Faces do desejo

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Jeam Camilo

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coleção novos talentos da literatura brasileira S ão Pau l o 2 0 1 3


Copyright © 2013 by Jeam Camilo

Coordenação Editorial Letícia Teófilo Preparação Thiago Fraga Projeto gráfico e Diagramação Project Nine Capa Monalisa Morato Revisão Marcelo Hauck/Patrícia Murari Foto do autor Daisy Serena Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Camilo, Jeam Faces do desejo / Jeam Camilo. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. -- (Coleção novos talentos da literatura brasileira) 1. Ficção brasileira 2. Ficção erótica I. Título. II. Série. 13-12197 CDD-869.93 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

2013 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA - Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11º andar Bloco A - Conjunto 1111 CEP 06455-000 - Alphaville Industrial - SP Tel. (11) 3699-7107 - Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br


Dedicatória

Para minha irmã, Patrícia. Aos anos e às horas.


Parte 1 Machuca n達o!


Capítulo 1

Não devia ter mais do que vinte anos quando acordou molhada, completamente molhada, ao sonhar, da forma mais realista possível, que estava em uma sala escura e, à sua volta, um círculo de cavaleiros – na verdade, caçadores seria mais apropriado –, com ela posicionada bem no centro e forçosamente em posição de vítima. Ela, nua por completo. Eles, doze, talvez quinze, ou, quem sabe, no máximo, vinte homens altos e fortes... totalmente nus e excitados, andando em círculo, observando-a. Quem seriam eles? Estavam mascarados. Todos. A luz, fracamente azulada e, ao redor, uma névoa diabólica. Pararam de andar. Ela, imóvel. Um deles abriu a cerimônia e começou a masturbar-se. Todos os outros fizeram o mesmo gesto. Dois deles, cada um saindo de um lado do círculo, aproximaram-se e fizeram a assustada, porém obediente ninfa, começar a chupar-lhes o membro. Apesar da aparente fragilidade, ela foi segura em suas intenções e não recuou. Outros dois vieram... e depois mais dois... até se ver dominada por todos os homens, que a mantiveram ao centro, e eles, de forma incrível e belamente organizada, revezavam-se para tocá-la, lambê-la, mordê-la... até o momento em que os doze, quinze ou vinte – já não conseguia mais mensurar – cavaleiros ejaculassem nela. Todos. Num mesmo e intenso esporro.


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Acordou tão transtornada que demorou a perceber que ainda não havia amanhecido, e teria longas horas pela frente. Talvez sua postura blasé impedisse, mesmo de maneira inconsciente, que se sujasse. O motivo para estar tão desconcertada era a força da realidade do sonho. Ou pesadelo. Nunca experimentara nada daquilo... as sensações eram palpáveis. As luzes azuis e a névoa incessante eram as mesmas de sua rua a certa hora da madrugada. Não era sonho! Ou a realidade perdeu sua percepção e tornou-se onírica? Jamais conseguiria definir. Levantou-se e começou a preparar-se para mais um dia na faculdade. A. não parecia tão disposta a ser a melhor aluna nesse dia, mas quem a conhecia, sabia que ela seria brilhante. Ao se preparar para entrar no banho, não ficou surpresa em ver seu rosto acabado, consequência da festa que rolara até a madrugada. Desde muito cedo, não esperava gozar de boa reputação e aparência ante seu próprio espelho. Em quarenta minutos banhou-se e fez todo o itinerário necessário para sua personificação de mulher inteligente e fatal: uma maquiagem leve para a manhã, um batom de cor neutra, cremes importados para as mãos, tronco e pernas; penteou-se magnificamente, e usou seu perfume mais floral e inocente. Queria passar uma imagem displicente, como se toda aquela preparação fosse seu dom natural. Mas não era. Percorreu o jardim de sua casa e entrou em seu carro importado. Foi. C. ao telefone. Ela sequer parou o carro para atender. Nunca havia infringido uma única lei de trânsito, tampouco estava perto de ser tão altruísta quanto imaginavam. Estava nervosa por C. ser tão dependente. Isso estava irritando-a havia algumas semanas, e o fato de não ter ido à festa


com ela e V. a havia deixado absolutamente furiosa. Mas a ligação dele, sim, a fez parar o carro mais adiante. Era sobre um rapaz que fazia o terceiro semestre de Medicina. Há quarenta minutos ele havia se jogado do décimo nono andar do prédio atrás da faculdade. E, sim, eles se conheciam, o suficiente para A. tê-lo beijado na festa da noite passada. Lembrava-se de seu rosto... rapaz bonito, bombado... não podia acreditar. – Que coisa! Já tô chegando. O local estava cheio de policiais, curiosos e estudantes do próprio prédio. Ao que consta, o sujeito era depressivo e tinha rompido com a noiva. Vinte e três anos. E noivo. C. já estava à espera dela. Havia um lençol branco por cima do corpo. Quarenta minutos e o sinistro estava interditado. Realmente sinistro. Que ideia! Que horror. C. a puxou para o lado querendo saber da noite anterior. – Se você tivesse ido, saberia o que aconteceu. Saíram rapidamente dali. Não queriam ficar expostos a nada de sujo ou feio, ao menos não por enquanto. As aulas não foram suspensas, com exceção do terceiro semestre de Medicina, afinal o que os outros tinham a ver com o fulano bonito e depressivo que se jogou do décimo nono andar... por conta de quem mesmo? C. ainda insistia em perguntar pela festa. A ausência de V. foi percebida, mas ficara tão bêbado que demoraria ainda quatorze horas para se levantar da cama por completo. A. estava brilhante na aula e ainda se deu ao luxo de ironizar o professor, afirmando que Marx era um grande marqueteiro capitalista ao escrever volumosos best-sellers. Era só para criar discussão mesmo; no fundo, os grandes volumes de Marx eram os livros de cabeceira dela.

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Livre de C. e de V., A. dirigiu-se à biblioteca. Procurou manter-se calma e agir com naturalidade. Entre as estantes com o acervo de literatura, encontrou-se com Doutor Jivago e suas imponentes seiscentas e tantas páginas. Não era de suas edições preferidas, daquelas mais antigas, mas pareceu ser bem interessante para se ler após um Henry Miller. Demorou-se mais alguns instantes. Mais alunos. As aulas foram interrompidas após o intervalo. Saco. Nada para fazer a não ser ler. Pelo que constava em sua memória, C. não entrou para a aula. Sentou-se no sofá da recepção da biblioteca e abriu o Doutor. Mas o entra e sai de alunos a impediu de manter a atenção na história. Quando Lara entra mesmo? No filme, demorava uma cara! Outra pessoa entrou. Que saco! Como são imbecis! Esses olhos parados, olhando para algum ponto inexistente em um horizonte que fica entre o nada e o lugar nenhum. E tão vazios! Ela não suportava mais. Aquela rotina estafante e, mais do que isso, angustiante, parecia envolvê-la e tomá-la de tal forma que, se não corresse dali o mais rápido possível, seria sufocada até ter seus olhos paralisados e vagos. Não permitiria isso de forma alguma. Após longos segundos, decidiu levantar-se. Mais idiotas entrando! Que ambiente nefasto este da faculdade! Um horror. O horror. Estava começando a ficar excitada e sabia que um deles, V. ou C., estaria no apartamento naquela hora. Era preciso manter o controle e a normalidade. Mas era o outro quem a estava perturbando. Aquele que apareceu de relance no corredor no dia anterior, ao meio-dia e quarenta... e dois dias antes, de mochila nas costas... encanto de homem sendo apenas menino... ou quando se olharam. Era ele quem ela


queria, mas seria com o primeiro que estivesse em casa que ela satisfaria suas necessidades mais profundas. Foi para casa e C. já estava lá. V. ainda não tinha voltado, devia estar dormindo ainda. Porco preguiçoso. C. já estava na cama. Lendo algum texto da faculdade que ele esqueceria... Neste instante! A. entrou e jogou a bolsa no sofá, bem ao lado da porta, à direita de quem entra. Entrou. Entre a cama e A. havia dois passos ainda, que ela não daria, pois parou e começou a abrir o botão da calça. Adorava ficar de blusinha e calcinha. Apenas. C., em poucos segundos (tempo de colocar o livro na cabeceira), olhou e abriu sua calça ainda sentado. Ali mesmo começou a se masturbar. Fazia dois dias que não transavam e aquele fogo voltou em quinze segundos ou menos. Ela começou a tirar a blusinha. Estava sem sutiã e os bicos dos seios já apontavam diretamente para a boca de C., que, sem calça e camiseta, ficou apenas com a cueca e o pau para fora. Não diziam nada, nem sequer gemiam. O negócio era outro. Ela estava tão excitada que mal conseguia se mexer. Começou, em pé, a esfregar as coxas uma na outra e o calor começava a transformar-se quase em gozo. Tremia e já estava suando. C. permaneceu alguns segundos observando A. se movimentar e continuava se masturbando. O prazer aumentava e suas próprias mãos percorriam seu corpo até chegar aos seios. Roçando as coxas, ela apertou um seio contra o outro e lançou o primeiro gemido. Abriu a boca e mordeu o canto esquerdo do lábio inferior. C. tirou a cueca e deu os dois passos que os separavam. Ele abaixou-se, e o seu primeiro toque nela foi para tirar a calcinha. A. tremeu ainda mais e uma sucessão de gemidos sussurrados saíram sem parar. Começou. Foi dada a partida. Completamente arrepiada, foi levantada

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por C., que a jogou na cama. A. caiu já com as pernas abertas. Não aguentaria esperar nem mais um segundo. Em seguida, C. pulou em cima dela e logo a penetrou. Os dois gemiam em um movimento sempre intenso. A. suplicou. Como uma serva, suplicou. Ela, com as pernas levantadas, sem ter escapatória (e quem disse que queria?), sendo dominada por C., suplicou por mais. Seu gozo, então, foi intenso. Tão intenso. A súplica agora era de compaixão, piedade, queria mais. Ele não parava e a sensação de êxtase, era contínua e ininterrupta. Sentia-se tão enlouquecida por estar recebendo tamanha volúpia dentro de si que não conseguia encontrar forças nem mesmo para mover-se! As súplicas eram sussurros roucos e intensos. Explodiram num orgasmo sincronizado, o que raramente acontecia. Passados alguns segundos eternos, foram acalmando-se. C. não tinha usado camisinha e gozou dentro de A. Apesar de exaustos, C. se levantou com rapidez e se dirigiu ao banheiro para se limpar. Regozijou-se ante tamanho gozo. Não era sempre que ela podia se render a tamanha frivolidade. Um prazer passageiro, apenas para seu deleite. Nada mais. C. não se sentia nem um pouco usado, e nem A. se preocupava em saber se ele se importava ou não com isso. Aliás, não era comum, inicialmente, da parte de nenhum dos três, saber o que o outro queria de verdade. No início, Deus criou o Universo, e eles se conheceram no primeiro ano da universidade. A. ingressou no curso de Medicina, C., Arquitetura e V., Engenharia. Passaram direto, ficaram entre os dez primeiros. No caso de A., o desempenho foi mais brilhante: ficou em terceiro. Os três moravam


na mesma cidade, porém a ideia de morarem juntos em uma república foi tornando-se realidade no momento em que sentiram que não aguentariam mais ficar dez horas sem se ver. Conheceram-se aos poucos. Numa festa de boas-vindas para os bichos, A. foi apresentada a V. por um amigo em comum. C. veio depois, numa dessas coincidências da vida. C. estava atrasado e não tinha ido à festa dos bichos. Correndo em direção ao bloco G, derrubara livros no chão e ao levantar-se chocou-se, em uma imagem cinematográfica, com A., que acabara de sair da segunda aula, ainda sonolenta, porém linda. Ele, muito atrapalhado, perdia-se em desculpas rasas e rápidas, com uma vontade esmagadora de permanecer ali. Não teve um estalar de fadas e luzes, ou flechas de cupido. Não se apaixonaram, mas algo aconteceu ali. Era inexplicável! Uma empatia talvez? Não sabiam! Mas era certo que uma química, uma coisa mágica pairava no ar. Dentro dos olhares alegres e cheios de desculpas, aqueles sorrisos sem graça do tipo: Tá tudo bem! Que pressa! Faz que curso? Sério? Legal! A gente se acha por aí! Seu nome? Seus nomes... E foi assim que C. conheceu A. Não pensaram um no outro no decorrer do dia. E nem no outro, e nem no outro. Não foi paixão. Foi algo estranho. O lance sempre fora outro. A., V. e C. A formação desse trio foi coisa do destino. Ele fez com que os três se cruzassem na mesma linha, ao mesmo tempo. Mesmo A. já saindo com V., ela quis C. Com V. a coisa foi diferente. Bem típico das festas, conversaram pouco e, em seu estilo agressivo e viril, V. agarrou-a e beijaram-se por três horas e vinte e dois minutos, entre idas e vindas e babas de terceiros. Amanheceram

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– o dia! – em um bom motel não muito longe da festa. Não estavam namorando. Eles não eram assim. Estavam se beijando com frequência, mas não estavam “se conhecendo”, nem “ficando”. Pensavam um no outro esporadicamente e, em geral, isso ocorria durante o dia, enquanto esperavam a noite chegar para saberem qual seria a novidade do momento. Não criavam expectativas. Não se sentiam compromissados. Não eram como os outros. Nunca foram. No início, eram transas poderosas, mas sem grandes atrativos. V. era muitíssimo bom de cama e A. tinha tido poucas experiências, porém com grandes mestres da arte. Juntos, eram toda uma caldeira em potência máxima. V. era alto e tinha o corpo absolutamente perfeito, com coxas que A. agarrava com os dois braços como quem abraça um tronco de árvore no meio do mar para escapar de um afogamento certo. Tempos depois, se agarraria àquelas pernas como a única esperança de salvação, o que não se mostrou a contento. A. adorava tudo em V. Seus braços longos e fortes eram lisos, com poucos... nenhum pelo. Os ombros eram largos, o que a deixava louca quando a levantava para devorá-la em pé e ela apoiava-se em duas armaduras, como uma muralha, talvez... mas uma muralha de músculos, esculpida em longos anos de academia, piscina e narcisismo. Subindo pelas coxas, chegava até sua bunda, que a fazia pensar (sem nunca comentar): Sim, como bunda de homem é algo gostoso e lindo. A coisa mais perfeita em um homem é a bunda, especialmente aquela covinha que surge quando estão parados, e que mulher nenhuma tem... só eles. Tinha um tesão absurdo na de V. e, em toda transa, a lambia e chupava, sem crises, sem remorsos.


Batia, mordia, apertava... e V. nunca se importou em dar o cu pra ela. E ela adorava comê-lo. Gozava quase tão intensamente como se ele a estivesse comendo de quatro ou no estilo frango assado. O pau dele, segundo a própria definição de A., era um “instrumento” perfeito. Se fosse um objeto, teria o design de um Aston Martin, potente, másculo, forte, como quem entra rasgando pela estrada ao passar pelo túnel. Se fosse uma comida, seria a melhor comida que o melhor chef, do melhor restaurante, do melhor país do primeiro mundo poderia servir. Se fosse um vinho, seria o melhor da safra de 1937. Se fosse um sonho, seria V. Sem falar que ele não gozava – dentro dela ou não –, ele inundava. Era impressionante a quantidade de sêmen de que V. dispunha, e mais excitante ainda era ver o prazer com que se deliciava ao pôr para fora, em abundância fora do comum, tamanha volúpia. V. era perfeito. Com sua voz macia, era de personalidade altiva e extremamente engraçado. Não abaixava a cabeça para ninguém e ainda não guardava rancor. V. possuía extrema virilidade. A. não parava de pensar no corpo dele. Ficava excitada só de se imaginar encostando-se em V. Sem contar as inúmeras vezes que ela gozou apenas beijando-o. V. transbordava sexualidade e era isso que ela estava procurando.

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