Deusa do mar

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P.C.Cast

Deusa do mar Série Goddess livro 1

São Paulo, 2011

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Goddess of the Sea Copyright © 2003 by P. C. Cast Excerpt from Goddess of Spring Copyright © 2004 by P. C. Cast All rights reserved including the right of reproduction in whole or in part in any form. This edition published by arrangement with The Berkley Group, a member of Penguin Group (USA) Inc. Copyright © 2011 by Novo Século Editora

Produção Editorial Diagramação Capa Tradução Preparação de texto Revisão

Equipe Novo Século Luciana Inhan Rafael Nobre Johann Heyss Beatriz Camacho Marinete Ferrarini

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cast, P. C. Deusa do mar, livro 1 / P. C. Cast ; [tradução Johann Heyss]. -- Osasco, SP : Novo Século Editora, 2011. -- (Série the goddess summoning) Título original: Goddess of the sea 1. Ficção norte-americana I. Título. II. Série. 11-03844

CDD-813

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura norte-americana 813

2011 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA Rua Aurora Soares Barbosa, 405 – 2º andar CEP 06023-010 – Osasco – SP Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br

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Para Kim Doner, musa e amiga. Obrigada por ser perfeita ao resolver problemas.

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Agradecimentos Meredith Bernstein, obrigada por ser uma agente maravilhosa. Seu apoio e sua confiança têm valor inestimável para mim. Christine Zika, é um prazer trabalhar com você. Suas percepções são preciosas; você é a verdadeira Editora Deusa. Obrigada, mãe, por me emprestar seu nome de solteira. Rachael Ryan, obrigada por seu entusiasmo, você é uma excelente primeira leitora. E um obrigado especial aos meus alunos do segundo período de Escrita Criativa II pelo proveitoso brainstorming. Espero que vocês gostem de suas breves participações especiais!

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A Alma do Vale nunca morre Seu nome é Mística Feminina E o portal da Mística Feminina É a base de onde brotam o Céu e a Terra. Ela está dentro de nós o tempo todo. Beba de sua fonte o quanto quiser, pois ela nunca se esgota... Tao te Ching

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Caro leitor,

Tudo bem, eu reconheço: os escritores têm, sim, seus livros favoritos. Eu sei, eu sei, livros são como filhos, e nem sempre queremos reconhecer que gostamos mais de um do que de outro, mas acontece. E os livros da série Goddess são meus filhos favoritos. Assim como ocorre em House of Night, minha bem-sucedida série de livros para jovens adultos, meus livros da série Goddess celebram a independência, a inteligência e a beleza peculiar da mulher moderna. Todos os meus heróis têm uma coisa em comum: eles gostam de mulheres poderosas e têm a sabedoria de valorizar tanto a inteligência quanto a beleza. Afinal, respeito e reconhecimento são excelentes afro­disíacos, certo? É muito divertido se aprofundar na mitologia e retrabalhar mitos antigos! Em Deusa do Mar, eu reconto a história da sereia Ondina — que troca de lugar com uma sargento da Força Aérea dos Estados Unidos que precisa dar uma virada na vida. Em Deusa da Primavera, eu me volto para o mito de Hades e Perséfone e faço uma mulher moderna para o inferno! Quem diria que o inferno e seu deus taciturno poderiam ser tão maravilhosos e sedutoramente quentes? A partir daí, seguimos para adoráveis férias em Las Vegas, com os gêmeos divinos Apolo e Ártemis, em Deusa da Luz. Finalmente, ­chegamos ao meu conto de fadas favorito, A Bela e a Fera. Em Deu-

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sa das Rosas, eu criei minha versão desta história adorável, construindo um reino mágico de onde vêm os sonhos — os bons e os ruins — e trazendo de volta à vida uma besta adormecida que me deixou totalmente sem fôlego. Tomara que você goste dos meus mundos; meu desejo é que você redescubra a centelha mágica da deusa em seu interior! P. C. Cast

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Parte i

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Capítulo 1

Com os braços cheios de compras, Christine Canady se enrolou toda na hora de tirar a chave da fechadura e bater a porta com o pé. Deu uma olhada automática no relógio que ficava logo na entrada de seu amplo apartamento. Já eram sete e meia da noite. Ela havia levado uma eternidade para terminar seus afazeres no Centro de Comunicação e ainda dar um pulo na loja de bebidas e no supermercado dos militares. Depois disso, enfrentou um trânsito daqueles ao sair da Base Aérea, o que foi uma experiência semelhante a guiar com lama até o eixo do veículo. Para completar sua frustração, ao tentar pegar um atalho para casa, ela acabou seguindo pelo caminho errado. Logo ela estaria irremediavelmente perdida. Mas ela recebeu orientações de uma alma gentil que encontrou em uma Quik Trip1 e se sentiu compelida a explicar a ele que só estava perdida porque fazia apenas três meses que fora transferida para a Base Tinker e ainda não tivera tempo de se familiarizar com a área. O homem lhe deu um tapinha no ombro, como se ela fosse um filhotinho de cachorro, e perguntou: 1. Rede de postos de gasolina e lojas de conveniência (N.T.). 15

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— O que uma coisinha jovem como você está fazendo na Força ­Aérea? Chris deu uma resposta retórica, agradeceu e saiu com o carro, sentindo o rosto quente de vergonha. O pulo que ela deu ao ouvir o som insistente do telefone tocando foi totalmente compreensível, considerando o seu estado de nervos. — Espere! Estou indo! — ela gritou e correu para a cozinha, soltando as sacolas na bancada impecável sem cerimônia e praticamente se jogando em cima do telefone. — Alô — ela atendeu arfando e ouviu o som sem vida de um sinal de discar que só foi interrompido pelo balido de sua secretária eletrônica. — Bem, pelo menos deixaram recado. — Chris suspirou e voltou para a cozinha levando o telefone e teclou o código para acessar o recado. Com uma das mãos, ela segurou o fone junto à orelha e, com a outra, tirou de uma das sacolas duas garrafas idênticas de champanhe. — Você tem dois recados novos — a voz mecânica anunciou. — Primeiro recado novo enviado às dezessete e trinta. Chris ouviu com atenção enquanto puxava a cobertura metálica sobre a rolha envolta em arame da garrafa de champanhe. — Alô, Christine, são seus pais! — a voz gravada de sua mãe, soando um pouco artificial e metálica, gorjeou ao telefone. — Oi, Christine! — mais distante, mas tão animada quanto, a voz de seu pai reverberou na extensão. Chris sorriu, satisfeita. É claro que eram seus pais; eles eram as únicas duas pessoas neste mundo que ainda insistiam em chamá-la de Christine, em vez de Chris. — Só queríamos dizer que nós não nos esquecemos de seu grande dia. Então, sua mãe fez uma pausa e ela ouviu o pai rindo ao fundo. Esquecer de seu aniversário? Até então, ela não estava achando que eles haviam se esquecido. 16

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A mãe continuou com voz murmurante: — Temos andado superocupados com as preparações para nosso próximo cruzeiro! Você sabe como seu pai demora a fazer as malas. — Isto foi dito baixinho, em tom de conspiração. — Mas não se preo­cupe, meu bem, apesar de não termos mandado sua caixa, conseguimos preparar uma surpresinha para os vinte e cinco anos de nossa favorita. — Vinte e cinco? — o pai soou surpreso. — Ora, santo Deus. Achei que ela só tinha vinte e dois. — É, meu querido, o tempo voa — a mãe disse sabiamente. — É isso aí, benzinho — o pai concordou. — Esta é uma das razões pelas quais eu disse que deveríamos viajar mais, mas só uma delas — e deu uma risada sugestiva. — Não resta dúvida de que você estava certo nesse ponto, querido — a mãe brincou, ofegante, soando subitamente décadas mais nova. — Eles estão fazendo charminho um para o outro no meu recado — Chris irrompeu. — E eles se esqueceram mesmo do meu aniversário! — Enfim, estamos nos preparando para ir para o aeroporto... A voz do pai surgiu, mais distante ainda. — Elinor! Despeça-se, a limusine do aeroporto chegou. — Bem, tenho de ir, senhorita Aniversariante! Ah, divirta-se em sua viagenzinha aeronáutica. Você não parte dentro de uns dois dias? Sua viagenzinha aeronáutica?! Chris revirou os olhos. Seu posicionamento estratégico de 90 dias como suboficial encarregada do controle de qualidade no Centro de Comunicações na Base Aérea Riyadh, na Arábia Saudita, para ajudar na guerra contra o terrorismo era só uma... “viagenzinha aeronáutica”? — E, meu bem, não se preocupe com o voo, seja para onde for. Você já está bem grandinha para superar esse medo. E, pelo amor de Deus, você se alistou na Força Aérea! 17

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Chris estremeceu, desejando que a mãe não tivesse mencionado sua fobia — aviões —, já que em breve ela estaria voando para o outro lado do mundo sobre oceanos de água. Era a única coisa da qual ela não gostava na aeronáutica. — Nós te amamos! Agora, tchau. A mensagem gravada terminou e Chris, ainda balançando a cabeça, apertou a tecla off e pôs o telefone na bancada. — Não acredito que vocês se esqueceram do meu aniversário! Vocês sempre disseram que era impossível esquecer o meu aniversário porque eu nasci pouco antes da meia-noite no Halloween — ela ralhou com o telefone enquanto pegava uma taça de champanhe. — Vocês nem se lembraram de mandar meu presente — ela continuou a olhar feio para o telefone enquanto se atracava com a rolha da garrafa de champanhe. Chris já servia ativamente à Força Aérea dos Estados Unidos fazia sete anos e seus pais jamais se esqueceram de seu presente de aniversário. Até agora. Seu vigésimo quinto aniversário — ela já tinha vivido um quarto de século. Era uma data emblemática, e ela ia comemorar sem o presente de aniversário dos pais. — É uma tradição de família! — ela cuspiu faíscas enquanto puxava a rolha e segurava a garrafa borbulhante sobre a pia. Chris suspirou e sentiu uma inesperada saudade de casa. Não, ela procurou lembrar a si mesma severamente, ela gostava da vida que levava na Força Aérea e jamais se arrependera de sua impetuosa decisão de se alistar logo que terminou o segundo grau. Afinal, a decisão, sem dúvida, implicou o afastamento de sua vida tranquila e normal de cidade pequena. Não, ela não havia exatamente “conhecido o mundo”, como prometiam os anúncios. Mas vivera no Texas, Mississippi, Nebraska, Colorado e agora Oklahoma, o que significava cinco estados nos quais a maioria das pessoas complacentes de sua cidade natal — Homer, Illinois — jamais moraria nem sequer visitaria. 18

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— Pelo jeito, meus pais são exceção à regra! — Chris se serviu de champanhe, bebeu um pouquinho e ficou batendo o pé, ainda olhando feio para o telefone. Parecia que durante o ano passado seus pais haviam participado de mais excursões da Silver Adventure Tours2 do que seria humanamente possível. — Eles devem estar tentando bater algum recorde. — Chris se lembrou dos dois fazendo charminho um para o outro em meio ao recado na secretária eletrônica e fechou os olhos rapidamente assim que lhe veio à mente essa imagem em particular. Ela abriu os olhos subitamente, de novo fuzilando o telefone com os olhos. — Mas, mãe, nada dos seus biscoitos caseiros de chocolate? — Ela tomou um golinho de champanhe e percebeu que precisava encher a taça. — Como vou cobrir todos os grupos alimentícios sem minha caixa de aniversário? — Ela enfiou a mão na outra sacola e tirou um cesto do KFC3, receita original, é claro. Passando do frango para o champanhe, ela continuou seu discurso solitário. — Tenho aqui o grupo das carnes, representado pelo KFC, misturado ao grupo das gorduras, importante para a boa digestão. Depois, tenho o grupo das frutas, champanhe, que eu pessoalmente adoro. Como vou completar meu grupo culinário de aniversário sem o grupo dos laticínios/açúcares/chocolate? — ela fez um gesto desgostoso indicando o telefone. Ela levantou a tampa da embalagem da KFC, pegou uma coxinha e deu uma dentada. Depois, usando-a para pontuar seus gestos, Chris prosseguiu. — Vocês sabem que vocês sempre me mandam algo totalmente inútil, que me faz rir e me lembrar de casa. Esteja eu onde estiver. Igual no ano retrasado, quando vocês me mandaram aquele medi2. Algo como “Excursões Aventuras Grisalhas” (N.T.). 3. Kentucky Fried Chicken, famosa rede de fast-food especializada em frango frito (N.T.). 19

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dor de chuva com um sapo acoplado. E eu nem tenho quintal! E o degrauzinho de pedra escrito “Deus abençoe esta casa” para colocar na porta de entrada, que eu tive de pendurar na parede do meu apartamento, pois não tenho casa! — O olhar irritado de Chris foi interrompido por um sorriso ao relembrar os presentes bobos que ganhara dos pais. — Imagino que estejam querendo dar a entender que eu deveria me casar ou, no mínimo, comprar um imóvel. Ela mastigou pensativamente e suspirou outra vez, um pouco irritadiça ao se dar conta de que devia estar soando como uma adolescente de quinze anos, e não como uma mulher de vinte e cinco. Então, resolveu levantar o ânimo. — Ei! Esqueci de ouvir o outro recado — ela disse para o telefone enquanto pegava o aparelho, acessava as mensagens e pulava a gravação dos pais. — Próxima mensagem nova. Enviada às 18:32. Chris sorriu com a boca cheia de frango. Devia ser Sandy, sua amiga mais antiga — na verdade, ela era a única amiga de escola com quem Chris ainda mantinha contato. Sandy a conhecia desde a primeira série e quase nunca se esquecia de nada, menos ainda de seu aniversário. As duas adoravam dar risadas, lembrando-se de como conseguiram “escapar” da cidadezinha de Homer. Sandy aterrissara na divertida e fabulosa cidade de Chicago, onde conseguira um excelente emprego em um grande hospital. Seu cargo era oficialmente denominado Contato para Casos Médicos, o que significava que ela era responsável por recrutar novos médicos para o hospital, mas ela e Sandy adoravam o tom irrealista do nome oficial do cargo e o duplo sentido obsceno para “contato” e “casos”. Era especialmente divertido porque Sandy estava casada fazia três anos, era feliz e fiel. — Fala aí, Chris. Quanto tempo, garota! 20

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Em vez do conhecido sotaque do centro-oeste de Sandy, a voz que ouviu era carregada do típico sotaque sulista, longo e fluido. — Sou eu, Halley. Sua gostosona favorita da Geórgia! Caramba... Sofri para conseguir seu novo número de telefone. Você é tão péssima que se esqueceu de me dar antes de partir. O sorriso de Chris saiu de seu rosto que nem cera derretendo em uma vela. Halley era uma das poucas coisas das quais ela não sentia falta do seu último posto de trabalho. — Só quero falar um segundinho. Estou ligando para avisar que meu aniversário de trinta anos é daqui a apenas um mês e meio, 15 de dezembro, para ser exata, e quero que você marque no seu calendariozinho. Chris ouviu incrédula. — Isso está parecendo uma batida de trem. Só vai piorando a cada segundo. — Vou dar a festa de arromba das festas de arromba e conto com sua presença. Então, vá logo tirando licença. Vou mandar o convite formal daqui a uma semana, mais ou menos. E, sim, aceitam-se presentes — Halley deu uma risadinha de Barbie sulista. — Te vejo em breve. Tchauzinho então. — Não acredito nisso. — Chris apertou a tecla off com bem mais força do que o necessário. — Primeiro, meus pais se esquecem do meu aniversário. Depois, tudo indica que minha amiga mais antiga também se esqueceu, e, para completar, ainda recebo uma ligação irritante de uma não amiga me convidando para a festa dela! — Ela soltou o telefone sobre a bancada. — Com um mês e meio de antecedência. Chris enfiou a garrafa fechada de champanhe na geladeira. — Considere-se pronta — ela disse, mal-humorada. Depois, pegou a garrafa de champanhe aberta, a taça pela metade, o cesto do KFC e marchou resoluta até a sala de estar, onde espalhou seu banquete na mesinha de centro antes de retornar à cozinha para pegar 21

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um punhado de guardanapos. Depois de passar perto do telefone silencioso como quem não quer nada, ela parou e deu meia-volta. — Ah, não. Ainda não terminei com você; você vem comigo. — Ela jogou o telefone ao seu lado no sofá. — Fica aí quietinho. Estou de olho em você. Chris pegou outro pedaço deliciosamente gorduroso de frango e ligou a TV — e rosnou de frustração. A tela não mostrava nada, não havia sinal. — Ah, não! A TV a cabo! — Como ela ia ficar fora do país por três meses, resolvera cancelar temporariamente a TV a cabo e ficara orgulhosa de si mesma pelo gesto de responsabilidade financeira. — Esta noite não! Eu disse a eles que era a partir de 1o de novembro, não 31 de outubro. — Ela deu uma olhada para o telefone silencioso. — Você deve ter algo a ver com isso. E, então, ela começou a rir histericamente. — Eu estou falando com o telefone. — Ela se serviu de outra taça de champanhe, notando que a garrafa já estava pela metade. Pensativa, Chris bebeu o líquido borbulhante e falou em voz alta, fazendo questão de ignorar o telefone. — Está na cara que a situação requer medidas de emergência. Hora de apelar para os clássicos filmes de mulherzinha. Segurando a coxa de frango entre os dentes, ela limpou as mãos na toalha de papel antes de abrir o armário de vídeos, que ficava ao lado do aparelho de televisão. Com a boca cheia, Chris foi murmurando os títulos enquanto passava a vista em sua coleção. — Dirty Dancing, Ritmo Quente, Terra das Sombras, Amor Sublime Amor, E o Vento Levou. — Ela parou e mastigou, avaliando. — Não, longo demais, e não tem clima de aniversário. Hummm... — Ela continuou lendo. — Super-Homem, Orgulho e Preconceito, O Último dos Moicanos, O Turista Acidental, A Cor Púrpura, As Bruxas de Eastwick. — Ela parou. 22

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— Garotas poderosas. É exatamente disso que eu estou precisando. — Ela colocou a fita de vídeo no aparelho. — Não — ela se corrigiu —, elas são mais do que garotas poderosas, são mulheres poderosas! — Chris levantou a taça para a tela, brindando a cada vibrante deusa que aparecia no filme. Elas eram singulares e fabulosas. Cher era misteriosa e exótica, com seus lábios fartos e perfeitos e seus cachos abundantes e sedutores, que lhe emolduravam o rosto feito a juba de uma leoa selvagem e enigmática. Chris deu um suspiro. Ela não podia fazer nada quanto aos seus lábios pequenos. Se tentasse fazer alguma coisa, iria acabar parecendo um experimento científico. Mas tudo nela era muito pequeno. Talvez estivesse na hora de repensar seu corte de cabelo curto, tipo joãozinho. Michelle Pfeiffer — essa, sim, era uma bela mulher. Até no papel de Senhora Mãe Fértil ela continuava inegavelmente etérea, loura e linda. Ninguém jamais a chamaria de bonitinha. E Susan Sarandon. Ela não ficava deselegante nem mesmo com as roupas de uma professora de música velha e durona. Ela emanava sensualidade. Homem nenhum ia querê-la apenas como amiga. Pelo menos nenhum homem heterossexual. — A essas três mulheres incríveis que são tudo o que eu sempre quis ser! — Ela não conseguiu acreditar que sua taça estava vazia, e a garrafa, também. — É bom demais termos um ao outro. — Ela deu um tapinha afetuoso no telefone antes de resgatar a outra garrafa de champanhe, salvan­do-a de uma vida solitária na geladeira. Ignorando o fato de que seus passos pareciam um pouquinho vacilantes, ela se acomodou de novo, pegou o quarto pedaço de frango e olhou de rabo de olho para o telefone irremediavelmente 23

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plácido. — Aposto que você fica chocado de ver alguém tão pequena comendo tanto. A campainha estridente do aparelho soou em resposta. Chris deu um pulo, quase engasgando com o pedaço mal mastigado de frango. — Santo Deus, você quer me matar de susto! O telefone tocou outra vez. — Christine Canady, isso é um telefone. Recomponha-se, sargento. — Ela balançou a cabeça repreendendo a si mesma pela bobeira. O treco soou pela terceira vez antes de ela conseguir limpar as mãos e acalmar os nervos para conseguir atender. — A-alô? — ela disse, hesitante. — Poderia falar com a Chris, por favor? — A voz da mulher era desconhecida, mas soava agradável. — É ela. — Chris clicou no controle remoto e deu pausa n’As Bruxas de Eastwick. — Senhorita Canady, aqui é Jess Brown, do Woodland Hills Resort em Branson, Missouri. Estou ligando para lhe dizer que seus pais, Elinor e Herb, lhe deram de presente de aniversário de 22 anos um fim de semana em nosso belo resort em Branson! Feliz aniversário, senhorita Canady! Chris estava quase vendo Jess Brown lá em Branson — fosse lá onde fosse esse lugar — sorrindo cheia de empolgação. — Vinte e cinco anos — foi tudo o que ela conseguiu dizer. — Perdão? — É meu vigésimo quinto aniversário, não vigésimo segundo. — Não. — Ela ouviu barulho de papéis sendo freneticamente manuseados. — Não, aqui diz: Christine Canady, aniversário de 22 anos. — Mas eu não... 24

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— Não é Christine Canady? — Jess soou preocupada. — Não tenho 22 anos! — Chris deu uma olhada na segunda garrafa de champanhe recém-aberta. Talvez ela estivesse bêbada e tendo alucinações. — Mas você é Christine Canady? — Sim. — E seus pais são Elinor e Herb Canady? — Sim. — Bem, se você é você mesma, então o resto não interessa. — O alívio de Jess foi evidente. — Pois é. — Chris deu de ombros, impotente. Ela resolveu entrar na loucura também. — Ótimo! — O tom atrevidinho de Jess estava de volta. — Agora, só mais uns detalhezinhos que você deve saber. Você pode planejar seu fim de semana para qualquer data do ano que vem, mas precisará ligar para fazer reserva de sua cabana... Cabana? A cabeça de Chris deu voltas. O que eles haviam feito? — ...com, pelo menos, um mês de antecedência, do contrário, não poderemos garantir a vaga. Naturalmente, este presente é para uso pessoal, mas é possível trazer um acompanhante por uma pequena taxa ou totalmente de graça, caso ele ou ela aceite comparecer a uma breve reunião informativa sobre as vantagens de nosso sistema de timeshare. Chris fechou os olhos e esfregou a têmpora direita, onde começava a se formar o eco de uma dor de cabeça. — E, além de seu maravilhoso fim de semana no bosque — Jess Brown se empolgou —, seus pais tiveram a generosidade de lhe reservar um ingresso para o Andy Williams Moon River Theater, um dos espetáculos mais populares e longevos de Branson! Chris não conseguiu conter o gemido lúgubre que lhe escapou dos lábios. 25

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— Ah, eu bem posso entender sua excitação! — Jess quase se emocionou. — Vamos lhe enviar todas as informações por correio. Deixe-me só confirmar seu endereço... Chris se ouviu confirmando o endereço rudemente. — Tudo certo! Acho que essa é toda a informação de que você precisa. Tenha uma ótima noite, senhorita Canady, e feliz aniversário de 22 anos! — Jess Brown desligou animadamente. — Mas onde fica Branson? — Chris perguntou para o telefone já mudo.

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