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Chaiene Barboza Santos

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COLEÇÃO NOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

São Paulo, 2013

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Copyright © 2013 by Chaiene Barboza Santos

Coordenação Editorial Diagramação Capa Preparação Revisão

Nair Ferraz Edivane Andrade de Matos/Efanet Design André Siqueira/Era Eclipse Arte Digital Denise Camargo Umberto Rodrigues

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no. 54, de 1995) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Santos, Chaiene Barboza O bisturi de ouro / Chaiene Barboza Santos – Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. – (Coleção novos talentos da literatura brasileira) 1. Ficção brasileira I. Título. II. Série. 13-08725

cdd-869.93 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

2013 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11o andar Bloco A – Conjunto 1111 CEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SP Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br

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Dedico este livro a toda minha família, à minha esposa, às minhas filhas, às minhas irmãs e aos meus pais (in memoriam).

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S umário

1- Quando os Pensamentos Viajam. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 2- O Primeiro Amor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 3- A Semente do Crime . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 4- O Primeiro Emprego . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 5- O Crime. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 6- A Vida Continua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 7 - O Vestibular para a Faculdade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 8 - As Habilidades Começam a Aparecer. . . . . . . . . . . . . . . 97 9 - O Primeiro Estágio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 10 - O Emprego de Glauco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 11 - A Força do Destino. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 12 - A Volta da Mente Criminosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 13 - A Vida no Exército. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 14 - A Presença de Helena. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 15 - A Empresa de Glauco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 16 - As Escolhas da Vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 17 - O Grande Dilema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185

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P rólogo

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ste livro conta a história de um médico que se tornou um dos melhores cirurgiões de sua época. Apesar de ter tido uma infância pobre, Eduardo sempre se dedicou aos estudos, seguindo os conselhos de sua mãe, que era muito inteligente e conseguia enxergar o futuro com os olhos da sabedoria. No começo, seu pai não lhe dava apoio. Todavia, ele entendeu que o desejo que penetrou no coração do jovem estudante era uma mola propulsora que o faria alcançar o seu objetivo e passou a apoiá-lo com os poucos recursos que possuía. Esta obra mostra que, mesmo em condições difíceis, o ser humano, com dedicação, trabalho e honestidade, pode vencer na vida. O médico enfrentará um inimigo homicida, escondido sob o manto da amizade. O leitor conhecerá os amores da vida do doutor Eduardo Balavante Penedo, seu sucesso profissional, a carreira como médico e também o grande dilema: o desejo de vingança ou de perdão. Trata-se de uma obra de ficção que reúne romance, medo, casos sobrenaturais e intrigas inerentes à investigação policial. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.

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Q uando V iajam

os

P ensamentos

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esde criança, o menino Eduardo gostava muito de ficar sentado em frente ao portão de sua casa. Ele ficava olhando as pessoas passarem, e como já conhecia a rotina de todos na vila onde morava deixava seus pensamentos voarem, aproveitando toda a imaginação que fluía em sua mente, como era comum aos meninos de sua idade. A no

1975 Eduardo, com 11 anos de idade, olhos azuis, cabelos castanho-escuros, que formavam um topete quando os penteava para cima, e compleição magra, vivia com seus pais e irmãos em uma casa simples de uma vila operária, construída para os trabalhadores de uma fábrica antiga em sua cidade. A casa possuía um telhado de duas águas com telhas francesas antigas, uma janela de frente para a rua, duas janelas laterais e uma pequena varanda com um jardim florido circundando a frente da casa. Lírios amarelos eram as flores que a mãe de Eduardo de

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preferia em volta do pequeno gramado que enfeitava a entrada de seu lar. Era uma cidade pacífica, chamada Monte Belo, localizada no Estado do Rio de Janeiro, no Brasil. Cercada de mata verde por todos os lados, com uma população de, aproximadamente, 280 mil pessoas. Na vila, havia muitos meninos e meninas que estudavam num colégio próximo à casa de Eduardo. Após as aulas, as crianças corriam para as ruas do vilarejo para brincar. Eduardo jogava futebol com seus amigos, soltava pipa no jardim que havia próximo à sua casa, depois tomava seu banho, lanchava e debruçava-se sobre os livros para fazer o dever de casa. Naquela época, não havia videogames nem celulares, e após terminar suas tarefas escolares, sentava-se na calçada em frente ao portão de sua casa e novamente viajava na sua imaginação. A vila era formada por 126 casas e possuía uma rua com formato elíptico, em volta da qual as casas se dispunham à direita e à esquerda. Na entrada do vilarejo, havia um rio com uma ponte que dava para o jardim, que embelezava a entrada do condomínio. As águas do rio eram tão limpas que as crianças, de vez em quando, se banhavam nos dias quentes. Lá habitavam pessoas de todas as idades – crianças, jovens, adultos e velhos –, que conviviam na comunidade em perfeita harmonia. A maioria das famílias possuía um cão. Era comum ver e ouvir os bichos correndo e latindo ao lado das crianças ou acompanhando as brincadeiras. De manhã cedo, o menino preparava-se para ir ao colégio. Sua mãe cuidava do uniforme, cuja calça era de cor cinza, e a camisa, em xadrez azul e branco. O emblema da escola ficava no bolso esquerdo, e as calças eram vincadas, por ordem da direção. 10

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A diretora da escola se chamava Carolina. Ela observava as crianças e suas roupas, a fim de verificar o asseio pessoal. O portão da escola fechava pontualmente às sete e meia da manhã, e, nesse horário, todos os alunos tinham de estar em forma – enfileirados por ordem de altura, à frente da bandeira nacional. Eles cantavam o hino brasileiro e recebiam alguma instrução da coordenadora da escola. Realmente parecia uma escola militar. Para Eduardo e as outras crianças, tudo aquilo era divertido. Quando a professora ou a diretora entrava na sala, todos se levantavam e ficavam alinhados, em sinal de respeito. Às nove horas, tocava a campainha do recreio, e todos se posicionavam com as canecas que traziam em suas mochilas para tomar o achocolatado que era servido aos alunos naquele horário. Eduardo desembrulhava o pão besuntado com banha de porco que trazia de lanche para acompanhar o leite servido. Às vezes, com sorte, conseguia que sua mãe passasse manteiga no pão, quando ela podia comprar, e, melhor ainda, quando as galinhas de sua casa punham alguns ovos, e estes eram fritos e colocados dentro de seu pedaço de pão. Ele comia seu lanche e, de vez em quando, ficava olhando a comida dos outros alunos de melhor situação econômica, que tinha presunto, queijo, chocolates e biscoitos diversos. Seu amigo chamado André sempre merendava perto das crianças da segunda série do ensino primário. Ele era gordo, olhos castanho-escuros, cabelos pretos penteados para o lado direito e olhos repuxados como os de um asiático. Suas bochechas eram tão fartas que quase escondiam seu pequeno nariz. Ele trazia os iogurtes e os cereais mais recentes das propagandas de televisão. – Eu adoro comer esses lanches suculentos – dizia André. 11

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Com essa visão, Eduardo ficava com água na boca, mas a sensação passava ao encher seu estômago com seu próprio lanche. Todos os sabores para aquele menino eram especiais. Sempre que ganhava moedas de algum tio, ia correndo ao mercado comprar waffle, chocolate ou iogurte de que tanto gostava e se lembrava do que sua mãe, dona Catarina, falava: “Meu filho, a escassez aumenta o valor das coisas”. Seu pai, nessa época com três filhos, quando almoçava na fábrica e havia alguma comida especial com carne ou sobremesa, sempre guardava um pouco em um guardanapo do refeitório e colocava no bolso para levar para casa. Quando ele chegava à noite em sua casa, de bicicleta, e o cachorro, que parecia ouvi-lo de longe, começava a latir, as crianças corriam ao seu encontro, pois sabiam que, além do seu abraço, algo de especial comeriam naquela noite: um pedaço de carne, uma fruta ou, quem sabe, um doce. Apesar de ninguém da família do menino ser um doutor formado ou cursar uma faculdade, Eduardo gostava muito de estudar e sempre se destacava nas aulas. Não havia nenhum tio, avô, primo que pudesse lhe servir de exemplo, mas o jovem, desde cedo, percebeu que tinha muita facilidade para o aprendizado; bastava ler uma vez o conteúdo da matéria das provas e o garoto já gravava em sua mente toda a informação. No final do ano, a escola contemplava com prêmios, como estojos de lápis ou canetas, os alunos com as primeiras colocações, e Eduardo estava todos os anos disputando, lado a lado, com os melhores da turma. Além disso, como lia muito bem em voz alta, era sempre convidado para ser o orador da turma. Os brinquedos que possuía eram os dados aos filhos dos funcionários da fábrica. Todo fim de ano, no encerramento das aulas, as crianças aguardavam ansiosamente por aquele momento 12

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para ganharem os seus presentes, que, em geral, eram carrinhos, bonecas e bolas, que arrancavam sorrisos de felicidade dos filhos dos funcionários. Eles ficavam na expectativa, esperando a chegada do Natal. O colégio, que pertencia à fábrica, era muito bem conceituado no bairro. Os alunos de famílias das classes média e alta vinham estudar nessa escola. Alguns deles chegavam à escola em belos carros e sempre desfilavam na hora do recreio com seus brinquedos caros e modernos. Alguns tinham carrinhos com controle remoto e rádio; usavam brinquedos de corda, que arregalavam os olhos dos menos abastados. O sonho de todas as crianças. No entanto, alguns desses estudantes, filhos de empresários, tiravam péssimas notas e pediam ajuda a Eduardo, que os ensinava como se fosse um professor. Cláudio era um desses estudantes que ganhava os melhores brinquedos lançados no mercado. Um dia ele disse a Eduardo: – Edu, fica olhando o que meu carrinho faz. Dá cambalhotas e anda de um lado para o outro, conforme eu mexo no volante do controle remoto. Mas não encosta nele, pois esse brinquedo não é para gente pobre. Eu deixo você olhar. – É muito bonito seu brinquedo, mas no fim do ano eu vou ganhar um caminhão de bombeiro que vai para onde eu quiser. Basta imaginar – respondeu Eduardo, com os olhos lacrimejantes. A mãe de Eduardo sempre acompanhava os seus filhos nos estudos em casa à noite e procurava mostrar a eles a importância de se dedicarem ao aprendizado. Ela estava com cinquenta anos de idade, usava os vestidos que ela mesma confeccionava para sair, cabelos e olhos castanho-escuros, um semblante alegre, que cativava a todos. Seu pai se esforçava para aprender a ler melhor, visto que estudara somente até o ensino primário. Desse modo, não podia 13

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ajudar muito, mas entendia que os filhos precisavam se esforçar nos estudos. – Meu filho, estude o máximo que você puder. As oportunidades já são difíceis para aqueles que estudam. Imagine se a pessoa não se esforçar. Você ganhou um presente de Deus. Sua memória é espetacular, e você pode ser alguém na vida, com dedicação. Vou ajudar você e dar o melhor de mim – disse dona Catarina. – Mãe, eu amo você e o papai e agradeço o que vocês têm feito por mim. Estou me esforçando na escola e estou entre os melhores alunos da turma, mas creio que será muito difícil fazer uma faculdade – retrucou Eduardo. – Continue a estudar, pois nós vamos conseguir – retrucou sua mãe sorrindo. O senhor Roberto e seus irmãos haviam sido criados no campo e direcionados para o trabalho em fábrica. A avó de Eduardo se mudou para a cidade após separar-se do marido. Sua mentalidade era de que os filhos deveriam trabalhar como operários em indústrias, pois, apesar de ganhar um baixo salário, isso lhes garantiria o sustento. Eduardo, ao ver os outros garotos com brinquedos caros, não se importava com isso. Logo que terminava de estudar se juntava aos outros na vila e jogava bolinhas de gude, soltava pipas e brincava de pique “soltar ladrão”, que era uma espécie de jogo de “correr e pegar” entre os colegas. Ele também gostava de jogar futebol com bolas improvisadas. Não havia riqueza, mas havia criatividade e alegria naquele lugar. O menino era louco para ganhar uma bicicleta, e seu pai esperou até que algum amigo trocasse a bicicleta do filho para então comprar uma usada para Eduardo, que ficou muito feliz com o presente. 14

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A infância do jovem, com a sua dedicação aos estudos, as brincadeiras com as crianças na vila e o amor de sua família, foi muito salutar para o crescimento de Eduardo. O infante tinha uma imaginação muito fértil, como toda criança. Quando se sentava em frente ao portão, ficava olhando a vila e via um gigante descendo a rua e afundando o chão com suas passadas fortes. Aquela imagem sempre voltava à sua mente, e ele gostava de vê-la em seus pensamentos. Na sua imaginação, o gigante dizia: “Vim para dominar a vila”. Era um gigante de mais de dez metros de altura com a cabeça parecida com a de uma esfinge do Egito, cinza claro como os robôs dos desenhos que via na televisão. Em seu pulso direito, estava acoplado um lançador de foguetes. Ao falar, o vilarejo quase tremia de tão alta e grossa que era sua voz. Na igreja, quando estava sentado lendo a Bíblia ou olhando para o orador que discursava na tribuna, ele via-se voando no teto com sua espada, lutando como se estivesse travando uma batalha com os anjos voadores. “Vocês não podem entrar na igreja, anjos maus. Vou destruí-los com minha espada e meu escudo”. Enquanto o pastor falava aos fiéis, o menino via-se levitando por cima da cabeça de todos, expulsando os anjos que fugiam ao ver sua coragem. Por cima do orador na tribuna, os barulhos estridentes das espadas eram os únicos que o garoto Eduardo ouvia em sua mente e sorria satisfeito ao deixar o recinto livre dos anjos rebeldes. Viajava nos seus pensamentos, e essa era a sua maior diversão. Na vila, havia muitas meninas bonitas, e Eduardo já sentia seu coração bater mais forte, quando elas falavam com ele. 15

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Uma em especial deixava-o com as bochechas coradas somente por cumprimentá-lo: Ana Clara, loira, olhos verdes, cabelos lisos até a cintura, um furinho desenhado no queixo e uma voz suave de menina que parecia o canto de uma sereia. Era a mais velha de quatro irmãs e também a mais linda. – Oi, Dudu. Tudo bem? Vamos até o jardim da vila brincar? O dia está bonito e cheio de passarinhos e flores. Não fica aí parado. Vamos lá. Eduardo ficou vermelho, suas pernas tremiam, e ele não sabia o que dizer, mas conseguiu soltar uma palavra de sua boca. – Quero sim. E foram passear no jardim. Ana Clara com seu olhar meigo colocou a mão sobre a mão de Eduardo, e eles continuaram a caminhar ouvindo o canto das aves. O menino mesmo nervoso aproveitou aquele momento mágico e começou a conversar com Ana Clara: – Que tal se nós saíssemos no fim de semana? – Dudu, podemos nos ver ou passear de vez em quando, aqui na vila, mas meus pais não deixarão que eu saia com você. Nós somos muito jovens. Com o tempo, quem sabe? – respondeu a menina. – Está bem. De vez em quando, vamos nos ver. E começou ali um namoro doce e infantil de olhares e conversas que fez o garoto descobrir outro mundo muito além de sua imaginação. Terminado o ensino fundamental na escola da indústria, agora era hora de mudar de colégio. A fábrica fez um convênio com uma boa escola particular, onde os filhos dos funcionários ganharam bolsas de estudos. Foi a oportunidade perfeita para o adolescente continuar seus estudos em uma boa escola. 16

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Logo que chegou ao colégio novo, Eduardo começou a fazer amizades com facilidade. Como sempre se esforçava na escola, conseguiu acompanhar o ensino com tranquilidade. A escola era da igreja católica e também tinha aulas de religião, em que o jovem sempre acompanhava os trechos da Bíblia que eram lidos pelo padre e professor de ensino religioso. Ele conhecia os textos principais da Bíblia de cor, e certa vez o padre Antônio José, da paróquia de Monte Belo, estava fazendo um sermão para todos os alunos da escola e perguntou: – Alguém aqui saberia dizer os nomes dos doze apóstolos de Cristo? Eduardo prontamente levantou a mão direita, como aprendera na escola da fábrica quando queria dar uma resposta. – Pode falar, rapazinho – disse o padre. – Segundo o livro de Mateus, capítulo dez, versículo dois, eram: Pedro e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus; Tiago, filho de Alfeu; Judas Tadeu; Simão, o Zelote; e Judas Iscariotes, que foi quem o traiu. – Meus parabéns, meu jovem. Vejo que os alunos desse colégio conhecem bem a Bíblia – falou o padre. Eduardo já havia lido toda Bíblia e conhecia todas as histórias. Os alunos ficaram olhando para ele assustados. “Quem poderia saber o nome dos doze apóstolos de Cristo?” – pensavam. No entanto, não imaginavam que ele sabia muito mais a respeito de assuntos religiosos. Eduardo conheceu muitos estudantes novos, como o nissei Nilo Sato, que gostava de fazer ginástica e se exercitar nas barras paralelas do ginásio do colégio. – Como vai, Eduardo? Vi seu nome na lista de chamada e percebi que você era novo aqui – disse Nilo Sato para quebrar o gelo. 17

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– Vou bem – respondeu Eduardo. – Espero que possamos ser amigos. Logo se aproximaram mais dois jovens, Murilo e Cristiano, que gostavam de jogar basquete. – Olá, novato, que tal jogarmos um pouco de basquete no ginásio, na hora do recreio? Assim poderemos nos conhecer melhor. E foram aproveitar o tempo para jogar um pouco e se exercitar. Mas nem tudo na sala de aula era tranquilo. Enquanto Eduardo respondia às perguntas feitas pelos professores, um aluno sentado na última carteira da primeira fila, próxima à janela, olhava para ele com os olhos brilhando, cheios de inveja por causa dos comentários elogiosos a respeito do jovem inteligente, feitos pelos mestres e colegas de classe. Seu nome era Glauco Cardoso Peçanha de Albuquerque, cabelos negros, encaracolados, olhos castanhos e grandes, cútis branca, nariz grande, altura mediana e de compleição magra. Há dois anos sempre se destacara na sala de aula como bom aluno, porém há algum tempo não conseguia mais acompanhar a matéria e passou a ter dificuldade nos estudos. Não se relacionava bem com seus pais e não os escutava. Em vez de pedir ajuda aos professores e colegas para aprender, alimentava sentimentos de raiva e inveja ao ver os outros alunos se destacarem. E Eduardo, com seu carisma, passou a ser alvo de seu ódio. Glauco passou a implicar com Eduardo na hora do recreio: – E então, calouro? Não faz nada além de estudar? E deu um tapa na cabeça do menino para expressar seu desprezo. Quando Nilo Sato e Murilo estavam com Eduardo, Glauco nem mesmo se aproximava, no entanto, quando Eduardo estava sozinho, logo o aluno aparecia para aborrecer o rapaz. Mas um dia 18

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Glauco iria se arrepender amargamente por importunar o jovem novato. Depois das aulas, Eduardo ia para casa com sua bicicleta. Às terças e quintas, ia à igreja com seus pais, sua irmã Anabela, que tinha quatro anos de idade, e seu irmão Francisco, com apenas dois anos. Em uma dessas reuniões religiosas, Eduardo observou uma menina que tinha cabelos castanho-claros, olhos cor de mel, boca bem feita, lábios grossos e bem contornados. Ele estava com treze anos e ela aparentava doze. Era muito bela, e Eduardo logo sentiu seu coração palpitando quando a menina lhe dirigiu o olhar. Seu nome era Helena. Poderia sentir o ardor de sua pele em chamas, imaginando seu toque doce, vindo de mãos alvas, que brilhavam de tão claras com as luzes do local. Não conseguia prestar atenção no sermão do pastor da igreja ou simplesmente achava que o céu era bem ali... próximo à circunferência em que estava a menina que o havia encantado, sem ao menos conhecê-la ou saber seu nome. Deveria ter adoecido repentinamente. Era essa a justificativa por sentir coisas que jamais sentira antes. Por mais que os pais olhassem apreensivos para ele, que não conseguia mais prestar atenção nas palavras do orador, ou sequer direcionava os olhos a outra imagem que não fosse aquela tão linda e repentina que acabara de descobrir.

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