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Organização
Evandra Grigoletto Fabiele Stockmans De Nardi Fernanda Correa Silveira Galli Helson Flávio da Silva Sobrinho
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ENTRE O URBANO E O DIGITAL: EFEITOS CONTRADITÓRIOS ORGANIZAÇÃO
A obra que ora apresentamos resulta das profícuas discussões realizadas em encontros e reuniões de pesquisa e, especialmente, ao longo do V Seminário de Estudos em Práticas de Linguagem e Espaço Virtual (SEPLEV), organizado pelo Núcleo de Estudos em Práticas de Linguagem e Espaço Virtual (NEPLEV), com sede na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em parcerias interinstitucionais com a UFAL, UFF e UFSB.
Com o tema ―Tensões entre o urbano e o digital: discursos, arte, política(s)‖, a edição de 2020 foi realizada no formato online, em decorrência da pandemia do novo coronavírus, tendo sua programação voltada apenas às mesas temáticas e aos minicursos, propostos por pesquisadores/as convidados/as a participar do evento e, posteriormente, a produzirem os textos que integram o presente e-book. Divididas em quatro eixos temáticos – a saber: Sobre o político e o digital; Sobre o político e as línguas; Sobre o político e as artes; Sobre a arte e luta política: uma conversa –, as reflexões aqui reunidas expressam a urgência e o compromisso de, enquanto pesquisadores/as, seguirmos debatendo, persistindo, reexistindo no/pelo discurso, na/pela arte, nos/pelos gestos de interpretação sempre passíveis de tensão (MARANDIN; PÊCHEUX, [1984] 2011), no emaranhado entre o urbano e o digital. Assim, os textos desta coletânea, de diferentes modos, retornam à análise de materialidades no espaço dos discursos, da arte e da política.
No primeiro eixo – Sobre o político e o digital –, os artigos dão conta de refletir sobre diferentes materialidades que circulam no digital, mas que produzem efeitos no urbano e/ou são recortes de flagrantes urbanos (LUNKES; DELA SILVA, 2020). De comentários no twitter a matérias de jornais online, são tematizadas questões como raça, classe, conservadorismo, machismo e, como não poderia deixar de ser, a pandemia da COVID-19, que tanto nos afetou e ainda nos afeta de modo incontornável. Podemos dizer também que incontornável é a relação entre o urbano e o digital, tensionada nesta seção, a partir de temas que envolvem o político, marcado pela divisão dos sentidos, mas também a política. A política que está presente no nosso cotidiano e que constitui dialeticamente nossas relações na formação social a qual ―se caracteriza por meio do modo de produção que a domina, por um estado determinado pela relação entre classes que a compõem.‖ (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 2020, p. 33). As temáticas tratadas nessa seção, que, de modo contundente, circulam nas redes sociais digitais, atravessam a formação social brasileira,
colocando em disputa não só os sentidos que os constituem, mas também as classes sociais que os representam. Das redes às ruas, ou das ruas às redes, fato é que os discursos que pautam temas da política nacional estão emaranhados, entrelaçados, inscrevem-se nesses espaços e produzem efeitos contraditórios. Portanto, o político está no digital, mas também na cidade, assim como o digital está na política e na cidade, o que produz efeitos na nossa formação social capitalista e determina os modos de individuação dos sujeitos.
E o que mais se trama nesse emaranhado das tensões entre o urbano e o digital? Embora infinitas sejam as possibilidades de resposta para essa questão, certamente entre elas estão os sujeitos, a educação e as línguas, que são abordadas nos artigos que compõem o segundo eixo, Sobre o político e as línguas. De alguma forma, sempre estão em nós, entre nós, as línguas, fazendo trama, tecendo histórias. A questão da educação e das línguas se coloca nos artigos que compõem esta obra a partir de uma exigência de deslocamento, tanto da instrumentalização das línguas como de seu caráter utilitário, reclamando um lugar no qual se possa pensá-las por meio de práticas educativas que abram o caminho do direito às línguas, em sua pluralidade, rompendo com uma história que, no Brasil, se faz pela negação das línguas outras que nos constituem e do direito às línguas, em sua diversidade, como formas de estar no mundo, de transitar por ele, reconhecendo na alteridade a possibilidade de atravessar espaços, produzir movência.
A luta ideológica de classes que se encrava nos espaços urbanos e também no digital não é alheia à educação e, portanto, à escola. Essa instituição, enquanto um dos Aparelhos Ideológicos de Estado (ALTHUSSER, 1985), exige de nós a consideração de que é ela também o lugar da luta de classes e, que, portanto, toda forma de organização escolar, toda prática que se realize neste espaço traz consigo as marcas do embate incessante de que são parte os sujeitos e as línguas, os espaços e os discursos sobre eles. Se a escola historicamente contribui para a manutenção-reprodução dos lugares, não podemos esquecer que também é ela espaço privilegiado de resistência, ruptura e transformação. Novos modos de dizer-pensar as línguas da/na escola, portanto, podem fazer emergir outra formas de ler para os sujeitos, ler em línguas, ler as línguas e por elas dizer-se, fazendo-as aparecer a partir de uma perspectiva intercultural (CANDAU, 2016; WALSH, 2019) que aponte para práticas decoloniais no campo das línguas, deixando à mostra como o político e o ideológico se encravam nas línguas e nas práticas de que são objeto.
O terceiro eixo – Sobre o político e as artes – reúne artigos que tocam o político, o artístico, o poético, com olhares para diferentes materialidades. Pensar o político é pensar a inscrição do sujeito e do(s) dizer(es) que se marca(m), se faz(em) presente(s) nos
desdobramentos dos sentidos, no atravessamento de tantos outros sentidos, divididos e contraditórios. Esses des-encontros e des-arranjos entre sujeitos e sentidos nos mostram que é preciso, sempre, ―[...] se despedir do sentido que reproduz o discurso da dominação, de modo que o irrealizado advenha formando sentido do interior do sem-sentido‖, nas tensões entre o urbano e o digital que nos permitem ―mudar, desviar, alterar o sentido das palavras‖ (PÊCHEUX, 1990, p.17). Assim, no jogo entre tempos diferentes e espaços singulares, das ruas às redes e das redes às ruas, os efeitos do artístico e do poético emergem enquanto gestos de leitura ―que são movidos de resistência e re-existência‖ (NECKEL, 2021, p.198), tanto na teoria quanto na luta política. Ou, como diria Pêcheux (2011, p.273), ―[n]a [sempre] luta de classes ideológica [que] é uma luta pelos sentidos das palavras, expressões e enunciados, uma luta vital por cada uma das classes sociais opostas que têm se confrontado ao longo da história.‖.
Encerramos este e-book com o eixo Sobre a arte e luta política: uma conversa, em que o leitor/a vai encontrar o belo texto de Cláudia Mesquita, Vinícius Andrade de Oliveira e Aiano Bemfica, em que os/as autores/as, em diálogo, nos convidam a olhar para a luta popular e seus processos, especialmente no que se refere à proletarização dos espaços urbanos. Num movimento de exercício político e teórico, os/as autores/as nos provocam a pensar sobre os modos de registro dessas lutas e, entre eles, a produção de documentários, trabalhando sobre a urgência da luta política e o desafio estético nesse modo de dizer sobre o outro, com o outro como que coloca o sujeito documentarista entre a luta e a arte. Dizeres sobre o urbano e suas lutas, sobre arte, compromisso social e memória que nos desafiam a desacomodar o olhar.
Este trabalho coletivo, fruto de nossas práticas científicas e de nossas relações de afeto, convida o/a leitor/a à reflexão, a pensar no/sobre o espaço digital entrelaçado no urbano em suas particularidades e contraditoriedades. Espaços de reproduções e, também, de lutas transformadoras. Espaços nos quais exalam sujeitos ardentes, desejantes e inquietos. A todos/as, uma boa leitura!
Referências
ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985. CANDAU, V. M. F. ―'Ideias-força' do pensamento de Boaventura de Sousa Santos e a educação intercultural. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 32, n. 1, p. 15-34, jan./mar. 2016.
HAROCHE, C.; PÊCHEUX, M.; HENRY, P. A semântica e o corte saussuriano: língua, linguagem, discurso. In: BARONAS, R. L. (org.). Análise de discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de formação discursiva. Araraquara: Letraria, 2020. p. 17-39.
LUNKES, F; DELA SILVA, S. ―Lembrar é resistir‖(?): Discursos sobre o regime militar em disputa. Revista da ABRALIN, v. 19. n. 3, p. 348-364, dez. 2020. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/1705. Acesso em: 14 nov. 2021. MARANDIN, J.-M.; PÊCHEUX, M. Informática e Análise do Discurso. In: PIOVEZANI, C.; SARGENTINI, V. (org.). Legados de Michel Pêcheux: inéditos em análise do discurso. São Paulo: Contexto, [1984] 2011. p. 111-115. NECKEL, N. R. M. Sem Título: DeNegrindo a escrita e suleando conceitos... um ato de fertilização. Análise de Discurso em Rede: Cultura e Mídia. 1. ed. Campinas-SP: Pontes, 2021. v. 5, p. 185-201. PÊCHEUX, M. As massas populares são um objeto inanimado? In: ORLANDI, E. P. (org.) Análise de discurso: Michel Pêcheux. Campinas-SP: Pontes Editores, 2011. PÊCHEUX, M. Delimitações, inversões, deslocamentos. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, n. 19, 1990. WALSH, C. Interculturalidade e decolonialidade do poder: um pensamento e um posicionamento ―outro‖ a partir da diferença colonial. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), v. 5, n. 1, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/revistadireito/article/view/15002/10532. Acesso em: 31 out. 2022.
EVANDRA GRIGOLETTO FABIELE STOCKMANS DE NARDI FERNANDA CORREA SILVEIRA GALLI HELSON FLÁVIO DA SILVA SOBRINHO