Elegância mais que discreta

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Sábado 16 .5.2015

O GLOBO

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O CHARME DO NERUA, RESTAURANTE DO CHEF JOSEAN ALIJA, NO GUGGENHEIM BILBAO REPRODUÇÕES

COCO , morangos e banana na sobremesa

ESPINAFRE, leite de amêndoas e azeite de oliva: um dos destaques

ELEGÂNCIA MAIS QUE DISCRETA ANDREA D’EGMONT cadernoela@oglobo.com.br -BILBAO, ESPANHA-

contraste entre o minimalismo sutil do restaurante Nerua e a imponência e a grandiosidade do prédio revestido de titânio que o abriga, o Museu Guggenheim Bilbao, obra do arquiteto americano Frank Gehry, é enorme. Parte do charme da casa do chef Josean Alija tira partido dessa diferença. Enquanto o museu busca ostentar, o restaurante timidamente se recata: ele apostou no despojamento para melhor demonstrar a sua arte. O discretíssimo acesso principal é independente da entrada do museu e fica ao lado da escultura Mamam, a célebre “Aranha”, de Louise Bourgeois. Antes de chegar às mesas, os clientes passam pela cozinha,

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que não tem portas. É ali onde trabalham, silenciosamente e em perfeita harmonia, mais de 30 pessoas. O espaço é claro, simples e despretensioso. No salão neutro, marcado por detalhes, tudo se encaixa e faz sentido. As cadeiras são bonitas, confortáveis e em madeira clara; o teto é ondulado, reproduzindo o mesmo efeito que faz o vento ao soprar as águas do rio Nevrion, que margeia o museu. O ambiente do Nerua é agradável, e parece que tudo é feito para proporcionar tranquilidade e conforto. Um acolhimento que ajuda a atenuar o impacto da beleza acachapante do prédio, uma obra de arte em si, e que prepara os sentidos para novas sensações. O chef Josean Alija, que gosta de voar de parapente e de navegar, arqueia as eriçadas sobrancelhas e sorri para falar sobre sua ligação visceral com Bilbao, a cidade onde nasceu, e sua principal fonte de inspiração: — Busco na história da minha terra, que se refez tantas vezes, e

O CHEF Josean Alija: menu surpreendente e zero afetação

A ENTRADA

independente do restaurante

O NOVO RESTAURANTE DO CHEF PORTUGUÊS RUI PAULA

A CASA DE CHÁ ESTÁ FUSION O

À ESQUERDA , o salão da casa de chá. À direita, pratos do cardápio da casa

BEBEL MORAES cadernoela@oglobo.com.br -PORTO, PORTUGAL-

projeto é um dos primeiros do badalado arquiteto Álvaro Siza Vieira, o mesmo que assina os melhores lugares do Porto, incluindo a Piscina das Marés, logo ali ao lado. Siza Vieira ainda estava desenhando seus primeiros traços quando, em 1958, criou a Casa de Chá da Boa Nova, uma construção em cima dos rochedos da Boa Nova e à beira da Praia de Leça de Palmeira. Virou um ponto turístico para quem vai ao Porto e dá uma esticada até Matosinhos. Acontece que, há alguns anos, tempestades destruíram parte da construção, que foi abandonada. Até que, ano passado, o chef Rui Paula (DOC, no Douro;

DOP, no Porto; e ainda do Rui Paula Recife, em Recife) abriu ali a Casa de Chá, que, em um super esforço, voltou a ser como no projeto original, das telhas ao mobiliário. Na nova casa, ele pretende

seguir o sucesso conquistado nas outras (quem sabe até abocanhar uma estrela Michelin?), além de servir “os melhores peixes e mariscos do mundo” em receitas fusion, com espumas, esferas e maneiras inusi-

tadas de apresentações. São opções de menu degustação como “O mar e a terra” e “Atlântico”, com nove pratos fixos e mais cinco surpresas do chef. E ainda tem uma vista linda e o barulho do mar. l

nos produtos regionais, a essência dos meus pratos. Dou ênfase aos vegetais, peixes e frutos do mar Cantábrico, onde desemboca o rio que passa por aqui. Para mim, a comida precisa ter alma, com cérebro e conhecimento. A comida de Josean é versátil, tem frescor, sabor, harmonia e delicadeza. Vieira com caldo de peixe e uva, ouriço com aipo e broto de alcachofra, espinafre com leite de amêndoa e azeite, cabelo de anjo de abóbora com banana e sorvete de limão são alguns destaques. Sua carta de vinhos é respeitável e oferece também uma harmonização de sumos e infusões não-alcoóli-

cas. O café é servido em xícaras com design de Anish Kapoor. O serviço é excelente, e, de acordo com o chef, segue a máxima de Aristóteles, de que excelência não é um ato, é um hábito. Josean já recebeu entusiasmados elogios de Paul Bocuse, diversos prêmios na Espanha, participou do documentário “Os artistas do gosto”, e seu Nerua ostenta uma estrela Michelin. O registro do trabalho que ele e sua equipe fizeram com o café verde faz parte da recéminaugurada Expo Milano. O restaurante, assim como o chef Josean, é surpreendente, coerente e, o melhor: sem afetação. l

FOTOS DE DANIEL MATTAR


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