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s é r i e
Doce sabor
O doce sabor da justiça PAU L A
T OY N E T I
B E N A L I A
TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA
S ão Pau l o , 2 0 1 7
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O doce sabor da justiça
Copyright © 2017 by Paula Toyneti Benalia Copyright © 2017 by Novo Século Editora Ltda. coordenador editorial
aquisições
Vitor Donofrio
Cleber Vasconcelos
editorial
Giovanna Petrólio João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda
preparação
revisão
Fernanda Guerriero Antunes
Livia First Larissa Caldin
diagramação
Nair Ferraz
capa
Marina Avila
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Angélica Ilacqua CRB‑8/7057 Benalia, Paula Toyneti O doce sabor da justiça / Paula Toyneti Benalia. ‑ Barueri, SP: Novo Século Editora, 2017. (coleção Talentos da literatura brasileira)
1. Ficção brasileira I. Título. 17‑282
cdd‑869.3
Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção brasileira 869.3
novo século editora ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699‑7107 | Fax: (11) 3699‑7323 www.novoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br
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Para aquele que sempre consegue me fazer sorrir, não importa a situação. Basta um olhar para aquecer meu coração, e eu sou grata todos os dias por seu amor: Alison, meu sonho infinito. Meu sentido começa e termina em você.
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“Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais; somos também o que lembramos e aquilo de que nos esquecemos; somos as palavras que trocamos, os enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos, sem querer.” – Sigmund Freud –
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PRÓLOGO Vamos dizer que tenho uma lista de regras para a minha vida. Olha, não escrevi isso e colei no guarda‑roupas, não, isso seria ridículo. O máximo que guardo lá, fora minhas coisas, são algumas calcinhas, aquelas das mulheres que realmente valeram a pena em uma noite, porque não é fácil agradar um homem como eu em uma noite. Desse jeito tenho a vida que sempre sonhei. Status so‑ cial, dinheiro, mulheres, festas, mulheres, realização pessoal e mulheres. Regra número 1 – nunca, em hipótese alguma, eu vou me casar nem namorar. Esse negócio de todos os dias a mesma mu‑ lher costuma ser meio cansativo. Primeiro que elas geralmente ficam chatas depois de uma semana. Afinal, mulheres são hor‑ mônios e hormônios geram TPM e TPM acontece todos os meses. Não tem como fugir. Depois, as mulheres são muito possessivas e minha mãe sempre me ensinou que dividir era importante. Lembro‑me desde pequeno quando ela comprava um doce: “Filho, divida com seus colegas, nunca seja egoísta”. Aprendi assim, então gosto de ser compartilhado, não dá para ser de uma só.
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Regra número 2 – nunca acordo com uma mulher na minha cama. Isso é muito desconfortável. Você deita com uma princesa e acorda com um ogro. Regra número 3 – nunca compro presentes. O melhor presente para uma mulher sou eu. Isso já é muita coisa. Regra número 4 – eu não aceito perder, nunca. Como um bom advogado que sou – na verdade, um dos melhores –, sem‑ pre tenho um bom argumento e um álibi. As minhas causas nos tribunais são sempre certas de vitória. Isto minha mãe ensinou na infância: “Filho, você precisa aprender a perder”. A questão é que não aprendi isso. Não achei vantagens em ser perdedor. Regra número 5 – nunca digo coisas comprometedoras a uma mulher. Tipo: “você é linda”, “você é especial”, “te amo”, “estou apaixonado”, de jeito nenhum. O máximo que consigo de um elogio é “você é muito gostosa”. Regra número 6 – eu nunca odeio uma mulher. Mulheres são seres divinos que nos dão prazer. Então você nunca pode odiar uma mulher. Elas às vezes me irritam quando descobrem meu telefone, mas a irritação passa quando troco de chip. Pre‑ ciso fazer isso com muita frequência. Regra número 7 – nunca saio com uma mulher duas ve‑ zes. Não posso me arriscar a querer acordar ao lado dela. Então você sai com ela e depois diz “até nunca mais”. Às vezes elas não entendem e choram, então você dá um abraço e diz que o problema não é ela, é você que não está aberto para relaciona‑ mentos, tem depressão, sei lá. Você inventa. Afinal, mulheres acreditam em qualquer coisa. Regra número 8 – nunca quebro uma regra. Às vezes as pessoas pensam que não tenho coração. Mas na verdade ele é muito grande e muito afetivo, quer todas as mulheres bonitas
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que encontra. Então não dá para ficar ocupando ele com uma coisa só. Eu diria que tudo ia bem na minha vida, perfeitamente bem, na verdade. Eu diria até que não tinha problemas. A mi‑ nha vida era uma farra, sem hora nem dia para acabar. Até que uma mulher entrou e começou a quebrar todas as regras!
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CAPÍTULO 1 Mike Respiro fundo. Hoje não é um bom dia. Isso é algo com o qual não estou costumado a lidar, porque sempre tenho dias maravilhosos. Hoje, ao que tudo indica, estou ferrado de azares! Começou pela notícia de que minhas afilhadas vão fazer um ano. Eu nem lembrava mais a data e meu amigo Joe me liga, avisando que vai ser neste fim de semana. Olha, eu amo de verdade aquelas duas princesas e nunca imaginei que poderia amar tanto dois bebês. O problema co‑ meça com a madrinha delas: eu não a suporto. Eu sei que tenho a regra de nunca odiar uma mulher. Não sei se é ódio, mas não suporto aquela patricinha mimada. Desde o batizado das meninas eu não a vi mais e isso, eu posso dizer, com letras bem grandes, é um ALÍVIO, quase tão bom quanto gozar. Então, quando Joe me liga, lembrando‑me da festa, a imagem dela me vem à mente e isso acaba com o meu dia. Aí você se pergunta: “Como se pode pegar tanta raiva por alguém, Mike? Ela te fez algum mal?”. E eu te respondo: “Ela fez todo o mal possível: ela nasceu! Isso já foi o suficiente para fazer o mundo ser um lugar um pouquinho pior!”.
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Depois dessa notícia péssima, recebo a ligação de uma mu‑ lher cujo nome eu não lembro. Ela descobriu meu telefone não sei como e pede uma explicação por tê‑la deixado sozinha, em um quarto de hotel, sem dizer nada. A minha justificativa pra ela? Nenhuma. Desliguei o telefone. O problema é que vou ter que mudar o chip pela milésima vez! Também estou atolado de trabalho. O escritório está, como nunca, bombando. O problema é que peguei mais casos do que deveria. A MH Advocacia atualmente está com trinta advoga‑ dos contratados e isso deveria ser suficiente para que eu não me sobrecarregasse, mas, além de eu adorar desafios, vários clientes importantes só deixam as causas na MH com a condição de que seja eu o advogado a assumir os processos. Quando chego, entro na minha sala e meu pai está me es‑ perando. Ele é meu companheiro de trabalho e ultimamente tem mais me assessorado do que ficado à frente das causas. – Oi, pai – digo, dando‑lhe um abraço. Tenho uma relação muito boa com meus pais, sou até mui‑ to mimado, eu acho. – Filho, que bom que veio cedo – ele diz. Às vezes durmo um pouco mais na segunda‑feira. – Temos um cliente importante, causa grande – meu pai continua –, mas ele exige você. – Pai, não dá, estou atolado até o pescoço. Passa para o Lucas, ele é o melhor e está disponível. – Ele não aceita. Escuta pelo menos do que se trata. – Meu pai sorri. Ele sabe que vai acabar me convencendo com o caso; deve ser um desafio. – Greg Romero me procurou esta manhã. Sua família detém uma das maiores empresas de exportação do país e que entra também em algumas listas do mundo. – A Romero Imports. Já escutei esse nome – acrescento. 14
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– Pois é, ele detém bem pouco das ações da família. A maior parte está nas mãos do irmão e da cunhada: Mário, Regina e Romero. – E qual é o problema? Ele quer mais? – pergunto, curioso. – O problema é que esse casal se acidentou há dois meses e os dois foram a óbito. Tudo foi parar nas mãos da única filha do casal, Mariah Romero. O tio alega incapacidade da sobrinha para administrar os bens e a empresa. Ele entrou com o pedido por ser o parente mais próximo e quer a interdição judicial de Mariah Romero. – Com base em que ele fez o pedido? Ela tem alguma de‑ ficiência mental? – Não. Na verdade, ele garante uma incapacidade gesto‑ ra. Reuniu diversas provas. Como era próximo do irmão e o dinheiro que bancava a garota saía da empresa, ele tem acesso a tudo, como contas bancárias e cartões de crédito. A garota é uma verdadeira fábrica de gastar dinheiro, consome tudo o que vê pela frente, coisas fúteis. Só bolsas, ela comprou seis em um dia, gastando um total de 250 mil reais em uma única compra. – Mas ir ao tribunal alegando que a garota é consumista não vai ser suficiente, pai – digo, pensando em outra estratégia. Se entro em uma causa é para ganhar; aliás, como sempre. Este Mike aqui não nasceu para perder. – O que você sugere? Assume o caso? – Não sei… É algo interessante. Deixa tudo que ele te en‑ tregou, vou estudar o caso. Se conseguir uma boa argumenta‑ ção, estou dentro. – Vou ligar para ele. De quantos dias você precisa? – Dois dias, pai. Vou resolver o mais urgente. Hoje à noite já me debruço sobre isso.
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– Obrigado, filho. Romero é um grande amigo e temos alguns negócios juntos. Não saberia o que dizer se você não aceitasse. – Pai, não aceitei ainda – eu o alerto. – Você vai aceitar – ele diz, batendo as mãos em minhas costas. – Me ligue assim que decidir. Minha curiosidade é maior e não espero a noite chegar. Pego todos os documentos e começo a ler. Eu gasto bastante para ter uma vida confortável, mas nunca vi tantos zeros juntos em compras tão fúteis. Para se ter ideia, ela chegou a gastar 100 mil dólares em um pet shop. Romero anexou laudos de alguns psiquiatras que sugerem uma possível compulsão por compras; com isso, já temos algo mais consistente. Posso pedir uma avaliação de um psiquiatra por ordem judicial. Os valores agregados à empresa são exorbitantes. Se realmen‑ te tudo que estiver escrito aqui for verdade, vamos conseguir fácil, eu penso. Mato-me de rir quando leio a ata de uma reunião que acon‑ teceu na empresa alguns anos atrás. Mariah estava presente a pedido do pai. Segundo algumas anotações do Greg, ele gosta‑ ria que a filha tomasse gosto pelos negócios. A pauta da reunião era “Novos horizontes para a exportação, novos mercados e produtos a serem agregados”. A sugestão dela foi que o foco de‑ veria ser a exportação de bolsas exóticas, as quais são fabricadas no continente africano. Abolir todos os outros produtos e ficar só com esse. A rota de exportação seria só da África aos Estados Unidos, onde ela reside. Quando o tio perguntou com que fun‑ damento ela se baseou para tal sugestão, Mariah disse que fica‑ ria mais fácil para ela obter as bolsas. Depois dessa reunião, o pai nunca mais a quis na empresa. 16
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Eu gostei muito do caso e acho a vitória certa. Então, ligo para o meu pai e dou a grande notícia. O restante do dia corre tranquilo. Cansado, no fim do dia, decido relaxar e ligo para uma massagista que conheci em uma festa, uma gostosa de tirar o fôlego. Marco uma sessão em seu spa e vou na certeza de que outros serviços estarão inclusos no pacote. Meu celular toca. É o Joe de novo. – Fala, cara. Estou em expediente ainda, cobro por minuto. – Mike, a Julie quer que você venha jantar aqui hoje. – Sua voz sai meio baixa. Ele está escondendo algo. – Joe, sua mulher me ama, eu sei disso. Só que não deve estar com saudades ainda, nos vimos faz só dois dias. Qual o real motivo desse jantar? Escuto ele esbravejar do outro lado do telefone: – Olha, se você disser que eu contei, te mato. Ela quer con‑ versar sobre o aniversário das meninas. Disse que você deu muito vexame no batizado. Ela não quer rolos na festa. – Mas que droga, cara! Estou indo me acabar com uma garota e você quer que eu troque isso pelos discursos da Julie? Nem pensar. Fala para ela que eu vou trabalhar até tarde. – Ela não vai acreditar. Você já deu essa desculpa para ela muitas vezes. Não cola mais. – Então diz que arrumei uma namorada e que vou levá‑la para jantar em um lugar romântico. – Eu me seguro para não rir da ideia ridícula. – Mike – Joe não se controla e começa a gargalhar –, se eu disser para a Julie que você foi a uma expedição para a Lua com a Nasa, ela com certeza vai acreditar, mas se eu disser que você está namorando, nunca!
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– Então diz que eu fui para a Lua, ou pede para Julie descon‑ vidar aquela louca da Clarice, vai ser mais fácil. – Se você não estiver aqui até as oito, mando barrar você na entrada da festa. – Essa é sua última palavra. Ele desliga o telefone na minha cara. Tudo pela Julie. O Joe era um cara esperto como eu, só que a conheceu, encantou-se e virou um babaca babão. No último aniversário dele, dei um babador de presente. Foi hilário, porque o babador estava preso a uma miniforca de madeira. Mandei fa‑ zer exclusivamente para ele. Óbvio que ele não gostou, disse que amar não é sinônimo de ser babaca, mas de felicidade. Pedi para ele deixar essa felicidade não me achar nunca. Conheço milhares de posições e mulheres diferentes que me trazem felicidade. Olho para o relógio. Tenho que estar na casa dele dentro de duas horas. Não vou desistir do spa, só não vou poder ficar com rodeios: nada de massagens, vamos direto ao ponto prin‑ cipal, e esperar o que me aguarda nessa reunião familiar. Com certeza vou escutar a ladainha do batizado tudo de novo, e as filmagens… as quais com certeza Julie colocará para assistirmos pela milésima vez. Que saco. Ver o padre apanhando não é algo que você faça sem rir!
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