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Capítulo 20 — O Maior Perigo do Homem

Este capítulo é baseado em Lucas 12:13-21.

Cristo estava ensinando, e, como de costume, reuniram-se em redor outras pessoas, além dos discípulos. Falara aos discípulos de cenas em que em breve tomariam parte. Deviam proclamar as verdades a eles confiadas, e seriam levados a conflitos com os governantes deste mundo. Por Sua causa seriam intimados a tribunais, e perante juízes e reis. Prometeu-lhes sabedoria que ninguém poderia contradizer. Suas palavras que moviam o coração da multidão e confundiam os sagazes adversários, testemunhavam do poder daquele Espírito imanente, que prometera a Seus seguidores. {PJ 130.1}

Havia muitos, porém, que ansiavam a graça do Céu unicamente para servir a seus propósitos egoístas. Reconheciam o maravilhoso poder de Cristo de expor a verdade em clara luz. Ouviam a promessa a Seus seguidores, de sabedoria para falar perante governadores e juízes. Não lhes concederia também poder para seu proveito material?

{PJ 130.2}

“E disse-Lhe um da multidão: Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança.” Lucas 12:13. Deus dera por Moisés instruções a respeito da transmissão de propriedade. O primogênito recebia uma porção dobrada das posses do pai (Deuteronômio 21:17), enquanto os mais jovens recebiam o restante em partes iguais. Este homem julga que seu irmão o defraudou de sua herança. Seus próprios esforços falharam para ganhar o que considerava seu de direito; porém, se Cristo Se interpusesse, a intenção certamente seria alcançada. Ele ouvira os fortes apelos de Cristo e Suas solenes denúncias contra os escribas e fariseus. Se palavras de tal autoridade fossem dirigidas a este irmão, não ousaria recusar ao queixoso sua cota. {PJ 130.3}

No meio da solene instrução que Cristo dera, este homem revelou sua disposição egoísta. Podia apreciar aquela habilidade do Senhor que serviria à promoção de seus negócios temporais; porém, as verdades espirituais não lhe impressionavam a mente nem o coração. A obtenção da herança era o tema que o enlevava. Jesus, o Rei da glória, que era rico mas por nossa causa Se tornou pobre, lhe estava abrindo os tesouros do amor divino. O Espírito Santo com ele pleiteava para que se tornasse herdeiro do tesouro “incorruptível, incontaminável e que se não pode murchar”. 1 Pedro 1:4. Vira as evidências do amor de Cristo. Agora tinha a oportunidade de falar ao grande Mestre e de exprimir o mais íntimo desejo do coração. Como o homem com o ancinho na alegoria de Bunyan, seus olhos estavam fixos na Terra. Não viu a coroa sobre sua cabeça. Como Simão Mago, estimava a dádiva de Deus como meio de alcançar lucros materiais. {PJ 131.1}

A missão do Salvador na Terra estava próxima do fim. Restavam-Lhe poucos meses para concluir aquilo a que viera, isto é, estabelecer o reino de Sua graça. Contudo, a cobiça humana tentava desviá-Lo de Sua obra para resolver a contenda sobre um pedaço de terra. Mas Jesus não podia ser distraído de Sua missão. Retrucou: “Homem, quem Me pôs a Mim por juiz ou repartidor entre vós?” Lucas 12:14. {PJ 131.2}

Jesus podia ter dito a esse homem justamente o que era correto. Sabia quem neste caso tinha razão; porém os irmãos estavam em desavença porque eram avarentos. Cristo disse, com efeito: Não Me compete a Mim a tarefa de decidir controvérsias de tal espécie. Viera com outro propósito, isto é, pregar o evangelho e assim despertar os homens para o senso das realidades eternas. {PJ 131.3}

Na atitude de Cristo nesse caso há uma lição para todos os que ministram em Seu nome. Quando enviou os doze, disse: “E, indo, pregai, dizendo: É chegado o reino dos Céus. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai.” Mateus 10:7, 8. Não tinham que resolver as questões temporais do povo. Sua obra era persuadir os homens para que se reconciliassem com Deus. Nesta obra consistia seu poder para abençoar a humanidade. O único remédio para os pecados e sofrimentos dos homens é Cristo. Unicamente o evangelho de Sua graça pode curar os males que amaldiçoam a sociedade. A injustiça do rico para com o pobre, e o ódio dos pobres para com os ricos, ambos têm a raiz no egoísmo; e este, somente pode ser desarraigado pela submissão a Cristo. Ele, unicamente, substitui o cobiçoso coração do pecado pelo novo coração de amor. Preguem os servos de Cristo o evangelho com o Espírito enviado do Céu e como Ele trabalhem para o benefício dos homens. Então, hão de se manifestar no abençoar e soerguer a humanidade, resultados cuja realização seria totalmente impossível pelo poder humano. {PJ 131.4}

Nosso Senhor bateu na raiz da questão que turbava este interlocutor e de todas as disputas semelhantes, dizendo: “Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui.” Lucas 12:15. {PJ 132.1}

“E lhes proferiu ainda uma parábola, dizendo: O campo de um homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus.” Lucas 12:16-21. {PJ 132.2}

Pela parábola do rico insensato mostrou Cristo a loucura dos que fazem do mundo seu tudo. Este homem recebera tudo de Deus. Ao Sol fora permitido brilhar sobre sua propriedade; pois seus raios caem sobre justos e injustos. A chuva desce do céu do mesmo modo sobre maus e bons. O Senhor fizera que a vegetação florescesse e os campos produzissem abundantemente. O rico estava em perplexidade sobre o que devia fazer com a colheita. Seus celeiros estavam superabarrotados, e não tinha lugar para o excedente. Não pensou em Deus, de quem vieram todas as dádivas. Não reconheceu que Deus o fizera mordomo de Seus bens, para que socorresse os necessitados. Tinha a abençoada oportunidade de se tornar distribuidor das bênçãos de Deus, porém unicamente pensou em administrar ao próprio conforto. {PJ 132.3}

A situação do pobre, do órfão, da viúva, do enfermo, do aflito, foi trazida à atenção desse rico. Havia muitos lares nos quais distribuir seus bens. Podia ele facilmente privarse de uma porção de sua abundância e muitas famílias poderiam ser libertas das privações, muito faminto poderia ser saciado, vestido muito nu, muito coração alegrado, respondida muita súplica por pão e roupa, e uma melodia de louvor teria ascendido ao Céu. O Senhor ouvira a oração do necessitado, e em Sua bondade tomara providência para o pobre. Salmos 68:10. Havia na bênção outorgada ao rico abundante provisão para a indigência de muitos. Cerrou ele, porém, o coração ao clamor do indigente, e disse aos servos: “Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os 133meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te..” Lucas 12:18, 19. {PJ 132.4}

A aspiração desse homem não era mais elevada que a das bestas que perecem. Vivia como se não houvesse Deus, nem Céu, nem vida futura; como se tudo que possuía lhe pertencesse, e nada devesse a Deus nem aos homens. Descreve o salmista esse rico, ao dizer: “Disseram os néscios no seu coração: Não há Deus.” Salmos 14:1. {PJ 133.1}

Esse homem vivera e planejara para o eu. Vê que há bastante provisão para o futuro; nada mais lhe resta agora senão entesourar e desfrutar o fruto de seu trabalho. Considerase favorecido sobre os outros homens, e confere a si mesmo a honra de ter administrado sabiamente. É honrado pelos concidadãos como homem de bom discernimento e próspero. Porque “os homens” te louvam, “quando faz bem a si mesmo”. Salmos 49:18. {PJ 133.2}

Mas “a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus”. 1 Coríntios 3:19. Enquanto o rico está prevendo anos de prazeres, o Senhor faz planos muito diferentes. Veio a este mordomo infiel a mensagem: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma.” Eis uma exigência que o dinheiro não pode satisfazer. O tesouro por ele acumulado não pode alcançar revogação. Num momento torna-se sem valor aquilo para cujo ganho trabalhara a vida toda. “E o que tens preparado para quem será?” Lucas 12:20. Seus largos campos e celeiros abarrotados escapam a seu controle. “Amontoam riquezas e não sabem quem as levará.” Salmos 39:6. {PJ 133.3}

A única coisa que lhe seria de valor agora, não a adquiriu. Vivendo para o próprio eu, rejeitou o amor divino, que fluiria em misericórdia para com seus concidadãos. Assim obrando, rejeitou a vida; porque Deus é amor, e amor é vida. Este homem escolheu o material em vez do espiritual, e com o material tem que sucumbir. “O homem que está em honra, e não tem entendimento, é semelhante aos animais, que perecem.” Salmos 49:20. “Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus.” Lucas 12:21. A ilustração é aplicável a todos os tempos. Podeis planejar meramente para a própria satisfação egoísta, acumular tesouros, construir mansões grandes e altas como os arquitetos da antiga Babilônia; porém, não podeis arquitetar um muro tão alto e um portal tão forte que exclua os mensageiros da vingança. O rei Belsazar dava um grande banquete, e louvava “aos deuses de ouro, de prata, de cobre, de ferro, de madeira e de pedra”. Daniel 5:4. Mas a mão do Invisível escreveu na parede aquelas palavras de condenação, e o ruído do exército inimigo foi ouvido nos portões do palácio. “Naquela mesma noite, foi morto Belsazar, rei dos caldeus”, e um rei estrangeiro subiu ao trono. Daniel 5:30. {PJ 133.4}

Viver para si mesmo é perecer. A avareza, o desejo de beneficiar a si próprio, compromete a vida. É de Satanás o espírito de ganhar e atrair para si. De Cristo é o espírito de dar e sacrificar-se em benefício dos outros. “E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em Seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida.” 1 João 5:11, 12. {PJ 134.1}

Portanto diz: “Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui.” Lucas 12:15. {PJ 134.2}

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