Curso Prático para Consumidores: Como defender seus direitos de consumidor Apresentação Olá! Bem vindo ao Curso Prático para Consumidores do PROCON Carioca sobre como defender seus direitos. Este curso foi desenvolvido para todos os consumidores da cidade do Rio de Janeiro, bem como para os profissionais que trabalham com a defesa do consumidor. Somos todos consumidores nessa sociedade do consumo. Dependemos dos produtos e serviços colocados a nossa disposição para vivermos com o mínimo de dignidade. Essa dependência nos coloca em uma posição de risco e de desvantagem perante aqueles que são responsáveis por fornecer esses bens de consumo no mercado. Por isso, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece normas especiais que reconhecem a vulnerabilidade do consumidor e o protege perante abusos cometidos pelos fornecedores de produtos e serviços. A Lei 8078 de 1990, conhecida como Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – CDC, estabelece diversos mecanismos que facilitam a defesa dos consumidores. Além disso, são vários os órgãos em que os cidadãos podem exercer o direito de acesso à justiça para a defesa de seus direitos como consumidor. É imprescindível que todos os consumidores conheçam esses instrumentos legais a sua disposição, as entidades disponíveis para defesa dos seus direitos, e saibam como agir. Esse conhecimento contribui para o
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desenvolvimento de um mercado de consumo mais respeitoso e para a melhor qualidade de vida na sociedade. É também papel dos órgãos de defesa do consumidor a educação dos cidadãos sobre seus direitos a fim de fortalecer suas autonomias e suas capacidades de defesa. A partir da sua função educadora o PROCON Carioca pretende colaborar para que consumidores e fornecedores mantenham uma relação harmoniosa, equilibrada e pautada na boa-fé, princípios fundamentais da Política Nacional das Relações de Consumo.
Este curso tem duração de 10 horas e foi dividido em 7 módulos de curta duração:
I.
Os órgãos de defesa do consumidor, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e o Poder Judiciário;
II. Reclamações diretas aos fornecedores - como e quando fazer; III. As funções dos órgãos administrativos e de representação coletiva dos consumidores e as denúncias; IV. Processos Judiciais – começo, meio e fim – e instrumentos processuais para a defesa dos consumidores; V. Provas documentais – relevância e organização VI. Danos Morais no Direito do Consumidor VII. Oficinas Práticas
Em cada módulo teremos contato com noções básicas sobre os mecanismos e órgãos de defesa do consumidor e sobre como melhor aproveitálos.
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É muito importante que os alunos tenham contato com o texto legal previsto na Lei 8078/90, e busquem também aprofundar seus conhecimentos a partir dos diversos manuais e livros voltados para a formação e educação de consumidores sobre seus direitos. Este material didático não deve ser visto como uma cartilha ou um manual de defesa do consumidor, porque não esgota todos os assuntos e questões sobre o tema, devendo ser utilizado em complementação às aulas do curso do Procon Carioca. Mesmo concluindo este curso, se você tiver qualquer dúvida sobre seus direitos não esqueça de procurar o PROCON Carioca pelo telefone 1746 ou informar-se pelo site http://www.rio.rj.gov.br/web/proconcarioca . Bons estudos !
INTRODUÇÃO – A sociedade de consumo e o direito do consumidor
Para entendermos a razão de existência dos órgãos de defesa do consumidor e do acesso facilitado ao Poder Judiciário para os consumidores, precisamos retomar algumas noções iniciais sobre os pressupostos dos direitos do consumidor, o contexto social e econômico em que se desenvolvem as relações de consumo:
A sociedade de consumo de massas.
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De maneira simplificada, podemos compreender a sociedade de consumo como sendo o estilo de vida na sociedade atual em que tudo gira em torno dos produtos e serviços que necessitamos para nossa sobrevivência e convívio social.
Por um lado as necessidades de consumo tornam o consumidor o principal personagem nesta sociedade. Por outro, a enorme demanda por produtos e serviços gera para os indivíduos uma grave dependência perante os bens de consumo.
“Na atualidade, o capitalismo do consumo tomou o lugar das economias de produção. Passou-se de uma sociedade centrada na oferta para uma sociedade focada na procura. E o consumidor, nesse novo mundo, ganhou um protagonismo nunca antes vivenciado. Cidadania e consumo são conceitos que se interligam, não em termos de institucionalização de direitos, mas no sentido de que o consumo passou a ser alvo e objeto de todas as atenções da vida das pessoas, o que significa que o mercado se tornou o grande espaço público de vivência” (Escola Nacional de Defesa do Consumidor. Consumo Sustentável - Cadernos de Investigações Científicas, volume 3. Brasília, 2013, pg. 30).
Alguns elementos básicos da sociedade de consumo podem ser destacados: •
Produção em massa;
•
Dependência dos produtos e serviços;
•
Alta taxa de descartabilidade das coisas;
•
Presença da Moda;
•
Sentimento de insaciabilidade;
•
Consumidor: o principal personagem.
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Todos esses fenômenos presenciados na sociedade de consumo geram efeitos claros nas relações entre os consumidores e fornecedores de produtos e serviços, que precisam ser controlados pela Lei. Naturalmente
as
relações
de
consumo
são
pautadas
pelo
desequilíbrio de poderes entre consumidores, que dependem muito dos bens de consumo, e os fornecedores, que diante de sua extensa produção acabam por ver o indivíduo como “apenas mais um cliente”. Nas relações de consumo, os consumidores sempre estão numa posição de desvantagem perante a parte contrária (o fornecedor).
Essa situação caracteriza a ideia principal que define a figura do consumidor: VULNERABILIDADE
C.D.C., Art. 4º - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade consumidor no mercado de consumo;
do
Vulnerabilidade é a característica que coloca o consumidor em posição de desvantagem perante o fornecedor, e significa sua constante situação de riscos de lesão à sua segurança, saúde e patrimônio, em face dos
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perigos de defeitos e falhas dos produtos e serviços produzidos e fornecidos em série.
MÓDULO I – Os órgãos de defesa do consumidor, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e o Poder Judiciário;
A Constituição Federal Brasileira, por sua vez, reconhece a necessidade do Poder Público auxiliar o consumidor na defesa dos seus direitos.
A nossa Constituição reconhece a situação de vulnerabilidade e de desvantagem do consumidor no mercado e, a partir dessa ideia, garante ao cidadão brasileiro o direito fundamental de ser defendido pelo Estado nos seus conflitos de consumo:
C.F., art. 5º, XXXII: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; Esse é o fundamento constitucional para a existência dos órgãos de defesa do consumidor. Para cumprimento desse dever fundamental do Estado, um conjunto de órgãos públicos foram sendo criados e fortalecidos com o objetivo de receber
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as demandas e reclamações dos consumidores e, de alguma forma, promover a sua defesa. Podemos mencionar como exemplos principais desses órgãos os Procons, a Defensoria Pública e o Ministério Público. Também é papel do Estado o estímulo ao surgimento e à existência de Associações Civis de Consumidores, entidades privadas sem fins lucrativos, que se dedicam à proteção dos interesses e direitos de cidadãos associados ou não a elas. Associações de Consumidores prestam grandes contribuições na conquista de direitos aos consumidores no Brasil e fazem parte da história do surgimento desses direitos em nosso país. E por fim, a partir do reconhecimento de que o consumidor está em desvantagem frente ao conhecimento técnico, experiências e poder econômico do fornecedor, as regras processuais e as condições de acesso destes indivíduos ao Judiciário também precisaram ser adaptadas a essa realidade. Para nortear a intervenção do Poder Público nas relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) estabelece os princípios da mencionada Política Nacional das Relações de Consumo. Dentre esses princípios podemos destacar neste momento: Art. 4º, [...] II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; [...]
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Para que os princípios da Política Nacional das Relações de Consumo possam ser cumpridos, o CDC garante ao Estado diversos instrumentos:
Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros: I - manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente; II - instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público; III - criação de delegacias de polícia especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações penais de consumo; IV - criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo; V - concessão de estímulos à criação e desenvolvimento das Associações de Defesa do Consumidor.
As diversas entidades de defesa do consumidor reunidas, de natureza pública ou privada, integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor SNDC. O SNDC é coordenado pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor – SENACON, órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
CDC, Art. 105. Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor.
Esse Sistema Nacional corresponde a um conjunto de entidades dedicados à defesa dos consumidores no Brasil. O Professor Marcelo Gomes Sodré, em seu histórico estudo sobre a formação do SNDC, na busca pela sua identidade e dos seus papéis constitucionais, definiu ‘sistema’ como um:
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“conjunto de entidades políticas e sociais, estruturado de forma organizada, no qual as partes se relacionam entre si, a partir de princípios ou ideias comuns, encaradas quer do ponto de vista teórico, quer de sua aplicação prática, visando um resultado” (SODRÉ, Formação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. 2007, p. 174).
Todas as entidades integrantes deste Sistema têm atribuições específicas para a defesa dos consumidores em face dos abusos cometidos por alguns fornecedores no mercado. Em conjunto, as entidades que compões o SNDC reúnem forças e ideias para o desenvolvimento de estratégias para fortalecimento da mencionada Política Nacional das Relações de Consumo, e das formas de sua execução. Passaremos a apresentar impressões básicas sobre os principais integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, e os seus papéis na proteção desses direitos.
PROCONS Os Procons são órgãos normalmente vinculados aos Poderes Executivos Estaduais ou Municipais. Vários papéis são desempenhados por estes órgãos executivos. Sua principal função é a atuação fiscalizatória das condutas dos fornecedores de produtos e serviços e punitiva frente às práticas que desrespeitam as normas de defesa do consumidor.
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Neste sentido, os Procons recebem demandas dos consumidores e registram suas reclamações, a fim de apurar sua procedência e aplicar as medidas coercitivas aos fornecedores de bens de consumo, quando cabíveis. Várias são as punições que podem ser aplicadas pelos PROCONs aos fornecedores de produtos e serviços que violam as regras de proteção aos consumidores: CDC, art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; II - apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensão temporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda.
Além disso, estes órgãos públicos exercem um importante papel na solução dos conflitos entre consumidores e fornecedores realizando audiências entre as partes com o objetivo de intermediar um acordo que ponha um fim ao problema apresentado. Em todo país, os Procons Estaduais e Municipais apresentam um elevado índice de solução das reclamações de consumo que lhe são levadas, intermediando com sucesso acordos entre consumidores e fornecedores denunciados. Mesmo antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor os Procons já representavam um dos principais personagens na defesa dos consumidores brasileiros. Com o passar dos anos, continuam sendo as instituições mais próximas dos consumidores na defesa dos seus interesses.
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DEFENSORIA PÚBLICA Na defesa dos seus direitos, grande parte dos consumidores brasileiros necessita do atendimento e acompanhamento da Defensoria Pública. Conforme prevê a Constituição Brasileira,
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.
Dedica-se a Defensoria à representação em juízo dos consumidores necessitados, assim entendidos aqueles cuja renda impossibilita a contratação de advogados particulares. Sendo assim, este órgão exerce uma atividade de advocacia gratuita aos consumidores brasileiros de baixa renda, entre outros serviços que prestam aos cidadãos. Muitos consumidores que acabam não encontrando uma solução individual definitiva para seus problemas nos Procons, tanto pela complexidade da causa, como pela ausência de sucesso na tentativa de acordo promovida pelo órgão, necessitam do auxílio de defensores públicos na propositura de ações perante o Poder Judiciário. A Lei Complementar 80 de 1994 estabelece como função institucional das Defensorias Públicas (Estaduais ou Federal) a defesa dos direitos do
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consumidor necessitado, assim entendido, aquele de baixa renda que não pode arcar com honorários de advogados particulares:
Lei
Complementar
80/1994,
Art. 4º
São
funções
institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; [...] VIII – exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal;
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro não exige um valor máximo de renda para determinar quem pode ou não ser atendido pelo órgão: “Todas as pessoas que não tenham condições financeiras de contratar advogado e pagar despesas de processo judicial, ou por certidões, escrituras, etc, sem prejuízo do seu sustento e de sua família. Desta forma, o importante não é o valor do salário da pessoa mas se as despesas dela e de sua família permitem a contratação de advogado ou permitem que ela pague por documentos, certidões, etc” (Defensoria Pública Geral do Rio de Janeiro. Quem tem direito? Disponível em http://www.portaldpge.rj.gov.br).
O Estado do Rio de Janeiro conta com uma equipe de Defensores Públicos respeitada em todo país pela sua experiência na defesa dos cidadãos fluminenses em complexas causas de consumo.
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A Defensoria Pública do Rio de Janeiro mantém, inclusive, o NUDECON – Núcleo de Defesa do Consumidor, que atende os consumidores de todo o Estado na defesa dos seus direitos em ações judiciais que tratam de problemas com financiamento bancário, planos de saúde, danos sofridos por consumidores por defeitos de produtos e serviços, erros médicos, entre outros. São causas individuais que, pela complexidade, quando levadas ao Poder Judiciário, necessitam da participação de um profissional do Direito na defesa dos interesses do consumidor vítima. O Defensor Público é, portanto um advogado mantido pelo Estado e à disposição gratuita do consumidor de baixa renda. O NUDECON da Defensoria do Rio de Janeiro promove, além disso, um importante serviço no atendimento de pessoas endividadas, auxiliando na negociação extrajudicial de suas dívidas em sessões onde se fazem presentes os representantes das instituições financeiras credoras.
MINISTÉRIO PÚBLICO O Ministério Público é o clássico representante da coletividade de consumidores. Na proteção dos direitos do consumidor, o Ministério Público tem como principal função a representação dos interesses de toda a coletividade nas ações civis públicas (ações coletivas) que pode promover em face de um ou mais fornecedores de produtos e serviços. O M.P é o único que tem atribuição para instaurar inquérito civil, com poderes para investigar preliminar e extrajudicialmente fatos que correspondem a lesões que afetam a um grupo ou a toda sociedade de consumidores.
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Constituição Federal Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Lei 8265/93
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil para proteção Público do patrimônio público e social, Leipública, Orgânica do aMinistério do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos [...].
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: [...] IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos [...].
Assim como o Ministério Público, outros integrantes do SNDC possuem legitimidade para propositura de ações coletivas para proteção dos interesses de toda coletividade de consumidores, como os Procons, a Defensoria Pública e as Associações de Consumidores. As sentenças e decisões proferidas pelos Juízes e Tribunais nessas ações coletivas, quando benéficas, atingem não apenas uma pessoa, mas todos os consumidores envolvidos ou prejudicados pela prática combatida na ação. O Ministério Público é, na prática, o principal representante da coletividade nessas ações já que suas funções são naturalmente voltadas para a tutela de todo o grupo e não do indivíduo consumidor isoladamente.
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DELEGACIAS DO CONSUMIDOR Como o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro estabeleceu que algumas condutas específicas dos fornecedores que ferem os direitos e princípios básicos das normas de consumo são tipificadas como criminosas, passou a ser imprescindível a criação de Delegacias especializadas em crime contra as relações de consumo. Alguns dos principais crimes previstos na Lei (artigos 61 a 80 do CDC) e investigados pelas Delegacias do Consumidor são: a realização de publicidade enganosa ou abusiva, a colocação no mercado de consumo de produto ou serviço altamente perigoso ou nocivo à saúde e segurança dos consumidores, a realização de cobranças abusivas que ofendem os devedores, entre outros. Em muitos Estados, as Delegacias especializadas em Crimes contra Relações de Consumo também prestam uma grande contribuição na investigação sobre produtos alimentícios ou medicamentos contaminados ou adulterados, já que aproveitam os laboratórios e serviços de perícia técnica da Polícia Civil para elaboração de laudos detalhados sobre a origem desses problemas.
ASSOCIAÇÕES DE CONSUMIDORES A história do direito do consumidor no Brasil e no mundo coincide com a trajetória das associações civis de consumidores. Foram os movimentos civis organizados de consumidores que deram a principal contribuição para a aprovação, no Brasil, de normas de defesa do consumidor. Até hoje, boa parte das grandes conquistas de direitos pelos consumidores se deve à atuação dessas entidades privadas sem fins lucrativos,
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que não se dedicam apenas à defesa dos interesses dos seus membros e associados, mas também dos direitos de todos os cidadãos consumidores. Atualmente, o papel das associações de consumidores têm ganhado mais importância, já que o desenvolvimento da consciência crítica dos cidadãos sobre seus direitos colabora para a reunião das pessoas em grupos organizados, que por sua vez travam importantes batalhas diante dos abusos presenciados no mercado.
O PODER JUDICIÁRIO E O ACESSO À JUSTIÇA DOS CONSUMIDORES
Seja com o auxílio de algum dos órgãos de defesa do consumidor apresentados anteriormente, seja acompanhado de advogado particular, ou até mesmo sozinho, quando possível, o cidadão somente poderia receber uma resposta justa do Judiciário sobre o seu problema se as regras para o acesso à justiça fossem a ele facilitadas. A mesma desigualdade natural que o consumidor enfrenta nas suas relações de consumo, também poderá encontrar na busca pelos seus direitos em processos cíveis. O conhecimento técnico, o poder econômico e as experiências profissionais anteriores garantem aos fornecedores demandados em juízo uma boa vantagem em relação aos seus clientes, que nem sempre possuem experiência na abertura desses processos judiciais ou tem condições de superar alguns obstáculos naturais do processo. Por isso, o CDC estabelece alguns direitos básicos ao consumidor que correspondem a uma facilitação na defesa judicial dos seus interesses e do seu acesso à justiça.
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Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados; VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.
Algumas dessas facilidades são: a possibilidade do consumidor ajuizar ação na comarcado seu domicílio, independente do local onde tenha ocorrido o problema, ou tenha sido assinado o contrato ou da sede da empresa fornecedora (art. 101, I do CDC); a gratuidade da justiça (sem pagamento de custas) para as pessoas necessitadas (em se tratando da “Justiça Comum”), ou nos Juizados Especiais Cíveis.
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS Os Juizados Especiais são regulados pela Lei 9099/1995. Sua competência está limitada às causas cujo valor não supere o equivalente a 40 salários mínimos. Necessariamente são causas de baixa complexidade. Inclusive, se a causa levada pelo consumidor demonstrar ser de alta complexidade (porque
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precisa de realização de uma prova pericial, por exemplo, para tentar encontrar a verdade) a ação será julgada extinta. Se o valor da causa não ultrapassar 20 salários mínimos, o consumidor nem sequer precisa contratar advogado ou pedir designação de um para ele. Dentro deste limite, os próprios servidores do Juizado elaboram a petição inicial que servirá ao processo, a partir das alegações do consumidor autor. E o cidadão pode sozinho lutar por seus direitos durante todas as fases do processo em primeira instância. No módulo III apresentaremos outras informações sobre os trâmites no Juizado Especial e na Justiça Comum.
MÓDULO II – Reclamações diretas aos fornecedores - como e quando fazer
Antes de procurar um dos órgãos de defesa ou o Juizado Especial, o consumidor deve adotar algumas medidas para tentar solucionar sozinho o seu problema diretamente com o fornecedor de produtos. Um indivíduo conhecedor dos seus direitos e das formas de defendêlos é capaz de proteger seus interesses legítimos diante de situações de lesões ou de ameaças de danos. Portanto, é importante que o consumidor insatisfeito exerça sua autonomia reclamando diretamente ao fornecedor responsável na busca por uma solução rápida ou imediata. O registro das reclamações aos fornecedores, se não servir para a solução do problema, é também uma maneira
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importantíssima de o consumidor se resguardar para suas ações futuras na busca por justiça. Em alguns casos, a prova de que a reclamação foi devidamente registrada perante o fornecedor pode ser imprescindível para que o consumidor obtenha êxito na sua demanda contra aquele que insiste em não respeitar seus direitos. Tecnicamente, esses comunicados escritos podem ser chamados de Notificação Extrajudicial , que no Direito possui uma importância muito grande para resguardar a pessoa que se sente prejudicada. Elas podem ser encaminhadas por correio postal com aviso de recebimento, ou por e-mail. O importante é que o consumidor tenha prova de que seu comunicado foi recebido pelo fornecedor. Vamos analisar alguns casos resumidamente.
COBRANÇAS INDEVIDAS E RESTITUIÇÃO EM DOBRO Muitas vezes um consumidor se vê obrigado a pagar um valor injustamente, como uma conta de serviços que não contratou ou não utilizou, ou por produtos que não solicitou, ou mesmo por tarifas que tenham sido incluídas em contas mensais e que foram exigidas pelos fornecedores. São exemplos das chamadas cobranças indevidas. O Código de Defesa do Consumidor prevê que nestas situações o consumidor deverá ser restituído em dobro pelo fornecedor que recebeu o valor injustamente.
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Tais
situações
(consumidor
concretamente
pagando
valores
indevidamente) podem ocorrer por diversas razões, como a cobrança equivocada de valores por débito automático na conta corrente do consumidor, ou a inclusão de valores indevidos em contas de telefonia ou energia elétrica, ou pela ameaça de inclusão dos dados do consumidor em cadastro de inadimplentes.
Este dever do fornecedor de restituir o consumidor em dobro corresponde a uma espécie de compensação pelo gasto injusto do consumidor, ao mesmo tempo em que serve como uma penalidade civil para os fornecedores que insistem em cobrar valores indevidos de seus clientes. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que a expressão “engano justificável” prevista no artigo em análise, serve como defesa dos fornecedores para não serem condenados a devolver em dobro os valores pagos pelos consumidores nestas situações. O STJ entende que, além do consumidor ter efetivamente pago o valor indevido, é necessária a prova da má-fé ou culpa do fornecedor na cobrança indevida de valores, para que seja este condenado a restituir o consumidor em dobro. Na prática, nem sempre é simples para um consumidor provar que a cobrança indevida por parte do fornecedor não foi um simples engano
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justificável, e que, na verdade, este agiu de má-fé ou de forma culposa na cobrança dos valores. Uma forma do consumidor tentar se resguardar de que a cobrança indevida realizada pelo fornecedor não é um mero engano, e que a insistência deste na vontade de receber o valor se demonstra, em determinado caso, uma negligência ou como um indício de má-fé, é dar oportunidade ao fornecedor de se redimir antes da propositura da ação ou reclamação perante o PROCON. Imagine um consumidor que tenha enviado uma Notificação Extrajudicial (uma carta, reclamação ou comunicado escrito) ao fornecedor que está insistindo na cobrança de um valor indevido, antes ou mesmo depois de efetivar o pagamento deste valor, informando que discorda do pagamento deste valor, e pedindo que a cobrança seja cancelada ou que o valor seja restituído. Imagine ainda que, por fim, este consumidor acabe recebendo uma resposta negativa do fornecedor ou que não receba qualquer resposta em tempo hábil, se vendo obrigado a arcar com a perda injusta desta quantia. Tendo comunicado o fornecedor por escrito, este consumidor é capaz de provar que deu oportunidade à empresa de corrigir o seu engano. Mas que sua insistência na cobrança possa se configurar uma conduta de má-fé ou negligente, e assim, pleitear a restituição do valor não de forma simples, mas em dobro, conforme garante a Lei.
ATRASO
NO
CUMPRIMENTO
DA
OFERTA
E
SUSPENSÃO
DE
PAGAMENTOS Em um contrato, nenhuma parte que esteja inadimplente com sua obrigação pode exigir, mesmo assim, que a outra parte cumpra a sua respectiva. Trata-se de uma regra prevista no Código Civil que visa garantir o equilíbrio do contrato entre as partes.
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Nos casos em que uma pessoa demonstra risco de não cumprir sua obrigação contratual, a Lei garante então que a parte prejudicada possa suspender o cumprimento da sua obrigação até que a outra resolva a situação. É o que se conhece por Exceção de Contrato Não Cumprido: Código Civil Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
Imagine que você tenha comprado um conjunto de móveis modulados para sua casa. Que tenha escolhido um modelo em um projeto apresentado por uma loja especializada e combinou pagar o valor cobrado parceladamente. Provavelmente o vendedor estabeleceu um prazo para entrega do produto e posterior montagem em sua residência. Imagine que todas essas condições estejam estabelecidas num contrato firmado entre as partes. Sabemos que toda oferta apresentada pelo fornecedor, ou seja, as informações sobre o produto ou serviço e tudo que tenha sido combinado com seu cliente, o vincula e integra o contrato. Toda informação prestada sobre produtos e serviços a consumidores, por qualquer meio de comunicação, vinculam o fornecedor. A oferta, portanto, tem força de cláusula contratual, não podendo o fornecedor negar seu cumprimento.
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CDC - Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
Voltando ao caso exemplificado, imagine agora que o fornecedor atrase significativamente a entrega dos móveis adquiridos. E que após alguns contatos o consumidor é informado que não há previsão de entrega do bem. Por um lado, não é justo que o consumidor continue pagando as prestações em dia se a parte contrária não se prontifica a cumprir sua obrigação no prazo combinado, é até um risco de sofrer um prejuízo ainda maior. Por outro, se o consumidor simplesmente parar de pagar as prestações, corre o risco de sofrer as consequências de uma inadimplência, como a inclusão de seus dados em cadastros de proteção ao crédito, protesto em cartório dos boletos ou cheque, etc. Se o consumidor sente que sofre perigo de grave prejuízo mantendo o pagamento dos valores combinados mesmo sem ter garantias de que vai receber em breve o bem adquirido ou o serviço contratado, deve notificar extrajudicialmente o fornecedor, comunicando que o atraso por mais alguns dias (informados na comunicação) poderá acarretar a suspensão dos pagamentos.
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O que o consumidor está fazendo com este ato é constituir em mora o fornecedor.
Código Civil Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.
Constituído em mora, fica claro que o fornecedor está inadimplente com sua obrigação. E não podemos esquecer que o descumprimento da oferta permite, se assim preferir, que o consumidor requeira a rescisão do contrato e a restituição de todos os valores pagos além das perdas e danos. A reclamação registrada em forma de Notificação Extrajudicial serve tanto para que se considere a partir dela a rescisão do contrato (o cancelamento da compra, no nosso exemplo), como para que o consumidor possa suspender os pagamentos a princípio combinados, até que o fornecedor resolva a situação (entregando o produto ou o serviço, e cumprindo assim definitivamente a oferta). Em algumas decisões recentes o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou legítimo aos consumidores a suspensão do pagamento de parcelas à construtora de imóvel residencial que atrasa gravemente a conclusão da obra e a entrega do bem. Em outras, considerou válida a sustação pelos consumidores de cheques pré-datados por desacordo comercial, quando ocorreu descumprimento do contrato ou atraso no cumprimento da obrigação por parte de fornecedores. Havendo o comunicado prévio por escrito (notificação extrajudicial) enviado pelo consumidor antes da sustação do cheque, o protesto deste título configurou para o Tribunal dano moral a ser indenizado pelo fornecedor inadimplente.
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Muita atenção deve ser dada nos casos de compras por meio de financiamento bancário. Nestes casos o credor da dívida (das parcelas do pagamento) é uma instituição financeira, que, a princípio, pode não possuir relação com os atrasos na entrega de produtos pelo vendedor ou da prestação do serviço contratado. Nestes casos, deixar de realizar os pagamentos das prestações do financiamento ou empréstimo poderá trazer consequências danosas ao consumidor, como a certeza de inclusão de seus dados em cadastros de inadimplentes e o acréscimo de juros e multas, já que a instituição financeira pode não querer, num primeiro momento, aceitar a suspensão dos pagamentos. Em situações como essa deve o consumidor comunicar a situação também à instituição financeira, e caso não seja atendido, deve buscar o auxílio imediato dos órgãos de defesa do consumidor para melhor orientação ou o Juizado Especial, a fim de requerer ao Juiz a suspensão liminar das cobranças ou a rescisão do contrato, evitando suspender pagamentos sem a intervenção do Poder Público. É importante ressaltar que a suspensão de pagamentos por consumidores deve ser realizada com muita cautela mediante os procedimentos sugeridos acima, e somente deve ser levada a frente se o consumidor tiver a certeza de que poderá provar posteriormente, com documentos e notificações, que houve grave descumprimento do contrato ou da oferta pelo fornecedor. Sempre haverá o risco do consumidor ser cobrado judicialmente pelo não pagamento de contas ou parcelas, com acréscimo de multa e juros. Em sua defesa o consumidor deverá apresentar o conjunto de documentos que provam que o fornecedor é quem está ou esteve inadimplente, e que por isso já havia sido constituído em mora. E que a cobrança tal qual almeja o fornecedor não pode, portanto, proceder. Se o consumidor estiver em dúvida ou insegurança sobre a possibilidade de suspender pagamentos num caso concreto, deve recorrer
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previamente ao Poder Judiciário ou ao atendimento dos órgãos de defesa do consumidor.
Como vimos, o fornecedor inadimplente constituído em mora passa a ser responsável por todos os prejuízos que seu atraso ou descumprimento da oferta possa acarretar ao consumidor. Imagine, então, um consumidor que realizou uma compra ou contratou um serviço com pagamento por meio de cartão de crédito, e percebeu a inadimplência do fornecedor no cumprimento da oferta. Talvez sinta a vontade de cancelar a compra, e a necessidade de não pagar o valor integral da fatura, evitando o pagamento dos valores referentes à compra que está tentando cancelar. A reclamação ao fornecedor registrada servirá para o consumidor lhe cobrar os gastos com juros e taxas pelo não pagamento integral da fatura.
FALHAS NO SERVIÇO E CANCELAMENTO DO CONTRATO Uma das reclamações mais corriqueiras que existem entre os consumidores de serviços de telecomunicações (telefonia, internet, TV a cabo), assinatura de revistas e outros, é a dificuldade de realizar o cancelamento destes serviços. Seja por insatisfação com a qualidade do serviço, seja por mera desistência na continuidade, é comum que consumidores reclamem pelo tempo gasto e pelas várias tentativas de cancelamento. Em alguns casos se percebe a resistência do fornecedor em aceitar o cancelamento do serviço requerido pelo consumidor antes do prazo de vigência do contrato pela insatisfação do cliente com a sua qualidade.
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Em outros, por falhas ou má qualidade do sistema de atendimento ao consumidor, este se vê diante de infrutíferas tentativas de cancelamento por sua mera desistência quando cabível. Em casos assim, a comunicação por escrito de cancelamento do serviço ao fornecedor é imprescindível para que o consumidor evite ser cobrado posteriormente por um serviço que já não mais utiliza. E é uma prova imprescindível para utilizar em sua defesa nas ações de cobrança promovidas pelo fornecedor, ou nas ações que pretende o consumidor promover pelos danos morais causados por protesto ou cadastro de dívidas decorrente de serviços anteriormente cancelados.
VÍCIOS DE PRODUTOS E OS PRAZOS DE GARANTIA LEGAL O CDC estabelece um prazo máximo de trinta dias para os fornecedores de produtos (fabricantes e comerciantes, solidariamente) sanarem os vícios de qualidade que venham a apresentar. As falhas de funcionamento dos produtos e serviços são chamadas de
vícios de qualidade
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No caso de vícios do produto, todos os fornecedores são solidariamente responsáveis, desde o fabricante até o comerciante. O consumidor que adquire produto com vício de qualidade poderá exigir de qualquer um dos fornecedores primeiramente que as partes que comprometem o bom funcionamento do produto sejam substituídas. Ou seja, o consumidor, a princípio, tem direito que o produto seja consertado no prazo máximo de 30 dias. Somente após essa oportunidade é que o consumidor poderá exigir livremente à sua escolha entre [ a substituição do produto por um novo ] [ a restituição do valor pago pelo produto ] [ permanecer com o produto viciado e receber um desconto proporcional no preço do bem ]
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Sendo assim, enquanto não se esgotar este prazo de trinta dias, que é uma oportunidade dada pela lei ao fornecedor, não poderá o consumidor exigir a substituição do produto defeituoso ou a restituição do valor pago. Em se tratando de produtos que precisam ser levados pelo próprio fornecedor ao conserto (como sofás, armários, mesas), a notificação é muito importante para marcar o início do prazo de trinta dias do fornecedor. E independente da espécie de produto, é importante que o consumidor notifique o fornecedor quanto ao esgotamento do prazo de trinta dias sem solução, para a partir deste ato poder exigir com mais segurança a restituição da quantia paga ou a substituição por outro produto novo, se for de sua preferência. Não podemos esquecer que os produtos considerados essenciais não precisam ser submetidos a reparos, devendo ser imediatamente substituídos ou restituído o valor pago pelo consumidor (art. 18, § 3º). O mesmo pode ser dito quando o vício manifestado for tão intenso que o seu conserto possa comprometer a qualidade ou valorização futura.
MÓDULO III – As funções dos órgãos administrativos e de representação coletiva dos consumidores e as denúncias;
São
muitas
as
situações
em
que
consumidores
diversos
reiteradamente apresentam as mesmas reclamações aos órgãos de defesa do consumidor, em decorrência de fatos semelhantes e, em algumas vezes, contra o mesmo fornecedor.
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Em se tratando de sociedade de consumo de massa, a insatisfação de um consumidor individual dificilmente corresponde a um caso ou problema individual ou isolado. Se a sociedade de consumo é de massa, se a produção é em massa, os danos e os conflitos possivelmente também serão em massa. Portanto, a solução dos conflitos de consumo e das reclamações de consumidores não pode ser realizada a partir de soluções individuais, como se resolvida a questão para um, estaria resolvida a questão como um todo. O Código de Defesa do Consumidor reconhece a necessidade de que a tutela do consumidor pelo Estado se faça também pelas vias coletivas. Portanto, todas as entidades de defesa do consumidor (o PROCON, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as Associações Civis) são legitimados para promover medidas e ações coletivas que visam a proteção dos direitos de toda coletividade, como já apresentado no Módulo I deste curso.
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Os efeitos das sentenças e decisões proferidas nas ações coletivas propostas pelos representantes da coletividade de consumidores atingem a todos. Porém, conforme artigos 103 e 104 do CDC, os consumidores somente são atingidos pelos julgamentos das ações coletivas se for para beneficiá-los, já que não puderam se manifestar no processo. E, além disso, ninguém está impedido de discutir individualmente aquela mesma questão da ação coletiva em uma ação individual sua perante o Judiciário, caso queira. Grandes avanços e transformações no mercado de consumo só foram possíveis graças às denúncias registradas por consumidores individualmente, e que geraram complexas e conflituosas ações coletivas (ações civis públicas) promovidas pelos representantes da coletividade. A atuação dos Procons na fiscalização de condutas dos fornecedores a partir de denúncia e reclamação dos consumidores, também é uma forma de tutela coletiva de direitos dos cidadãos. Tendo poderes para investigar fatos que correspondam à infração às normas de consumo, e de aplicar penalidades administrativas, como já vimos, os Procons atuam em seus processos administrativos como importantes protetores dos interesses coletivos dos consumidores. De toda forma, os consumidores que perceberem que toda coletividade de consumidores corre riscos de sofrer algum dano ou prejuízo, deve colaborar com os órgãos de proteção e realizar uma denúncia sobre os fatos.
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MÓDULO IV – Processos Judiciais – começo, meio e fim – e instrumentos processuais para a defesa dos consumidores
OS TRÂMITES COMUNS DO PROCESSO JUDICIAL Neste quarto módulo serão apresentadas de forma simplificada algumas noções básicas mais relevantes sobre os trâmites de uma ação ordinária proposta na Justiça Comum, os procedimentos de uma ação no Juizado Especial Cível, destacando especialmente os institutos processuais que servem à facilitação da defesa do consumidor. Independente do rito que as leis processuais imponham à ação judicial proposta pelo consumidor, todo processo segue um conjunto de fases que levarão ao final à decisão definitiva do Poder Judiciário sobre o conflito. A ação inicia com o protocolo de uma petição inicial por parte do autor (o consumidor insatisfeito/lesado ou o fornecedor na cobrança de dívidas, por exemplo). Ela deve vir acompanhada de todos os documentos que servem de provas para o autor da ação. Necessariamente, a parte contrária precisa ter a oportunidade de se defender das alegações e direitos apresentados pelo autor, o que se faz por meio da apresentação de uma contestação ao processo. Junto com a contestação, o réu precisa também apresentar todas as provas documentais sobre a sua versão dos fatos. Nesta fase inicial, se realiza uma audiência de conciliação, em que o juiz ou conciliador tentam, de forma absolutamente imparcial, convencer as partes sobre as vantagens de realizarem um acordo que atenda na medida do possível ambos os interesses em conflito. Obtendo êxito no acordo, o processo é finalizado com a satisfação de todos.
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Não havendo acordo, e sendo necessário, o Juiz designa uma audiência de instrução e julgamento onde poderá ouvir o depoimento pessoal do consumidor e do representante do fornecedor, ouvir relatos de testemunhas, discutir algumas questões relevantes sobre o conflito. Esta audiência serve para que o Juiz tenha contato com todas as outras provas não apresentadas ainda ao processo, a fim de que ele possa se convencer sobre o rumo do julgamento da ação. Com todas as provas produzidas, o Juiz poderá a qualquer momento apresentar sua sentença, com o seu julgamento final sobre as questões discutidas, e determinando se a ação foi ou não procedente para o seu autor. Desta sentença poderá a parte vencida apresentar, dentro de prazos determinados, recursos para instâncias ou tribunais superiores, a fim de reformar ou modificar o julgamento do Juiz. O Julgamento da ação só é definitivo quando se esgotarem todas as possibilidades de recursos, seja porque os prazos correram sem manifestação das partes, ou porque todos os recursos cabíveis já foram utilizados pelas partes vencidas. Quando se chega a este momento dizemos que houve trânsito em julgado da sentença, ou em outras palavras, que a sentença transitou em julgado. Significa que a questão não poderá mais ser discutida entre as partes. Diante do trânsito em julgado, a parte vencedora poderá requerer a execução da sentença. Trata-se da fase em que o Juiz determinará o cumprimento da sua decisão final. E existem várias formas da Justiça conseguir que as ordens judiciais sejam cumpridas. Os Juízes têm amplos poderes para fazer com que suas ordens sejam respeitadas. Se ao final, uma parte foi condenada a pagar um valor a outra, seja por uma indenização por danos causados, ou restituição de valores cobrados indevidamente, ou o pagamento de uma quantia referente a divida cobrada em
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juízo, na execução dessa sentença poderá o Juiz determinar ao banco onde a parte vencida mantenha contas correntes ou poupança, que efetue o bloqueio de valores ali depositados, e que serão transferidos para uma conta judicial, de onde a parte vencedora da ação finalmente poderá sacar. Poderá também determinar que bens móveis ou imóveis sejam penhorados para o pagamento dessas condenações. Estes bens poderão ser levados a leilão, e os valores obtidos são destinados ao pagamento da parte vencedora da ação. Se por acaso, o Juiz condenou alguém a entregar um bem móvel (como por exemplo, um produto que foi adquirido pelo consumidor e o fornecedor se recusava a entregar), poderá determinar na execução da sentença a busca e apreensão desse bem por um oficial de justiça, onde quer que esteja, para que seja entregue ao vencedor da ação. Ou então, se a vontade da parte autora era receber um documento em poder da parte reclamada (como documentos de um imóvel em poder do seu fornecedor, que o consumidor precisa para obter o financiamento imobiliário, conforme combinado em contrato), ou até mesmo, obter a posse de um imóvel que foi adquirido pelo consumidor, e cuja entrega das chaves está sendo negada pelo fornecedor, poderá o juiz determinar que seja entregue ao vencedor da ação o que ele precisa (documentos ou chaves), sob pena de multa diária, que posteriormente poderá ser também objeto de execução. Muitas outras medidas podem ser adotadas por juízes dependendo do que foi objeto da condenação, como a declaração de inexistência de uma dívida e a determinação de multa diária para o fornecedor vencido que insistir na sua cobrança. São muitas as possibilidades de ordens a ser emanadas por um juiz a fim de que suas decisões sejam cumpridas. Existem alguns limites, que inclusive favorecem os consumidores em situação de superendividamento.
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Por mais que exista uma condenação definitiva para que alguém pague um valor de uma dívida reconhecida ao autor da ação vencedor, alguns bens são impenhoráveis, ou seja, não podem ser tomados ou apreendidos pelo Poder Judiciário, salvo aqueles que são objeto da própria dívida (como a casa que foi dada em garantia para a dívida com o banco, e que está sendo cobrada judicialmente). São impenhoráveis, entre outros bens (art. 649 do Código de Processo Civil): o imóvel residencial próprio da pessoa, casal ou família; os móveis que guarnecem a residência do executado; o vestuário e pertences de uso pessoal; os valores que correspondem a salário, aposentadoria, pensão, necessários à manutenção e sobrevivência; o seguro de vida; a pequena propriedade rural de uso do trabalho da família; os valores depositados na poupança, até limite de 40 salários mínimos.
O PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Como já vimos, os Juizados Especiais (antigamente conhecidos como Juizados de Pequenas Causas) foram criados pela Lei 9099 de 1995, para facilitar o acesso à justiça do cidadão, em causas de pouca complexidade e de valor da causa limitado. No que se refere a ações de consumidores, por baixa complexidade entende-se a causa que não necessita de outras provas a não ser as provas documentais e orais (como depoimento pessoal das partes, oitiva de testemunhas).
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Se para julgamento da causa for necessário, por exemplo, uma prova mais complexa, como a realização de perícia no produto, no imóvel, ou perícia médica, esta demanda não poderá ser levada ao Juizado Especial Cível. O valor da causa também é limitado, como dito anteriormente. Não pode superar o correspondente a 40 salários mínimos vigentes. Se o valor da causa corresponder a até 20 salários mínimos, a parte não precisa estar acompanhada de advogado. Nestes casos, os próprios servidores do Juizado Especial atenderão o consumidor autor da ação, que narrará o seu problema, apresentando os documentos probatórios. Estes profissionais redigirão no mesmo ato a Petição Inicial do autor, e o ajudarão a dar início à ação. Mas nada impede que, em razão da sua dificuldade em promover sua defesa, o consumidor conte com o acompanhamento de um advogado particular ou de um defensor público, mesmo dentro do limite de 20 salários mínimos do valor da causa. Se qualquer uma das partes recorrer da sentença do Juiz, caso o consumidor queira manifestar-se ou defender-se em segunda instância, deverá ser representado por um advogado, que como já é de conhecimento, poderá ser um defensor público. O recurso comum contra a sentença do juiz será julgado pela Turma Recursal, uma instância superior do Juizado Especial composta por outros juízes que apreciarão se a sentença deverá ser mantida ou reformada.
Em resumo, a ação proposta no Juizado Especial Cível percorre o seguinte trâmite:
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Protocolo da petição inicial
Trânsito em Julgado
Audiência de Conciliação
Recursos das partes para instâncias superiores
Audiência de Instrução e Julgamento Apresentação de contestação, provas orais, etc.
Sentença do Juiz
Execução
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (LIMINARES)
Muitas vezes, o consumidor que busca o Poder Judiciário para solucionar um problema provocado por fornecedor de produto ou serviço não está em condições de esperar a conclusão do processo e todos os seus trâmites. É comum que problemas vividos por consumidores precisem de medidas urgentes da Justiça para evitar prejuízos e danos ainda maiores que o autor da ação possa sofrer.
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Em casos assim, o tempo de duração do processo pode ser muito prejudicial aos interesses legítimos de um consumidor vítima de um dano, ou que está em risco de sofrê-lo. São casos como: consumidor que precisa ser submetido a uma cirurgia, ou tratamento médico-hospitalar e o plano de saúde está negando a cobertura ilegalmente. dados
pessoais
do
consumidor
que
foram
incluídos
indevidamente em cadastros de inadimplentes, o que está impedindo a concessão de um crédito ou a contratação de um serviço. Dívidas que estão sendo cobradas injustamente, com o risco de serem incluídas em serviços de proteção ao crédito, debitadas em conta corrente ou inseridas em faturas de cartão de crédito. Produtos essenciais que foram entregues para reparos em assistências técnicas ou ao fabricante, cuja devolução está sendo negada pelo fornecedor.
Diversos são os exemplos de situações em que o consumidor precisa que a decisão do juiz seja antecipada o mais rápido possível, a fim de evitar prejuízos irreparáveis pela demora normal do julgamento da ação. Para estas situações, já na sua petição inicial, deve o autor da ação requerer ao juiz que lhe conceda uma medida liminar de antecipação da tutela. O Juiz antecipará a análise dessa situação específica e urgente, e se concordar com a necessidade, antecipará parte de suas decisões que a princípio concederia somente no final, proferindo uma decisão imediata que buscará preservar até o final da ação esse direito pretendido pelo consumidor.
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Para tanto, são necessários dois requisitos básicos: Verossimilhança das alegações do autor – conhecida tecnicamente como fumus boni iuris (fumaça do bom direito), que significa que as alegações apresentadas pelo autor possuem indícios de verdade, e por isso podem ser presumidas como verdadeiras pelo juiz, de acordo com suas experiências.
Perigo de Dano – ou perigo de mora (periculum in mora), que é a demonstração pela parte interessada de que a demora na concessão dessa medida poderá trazer prejuízos irreparáveis para o autor. Em outras palavras, que se a tutela não for antecipada, ou o consumidor sofrerá um dano que nem sequer poderá ser compensado posteriormente, ou a própria ação perderá sua função.
Código de Processo Civil Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
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INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Dentre os diversos mecanismos disponíveis ao consumidor para o exercício de sua defesa, podemos destacar aqueles utilizados nas ações individuais promovidas por consumidores insatisfeitos, como a inversão do ônus da prova. A regra geral do processo civil é que o autor tem o ônus de provar que suas alegações são verdadeiras, ou seja, provar os fatos constitutivos do seu direito. E que ao réu cabe fazer as provas em contrário, ou seja, fazer prova dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor. A inversão do ônus da prova é a possibilidade do consumidor não precisar apresentar provas de suas alegações, recaindo, portanto, ao fornecedor o ônus de fazer prova em contrário. Como o consumidor nem sempre possui condições de provar os fatos ocorridos, ou de provar que os danos que vem sofrendo são de responsabilidade do fornecedor, porque é, como sabemos, tecnicamente vulnerável, poderá o juiz presumir que são verdadeiras as alegações do consumidor, e eximi-lo de produzir as respectivas provas.
O juiz poderá declarar a inversão do ônus da prova em duas hipóteses (art. 6º, VIII): quando for verossímil a alegação do consumidor – situação em que o juiz percebe indícios de verdade na narrativa do consumidor, em decorrência de suas experiências; OU
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quando o juiz perceber que o consumidor é pessoa hipossuficiente – que significa a total impossibilidade do consumidor produzir provas em seu favor, seja porque elas se encontram em poder do fornecedor, seja porque o fornecedor se aproveitou de uma situação e condição especial que se encontra o consumidor, como a pessoa portadora de necessidades especiais, ou com idade avançada, a criança, o analfabeto, a pessoa com saúde debilitada, etc.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Ao final da ação, mesmo tendo obtido êxito, o consumidor pode se ver na impossibilidade de receber a indenização, restituição ou pagamento de valor que foi determinado ao Juiz na sentença. Isso pode ocorrer quando a ação é proposta em face de um fornecedor de produtos e serviço e na fase de execução da sentença se percebe que o réu não possui qualquer patrimônio ou bem que possa ser penhorado ou tomado para pagamento da dívida judicial com o consumidor. Em se tratando de fornecedores pessoas jurídicas, o Juiz poderá determinar que os sócios ou representantes legais da empresa respondam pessoalmente (com seu patrimônio pessoal) pelas indenizações devidas pela empresa ao consumidor.
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Normalmente,
os
sócios
de
uma
empresa
não
respondem
pessoalmente (com o seu patrimônio pessoal) pelas dívidas da pessoa jurídica. Mas em se tratando de uma dívida com um consumidor, em decorrência de uma condenação judicial, os bens pessoais (valores em contas bancárias, bens móveis e imóveis sujeitos à penhora) das pessoas físicas empresárias podem ser atingidos em favor do autor da ação.
MÓDULO V – Provas Documentais – Relevância e organização
Não pretendemos neste espaço do curso informar sobre o tempo de arquivo em que os documentos (contratos e contas) devem ser mantidos. Neste curso, estamos dedicados a conscientizar os consumidores a resguardar-se na obtenção de provas documentais que podem instrumentar as ações judiciais que pretenda promover e as denúncias e reclamações que queira registrar perante os órgãos de defesa do consumidor. Pelo que aprendemos, existem vários instrumentos legais que buscam facilitar aos consumidores a defesa dos seus direitos. Mas nenhuma defesa será possível se o consumidor não puder apresentar qualquer documento referente à sua relação com o fornecedor.
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No módulo II, apresentamos a importância das comunicações registradas e das notificações extrajudiciais. O consumidor que se resguarda e se prepara para a defesa dos seus direitos, deve ter arquivadas todas as comunicações que foram realizadas entre ele e o fornecedor reclamado. Portanto, é imprescindível que as negociações que previamente foram realizadas entre as partes, as ofertas apresentadas e promessas de soluções de problemas estejam registradas por escrito de forma impressa ou digital. Assim, é importante que o consumidor prefira comunicar-se por e-mail, por carta registrada ou por formas em que possam posteriormente demonstrar que os diálogos ocorreram. É assim que o consumidor consegue, por exemplo, provar os prazos que foram prometidos, as condições de pagamento, as características e qualidades dos produtos e serviços oferecidos. Quando necessário, poderá provar que a oferta não foi cumprida pelo fornecedor. É uma falha muito grande de comportamento do consumidor não exigir sua via do contrato de prestação de serviço firmado, ou recibo de pagamento em que constem as condições gerais do combinado. As ações de reparação de danos devem vir acompanhadas do máximo de documentos que demonstrem os prejuízos sofridos, como recibos de gastos para consertos de produtos, e outros custos suportados, bem como imagens do local do acidente ou dos danos provocados. Pode e deve o consumidor exigir que o fornecedor registre por escrito a negativa de atendimento (como nos casos de planos de saúde, de fabricantes de produtos com vício de qualidade, entre outros), pois será documento essencial para os pedidos de antecipação de tutela (liminares).
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Durante as oficinas de práticas, exercitaremos nos casos a nossa habilidade de indicar e organizar documentos que devem acompanhar nossas petições e reclamações.
MÓDULO VI – Danos Morais no Direito do Consumidor
O estudo sobre os danos morais e o seu conceito são objeto de diversos livros, artigos jurídicos, e pesquisas científicas. Não pretendemos neste curso esgotar todas as discussões sobre este instituto jurídico, mas tentar apresentar definições básicas, especialmente a partir de casos e exemplos, a fim de que os alunos possam identificar quando são vítimas de um dano moral. Danos morais correspondem a certos abalos sofridos pelo indivíduo que não podem ser materializados. São aquelas lesões provocadas ao equilíbrio emocional da pessoa, e as dores pessoalmente sentidas (tanto as dores físicas no corpo humano, como as dores psicológicas e emocionais). Também podem ser compreendidos como os danos causados à imagem e reputação da vítima, ou à sua aparência física. Normalmente, os autores das obras de Direito definem o dano moral como aquele que afeta não ao patrimônio do consumidor, mas sim a sua dignidade humana.
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Poderíamos tentar resumir como aqueles danos imateriais que atentam contra a integridade humana, psicológica, emocional, estética, reputacional e até espiritual de alguém.
Nas relações de consumo podemos encontrar diversos exemplos de danos morais sofrido pelos consumidores: inclusão indevida dos dados de uma pessoa em cadastros de inadimplentes, que afeta a boa reputação do consumidor no mercado. negativa ilícita de cobertura de atendimento médico hospitalar por plano de saúde, que provoca fortes abalos emocionais no paciente e em sua família. dores físicas e danos estéticos causadas por produtos defeituosos ou por acidentes no uso de produtos e serviços cujos riscos não foram informados. ofensas
e
constrangimentos
causados
em
consumidores
inadimplentes por cobranças agressivas, abusivas e desrespeitosas que afetam injustamente a integridade moral e psicológica da vítima; sofrimento com a perda de um familiar, vítima de um acidente fatal por produto ou serviço defeituoso a ele fornecido, ou com o grave dano permanente e irrecuperável causado à integridade física ou saúde de uma vítima. Sentimento de repulsa causado por alimentos adquiridos por consumidor que percebe estarem contaminados, mesmo que não tenham sido ingeridos.
A jurisprudência brasileira entende que os danos morais não podem ser confundidos com meros aborrecimentos normais do dia a dia, mas tem
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avançado bastante na abrangência do dano moral nos casos julgados recentemente. É comum encontrar casos de pessoas que receberam indenizações por danos morais causados, em decorrência do tempo perdido pela falha na prestação de serviços e pela demora no atendimento ou na solução do problema pelo fornecedor. É o reconhecimento de que o tempo é um bem imaterial do indivíduo, e que não pode ser desperdiçado ou perdido por falhas dos serviços e atendimentos dos fornecedores. Não existe qualquer parâmetro legal para cálculo das indenizações por danos morais causados. Alguns elementos são normalmente utilizados pelos juízes e Tribunais para se determinar um valor justo que deve o consumidor receber. Por um lado, o consumidor tem o direito de ser integralmente reparado pelos danos sofridos, ou seja, deve receber uma indenização que corresponda exatamente ao tamanho da sua lesão ou sofrimento. E não pode também representar um enriquecimento indevido por parte da vítima. Por outro, é impossível atribuir ou estimar um valor para a dor, para a emoção negativa, para o medo, para a vergonha. Na prática, os Tribunais e Juizados vão, pela experiência diária, uniformizando em seus Estados e regiões patamares mínimos e máximos para indenizações por danos morais, a partir dos casos que rotineiramente julgam. As médias de valores acabam variando de local para local, e não são capazes de vincular os julgadores. Por fim, os valores são atribuídos pelas experiências de cada julgador, considerando as situações agravantes no comportamento do fornecedor causador do dano e no sofrimento suportado pela vítima, levando em conta, também, o poder econômico do fornecedor. Significa dizer que o cálculo das indenizações por danos morais também possuem um elemento pedagógico
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e punitivo, para educação e adequação das posturas dos fornecedores condenados.
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