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Meu doce azar
Copyright © 2018 by Beatriz Cortes Copyright © 2018 by Novo Século Editora Ltda.
coordenação editorial:
Nair Ferraz
Thiago Fraga Cínthia Zagatto capa: Dimitry Uziel diagramação: Nair Ferraz preparação: revisão:
editorial
João Paulo Putini ● Nair Ferraz ● Rebeca Lacerda Renata de Mello do Vale ● Vitor Donofrio aquisições
Cleber Vasconcelos
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Cortes, Beatriz Meu doce azar; Barueri, SP: Novo Século Editora, 2018.
1. Ficção brasileira I. Título. 18‑0403
cdd‑869.3
Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção brasileira 869.3
novo século editora ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699‑7107 | Fax: (11) 3699‑7323 www.gruponovoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br
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O azar morre de medo de pessoas determinadas.
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P R E FÁ C I O
Destino. Sorte ou azar? O que rege nossa vida? Na inconstância que é viver, nos deparamos muitas vezes com o pen‑ samento, ou melhor, com o questionamento: “O que será que nos espera no futuro?”. Muitas vezes, tememos o amanhã por não saber o que nele nos aguarda. Tantas outras vezes, principalmente se o presente não foi tão belo quanto o nome diz, desejamos logo que o amanhã chegue; afinal, ele não pode ser tão ruim como foi o hoje, que tanto nos fez mal. Mas será que realmente a sorte e o azar andam ao nosso lado? Uma pessoa pode se considerar azarada por perder o ônibus no úl‑ timo segundo, mas o que ela sentirá ao descobrir, minutos depois, que o mesmo ônibus se envolveu em um grave acidente? Não pensará ela ser a pessoa mais sortuda do mundo? Afinal, sorte ou azar depende da forma com que olhamos os aconte‑ cimentos, os momentos que vivemos. Acompanhar a história de Alice é um doce convite à reflexão sobre o que acreditamos ser sorte ou azar. De uma forma leve, divertida e com muita emoção, a autora deste livro nos brinda com momentos marcantes da história de uma garota que poderia simplesmente se render aos “aza‑ res” da vida e, muitas vezes, desistir pelo caminho. Mas não Alice. Depois de viver muitos momentos permeados pelo azar, ela resolve buscar, ou fazer, a sua própria sorte. É aí que ela percebe que a vida é cheia de escolhas e que elas podem trazer ou não a felicidade na bagagem. 7
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Ela vai precisar aprender como dar um chute no azar e saudar a sorte; afinal, para conquistar o grande amor da sua vida, realmente só com um pequeno empurrãozinho. Convido você a apreciar e a sentir a história de Alice. Vamos aprender que devemos buscar a felicidade, e não apenas ficar esperando de braços cruzados. Nem tudo na vida é questão de sorte, mas das escolhas que fazemos, das atitudes que tomamos e dos caminhos que percorremos, e o nosso destino, muitas vezes, quem faz somos nós mesmos. Permito‑me citar aqui uma frase de um outro livro da própria autora: “Tudo ao nosso redor nos transforma, mesmo que a gente não perceba!”. Venha com Alice nesta viagem em busca de seus sonhos e de sua felicidade, contando ou não com a ajuda da nossa amiga sorte. Fernanda Braga Blogueira
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P R Ó LO G O
Alguns dias, a gente acorda sem sorte mesmo. Perde a hora, tropeça no próprio chinelo, bate com o dedo do pé na quina da cama, o celular cai no chão. E lá se vai um dia em que tudo dá errado e nada está realmente bom. Mas, se te consola, eu sou aquela pessoa que tornou a sorte uma grande inimiga. Ainda não entendi por que ela me odeia tanto, mas resolvi odiá‑la também. Ocupo todo o meu tempo só para que ela não tenha espaço. Ah, queridinha, você não me ajudou em nada até agora, então some! Cai fora! Toda vez que eu acho que é você me trazendo algo de bom, crio um caminhão de expectativas, me arrumo toda, me preparo para te receber, e o que você faz? Você diz que tudo não passou de uma grande pegadinha! Demorei, mas aprendi. Vou criar minha própria sorte e vou chamá‑ ‑la pelo nome que eu quiser. E então vou ter todo o prazer em dizer que quem criou minha própria “sorte” fui eu. Eu corri atrás. Eu conquistei. Quem precisa da sorte quando se descobre que é possível reinventá‑la?
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CAPÍTULO 1 Você-sabe-o-quê
Esta não é uma história de amor qualquer. Não é sobre príncipes, homem perfeito e muito menos sobre amor correspondido. Queria eu poder contar aqui uma história perfeita com todo o glamour que o amor merece. Mas, espera aí, a vida não é bem as‑ sim! Não é todo dia que você encontra o cara‑que‑foi‑feito‑para‑você e ele te corresponde, morrendo de amores. Ou ele é apaixonado por você e você não consegue nem conversar com ele por dez minutos; ou ele é um louco que te persegue; ou você é a louca que o persegue. E também tem aquele detalhe que sempre gosto de mencionar: quando o cara parece ser o ideal, tem todas as características ideais, o corpo ideal, o sorriso ideal, mas de repente: BUM! Simplesmente faz uma burrice que detona toda a perfeição do relacionamento. E esse é meu caso. Estava eu acordando pela terceira vez numa noite. O relógio ao lado da cama mostrava que ainda eram cinco e trinta e cinco da manhã, mas então resolvi abrir a janela para ver o nascer do sol. Não era todo dia que conseguia estar em pé tão cedo. Levantei‑me preguiçosamente, pois, apesar da insônia, o corpo implorava pela cama e não restava espaço para dúvidas quanto a isso. Ao abrir a porta da sacada do meu quarto, deparei‑ ‑me com aquela imagem celestial: as nuvens opacas iam dando lugar ao alaranjado aconchegante do sol, levando embora o frio que a brisa da noite trazia. Era lindo! E trazia uma paz inexplicável, quase palpável. Para uma garota de vinte e cinco anos, até que eu já havia realizado muitos dos meus sonhos. Sempre fui assim: gostava de correr atrás de 11
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tudo o que eu queria. E sozinha. Em tudo na vida, gostava de dar aque‑ le jeitinho sem ter que pedir ajuda. Fechava os olhos, respirava fundo e dizia para mim mesma que sabia muito bem resolver determinada situa‑ ção de uma maneira agradável. Eu não gostava muito dos outros dando opinião sobre o que deixava ou não de fazer. Nem minha própria mãe eu costumava ouvir quando ela resolvia me dar seus preciosos conselhos – e admito que, se a ouvisse, não teria metade dos problemas que tenho hoje. Ainda olhando para o espetáculo do sol à minha frente, respirei fundo e apertei os braços, espantando o ventinho frio que ainda per‑ meava. Morar praticamente em frente à praia nem sempre era uma vantagem. Algumas vezes, quando eu queria deitar no quarto e me es‑ conder de todo barulho embaixo da coberta, nem mesmo o vento dava trégua. Silêncio era algo difícil de encontrar ali. Copacabana poderia ser incrível para muitos, mas, nessas horas, eu preferia mil vezes a calma do interior, onde meus avós maternos moravam. Mas ali já não era mais a minha casa tanto assim. E, bom, minha casa verdadeira não era muito diferente. O barulho, que antes era das ondas se quebrando na praia, havia se transformado no barulho de sirenes e buzinas na pista. Mudei ‑me para São Paulo há quase três anos e posso garantir que ainda não me acostumei com a constante agitação. Quando o calor começou a esquentar meu corpo, olhei para dentro do quarto da minha infância. Tudo continuava bem parecido. Conforme fui crescendo, fui trocando os ursos das prateleiras pelos livros e, de re‑ pente, os quadros nas paredes ficaram lotados de contas e mais contas. O tempo é fugaz. Mal nos damos conta e, de repente, somos adultos. Laura, minha melhor amiga, vivia avisando que sabia bem aonde isso me levaria, mesmo assim eu havia me recusado a deixar para trás. Era como se esperasse que um sinal dos céus tomasse aquela decisão por mim. Não queria correr o risco de me arrepender mais tarde, levando em con‑ sideração que tinha uma péssima intuição quando a escolha dependia de mim. Bom, se foi o céu ou não, aconteceu. E precisava me acostumar com as consequências. Resolvi tomar banho para ver se conseguia deixar aquele sentimen‑ to agourento de lado. Antes de tudo, vivia quase como se estivesse tendo 12
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uma espécie de premonição ou algo do tipo. Um calafrio sobreveio, e me despi rapidamente, colocando a cabeça dentro d’água de uma só vez. Quando acabei, percebi que não me sentia nem um pouco melhor do que antes. Eu não podia ficar daquele jeito. Não podia deixar que aquilo me consumisse. Coloquei um biquíni preto, short jeans e uma camiseta bran‑ ca e encarei‑me no espelho para prender os cabelos. Eles estavam longos demais, mas ainda assim tinha pena de cortá‑los, pois gostava da forma que suas ondulações tomavam naquele tamanho, no meio das costas, dei‑ xando ainda mais marcante a cor castanho‑escuro. Mesmo morando em São Paulo, minha pele que continuava bronzeada e meus olhos cor de mel, quase esverdeados, me deixavam com mais cara de carioca do que de paulista. Não precisava abrir a boca para dizer que não era de lá. Nunca fui muito magra, mas não sentia necessidade de ser uma es‑ pécie de “rato de academia”, pois minha genética permitia uns abusos de vez em quando. Prendi os cabelos em um rabo de cavalo, calcei sandálias rasteirinhas e peguei o celular para ligar para a Laura. Ela estava na casa dos pais e devia estar surtando por eu não ter retornado nenhuma de suas quinhentas ligações na noite anterior. Assim que encostei no celular, ele disparou a tocar. A foto que apa‑ receu na tela era a que tanto me deixava esquisitamente incomodada, confusa e triste, ultimamente: Bernardo. Tivemos um namoro de quase dois anos, mas nos últimos dias fui forçada a terminar a relação. Ainda gostava dele, e tinha absoluta certeza disso, porém a confiança já não era a mesma e isso me deixava completamente impossibilitada de continuar. Era o que eu mais prezava, e foi o que ele mais destruiu. Ignorei a chamada e digitei o número de Laura rapidamente, antes que ele resolvesse atrapalhar de novo. Ela atendeu no segundo toque: – O que você pensa que está fazendo me ignorando dessa forma? Logo eu que te dou todo apoio que você precisa, que saí lá de São Paulo em uma data completamente improvável por você e é assim que você me agradece, Alice? Me ignorando a noite inteira? Eu estava preocupada… – Ela, enfim, respirou. Aproveitei a oportunidade para me explicar antes
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que ela continuasse com o sermão que eu sabia bem que poderia durar horas. – Me desculpe, me desculpe, Laura. Sinto muito. Sei que fiz errado. Mas eu não queria falar com ninguém ontem. Eu sabia que você me chamaria para sair e me distrair, mas eu não estava com cabeça para isso. Passei a noite no quarto, comendo porcarias e vendo filmes depressivos – expliquei‑me com o máximo de sinceridade e drama para que ela real‑ mente entendesse. – Você contou para seus pais? Você podia ter me avisado que não queria… Eu não iria insistir! – Mentira, eu sabia e ela também sabia que me perturbaria até me convencer de ir nem que fosse ao quiosque da praia. – Ainda não. Não vi a hora que o Henri chegou da rua e prefiro con‑ tar para ele e deixar que ele faça o serviço completo. Henri é meu irmão gêmeo. Não somos gêmeos idênticos e também não temos aquela ligação tipo: sentir quando o outro está mal. Mas, para compensar, somos mais grudados do que quando estávamos na barriga de nossa mãe. Nos conhecemos profundamente. Ele tem os olhos verdes, a pele bronzeada como a minha e os cabelos em um tom mais claro que os meus, quase loiros. Corpo de surfista, deixava as garotas babando por onde quer que ele fosse. Ele é a pessoa que eu mais confio na Terra. E sei que ele também sente o mesmo. Ele trabalha no Rio e eu em São Paulo, mas quase todo fim de semana ele pega o carro – ou às vezes um voo, só que ele não é muito fã de ficar no ar – e parte para o meu apartamento. Até tem uma gaveta no meu guarda‑roupa com o nome e as coisas dele. Eu volto para a casa dos meus pais com menos frequência, principalmen‑ te nos últimos dois anos, por causa do Bernardo. Ele não gostava do Rio e, como só nos víamos aos finais de semana, eu ficava com pena de vir para cá e largá‑lo sozinho. – Vamos à praia, então? – Laura interrompeu meus pensamentos. – Ah, sim. Já estou pronta, vou descer para tomar café com meus pais. Aproveitar que hoje é sábado e acho que todos estão em casa.
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– Ótimo. Acabei de acordar. Bom, de ser acordada por você. Cedo demais, mas precisamos aproveitar de todas as formas o clima carioca. Você passa aqui? – Passo. Quando estiver pronta, me avise. Encerramos a ligação e logo recebi uma mensagem avisando que Bernardo havia tentado me ligar mais duas vezes. Ele não iria desistir rápido assim. E tinha apenas um pouco mais de vinte e quatro horas que eu havia dado a notícia a ele de que estava solteiro. Enquanto desço até a mesa de café da manhã, vou lhe contar como tudo aconteceu. Conheci Bernardo em um curso de extensão em São Paulo. Eu me formei em Engenharia Civil na Universidade Federal do Rio de Janei‑ ro, a UFRJ, aos vinte e dois anos e logo consegui um emprego em uma construtora de uma rede de hotéis em São Paulo – a Voricce. Fui embora para São Paulo e lá comecei um curso de extensão na PUC. Ele estava na minha turma. E, bom, ele era um cara que chamava atenção, não posso negar. Todo mundo reparava nele e demorei a perceber que era para mim que ele olhava. Aqueles olhos azuis tinham um único foco – pelo menos naquela época: eu. Bernardo, com seus cabelos pretos e lisos, uma barba surpreen‑ dentemente notável, que sempre achei sexy; era forte e alto, tudo o que eu precisava para elevar meu ego. Naquele momento, meu único pensamen‑ to era o de que eu estava sendo a mulher mais sortuda do mundo. Havia me formado cedo, conseguido um emprego muito bom em outro estado e, de brinde, ainda estava ganhando um namorado deus grego? Era quase inacreditável. Quase conseguia me esquecer de que, uma hora ou outra, as dificuldades chegam e nem tudo é um mar de rosas. No início, Bernardo era mais que um cavalheiro. Todas as vezes que nos víamos na faculdade ele levava chocolates e abria aquele sorriso relu‑ zente para mim. Ah, os pais dele são dentistas. E ele tinha os dentes mais lindos que eu já havia visto. Depois que a surpresa de ter sido escolhida por ele entre tantas outras passou, começamos a namorar. E foi aí que as diferenças começaram a incomodar. Bernardo gostava de boates, eu odiava boates e amava res‑ taurantes e barzinhos, algo que ele achava chatérrimo. Eu amava comida 15
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japonesa, ele achava asquerosa, mas comia umas esquisitices nojentas que o personal da academia dizia serem boas para ganhar músculos. Bernardo odiava sertanejo e eu era completamente viciada em Henrique e Julia‑ no, enquanto ele ouvia no último volume System of a Down. Bernardo odiava teatro, cinema, museu e qualquer outro evento cultural e menos agitado, coisas que eu amava extremamente; aliás, algumas das que mais amava em São Paulo. Mas, enfim, muitas outras divergências. Porém, te‑ nho convicção de que isso não faria diferença no relacionamento de mui‑ tos outros casais e, talvez, nem fizesse no nosso se não fosse por alguns detalhes que me irritaram irrevogavelmente. Bernardo odiava o Rio. E odiava que eu visitasse meus pais e ficasse longe dele. Era ciumento ao extremo e desconfiava de tudo e de todos – tenho uma explicação psicológica para isso, conto mais para frente. Ele trabalha para uma empresa concorrente da que eu trabalho e se sentia no direito de falar mal disso. Mas a coisa que mais me incomodava era a seguinte: ele não queria se casar. É isso mesmo que você leu. Ele queria ser solteiro e “pegador” para sempre. Achava que casar era uma burocracia desnecessária. Só me contou isso há uns sete meses, quando, pela milésima vez, havia insinuado que queria dormir no meu apartamento e, pela milésima vez, eu havia negado. Então ele teve um surto – quase psicótico – e gritou para Deus e o mundo que não era justo eu não ter relações sexuais com ele – não foi bem esse termo que ele utilizou, não é? – mesmo o namorando há mais de um ano. De início, eu não entendi muito bem. Primeiro porque ele sempre soube que eu pretendia me casar virgem – apenas para ter certeza de que foi com o homem certo, porque sempre quis dessa forma. Segundo, porque, agora sim, eu havia parado para pensar que não confiava nele o suficiente para isso. E corria um sério risco de nunca confiar. Quando ele se acalmou um pouco, soltou a seguinte pérola para terminar com tudo de vez: “Alice, eu não vou me casar. Como só vou transar com você depois do casamento?”. Eu quis dar um soco bem no meio do nariz dele, mas resisti por ainda estar suficientemente apaixonada. E, claro, a declaração me desarmou por completo. Eu quis terminar, mas ele chorou e não me deixou fazer isso. Antes tivesse levado a ideia adiante! 16
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Eu tinha consciência de que minha escolha era algo que tornava as coisas no mundo atual bem difíceis para mim, mas isso nunca foi algo negociável. Então, depois daquilo, passei a ter sérios problemas com meu namotarado, além dos habituais. E como as coisas não melhoraram com o tempo e o assunto sempre voltava, só faltou uma única coisa, que eu descobri dias antes de vir para cá: traição. Descobri pela Laura, que tanto me avisou, que ele estava me traindo há um tempo com a secretária do chefe dele – isso mesmo, eu também achava que era coisa de novela das nove. Lilian, o nome dela. Laura havia ido almoçar em um restaurante próximo ao trabalho dele e presenciou a cena. Bernardo não a viu, mas ela conseguiu tirar fotos e sair de fininho sem que ele a notasse. O FBI está perdendo muito em não contratá‑la! Na quinta à noite, o avisei de que viajaria sexta pela manhã para o Rio e, como eu já esperava, ele teve um pequeno surto e apareceu todo nervoso no meu apartamento. Só joguei o envelope com as fotos no colo dele, porque Laura fez um papel de detetive como ninguém, até imprimir ela imprimiu, e fui para o banho. Chorei debaixo d’água para disfarçar as olheiras e só saí quando havia passado tempo suficiente para ele pensar no ocorrido. Quando abri a porta e o encarei, ele estava chorando. Incrível a capacidade de alguns homens de chorar nesses momentos, e, pior, sa‑ bemos que quando isso acontece a culpa sempre é deles. Pelo menos na minha teoria. Não havia o que explicar, eu tinha provas. Bernardo se explicou, argumentou e até jogou a culpa em mim. Só pedi que ele fosse embora. Relutou, mas acabou cedendo. Depois de chorar no colo de Laura por horas, decidi mandar uma mensagem e fiz o que já estava óbvio para nós dois. Foi assim que vim parar aqui, no Rio, chorando minhas mágoas em frente ao mar de Copacabana. Difícil, não é? Quando cheguei à cozinha para o café da manhã, encontrei Henri de cueca samba‑canção tomando cappuccino com os pés em cima da cadeira.
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– Fiquei sabendo que estava aqui. Deve ter acontecido algo muito importante para vir sem o mala do Bernardo. – Henri começou, parecia que estava adivinhando. – Bom dia para você também, maninho! – Me aproximei dele e dei um beijo em sua bochecha. Ele me puxou pela cintura e me deu um abra‑ ço apertado. – Estava com saudades! Tem duas semanas que não vou a Sampa. – Verdade! Devia se mudar para lá de uma vez… – comentei, en‑ quanto pegava uma xícara. – Estou pensando seriamente nisso. Mas, então, chega de enrolação. Qual é a bomba da vez? – Estou solteira… – falei, enquanto me servia da mesa farta que mamãe havia preparado. Esbocei um sorriso triste e Henri arregalou os olhos. – Sério isso? – Sério e definitivo. – Quando? – Quase trinta horas atrás, talvez, se eu ainda estiver boa em contas de cabeça… – Sorri, de maneira sincera desta vez. – Meu Deus, Alice. O que aquele desgraçado fez depois do episódio de surtar uns meses atrás? – Henri falou, com os olhos focados em mim. – Estava saindo com a secretária do chefe dele. – ELE TE TRAIU? AQUELE FILHO DA MÃE TE TRAIU? – Eu já sabia que ele teria essa reação, só não esperava que a casa inteira fosse ouvir. – Quem traiu quem? Do que estão falando? – Minha mãe entrou na cozinha, com um vestido azul acima dos joelhos; os cabelos eram da cor dos meus, presos em um coque desalinhado. Minha mãe tinha os olhos verdes (coisa que não herdei e meu irmão, sim) e um sorriso tão lindo que era como se eu me sentisse abraçada só de olhá‑la. Em seguida, como previsto, veio papai. Ele estava com bermudas jeans e uma camiseta vermelha. Esse era o estilo de sábado de papai. Durante toda a semana, ele era obrigado a usar roupa branca – ele é
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neurocirurgião –, então, como sábado era seu dia de folga, ele extravasava. Eu puxei seus olhos, mas seus cabelos eram loiros como os de Henri. – O que aconteceu, crianças? – Ele não perdia a mania de nos chamar assim. E eu achava fofo. Henri me olhou, implorando silenciosamente por desculpas. Respirei fundo para falar, mas ele me interrompeu: – A Alice estava aqui falando que o babaca do Bernardo aprontou com ela… – Ai, meu Deus, filha, sério? – Por que todo mundo na minha casa gostava de fazer essas perguntas e sempre terminar com sério? – Sim, mamãe. O Bernardo me traiu. Dona Susane me olhou com cumplicidade e deu um sorriso triste. Eu não queria que o clima ficasse daquela forma. Queria esquecer tudo, esquecer o Bernardo e até se fosse possível, o meu par de chifres. – Filha, então vocês terminaram? – indagou meu pai, pigarreando. – Sim. Terminei com ele antes de vir para cá com a Laura. Henri mal se mexia na cadeira, e tentava colocar o máximo de coisas que podia na boca para não sobrar para ele. – Não vale a pena, querida. Ele não é para você. – Minha mãe com‑ pletou e eu sabia que ela queria encerrar o assunto tanto quanto eu. – Pe‑ dro, para onde você vai vestido assim? Henri e eu contivemos o riso, e meu pai ficou vermelho por saber que mamãe estava falando de sua roupa descolada. – Está ruim, amor?
Depois que resolvemos algo melhor para o look do Seu Pedro, me despedi deles assim que Laura ligou e saí com Henri, que insistiu em ir para encarar o sol carioca de Copacabana. Assim que entramos no carro de Henri, que queria dirigir de qual‑ quer jeito, mas eu não deixei, pareei meu bluetooth do celular com o som do carro e a primeira música a tocar foi “Secrets” do One Republic. A música já começa, de cara, com: “I need another story / Eu preciso de outra 19
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história”, dando um soco bem na minha consciência. Música ideal para o momento. Henri prendeu a prancha em cima do carro e partimos ao encontro de Laura. – Qual a boa de hoje? – Laura perguntou assim que entrou no carro e deu um beijo na minha bochecha e, em seguida, na do meu irmão. Ela, sempre vestida de maneira descolada, usava biquíni estampado, saia bran‑ ca e uma camiseta azul, que combinava perfeitamente com seus olhos. Laura parecia uma modelo dos desfiles da Victoria’s Secret, era bem mo‑ rena e tinha cabelos cacheados, aqueles cachos de dar inveja em qualquer mulher. – A nossa missão de hoje consiste em melhorar o humor da Alice – comentou meu irmão. – Missão difícil essa nossa! – Laura confirmou, e eu mostrei a língua pelo retrovisor para que ela visse. – Olha para a sua frente! – A voz dos dois saiu em um perfeito coro. Eu tinha a fama de ser meio desatenta ao volante. Enquanto eu ria da preocupação deles e afirmava ser uma ótima mo‑ torista, a voz da secretária eletrônica do meu celular soou pelo rádio do carro – toda vez que estava dirigindo usava essa opção, e isso prova que eu sou muito cuidadosa no trânsito. Você está recebendo uma ligação de: Bernardo. Deseja aceitar? Diga SIM ou NÃO para recusar.
– NÃO! – gritei. – SIM! – Henri gritou ao mesmo tempo. E a secretária eletrônica, como uma boa mulher, atendeu a voz mas‑ culina no carro. Safada! – Alô, Alice? – Ouvir a voz do meu agora ex‑namorado pelo celular depois do nosso término dava uma sensação esquisita. – Bernardo, aqui é Henri. – Ah, sim – gaguejou. – Tudo bem, Henri? Sua irmã está? – per‑ guntou em seguida, provavelmente para que Henri não puxasse qualquer outro assunto. 20
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– Não, ela acabou de ir para a praia com uns amigos e esqueceu o celular em casa. O sol está maravilhoso aqui hoje. – Fiz uma careta para meu irmão. Laura e ele sorriram. – Ah, entendo. Bom, avise que liguei e pede, por favor, para ela retor‑ nar quando puder. – Claro! – Valeu. Tchau! Meu irmão encerrou a chamada. – Não sei como você conseguiu namorar esse babaca por tanto tempo… Laura deu uma gargalhada, e me limitei a aumentar o volume da música no som do carro. Esperava que o volume ajudasse a espantar um pouco a dor de cabeça causada por você‑sabe‑o‑quê.
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