexiguentos. Outro problema era a distância do cemitério ao centro da capital. A Santa Casa de Misericórdia se recusava a transportar os corpos para a Consolação devido ao alto custo do transporte mortuário, e a opção era o Cemitério da Gloria.22 O primeiro óbito registrado no livro oficial do cemitério foi da agregada23 do Major Matheus Fernandes Coutinho, a senhora Thereza de Jesus Correa, no dia 15 de agosto. Entre os dias 11 e 12 de agosto, a Câmara Municipal solicitou ao engenheiro Rath que se fizesse uma residência para o administrador e os coveiros no cemitério, que se desenhasse a planta para os enterramentos e a construção daquela que chamaremos de capela primitiva.
24
21
REIS, 1991, p. 49.
22
Cemitério dos Aflitos, próximo à Rua da Gloria, no atual bairro da Liberdade, em São Paulo.
23
Termo utilizado para parentes ou pessoas que moravam com os donos da residência.
A primeira capela construída no Cemitério da Consolação ficava no mesmo lugar da atual e foi executada de acordo com as especificações do engenheiro Rath: chão ladrilhado, forro revestido de tecido de algodão, um altar, um crucifixo, uma banqueta, seis castiçais, um catafalco24 e uma caldeira com água benta. Como administrador do cemitério foi designado o Dr. João Nepomuceno de Almeida, que tratou de definir, com a Câmara de São Paulo, as regras para organizar os enterramentos no Consolação. De acordo com o regulamento, o local foi dividido em quadras gerais ou comuns, com espaço para enterrar não só os mais pobres, mas também atender às famílias mais abastadas da cidade. O mais idoso da cidade de São Paulo, coetâneo dos cemitérios secularizados brasileiros, quase todos datados do meado dos Oitocentos. Sem dúvida é o que melhor representa a abastança da pauliceia (VALLADARES, 1972, p. 1075)25. O pesquisador Luís Soares Camargo26 aponta uma divisão em quatro categorias das quadras gerais: adultos, anjos pequenos, do meio e grandes. Adultos e anjos grandes – profundidade de sete palmos, largura suficiente com dois palmos de cada lado e três palmos nos pés e na cabeça. Anjos pequenos (inocentes) – profundidade de cinco palmos, largura suficiente com dois palmos de cada lado e três palmos nos pés e na cabeça. Anjos do meio – profundidade de seis palmos, largura suficiente com dois palmos de cada lado e três palmos nos pés e na cabeça. Para os menos afortunados, o que restava era uma cova simples com uma lápide com o registro de quem estava enterrado, diferentemente das famílias com mais posses. Estas tinham a opção de comprar o terreno onde seriam enterrados seus membros e erguer túmulos feitos em mármore de Carrara, que geralmente continham diversos ornamentos. “Cessada a primeira fase do fim do século, os sepulcros se empobrecem, quanto ao uso do mármore lavrado, substituindo-o por materiais locais”27. E eram feitos por artistas locais, como os marmoristas e os escultores de origem italiana. Em 1873, outro surto de varíola assola a cidade, e a administração do cemitério opta por reaproveitar as covas dos mais pobres enterrados nas quadras comuns, sendo seus restos mortais transferidos para um ossário coletivo construído em 1868 e localizado aos fundos do local.
Estrado alto sobre o qual se coloca o ataúde ou a representação de um morto a quem se deseja prestar honras.
24
VALLADARES, Clarival do Prado. Arte e sociedade nos cemitérios brasileiros, vol. 1. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura – Departamento de Imprensa Nacional, 1972, p. 1075.
25
CAMARGO, Luiz Soares de. Viver e morrer em São Paulo: a vida, as doenças e a morte no século XIX. São Paulo: PUC-SP, 2007. Doutorado em história.
26
27
Idem., p. 1075.
25
Ao contrário das elites que não foram afetadas por essas medidas, afinal seus jazigos adquiriam a classificação de perpétuos. Começam a predominar os “túmulos de blocos de granito com estatuária em bronze”28, alguns grandiosos e luxuosos, como demonstração das posses e do bom gosto das famílias. Dentre as diversas figuras importantes no cemitério temos o jazigo da benfeitora Domitila de Castro Canto e Melo (Imagem 07), a Marquesa de Santos (1797-1867), também conhecida pela ligação com o imperador D. Pedro I. O que duraria até 1829, quando o imperador decidiu contrair um novo matrimônio, dessa vez com a austríaca Amélia Augusta Eugênia Napoleona de Beauharnais (1812-1873). Em 1833, Domitila, conheceu o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar (1795-1857), que viria a ser seu esposo em 1842.
Imagem 07 - Túmulo da Marquesa de Santos. S/I. Mármore. Cemitério Consolação, São Paulo.
A Marquesa de Santos viria a se tornar uma senhora muito caridosa. Ajudou aos mais desamparados, contribuindo em sua alimentação e seu bem-estar. Apesar da placa afixada em seu túmulo, ela não foi a doadora das terras do cemitério, mas deixou em testamento a quantia de quatro contos de réis para a construção de uma nova capela.
28
26
Ibid.
O Snr. Presidente declara à Câmara que, a requisição do administrador do Cemitério, encommendou para a Europa, por conta da doação de quatro contos que a finada Marqueza de Santos fez a Capella do Cemitério, uma imagem de Nossa Senhora das Dores e outra de S. João Evangelista, de 1 metro e .0 centímetros de altura: mandou dourar o oratório da Capella e respectiva banqueta por 5003000 réis, encommendou um catafalco e duas credencias envernizadas, com tampas de mármore, e um armário grande para guardar os paramentos para celebração de missas. Encarregou o Dr. Engenheiro de orçar os concertos mais urgentes na Capella etc. Ir --aprovado.29 A pesquisadora Josefina Eloina Ribeiro (1999), em sua tese de doutorado, aponta que a capela primitiva do Cemitério da Consolação (Imagem 08) foi demolida para dar origem à capela atual, na qual foi entronizada a imagem de Cristo, transferida da Catedral da Sé para lá em grande procissão30.
Imagem 08 - A primeira capela do Cemitério da Consolação, 1887. Foto de Militão Augusto de Azevedo. Cemitério Consolação, São Paulo. Fonte: Acervo Fotográfico da Casa da Imagem.
O funcionário Francivaldo31, também conhecido como Popó, que atua como guia turístico no Consolação, nos conta que a base do túmulo da Marquesa de Santos foi restaurada pelo sanfoneiro italiano Mario Zan (1920-2006), um dos ilustres devotos. Cuidou do túmulo da marquesa até sua morte e hoje descansa em frente à Domitila. É comum encontrarmos flores no local deixadas por seus devotos, que a consideram uma santa popular.
Atas e Anais da Câmara Municipal. Disponível em: <http://www.camara.sp.gov.br/memoria/atas-e-anais-da-camara-municipal-2/#page-2>. Acesso em: 12 fev. 2015.
29
RIBEIRO, Josefina Eloina. Escultores italianos e suas contribuições à Arte Tumular. São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1999, p. 34.
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31
Depoimento concedido à autora em 2014.
27
2.4 As construções funerárias e seus executores: o caso das marmorarias Com base nos estudos do GEAAC no projeto Memória & Vida, foi possível lançar luzes para uma pesquisa mais abrangente a respeito da história dos processos de execução da construção funerária em São Paulo, tendo em vista o caso específico do Cemitério da Consolação, a primeira necrópole secular da cidade. Sujeito a mudanças de acordo com gosto de cada época, a cidade dos mortos se assemelha à cidade dos vivos. Talvez por isso o Consolação, de certa forma, apresente um aspecto anacrônico em relação à moderna cidade que o cerca. Com uma média atual de 30 sepultamentos mensais, o cemitério, que foi criado para atender a todas as camadas sociais, após mais de um século guarda um caráter de certo modo elitista. Aspecto ainda vigente, como pode ser constatado observando-se os grandes mausoléus, ornamentados com requintes, representando o alto poder aquisitivo de algumas famílias. Os túmulos dos menos abastados costumam atrair menos atenção. O uso do mármore nos grandes jazigos, tanto como elemento de revestimento quanto ornamental, é recorrente nesse cemitério, sendo o eixo central deste tópico, para o qual os livros O homem diante da morte, de Philippe Ariès, e Arte funerária no Brasil (1890-1930), de Maria Elizia Borges, forneceram boa parte do amparo teórico. Segundo Borges, o ofício de marmorista de início artesanal, no Estado paulista, começa por volta de 1880, quando, acompanhando o fluxo de imigrantes italianos, vieram também profissionais liberais sem qualquer subvenção governamental, com recursos próprios para abrir suas oficinas. A maior parte da produção era baseada em modelos presentes em manuais e catálogos estrangeiros, no entanto algumas marmorarias convidavam escultores italianos para virem trabalhar em São Paulo, em projetos de maior exclusividade, caso da vinda de Carlo Barbieri, por meio do contrato firmado com a Marmoraria Carrara, em São Paulo. O ensino da técnica se dava de maneira prática, entre mestre e aprendiz, nos interiores das oficinas. Equipes inteiras se dedicavam à construção de um mesmo túmulo, processo que seria finalizado no ato da instalação do conjunto no cemitério. Na escolha de materiais costumava prevalecer o mármore italiano, oriundo da região de Carrara. Entretanto, a economia oscilante do início do século passado, em momento marcado por intensa ebulição dos movimentos operários, que obteriam êxito em algumas reivindicações, impossibilitaria a importação do mármore italiano, o qual seria substituído pela pedra de origem local, o que seria acentuado pela inflação durante a Primeira Guerra Mundial. No período Getulista, marcado por um forte movimento xenófobo, se incentivaria o uso de materiais nacionais. Naquele momento, muitas marmorarias cujos donos eram italianos atravessariam momentos de incerteza, ocorrendo, inclusive, um fechamento em massa. Entre as diversas empresas especializadas atuantes na cidade de São Paulo na primeira metade do século XX, muitas marmorarias importavam peças executadas na Itália. Os marmoristas tornavam seus produtos conhecidos por meio de anúncios em jornais; atraindo clientes para as lojas, nas quais mantinham espaços destinados à exposição de modelos tumulares. Após a Primeira Grande Guerra, declinaria o interesse pelo uso do mármore italiano, certamente devido aos valores proibitivos que a importação desse tipo de material atingiu, passando a ser considerado, naquele momento, de alto luxo. Entre as marmorarias atuantes nesse difícil momento estava a Nicodemo Roselli 28
& Cia., responsável por todo o conjunto marmóreo do Pantheon dos Andradas, inaugurado em 1923 na cidade de Santos. As marmorarias desempenharam um importante papel na produção e na venda de obras escultóricas e arquitetônicas com finalidades funerárias na cidade de São Paulo, entre o final do século XIX e boa parte da primeira metade do século XX. O Cemitério da Consolação reúne um grande conjunto de esculturas em mármore, tanto importadas quanto executadas aqui, o que demonstra o apreço da elite paulista por esse material. Essa coleção é uma das de maior importância entre os conjuntos de obras escultóricas presentes na cidade, merecendo estudos que ampliem os conhecimentos a seu respeito, favorecendo assim o contato com informações que poderão enriquecer ainda mais a história paulista.
3. MATERIAIS Inúmeros foram os tipos de materiais utilizados na construção e na ornamentação das obras tumulares do Cemitério da Consolação, inaugurado em São Paulo, em 1858. Naquele espaço se pode encontrar desde covas rasas e túmulos muito simples até jazigos e mausoléus (Imagem 09) ricamente erigidos e enriquecidos por obras de arte, o que seria possibilitado pelo apogeu econômico gerado pela industrialização, assim como já o vinha sendo pela riqueza do café. Fato é que toda essa coleção, composta por centenas de unidades destacadas entre os mais de seis mil túmulos, dessa mais antiga necrópole da cidade de São Paulo, apresenta as marcas da ação do tempo, assim como expõe em seus materiais os registros de saberes e fazeres de outras épocas, que, nos dias atuais, recebemos como herança de um Patrimônio Histórico e Cultural, merecedor de todos os esforços no sentido de se garantir sua preservação sendo, para tanto, fundamental saber como conservar.
Nobis conse nobit pererferum et erum volorro blam quam, sit liatum volupta temquarro blam qua m, quam, comnistium que porehendit plic tempore
29
As rochas são um agregado de um ou mais minerais, cujos constituintes são naturais. Elas podem ser classificadas em três grandes grupos, de acordo com sua origem, sendo eles: ígneas, sedimentares e metamórficas. Quando sãs, apresentam uma boa consolidação dessas partículas e, por isso, são bastante utilizadas pela humanidade para a feitura de trabalhos/objetos a que se pretende conferir durabilidade. No entanto, embora duráveis, as rochas podem adoecer e chegar a se desfragmentar, deixando assim de ser chamadas “rochas” e passando a constituir “sedimentos inconsolidados”. É desses sedimentos, que um dia já formaram rochas, que o homem obtém a matéria prima para produzir tijolos, os quais podem ser de barro cozido ou seco ao sol, voltando a se consolidar, mas, dessa forma, de maneira antrópica32, não podendo, portanto, ser chamados de rochas. Assim, são consideradas rochas as “pedras” que se formam de agregados minerais naturais, sem a intervenção do homem; podendo-se chamar de “pedras” todas as rochas que o homem tenha trabalhado para, por exemplo, revestir e ornamentar túmulos. Por isso, as rochas, de forma comercial, são vendidas como “pedras ornamentais”. Os sedimentos também podem ser misturados com outros elementos para a produção de argamassas, tanto para unir blocos (de pedra ou cimento) e tijolos, quanto para rebocar paredes. Por sua vez, as madeiras, embora divididas em diversas espécies e diferentes constituições e características, assim como ocorre com as pedras, são muito menos resistentes que as rochas sãs, o que faz com que sejam menos frequentemente utilizadas em decorações de espaços de memória como os cemitérios, cujo intuito é a durabilidade. Mas não é incomum encontrar, sobretudo em cidades pequenas, cruzes executadas em madeira. Fato é que, sob a ação do tempo, exposto à chuva e ao sol, esse material pode estragar rapidamente, empenando e se tornando suscetível ao ataque de xilófagos, como os cupins etc. Pode até mesmo se decompor, fato pelo qual se torna indicado à construção de caixões. Os metais também são costumeiramente utilizados na construção de artefatos cemiteriais, seja de maneira estrutural ou ornamental, embutidos nas armações ou em suportes para vitrais. Os tipos de metal mais comuns em cemitérios externos como o Cemitério da Consolação são o ferro, o chumbo e o bronze (que é uma liga metálica majoritariamente composta por cobre). Resumidamente, podemos afirmar que no Cemitério da Consolação temos uma coleção de túmulos que são, em sua maioria, construídos em alvenaria e revestidos ora por pedras ornamentais ora por argamassas e que apresentam um elevado valor histórico e cultural. Eles são circundados por um muro, igualmente de grande importância histórica, uma vez que guarda preceitos e possibilita um contato direto com o decoro vigente na época de sua construção, também de alvenaria revestida com argamassa, material também utilizado na construção do pórtico principal, o qual apresenta tambores em rocha. Ainda é possível encontrar entre as rochas utilizadas tipos empregados na
32
30
Resultante da ação humana.
pavimentação de algumas alamedas, como os seixos rolados aplicados sobre placas de concreto.
3.1 Considerações sobre o desempenho dos materiais empregados Os materiais empregados no Cemitério Consolação se encontram em constante interação com o ambiente a que estão expostos. Por isso, interagem de forma física, química e biológica com tudo o que os circunda, o que ocasiona um processo natural de envelhecimento e desgaste. Além desse processo, que pode ainda ser agravado por fatores que ultrapassam os limites do cemitério, como a poluição atmosférica, os materiais podem sofrer agressões diretas, resultantes de diversos tipos de intervenção, por exemplo os serviços de conservação e limpeza, os quais, longe de se restringirem à retirada de pó e sujidades e submeterem os túmulos a lavagens ocasionais, de maneira controlada, são administrados de forma inadequada, normalmente por profissionais não especializados. É importante salientar que uma escultura ou um revestimento em mármore que tenha sido trabalhado há cem anos, por exemplo, não poderia ter uma aparência de rocha sã, recém-extraída ou recém-trabalhada por um artesão. Naturalmente o material terá algumas perdas de superfície, algum escurecimento e, possivelmente, também algumas manchas e partes faltantes. Somente um criterioso processo que envolva cientistas da conservação, coordenados por um profissional restaurador, é que poderá resultar em uma intervenção adequada nos materiais. O ideal é que se obtenha o máximo dos materiais empregados, sendo extremamente importante, para tanto, que ações de conservação e, essencialmente, de limpeza sejam planejadas. No Cemitério Consolação, há peças centenárias em pedra e que, portanto, se encontram menos coesas, assim como os metais, corroídos pelos agentes climáticos, sendo necessário muito conhecimento e trabalho para que se preservem por mais tempo. Os túmulos, representativos de diferentes períodos históricos, podem genericamente ser divididos em tipologias. São elas: cova simples, jazigo horizontal ou vertical, jazigo capela, jazigo monumento e monumento (Imagem ). A ornamentação dos túmulos pode apresentar revestimentos em argamassa raspada (sem pintura), argamassa pintada, concreto, granilite (fulget), azulejo, ladrilho ou cerâmica e rochas ornamentais. As rochas, por sua vez, podem ser carbonáticas, aqui alocadas no grupo denominado “mármores”, silicosas, argilosas foliadas e silicáticas, aqui alocadas no grupo denominado “granitos”. O acabamento dado ao túmulo ou ao ornamento em pedra pode ser polido, levigado, flameado, rústico natural, apicoado, entre outros. E os túmulos podem, ainda, ter esculturas (sacras, profanas ou simbólicas) ou outros ornatos, mesclando materiais diversos que também interagem entre si, como a pedra e o bronze, a argamassa, o ferro etc. Tal diversidade pode resultar em outras ocorrências, como patologias, que podem estar relacionadas às características intrínsecas do material (o comportamento próprio do material) e ainda às limpezas agressivas e inadequadas ou mesmo à falta de limpeza, infelizmente muito frequente, à inadequada drenagem do solo, ao calçamento inadequado, à incidência solar direta ou aos efeitos resultantes do 31
constante sombreamento. Em cada um desses casos, as particularidades e especificidades favorecerão o surgimento de patologias diferentes. Muitos padrões de deterioração podem ser observados em cemitérios, e não seria diferente com o da Consolação. Fissuras, fraturas, rachaduras, craquelamento, deformação, empolamento, ruptura, esfoliação, desintegração, descamação, lascamento, alveolização, erosão, danos mecânicos, partes faltantes, colonização biológica por algas, líquens, musgos, mofo, plantas pequenas, arvores grandes, insetos e larvas, crostas, manchas, depósitos, descoloração, sujidades, vandalismos (pichações, furtos, quebras etc.), eflorescências e subeflorescências, infiltração, concreção, desprendimento da argamassa e mais uma infinidade de ocorrências, as quais podem, grosso modo, ser observadas genericamente em túmulos diversos.
3.2 Fatores de degradação São fatores de degradação tanto a umidade excessiva quanto a incidência solar direta. Se por um lado a umidade acelera o intemperismo químico e favorece o surgimento de colonizações biológicas, as quais causam um ciclo de danos irreversíveis, a incidência solar direta também pode dilatar os minerais e lhes causar um estresse mecânico, o qual acelera também a desagregação da rocha. Esses são fatores que, embora extrínsecos, podem ajudar no planejamento da cobertura vegetal do cemitério, por exemplo promovendo-se podas regulares nas árvores e o plantio de espécimes adequados que possam trazer conforto ambiental, sombreamento e o favorecimento de uma atmosfera com menos partículas em suspensão. Embora os cemitérios componham o Sistema de Áreas Verdes do Município, a presença de árvores implica manejo adequado, que não interfira na finalidade primeira do cemitério, o qual é entendido como um espaço para inumação (enterro) de cadáveres humanos com a possibilidade de construção arquitetônica que demarque o terreno. Por isso, dois dos mais graves fatores de degradação é a inobservância da poda regular de árvores e o plantio de espécies inadequadas que, por crescerem muito ou apresentarem raízes prejudiciais, degradam os túmulos. Raízes suporte e tabulares devem ser evitadas, e as raízes sugadoras e estranguladoras devem ser removidas das demais árvores, a fim de que elas possam viver sem que precisem ser cortadas ou, de modo pior, para que não caiam sobre os túmulos. Árvores frutíferas, sobretudo as de elevada acidez (limão, laranja, mexerica etc.) e as demasiadamente pesadas (jaca, por exemplo) devem ser evitadas porque degradam os materiais de forma mais acelerada.
3.3 Estado de conservação A fim de que se chegasse a conclusões a respeito do estado de conservação dos exemplares da coleção do Cemitério da Consolação, diversos estudos foram realizados por uma equipe multidisciplinar de historiadores, geólogos, restauradores, arquitetos, metalúrgicos e cientistas, os quais contribuíram com pareceres, recomendações, observações e bibliografias, que, na maior 32
parte dos casos, foram pontualmente testadas e documentadas durante o desenvolvimento do projeto. Concluiu-se que uma coleção grandiosa e variada como a do Cemitério Consolação, com tamanha relevância histórica e cultural, mereceria, de fato, ser transformada em um museu, cujas definições podem ser variadas entre os especialistas, mas que, aqui, adota-se como sendo, de acordo com a Lei Federal nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009: [...] instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. Contudo, ainda seria preciso percorrer um longo trajeto, no intuito de que o Cemitério tivesse um caráter museológico, sendo aconselhável contar com uma equipe de curadores, a fim de que o acervo possa ser sistematicamente estudado, assim como os túmulos de maior simplicidade que abriguem personalidades de relevância histórica. Até que isso se dê, salienta-se que a administração do cemitério e o Serviço Funerário do Município de São Paulo são seus tutores, em conjunto com a Guarda Civil Metropolitana da Secretaria Municipal de Segurança Urbana. As ocorrências nos terrenos concessionados, entretanto, são de responsabilidade do munícipe que adquiriu a concessão, no que se refere à poda de árvores, ao manejo, à manutenção e à conservação, com as devidas autorizações de órgãos responsáveis (da Prefeitura para manejo de árvores, por exemplo, e do Condephaat para reformas e restauros em túmulos tombados pelo Conselho). É importante registrar que a Guarda Civil, representada nos Conselhos Comunitários de Segurança (Conseg) - Lei Municipal nº 13.299 de 2002 -, pode articular estratégias com a Coordenadoria Estadual dos Conselhos Comunitários de Segurança para que sejam evitados danos e vandalismo, sobretudo furtos de materiais metálicos, no Cemitério da Consolação.
4. PROPOSTAS DE CONSERVAÇÃO Atenção! As recomendações a seguir não excluem a necessidade de contratação de um restaurador, o profissional qualificado para especificar procedimentos ou realizar intervenções de restauro nas obras de arte e arquitetura tumular nos cemitérios municipais.
Neste Caderno de Instruções I, dirigido aos concessionários, são apresentadas propostas com base nos estudos e experimentações realizados pela equipe de pesquisadores integrantes do Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC) com o objetivo de apresentar possibilidades 33
dirigidas à conservação dos acervos cemiteriais, visando minimizar a possibilidade de erros com potencial para agravar situações de risco ou chegar a perdas irreparáveis. Esses objetivos são justificáveis por ser o Cemitério Consolação um importante espaço para a memória paulista e brasileira, possuindo um dos mais importantes e heterogêneos acervos de arte e arquitetura tumulares. Por esse motivo, o Consolação foi tombado como bem cultural de interesse artístico, urbanístico, paisagístico e histórico do Estado de São Paulo. Todavia, ações cotidianas e responsáveis de limpeza e manutenção podem ser empreendidas pelos concessionários ou seus contratados, sem que para isso seja necessária autorização do Condephaat – órgão que protege, valoriza e divulga o patrimônio cultural no Estado de São Paulo. A correta limpeza de cada elemento artístico ou arquitetônico componente de obras tumulares é essencial para a conservação de todo o conjunto. Muitos danos poderão ser evitados ou minimizados por meio de limpezas periódicas e, na maior parte das vezes, realizadas com produtos e ferramentas simples, cotidianamente empregadas em processos de limpeza. Essas ações favorecem o aumento da vida útil dos materiais empregados nessas obras e constituem uma desejada iniciativa visando sua conservação. Além disso, o momento da limpeza é uma ótima oportunidade para se realizar inspeções regulares e detalhadas nos conjuntos patrimoniais cemiteriais. A remoção frequente de poeira, de esporos de microrganismos e de materiais particulados depositados sobre as obras é indicada e desejada e poderá ser realizada com simples trinchas ou pincéis, escovas de cerdas macias, vassouras ou até espanadores de penas. Ações como essas, simples e cotidianas, colaboram para a redução de danos decorrentes de simples acúmulos de sujidades ou excrementos de animais. Entre os diversos tipos de ornatos presentes nas fachadas de alguns jazigos do Consolação, os moldados em massa merecem atenção especial, uma vez que representam a ornamentação característica de um determinado período da história da arquitetura. São pré-moldados em argamassa e estruturados internamente por um esqueleto metálico, suscetível à corrosão quando em contato com a água. Normalmente são aplicados sobre as fachadas e rejuntados junto à parede. Em caso de perda, esse acabamento deve ser refeito, evitando-se assim a penetração de água, a qual poderia provocar a corrosão da armação metálica no interior da peça. Infelizmente, alguns ornatos se rompem no interior das peças; isso ocorre quando a estrutura (ou armadura) metálica entra em contato com a água, expandindo-se e expulsando partes da argamassa que a recobre. Nesses casos, somente um conservador-restaurador especializado poderá avaliar os procedimentos adequados para a recomposição do conjunto. É importante ressaltar que em processos de limpeza cotidianamente executados deve-se evitar o contato da umidade com essas áreas em processo de degradação. Em alguns casos especiais, que na verdade são frequentes no Consolação, encontram-se jazigos revestidos e ornamentados com argamassa raspada, penteada ou lavada e que, portanto, possuem em seus valores plásticos, resultantes de sua formulação básica, qualidades inigualáveis. Esse material não foi desenvolvido para receber demãos de pintura, já constituindo um acabamento em si, devendo apenas ser limpo e contar com manutenções frequentes. 34
Janelas, portas, portões e gradis metálicos deverão ser lavados periodicamente (propõe-se uma lavagem a cada seis meses) e, quando originalmente pintados, deverão ser repintados a cada dois anos com tinta esmalte acetinado sobre fundo protetivo anticorrosivo. Antes da aplicação de anticorrosivo (tipo Ferrox®), deve-se atentar para a importância de eliminar a ferrugem com escovas e lixas, para depois aplicar o produto. Isso porque a ferrugem, sendo porosa, retém água e, protegida pela pintura, favorecerá ainda mais a corrosão do ferro. Deve-se cuidar para que serviços de pintura não atinjam áreas adjacentes às peças pintadas, com manchas e respingos etc. Quando houver elementos originalmente pintados, as cores a serem utilizadas nas intervenções deverão ter, preferencialmente, as mesmas tonalidades das originais ou o mais próximo delas, o que poderá ser pesquisado por meio de prospecções pictóricas por estratigrafia, método pelo qual um profissional especializado investiga as diversas camadas de tinta presentes em determinada área ou determinado material. As amostras são obtidas removendo-se delicadamente cada extrato pictórico com o auxílio de um bisturi. Durante a realização de prospecções, eventualmente são utilizados solventes a fim de colaborar na remoção de alguma camada, dissolvendo-a. É desejável que todos os detalhes sejam registrados por meio de fotografias e divulgados sempre que possível. Também é importante manter em bom estado de funcionamento dobradiças, travas, trincas e fechos de portas, janelas e portões – os quais deverão ser limpos e lubrificados regularmente. Os vitrais também são muito especiais e necessitam de um profissional capacitado para promover qualquer reparo. A estrutura de chumbo que normalmente sustenta os vidros coloridos tem uma vida útil de, no máximo, 100 anos. Durante seu envelhecimento, as estruturas se movimentam, dilatam, “estufam” e, portanto, precisam ser substituídas por uma nova estrutura. Durante essa dilatação algumas peças de vidro se soltam, podendo quebrar-se com a queda ou até desaparecer se não recolhidas a tempo. Tais peças faltantes causam uma lacuna na obra e consequente desvalorização artística e monetária da peça. Ao primeiro sinal de “estufamento” deverão ser substituídas. Caso estejam em bom estado, a limpeza mecânica cotidiana, de acordo com a disponibilidade do zelador da obra, poderá ser executada com trincha macia. Essa ação de conservação poderá ser associada a uma leve lavagem semestral com sabão neutro, esponja macia e pouca água – suficiente para sua conservação. Alguns jazigos também possuem, internamente, pinturas murais (ou parietais). Insiste-se em afirmar que somente um especialista poderá diagnosticar os danos sofridos e propor o melhor tratamento. Infelizmente, perde-se muitas pinturas de qualidade por intervenções inadequadas, que podem causar danos até mesmo irreversíveis. Muitas dessas pinturas, desgastadas ou desbotadas pelo tempo, foram encobertas por pinturas realizadas com tintas modernas, plastificantes, como as acrílicas ou látex PVA (acetato de polivinila). Em certos casos é possível removê-las resgatando, todavia com danos, a pintura original; mas trata-se de uma intervenção cara e que não pode ser classificada como simples, podendo ser realizada apenas por um restaurador especializado em pinturas murais. Essas pinturas plastificantes devem ser evitadas, porque bloqueiam a saída de umidade das paredes e podem formar bolhas (concheamento) e se 35
desprender da parede, levando consigo fragmentos de pinturas murais originais ou mesmo partes da argamassa. Conjuntos escultóricos, alegorias e demais elementos ornamentais produzidos em pedra costumam apresentar necessidades especiais de atenção. Considerando-se que as pedras diferem entre si no que tange a cor, brilho, textura, resistência etc., é fácil compreender que não são iguais e, dessa forma, têm comportamentos e graus de resistência distintos. A água potencializa a degradação de diversos materiais e, portanto, sua presença constante não é desejada. Ela favorece o crescimento de agentes biológicos como algas, musgos, líquens e fungos, os quais, entre outras coisas, são responsáveis por manchas e desagregações nas superfícies em que se instalam. Quando absorvida pelos poros dos materiais em que se acumula, a água causa dilatações (ou variações dimensionais) nesse material. Quando o material seca, ele contrai novamente, retornando à sua “posição original”. Essa movimentação favorece o aparecimento de trincas ou fissuras decorrentes do “estresse” ao qual o material fica exposto - dilata-contrai-dilata -, até surgirem zonas menos resistentes que favoreçam fissuras e fraturas. As trincas que se formarão em função dessa movimentação do material favorecerão a penetração de mais água na peça, agravando o problema com possibilidades potencialmente destrutivas. Como cada material se dilata de forma diferente, em função do coeficiente de dilatação térmica de cada elemento/substância, podem ocorrer mais danos em um material do que em outro. Quando o escoamento de água não é adequado, todos os materiais sofrem maior desgaste. É por isso que o calçamento ladeando as construções deve favorecer uma adequada drenagem das águas pluviais ou das utilizadas em limpezas, evitando seu acúmulo junto aos alicerces e às paredes. Caso contrário, a umidade poderá ser absorvida pelos materiais dos componentes tumulares a partir do chão, o que justifica ainda mais a necessidade de pavimentação adequada, assim como de consertos de vãos e buracos presentes nos pisos das alamedas e ruas nos interiores cemiteriais. Em edificações de alvenaria de tijolos, por exemplo, a água absorvida do solo sobe por capilaridade33, migrando dos alicerces e das paredes para o revestimento, que pode ser de argamassa especial ou de placas de pedra, entre outros. Como a água tende a sair, para evaporar-se, ela buscará as partes mais porosas das superfícies dos materiais, como os rejuntes ou mesmo as pedras e argamassas, o que nos permite notar, com alguma frequência, manchas causadas por fungos que se instalaram e se reproduziram nos locais com maior incidência de umidade, ocasionada pelo sombreamento de grandes árvores e ventilação ou insolação insuficiente. Isso também acontece quando notamos a presença de sais nas superfícies dos materiais, que lá chegaram conduzidos pela água absorvida pela alvenaria ou pelos revestimentos, os quais se cristalizam no processo de evaporação dos líquidos. Grande parte do calçamento interno do Consolação foi originalmente pavimentado com seixos rolados de sílex e devem, por isso, ser preservados. Todavia devem ser discutidos com os órgãos de preservação meios de melhorar
Capilaridade ou ação capilar é a propriedade física pela qual os fluidos ou líquidos sobem, contrariando a gravidade, ou descem, por canais muito finos, distribuídos no interior dos corpos.
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a drenagem de águas pluviais que tanto mantêm o solo úmido e causam problemas nas construções existentes. Diretrizes devem ser igualmente adotadas e debatidas com os mesmos órgãos de preservação no que tange à conservação da capela, da portada e dos muros de divisa - que devem ter preservadas suas argamassas e pinturas porosas originais, capazes de evaporar a umidade retida em seu interior. É, nesse caso, indicado o uso de tintas minerais porosas à base de silicato de potássio, por serem mais resistentes à poluição atmosférica, mais simples de aplicar e disponíveis para compra no mercado especializado. As tintas filmogênicas, como acrílicas e vinílicas, são danosas nesses casos e devem ser removidas se tiverem sido empregadas e jamais devem ser reaplicadas. É indicado que a administração do cemitério desenvolva, em parceria com os técnicos do órgão de preservação, um plano de conservação amplo, que considere todos os espaços, as peculiaridades e os materiais e permita que suas funções sejam realizadas com critério. Não se deve, por exemplo, arrancar ervas daninhas que crescem entre os túmulos com enxadinhas ou espátulas, as quais podem danificar as superfícies parietais. Há instrumentos específicos para a retirada desse tipo de material. Peças que estruturam as coberturas devem ser igualmente inspecionadas e limpas em manutenções periódicas. Caso as peças de madeira dessas estruturas estejam apodrecidas ou infestadas por insetos xilófagos, deverão ser tratadas e imunizadas contra novas infestações ou substituídas por similares quando não oferecerem segurança ou condição de desempenharem seu papel estrutural. Isso também se aplica quando forem metálicas, tendo suas peças imunizadas contra a corrosão ou estabilizadas quando esta já estiver presente. Atesta-se, com criterioso rigor, que os cuidados com o acervo particular e de todo o conjunto cemiterial deva ser um trabalho desenvolvido em conjunto, de maneira articulada, envolvendo a administração do cemitério, a família concessionária do jazigo, os sepultadores e os zeladores, contratados pelos familiares para a limpeza dos túmulos. Sem a concorrência de todos os envolvidos, não é possível salvaguardar, com a responsabilidade devida, o patrimônio histórico-cultural dos cemitérios. Paralelo a essas ações, iniciativas conjuntas devem envolver a Guarda Civil e a população, a fim de zelar pelo patrimônio público, de interesse coletivo.
4.1 Conservação de argamassas Três camadas são usualmente aplicadas sobre uma construção de alvenaria: chapisco, emboço e reboco. Juntas desempenham um duplo papel: proteger a alvenaria dos ataques da atmosfera, das chuvas e do sol e nivelar a alvenaria dando-lhe melhor acabamento estético. Uma sobre a outra, essas três camadas são confeccionadas com argamassas que podem ter composições e traços34 variados. Mas o que é uma argamassa? Uma argamassa é, portanto, uma mistura entre agregados miúdos, um aglomerante e água limpa. A função do agregado
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O traço de uma argamassa corresponde às proporções de seus componentes.
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miúdo é oferecer resistência à argamassa. Para tanto, utiliza-se areia de grãos variados ou pó de pedras. O agregado miúdo misturado a um componente colante, chamado aglomerante, forma uma argamassa capaz de se fixar sobre a alvenaria. Os aglomerantes mais comuns em nosso tempo são o cimento, a cal e o gesso. Na camada correspondente ao já citado chapisco, utilizamos maior quantidade de agregados miúdos do que de aglomerante, e sua função é formar, sobre a alvenaria, uma primeira camada, mais áspera, capaz de melhorar a fixação da camada seguinte. Para a produção do chapisco utiliza-se um agregado de grãos maiores, por exemplo a areia grossa de rio, normalmente vendida nas lojas de materiais para construção. Sobre o chapisco é confeccionado o emboço - camada em que o agregado empregado tem um tamanho menor quando comparado ao chapisco. Para tal, pode-se utilizar, por exemplo, a areia média. Essa camada produzirá um revestimento mais liso (quando comparado ao chapisco), uma vez que utiliza grãos de menor tamanho. Sobre o emboço aplica-se o reboco - camada final na qual se utiliza um agregado mais fino, como a areia fina de rio. Essa camada tem por objetivo produzir superfícies bem-acabadas, de aspecto mais liso, sobre as quais se pode ou não utilizar tintas. As três camadas juntas devem somar uma espessura de aproximadamente 20 mm, visando dessa forma obter uma resistência adequada. Veja a seguir uma ilustração com as camadas que compõem uma argamassa (à esquerda) e um quadro em que podemos perceber a composição e os traços de uma argamassa de cal e areia (à direita): Tabela 1 – Esquema com os três diferentes extratos componentes da argamassa.
CAMADA
AGREGADO MIÚDO
TRAÇO
chapisco
Areia grossa
3:1
emboço
Areia média
2:1
reboco
Areia fina
1:1
A portada principal do Cemitério da Consolação foi originalmente concebida para ser revestida com argamassas de cal e areia e pintada com tintas à base de cal, o que era uma solução bastante comum nas construções do passado, embora não tenha sido a única. Alguns jazigos do Cemitério Consolação utilizaram como revestimento externo das alvenarias argamassas especiais, chamadas de “argamassa raspada”, “penteada” ou “lavada” (Imagem 10). Nesses casos, a pintura final não era realizada, deixando aparente a beleza da própria argamassa. Os agregados miúdos do reboco eram cuidadosamente escolhidos para que a cor e o aspecto da argamassa já fossem seu acabamento final. Elas refletem o gosto de uma época e, portanto, como soluções originais, devem ser preservadas. Por todo o cemitério podemos notar argamassas desse tipo, com cores e tonalidades diferentes, variando entre tons acinzentados e amarelados. Esses revestimentos jamais deverão ser pintados! A aplicação de tinta de qualquer 38
Nobis conse nobit pererferum et erum volorro blam quam, sit liatum volupta temquarro blam qua m, quam, comnistium que porehendit plic tempore
espécie sobre esse tipo de acabamento, tão especial, pode descaracterizá-lo de forma irreversível e tais argamassas, assim denominadas, devem ser tratadas adequadamente para que tenham sua vida útil ampliada. Cotidianamente devem ser espanadas para remoção de sujeira acumulada proveniente da poeira ou da poluição atmosférica que se deposita sobre todas as obras do cemitério. A remoção frequente de poeira, de esporos de microrganismos e material particulado depositado sobre as obras é indicada e desejada e poderá ser realizada com trinchas, escovas de cerdas macias, vassouras ou até espanadores de penas. Muitos dos zeladores que hoje atuam no serviço de limpeza dos túmulos já mantêm essa prática cotidiana. 39
Sobre as argamassas poderiam ser aplicados hidrofugantes permeáveis ao vapor de água, capazes de repelir a água sem que a umidade retida em cada peça seja impedida de evaporar e atravessar a camada de hidrofugante. Como a aplicação de quaisquer produtos que não preservem essa porosidade dos materiais é acentuadamente inaceitável, pois acelera os danos em vez de conservar a construção, todos os tipos de vernizes, resinas ou hidrofugantes filmogênicos são malvistos e, nesse sentido, devem ser proibidos. Além de alterar a forma como os materiais trocam umidade com o ambiente, normalmente eles conferem um brilho e uma nova e inadequada textura ao material original. Por isso, caso essa aplicação de hidrofugante seja uma opção a ser considerada como forma preventiva, o assunto deve ser tratado previamente com um profissional especializado, capaz de identificar no mercado o produto adequado e sua correta aplicação. Manchas escuras provocadas por fungos aparecem sobre as argamassas e se intensificam em regiões úmidas e de baixa incidência solar. Nesses casos, favorecer a ventilação do local e evitar áreas de sombreamento pode ser de grande ajuda para que esses microrganismos não encontrem um local propício para se instalar. Certas manchas causadas por fungos são irreversíveis! Nesse sentido realizar podas responsáveis nas árvores próximas ao túmulo pode melhorar a incidência solar e, por consequência, melhorar a conservação das construções à sua volta. Para limpeza das manchas causadas por fungos, as construções tumulares poderão ser lavadas semestralmente com água e sabão ou detergentes neutros, utilizando-se uma escova macia, preferencialmente de cerdas naturais. É desejável que os microrganismos que sobre ela se desenvolveram, sendo responsáveis por parte das manchas visíveis, sejam removidos previamente com uma lavagem. Nesses casos o tratamento ideal é a aplicação de um biocida líquido por meio de um borrifador. Para uma melhor ação do biocida, recomenda-se mais de uma aplicação, em um total de três aplicações, borrifando sobre a superfície em dias alternados e preferencialmente em clima seco (sem chuva). Por exemplo: pode-se fazer uma varrição e posterior aplicação de um biocida, tipo Vancid® (10 ml para cada litro de água), na segunda, na quarta e na sexta-feira. Isso deverá possibilitar uma maior eficácia do biocida e facilitará a remoção dos microrganismos quando a lavagem for efetuada, por exemplo, na semana seguinte à aplicação do produto. Há biocidas seguros para manipulação à venda em pet shops ou lojas especializadas em produtos para veterinária ou criação de animais. Eles têm em sua fórmula concentrações de amônia quaternária altamente efetivos contra algas e fungos, vírus e bactérias. Durante a lavagem, as argamassas devem ser esfregadas somente o suficiente, sem exageros, evitando assim causar-lhes danos. Ao procurar mantê-las limpas para que os danos decorrentes do acúmulo de sujeira sejam controlados, as limpezas futuras serão facilitadas. O momento da limpeza é uma ótima oportunidade para realizar inspeções regulares e detalhadas nas obras, sendo bastante interessante anotar e guardar para consultas todas as informações obtidas nesses levantamentos. Ainda que necessária em alguns métodos de limpeza, a água não é inofensiva. Provoca a dilatação dos materiais, acelera reações químicas, favorece o crescimento de microrganismos e a corrosão de elementos metálicos. Embora não se possa evitar o contato da água com os jazigos – uma vez que estão à céu aberto –, podemos minimizar sua ação utilizando-a em pequenas quantidades durante 40
os procedimentos de limpeza, empregando-a preferencialmente nos meses mais secos do ano (de abril a outubro), quando poderão secar rapidamente antes de causar danos aos materiais. É aceito o uso de mangueiras, mas não se recomenda em processos de conservação de originais artísticos ou arquitetônicos o uso de água pressurizada e lavagens com maquinas tipo WAP®. O enraizamento de plantas superiores tanto nos jazigos como em suas adjacências provoca pressões entre a alvenaria e as argamassas, desagregando-as. Normalmente seu enraizamento se beneficia de fendas abertas nas argamassas causadas pela dilatação e pela contração dos materiais ou trepidações. Embora pareçam inofensivas, podem ser altamente danosas a uma construção, provocando, em casos de maior abandono, seu arruinamento e a interdição da área envoltória. No primeiro caso, devem ser removidas assim que forem notadas (antes de se enraizarem profundamente), e o local onde se desenvolviam deve ser preenchido com o material do mesmo tipo do originalmente utilizado – rejunte, argamassa etc., nas cores e formulações compatíveis com cada caso. De acordo com o tamanho da planta, devemos ter cuidado para que a remoção não cause danos ou perda do material no qual ela se enraizou. Nesses casos o uso de um herbicida permitido pela vigilância sanitária poderá ser empregado. Após a morte da espécie, a remoção cuidadosa ou o corte, o mais próximo possível da base, deverá ser promovido. As calhas, quando presentes em uma obra, deverão ser limpas a cada seis meses, considerando-se o acúmulo de poeira, material particulado depositado e o excesso de folhas. Isso também vale para as gárgulas (desaguadouros) e demais sistemas condutores de águas pluviais, os quais deverão ser frequentemente desobstruídos para que a drenagem desses elementos não seja comprometida, tornando o coroamento das construções muito suscetíveis à infiltração de água descendente que alcança as alvenarias, provoca sua dilatação e, por consequência, a expulsão das argamassas. Isso também pode ocorrer com o excesso de água acumulado no embasamento das construções, como já vimos. Em casos nos quais a argamassa original se perdeu ou se apresenta em destacamento provocado pela dilatação das alvenarias, um profissional especializado deverá ser contatado, uma vez que o tratamento desses danos configura uma obra de restauro. Nesse caso, o que se faz é a análise laboratorial da composição, do tamanho dos grãos empregados e das proporções entre eles (traço). Somente após os estudos laboratoriais é que ela poderá ser reproduzida e aplicada sobre a alvenaria exposta. A remoção de argamassas originais em destacamento e a promoção de remendos sem o conhecimento adequado devem ser proibidos e desencorajados, tendo em vista que somente o profissional restaurador estará apto a aplicar técnicas de consolidação de argamassas e de aplicação. É um erro, por exemplo, aplicar cimento em argamassas em cujo projeto original não se utilizou cimento. Ratifica-se que somente testes laboratoriais podem subsidiar um bom trabalho nesse sentido. É comum, contudo, que os sepultadores utilizem cimento para fechar as campas após enterro ou exumações. Devem, contudo, utilizá-lo com critério e capricho, a fim de evitar descaracterizações. É importante salientar que certas manchas das argamassas correspondem ao envelhecimento natural dos materiais que as constituem, os quais se alte41
ram por meio das interações químicas com a atmosfera, tornando-se parte do histórico da obra e, por esse motivo, não devem ser removidas ou consideradas como sujidades. Nesse sentido, é muito importante que os concessionários, que são os responsáveis pelos túmulos, compreendam que a limpeza, dentro dos padrões indicados pelas ciências da conservação, já constitui o tratamento adequado, o que significa que, após ela, os originais não apresentarão o aspecto de novos. Além da valorização financeira que acarreta, a preservação da originalidade dos jazigos garante ainda que seu valor de antiguidade não seja prejudicado, valorizando seu percurso histórico ao longo do tempo. Nesse sentido é preciso ter noções a respeito do conceito de “restauração”, percebendo que o passar do tempo agrega valores às obras de arte e que a limpeza excessiva, longe de ser um ideal, pode ser prejudicial.
4.2 Conservação do bronze 4.2.1 Breve introdução à técnica escultórica em bronze35 Para dar início à apresentação dessas informações resumidas a respeito das diversas etapas e dos processos técnicos necessários para a produção de esculturas em bronze, vale ressaltar que o objetivo aqui é o de conscientizar os concessionários, responsáveis pela guarda e pela conservação de acervos tumulares, a respeito das responsabilidades envolvidas no trato com originais do patrimônio cultural artístico e arquitetônico e, no caso específico do presente trabalho, aplicado à construção e à ornamentação do patrimônio funerário. O concessionário tem grande importância para a preservação desses bens patrimoniais, e a informação, como ocorre nas mais diversas áreas, é fundamental para que ele possa saber os caminhos a tomar, no intuito de que não se destrua a originalidade e, portanto, o valor documental dos bens sob a sua guarda. A grande quantidade de obras escultóricas em bronze (Imagem 11) presentes no Cemitério Consolação, em São Paulo, está ligada à disponibilidade, nessa capital, entre fins do século XIX e a primeira metade do século XX, de mão de obra capacitada para o oferecimento desse serviço de alto grau de especialização, uma vez que o processo de fundição artística é marcado por momentos de grande complexidade, desde a elaboração e a execução dos moldes, que normalmente, na fase inicial, são executados em argila, a fundição, dividida em várias e diferentes etapas, e o posterior acabamento das peças, para que então elas possam ser montadas no local definitivo.
O presente texto foi elaborado com base em informações fornecidas pelo Prof. Marcelo Lopes da Silva, consultor do SENAI, ao GEAAC/Projeto Memória & Vida, para os assuntos referentes à Fundição Artística em Cera Perdida, especificamente dirigidos à conservação de originais escultóricos em bronze.
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Nobis conse nobit pererferum et erum volorro blam quam, sit liatum volupta temquarro blam qua m, quam, comnistium que porehendit plic tempore
Partindo das concepções estéticas, simbólicas, alegóricas, estilísticas, técnicas etc. do artista, as obras, tradicionalmente, eram iniciadas pela execução de modelos em argila, gesso ou outros materiais. Essa etapa serviria para o aprimoramento das formas em atendimento às expectativas do artista e dos encomendantes. As esculturas em bronze são executadas por meio de um processo chamado de fundição por cera perdida. Após as diversas etapas que antecedem a fundição, chega-se a um modelo em cera, o qual será envolvido pelo material resistente ao calor, que servirá como forma. A cera derretida dará origem, no interior da forma, ao espaço vazio em que será introduzido o metal derretido. Esse espaço vazio guarda todos os registros formais elaborados pelo escultor, ou seja, as formas da escultura, somadas a uma série de canais, que atravessam a forma no sentido transversal e têm por finalidade permitir a introdução do metal incandescente ou em estado líquido, assim como a saída de ar resultante desse processo. Definida a forma final, modela-se a escultura em tamanho definitivo, ou em escala 1:1, fundamental à construção dos moldes negativos da peça a ser fundida. Os moldes executados em partes ao redor da peça em argila constituirão os moldes envoltórios do modelo a ser fundido, em uma mistura de 43
cera de abelha, parafina e breu, guardando, portanto, as formas escultóricas elaboradas pelo artista. A peça em cera deverá ter a espessura específica para a fundição em bronze, que, em peças de até dois metros de altura, costuma variar entre 6 e 8 mm. Nas paredes internas do molde extraído do modelo em argila ou gesso, é aplicada cera aquecida, a qual, ao secar e resfriar, assume a espessura desejada. A parte oca formada no interior dessa camada de cera favorece que seja preenchido, também na parte interna, por material refratário, formando o núcleo do molde e deixando apenas o espaço referente às formas escultóricas, com a espessura desejada. Para peças de dimensões ainda maiores, mantém-se a espessura, mas a produção se dá em partes, soldadas durante a montagem, para posterior acabamento. O molde em material refratário é aquecido em um forno, o que derrete a cera, que escoa, deixando no interior do molde um vazio com as formas da escultura a ser fundida. Daí se origina o nome dado ao processo: cera perdida. No oco no interior do molde é inserido o bronze incandescente e líquido, o qual, após o resfriamento, constituirá a nova escultura. Para facilitar que o metal líquido chegue a todas as regiões da peça, inúmeros canais são produzidos nas paredes do molde. Sua finalidade é permitir a entrada do bronze e, ao mesmo tempo, a saída do ar quente de seu interior. Após o resfriamento, o metal solidificado permitirá a quebra do molde presente em seu interior; apresentando-se a peça oca, com a forma externa contendo todos os registros concebidos pelo artista. Na peça, ainda se encontrarão os inúmeros canais de fundição, voltados às mais diversas direções. Após a remoção desses canais, terá início o processo de usinagem e acabamento das superfícies da escultura, que eliminará as marcas dos dutos removidos, além de outros possíveis defeitos. Áreas que envolvam furos, trincas ou rachaduras serão preenchidas com pinos de bronze, que aderirão aos locais por pressão, posteriormente limados e lixados, a fim de que a superfície se apresente perfeitamente acabada. A fase final consistirá na obtenção da pátina, uma camada superficial que recobre e protege a peça, ao mesmo tempo em que lhe confere a coloração desejada pelo artista. Pode ser obtida naturalmente: exposta ao tempo, a peça adquirirá uma coloração esverdeada; pode também ser acelerada por processos químicos, por meio dos quais é possível obter variadas tonalidades, esverdeadas, acastanhadas, enegrecidas. Por meio dessa breve descrição dos processos e das etapas de escultura em bronze, espera-se que os responsáveis pelos monumentos tumulares que as contém passem a exigir dos profissionais a que solicitam cuidados para os bens patrimoniais pelos quais são responsáveis apenas uma limpeza periódica e a aplicação, a cada seis meses, de fina camada de cera de carnaúba ou microcristalina, incolor, o que possibilitará a preservação do valor documental e, portanto, econômico da peça escultórica, assim como a durabilidade da obra, para que possa ser conhecida por meio do contato direto por várias gerações.
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4.2.2 Conservação de peças em bronze
O bronze não é um metal, é uma liga metálica, uma mistura formada por alguns metais em que predominam o cobre e o estanho. Cada peça pode ter ainda uma mistura particular, incluindo outros metais, responsáveis muitas vezes pela maior ou menor qualidade final da escultura na qual é empregada. Além da composição do bronze, a qualidade final da peça pode também variar em função da qualidade da fundição que a produziu e do local onde será exposta. Outros metais misturados podem produzir ligas, por exemplo o ferro fundido. Esses aspectos - tão específicos - podem ser melhor identificados e aprofundados por um metalurgista ou um especialista em fundição artística. Sobre as peças fundidas, e para dar-lhe melhor acabamento estético, é realizada uma pátina36 artificial – nome dado ao acabamento próprio das peças de bronze. A pátina em uma escultura de bronze corresponde a um processo de corrosão controlada da superfície, o que, no caso do ferro, chamamos de ferrugem. Ela poderia ser produzida a partir do ataque natural da atmosfera, mas, devido ao tempo necessário, costuma ser acelerada artificialmente com técnicas de cada artista ou da fundição. Para sua produção, um ácido é borrifado sobre a escultura aquecida por um maçarico ou outra fonte de calor que forneça altas temperaturas. Em função da tonalidade final que se deseja alcançar, seja azulada, acastanhada, esverdeada ou enegrecida, é escolhido um tipo ácido ou uma mistura específica. Essa aplicação de ácido sobre a superfície do bronze quente forma uma fina camada de corrosão da superfície, que lhe dá o aspecto final, conferindo-lhe beleza e identidade, mas que também tem a função de protegê-la. Qualquer tipo de pintura sobre conjuntos escultóricos, alegorias, placas e quaisquer outros elementos de bronze são inaceitáveis, incluindo, sobretudo, a aplicação de cera misturada com grafite ou vernizes. Além dos sérios danos que acarreta por bloquear a porosidade da peça, essa prática descaracteriza esteticamente as esculturas e os demais elementos produzidos nesse material. Para que não trinquem, as obras de bronze são propositalmente ocas, podendo haver acúmulo de umidade em seu interior. Em condições normais, no intuito de evaporar, essa umidade acumulada no interior da obra atravessa sua superfície. Quando as peças são pintadas, essa “evapotranspiração” da umidade é interrompida, causando danos ao interior da obra. Além disso, a pátina, normalmente escolhida pelo autor da obra a fim de lhe atribuir valor estético, cultural e monetário, pode ser perdida. Por isso, as obras não devem, em hipótese alguma, ser raspadas, polidas ou arranhadas na tentativa de repará-las. As peças de bronze são internamente unidas por meio de estruturas de ferro e parafusos que, em contato com a umidade, podem causar, como produto da corrosão, manchas de ferrugem, as quais podem tanto agir sobre o bronze
Pátina é um composto químico que se forma na superfície dos materiais em resposta à sua exposição à atmosfera, produzindo uma aparência de antiguidade ou envelhecimento, muitas vezes considerada elegante e requintada.
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quanto sobre os demais materiais à sua volta, como pedras e argamassas decorativas em que as peças de bronze costumam ser assentadas. Por isso o contato entre a escultura e a base em que se encontra apoiada não deve ser rejuntada com nenhum material, tampouco devem ser utilizadas espumas expansivas, favorecendo com isso a ventilação no interior da obra, assim como, pelos mesmos motivos, o interior das peças não deve ser preenchido com cimento ou quaisquer outros produtos ou massas. É preferível, para melhor conservação, limpar a peça de bronze cotidianamente a seco, com uma trincha macia, removendo-se poeira, folhas acumuladas e demais sujidades. As areias, depositadas em locais de acúmulo de água a fim de evitar a proliferação do Aedes aegypti (mosquito transmissor da dengue, do vírus da Zika e da Chikungunya), podem, como material abrasivo, levar a um polimento indesejado, diferente da superfície original, aparentando manchas. Semestralmente é indicada a lavagem com água e sabão neutro, utilizando para tal uma espuma ou esponja macia (sempre o lado amarelo das esponjas comuns de limpeza, sem muita pressão). Esse procedimento pode ser repetido diversas vezes em busca de um bom resultado de limpeza, embora certas manchas, mais resistentes, só serão removidas de forma responsável por um restaurador – o qual avaliará a melhor abordagem. Um dos métodos por ele empregados poderá ser a aplicação indireta de calor, a fim de solubilizar acúmulos de sujidade aderida e, dessa forma, compor com a lavagem já descrita uma metodologia de trabalho mais eficiente. O restaurador poderá ainda promover jateamentos, utilizando cascas de arroz, de nozes ou outros abrasivos de controlada ação, capazes de remover a sujidade aderida sem prejudicar a pátina original. Após a limpeza, a aplicação de uma camada fina de cera incolor pastosa (tipo Poliflor®) ou cera líquida de parafina poderá minimizar os danos provocados pela chuva ácida e demais ataques permanentes ao local, servindo como uma “camada de sacrifício”. Deve ser aplicada em pequenas quantidades e camadas finas, com pincel, e deverá, ao final, ter o excesso retirado por meio de um leve polimento realizado com tecido de algodão que não solte fiapos, lustrando-se. Essa cera protegerá a obra, repelindo a água sem impermeabilizar a superfície e sem bloquear a saída de água acumulada dentro da escultura. Se desgastará com o tempo e, por isso, deverá ser reaplicada em um prazo de aproximadamente seis meses, com novo procedimento. Caso a obra precise de tratamento, complementações, soldas ou intervenções mais específicas, a condução de todos os serviços deve ser feita por um profissional especializado em restauração de obras de bronze. Tratando-se de obras cujo valor pode ser muito maior do que o simples valor do metal, merecem todos os cuidados, uma vez que algumas ações irresponsáveis podem causar danos irreversíveis, acarretando, além da perda da originalidade e do valor documental, elevados custos para o desenvolvimento de uma nova pátina. Assim como ocorre com os demais materiais utilizados na construção e na ornamentação funerária, com o bronze é igual, consistindo a limpeza no tratamento mais adequado.
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4.3 Conservação de pedras
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Como se sabe, o patrimônio tumular do Cemitério Consolação é constituído por vários tipos de material, entre eles diversos tipos de rocha (Imagem 12). As rochas parecem ser muito resistentes e quase eternas, mas, na verdade, elas sofrem alterações contínuas quando expostas ao intemperismo, à poluição atmosférica, aos agentes biológicos, químicos e físicos. Por isso, cuidar das rochas exige prudência, a fim de não causar agressões ou não agravar os danos que elas já apresentam. Mesmo porque as rochas podem ser comparadas à impressão digital: não há uma exatamente igual à outra, o que impossibilita a generalização de tratamentos. Produtos de limpeza fortes, normalmente utilizados nas casas ou em objetos do cotidiano, podem ser muito nocivos às rochas. Mesmo especialistas em conservação chegam a cometer erros no tratamento de rochas. Pesquisas científicas indicam que muitos dos procedimentos de limpeza que vêm sendo aplicados há décadas em monumentos compostos por rochas, com o tempo, se mostraram demasiadamente agressivos e causaram danos ainda maiores ao patrimônio. Jatos de materiais abrasivos ou de água pressurizada e o uso de vapor de água ou de produtos químicos muitas vezes chegam a causar dissoluções ou perdas superficiais que, gradualmente, desfiguram a superfície arquitetônica ou escultórica, descaracterizando-a. No caso da colonização por algas, líquens, musgos, fungos e plantas superiores, por exemplo, o aumento da rugosidade da superfície, resultante de uma intervenção de limpeza com abrasivos, poderá aumentar a velocidade da recolonização. O uso de água pressurizada também favorece a proliferação de microrganismos, devido à umidade proporcionada ao substrato e, portanto, não interrompe os processos de biodeterioração (SANTOS, 2011)37. A colonização biológica é um dos mais importantes agentes de degradação observados no Cemitério da Consolação. Esse problema é observado principalmente em áreas de cobertura vegetal mais densa, pois a umidade favorece o crescimento de fungos, líquens, musgos e algas, responsáveis por manchas e acúmulo de matéria orgânica nas superfícies em que se instalam. Esses organismos e microrganismos propiciam o crescimento de plantas superiores, pois formam um substrato no qual elas podem se enraizar. Plantas superiores (folhagens, arbustos, árvores) são muito perigosas para o patrimônio construído. Suas raízes penetram nos poros das rochas e das argamassas, assim como nas juntas dos materiais, causando grande pressão e gerando fissuras, fraturas e até o deslocamento de partes componentes da construção tumular. Também fezes de pássaros ou outros animais podem causar danos às rochas por causa de sua acidez. Colonização por insetos, ninhos, dejetos, restos de folhas, galhos, sementes, frutos e qualquer acúmulo de matérias sobre os túmulos podem causar sérios danos, além de interferirem na apreciação da obra. Além disso, os agentes poluentes, principalmente os resultantes da queima dos combustíveis fósseis, como a gasolina e o diesel, também ocasionam danos
SANTOS, Adriano Braga dos. Identificação biológica e aplicação de biocidas na população microbiana que forma os biofilmes de alguns monumentos históricos da Bahia. Universidade Federal da Bahia – UFBA, 2011. Dissertação de Mestrado.
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gravíssimos ao patrimônio construído com rochas, acelerando processos de degradação. Quando o dióxido de carbono (CO2) se dissolve na água da chuva, levando à formação do ácido carbônico (H2CO3), essa reação acidifica a água e acelera processos de dissolução de certos minerais. As partículas de poeira e poluição acumuladas nas obras podem agravar ainda mais sua deterioração, pois, combinadas com as substâncias resultantes da dissolução das rochas, formam cristais de sais superficiais, os quais, além da degradação, causam problemas estéticos e são de difícil remoção. Essas partículas ou soluções também podem penetrar nas porosidades das rochas e causar manchas irreversíveis. Por outro lado, limpezas com materiais agressivos como água sanitária (hipoclorito de sódio), ácidos, amônia, escovas de cerdas duras, lixas etc. podem ser mais danosas que a própria chuva ácida, que corrói a superfície pétrea, desfigurando a obra em curto espaço de tempo. Além disso, a dissolução dos minerais causada por esses produtos gera mais porosidade, acelerando a colonização biológica. Outro aspecto a ser respeitado é a pátina do tempo, que são as marcas de envelhecimento natural dos materiais, que lhes trazem elegância e valor de antiguidade. Limpezas agressivas podem retirar a pátina do tempo e deixar a obra com aspecto excessivamente limpo, fazendo com que significativa parte de sua história seja perdida. Não se deve esquecer que muitos dos túmulos presentes no Cemitério da Consolação têm mais de 100 anos, e esse é um fato a ser considerado e valorizado! Estudiosos têm comprovado, com base no monitoramento por métodos científicos (ASCASO et al., 2002; CHAROLA et al., 2007; e DELGADO RODRIGUES et al., 2011)38, que limpezas periódicas com materiais pouco agressivos, antecedidas pela aplicação de biocidas de largo espectro (biocidas capazes de destruir uma ampla gama de microrganismos), são os procedimentos mais eficazes e menos danosos ao patrimônio em pedra, quando este se encontra ao ar livre e, portanto, exposto aos agentes intempéricos, como ocorre com o patrimônio do Cemitério da Consolação. Partindo-se desse princípio, e seguindo os princípios da mínima intervenção, foram definidos no presente trabalho de pesquisa, por meio de experimentação prática, alguns procedimentos de limpeza e conservação, abaixo apresentados, que se mostraram simples e eficientes, para os diferentes tipos de rocha que compõem a coleção tumular do Cemitério da Consolação, de forma a respeitar sua integridade e beleza e não apagar as marcas do tempo que lhe dão valor. É importante salientar que esses procedimentos podem ser aplicados na conservação dos conjuntos tumulares presentes nos demais cemitérios da cidade de São Paulo.
ASCASO, C., WIERZCHOS, J., SOUZA-EGIPSY, V., Rı&#x0301;os, A. de los, RODRIGUES, J. D. “In situ evaluation of the biodeteriorating action of microorganisms and the effects of biocides on carbonate rock of the Jeronimos Monastery (Lisbon)”, in International Biodeterioration & Biodegradation, 49(1), jan. 2002, p. 1-12. CHAROLA, A. E., ANJOS, M. V., Rodrigues, J. D., BARREIRO, A. “Developing a Maintenance Plan for the Stone Sculptures and Decorative Elements in the Gardens of the National Palace of Queluz, Portugal”, in Restoration of Buildings and Monuments, 13[6], 2007, p. 377-388. RODRIGUES, J. D., ANJOS, M. V., CHAROLA, A. E. “Recolonization of Marble Sculptures in Garden Environment”, in Biocolonization of Stone: Control and Preventive Methods, ed. A. E. Charola, C. McNamara, e R. J. Koestler, Smithsonian Institution Scholarly Press, Washington, DC, 2011. p. 71-85.
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4.3.1 Manutenção anual ou em intervalos pouco mais longos ou mais curtos, conforme se observe necessidade A manutenção anual deve ser feita preferencialmente em períodos menos chuvosos, pois visa também o controle da colonização biológica por meio da aplicação de um biocida que deve agir por um certo tempo. Métodos químicos de combate à colonização biológica podem ser eficazes, mas, dado que os biocidas são feitos para uso agronômico, é necessária cautela para sua aplicação em obras de arte, pois podem causar reações deletérias, como manchas ou reações químicas nos materiais. Também o grau de toxicidade para os humanos e o nível de agressão ao meio ambiente devem ser levados em conta. Por isso, segundo estudos recentes, o mais indicado é o uso de biocida à base de amônia quarternária. Biocidas com esse princípio ativo podem ser encontrados em lojas de criadores de animais e também em lojas de materiais para cozinhas industriais. Um exemplo de um produto comercial com esse princípio ativo é o Vancid®. Esse biocida deve ser diluído na proporção de 10 ml para cada litro de água e pode ser aplicado com uma trincha ou um borrifador. Para esse processo, luvas e máscara são materiais de proteção individual indispensáveis. Esse procedimento deve ser repetido três vezes, dia sim, dia não. Após a última aplicação deve-se esperar algumas semanas para que as algas, os líquens, os musgos e os fungos morram e sequem. Com isso, muitos deles se desprenderão sozinhos. Finalmente, a limpeza com água, sabão neutro e uma escova macia de fibras naturais será importante para a retirada de partículas de fuligem, esporos, sementes, folhas, excrementos de animais, casulos de insetos, resquícios de organismos e microrganismos mortos ou qualquer outro tipo de resíduo acumulado nas obras. Importante enfatizar que a esfregação não deve ser exagerada para não desagregar material da superfície pétrea e também para respeitar a pátina do tempo. Não se esqueça de que cada um dos túmulos faz parte do conjunto integrado dos bens patrimoniais remanescentes dos diversos períodos históricos e estilísticos representados na vasta coleção do Cemitério da Consolação. Uma adequada conservação poderá favorecer uma completa fruição do objeto estético, por meio da qual se extraem informações das obras de arte. Para tanto, a manutenção de sua originalidade é fundamental, além da preservação do valor documental.
4.3.2 Manutenção periódica Proceder várias vezes ao ano a limpezas a seco, utilizando escova macia, espanador ou trincha de pintura para as frestas e áreas mais difíceis de acessar é importante para manter o túmulo livre de acúmulo de folhas, poeira, partículas de poluição, sementes, esporos, casulos de insetos e outros. A aplicação de biocida utilizando trincha ou borrifador poderá ser efetuada após cada limpeza. Esse procedimento retardará a recolonização dos agentes biológicos e retirará boa parte da sujidade acumulada, evitando-se assim a esfregação desnecessária que poderia desagregar partículas do material rochoso. 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS O Cemitério Consolação pode ser visto como um espaço museal, devido à coleção de obras artísticas e arquitetônicas que abriga. Porém um aspecto deve ser observado: enquanto os museus, tradicionalmente, buscam meios para promover a acomodação ideal dos acervos, com a possibilidade de contar com espaços climatizados e adequadamente iluminados, os espaços cemiteriais, que também abrigam preciosas coleções de bens patrimoniais, estão em realidade bastante diferente. Nos museus, a manipulação dos originais por equipes especializadas é tratada como aspecto fundamental. O espaço museal constitui um sistema preparado para a guarda, a pesquisa e a exposição de originais, assim como para sua conservação e, em casos extremos, sua restauração, tendo por princípio a finalidade de manter, proteger e fornecer segurança a todos os documentos que, pelo potencial comprobatório, possam viabilizar o processo de construção da história. Diferentemente, os cemitérios têm por característica a exposição dos conjuntos tumulares ao tempo e às intempéries, às chuvas ácidas e à poluição, que aceleram a degradação, também às sombras das árvores, que ocasionam a proliferação de microrganismos, e à insolação direta, que acarreta sérias alterações nos materiais, provocando trincas, bolhas e até desprendimento e perda de partes. Esse aspecto faz com que a durabilidade das obras cemiteriais seja drasticamente reduzida. É um fato ainda não muito conhecido que muitas das obras que integram o patrimônio funerário em cemitérios se destacam pela excelência nas qualidades artística e técnica, tendo, muitas vezes, sido concebidas e executadas por renomados artistas. Além de abrigarem personalidades relevantes ao desenvolvimento de uma localidade, sendo, portanto, históricos, os túmulos de valor artístico compõem coleções de grande valor documental e econômico. O patrimônio tumular presente no Consolação é constituído por mais de três centenas de obras de reconhecido valor artístico e arquitetônico, já analisadas e tombadas. Esse patrimônio se encontra sob constante ameaça, que provém principalmente do desconhecimento dos concessionários, os quais encomendam para os túmulos pelos quais são legalmente responsáveis que os zeladores realizem limpezas com a finalidade de conferir aos originais a aparência de “novos”. Infelizmente, esse tipo de resultado está além das atuais possibilidades da ciência. Uma escultura centenária que se apresente impecavelmente branca foi submetida a processos de “limpeza” que, com grande probabilidade de acerto, envolveram o uso de materiais abrasivos, como lixas ou agressivas substâncias químicas, simples ou compostas, que também eliminam as camadas de proteção que foram aplicadas sobre as superfícies das obras em sua finalização nos ateliês. Essas ações expõem os poros das peças (antes reduzidos pelo polimento e pela aplicação de camada de cera, com a finalidade de prolongar seu tempo de vida) e favorecem a penetração de umidade, a qual acelerará o processo de degradação da obra. Em defesa dos mesmos concessionários, deve-se aqui registrar que a constatação acima mencionada não deve incorrer, neste momento, em julgamento negativo ou qualquer tipo de condenação. Infelizmente, os procedimentos adequados à conservação de originais costumam ser desconhecidos pela maior 51
parte das pessoas. No entanto, com base na experiência, se pode dizer que, felizmente, a partir do momento em que esses mesmos concessionários entram em contato com informações que lhes possibilitem passar a cuidar adequadamente dos bens pelos quais são responsáveis, costumam procurar conservá-los inalterados, por compreender que o envelhecimento é um fator natural, o qual deixa marcas e manchas, inevitável a todos os materiais. Os profissionais que atuam nos espaços cemiteriais também são fundamentais à preservação dos originais. Nesse caso, é importante que adotem procedimentos de mínima intervenção, como a simples remoção de pó e outras sujidades com escova macia e lavagem periódica com sabão neutro, como sugerido no segundo caderno desta série, especialmente dirigido àqueles profissionais. Naturalmente, a aprovação, por parte dos concessionários, dos procedimentos menos agressivos e, portanto, que não removerão as marcas do tempo ou as manchas das peças, mas que as deixarão adequadamente limpas, poderá viabilizar essa mudança, tão necessária para que o conjunto de ações destrutivas seja interrompido e uma adequada conservação dos originais artísticos e arquitetônicos nos espaços cemiteriais passe a ser promovida. Nos cursos oferecidos pelo GEAAC, em 2016, no Campus Consolação da PUC-SP, aos profissionais ligados ou não ao Serviço Funerário do Município, que atuam na limpeza de túmulos, foi possível detectar a melhor disposição por parte desses profissionais no sentido de colaborar para uma adequada manutenção dos bens tumulares, inclusive adotando procedimentos indicados pelas ciências da conservação, dirigidos à mínima intervenção. É importante ressaltar que esse tipo de manutenção aparentemente simples é altamente trabalhoso. Remover o pó e outras sujidades operando um pincel macio com o necessário capricho demanda um tempo considerável, assim como lavar o túmulo e suas obras de arte periodicamente, o que, com certeza, configura um trabalho a ser valorizado. O Projeto Memória & Vida, firmado entre o Serviço Funerário do Município de São Paulo e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, constituiu um fértil campo de pesquisa aos diversos segmentos que o compuseram: psicologia, administração, direito e conservação e restauro. Os principais resultados das pesquisas da área da conservação-restauração, visando a adequada conservação dos originais artísticos e arquitetônicos que enriquecem o Cemitério da Consolação, são apresentados no presente Caderno de Instruções I, dirigido aos concessionários, e tem por objetivo contribuir para uma mudança cultural relacionada ao desenvolvimento da capacidade de apreciar os sinais da passagem do tempo, os quais configuram o envelhecimento natural de todas as realizações arquitetônicas e escultóricas expostas ao tempo. Em diversos locais do mundo, os bens culturais vêm sendo cuidadosamente preservados, inclusive por serem base para a próspera indústria do turismo, tendo-se descoberto há muito tempo a importância da herança histórica e estética para a formação do cidadão, que dela se apropria gerando o pertencimento. O patrimônio cultural paulista, representado pela bela coleção do Cemitério Consolação, tema do presente estudo, merece, por sua importância, receber adequado tratamento. Constituído por obras tão inestimáveis quanto frágeis, se encontra seriamente ameaçado. A sobrevivência desse conjunto artístico e arquitetônico dependerá da consciência dos responsáveis por cada exemplar original. O mesmo se pode dizer dos demais 21 cemitérios distribuídos pela cidade de São Paulo. Por fim, vale a pena empreender esforços no sentido de informar que restauração e reforma são termos que definem ações diferentes. O restauro se concentra nos registros originais, utilizando os conhecimentos gerados pelas ciências 52
da conservação, a fim de estabilizar materiais constituintes das obras de arte, quando se encontram em processos degenerativos, procurando manter sua originalidade de todas as formas possíveis. A reforma refaz, reconstrói, simula a originalidade perdida. É importante saber que um original perdido não poderá ser recuperado, nem mesmo por meio de reproduções, que, no máximo, poderiam ser chamadas de réplicas. Como o contato com o original não pode ser substituído, diversos estudos vêm sendo realizados com o objetivo de ampliar o já conhecido a respeito das preciosas coleções presentes em espaços cemiteriais. Que o presente trabalho de pesquisa favoreça e impulsione a preservação do vasto patrimônio artístico e arquitetônico presente nos espaços cemiteriais da capital paulista e de outras regiões.
GRUPO DE ESTUDOS EM ARTE E ARQUITETURA CEMITERIAIS - GEAAC Componentes e autores da presente publicação: MOZART ALBERTO BONAZZI DA COSTA Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP, Mestre em Artes pela UNESP e graduado em Artes Plásticas e Educação Artística pela FAAP, se dedica à pesquisa de processos escultóricos tradicionais e contemporâneos, com destaque para a talha dourada realizada no mundo português, especialmente no período colonial brasileiro. É docente nos Cursos de Arte: História, Crítica e Curadoria e Conservação e Restauro da PUC-SP e no Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNICID. Autor de diversos trabalhos e textos publicados no Brasil e no exterior, como A talha ornamental barroca na Igreja Conventual Franciscana de Salvador, publicado pela EDUSP. Coordena o Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC). VIVIANE COMUNALE Historiadora e professora. Doutoranda em Artes Visuais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), bolsista pela CAPES (2016-2020), mestre em Artes Visuais pela mesma instituição na linha de pesquisa: Abordagens históricas, teóricas e culturais da arte, bolsista pela CAPES (2013-2015). Especialista em História da Arte pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) e Graduada em História pela Universidade Bandeirante de São Paulo. Atualmente é pesquisadora do grupo Barroco Memória Viva: da arte colonial à arte contemporânea (IA-Unesp/CNPq), do Laboratório de Pesquisa em Identidade e Diversidade Cultural (IA-Unesp/CNPq) e do Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC - PUC-SP). Filiada à Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC) e à Associação Nacional de História (ANPUH). EVA KAISER MORI Mestre em Mineralogia e Petrologia (IGc-USP), Mestre em Restauração de Monumentos pela Universidade Politécnica da Catalunha, Espanha. Atua na conservação e restauração e em análises científicas em bens culturais. Participa como pesquisadora do Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC). DIEGO FERREIRA RAMOS MACHADO Mestre em Mineralogia e Petrologia (IGc-USP). Licenciado em Geociências e Educação Ambiental. Especialista em Geologia Eclesiástica e Turismólogo. Participa como pesquisador do Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC). 53
SERGIO ULISSES LAGE DA FONSECA Mestre em Gestão de Negócios pela Universidade Católica de Santos e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Professor de disciplinas na área de logística e qualidade. No GEAAC, atua na pesquisa de textos e referências bibliográficas relevantes, principalmente dirigidas à conservação de acervos minerais, como também na organização das pesquisas de campo e acadêmicas.
PESQUISADOR COLABORADOR FABIO DAS NEVES DONADIO Pesquisador e docente, Mestre em Artes pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas gerais; Especialista em Patrimônio Arquitetônico: Preservação e Restauro pela Universidade Cruzeiro do Sul; Arquiteto e Urbanista pela Universidade Paulista e Técnico em Conservação e Restauro de Bens Móveis pela Fundação de Arte de Ouro Preto. Participa como pesquisador do Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC).
ESTAGIÁRIAS VICTORIA LOUISE DE BARROS ALMEIDA Graduanda no curso Arte: História, Crítica e Curadoria da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, leciona no curso pré-vestibular da Fundação Getúlio Vargas. Estagiária do Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC), no Projeto Memória & Vida, firmado entre a PUC-SP e o Serviço Funerário do Município de São Paulo. HELEN HELENA RODRIGUES ALMEIDA Graduanda no curso Arte: História, Crítica e Curadoria da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estagiária do Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC), no Projeto Memória & Vida, firmado entre a PUC-SP e o Serviço Funerário do Município de São Paulo. BÁRBARA EVELLYN ALVES DE SOUSA Graduanda no curso Arte: História, Crítica e Curadoria da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Estagiária do Grupo de Estudos em Arte e Arquitetura Cemiteriais (GEAAC), no Projeto Memória & Vida, firmado entre a PUC-SP e o Serviço Funerário do Município de São Paulo.
CONSULTOR TECNICO MARCELO LOPES DA SILVA Docente do Curso Superior de Tecnologia em Processos Metalúrgicos (Disciplina de Projetos Metalúrgicos I e II) e do Curso de Pós-Graduação em Engenharia de Fundição (Disciplina de Metodologia do Trabalho Científico e Fundição por Cera Perdida). Responsável pelo Centro Técnico em Fundição Artística por Cera Perdida na Escola SENAI “Nadir Dias de Figueiredo”. 54
3ª CAPA
Aspectos Teóricos da Conservação de Bens Tumulares Publicação dirigida aos concessionários
Grupo de estudos em arte e arquitetura cemiteriais - GEAAC Ipic tem. Itatem. Ut officiam sed moluptatis dem verfero blaut occab in provit, od milluptis pre dolectatium quiae. Nem qui assimus, nullect otaerum quaernatur adit, qui comniscimet laut dus, ut la de pligeni magnatio. Totaepta volecto repellabo. Et modigenimi, soluptius arum as exerferro vellecatus ilitate molore dolora seruptia verferum quiatur ianihicient, secto et ex est, occus ipicia con pro te dipiciatem volum harum quunt provid moluptatis rerum faccupidunt esequam unt dis di autLabo. Et enihita quatur solupta tumquuntium etur samus inveliqui tectotatem que sim vel et labor suntiis repro berferr ovitaectent ex endae vit volorro vitisqu atiassum apidis aut que res am, occus aut audam, cumet aut eos reptatqui vendae maximol upiet, volorrovidit quia am fugitem et explit molorum iunda et alitatem. Nam volorum ut ma nost aut lit vellendissim quibus volorepro estiam, cum rem qui ullest, simusandus re pa del illaccus inum utemquid ut omnisto cus, cusa ipicimin reprae. Rum quaspedipsam quiduntiat voluptatiate prem fuga.