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mary downing hahn
espere até
Helen chegar
Tradução Caio Pereira
São Paulo, 2017
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Espere até Helen chegar (Wait Till Helen Comes: A Ghost Story) Copyright © 1986 by Mary Downing Jacob Published by special arrangement with Clarion Books, an imprint of Houghton Mifflin Harcourt Publishing Company Copyright © 2017 by Novo Século Editora Ltda.
coordenação editorial
gerente de aquisições
Vitor Donofrio
Renata de Mello do Vale
editorial
Giovanna Petrólio João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda tradução
revisão
Caio Pereira
Gabriel Patez Silva
edição de texto/arte
capa
Vitor Donofrio
Vitor Donofrio
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Hahn, Mary Downing Espere até Helen chegar Mary Downing Hahn; [tradução Caio Pereira]. Barueri, SP: Novo Século Editora, 2017. Título original: Wait Till Helen Comes – A Ghost Story 1. Literatura norte‑americana 2. Histórias de fantasmas 3. Terror I. Título II. Pereira, Caio 16‑1544
cdd‑813
Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura norte‑americana 813
novo século editora ltda.
Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699‑7107 | Fax: (11) 3699‑7323 www.novoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br
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Uma história de terror para Norm.
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1 – Vocês compraram uma igreja? Michael e eu olhamos por cima da pilha de lição de casa que cobria boa parte da mesa da cozinha. Eu estava bem no meio de um poema que escrevia para a aula de Inglês da Sra. Pelowski, e Michael percorria alegremente vinte questões de Matemática. Minha mãe encheu uma chaleira de água e a colocou sobre o fogão. Suas bochechas estavam rosadas por ter tomado o ven‑ to frio de março, tanto quanto a pontinha do nariz. – Você e Molly vão adorar – ela prometeu. – É exatamente o tipo de lugar pelo qual eu e Dave vínhamos procurando esse tempo todo. Tem uma cocheira que ele vai poder usar como ate‑ liê e um espaço no coral para eu montar um estúdio. É perfeito. – Mas como é que vamos morar numa igreja? – insistiu Michael, recusando‑se a ser vencido pelo entusiasmo dela. – Ah, nem é mais uma igreja – disse minha mãe. – Um pes‑ soal da Filadélfia a comprou ano passado e construiu uns quar‑ tos do lado. Eles iam montar um antiquário na igreja em si, mas, mesmo depois de todo esse trabalho, no fim das contas resolveram que não queriam morar no interior. 7
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– Fica no interior? – eu perguntei, fazendo careta para o gatinho que rabiscava na margem do caderno. Minha mãe sorriu e olhou por cima de mim, pela janela da cozinha, para a janela da Sra. Overton, do outro lado da rua. Tive a sensação de que ela se via perante um cavalete, traba‑ lhando em uma de suas enormes pinturas a óleo, bem longe do que ela chamava de a “vida dura da cidade, de matar a alma”. Ela tem esse costume enlouquecedor de vagar por seu mundo de sonhos bem na hora em que se precisa dela. – Onde fica essa igreja? – perguntei, bem alto. – Onde? – Ela despejou água fervente na caneca e acres‑ centou mel. – Fica em Holwell, Maryland, não muito longe das montanhas. É lindo lá. Lindíssimo. O lugar ideal para pintar e esculpir. – Mas e quanto a mim e a Molly? O que a gente vai fazer enquanto você e o Dave pintam e fazem cerâmica? – perguntou Michael. – Você prometeu que eu poderia participar do programa extracurricular nas férias – eu disse, pensando na aula de escri‑ ta criativa que planejava fazer. – Vou poder participar? – Isso! E o clube de ciências? – Michael perguntou. – Eu já me inscrevi. O Sr. Phillips vai nos levar ao Aquário e ao Centro de Ciências, e até ao Smithsonian, em Washington. Minha mãe suspirou e sacudiu a cabeça. – Acho que vocês vão ter que mudar seus planos para o ve‑ rão. Vamos nos mudar em junho, e não posso ficar dirigindo até Baltimore todo dia. – Mas eu fiquei esperando pelo clube de ciências o ano todo! Michael ergueu a voz; pude perceber que se esforçava mui‑ to para não chorar. 8
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– Vai ter uma baita floresta lá pra explorar – minha mãe disse calmamente. – Pense em toda a vida selvagem que você vai poder observar e nos insetos que vai acrescentar à sua co‑ leção. Olha, no dia em que estive lá com Dave, nós vimos um guaxinim, um gambá, uma marmota e um monte de esquilos – ela continuou, inclinada sobre a mesa, sorrindo, na esperança de convencer Michael de que ele iria adorar morar numa igreja no interior, a quilômetros de distância do Sr. Phillips e do clube de ciências. Contudo, convencer Michael de alguma coisa não era nada fácil. Afundado na cadeira, ele murmurou: – Prefiro ficar em Baltimore. Mesmo que seja pra ver só baratas, pombas e ratos. – Ah, pelo amor de Deus, Michael! – Minha mãe estava exasperada. – Você já tem dez anos. Aja de acordo! Quando Michael abriu a boca para se defender, Heather apareceu na porta da cozinha, respondendo, sem dúvida, ao alerta de seu radar interno detector de problemas. Seus olhos cinza pálidos passaram da mamãe para o Michael, depois para mim, e de volta para mamãe. Pela expressão em seu rosto, ima‑ ginei que ela esperava testemunhar um derramamento de san‑ gue, com gritos, uma cena pavorosa de violência doméstica. – Nossa, Heather, eu estava pensando em você agora mes‑ mo! – Mamãe virou‑se para ela, enchendo a voz de entusiasmo mais uma vez. – Adivinha só! Seu pai e eu encontramos um lugar novo pra gente morar, lá no interior. Não vai ser o máximo? Ela abriu um sorrisão de apresentadora de programa in‑ fantil e estendeu os braços para Heather. Com a destreza de uma gata, Heather escapou dos braços de mamãe e foi espiar pela janela da cozinha. 9
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– Papai chegou – anunciou ela, sem nem olhar para nós. – Ai, não, me esqueci de colocar a caçarola no forno! Minha mãe correu para a geladeira e retirou dali uma mis‑ tura de berinjela, queijo, tomate e triguilho, que meteu dentro do forno assim que Dave abriu a porta dos fundos, trazendo consigo uma rajada do vento frio de março. Após dar um beijo e um abraço em mamãe, ele carregou Heather no colo. – Cadê a minha gatinha? – ele disse, todo feliz. Heather entrelaçou o pescoço dele com os braços possessi‑ vamente e sorriu, tímida. – Eles estavam brigando – disse, disparando um olhar para Michael e eu. Dave olhou pra mamãe, que sorriu e fez que não era nada. – Só estávamos conversando sobre a mudança, só isso. Ninguém estava brigando, Heather. Mamãe abriu a água fria e pôs‑se a lavar alface para a salada. – Não gosto quando eles brigam – disse Heather, apertan‑ do ainda mais o pescoço de Dave. – Vem, Michael. – Eu me levantei e comecei a juntar livros e papéis. – Vamos terminar a lição de casa lá embaixo. – O jantar vai sair daqui uma meia hora – disse minha mãe quando já começávamos a descer para o porão. Assim que estávamos longe dos ouvidos dos demais, virei ‑me para Michael. – O que a gente vai fazer? Michael largou‑se no sofá velho em frente à televisão. – Nada. Já era, Molly. Eles compraram a igreja, e a gente vai se mudar pra lá. Ponto. 10
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Ele agarrou uma almofada e a arremessou longe, quase acertando um dos quadros da mamãe, um close imenso de um girassol. – Por que ela teve de se casar com ele? A gente era muito feliz antes de ele e a Heather chegarem. Larguei‑me ao lado dele, concordando plenamente. – Eles estragaram tudo. Dei uma olhada na escada, para garantir que Heather não tinha vindo de fininho nos espionar, e disse: – Se pelo menos a Heather fosse uma menina normal. Ela age como se tivesse dois anos, e não sete. E é maldosa: bisbi‑ lhota, mente e faz tudo o que pode pra arranjar confusão pra gente com o Dave. E por que eles sempre ficam do lado dela? Até a mamãe! Michael fez careta. – Você sabe o que ele fala. – Baixando a voz para um tom profundo e sério, ele continuou: – A Heather é uma menina muito sensível e imaginativa. E sofreu uma perda muito gran‑ de. Você e Molly têm que ter paciência com ela. Resmunguei. – Até quando vamos ter pena e ser legais com ela? Sei que deve ter sido horrível ver a mãe morrer num incêndio e ser pe‑ quena demais pra ajudar, mas ela só tinha três anos. Já era para ter superado, Michael. Ele fez que sim. – Se o Dave a pusesse na terapia, aposto que ela iria melho‑ rar. O irmão do meu amigo Martin vai num cara lá em Towson, e tem sido de grande ajuda. Ele brinca com uns bonecos e faz desenhos e coisas de argila. Suspirei. 11
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– Você sabe muito bem o que Dave acha da terapia, Michael. Eu o ouvi dizendo pra mamãe que os terapeutas só bagunçam a cabeça das pessoas. Michael levantou‑se e ligou no Speed Racer. Com um olho na tela e outro no papel, pôs‑se a fazer o restante da lição de Matemática. Já eu fiquei ali sentada desenhando mais gatos em vez de terminar meu poema. Passados uns minutos, cutuquei meu irmão. – Lembra daquele filme que a gente viu na TV? Daquela menininha que fazia umas coisas horríveis com os inimigos? – A tara maldita? – Isso, esse mesmo. Então, às vezes eu acho que a Heather é igual àquela menina, a Rhoda. E se ela pôs fogo na mãe de propósito, igual a Rhoda fez com aquele zelador? Michael fitou‑me por cima do aro dos óculos. – Você pirou, Molly. Nenhuma criança de três anos de ida‑ de consegue fazer um negócio desses. Ele falava como se fosse um cientista explicando algo a uma criança, em vez do garoto de dez anos dirigindo‑se à irmã mais velha, de doze. Reparando em quão ridícula eu tinha sido, caí no riso e disse que estava brincando – mas não estava. Havia algo em Heather que me deixava realmente incomodada. Por mais que tentasse, eu não conseguia gostar dela, muito menos amá‑la, como minha mãe ficava me incentivando a fazer. Era difícil sentir pena ou qualquer coisa além de não gostar dela. E não que eu não tivesse tentado. Quando Heather veio morar conosco, fiz tudo em que pude pensar para ser uma boa irmã, mas ela deixou bem claro que não queria nada de mim. Se eu tentava pentear seu cabelo, ela recuava e ia chorar pra 12
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mamãe, dizendo que eu a machucara. Se eu me oferecia para ler, ela começava a bocejar já na primeira frase e dizia que a his‑ tória era chata, um tédio. Certa vez, cometi o erro de deixá‑la brincar com as minhas bonecas Barbie antigas, as que eu pre‑ tendia guardar pras minhas filhas; ela cortou o cabelo de todas, brincando de salão de beleza, e rasgou as melhores roupas. Ela até rasgou uma família de bonequinhos de papel que eu cortei para ela, sentindo um enorme prazer em decapitar um por um na minha frente. Depois os largou com desdém na lata do lixo e saiu do quarto. Para piorar as coisas, ela inventava mentiras sobre e Michael e eu, fazendo parecer que nós a atormentávamos sem‑ pre que ficávamos sozinhos com ela. Dave acreditava nela quase sempre; a mamãe também, às vezes. Passados seis meses desde que minha mãe se casara com Dave, as coisas ficaram muito tensas em casa. Em minha opinião, Heather era a responsável por quase todo esse mal‑estar. E agora íamos nos mudar para uma igrejinha no interior, onde não haveria como escapar dela as férias todas. Era de se estranhar eu estar deprimida? Dei uma olhada no Michael, ainda com afinco na Matemática. Meu poema estava agora quase totalmente obs‑ curecido pelos gatos que desenhei por todo o caderno. Fitei ‑o, triste, sem mais ânimo para continuar escrevendo sobre unicórnios, arcos‑íris e nuvens. Arranquei a folha, amassei‑a numa bola e a arremessei no Speed Racer assim que ele passou, muito veloz, em seu carrinho. Comecei, então, a escrever um poema sobre a vida real. Algo deprimente, que falava de soli‑ dão, da infelicidade e da miséria que é não ser compreendida nem amada.
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