Chuva para lavar a alma

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Chuva para lavar a alma



Anderson Caum

Chuva para lavar a alma Os senhores que conduzem a vida

coleção novos talentos da literatura brasileira

S ĂŁo Pau l o 2 0 1 3


Copyright © 2013 by Anderson Caum

Coordenação Editorial Letícia Teófilo Diagramação Project Nine Capa Monalisa Morato Revisão Julian F. Guimarães Daniela Georgeto

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Caum, Anderson Chuva para lavar a alma : os senhores que conduzem a vida / Anderson Caum. -- 1. ed. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. -- (Coleção novos talentos da literatura brasileira) 1. Romance brasileiro I. Título. II. Série. 13-07001 CDD-869.93 Índices para catálogo sistemático: 1. Romances : Literatura brasileira 869.93

2013 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA - Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11º andar Bloco A - Conjunto 1111 CEP 06455-000 - Alphaville Industrial - SP Tel. (11) 3699-7107 - Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br


Dedicatória

Algo especial aconteceu em minha vida. Quando conheci minha esposa, sabia que estava mudando para melhor, pois se trata de uma pessoa doce, companheira, alegre. Nada podia dar errado, então? E não deu mesmo. Também não estaria sendo sincero se dissesse que escrevi este livro me baseando em grandes obras e escritores que fazem parte de meu eterno aprendizado, mas que, com certeza, não são responsáveis por esta publicação. Escrever para mim sempre foi um passatempo delicioso, mas escrever para os outros tem 100% do zelo de minha esposa. Assim como lançar esta obra tem seu entusiasmo ao me empurrar a fazê-la, sempre me lembrando de que não precisamos saber por onde estamos indo; necessitamos mesmo é seguir em frente. Hoje temos um filho de cinco anos. Inspiração por ter uma família linda e feliz que me faz pensar sempre se ainda tenho mesmo algum lugar para chegar, porque, de verdade, já estamos bem longe e somente vejo horizonte. Talvez já tenha até mesmo conseguido o principal da vida: viver! Dedico esta obra à minha esposa Adenilza Maria de Sousa Caum e ao meu filho Samuel Caum, com os quais produzi este livro, cada um com sua colaboração e entusiasmo, algo que é sem dúvida a coisa mais importante das menos importantes que passamos, pois a mais extraordinária sempre teve: Sol neste jardim da vida.



Agradecimentos

À minha esposa Adenilza M. S. Caum – entusiasta e apoiadora na consolidação da obra. Ao meu filho Samuel Caum – inspiração para a concretização deste projeto. A todos os profissionais que participaram na preparação deste livro, contribuindo para que ele chegasse ao público. E aos amigos que se entusiasmaram em divulgar esta obra.



Prólogo Chuva para lavar a alma

– Alma! Não existe alma? Temores condicionados por homens ávidos por viver o presente. Eles disseram isso? Ouvimos desde os primórdios que podemos nos conectar com os que já morreram. Não! Outros disseram que não, pois as almas passaram para um plano superior, não foi isso o que aconteceu? Não! Então morreremos? Deixe-me ver sua alma! Não posso? O deserto é grande por onde ela caminhou, não poderia correr atrás e alcançar. Viver não é tão fácil. É sim, viver. Quem se foi então está morto? Acho que sim! Explico que o rio se passa e não volta mais da outra banda, é impossível. Mas a alma... Se pudesse voltaria atrás. Preparar-me-ia melhor para após viver neste mundo. Não! Claro, as perguntas que procuram respostas. Se eu as tivesse, lhes daria. Os senhores sabem. Eu as daria. Mas conheci um homem que fora um anjo. Ele disso isso? Sim. Tem as respostas para as perguntas. Que bom! Acredito que poderia me responder então onde estou e quando seria minha chegada. Tenho certeza que sim. Mas não posso, preciso viver agora. Você quer viver agora e perder sua vida na eternidade? Aqui as pessoas irão se esquecer de você, não é mesmo? Talvez. Mas a vida é pequenina, compreende? Acho mesmo que devo deixar de estar aqui para um dia estar do outro lado, em outra banda. Não! Definitivamente não. Estou 9


olhando para o meu espelho e fazendo perguntas tentando eu mesmo respondê-las. Devo estar louco. Não? O Sol está batendo no jardim. Amanheceu. Eu quero ir viver. Espero que compreenda que amanhã vai se tornar hoje. E a outra banda que deveria ir a nado para chegar? O fim do mundo está próximo. Não? Não sei. Se for, preciso correr então. Pronto! Já sei o que farei. Vou responder minhas perguntas amanhã. Hoje vou aproveitar o Sol neste jardim. Agora, quando amanhã for hoje, eu estarei longe e, se puder, vou me lembrar deste dia. Se não puder me lembrar espelho, então sei que em algum lugar estará uma pessoa que me viu brincando no jardim e de alguma maneira isso se projeta de forma a fazer um mundo sorrir sem saber por que, fazendo toda a diferença na atitude das pessoas. Talvez não se lembre de mim. Quem se importa. Eu fiz a diferença. Mas e o anjo que falara sobre o fim das coisas? Parece querer viver e não passar para a outra banda. Parece também querer minha alma. Não sei. De qualquer forma, não poderia eu lhe dar o que me fora emprestado por um tempinho. A minha vida. Se ela passar sem que eu a tenha usado para ser feliz, então poderia sim me preocupar. Deus pode não permitir que eu a tenha por toda a eternidade. Pois a usei mal. Não? Nicanor é o anjo que vivera na época do dilúvio descrito na bíblia, perdendo primeiramente sua condição de anjo e, posteriormente, como um mutante na Terra, perdeu toda sua família nesta destruição. Ele vai relatar a história de amor que vivera com uma terrena após ter comido do fruto da árvore da vida dada a ele para que se tornasse homem e imortal. A saga é contada no ano de 2009. Porém, Ana, que trabalhou como jornalista, agora se reúne com jovens em 10


orfanatos para fazer o que considera uma missão: a de contar histórias. Seu trabalho agora é salvar almas das mãos do que ela considera serem os “senhores da vida”. Já na terceira geração dos que a ouvem, de todas as sagas que ela conta para os jovens, nenhuma prende mais a atenção que a de Emanuel, sendo com certeza mais pedida e repetida há anos, mas ainda prendendo a atenção até de quem já inúmeras vezes ouviu o relato. O romance se passa no ano de 1969 no mesmo lugar onde já foi um lindo jardim no quintal de uma cabana que agora se encontra em ruínas, existe ainda em meio a flores silvestres e mato, o banco de jardim onde toda semana se aglomeram jovens para ouvir suas histórias. Não é à toa a escolha do local, pois ali se passou grande parte da saga de Emanuel. Jovem jornalista ambicioso, que em sua festa de casamento recebe a notícia de sua vida: a de que trabalharia como correspondente internacional em Londres. Prometido de Raquel, uma jovem encantadora que era de uma família rica diferentemente de seu noivo que morou em um orfanato quando criança e foi deixada por Maria, sua mãe, uma feiticeira e adivinha que na juventude fora uma prostituta. A saga desse jovem começa em um plano montado por um anjo que se tornara humano após comer do fruto da árvore da vida escondida e protegida por Deus para viver um grande amor e que planejara minuciosamente a vida de Emanuel para que se cumprissem seus desejos de vingança contra Deus e a humanidade. Nicanor é o anjo que vivera na época do dilúvio descrito na bíblia, perdendo toda sua família nesta destruição. Possuindo uma eternidade pela frente, com astúcia e uma arquitetura refinada, coloca enfim seu plano de vingança 11


em um romance que promete transformar o que o homem acredita ser uma realização pessoal em uma investigação que remeterá até o dilúvio. Gênesis 6:1-4 Sucedeu que, quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a terra, e lhes nasceram filhas, viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. Então disse o Senhor: O meu Espírito não permanecerá para sempre no homem, porquanto ele é carne, mas os seus dias serão cento e vinte anos Naqueles dias estavam os nefilins na terra, e também depois, quando os filhos de Deus conheceram as filhas dos homens, as quais lhes deram filhos. Esses nefilins eram os valentes, os homens de renome, que houve na antiguidade. Uma investigação feita por Ana para ajudar o amigo a entender o que está acontecendo com sua vida decadente, que agora virara alcoólatra, drogado e presidiário, nos levará por romances, mortes, anjos, demônios, feitiçaria e a fragilidade humana diante de homens que trocam almas e consciência humana por um punhado de dólares. Usando a bíblia para dirigir sua investigação, a história conta com passagens que irão ajudar a elucidar como os anjos faziam parte do cotidiano da humanidade e quem é Nicanor. A tarefa é complexa, mas é preciso fazer com que Emanuel tome novamente o controle de sua vida perdida pela propaganda da ambição e da promessa de uma vida fácil, rica e ainda com tesouros no céu. 12


Ana costuma dizer que nem quem vende o sonho de sua vida por status e tão pouco quem compra vive, apenas sonham que um dia acordarão e irão viver. Assim chega a morte para um e para outro sem se darem conta de que a infelicidade não fora acidental. Dizem que na Cabana onde grande parte da Saga aconteceu, aparecem anjos que sobem e descem do céu o tempo todo. Não sei! Pode até ser. Boa leitura!

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Troca-se viver por respeito a senhores que conduzem a vida

Quase três da tarde. O dia está quente no litoral, mas a rua onde se encontram as ruínas do que foi uma pequena cabana de madeira no pé da serra é cercada por grandes árvores, que fazem sombra protegendo o lugar do Sol. Ao redor, podem ser vistas outras poucas cabanas alinhadas, mas separadas umas das outras por alguns metros de terreno nas laterais. Ana! Claro, ela estava lá em meio às ruínas com alguns jovens que deviam ter entre catorze e dezoito anos, talvez acotovelando-se para se aproximar da senhora que há anos contava causos naquele local, alegrando-se da companhia que os jovens lhe faziam em duas tardes por semana. Ana também fazia trabalhos voluntários no orfanato da cidade: trabalhando com os pequenos órfãos, ajudando na tarefa da cozinha, além de fazer o que mais gostava, isto é, estar com crianças, como fazia quando estava fora dos muros que cercavam o local, se misturando às mais diferentes pessoas e contando causos – dividindo o que considerava ser sua responsabilidade: alertar com uma linguagem fácil sobre “nobres senhores”, que desejam suas almas, para abrirem o caminho de suas vidas gordas, fartas de egoísmo e desrespeito ao próximo. Ana costumava dizer que é preciso sim trabalhar, mas que é igualmente necessário fazer seu próprio caminho, viver sua conquista e, assim, alimentar

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sua alma no respeito e independência no rumo que suas vidas tomassem. Mulher experimentada pela vida, inteligente, se expressava muito bem e chamava a atenção de todos por nunca ter deixado de estar presente há anos naquele mesmo horário e local, como um ritual que parecia ser imprescindível para sua vida. Nessa terça-feira, como fazia todas as semanas às terças e quintas, na famosa cabana em ruínas – onde era iminente o perigo de o restante da cobertura que ainda estava em pé vir abaixo, podendo acontecer a qualquer momento e machucar a ela ou as crianças –, estava a senhora presente para mais uma vez contar-lhes uma de suas histórias. Ana gostava do banco fora da casa, onde deveria haver um jardim, agora com mato e flores silvestres ao redor. Ela tinha setenta e três anos, mas parecia estar com a pujança de uma mulher de cinquenta. Ela fazia longas caminhadas todos os dias ao orfanato e pelo menos dois dias da semana até aquele lugar abandonado, só para ver se havia alguma alma para ouvir suas histórias, sendo já a terceira geração dos que ouviam as narrativas e faziam rodas cada vez maiores para ouvi-la. Mas, sem dúvida, a saga de Emanuel era o causo mais famoso contado por ela e repetido tantas vezes para dezenas de pessoas, que agora deixavam seus filhos e netos se reunirem para ouvir. Conta ela que, entre anjos e demônios, acabou vivendo uma história singular de luta pela procura de um sentido para sua vida e seus caminhos. O local não era por acaso: aquele lugar fazia parte da saga contada por Ana, história que se passara por volta de 1969 e que trazia há tanto tempo almas para ouvir e se emocionar. 16


Muitos não acreditavam e consideravam um folclore, mas se admiravam e se perguntavam como podia haver uma arquitetura tão bem formada no causo, pois, apesar de parecer loucura, a história ensina e adverte sobre o que ela costuma chamar de “os senhores que conduzem as vidas”. Poucos vizinhos que dizem ter conhecido Emanuel e que ainda moram nesta vizinhança, ou passam temporadas de férias, confirmam que realmente coisas estranhas aconteceram naquele tempo, mas atribuem os eventos a uma história que fracassava na vida da família naquele tempo. Até os incrédulos fazem o sinal da cruz quando passam pelas ruínas e, mesmo os que julgavam ser apenas uma lenda, parecem não querer se arriscar a fazer algo no local e preferem deixá-lo abandonado, e assim nunca encontraram um comprador para aquelas terras. Crianças dizem que, em noites claras e com muitas estrelas, ouvem-se cochichos e risadas, além de alguns jurarem de pés juntos já terem visto anjos subindo ao céu e descendo naquele local, fato que, segundo Ana, pode ser verdade. – Tia Ana, conte novamente a história de Emanuel – pediu um dos jovens, quase implorando. – Claro! Com o maior prazer faço essa recordação de meu grande amigo – respondeu emocionada. Mesmo já tendo repetido a história tantas vezes, isso ainda a deixava emocionada quando falava. O silêncio imperava no local. Ana sentou-se no banco como sempre fazia, ficou quieta por alguns segundos de cabeça baixa e começou a narrar a saga meticulosamente. Com os ouvidos atentos das pessoas que não queriam perder nada do que viria a seguir, começou a descrever a cena com tantos detalhes que se podia sentir parte da história. 17


Ana contou que tudo começou em um corredor longo de hospital que separava Emanuel de sua princesa, como ele a chamava carinhosamente. Caminhando solitário em pensamentos, havia um deserto que parecia não ter fim, entre orações e surtos de desespero. Andando de um lado para o outro, passava a mão na cabeça, aguardando notícias de sua esposa que já agonizava em razão de um câncer espalhado por todo seu corpo – não havia mais possibilidade de cura ou qualquer tratamento que pudesse prolongar sua vida, restando aos médicos somente medicarem-na para que sua morte fosse o menos dolorosa possível, dentro das possibilidades da época. Emanuel recordava como num filme, no qual podia assistir a tudo o que acontecera com ele e sua esposa durante os últimos anos. Estava abatido e desorientado, remetia-se até a data em que aceitou, no ano de 1969, Raquel como esposa em uma grande festa de casamento. Havia muitos convidados e grande parcela da elite da cidade estava presente no evento. Ele, jornalista de profissão, trabalhava em um jornal perió­dico e adorava o que fazia. Durante as comemorações do seu casamento, recebeu o que lhe parecera uma grande notícia sobre o seu trabalho: auxiliaria o periódico como correspondente internacional, morando e colaborando no exterior. Seu destino agora estava diante de seus olhos, ao menos até uma curva onde não se podia ver o que vivia depois. Mas o que fazer diante da notícia que, embora não fosse seu sonho, agora podia até tocar. Foi uma surpresa muito grande para ele na ocasião, já que ainda tentava seu lugar ao sol dentro da redação e não considerava ter experiência para tal função, apesar de sua facilidade 18


com o inglês, que aprendera sozinho com muito esforço e, é claro, com a ajuda de Raquel, agora sua esposa, viajada e com boas condições financeiras. Agora estavam juntos e iria morar na casa dada pelo pai da moça, empresário no ramo de importação de peças veiculares, com influência na cidade e que fazia parte da elite, figurando nas colunas sociais da época dos grandes jornais. Mas, até aquele momento, Emanuel morava em um apartamento pequeno, dividido com mais três amigos do tempo de faculdade e, para ele, esta seria uma grande oportunidade de ascensão social. O pai e a mãe de Raquel faziam de tudo pela única filha e aceitaram seu casamento com Emanuel, mesmo com a diferença socioeconômica entre os dois; afinal a filha escolhera, então colocavam sua felicidade acima de tudo. Carlos, pai de Raquel, viajava muito a trabalho para o exterior. Homem de presença, alto e sofisticado, já grisalho e com a pele muito branca, típica de alemães, cuja descendência vinha do pai. Sarai, sua esposa, era mais simples, gostava do campo, do verde e não se sentia à vontade nas rodas que o marido costumava frequentar, apesar de fazer isso para agradá-lo. Tinha cabelos pretos, assim como seus olhos, era descendente de italianos por parte dos avós maternos, os quais vieram para o Brasil já casados e ainda muito novos. Tinha pouca estatura – mais ou menos um metro e sessenta e cinco –, era católica fervorosa e fez questão de que a filha entrasse de branco na igreja. Durante a festa, Pedro, editor-chefe do periódico em que Emanuel trabalhava e que era um profissional competente, reconhecido nacionalmente e muito justo, nem sabia 19


bem quem era Emanuel; afinal, tomava conta da editoração e das pautas do jornal, que contava, somente na redação, com um grande número de funcionários para uma época que ainda não dispunha de tanta tecnologia. O editor falava bem, como era de se esperar, tinha uma presença marcante e parecia pouco sociável, se esquivando na festa de rodinhas que se formavam no meio do salão. Apesar disso, fora convidado pelo sogro de Emanuel, juntamente com o colunista social que cobriria a festa. Pedro não estava à vontade e não pretendia ir, mesmo porque fora atraído mais para dar glamour à festa e não tinha nada a ver com os noivos. Mas pesou um fato que o chateou muito: havia uma missão que a diretoria do jornal lhe dera contra a sua vontade, que era de, naquele festejo, dar a notícia para Emanuel de que ele deveria se preparar para a oportunidade que lhe estava sendo concedida. Mesmo considerando estranha a notícia a ser passada em uma festa, a diretoria foi contundente em dizer que precisava ser assim. Pedro se aproximou do noivo, que ficou nervoso por ver seu superior – o chamado “todo poderoso editor-chefe do jornal” – se aproximar para cumprimentá-lo. Já estava no meio da festa quando seu editor teve a oportunidade de se aproximar de Emanuel e os dois ficaram um pouco sós, sem serem interrompidos por outros convidados. – Parabéns, Emanuel! Muitas felicidades nesta nova etapa de sua vida – disse Pedro. – Obrigado – respondeu Emanuel, entusiasmado e tremendo as mãos com que segurava um copo de champanhe. Sorrindo e colocando as mãos sobre os ombros de Emanuel, ele disse: 20


– Ouvi falar sobre seu trabalho na redação e estou muito contente. Além dos cumprimentos, trago uma notícia para você degustar durante a sua lua de mel. – Nossa! Está me deixando apreensivo. – Bom, então vou direto ao assunto. Os detalhes discutiremos quando você voltar de sua viagem, pois temos urgência e estamos precisando de um correspondente internacional na Europa e a diretoria indicou você, que é jovem, cheio de vontade, além de escrever bem e ter muita responsabilidade. O que você acha? – falava Pedro, gesticulando com as mãos e estampando um sorriso durante todo o tempo. – Caracas! Assim não sei o que falar... Para dizer a verdade, nem acredito no que está me falando. É sério isso mesmo? E para onde eu vou? Quanto tempo acredita que vou ficar? Olha só, se a urgência for muita, eu posso falar com a Raquel, sei lá, diminuir alguns dias nossa lua de mel se for preciso. – Emanuel tremia as mãos e estava tão emocionado que nem prestava mais atenção nas gírias que usava falando com seu editor. – Calma! – respondeu Pedro. – Você deverá morar por algum tempo em Londres, ficando em um apartamento alugado próximo ao escritório do jornal, trabalhando com uma equipe de mais três pessoas, mas, como eu disse, discutiremos tudo quando voltar de sua viagem. E não fique ansioso, aproveite esses dias e parabéns novamente pelo casamento e pela oportunidade. Balançando a cabeça em sinal de desaprovação, Pedro saiu da presença de Emanuel e se retirou da festa, sem mesmo despedir-se da noiva ou de qualquer outra pessoa que estivesse presente, considerando já ter feito o papel ridículo que fora 21


forçado a fazer, promovendo um jovem iniciante a cargo de tamanha importância. O jovem recém-casado não se aguentava de felicidade, perdendo o restante da festa, porque já não conseguia se concentrar em nada, apenas na proposta que acabara de receber. Mesmo desconfiando de que poderia haver o dedo de seu sogro na novidade, não se importava com o fato. Pensava que agora poderia mostrar seu valor a Raquel e a todos. Sua alma inquieta o levava a lembrar-se de toda humilhação que vivera até ali. Quem agora poderia impedi-lo de conquistar os céus? A festa estava longe de acabar e o jovem não se continha com tudo aquilo que girava em sua mente, desejando que acabassem as comemorações para enfim conversar com Raquel sobre a proposta. Estava esforçando-se para sorrir a todos e se concentrar em outros assuntos que os convidados propunham. Entre uma conversa e outra, em seus pensamentos já planejava passar algum tempo lá fora com sua esposa e voltar como editor do caderno de economia, sua especialidade no periódico, já que acumularia em seu currículo uma grande experiência. Ora, isso pareceu bom aos seus olhos, afinal sua hora havia chegado e era uma oportunidade muito maior do que esperava no trabalho. Acabando a festa, foi para um hotel com Raquel, de onde partiriam para uma viagem à Grécia. Raquel vestia a roupa separada para sua noite de núpcias, preparando-se para se deitar. A menina sonhara muito com aquele momento, em que dormiria com seu marido pela primeira vez como sua senhora. Emanuel não conseguia nem se concentrar. Ainda estava com a roupa da festa, havia tirado apenas os sapatos. 22


De repente, ela surgiu linda com a lingerie comprada para a ocasião, conseguindo ao menos que ele a olhasse, arrancando um elogio do esposo. – Você estava linda na festa! Mas está ainda mais linda agora. – Obrigada! Você viu a empolgação dos meus pais com os convidados, fora o choro da minha mãe na igreja? Mas você parece apreensivo. Quer falar alguma coisa? – perguntou Raquel empolgada. – Sim. Talvez não seja o momento, afinal vamos ter bastante tempo para falarmos sobre isso em nossa lua de mel, mas não estou aguentando para lhe contar grandes novidades. – Então diga – disse Raquel sorrindo e abraçando-o, abrindo sua camisa e alisando seu peito. – Vamos passar algum tempo em Londres! Isso vai ser bom para nós e tenho a promessa de voltar à redação aqui no Brasil depois de algum tempo, talvez um ano. – Do que está falando? Não entendi nada. Emanuel segurou sua mão e pediu para que ela o escutasse com atenção. Sua esposa, que rapidamente soltara sua mão e já se levantara assustada, saindo da cama rapidamente nesse instante, esperava uma resposta, olhando fixamente para Emanuel. Já sem graça, ele lhe contou a proposta que recebera de seu editor na festa de casamento e de como estava feliz com aquilo. “Haviam acabado de montar uma casa meticulosamente com a nossa cara”, repetia Raquel sem entender nada. Continuava a dizer que falaram o tempo todo de uma vida mais simples e de desejos completamente diferentes destes e que jamais gostaria de decepcionar seu marido, mas parecia 23


que haviam errado em algum lugar, pois seus planos e desejos eram muito distintos. Emanuel recordava que tentou explicar havia tempos o que pretendia para sua vida e pensara que os planos para o futuro e a forma de viverem eram similares. – Você está enciumada? – Que besteira está dizendo? Estou do seu lado e vamos conquistar o que deseja, mas nunca em troca de nossa felicidade e planos. Tudo ao seu tempo. Quem é você? – Meu tempo é agora. Espero que esteja comigo. – Não quero ver isso como um atraso em nossos planos, mas prometo pensar com mais carinho durante a viagem e, caso eu resolva aceitar, que realmente seja por um período curto. Você sabe que não gostaria de sair do Brasil agora, principalmente para um lugar com cultura e clima tão diferentes dos nossos. Raquel demonstrava claramente não estar à vontade com o projeto do marido. No entanto, ainda teriam alguns dias para falar sobre o assunto com mais calma e não queria estragar aquele momento que desejou por tanto tempo. Vestígio de uma noite perfeita! A menina estava nas nuvens e parecia estar vivendo um conto de fadas. Tudo o que imaginara naquele momento se concretizou. Emanuel também: depois de discorrer sobre o assunto, conseguiu se soltar e aproveitar o momento. No dia seguinte, levantaram cedo e dirigiram-se ao aeroporto. Passaram dez dias na Grécia. Lua de mel conturbada e com muitas brigas. Emanuel não conseguiu mudar o assunto por nenhum momento. Eufórico, fazia com que o tema se tornasse tão irritante que aquilo começou a cansar Raquel, que havia desejado e planejado aquela viagem com o esposo com riqueza de detalhes para cada minuto que passassem juntos. 24


Mas as mentes não caminhavam mais juntas; estavam em lados opostos, o que gerava muitas confusões e frustração. A esposa, embora entendesse o entusiasmo do marido, estava aborrecida por ele estar presente na Grécia de corpo, mas com o pensamento longe. Ficou decidido que, mesmo contrariada, Raquel faria o desejo do marido sem nem mesmo curtir sua casa nova, mas esperava que realmente fosse por pouco tempo. As coisas não saíram tão bem como planejado na viagem. De repente, ficou tudo tão chato que voltaram três dias antes de acabar o passeio. Já passados alguns dias depois do excursionismo, já estava tudo acertado no jornal em que Emanuel trabalhava. Assim, arrumaram as malas que desfizeram havia alguns dias e viajaram novamente, desta vez a trabalho. Emanuel não se continha de felicidade. No voo, tentou alegrar sua esposa, esboçando a ela como aquela experiência seria boa para ambos. Sua companheira, contudo, já entediada com a conversa, mudou de assunto e lhe perguntou: – Você acredita em anjos? – Com um sorriso no rosto, seu marido apenas balançou a cabeça com ironia. Ela continuou: – A Bíblia fala de Jacó, que se pôs a lutar com um homem que, na verdade, era um anjo de Deus. Jacó, então, mudou seu nome para Israel, dizendo que ele havia lutado contra Deus e os homens, mas tinha prevalecido. Assim espero que seja nossa jornada neste novo país, ou seja, uma vitória de anões contra gigantes. Os olhos de Emanuel estavam carregados de sono. Raquel, vendo que seu marido já dormia, passou a mão sobre sua cabeça sorrindo, afinal, o assunto que ela costumava conversar 25


em rodas sociais pouco agradava Emanuel, que gostava mesmo era de falar sobre economia, finanças e as manchetes dos jornais do dia. Raquel era obstinada pelo assunto de anjos e demônios, consumindo qualquer pasquim que falasse algo a respeito. Chegando a Londres, saíram do aeroporto e se dirigiram para um hotel. Em alguns dias conseguiram que o apartamento onde iriam morar fosse de vez desocupado pelo antigo empregado do jornal que, juntamente com sua família, deixaria o apartamento para Emanuel utilizar. Raquel não se mostrava animada, esboçando um sorriso amarelo à empolgação do esposo. – Veja que apartamento maneiro. É dos melhores na cidade e logo você estará ambientada até com o frio e sentirá menos saudades de casa – disse Emanuel. O apartamento, já mobiliado, nada se parecia com a casa que haviam montado e decorado. A casa onde iriam morar quando voltassem para o Brasil tinha móveis rústicos e uma decoração que acompanhava algo como anos trinta, além de detalhes nas estantes cheias de enfeites, imagens e artes. Quase todas as coisas eram artesanais, haviam sido compradas em viagens, principalmente pela família de Carlos. Raquel era bastante diferente de seu pai e parecia ter gostos mais parecidos com os da mãe. Seu pai era modernista e um tanto quanto exibido, mas Raquel era mais simples na personalidade e vestimentas. Então, para ela, toda aquela mobília e requinte faziam com que parecesse estar vivendo um pesadelo, não por algo desagradável que pudesse estar acontecendo, afinal era apaixonada pelo marido e ficava feliz com o entusiasmo dele. Na verdade, isso é que a mantinha 26


forte, mas tudo virara de cabeça para baixo, pois o que tinha sonhado teria de esperar, estando em um apartamento com poucas coisas parecidas com ela, com muitos espelhos e móveis que faziam o apartamento mais parecer uma loja do que um lugar aconchegante para se viver. Passados dois meses, já como líder e exercendo um comando duvidoso, trabalhava Emanuel bem perdido por sua quase nada experiência com uma equipe de profissionais bem mais peritos. Por sua pouca vivência e imaginando os outros empregados que Emanuel estava ali porque tinha costas quentes, o pessoal costumava fazê-lo de chacota. Escrevia para o jornal, que cobrava cada vez mais resultados, como furos de reportagens e fatos que pudessem satisfazer seus leitores atentos e confiantes em direcionar seus investimentos e ações nos conselhos descritos nos cadernos de economia, que abordavam principalmente as economias europeias, ponto primordial para direção que as grandes corporações iriam tomar. O fato lhe tomava muito tempo, deixando sua esposa bastante só, cada dia mais decepcionada e triste. Mais de um ano se passara e Raquel já reclamava de ficar tanto tempo sozinha. Tentando se ocupar com algo, se apegou mais à religião, já que era católica fervorosa como sua mãe e, não tendo com quem conversar sobre suas dúvidas e problemas, sentia-se abandonada. Isso a fazia sentir mais saudade da família, dos amigos e de tudo que deixara para trás. A penumbra de Raquel com a falta dos amigos e família por perto, além da ausência de Emanuel, costumava ser motivo de brigas constantes na relação dos dois. Afinal, haviam planejado coisas muito simples, como, depois que Emanuel conseguisse se estabilizar financeiramente, comprar 27


uma linda casa de madeira no campo, onde poderiam passar os fins de semana com os dois filhos que Raquel planejara ter, o que, até então, não se realizara em razão da vida corrida de Emanuel, que poucas vezes conseguia estar com a esposa sem que seu trabalho o assombrasse com cobranças de mais conteúdo e conversas intermináveis sobre pautas, além de trechos que deviam ser melhorados nas reportagens que há tempos não agradavam. Estava difícil sua equipe conseguir, por exemplo, uma chamada de capa, ou seja, algo importante e fora do cotidiano das matérias que eram sempre, no fim das contas, mais do mesmo. Tentando se firmar no trabalho, Emanuel, em consentimento com a esposa, adiava os planos para filhos. Ora, Raquel era uma mulher jovem de vinte e cinco anos, formosa à vista e com olhos castanhos tão profundos que intrigavam as pessoas, chamando a atenção de quem a olhasse. Tinha cabelo preto e longo, com uma pele branca que mais parecia veludo. Formada em Relações Públicas, não tinha trabalho remunerado, já que sua família tinha posses. Assim, podia se dar ao luxo de ocupar-se com trabalhos sociais em ONGs voltadas ao menor abandonado, evolvendo-se com a comunidade em trabalhos como arrecadação de agasalhos, sapatos, material escolar e outras coisas de que o orfanato em sua cidade sempre precisava. Era brasileira e acostumada ao calor, sempre com muitas pessoas à sua volta. Agora se via em um país frio a maior parte do tempo, quase sempre dentro de um apartamento sozinha, tentando se ocupar com livros e algum programa de televisão brasileiro para matar a saudade de sua terra – além, é claro, de esboçar alguns rabiscos de sua futura casa: promessa que Emanuel pretendia cumprir assim 28


que o periódico o aceitasse fixo na redação do jornal com sede no Brasil. Com essa situação definida, eles finalmente poderiam realizar tudo o que haviam planejado, inclusive a tal casa de madeira no interior. Já inúmeras vezes Emanuel tinha solicitado e ouvido de seu editor, Pedro, que o pedido já havia sido aceito, mas que antes precisavam de um substituto. Ele dizia que somente faltava acertar as coisas com a diretoria do jornal. A desculpa era sempre a mesma, mas Emanuel tentava animar sua esposa, dizendo que qualquer dia desses iria aparecer com a boa notícia e que tudo se resolveria: voltariam para o Brasil e dariam sequência ao projeto de ter uma casa de campo e os filhos que queriam. Emanuel sempre foi um homem de presença marcante por onde passava. Era alto, louro e com olhos azuis. Após seus dezoito anos, morou em grandes cidades. Gostava e estava sempre bem-vestido, afinal gastava tudo o que ganhava enquanto solteiro em roupas e sapatos. Sempre com um sorriso encantador, usava perfumes caros, assim como tudo que vestia. Estava sempre preocupado em estar impecável e pouco parecia que pudesse se adaptar a uma vida como planejara com Raquel, apesar de concordar com cada rabisco no esboço que sua esposa trabalhava. Parecia não fazer questão de que esse dia chegasse, concordando apenas para não prolongar o assunto e se chateando com a insistência da mulher, que dizia nunca estar satisfeita. A verdade é que ele gostava do glamour que estava vivendo. Passados cerca de dois anos desde que se mudaram para Londres, Raquel já não aguentava mais a vida solitária que estava passando e se desesperou em uma madrugada, depois 29


de novamente acordar sozinha. Choro, desespero, perturbação e solidão. Ela já não podia conter um choro que podia ser ouvido fora do apartamento, no silêncio de uma madrugada fria em que a noite parecia mais uma vez interminável. Assim, aguardava Emanuel chegar do trabalho para enfim poder estar com alguém e não se sentir tão só. De madrugada e ainda no escuro, olhando pela janela de seu apartamento aos prantos, admirava o céu e dizia em voz alta. – Deus, me livre desse sentimento ruim, dessa fragilidade que estou sentindo, me ajudando a tomar decisões difíceis, mas que são necessárias. Os vizinhos de apartamento começaram a abrir as janelas para entender o que estava acontecendo. Emanuel, que estava à porta, escutou Raquel aos berros e, desesperado, apressou-se em tirar a chave do bolso e abrir a porta. Correndo pelo apartamento entre os cômodos para encontrar a amada, deparou-se com sua esposa chorando copiosamente ajoelhada no chão. Então, ajoelhou-se com ela e a abraçou, perguntando preocupado: – O que aconteceu? Raquel não conseguia evitar o choro. Abraçando-o com força, somente repetia: – Abrace-me e não me deixe, preciso de ajuda! Ficaram assim abraçados por algum tempo até que Raquel aos poucos foi se controlando, sentando-se no sofá da sala. Antes de tentar entender o acontecido, Emanuel disse a ela: – Vou preparar um chá para nós dois na cozinha e volto em seguida. Levantou-se e foi preparar algo para que pudessem acalmar os ânimos, apressando-se a voltar para a sala. Sentou-se 30


ao lado dela e lhe deu uma xícara de chá. Vendo ele que sua esposa já estava mais calma, perguntou: – O que aconteceu para que você ficasse em prantos daquela maneira? Raquel, com os olhos vermelhos de tanto chorar, fixou o olhar nele e, por alguns segundos, permaneceu sem dizer nada, segundos que para Emanuel pareciam semanas, fazendo-o desviar o rosto para baixo, entendendo o que estava acontecendo. Sem dizer uma única palavra, a esposa levantou-se e foi se deitar, deixando ele ali parado, sem reação alguma por algum tempo. Pensativo, ele perdeu o sono, ficando assim até o amanhecer: sentado no chão da sala, paralisado fisicamente e com seus pensamentos a mil, tentava encontrar uma alternativa para o seu casamento, que em tão pouco tempo já estava desgastado. Nada mais parecia fazer sentido. Lembrou-se de quando, ainda criança, prometera a ele mesmo que do orfanato onde vivia iria conquistar o mundo e todos o veriam diferente; não seria um simples órfão que sorria a cada visita que chegava esperando ser finalmente sua mãe que voltara e o levaria dali. Não. Isso nunca acontecera. Tinha alguma lembrança da mãe dizendo a ele. – A vida é assim. Não é inteligente? Os pássaros voam para outra banda. Quem os guiou ou ensinou como voltar? Assim somos nós. Eu vou, mas conheço o caminho para voltar a essas bandas. Mas não se apegue à minha volta, porque o destino que tenho, esse não sabe. Se me for permitido voltar pelo caminho, então volto; se não me vir mais, saiba então que de modo algum te esqueci. Estou te ensinado a ser homem. 31


Ninguém define seu destino se não quiser. De modo que agora seja um cabra macho, forte e homem. Naquela manhã, Emanuel ligou para o escritório dizendo que não iria trabalhar. Pediu que sua agenda para aquele dia fosse adiada. Levantou-se e foi preparar o café da manhã. Acordou Raquel, que foi à cozinha ajudar seu marido a preparar a mesa para o desjejum, sem dizer uma única palavra. Partindo de Emanuel a iniciativa de um diálogo, perguntou à esposa: – Está tudo bem? Ouvindo um sim sussurrado e sem dizer mais nada, continuaram naquele silêncio estarrecedor até que Raquel resolveu proferir algo. – Já não aguento mais essa vida e gostaria de voltar para o Brasil, mesmo sem você. Raquel dava o tom de que desta vez não voltaria atrás e iria partir ainda naquela semana. A infância de Emanuel passava novamente pelos seus olhos, mas desta vez não podia chorar. Tinha de enfrentar esse obstáculo como um homem. Triste, ele pegou sua mão e lhe disse que talvez essa fosse a melhor solução e acertaram que ela voltaria para o Brasil, ficando com seus pais. Emanuel prometeu que iria resolver as coisas no trabalho e, mesmo desempregado – caso o jornal não entendesse sua decisão e o transferisse –, voltaria dentro de, no máximo, três meses. A menina arrumou sua mala e voltou para o seu país uma semana depois. Sua espera pela volta de Emanuel já durava nove meses e via seu retorno sempre ser adiado, pois ele dizia que estava encontrando dificuldades no trabalho para se desligar definitivamente. Ele esperava que o editor cumprisse a 32


promessa de que poderia voltar com o emprego garantido na redação do periódico. A verdade é que o editor encontrava dificuldade para substituí-lo, já que a permanência de Emanuel em Londres era uma exigência da diretoria, mesmo contra a vontade de Pedro, que, desde o início, fora contra.

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